Você está na página 1de 6

Universidade de Aveiro Mestrado em Psicologia Forense

Introdução à Psicologia Forense Docente: Marco Vasconcelos

Investigação Criminal

A investigação criminal constitui uma área do conhecimento especializado que


tem como objectivo a descoberta e reconstituição dos acontecimentos tal qual se
verificaram, como factos penalmente relevantes e a demonstração do vínculo a quem
devem ser imputados. Comporta o conjunto de diligências efectuadas no local do crime
que se deve revestir de cuidados e procedimentos pré-estabelecidos.
“As diligências mais importantes a realizar serão: o isolamento do local, a sua
preservação e a recolha dos vestígios” (US Department of Justice, 1999). Quando um
Órgão de Polícia Criminal tem conhecimento de um crime, deve tomar as devidas
medidas cautelares previstas no Código do Processo Penal, de forma a preservar as
provas. “Devem ser tomadas diligências, por parte do Órgão de Polícia Criminal que
teve conhecimento do crime, para a preservação do local do crime” (Fisher & Block,
1993). É fundamental que o investigador criminal, compreenda o que se passou no local
do crime, estabelecendo uma possível relação entre o acto e o autor do mesmo. Este é
um passo determinante para o sucesso e eficácia da investigação e da perícia.
Estas investigações têm como propósito proceder à recolha de vestígios
relevantes, que devido à sua especificidade, devem ser recolhidos por Técnicos de
Criminalística (detentores de formação adequada e específica), pois deles pode
depender a resolução do crime. “Vestígio é toda a modificação física ou psíquica
provocada por conduta humana, de acção ou omissão, que permita tirar conclusões
quanto aos factos que a causou” (Vestígios/GNR, 2000).
Toda esta conjuntura depende, basicamente, dos métodos e procedimentos
adoptados na recolha efectuada e na investigação no local do crime. “Os vestígios são
sinais, traços ou manchas deixados por um indivíduo, os quais permitem que os
Técnicos de Criminalística e os Investigadores Criminais, recorrendo a meios técnicos e
metodologia científica específica, obtenham evidências referentes a um crime e ao seu
autor” (US Department of Justice, 1999).
É pelos motivos referidos que se devem preservar todos os vestígios e a sua
recolha, mesmo os que possam parecer irrelevantes, a fim de poderem ser avaliados nas
suas melhores condições. “Na recolha de vestígios, não basta chegar no local do crime e
recolher; deve ser feita uma aproximação objectiva, integrada e estudada, possibilitando

Cláudia Silva nº 52596


Universidade de Aveiro Mestrado em Psicologia Forense
Introdução à Psicologia Forense Docente: Marco Vasconcelos

uma recolha e preservação dos vestígios de forma a salvaguardar a informação neles


contida. Interessa que a informação seja a mais fidedigna possível (US Department of
Justice, 1999).”
De um modo sistemático, os vestígios podem ser ordenados conforme a sua
natureza, apresentação e valor. Podem ser considerados vestígios físicos, quando são
materialmente individualizáveis, vestígios e materiais, quando se revelam nas condutas.
Os vestígios físicos podem por sua vez ser: orgânicos ou biológicos (sangue, saliva,
esperma, matéria fetal, fezes, urina, secreções, pêlos e cabelos, unhas, estupefacientes,
fibras vegetais, plantas, fungos, pólenes, insectos, larvas...); inorgânicos (instrumentos,
fragmentos, poeiras, solos, tintas, vidros, gazes, manchas de substancias, explosivos,
estupefacientes sintéticos, metais, fibras sintéticas, venenos e substancias químicas,
papel, documentos...); morfológicos (impressões digitais, palmares e plantares, pegadas,
arrastos, marcas de objectos, ferramentas, pneus, mãos, dentes, lábios, balísticos,
escrita, chaves e fechaduras...). Os vestígios morfológicos podem ser visíveis ou
latentes, consoante o modo como se expõem.
É na identificação, análise e interpretação dos vestígios que a investigação
criminal se incorpora numa área do saber transdisciplinar e transversal.
A investigação criminal no local do crime tem como principais objectivos:
a) Apurar da veracidade do delito cometido – verificar se o crime denunciado é
de facto, ou se é simulado;
b) Averiguar o móbil do crime – pois é de grande relevância a descoberta do
que levou o autor do crime a comete-lo;
c) Identificação do autor ou presumíveis autores – a investigação e as recolhas
efectuadas pelos técnicos de criminalística, são de exterma importância para a
descoberta do autor do crime. Deve-se recolher informação acerca de todas as pessoas
que estiveram no local do crime, para se proceder à comparação de resultados e
posteriormente à exclusão de suspeitos;
A inspecção no local do crime deverá ser sempre realizada de acordo com o
‘Princípio da Oportunidade’, pois poderá ser a única hipótese de recolher os vestígios aí
deixados pelo autor do crime.
Os técnicos de criminalística executam a sua missão de acordo com as
seguintes etapas da inspecção judiciária (procedimentos definidos pela Secção Central
de Criminalística da GNR):

Cláudia Silva nº 52596


Universidade de Aveiro Mestrado em Psicologia Forense
Introdução à Psicologia Forense Docente: Marco Vasconcelos

a) Actos preparatórios;
b) Inspecção Judiciária propriamente dita;
c) Acções ulteriores.
Numa investigação criminal devem ser adoptados os seguintes métodos e ter
em conta as suas etapas fundamentais:
a) Actos preparatórios, quando se tem conhecimento de um crime:
1. Proteger a cena do crime, isolando o local, para o preservar tal como
ficou após o crime. Devem ser registadas as horas de chegada;
2. Não alterar o local, antes que se proceda devidamente, à sua
identificação e registo, quer fotográfico e videográfico, quer à elaboração de croquis;
b) A inspecção judiciária, propriamente dita, tem como missão fundamental:
1. A procura e protecção de vestígios;
2. A reconstrução teórica do local do crime através dos vestígios;
3. A recolha, conservação e transporte dos objectos, provas ou vestígios,
presumivelmente relacionados com o crime, e respectivo registo;
4. A elaboração do relatório;
c) As acções posteriores da inspecção judiciária são as seguintes:
1. Acondicionamento e envio de vestígios biológicos ao laboratório
forense;
2. Elaboração e envio de documentação à entidade judicial;
3. Articulação com os laboratórios forenses.
Segundo Ferreira Antunes (1984), são três as principais ferramentas da
investigação criminal: informação - conjunto de procedimentos tendentes à obtenção
das indicações pessoais; interrogatório - relação interpessoal que se estabelece entre um
emissor e um receptor: testemunha, arguido, colaborador, fonte de informações versus
investigador que dela necessita; e dados de observação de exame – recolha e análise de
dados.
No particular domínio do interrogatório, o conceito de investigação criminal
depende de um conjunto de atitudes técnicas e de procedimentos onde a psicologia
forense poderá prestar um contributo muito significativo, já que compreende o
desenvolvimento da comunicação interpessoal, a interpretação e análise do
comportamento delinquente e a definição dos perfis criminais.

Cláudia Silva nº 52596


Universidade de Aveiro Mestrado em Psicologia Forense
Introdução à Psicologia Forense Docente: Marco Vasconcelos

Porém não podemos menosprezar na investigação criminal de laboratório, o


recurso às ciências e às áreas do saber experimental, destinado à produção de provas
materiais, resultantes da recolha e tratamento analítico de vestígios físicos. Deve
salientar-se, neste campo, o inegável e enorme contributo da ciência em geral,
nomeadamente da medicina forense e das ciências experimentais no aumento da
eficácia e da capacidade de resposta da moderna investigação criminal. Produzem-se
neste sector provas de solidez demonstrativa em oposição à natureza frequentemente
precária e tendencialmente indicativa apenas da prova pessoal.
A medicina legal e algumas ramificações do conhecimento médico
especializado e aplicado, tal como a odontologia forense, por exemplo, constituíram o
primeiro corpo do conhecimento científico auxiliar da investigação criminal. Mas com o
progresso científico, outras ciências e áreas do conhecimento estruturado se afirmaram
de igual modo: a biologia forense na análise de vestígios biológicos e, mais
recentemente a serologia e a genética na identificação humana através do ADN.
O contributo de todas estas e ainda de outras áreas científicas, tais como: a
toxicologia forense, a física e química forenses, a balística, a documentologia, a
economia e gestão, a contabilidade, a informática, a acústica e óptica, assim como
diversos ramos da engenharia conduzem-nos numa perspectiva de integração
interdisciplinar ou de ciência aplicada, ao conceito de criminalística. Este conceiro foi
criado por Hans Gross (1847-1915), jurista austríaco professor da Universidade de
Graz, em 1893, justamente como um sistema de integração de várias ciências e áreas do
saber cientifico e tecnológico, adaptadas e aplicadas às necessidades do direito e, em
particular, da investigação criminal, um espaço de interdisciplinaridade, onde as
diversas áreas do conhecimento de entrecruzam e complementam. É aqui que se pode
localizar a polícia científica, imprescindível retaguarda de apoio e auxílio instrumental à
descoberta dos crimes e dos seus autores e que visa alicerçar a produção da prova
material, com o rigor, a fundamentação e a certeza do método científico. Esta é
detentora de um conjunto de actuações e metodologias que visam garantir a
autenticidade, através da preservação, registo, embalagem, etiquetagem e guarda de
vestígios e ainda na adopção de um conjunto de medidas que obstruam a contaminação
quer do local do crime, quer desses vestígios nele recolhidos.
Na produção da prova material, a criminalística e as ciências auxiliares da
investigação criminal e da aplicação do direito penal aplicam procedimentos de

Cláudia Silva nº 52596


Universidade de Aveiro Mestrado em Psicologia Forense
Introdução à Psicologia Forense Docente: Marco Vasconcelos

observação, técnicas de análise e interpretação de vestígios, diligenciando através de um


método comparativo obter conclusões de natureza qualitativa, assentes em critérios de
similitude demonstrada e que suportam o pretendido valor probatório; pretendem
também obter conclusões de natureza quantitativa (matemáticas e estatísticas), assentes
em critérios de probabilidade para suporte de um valor indiciário.
Resumidamente poderemos dizer que é no recurso sistemático ao saber
científico que se reafirma a natureza transversal e multidisciplinar, que é um dos traços
característicos da investigação criminal.

Cláudia Silva nº 52596


Universidade de Aveiro Mestrado em Psicologia Forense
Introdução à Psicologia Forense Docente: Marco Vasconcelos

Bibliografia

Antunes, M.A.F. (1984). Técnica de investigação criminal, BMJ, Lisboa, 338, p 7-44.
Fisher, B. A., Block, S. (1993). Techniques of Crime Scene Investigation, Fifth
Edition, CRC Press.
Guarda Nacional Republicana (2000). Plano Estratégico – Investigação Criminal
e Análise de Informação Criminal. Comando Geral da GNR, Lisboa, Out2000.
Guarda Nacional Republicana (2000). Relatório do Grupo de Trabalho “Malas de
Tratamento de Vestígios”, Comando Geral da GNR, 2ª Repartição, 2000.
U. S. Department of Justice (1999). A guide for law enforcement, Crime Scene
Investigation, Office of Justice Programs, Washington, USA.

Cláudia Silva nº 52596

Você também pode gostar