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Uma história encantada no desencanto da comunicação manipulada

Contam que Natham Rotschild contratou um barco a vapor para presenciar a


batalha de Waterloo. Terminada a refrega, foi o primeiro a chegar a Londres com
a informação, que não deu a conhecer a ninguém. Mas fez um gesto aterrador:
rematar rápida e publicamente as suas ações. Isto fez crer aos bolseiros — que
sabiam de onde vinha Natham — que Napoleão tinha ganho. Entretanto, por
portas travessas, os seus corretores compravam e compravam barato para ele
no meio do pânico financeiro. No dia seguinte, quando chegou a verdadeira
notícia, subiram as acções muito acima da cotização anterior à batalha. Então
muitíssimas eram já de Nathan, incluindo as que vendeu e foram recompradas
pelos seus agentes. Foi assim como se fundou o ramo Rotschild de Inglaterra:
usando astuta e avessamente uma tecnologia novíssima — o barco a vapor —
que lhe deu uma vantagem estratégica sobre os financistas rotineiros. Não sei
se este episódio é verificável, mas é significativo que se conte, pois, se na época,
a inovação tecnológica, ainda escassa, era estratégica, como será hoje, quando
se moderniza a cada minuto?

Os portugueses ainda hoje têm bem presente o aval de um presidente da


república à emissão de ações do BESCL. Na verdade, a subtileza da mensagem
não dizia às pessoas para comprarem mas, se o presidente manifestava
confiança, porque não comprar? Só que daqui não veio nenhum Rostchild mas
vieram muitas vítimas distraídas pela ambiguidade da informação.

Por outro lado, está confirmado o episódio em que Napoleão recusou o invento
da máquina a vapor. Também é verdade que a máquina a vapor foi inventada
antes de Fulton, em 1543 por Blasco de Garay. Fez a sua primeira demonstração
em Barcelona, mas o ministério da Fazenda, «seja por superstição ou outro
motivo», conta Andrés Belo, não quis dar os fundos para o desenvolvimento
desta tecnologia. Tanto Napoleão como Espanha pagaram caro esta imprevisão.
É fácil imaginar como teria mudado a história se um qualquer deles tivesse
adoptado a máquina de vapor.

É o preço da arrogância desdenhosa de certas tecnologias. Mais próxima no


tempo temos o caso do Presidente da Hewlet Packard perante Steve Jobs e
Steve Wozniak, que pronunciou a famosa frase: «Quem quer um computador
pessoal?» A administração da Xerox desdenhou igualmente o computador de
interface gráfica que o seu laboratório de Palo Alto desenvolveu. Apple Computer
adoptou essa tecnologia e criou a Macintosh, a partir da qual se expandiu a
interface gráfica e tornou viável a World Wide Web.

Eis como a informação vale, sobretudo, pelo uso que o recetor dela faz. Quer o
emissor manipule ou não os dados. Aconteça hoje ou há cem anos. Vamos
sempre assistir a desencontros de análises, a verdades alternativas a não-
factos. O recetor não se pode deixar enganar, exigindo a si mesmo o rigor que
as fontes não lhe dão.

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de


Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

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