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ARTIGO

A GESTÃO DO CONHECIMENTO E A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA1


Carlos Demantova NET02
Rose MaryJulianoLONG03

"Não se compra a tecnologia mais barata ou a mais


moderna, mas sim a que mais convém para resolver o
problema de quem compra" Sábato (1972).

RESUMO

Nessa quarta "Onda ", a do Conhecimento, sabemos que entre os grandes desafios que
devemos enfrentar para a construção de uma sociedade mais moderna, rica ejusta, estão,
como ressalta o Relatório para o Desenvolvimento Mundial "Conhecimento para o
Desenvolvimento - 1998/1999" 4,preparado pelo Banco Mundial, os da diminuição das
"lacunas de conhecimento" e o da eliminação dos problemas defluxo e de acesso às infor-
mações. "Embora seja impossível eliminar por completo as deficiências de informação,
reconhecê-Ias e enfrentá-Ias é crucial para obter mercados eficientes e, em conseqüência,
fundamental para um crescimento rápído, eqüitativo e sustentado ".5 Se o problema das
"lacunas de conhecimento" tem conexão estreita com as deficiências de informação, en-
tão, nada mais natural que, ao buscar equacionar àquelas, procuremos soluções para cor-
rigir estas. Eliminar as "lacunas de conhecimento", talvez seja uma tarefa quase
impossível para os países em desenvolvimento. Minimizá-las, no entanto, é uma possibili-
dade concreta. Com foco nesse objetivo, a questão central para a qual procuraremos uma
resposta ao longo deste trabalho será: Como utilizar de maneira mais eficiente, e com re-
sultados mais eficazes, o estoque de conhecimento tecnológico disponível num país? Na
procura de uma reposta para essa questão, analisaremos, de maneira sucinta, alguns de-
talhes que tipificam o ambiente onde se processa a geração, a comercialização, a transfe-
rência e a transformação do conhecimento em inovação, quando, então, ele se transforma
em riqueza e produz bem-estar. Conhecidas as particularidades e as peculiaridades desse
tipo de mercado, conhecidas as características dos agentes que atuam nesse processo, en-
tendemos que será possível, pela análise dos dados e das informações disponíveis e pela
melhor compreensão dos problemas hoje existentes, sugerir caminhos capazes de acelerar
epotencializar os beneficios econômicos e sociais advindos da transformação do conheci-
mento em inovação.

I. Este trabalho, em sua essência, foi apresentado, pelo autor Carlos Demantova Neto (em nome da ANATEL), em set/2000, como
uma proposta brasileira para incentivar o comércio e a transferência de tecnologia, no âmbito da UIT-D, em Genebra, sob o titulo
"Comércio e Transferência de Tecnologia no Século XXI- Uma contribuição ao desenvolvimento econômico e social". Também
foi apresentado, numa concepção resumida, à Comissão Julgadora do Premio TELEXPO 2000, sendo escolhido como primeiro co-
locado, na categoria de trabalhos não-técnicos, recebendo o Premio Ministro Sergio Motta de Telecomunicações, em março de 2000.
2. Gerente da Gerência do Conhecimento do CPqD.
3. Professora Titular da Pós-Graduação em Biblioteconomia e Ciência da Informação da PUC-Campinas.
4. "Knowledge for Development 1998/1999". World Development Report. Oxford University Press, set./1998. Esse Relatório
enfoca de maneira muito apropriada a importância do conhecimento e de sua disseminação no contexto dos países em desenvolvi-
mento. Será referenciado várias vezes neste trabalho.
5. "Conhecimento para o Desenvolvimento - 1998/1999", Revista de Inteligência Empresarial I(I), p. 20, out. 1999.

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Assim, o objetivo final deste trabalho é apresentar uma proposta que, ao lançar mão dos avanços da
Tecnologia da Informação e das facilidades oferecidas pelas Redes de Telecomunicações (com seus
custos decrescentes e capilaridade mundial), possibilite, pela redução dos problemas de informação.
diminuir as "lacunas de conhecimento" e, com isso, maximizar os ganhos da sociedade. pela revela-
ção e pela apropriação mais eficiente do conhecimento já existente, e disponível para intercambio,
comércio e transferência.

Palavras chave: gestão do conhecimento; inovação tecnológica; transferência de tecnologia.

ABSTRACT

In this fourth "wave ", the one ofknowledge, it is known that, among the great challenges we shall face
for the construction of a more modern, wealthy, andfair society, are those of diminishing the "gaps of
knowledge" and that of eliminating problems with thejlow and the access to information, as it is emp-
-
hasized in the Reportfor World Development "Knowledgefor Development 199811999". prepared
by the World Bank. Ifthe problem ofthe "gaps ofknoledge" is strongly connected to the deficiencies
ofinformaion, then it is natural that in trying to solve those, we should lookfor solutions in order to
correct htese. To eliminate the "gaps ofknowledge" may be n almost impossible taskfor developing
countries. To diminish these gaps ispossible. Foccusing this purpose, the central question to which we
willlookfor an answer, in this paper, will be: How to use, in a most efficient way, and with positive
results. the stock oftechnological knowledge available in a country? Searchingfor an answer to this
question we will analyse, briejly, some aspects of the typical environment where it is processed the
generation, the commecialization, the transfer and the transformation ofknowledge into innovation.
Whem. then, it is transformed into richness and it produces well being. When we know the peculiari-
ties of this type of market, and the characteristics of the agents that act in this processo we understand
that it will be possible (having data and the available information analysed and having a better
understanding of the existing problems of the present times) to suggest ways capable of accelerating
economic and social benefits derivedfrom the transformation ofknowledge into innovation. Thus, the
final aim ofthis paper is to present a proposal that enable us to shorten the "gaps ofknowledge" and,
thus, reduce information problems and maximizing society gains, by revealing and, efficiently, appro-
priating the existing knowledge and making it available for interchange, commerce and transference.

Key words: knowledge management; technology innovation; technology transfer.

INTRODUÇÃO

Com o objetivo de traçarmos um quadro que refletem seus pensamentos, julgamentos, opiniões
nos forneça uma visão panorâmica do ambiente para ou avaliações. Em assim sendo, é muito natural que
o qual endereçaremos a nossa proposta, iniciaremos tenhamos à disposição várias e diferentes definições
este trabalho discorrendo, muito brevemente, sobre para uma mesma identidade. Provavelmente não
algumas características que tipificam os processos haverá uma melhor ou mais certa do que a outra. O
de comercialização, transferência e inovação ligadas que realmente importa é a clareza do entendimento e
à tecnologia. Antes, porém, para um melhor entendi- a sustentação à argumentação que a definição nos
mento da visão que adiante será delineada, apresen- forneça no contexto em que vier a ser empregada.
taremos quatro conceitos básicos recorrentes às dis- Nesse sentido, e para os fins deste trabalho,
cussões em tomo do conhecimento tecnológico.
vamos adotar os conceitos a seguir relacionados que
nos parecem suficientemente abrangentes e obje-
Todos sabemos que definições e conceitos,
tivos para os propósitos dessa discussão que inicia-
por serem representações elaboradas por pessoas,
remos no capítulo seguinte.

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Tecnologia: Assim, toda a invenção introduzi da no Siste-


ma produtivo gera uma inovação, mas nem toda a
Segundo Sábato,
inovação é resultante de uma invenção.
"tecnologia é um conjunto organizado de Rick Brown caracteriza a inovação como:
conhecimentos, utilizado na produção e
"um novo produto,processo ou Sistema que
comercialização de bens e serviços, e que é
tem potencial para
criar um mercado inteira-
constituído não somente por conhecimentos
mente novo, ou mudar um mercado existente,
científicos, mas também por conhecimentos
,. ,,6 de tal maneira a criar padrões de competitivi-
empmcos .
dade ou de comportamento do consumidor". 9

Transferência de tecnologia:
Como se vê, a inovação é um fato econômico
Segundo Barbieri, a Transferência de Tecno- e, ao mesmo tempo, técnico.
logia
Gestão do conhecimento:
"pode ser entendida como o processo pelo
qual uma empresa passa a dominar o conjun- A gestão do conhecimento implica na adoção
to de conhecimentos que constitui uma tecno- de práticas gerenciais compatíveis com os processos
logia que ela não produziu. Para isso é neces- de criação e do aprendizado individual que facilitam
. sário que essa tecnologia seja completamente os modos de conversão do conhecimento tácito em
assimilada pela empresa receptora ,,7. conhecimento explícito, conforme proposto por No-
naka e Takeuchi 10.Estas práticas podem ser dividas
Capacitação tecnológica: em sete dimensões:
1. o papel da alta administração na definição
De um modo geral, pode-se dizer que capaci-
dos campos do conhecimento;
tação tecnológica é uma qualidade, desenvolvida
2. o desenvolvimento de uma cultura organi-
através de conhecimentos e habilidades, que uma
zacional voltada à inovação, experimenta-
instituição ou empresa possui para gerar ou aplicar
ção e ao aprendizado contínuo;
uma tecnologia.
3. novas estruturas organizacionais e práticas
de organização do trabalho;
Inovação tecnológica:
4. práticas e políticas de administração de re-
Em primeiro lugar, é preciso não confundir cursos humanos associadas à aquisição de
inovação com invenção. Enquanto esta "é uma idéia conhecimentos externos e internos à em-
ou modelo que representa ou descreve um produto presa;
ou processo novo ou diferente dos que já existem,,8, 5. avanços na informática, nas tecnologias de
aquela representa a introdução da invenção no Siste- comunicação e nos sistemas de informa-
ma produtivo. ção;
6. esforços recentes na mensuração de resulta-
dos; e

6. SÁBATO, Jorge A. "EI Comércio de TecnoIogia". Washington: Secretaria Geral da OEA, março de 1972. p.V.
7. BARBIERl, José Carlos. "Produção e Transferência de TecnoIogia". I. ed. São Paulo: Editora Ática, 1990,p. 42.
8. BARBIERI, José Carlos. op. cit., p. 131.
9. BROWN, Rick. "Managing TechnologicaIInnovation", Technology Strategies, abr.lI993. p. 13
10.NONAKA, I & TAKEUCHI, H. Criação de conhecimento na empresa. 5. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

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7) a crescente necessidade de as empresas en- O segundo caso, a transferência sem comér-


gajarem-se em processos de aprendizado cio, ocorre quando a transferência é feita, mas não há
com o ambiente e através de alianças com uma comercialização explícita ou uma moeda de
1i
outras empresas. troca, pelo menos aparente. Quase sempre, ela
ocorre à revelia do detentor do conhecimento, e

COMÉRCIOE A TRANSFERÊNCIA resulta da análise de documentação, cópia, contra-


tação de técnicos, contratação de consultoria, espio-
DA TECNOLOGIAPARA A INOVAÇÃO
nagem, etc.
Como se sabe, o comércio, a transferência de Além disso, para que haja uma efetiva transfe-
tecnologia e a inovação tecnológica são, por suas rência de tecnologia é preciso que, pelo menos, duas
peculiaridades próprias, etapas distintas de um condições básicas sejam satisfeitas:
mesmo processo, mais abrangente e complexo, que a) que o vendedor tenha interesse em transfe-
se inicia pela fase de pesquisa básica/aplicada e rir o conhecimento e
conclui-se quando a inovação é realizada. Por isso, b) que o comprador tenha condições de absor-
podemos dizer que essas etapas representam fatos ver o conhecimento transferido (estrutura
econômicos distintos, inter-relacionados, mas que organizacional e capacitação).
não se confundem.Assim, tanto podemos ter comér-
Por isso, para que uma empresa possa absor-
cio de Tecnologia sem transferência, como transfe-
ver uma dada tecnologia é necessário que ela possua
rência de Tecnologia sem comércio.
uma certa capacitação tecnológica. Os conheci-
O primeiro caso ocorre quando o vendedor da
mentos e habilidades necessários para absorver e
Tecnologia, em troca de uma determinada remu-
inovar tecnologicamente variam em função do tipo
neração, repassa ao comprador apenas instruções
de inovação a ser realizada.
escritas (uma receita), não transferindo o conheci- Segun do Freeman 13 ha tres tipos baSlCOSde
, ~. '.

mento utilizado para desenvolvê-Ias, ou necessário


inovação:
para ampliá-Ias. O receptor, nesse caso, apenas
a) Revolucionárias - são intensivas em ciência
manipula instruções sem saber como foram obtidas.
e têm amplo impacto sobre o Sistema produ-
Como destaca Longo, essas instruções tivo, podendo tomar obsoleta, total ou parci-
almente, a base tecnológica existente;
"são expressões materiais e incompletas da
tecnologia e, portanto, não se confundem com b) Radicais - têm impacto sobre certos merca-
a própria tecnologia, pois é o domínio desta dos, podendo modificar radicalmente a di-
nâmica de competição e,
que permite a elaboração de tais instru-
ções ".12 c) Incrementais - são resultados de esforços
cotidianos para aperfeiçoar produtos e pro-
cessos existentes, visando obter maior qua-
Se o receptor não absorver o conhecimento - lidade e maior produtividade.
somente aprender a usar as instruções recebidas -
E o que há de comum nos diferentes tipos de
pode-se dizer que ocorreu apenas uma difusão e não
uma transferência. inovação? Qualquer que seja o tipo de inovação produ-
zida, sempre vamos encontrar por trás delas o conheci-

li. GESTÃO Estratégica do conhecimento. Maria Tereza Leme Fleury e Moacir de Miranda Oliveira Jr. (Org.) São Paulo: Atlas, 2000.
12. LONGO, Waldimir Pirró e. "Tecnologia e Transferência de Tecnologia". São Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo, Curso Avançado de Aprimoramento Empresarial, USPIFDTE, 1989.
13. FREEMAN, Cristopher. "La Teoria Económica de Ia Innovación Industrial". Madri: Alianza Universidad, 1975.

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mento tecnológico - a tecnologia. Sábato nos ensina · Para o vendedor o custo marginal da tecno-
que a Tecnologia
logia pode ser baixíssimo;

"é uma das principais manifestações da


· Para o comprador, a opção pelo desenvol-
vimento próprio apresenta risco e custo ele-
capacidade criadora do homem. Porém, vado;
como também é algo que se produz e distribui,
· O comprador compra o que não conhece;
se compra e vende, se importa e exporta, no
Sistema econômico a Tecnologia é uma · O comprador, por não dispor de todas as
informações, tem baixa capacidade de
mercadoria, uma autêntica "commodity of
,,14 negociação ftente ao vendedor;
commerce
· O comprador, para minimizar o risco,
prefere comprar "pacotes fechados";
Acontece que a Tecnologia não é uma merca-
doria qualquer. Como ela pode ser usada como um
· Os contratos podem apresentar cláusulas
restritivas;
fator de dominação do mercado, sua comerciali-
zação reveste-se de características muito peculiares. · O fornecedor pode manter o comprador
dependente, seja da tecnologia ou da assis-
Abaixo, relacionamos algumas das características da
tência técnica;
tecnologia e de seu comércio, como destacadas nos
trabalhos de Longol5 e Barbieril6: Pela análise dessas características, é possível

· Comporta-se como uma mercadoria, por-


tanto, tem preço e propriedade;
perceber que o mercado de tecnologia é um mercado
imperfeito. De um lado temos um vendedor agressi-

· Tem valor de uso e valor de troca;


vo, com informações quase perfeitas, bem treinado,

· Por ser conhecimento, é intangível;


com alta capacidade de negociação e que prefere
vender "pacotes fechados", objetivando manter o
· Seu valor, e seu preço, por ser um bem comprador dependente de sua tecnologia ou de sua
únicoe intangível,é difícilde calcular; assistência técnica. Quase nunca está interessado,
· Como um produto comercializável,suas verdadeiramente, em transferir a tecnologia que
informações têm circulação restrita; detém. Prefere vender instruções. Seu propósito é
· Não é exaurível pelo uso; obter o maior ganho possível, no menor espaço de

· Exige aplicação rápida e intensa;


tempo, tirando de seu "produto exclusivo" (o conhe-

· Torna-se obsoleta com o tempo;


cimento), o maior rendimento que puder. Portanto,
não é um apreciador da exclusividade. Sua posição
· Pode ser implícita (incorporada em bens e negocial só não é absoluta porque é obrigado a
serviços) ou explícita (acumulada em conviver com pelo menos três fatores de insegu-
pessoas ou documentos); rança, os quals sejam:
· É um comércio monopolista. Num pri-
meiro instante, quem desenvolveu a tecno-
a) necessidade de revelar parte de seu conhe-
cimento sigiloso para poder negociar (o di-
logia é seu único detentor; lema da "caixa preta");
· O Sistema de Patentes confere ao produtor b) incerteza quanto ao recebimento integral do
uma exclusividade sobre o privilégio; valor acordado pelo fornecimento de seu
conhecimento e,

14. Sábato, Jorge A. op. cit., p.1


15. LONGO, Waldimir Pirró e. op. cit.
16. BARBIERl, José CarIos. op. cit.

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c) pressão do tempo que corre contra seus inte- mentos desenvolvidos internamente ou adquiridos
resses (Oconhecimento tecnológico se tor- de entidades externas. Além das considerações
na obsoleto ao longo do tempo).
econômicas, vários são os motivos que levam uma
Já do outro lado, encontramos um comprador empresa a comprar tecnologias. Um dos principais,
que, freqüentemente, negocia em posição frágil. para ficarmos apenas no mais comum, é aquele
Suas informações são incompletas e imprecisas. em que a compra é feita para "eliminar etapas do
Tem dificuldade em avaliar o valor do que está com- processo inovativo e evitar a perda de tempo e de
prando, pois compra o que não conhece (se não, não recursos para gerar e organizar conhecimentos quejá
. . .' " 17
compraria). Suas alternativas não lhe são favoráveis: estanam dlSpOnIVels.
ou não tem tempo, ou recursos, para buscar um É interessante notar, contudo, que as empresas
desenvolvimento autônomo, ou desconhece outras não são inovadoras por vocação. "Inovar não é um
fontes para o fornecimento do conhecimento que objetivo, mas tão somente um meio utilizado pela
necessita, ou, se as conhece, a elas pode não ter empresa para alcançar seus objetivos".18 Ora, se
acesso. Além disso, não gosta de concorrência e, inovar não é um objetívo, podemos, então, dizer que
para se proteger dessa possibilidade, busca garantir seria uma estratégia da empresa. Nesse caso, sob
exclusividade, sujeitando-se, assim, a condições esse ponto de vista, a inovação precisaria ser exami-
contratuais restritivas. Por fim, como não conhece nada sob o enfoque organizacional.
perfeitamente os detalhes do que está comprando e, Fleury faz-nos notar que
portanto, das competências necessárias à adequada
"no nível das empresas, existe relação entre
implementação da tecnologia em aquisição, prefere,
estratégia e organização. Esse argumento,
por insegurança, comprar "pacotes fechados", o que
que se notabilizou no clássico livro de Chand-
agrava sua dependência do fornecedor.
ler. implica que se uma empresa dá priori-
Como se vê, a relação entre fornecedor e com-
dade à tecnologia em sua estratégia de desen-
prador de tecnologia é, para se dizer o mínimo, uma
volvimento, deverá estruturar um conjunto de
relação delicada. E tão mais delicada se torna quanto
funções organizacionais especificas para
maiores forem os interesses comerciais, muitas . ' ' . ,,19
Via bIl lza- Ias .
vezes ocultos, envolvidos na negociação.
Finalmente, como só se compra tecnologia
De fato, Freeman20,estudando diversas ino-
porque se pretende inovar, resta-nos ainda, para
vações importantes, concluiu que as empresas que
completar esse quadro panorâmico sobre o meio
obtiveram sucesso nessas inovações apresentavam,
onde se processa o Comércio e a Transferência de
entre outras, as seguintes características:
Tecnologia, examinar algumas questões relacio-
nadas ao processo da inovação tecnológica. · Uma intensa P&D profissional dentro da
empresa;
De acordo com o conceito aqui adotado, a
inovação somente ocorre em nível da empresa · Realização de pesquisa básica ou estreita
conexão com quem as realiza;
produtora de bens e serviços, e resulta de conheci-

17. Ibid., p. 132


18. SOARES, Maria L R. T. "Política Científica e Tecnológica no Contexto de uma Comunidade Econômica Européia". Revista da
Administração, São Paulo 25(3):61-68, jul./set. 1990.
19. FLEURY, Afonso. "Capacitação Tecnológica e Processo de Trabalho". Revista de Administração de Empresas 30(4):23-30, p. 24,
out./dez 1990.
20. FREEMAN, Cristopher. "La Teoria Económica de Ia Innovación Industrial". Madri: Alianza Universidad, 1975, pp. 173-4 (cita-
do por BARBIERl, José Carlos. op. cit., p. 72 ).

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· USO de patentes para assegurar proteção e


poder de barganha com as empresas con-
Nessa linha, podemos identificar, pelo menos,
cinco tipos básicos de organizações, os quais sej am:
correntes;
· Tamanho suficientemente grande para fi-
nanciar gastos bastante grandes em P&D,
· Organizações tipicamente consumidoras:
normalmente, são pequenas e médias em-
presas. Só compram tecnologia - quase
durante longos períodos; sempre as mais baratas, já obsoletas ou em
· Prazos de decisões mais curtos que os dos
concorrentes;
início de obsolescência - de acordo com
suas necessidades imediatas. Não se preo-
· Inclinação para assumir riscos;
cupam, necessariamente, com a transferên-

· Rápida e imaginativa identificação de um


mercado potencial;
cia dos conhecimentos que as gerou. Com-
pram uma lista de instruções, uma fórmula,
uma receita para produzir um dado produto
· Cuidadosa atenção ao mercado potencial e
esforços consideráveis para captar, educar
ou processo inerente à sua linha de negóci-
os. Não possuem equipe própria e capacita-
e ajudar os usuários; da para absorver as tecnologias adquiridas,

· Esforço empresarial com suficiente eficá-


cia para coordenar P&D, a produção e a co-
ou produzir novas tecnologias. Quando
muito, realizam pequenas inovações incre-
mentais. Normalmente não revendem a tec-
mercialização; nologia comprada, seja porque não há mais
· Boas comunicações com o mundo e com os
clientes (pp. 173-4).
mercado para ela, seja porque o seu valor
residual é muito baixo ou, ainda, porque
não têm estrutura comercial para esse tipo
As constatações que emergem dessa pesquisa de negócio;
não deixam dúvidas sobre a importância e o papel da
estrutura organizacional das empresas no processo
· Organizações inovadoras: são, normal-
mente, empresas de médio ou grande porte.
de inovação. Mas, apesar de estar claro que a ino- Possuem, quase sempre, um núcleo de
vação resulta de uma ação planejada e desenvolvida pessoal capacitado ao desenvolvimento das
inteiramente no âmbito da empresa, é importante tecnologias utilizadas no seu segmento de
destacar que a inovação tecnológica não pode e não negócios. Compram tecnologias que ainda
deve ser olhada apenas como um dos fatores deter- não dominam com o objetivo de acelerar o
seu processo de inovação. Apresentam
minantes do êxito de uma empresa (visão microeco-
estrutura de P&D própria, com capacitação
nômica) e, portanto, de seu exclusivo interesse. O para absorver e alavancar o conhecimento
valor estratégico da inovação, como vetor do desen- utilizado na geração da tecnologia adqui-
volvimento socioeconômico (visão macroeconô- rida. Eventualmente revendem tecnologias
mica), extrapola os limites dos interesses imediatos que dominam e que se tenham tomado
dos empresários para ocupar espaço nas preocu- ultrapassadas para sua linha de produtos,
mas não para o mercado. São protagonistas
pações e nas ações de longo prazo do Estado.
de inovações incrementais e/ou radicais;
Mas, afinal, quem são, e como se posicionam
no mercado, os agentes econômicos envolvidos com · Organizações inovadoras dominantes:
empresas de médio e grande porte. Atuam
a questão da inovação?
em mercados muito especializados. Possuem
Para completar o desenho do cenário com o núcleos de P&D altamente capacitados e
qual nos ocupamos, é necessário que tenhamos uma especializados capazes de atuar no "estado
visão das características dos tipos de organizações da arte". Utilizam a tecnologia endógena
que praticam o Comércio de Tecnologia objetivando para dominar os segmentos de mercado em
que atuam. Dificilmente adquirem tecnolo-
a inovação, seja esta resultado de uma ação direta ou
indireta. gias de terceiros. Quando o fazem, são

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movidas por interesses que objetivam o e de sua infra-estrutura instalada, são fortes
domínio ou a manutenção estratégica de presta dores de serviços tecnológicos e de
mercados. Freqüentemente, preferem consultorias, à exceção dos softwares
negociar o estabelecimento de alianças ou desenvolvidos, que já são, por si só, inova-
parcerias estratégicas ou, ainda, o licencia- ções, raramente produzem outros tipos de
mento cruzado. Eventualmente, se isso inovação, no contexto da definição que
não representar riscos aos seus negócios, aqui adotamos.
comercializam suas tecnologias mais
De uma maneira geral, sem maiores preocu-
antigas. São capazes de realizar inovações
incrementais, radicais e revolucionárias; pações com o detalhamento exaustivo das especifici-

· Organizações geradoras casuais: nessa ca- dades desses tipos de organizações, podemos dizer
que assim se caracterizam as entidades produtoras e
tegoria vamos encontrar, em maior escala,
as entidades educacionais de nível supe- consumidoras do conhecimento tecnológico.
rior, ou profissionalizantes, que não têm Como se pode observar, pela leitura das parti-
como objetivo principal desenvolver cularidades acima listadas, cada tipo de organização
tecnologias, mas que, como resultado de
tem, à sua maneira, uma relação bem distinta com
seus trabalhos com pesquisa básica e/ou
aplicada, acabam, por vezes, por gerar os processos de produção, comercialização, distri-
novas tecnologias passíveis de comerciali- buição e consumo de tecnologia.
zação. Encontramos aqui, também, as Uni- Porém, diferenças à parte, tanto quem compra,
versidades e/ou Instituições Acadêmicas,
como quem vende, têm que, necessariamente, viven-
com seu poder de gerar, produzir e difundir
o conhecimento. Outras vezes, em função ciar as questões inerentes aos processos de Comer-
da reconhecida competência em determi- cialização e de Transferência de Tecnologia, mesmo
nados campos científicos, podem ser con- que estas se apresentem de maneira condicionada às
tratadas para conduzir pesquisas aplicadas circunstâncias e às peculiaridades de cada um desses
com o objetivo de subsidiar o desenvolvi-
tipos de organização. Nesse detalhe particular,
mento de uma nova tecnologia. Pela natu-
encontramos um denominador comum entre todos
reza de suas atividades, apresentam uma
certa facilidade para criar novas tecnolo- os diferentes tipos de organizações. E esse denomi-
gias, mas acabam, quase sempre, encon- nador comum será um dos fatores viabilizadores da
trando alguma dificuldade para desenvol- proposta que apresentaremos ao final deste trabalho.
vê-Ias até o ponto da demonstração da via-
Traçado, finalmente, o pano de fundo do cená-
bilidade técnica/comercial. Não produzem,
rio onde se desenrola o comércio e a transferência
diretamente, inovações;
de tecnologia, e onde se produz a inovação, cumpre
· Organização tipicamente geradora: nesse
grupo, podemos enquadrar os Centros e reconhecer, agora, que há outros problemas que
Institutos de P&D. Desenvolvendo pesqui- entravam a apropriação adequada dos conheci-
sa aplicada em vários campos do conheci- mentos tecnológicos disponíveis, que não aqueles
mento, têm como objetivo principal desen- diretamente relacionados a esses processos em si.
volver novas tecnologias. Quase que como
Nesse âmbito, podemos identificar, entre outros, a
regra, não dispõem de estrutura fabril capaz
de transformar em produtos as tecnologias existência de sérios "problemas de informação", no
que desenvolvem. Dessa maneira, seu prin- que diz respeito à divulgação do estoque nacional de
cipal negócio é comercializar e transferir a conhecimentos tecnológicos. Problemas que afetam
terceiros as tecnologias desenvolvidas,
não só o vendedor ou o comprador do conhecimento
sejam estas fruto de sua iniciativa ou desen-
volvidas sob encomenda. Como conse- tecnológico, mas que acabam por prejudicar, em
qüência de sua alta capacitação tecnológica última análise, os interesses maiores do país.

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Vários são os motivos para que uma comuni- Para o país:


cação deficiente ocorra nesse ambiente. No entanto, · aumenta a dependência da tecnologia ex-
terna;
independente de quais sejam as razões para a exis-
tência desse problema, o que resulta evidente é que,
por conta dessa deficiência, todas as partes interessa-
· afeta a inserção do país no contexto das na-
ções desenvolvidas;
das acabam por ser prejudicadas.
De um modo muito sintético, poderíamos
· gera um dispêndio adicional e desnecessá-
rio de divisas;
apontar, para cada uma das partes envolvidas, os
seguintes prejuízos:
· compromete o desenvolvimento de tecno-
logias endógenas;
Para o vendedor do conhecimento:
· subordina o avanço tecnológico do merca-
· prejudica o retomo dos investimentos reali- do nacional a decisões externas;
zados;
· exporta empregos de alta qualificação;
· o potencial econômico da tecnologia é sub-
tilizado;
· favorece a "fuga" de especialistas;

· limita a expansão dos negócios;


· prejudica o desenvolvimento econômico e
social.
· dificulta a atração de novos clientes;
· afeta a capacidade
mente;
de competir global- CONTEXTO ATUAL

· dificulta a realização de novos investimen-


tos em P&D;
o conhecimento é o fator de produção mais
importante na economia da informação e reside
essencialmente nas mentes dos trabalhadores. Esta é
· reduz a sinergia criativa das equipes espe-
cializadas;
uma mudança dramática na forma de pensar da
maioria dos modelos econômicos.
· compromete a manutenção
especializados.
de quadros O conhecimento emergiu como elemento fun-
damental de diferenciação das organizações nestes
Para o comprador do conhecimento: últimos anos. Nas décadas anteriores, as empresas
· diminui as opções de escolha da tecnologia
mais apropriada;
apostavamnas economias de escala, proficiência em
vendas e marketing ou nos movimentos da "quali-
· eleva o custo da aquisição da tecnologia,
por falta de opções;
dade" e "foco no cliente" para aumentar sua compe-
titividade. Com o advento da tecnologia e o acesso
· limita a expansão dos negócios; em níveis mais sofisticados de informação estraté-
· afeta a produtividade;
gica, a qualidade deixa de ser um fator de diferen-

· dificulta a abertura de novos mercados;


ciação e se toma uma condição sine-qua-non para a
sobrevivência das organizações em todos os ramos
· inibe o desenvolvimento da capacitação de atividade.
tecnológica própria; A última fronteira para a diferenciação com-
· reduz as possibilidades de gerar inovações; petitiva é a inovação. De fato, a única forma de estar
· prejudica os ganhos de escala; sempre à frente é inovar antes dos competidores.
· enfraquece a capacidade competitiva no
mercado;
Assim as empresas desenvolvem um senso sobre si
mesmas, suas competências e seus ativos intelec-

· dificulta a inserção positiva no mercado


tuais que as destacam das demais. Estas empresas
têm a capacidade de "conhecer" quando e como
global.

Transinformação, v. 13, n° 2, p. 93-110, julho/dezembro, 2001


102 C. D. NETO e R. M. J. LONGO

devem fazer rapidamente as mudanças necessárias O que se pode observar, de um lado, são algu-
em mercados dinâmicos. Sabem também como se mas ações isoladas, patrocinadas por agências
manterem vigilantes para aprender novas formas de governamentais ou órgãos de classe, que procuram
enfrentar a concorrência, com um fluxo constante de disponibilizar informações relacionadas ao Comér-
21
novos produtos . cio e a Transferência de Tecnologia, mas que focali-
O gerenciamento do conhecimento é uma zam apenas determinados itens do amplo leque de in-
questão de bom senso. Numa época em que a infor- formações necessárias à condução desses processos,
mação digital está cada vez mais amplamente dispo- tais como, por exemplo: financiamento à pesquisa,
nível, e ao mesmo tempo personalizada e portátil, o informações sobre patentes e marcas, informações
conhecimento representa um recurso que pode ser mercadológicas, serviços especializados, jornal de
um importante ativo ou seu maior desafio. Com a ofertas, etc.
inovação tomando-se o único fator capaz de atuar Por outro lado, na área acadêmica, também
como verdadeiro diferencial competitivo tomou-se não se vêem, do ponto de vista da comunicação com
praticamente impossível proteger o patrimônio de o mercado, ações expressivas voltadas a esse tipo de
uma organização sem gerenciar também o seu comércio - alias, são notórias e conhecidas as dificul-
conhecimento. A informação, dentro das empresas, dades enfrentadas pela academia para tirar melhor
passa a ser considerada como empreendimento que proveito comercial das tecnologias que eventual-
agrega valor e riqueza. mente produzem, visto não ser este seu objetivo prin-
Sabemos que a globalização dos mercados, o cipal. Tampouco os Centros e Institutos de P&D
avanço acelerado da tecnologia e os fluxos dinâmi- apresentam interfaces comercias públicas, desenvol-
cos do intercâmbio internacional estão mudando
vidas de modo a favorecer e facilitar as transações
antigos e introduzindo novos paradigmas para o em tomo de um de seus principais produtos: o conhe-
desenvolvimento das nações. A tecnologia, de há
cimento tecnológico.
muito, é uma das principais variáveis na divisão
No setor privado, as coisas não são muito
internacionaldo trabalho, e um dosprincipais fatores
de organização da produção. A necessidade da inte- diferentes. As informações disponibilizadas para .
gração competitiva do país na economia internacio- o conhecimento público, quando o são, focalizam
nal, nesse cenário, exigirá das empresas nacionais apenas certas especificações técnicas e/ou operacio-
grandes esforços na área da inovação. Sob tais nais dos produtos à venda e, na maioria das vezes,
circunstâncias, a capacidade de produzir inovações nada mais oferecem aos seus potenciais clientes, a
radicais e/ou revolucionárias será um dos fatores título de informações complementares, a não ser um
determinantes para o sucesso das empresas, e do endereço eletrônico para contato.
país, num mercado globalizado e extremamente Pela análise do cenário atual, podemos consta-
competitivo. tar que a maioria das ações e iniciativas conhecidas
Até onde nos é dado conhecer, não é visível, na área da comercialização do conhecimento tecno-
hoje, no mercado, a existência de qualquer meca- lógico apresenta alcance limitado ou uso restrito já
nismo que reúna em si, de maneira abrangente e inte- que, por tratarem apenas de questões pontuais ou de
grada, a disponibilidade nacional de conhecimentos
interesses isolados, não oferecem aos potenciais
tecnológicos (tecnologias e serviços relacionados) e
clientes um pacote completo contendo todas as infor-
o conjunto de instrumentos, recursos e informações
mações necessárias e essenciais à condução de negó-
normalmente associados a esse tipo de comércio
cios dessa natureza.
especializado.

21. KOULOPOULOS,T. As peças do quebra-cabeças do gerenciamento do conhecimento. ln: Seminário Internacional do Gerencia-
mento do Conhecimento. São Paulo: CENADEM, 1998.

Transinformação, v. 13, n° 2, p. 93-1 10, julho/dezembro, 2001

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A GESTÃO DO CONHECIMENTO E A INOVAÇÃO TECNOLÓGlCA 103

Da ausência de mecanismos especializados para o país, só nos resta, então, desenvolver idéias e
que se ocupem, especificamente, da disseminação propor meios e mecanismos que contribuam para
do conhecimentotecnológico nacional, resulta, além equacionar os problemas que impedem, ou dificul-
do aumento, efetivo ou virtual, das "lacunas de tam, a difusão e a apropriação adequada da capaci-
conhecimento", uma redução considerável das tação tecnológica nacional.
oportunidadesde articulação entre os produtores e os À luz de todas essas considerações, pare-
consumidores de tecnologia. E quanto menor, ou ce-nos patente a necessidade de se buscar resolver
mais ineficiente, for essa articulação, menor será a com urgência, sem prejuízo aos esforços paralelos
sinergia necessária ao aprimoramento acelerado do pelo desenvolvimento de novos conhecimentos, os
conhecimento existente. "problemas de informação" que dificultam um
É preciso, portanto, oferecer aos agentes do melhor aproveitamento do conhecimento que já
processo de inovação a oportunidade e as ferramen- temos disponível.
tas adequadas para que o conhecimento tecnológico Com esse sentimento, e com o intuito de con-
disponível e disperso entre as inúmeras entidades tribuir para a redução dos "problema de infor-
produtoras seja facilmente identificado e colocado à mação", na área do conhecimento tecnológico, apre-
sua disposição. Só dessa maneira o conhecimento sentamos a proposta a seguir.
poderá cumprir plenamente seu papel macro e
microeconômico. A PROPOSTA

Assim, o desafio que se coloca a uma socie-


Numa época onde o tempo se acelera e o espaço
dade em desenvolvimento,para alavancar o seu cres-
se relativiza, onde competitividade e inovação são,
cimento econômico e o seu bem-estar social, e para
mais do que nunca, palavras de ordem da nova eco-
obter uma melhor inserção na economia global,não é
nomia, onde as "lacunas de conhecimento" e os
só o de buscar reduzir as "lacunas de conhecimento",
"problemas de informação" tornam-se fatores críti-
pelo desenvolvimento endógeno ou pela aquisição
cos para o desenvolvimento socioeconômico dos
externa, mas também o de procurar usar de maneira
países emergentes, é oportuno, se não imprescindí-
mais eficiente o conhecimento que já tem disponível.
vel, que se apresentem e que se discutam abordagens
Procedendo dessa maneira, não será surpresa desco-
inovadoras e racionais para tratar os problemas que
brir que muitas das "lacunas de conhecimento" per-
prejudicam o fluxo normal das informações entre os
cebidas são apenas aparentes, Na realidade o conhe-
produtores e os consumidores do conhecimento.
cimento existe e é dominado, Apenas não se sabia
Os desequilíbrios e as ineficiências do merca-
onde ele estava e quem o detinha.
do, que resultam, em grande parte, das deficiências
Ora, se nos é dado conhecer as características
de informação, como bem ressalta o Banco Mundial
e peculiaridades dos processos de desenvolvimento,
em seu já citado Relatório, precisam ser atacados
comercialização e inovação tecnológica, se conse-
com presteza e determinação, sob pena de vermos o
guimos entender que quanto mais ágil e completo for
desenvolvimento social do país condenado a um
o fluxo das informações sobre o conhecimento
crescimento aquém de suas possibilidades e necessi-
tecnológico disponível, maiores serão as chances do dades.
estabelecimento de um relacionamento profícuo
entre os agentes econômicos envolvidos com o pro- "A história da revolução verde mostra
cesso de inovação, e se compreendemos, ainda, que como a criação, disseminação e uso do conhe-
quanto mais negócios se concretizarem entre esses cimento pode reduzir os desequilíbrios.
agentes maior será a sinergia do conhecimento e Também mostra que o know-how é apenas
maiores serão os benefícios econômicos e sociais uma parte daquilo que determina o bem-estar

Transinformação, v. 13, nO2, p. 93-110, julho/dezembro, 2001


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104 C. D. NETO e R. M. J. LONGO

social. Problemas de informação levam apro- propriamente dito, é solucionada somente por meio
blemas no mercado e impedem a eficiência e da tecnologia. O lado humano da equação é funda-
o crescimento. O desenvolvimento. portanto, mental para soluções de longo prazo, e pelo valor
exige uma transformação institucional que agregado que representa para as empresas. A tecno-
melhore a informação e estimule o esforço, a logia da infonnação é apenas uma peça do que-
inovação, a poupança e o investimento; e bra-cabeça, pois fornece a estrutura porém não
ainda facilite progressivamente as trocas fornece o conteúd024 .
complexas que se realizam no tempo e no É preciso saber como e onde localizar as infor-
..22
espaço. mações certas, como annazená-Ias, tratá-Ias, organi-
zá-Ias, disponibilizá-Ias e fazê-Ias fluir de maneira
Sabemos que os fluxos de infonnações e eficiente entre os agentes do processo de inovação. É
conhecimentos tornaram-se mais amplos, mais preciso oferecer suporte e ferramentas que ajudem a
sofisticados e mais complexos, e que as tecnologias agregar valor à infonnação coletada, facilitando sua
de infonnação mudam constantemente à maneira transfonnação em conhecimento e favorecendo a
pela qual o conhecimento é distribuído, processado e realização de negócios. É preciso conciliar ofertas,
utilizado. demandas, custos, preços e prazos. É preciso reduzir
Sabemos também, como adverte o Banco as dúvidas, diminuir os receios, eliminar as descon-
Mundial, "que as "lacunas de conhecimento" e os fianças e minimizar as divergências de interesses. É
problemas de infonnação são temas interligados, preciso valorizar os objetivos comuns, sublinhar os
que não podem sertratados isoladamente,,23.Portan- pontos convergentes e destacar os beneficios mú- '
to, se desejamos ajudar a resolver o problema das tuos. É preciso fazer crescer nas empresas privadas a
"lacunas de conhecimento" existentes no mercado, percepção da importância de sua atualização tecno-
de uma fonna rápida e eficaz, precisamos procurar a lógica e do valor do conhecimento como elemento
resposta para uma questão primordial: como fazer essencial à criação e à sustentação da competitivi-
com que o conhecimento tecnológico disponível se dade empresarial. É preciso fazer com que o conheci-
revele de maneira ampla, e circule de maneira fácil mento chegue à linha de produção, onde a inovação é
entre os que o produzem e os que o consomem, para gerada e a riqueza produzida.
que ele possa cumprir plenamente o seu papel Como se pode perceber, a proposta que vier a
econômico? ser fonnulada para resolver a questão colocada pará-
A solução para essa interrogação não é sim- grafos acima, não poderá deixar de levar em conta a
ples, mas passa, sem dúvida, pelo equacionamento necessidade de se equacionar satisfatoriamente
dos problemas de infonnação hoje existentes. A difi- todos esses e tantos outros complexos desafios aqui
culdade é que, no caminho dessa solução,há um con- não relacionados.
junto de desafioscríticosa seremvencidos.E esses Apesar do porte da empreitada, e das dificul-
desafiosnão são poucos. A tecnologia representaum dades iniciais já previsíveis, quer nos parecer que
papel importante nesse processo. Contudo, é peri- seja este um bom momento para se dar início a uma
goso achar que a questão da gestão dos problemas ação ampla e consistente, de caráter nacional, que
das "lacunas do conhecimento" e dos problemas de objetive facilitar a circulação do conhecimento
infonnação, ou seja, a gestão do conhecimento, tecnológico entre todos os agentes econômicos da

22. Ibid. pp. 13-14.


23. Conhecimento para o Desenvolvimento - 1998/1999,op. cit., p. 8.
24. GESTÃO do conhecimento, um novo caminho. HSM Management, 22(4):51-64, set./out. 2000.

Transinformação, v. 13, nO2, p. 93-1 10, julho/dezembro, 2001


A GESTÃO DO CONHECIMENTO E A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA 105

sociedade, de tal sorte que, como decorrência da minimização dos problemas de informação, estam os
apropriação adequada desse conhecimento, se possa propondo o desenvolvimento de um Sistema que,
alavancar o desenvolvimento socioeconômico do utilizando-se da Tecnologia da Informação e das
país. redes de comunicação, nos possibilite coordenar e
Com foco nesse objetivo, chegamos à conclu- articular de maneira integrada, abrangente, uniforme
são de que o desenvolvimento de um Sistema infor- e estruturada, as informações sobre a disponibilidade
matizado, com a função básica de ajudar a melhorar nacional de conhecimentos tecnológicos, compreen-
o fluxo e a disseminação das informações relacio- dendo:
nadas ao conhecimento tecnológico nacional, seria a) Tecnologias;
uma resposta, parcialmente, adequada para o pro- b) Serviços Tecnológicos (certificação, testes
blema que temos em tela. Estamos, no entanto, e ensaios laboratoriais, etc.);
conscientes de que esta é, apenas, uma parte da c) Consultoria (avaliações, análises, parece-
questão maior. Se observarmos com atenção, res, etc.);
veremos que muitas empresas que fracassam em
d) Treinamento (In loco, baseado em compu-
suas iniciativas de gestão do conhecimento não tador ou Online); etc.
reconhecem a diferença entre informação e conheci-
Esse Sistema deverá ser projetado e desenvol-
mento. A gestão do conhecimento cuida de agregar
vido para funcionar como base de um grande Portal
valor às informações,através de suas práticas. Porém
do Conhecimento Tecnológico (e científico?). Esse
a principal diferença entre o conhecimento e a infor-
Portal, por sua vez, deverá reunir em si, além dos
mação é o aspecto humano. Certamente a tecnologia
conhecimentos e informações técnicas, comerciais e
da informação é um facilitador, mas por si só não
legais consideradas essenciais ao desenvolvimento e
consegue extrair as informações da cabeça de um
indivíduo. à sustentação das diversas etapas dos processos de
negociação, comercialização e transferência de tec-
A propósito dos fluxos de informação, comen-
tam os redatores do Relatório do Banco Mundial: nologias e/ou de prestação de serviços tecnológicos,
outras informações acessórias que possam emprestar
"A crescente capacidade tecnológica, maior eficiência e tomar mais eficazes as ações que
aliada aos custos decrescentes da indústria de se desenvolvem no contexto desses processos.
telecomunicações, aumenta dramaticamente Através desse Portal, seria disponibilizado
o potencial para a aquisição e a absorção do àqueles que trabalham com o conhecimento tecno-
conhecimento, criando novas oportunidades lógico (desenvolvendo, vendendo, comprando ou
para os fluxos de informação em mão dupla. pesquisando) um leque de informações pertinentes a
Estratégias de governo para reduzir as "lacu- esse tema, oriundas de diferentes áreas, tais como:
nas de conhecimento" são mais eficientes
a) propriedade Intelectual;
quando propiciam o máximo de sinergias.
b) técnicas de Negociação;
Mas em sua formulação e implementação os
governos também precisam contemplar as c) incentivos fiscais;
-
..J,r, . . ..J' ,.{; - ,,25
uejlClenClaS ue lnjormaçao. d) modelos de Contratos e Acordos;
e) busca e recuperação de informações técni-
Assim é que, com a expectativa de contribuir cas e comerciais;
para a redução das "lacunas de conhecimento", pela f) notícias relacionadas;

25. Conhecimento para o desenvolvimento - 1998/1999, op. Cit., p. 8

Transinformação, v. 13, nO2, p. 93-110, julho/dezembro, 2001


106 C. D. NETO e R. M. J. LONGO

g) repositório de Artigos Científicos e Técni-


cos;
· seria constituído por um conjunto de dife-
rentes bases de dados, localizadas em múl-
h) oportunidades & Negócios; tiplos servidores centralizados no organis-
mo Gestor, ou distribuídos em diferentes
i) normas & Regulamentos; localidades geográficas, nas entidades par-
j) fórum de Debates; ticipantes ou, ainda, um misto disso;
k) conferências & Eventos; · haveria, entre outras, bases de dados con-
tendo informações sobre: modelos de con-
1)fontes de Financiamento (governamentais e
tratos/acordos, fontes de financiamentos
de risco);
governamentais e privadas (Venture Capi-
m) lista Nacional de Especialistas; tal), estatísticas, propriedade intelectual,
n) links relacionados (HotLinks); etc. correspondência eletrônica, especialistas
nacionais/internacionais, questões fre-
As informações e recursos oferecidos pelo qüentemente perguntadas (FAQs), infor-
Sistema poderão ser acessados por intermédio de mações mercadológicas, tecnologias, ser-
computadores conectados à Internet, através de uma viços tecnológicos, consultoria, treina-
interface Web padrão, conforme esquematizado na
mento on-line, ensino a distância, etc.;
figura . · para os ofertantes (vendedores) do conhe-
cimento tecnológico, o Sistema funcionaria
Os principais usuários desse Sistema serão
por adesão. Essa adesão poderia ser espon-
todos aqueles organismos ou indivíduos envolvidos
tânea ou o Gestor identificaria e contataria,
com a questão da inovação tecnológica, tais como:
gradativamente, todos os potenciais vende-,
Centros e Institutos de P&D; Indústrias; Universida- dores conhecidos (Centros de P&D, Insti-
des; Incubadoras de Tecnologia; Parques Tecnológi- tutos de P&D, Universidades e empresas
cos; Pesquisadores acadêmicos ou independentes; reconhecidas como atuantes no comércio
Associações de Classe; Órgãos do Governo, etc. de tecnologia) convidando-os a aderirem
ao Sistema através de um Termo Geral de
Abaixo, algumas possíveis características do
Adesão, por ele preparado;
Sistema proposto:

Acesso Contribuição

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Transinformação, v. 13, n° 2, p. 93-110, julho/dezembro, 200 I


A GESTÃO DO CONHECIMENTO E A INOVAÇÃO TECNOLÓGlCA 107

· a adesão e o uso do Sistema seria gratuito; · o Sistema deveria ser integrado a outros
· certos serviços especializados, oferecidos
pelo Sistema como suporte adicional à sua
Sistemas de informação científicos e tecno-
lógicos;
utilização, poderiam ser cobrados de quem
os requisitassem;
· o Sistema incorporaria os mecanismos
necessários para que o Gestor pudesse
· nologia, uma vez associadas ao Sistema,
as entidades produtoras/vendedoras de tec- acompanhar os processos iniciados por seu
intermédio a fim de avaliar/aprimorar a sua
eficácia;
poderiam ofertar sua tecnologia e/ou seus
serviços tecnológicos, segundo um forma-
to padrão de divulgação de informações,
· de modelos referenciais, entre outros, dos
o Gestor seria responsável pela elaboração

definido pelo Gestor; seguintes contratos/acordos: Licença de


· as informações consolidadas de cada insti- Exploração de Patentes; Licença de Uso de
tuição associada poderiam ser carregadas Marca, Fornecimento de Tecnologia
diretamente nas bases do Sistema, utilizan- Industrial (know-how); prestação de Servi-
do-se senhas de acesso, pelos responsáveis ços Tecnológicos (consultoria e serviços
em cada instituição, ou o próprio Sistema laboratoriais);Treinamento e Revelação de
Informações Confidenciais. Tais modelos,
poderia fazer uma varredura periódica nas
bases dos associados, capturando as infor- nos seus itens básicos, seriam ajustados e
mações disponibilizadas; acatadospor todos os usuários doSistema;
· o Gestor identificaria e estabeleceria con- · uma vez disponibilizado o Sistema, qual-
quer interessado na aquisição de tecnolo-
vênios com possíveis fontes de financia-
gias, treinamentos e serviços tecnológicos
mento, governamentais ou privadas, para
poderia acessar o Portal, fazer as consultas
investimento em tecnologia, e orientaria os
interessados sobre como acessar e utilizar que desejasse e, encontrando o que procu-
rasse, estabeleceria um contato direto com
os recursos disponibilizados;
· mações
o Gestor identificaria e divulgaria infor-
sobre mecanismos governamentais
a(s) entidade( s) que oferecesse(m) o produ-
to de seu interesse, sem nenhuma interfe-
rência do Gestor, a não ser que haja uma
em vigor voltados ao incentivo à pesquisa e requisição específica para isso;
ao desenvolvimento tecnológico, e presta-
ria a orientação necessária aos interessa- · a gestão do Sistema seria confiada a uma
dos; equipe, constituída por técnicos e adminis-
· o Gestor identificaria e firmaria con-
tradores, capaz de, autonomamente, man-
tê-Io, do ponto de vista técnico e filosófico,
tratos/convênios com Bancos de Dados, e de conduzir todas as articulações políti-
nacionais e estrangeiros, e com entidades cas, técnicas e comerciais necessárias ao
estatais e privadas (INPI, Itamarati, MCT, adequado funcionamento do Sistema.
CNPq, CNI, FIESP, etc.) para acessar e
recuperar informações de interesse de seus
CONCLUSÕES
usuários sobre, por exemplo, propriedade
intelectual, demandas mercadológicas na-
cionais e internacionais, matérias técnicas, o ambiente político e econômico, a globali-
científicas, comerciais, regulatórias, etc.; zação do comércio e dos fluxos de informações, a
criação de blocos comerciais e os avanços das Tec-
· para fins de pesquisa e/ou de planejamento
o Sistema conteria os recursos necessários nologias da Informação, caracterizam um momento
à geração de relatórios com dados e infor- propício ao desenvolvimento e implementação de
mações estatísticas sobre seu conteúdo,uso mecanismos e de Sistemas automatizados que,
e beneficios por ele produzido; beneficiando-se da capilaridade e dos baixos custos
das redes de comunicações, possam contribuir de

Transinformação, v. 13, nO2, p. 93-110, julho/dezembro, 2001


108 C. D. NETO e R. M. J. LONGO

maneira mais efetiva para a minimização dosproble- Sua disponibilização e uso facilitarão a imple-
mas de informação no mercado de tecnologia. mentação de estratégiasde ocupação de espaços eco-
Hoje, uma parcela significativa das organi- nômicos, contribuirá para diminuir o descompasso
zações envolvidas com a geração de tecnologia,cria entre a produção do conhecimento e a produção de
e mantém seus conhecimentos tecnológicos em Sis- bens e serviços e, principalmente, permitirá, pelo
temas que. com freqüência, não são adequadamente melhor aproveitamento do estoque de conhecimen-
divulgados ou disponibilizados para consulta. Por to, maximizar a sinergia e o inter-relacionamento
essa razão, para os que não sabem de tais Sistemas, vital entre crescimento e desenvolvimento social. Os
ou não os podem acessar, os conhecimentos ali man- seus usuários poderão maximizar seus ganhos,
tidos são virtualmente invisíveis e, portanto, inaces- aumentar sua produtividade, reduzir seus custos,
síveis. As informações tecnológicas estão dispersas agilizar e melhorar suas decisões e fazer uso mais
em Sistemas isolados. Poucos sabem o que existe ou, eficaz de seus recursos e de seu tempo. E a sociedade,
se sabem, onde se encontra. A opção para quem como um todo, poderá se apropriar integralmente
precisa desses conhecimentos é consumir tempo, e desses beneficios.
desperdiçar dinheiro, procurando-os, tentando Além das características acima apontadas,
recriá-Ios ou fazendo seu trabalho sem eles. também é possível esperar que haja, pelo aumento
Essa "invisibilidade" concorre, também, para das relações entre as instituições participantes e pelo
a consolidação de uma outra característica negativa incremento dos negócios realizados nesse contexto,
do modelo atual de geração de tecnologia: a reduzida o surgimento de novas e melhores condições para a .
articulação entre os agentes da sociedade envolvidos formação de capital humano mais qualificado.
com a inovação. Embora não se possa caracterizar Em resumo, não só as condições políticas e
com precisão a extensão desse problema, por insufi- tecnológicas tomam o momento propício ã formu-
ciência de dados estatísticos confiáveis, é possível lação e implementação de um Sistema de Adminis-
perceber que as articulações e parcerias, entre os pro- tração Integrada de Conhecimento Tecnológico,
dutores e consumidores do conhecimento tecnoló- como o próprio processo de globalização dos merca-
gico, ficam muito aquém do que seria desejável. dos e dos fluxos de informação toma premente uma
Como resultado dessa baixa interação, a sinergia tomada de posição nesse sentido, sobpena de vermos
necessária ao desenvolvimento mais acelerado do ampliadas as "lacunas de conhecimento" entre os
conhecimento tecnológico nacional fica prejudi- países em desenvolvimento, como o nosso, e os
cada, comprometendo seriamente os esforços para o países industrializados, como bem argumenta o
preenchimento das "lacunas do conhecimento", e Banco Mundial:
inibindo o surgimento da inovação. Enfim, desde há
"Para os países em desenvolvimento,
muito, o atual modelo não atende plenamente as
portanto, a explosão global do conhecimento
expectativas da sociedade quanto aos beneficios que
contém tanto ameaças quanto oportunidades.
ele deveria produzir para o país.
Se as 'lacunas de conhecimento' se amplia-
O Sistema, cuja idéia de desenvolvimento, em
rem, o mundo vai se dividir ainda mais, não
linhas gerais, ora propomos, por sua formulação e
apenas pelas disparidades de capital e outros
pelo seu alcance e capacidade de penetraçãojunto ao
recursos, mas pela disparidade do conheci-
mercado, ajudará, certamente, a reduzir parte dos
mento. Cada vez mais o capital e outros recur-
problemas de informação apontados, o que irá con-
sosjluirão para os países com bases de conhe-
tribuir para a redução das "lacunas de conheci-
mento". cimento mais sólidas, aprofundando-se as
desigualdades. Há também o perigo de

Transinformação, v. 13, nO2, p. 93-110, julho/dezembro, 2001


A GESTÃO DO CONHECIMENTO E A INOVAÇÃO TECNOLÓGlCA 109
I
I
aumentar os desequilíbrios dentro dos países, envolver o conjunto dos atores potencialmente inte-
II
particularmente naqueles em desenvolvimen- ressados nesse processo, tais como: organismos e I

to, onde algunspoucos afortunados navegam instituições governamentais, entidades representa-


na Internet enquanto outros continuam anal- tivas de classes, entidades de ensino, instituições e
fabetos. Mas ameaça e oportunidade são os centros de P&D, universidades, etc.
lados opostos da mesma moeda. Se pudermos Por último, mas não menos importante, gosta-
reduzir as "lacunas de conhecimento" e
ríamos de ressaltar que o Sistema é apenas uma parte,
enfrentar os problemas de informação, talvez talvez a mais visível, de uma proposta mais ampla
aplicando as sugestões deste Relatório, pode e complexa que envolve a geração, o desenvolvi-
ser que seja possível melhorar a renda e o mento, a difusão e a aplicação do conhecimento.
padrão de vida num ritmo muito mais veloz do
. . 26 " Também é preciso ter sempre em mente que as
que o Imagznado .
Tecnologias de Informação não criam saber nem
promovem o conhecimento. Elas simplesmente
Não se imagine que este Sistema será apenas
organizam e facilitam a sua troca. Por isso, faz parte
mais uma "vitrina" de tecnologia. O Sistema, como
integrante de nossa proposta a especial atenção
proposto, foi idealizado para ser uma poderosa ferra-
com a dimensão humana. Para construir ligações
menta de fomento ao desenvolvimento do conheci-
e conexões entre indivíduos e instituições, para
mento tecnológico nacional e de suporte aos negó-
fomentar e promover o conhecimento, são necessá-
cios que se realizam nessa área. Os beneficios que ele
rias pessoas. A elas, em última análise, caberá a
trará para a sociedade, em médio prazo, conforme se
responsabilidade por tomar esta proposta útil e
pode antever, serão altamente significativos. Por seu
proveitosa para a sociedade.
intermédio poderão ser conduzidas ações em sinto-
Sabemos que, quanto a proposta aqui formu-
nia com o que se passa atualmente nos fluxos dinâ-
lada, muitas questões necessitam ser melhor discu-
micos do comércio mundial.
tidas, e que outros tantos pontos precisam ser mais
Espera-se, também, que ao facilitar a identifi-
bem definidos, mas também sabemos que a idéia ora
cação e a disseminação do estoque nacional de
apresentada não encontra, de um lado, restrições
conhecimento junto à sociedade, como um todo, e
nem impedimentos de ordem técnica para o seu
entre os elementos envolvidos com a inovação, em
desenvolvimento e implementação e, de outro, que
particular, ele seja capaz de atuar como agente catali- ainda não existe nenhum mecanismo similar no
sador e multiplicador dos interesses em tomo do
mercado - pelo menos nenhum de natureza neutra,
conhecimento, favorecendo, assim, o surgimento da
que reúna em um único espaço todos os elementos
sinergia necessária ao seu aprimoramento. Afinal,
necessários ao processo de divulgação,negociação e
como se sabe, conhecimento é fluxo, não estoque.
transferência de tecnologia, e que integre, indistin-
Como se vê, pela leitura deste trabalho, a idéia
tamente, todos os atores, públicos e privados, produ-
aqui apresentada constitui apenas uma síntese gené- tores e consumidores do conhecimento e de tecnolo-
rica do que poderia ser feito para ajudar a reduzir os
gia. Assim, quer nos parecer que o maior desafio que
problemas de informação que afetam o ciclo: desen-
se pode esperar para o desenvolvimento e operacio-
v o1vim ento-com erc ial ização-trans ferên cia- ino-
nalização de um Sistema como este que estamos
vação tecnológica. A análise dessa proposta, sua
propondo, será apenas de ordem política.
exploração, detalhamento e adequação deverá

26. Ibid., p. 26.

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110 C. D. NETO e R. M. J. LONGO

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Transinformação, v. 13, n° 2, p. 93-110, julho/dezembro, 2001

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