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O Comércio de Tecnologia: Aspectos Jurídicos - Transferência, Licença E Know


How

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Denis borges barbosa


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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O Comércio de Tecnologia: Aspectos Jurídicos -
Transferência, Licença E Know How

Denis Borges Barbosa (1988)

O que é Transferência de Tecnologia .................................................................. 1


O que é uma licença ............................................................................................. 5
O que é um Contrato de Know How ................................................................... 7
Notas .................................................................................................................... 9

O que é Transferência de Tecnologia


Em 1978 o Departamento de Estado Americano patrocinou uma pesquisa junto a 120
multinacionais daquele país para determinar a posição da comunidade empresarial
quanto ao processo de transferência de tecnologia. Os resultados, reunidos em quatro
alentados volumes, 1/ permitem estabelecer o que o supridor americano concebe
como tecnologia e o que toma como sendo sua transferência.
A definição de tecnologia é a seguinte:
"Technology is defined for this project as all the knowledge necessary
for the productive functioning of an enterprise. The term can embrace
hardware, such as factories, machines, products, and infrastructures
(laboratories, roads, water distribution systems, storage facilities) and
software, including non-material ingredient such as know how,
experience, organizational forms, knowledge, and education. It is a
dynamic, continuing, sequential, and complex process."
Já de início se percebe que, segundo tal perspectiva, tecnologia é algo intrínseco à
atividade empresarial, o fator cognitivo da produção da empresa. Não se trata, pelo
menos diretamente, de um bem intelectual comunitário, ou nacional, que vise o bem
do homem ou o progresso dos povos, a não ser na medida em que a empresa é
considerada como o meio ótimo de alcançar tais objetivos.
Em segundo lugar existe a noção de que a tecnologia se apresenta de duas formas: a
incorporada em bens materiais, e a existente em estado puramente intelectual. Tal
distinção é comum mesmo entre certos autores não ligados ao sistema empresarial.
O estudo se dedica, em seguida a dar noções do que seja know how:
"Know how is considered by a good number of firms to be one of the
most valuable types of technology since it is the accumulation of

1
many years of experience. This is often the least apreciated of all
forms of technology by developing countries."
A observação final é interessante e atinge o ponto central do nosso trabalho.
O passo seguinte é precisar o que seja transferência de tecnologia:
"Transfer occurs when knowledge is conveyed from one person to
another. It can occur by means of licenses; direct investment in
wholly, majority, or minority foreign owned ventures; techinical
assistance; management contracts; consulting; trademarks; turn-key
contracts; individuals, general education. Technology can be
sucessfully transferred to a variety of users, by a variety of methods,
for a multitude of types of activities and reasons. Transfer does not
necessarily mean the permanent transfer of ownership of a
technology; it often refers to a temporary transfer of the right to use a
technology for a limited period under certain conditions but with the
technology still under control of the firm that developed it."
A noção, neste ponto, é particularmente rica. Em primeiro lugar, a transferência é
definida como mera comunicação ("convey" sendo repasse) e não mudança de título.
Como pouco adiante no texto se enfatiza, transferir tecnologia, na perspectiva das
empresas multinacionais, não significa transferir a propriedade da mesma.
Deve-se notar que noção de "transferência" como transferência de propriedade é a
predominante na prática do INPI. 2/ Além disto, a jurisprudência do INPI exige, para
que haja transferência:
a) que não haja a tecnologia já no país. 3/
b) que importe em aumento da capacidade de produção da receptora. 4/
c) que haja responsabilidade da supridora pela tecnologia. 4/
d) que haja absorção ou autonomia. 5/
e) que o bem transmitido seja de natureza imaterial (não se admitindo a tese
da tecnologia implícita do hardware). 6/
Finalmente, a prática mais recente do Instituto só entende que há transferência de
tecnologia se a mesma é transmitida para fora do mesmo grupo econômico.
Nossa definição anterior leva em conta tais parâmetros. 7/
Em segundo lugar, concebe-se que a transferência se faça por veículos que
extravasam os dois objetos de nosso Trabalho. No texto, "licenses" inclui tanto a
licença de patentes como várias formas de contrato de know how. A par de tais
contratos, nota-se que se entende o investimento direto, os contratos de assistência
técnica (como sendo algo diverso do know how), as marcas, os acordos de
consultoria técnica, contratos turnkey e até a educação não específica como meios de
transferência do fator cognitivo da atividade empresarial.
Nem sempre os autores definem tecnologia como algo tão vinculado, de um lado, à
produção de bens e serviços para o mercado e, de outro, à empresa. Tomando
tecnologia como expressão geral de cultura, já se definiu:

2
"La tecnologia puede definirse como el conjunto de instrumentos,
herramientas, elementos, conceimientos técnicos y habilidades que se
utilizam para satisfacer las necesidades de la comunidad y para
aumentar su dominio sobre el medio ambiente". 8/
O objeto de nosso estudo, porém, não é este valor antropológico vasto, mas aquele
bem que, em teoria ou na prática, é transferido através das licenças de patente ou dos
contratos de know how. 9/ Em outras palavras, interessa-nos a tecnologia enquanto
objeto de comércio, um bem que, intrínseco a uma unidade de produção, é repassado
a outra unidade, de produção em condições comerciais.
A tecnologia, em tais condições, assume características especiais. Não se fala mais
de um fluxo de conhecimento, mas de uma mercadoria:
"Sendo uma mercadoria, a tecnologia comporta-se-á como tal. Apesar
da maior parte da tecnologia não ser produzida para a troca, pode ser
negociada quando uma oportunidade econômica se apresenta. É
importante adicionar a este respeito, a tendência mais recente de
produção de tecnologias por si mesma; i.e, o emprego de tecnologia
para a produção de novas tecnologias. Começam a aparecer institutos
de investigação com objetivo de produzir tecnologia para seus clientes
e compradores - verdadeiras empresas de tecnologia". 10/
Similarmente, é necessário apurar a noção de Transferência de tecnologia, para
efeitos de nosso Trabalho:
"Em primeiro lugar, transferência não é o termo empregado quando
transacionamos; mercadorias, seja nacional ou internacionalmente.
Logo percebemos que, ao tratarmos do Comércio de Tecnologia,
estamos tratando de estudar um mercado, definir suas regras e leis de
comportamento.
(...) Substancialmente, Transferência e Comércio podem estar
totalmente dissociados. É possível, por exemplo, através de convênios
governamentais, existirem situações em que a transferência
tecnológica acontece sem o comércio, como também é viável no
comércio inexistir a transferência. Este segundo aspecto, aliás, tem
sido a preocupação de inúmeros autores, principalmente quando
demonstram as imperfeições de mercado internacional de tecnologia.
Contudo, o conceito de Comércio de Tecnologia, conforme aqui empregado, está
atrelado à categoria Tecnologia, como foi conceituada. O enfoque, desta maneira, é
exclusivamente sobre a chamada tecnologia explícita, sem qualquer menção à
tecnologia implícita, nos termos que vem sendo usualmente utilizado. Para alguns,
tecnologia implícita é aquela incorporada a outras mercadorias, em geral com ênfase
em bens de capital. Esse aspecto pode servir para definir o estado das artes, mas
obscurece, em geral, a questão da Transferência e, principalmente, do Comércio de
Tecnologia. 11/
Assim sendo, a Transferência de Tecnologia a qual o título deste trabalho se remete é
um processo de comercialização de um bem que se constitui em fator congnitivo da
atividade empresarial. As conclusões que se extraem de nosso estudo estão, desta

3
feita, limitadas ao contexto restrito de um negócio efetuado entre duas empresas,
numa economia em que o mercado, seja interno, seja internacional, representa um
fator dominante.
Duas observações importantes de fazem necessárias neste passo. Em primeiro lugar,
a consideração de que a tecnologia de que se fala implica num sistema de
propriedade, em que se estruture o valor e a necessidade da mercadoria
comercializada.
Comércio sem transferência, leia-se, sem passagem de propriedade. 12/ Nem sempre
as relações de propriedade se exercem sobre o bem transferido: quem contrata a
prestação de um serviço de treinamento não recebe nenhum ítem sobre o qual possa
exercer uma exclusividade de direito, nem tinha tal exclusividade o prestador.
Em outros casos, há propriedade (ou mais propriamente, exclusividade de direito)
sobre o objeto do contrato, por exemplo, quando se transmite o direito de explorar
uma tecnologia patenteada; em outros, há um tipo de proteção jurídica de efeitos
próximos a da propriedade, como quando se transfere um conjunto de conhecimentos
de que o supridor disponha em condições de exclusividade de fato, total ou relativa,
a qual o Direito reconheça legitimidade: o know how. Em todas as hipóteses, porém,
há um sistema de propriedade, ou de exclusividade de fato reconhecida como
legítima, dos bens de produção das empresas envolvidas no negócio.
Definindo-se propriedade, não como o poder absoluto sobre a coisa, à maneira de
Code Napoleon, mas como a indisponibilidade legal de terceiros sobre bens que o
direito dá a alguns o poder de usar, 13/ pode-se dizer que só ha' transferência de
tecnologia se há propriedade da tecnologia que se define como mercadoria. Num
universo anômico, em que lei nenhuma proibisse o uso de todas tecnologias
existentes por qualquer interessado, inclusive através da penetração forçada na
intimidade das empresas para extrair seu modelo específico de produção, não haveria
espaço para o comércio de tecnologia; é de se perguntar, inclusive, se haveria
tecnologia a se comerciar.
Em segundo lugar, é preciso enfatizar que o comércio de tecnologia entre empresas
do mundo desenvolvido e as do mundo em desenvolvimento se perfaz em condições
especiais. Diferentemente das transferências que se concluem entre empresas
européias e americanas, processo simples de acasalamento entre unidades de
produção atuando no mesmo contexto econômico, social e cultural, a empresa
brasileira recebe da fornecedora americana algo que lhe chega como enxerto.
Nas transferências entre empresas do primeiro mundo, a tecnologia objeto do
negócio pode ser tomada como base de um processo de geração de novas
tecnologias: a comunidade científica e a estrutura empresarial estão aptas a prover
uma concorrência tecnológica, através da geração de conhecimentos voltados para a
produção, na qual o novo item se incorpora. A tecnologia transferida constitui em um
fator de produção de tecnologia nova.
No caso da transferência para empresas do terceiro mundo, a tecnologia surge como,
somente, um fator de produção de bens e serviços:
"En el caso de los países en desarrollo no se puede hablar
propiamente de transferencia de tecnologia porque generalmente la

4
compra de las técnicas necesarias para un determinado proceso
productivo, constituye sólo un insumo mas para sus adquirentes;
existe una pseudo transferencia, usando la terminologia de Sachs.
Esto significa que ne hay una asimilación de la tecnologia, que ella no
se incorpora al bagaje intelectual del adquirente y que las
posibilidades de perfeccionamiento y adaptación son muy limitadas.
Más aún, en determinadas circunstancias la tecnologia no puede ser
utilizada una vez expirado el contrato, ni siquiere como un simple
insumo de la prducción. Por ello se puede hablar más propiamente del
arrendamiento de um factor de producción, más que de una
"transferencia." 14/
Assim, e retomando a imagem anterior, o acasalamento entre a empresa do primeiro
e a do terceiro mundo dá, via de regra, um animal que, mesmo se eficaz como uma
mula, como uma mula é incapaz de reproduzir-se. O comércio de puros-sangues
reprodutores e o de mulas tende a ser um tanto diverso.

O que é uma licença


Uma patente é um direito, conferido pelo Estado, que dá ao seu titular a
exclusividade da exploração de uma tecnologia. Como contrapartida pela divulgação
dos pontos essenciais do invento, a lei dá ao titular da patente um direito limitado no
tempo, no pressuposto de que é socialmente mais produtiva em tais condições a troca
da exclusividade de fato (a do segredo da tecnologia) pela exclusividade de direito.
O titular de uma patente, como o dono de um apartamento, tem meios legais de
impedir o uso do objeto de seu direito por qualquer pessoa não autorizada: ninguém
pode invadir o imóvel, ou explorar uma tecnologia patenteada, sem dar conta de seus
atos segundo o que a lei dispões. Isto é o mesmo que dizer que os direitos
decorrentes de uma patente, como os resultantes da propriedade dos bens materiais,
se exercem, indistintamente, contra todas as pessoas: e a ninguém é facultado
esbulhar apartamentos ou violar patentes.
A licença é precisamente uma autorização, dada por quem tem o direito sobre a
patente, para que uma pessoa faça uso do objeto do privilégio. Esta autorização tem
um aspecto puramente negativo: o titular da patente promete não empregar os seus
poderes legais para proibir a pessoa autorizada do uso do objeto da patente. Tem,
porém, um aspecto positivo, qual seja, o titular dá ao licenciado o direito de explorar
o objeto da patente, com todos os poderes, instrumentos e meios que disto decorram.
Enfatizando um ou outro aspecto, os vários sistemas jurídicos vêem a licença como
um contrato aproximado ao de locação de bens materiais, ou, se tomado o lado
negativo, como uma promessa formal de não processar a pessoa autorizada por
violação de privilégio. Neste último sentido, o direito americano 15/ e determinados
autores jurídicos. 16/ A corrente que favorece a aproximação entre licença 17/, por
sua vez, exige do licenciador o cumprimento de uma série de obrigações, que
configuram o contrato como de natureza substantiva: quem loca tem de dar o
apartamento em condições de moradia. A esta última corrente se filia o Direito da
Propriedade Industrial no Brasil (vide AN INPI 17/76, 13 e 15).

5
Outros autores vão mais além e, não se restringindo ao paralelo com a locação,
percebem na licença a natureza complexa que resulta do caráter associativo do
licenciamento. 18/ Ao se comprometer a não disputar um mercado com o seu
licenciado (ou a permitir que ele o dispute) o licenciador estabelece uma relação de
repartição de benefícios que se aproxima da sociedade; a similitude se acentua
quando o contrato prevê a transmissão de conhecimentos técnicos complementares,
know how ou assistência técnica.
Na verdade, as diferentes perspectivas enfatizam modos diversos de explorar a
patente, em contextos empresariais distintos. Num quadro de concorrência
tecnológica perfeita, com os participantes do mercado aptos a extrair toda tecnologia
necessária de sua própria experiência, somada aos documentos publicados da
patente, a licença pode funcionar como uma simples promessa de não processar o
licenciado em juízo por violação de direitos. No caso de o licenciado e o licenciador
terem capacitação tecnológica diversa, a licença deve ser substantiva para ser útil. Se
licenciado e licenciador repartem, atual ou potencialmente, um mercado, a licença se
configura como associação ou como um método de concentração industrial. 19/
Desvestida de toda complexidade, porém, a licença pressupõe um direito cujo
exercício pode privar o licenciado da exploração da tecnologia, mesmo que dela
tivesse inteiro conhecimento, e uma autorização para a exploração, dada por quem
tem este direito. A natureza do direito, concedido pelo Estado e oponível contra
todos indistintamente, é que caracteriza a licença. 20/
A Licença sem royalties, acompanhando o mesmo raciocínio, se assemelharia ao
comodato.
Uma licença pode ser simples ou exclusiva; aquela é a autorização de exploração,
sem que o licenciador assuma o compromisso de não mais explorar direta ou
indiretamente o objeto do privilégio. A licença exclusiva, que implica em renúncia
do direito de exploração por parte do licenciador 21/, se aproxima economicamente
da venda do direito, embora juridicamente o licenciador continue como titular do
privilégio. Existem, igualmente, licenças parciais, que se limitam a autorizar a
exploração de parte do direito (e.g.; só a exclusividade de fabricação na máquina,
mas não do uso do processo) as quais, no entanto, dão frequentemente oportunidade
para práticas de abuso de poder econômico e de repartições de mercado. 22/
É necessário lembrar neste ponto, o princípio da independência das patentes: cada
Estado emite suas próprias patentes, que têm validade em seu território. 23/ Não há
patente internacional, e nem tem qualquer valor a patente estrangeira. Assim, a
licença tem de se referir a cada uma destas patentes nacionais, sem que uma
concessão para um país implique em licença parcial. 24/
A característica das patentes, de impedirem o uso da tecnologia mesmo por quem
dela já disponha, faz da licença um instrumento primordial para a concentração e
coordenação industrial. A administração em pool das patentes de um determinado
setor econômico, afirmando o poder de mercado dos participantes do pool, é um
meio poderoso de cartelização e de exercício do poder econômico 25/, e se perfaz
através de uma rede de licenças cruzadas (cross licensing). Apreciaremos, mais
adiante, a utilização das licenças como meios de exercício abusivo de direitos e de
poder econômico.

6
Da licença se distingue a cessão de patentes, contrato em que o titular transfere o
direito de exclusividade, como um todo, e não só seu exercício - como no caso da
licença. 26/

O que é um Contrato de Know How


Enquanto que a definição de licença parte da definição da patente, como uma
exclusividade de direito, o contrato de know how presume uma situação de fato. Há
uma empresa que tem conhecimentos técnicos e de outra natureza, que lhe dão
vantagem na concorrência, seja para entrar no mercado, seja para disputá- lo em
condições favoráveis; e há outra, que não dispõe destes conhecimentos. O contrato
visa suprir a segunda empresa com os conhecimentos que lhe faltam, habilitando-a
ao mercado.
Algumas vezes, como visto, os contratos de know how se agregam a licença de
patentes e, de outro lado, nas licença de patentes nas licenças substantivas existe uma
parcela de transmissão de conhecimentos, a par da simples autorização. O que
caracteriza a natureza do contrato, no entanto, é o bem que ele torna disponível à
parte adquirente: num caso é o direito de disputar o mercado, com o uso de uma
tecnologia, no outro são certas condições de fato necessárias para competir em tal
mercado.
Mas é preciso mais para distinguir o contrato de know how de outros acordos
similares, como os de consultoria, engenharia, etc. No contrato de know how, o
supridor dos conhecimentos não só informa e treina o recipiente, mas repassa a este
uma parcela de seu próprio mercado, atual ou potencial. A indústria de papel
desenvolve uma técnica especial de produzir e vender seu produto, que lhe dá
vantagens sobre os competidores; se ela ensina a um competidor como usar seus
métodos, divide com ele sua vantagem. A empresa de engenharia, que está no
negócio de fazer projetos, provê a indústria de papel com informações necessárias ao
seu funcionamento, mas nem por isso cede parcela de seu poder de mercado. 27/
O know how, cuja transmissão é objeto do contrato, é o corpo de conhecimentos,
técnicos e de outra natureza, necessários para dar a uma empresa acesso, manetenção
ou vantagem no seu próprio mercado. Esta vantagem poderia ser obtida por outras
formas: concentração de meios financeiros, situação legal privilegiada, capacitação
dos dirigentes, acesso a fontes de matéria prima, poder político, etc. No entanto, toda
vez que o acesso, manutenção ou vantagem no mercado de uma empresa resultam da
maneira que ela se estrutura para produzir, no plano técnico, administrativo,
comercial, etc., o modelo desta micro-estrutura de produção é o objeto do know how.
O know how, é assim, o conjunto de conhecimentos disponíveis a respeito do
modelo de produção específico de uma empresa, 28/ que lhe permite ter acesso a um
mercado, manter-se nela, ou nele desfrutar vantagens em relação a seus
competidores.
O que o contrato transmite é, na maior parte das vezes, uma parecela do know how
da empresa supridora, em particular o conhecimento de certos segmentos da
estrutura técnica de produção (know how técnico). Ao efetuar tal transmissão, o
contrato visa dar à recipiente uma oportunidade comercial, que resulta do fato da
repartição, entre supridora e recipiente, dos meios de aceder, manter-se ou ter

7
vantagens no mercado comum a elas. Em outras palavras, comunicar-se um corpo de
conhecimentos para se obter uma oportunidade comercial.
O know how é frequentemente assimilado ao segredo industrial 29/. No entanto, o
que o define não é o segredo de uma técnica, mas a falta de acesso por parte do
público em geral ao conhecimento do modelo de produção de uma empresa. Outros
concorrentes podem ter o mesmo segredo, e dele fazerem uso, mas o know how
específico não é acessível a todo e qualquer competidor, atual ou potencial. Neste
sentido, é secreto no seu sentido etimológico, ou seja, segregado ou afastado: não é
algo que ninguém - salvo o detentor - sabia, mas algo que certas pessoas não sabem.
Com isto se enfatizam dois aspectos essenciais do know how e de sua contratação.
Principalmente, o valor do know how está em sua inacessibilidade: sua valoração
leva em conta a oportunidade comercial que resulta deste acesso. Em segundo lugar,
o know how não é uma simples fórmula cabalística, mas um modelo de produção; a
execução do contrato de know how importa na reprodução, dentro de certos limites,
de uma estrutura de produção específica, existente na supridora e copiada pela
recipiente.
Outras informações secretas também têm valor por sua inacessibilidade, mas não
resultam em transmissão de know how. A notícia de uma nova região
petrolífera, distribuída em conta- gotas, pode fazer a fortuna de um tantos felizardos;
mas não vai ensiná-los a acompanhar profissionalmente as idas e vindas da bolsa,
para fazer da especulação momentânea uma empresa. A corretora tem o know how, o
inside-trader tem a dica.
O contrato de know how pode tomar várias formas. Sendo, como é, um instrumento
para transferir os meios de explorar uma oportunidade comercial (ou, como os meios
fazem a oportunidade, transferir tal oportunidade), a transferência pode ser limitada
em tempo, em extensão e em espaço. Se com o know how, é possível disputar o
mercado por vinte anos, é concebível limitar a oportunidade transferida aos
primeiros cinco ou dez anos; findo o prazo, o locatário do modelo de produção tem
que deixar de empregá-lo. 30/
Se oportunidade comercial, decorrente do know how, abrange a produção de cem
unidades, é plausível que as partes do contrato acordem em limitar a produção do
receptor a cinqüenta; se o mercado aberto ao detentor do know how é o mundo todo,
o supridor pode ajustar que o receptor só o explore numa cidade, ou num país.
Enfim, se o objeto econômico do contrato é a oportunidade comercial resultante do
know how, é possível picotar, reduzir e diluir a oportunidade de acordo com a
conveniência das partes. 31/
Mas, além disto, o contrato usualmente se restringe a facultar ao recipiente os meios
de produzir com o auxílio do know how, sem permitir que o adquirente se torne
vendedor, repassando o uso do modelo de produção copiado a terceiros. Esta
proibição se constitui através da cláusula de sigilo, que impede a comunicação a
terceiros do que foi passado ao receptor.

8
De outro lado, as condições da atividade empresarial se alteram, a cada momento,
segundo os condicionantes econômicos, financeiros, sociológicos ou tecnológicos: a
sociedade se preocupa com a poluição, mudam os gostos, sobem os juros, o mercado
primário de ações se retrai. O know how tem de se alterar a cada mutação do
mercado ou das condições da empresa. Assim, se o contrato de know how se
restringisse à transferência de um modelo sincrônico, uma fotografia de um instante
da vida da empresa, a oportunidade transferida poderia se esvair à primeira mutação.

É do interesse de ambas as partes, assim, (principalmente se a remuneração do


supridor fica vinculada à performance do recipiente) que o canal de informações não
se feche, e que o modelo copiado reproduza dinamicamente o original. O caráter
associativo do contrato fica então enfatizado: duas empresas repartem entre si uma
oportunidade comercial, um modelo de produção, a receita (através dos royalties) e
até mesmo uma parcela da dinâmica empresarial. Dependendo das condições de
acesso e da dimensão do mercado próprio da recipiente, de sua robustez empresarial
e da estratégia da supridora, um certo equilíbrio pode ser atingido entre os
associados.

No caso, porém, de adquirentes de know how com poder econômico


significativamente diverso do de supridor, a associação habitualmente se caracteriza
por uma tendência à dominação e ao controle por parte do fornecedor das
informações. Este fenômeno é expresso e assegurado pelos instrumentos contratuais
que regulam a operação, os quais freqüentemente impõem um custo não monetário
ao recipiente na forma de restrições à atividade empresarial, compra de serviços ou
produtor da supridora, participação desta no capital, retrocessão dos
desenvolvimentos efetuados pela adquirente, etc. 32/
Assim, via de regra o contrato de know how celebrado com recipientes de menor
poder econômico - mormente os do terceiro mundo - se configura como uma rede de
restrições ao uso dos conhecimentos adquiridos, à sua posterior comercialização, e à
atividade empresarial do recipiente em geral. O acréscimo de poder de mercado que
o receptor ganha com o seu know how é trocado pela perda de autonomia
empresarial; a situação poderia ser descrita como a de uma colonização consentida e
por vezes deliciada.
Do ponto de vista macroeconômico e político, porém, tais delícias não são sempre
sentidas como benéficas ao interesse nacional. A intervenção do Estado na
contratação de know how em particular, e na de propriedade industrial em geral, é
coisa frequente nos países do terceiro mundo. 33/

Notas
1/ Public Policy, in Technology Transfer, Council of Americas, 1978, Vol. 1, pag. 40

9
à 42.
2/ Vide Transferência de Tecnologia: Jurisprudência Casa de Rui Barbosa,1981,
excertos 448, 368, 372, 379, 396, 336, 334, 905 e 896.
3/ Excertos 920, 918, 908 e 891.
4/ Excertos 823, 380 e 328.
5/ Excertos 255, 258, 648, 396 e 440.
6/ Excertos 867, 864, 697 e 679.
7/ Para os requisitos de transferência no direito tributário americano Vide Hellawel e
Pugh the Study of Federal Tax Law 1981-1982, CCH 1981, pág. 404.
8/ Herrera, Amilcar, apud Contreras, Transferencia de Tecnologia a Paises en
Desarrollo, ILDIS, 1978, pág. 25
9/ Para definição e crítica da noção de "bem", neste contexto, vide D. Barbosa Know
How, Poder Econômico, Dissertação de Mestrado, 1982, pág. 6 e 7.
10/ A.F. Barbosa, Propriedade e quase Propriedade no Comércio de Tecnologia,
CNPq, 1974, pág. 20. Toledo Ferraz critica a noção de que a tecnologia seja uma
mercadoria, com base no fato de que não é usualmente produzida para o comércio.
Aparentemente a crítica se radica mais na noção de mercadoria do Cód. Comercial
Brasileiro do que em categorias econômicas reconhecidas.
11/ A.F. Barbosa, Propriedade..., pág. 21.
12/ A.F. Barbosa, Propriedade..., D. Barbosa, Dissetação, pág. 6 a 9, 12 e 13.
13/ Propriedade definida desta maneira negativa, seria a indisponibilidade legal por
parte de terceiros: se a lei me permitir usar um bem, que a terceiros veda, tenho eu a
propriedade deste bem. Já foi descrita esta acepção de propriedade como "Controle
Jurídico sobre bens Econômicos", D. Barbosa, Dissertação, pág. 6.
14/ Contreras, Carlos. Transferência de Tecnologia. pág. 29. O autor, e com ele a
jurisprudência do INPI citada acima entende que só há transferência se há passagem
de propriedade, e possibilidade material de utilização plena desta propriedade tanto
como fator de produção de bens e serviços quanto como fator de reprodução de
tecnologia.
15/ Henry V.Dick, 224 U.S. 1
16/ Vide, por exemplo, J.Morel apud Sabatier, Marcl'exploitation des Brevets, Lib.
Techniques 1976, pág. 61; M. Planiol, apud Magnin, François, Know How e
Proprieté Industrielle, Lib. Techiques, 1974, pág. 271; Newton Silveira, Licença de
Uso de Marcas, Tese, F. Direito USP, 1982, pág. 91; Caravellas, Guilherme,
Contratos de Licencia y de Transferencia de Tecnologia, Buenos Ayres, Ed.
Heliosta, 1980, pág. 20.
17/ Chavanne e Burst J., Droit de la Proprieté Industrielle, Dalloz, 1976, pág. 84;
Pontes de Miranda, Tratado, Vol. XVI, pág. 351; Gama Cerqueira, Tratado 2a. Ed.
1982, pág. 260; Ramella, Le Nouvesu Regime dos Brevets d'Invention Ed. Sirey
1979, pág. 206, pág. 125; Leonardos L. O Contrato de Licença... in Anuario da

10
Propriedade Industrial, 1978, pág. 41; Roubier, Paul, Le Droit de la Proprieté
Industrielle, L. Sirey, 1952; Vo. II. pág. 260; Ramella, Agustin, Tratado Vol. I,
Madrid, 1913, pág. 225; Contrários: Mathely, Raul, Le Droit Français des brevets
d'invention, Paris, 1974, pág. 385; Ascarelli, Tulio, Teoria de la Concurrencia y de
los biens imateriales Barcelona, Bosch Ed. 1970, pág, 350;
20/ A prática Americana e Inglesa considera "Licença" também certos controles de
Know How. O consenso mundial parece estar se opondo a isto: vide "Lincidence du
Droit Communautaire de la Concurrence Sur Les Droits de La Proprieté
Industrielle", Lib. Techniques, 1977, pág. 120.
21/ Certos autores entendem que a licença exclusiva só implica em renúncia a
conceder novas licenças; o licenciador poderia explorar diretamente seu invento.
Chavanne e Burst, pág. 86.
22/ Arracama Zorraquin, Ernesto D. los Derechos del Patentado, in Revista Mericana
de la Propriedad Industrial, dez. 1973, pág. 33 e seguintes; D. Barbosa, Diss., pág. 83
e 87.
23/ Convenção de Paris (Revisão de Haia) Art. IV bis.
24/ Nos processos de integração internacional, por exemplo, no Mercado Comum
Europeu, a possibilidade de repartir os direitos de acordo com os países pode ser
restrita em benefício da União: No caso brasileiro, vide o Artigo 33 Par. 2o. do CPI,
que prevê prova de uso de patente em outro país, no caso de acordos de
complementação.
25/ Cruz Filho, Murillo, Contratos de Cartel, Manuscrito, 1984, sobre outro aspecto
do uso de patentes no abuso de poder econômico, vide Badu, Geraldo Peltier,
Patentes de Invenção Nulas e Domínio de Mercados, Tese, PUC/RJ, 1980.
26/ Nem sempre é fácil tal distinção. Ramella, pág. 228; Leonardos, pág. 42 a 44.
27/ D. Barbosa: El Concepto Jurídico de know how, in Rev. De Derecho Industrial,
no. 6, 1980, pág. 755; D. Barbosa, Dissertação, pag. 24 a 45. Não nos demoraremos
a analisar as diferenças entre "know how" e Assistência Técnica", se é que existem,
ante a enorme imprecisão terminológica quanto aos dois termos. Para o aspecto
tributário do problema, vide D. Barbosa, Tributação da Propriedade Industrial e do
Comércio de Tecnologia Ed. Res. Tributária, 1983. Fora do contexto tributário
brasileiro, é frequente usar a expressão "Assistência Técnica" para o treinamento de
pessoal, envio de técnicos, etc., necessários na fase de implantação de tecnologia na
empresa.
28/ A noção se distingue, assim, da de aviamento, que é o conjunto de bens
incorporeos da empresa, incluindo marcas, patentes, capacidade dos dirigentes, etc.,
vide Rotond, in Rev. Mex. de la Propriedad Industrial. Dez. 1973, pág. 379.
Aperfeiçoa-se, desta feita, a definição proposta no artigo "El Concepto Jurídico de
know how" de D. Barbosa.

30/ É esta a modalidade a que se denomina por vezes "Licenças de know how.
31/ Como se verá adiante, este repasses parciais de know how são reprimidos pelas

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leis de abuso do Poder Econômico. Argumenta-se, porém, que tais restrições estão
nos limites dos poderes legais do supridor: se o recipiente não tinha o know how, o
que vier a receber só o acresce. O mesmo, dentro de tal linha de raciocínio, não se
dirá das restrições que excedem o bem transmitido, como, por exemplo, a imposição
de comprar outros produtos ou serviços da supridora como condição para ceder o
know how. D. Barbosa, Diss. pág. 85.
32/ A. F. Barbosa, Propriedade..., pág. 102; D. Barbosa, Magnin, pág. 335 a 378;
Comparato, Ensaios e Pareceres, Vol. I, pág. 372.
33/ D. Barbosa, Dissertação, pág. 17 a 23.
4/ Troller, Alois, Théorie des Droits Immaterielles, Basel, 1971, pág. 162; Sabatier,
pág. 61; W.Ferreira, Tratado, Vol. 3 pág. 544.
5/ Sabatier, pág. 62; D.Barbosa, Dissertação, pág. 36.

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