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Livro: Gestão da Inovação: Conceitos, Métricas e Experiências de

Empresas no Brasil / Autor: Paulo Figueiredo

1.1Introdução - Capacidade Tecnológica e Inovação

A fim de entendermos o papel da capacidade tecnológica e da inovação como fontes para


a performance competitiva de empresas, especialmente no contexto de economias emergentes, como é o
caso do Brasil, é necessário esclarecer o real significado desses temas. Isto pode parecer por demais
“acadêmico”. Porém, é preciso considerar que, ao longo dos últimos anos, tem havido uso indiscriminado
de certos termos — tanto no discurso como em documentos acadêmicos, governamentais e de consultoria,
relacionados com estratégias de inovação — sem uma adequada fundamentação analítica e empírica. Tal
prática pode deturpar e interferir negativamente no processo de desenho e implementação de estratégias
de inovação industrial, tanto em nível empresarial como governamental.
Neste livro, capacidade tecnológica consiste em um conjunto ou estoque de recursos à base de
conhecimento tecnológico. É também denominada ativo cognitivo ou base de conhecimento da empresa.
É com base em sua capacidade tecnológica que as empresas podem realizar atividades de produção (de
bens e serviços) e de inovação. As capacidades tecnológicas, por sua vez, derivam de mecanismos de
aprendizagem tecnológica. Ou seja, enquanto capacidade tecnológica é um estoque de recursos (à base de
conhecimento tecnológico), a aprendizagem tecnológica é um processo que envolve vários mecanismos
que captam diversos tipos de conhecimento tecnológico a partir de fontes externas e internas à empresa
para transformá-los em capacidades tecnológicas da empresa. Mais adiante será mostrada sua
composição.
Com base em sua capacidade tecnológica a empresa consegue não apenas produzir bens e serviços,
mas, mais do que isso, também inovar, isto é, aprimorar produtos, processos de produção e processos
gerenciais existentes ou criar novos produtos, processos de produção, serviços e procedimentos
organizacionais inéditos.
A maneira como a empresa acumula sua capacidade tecnológica — tanto para produção como para
inovação — tem impacto no modo de aprimoramento de seus indicadores de performance operacional,
ambiental e também econômico-financeira. Ou seja, a maneira e a velocidade com que empresas
constroem e acumulam suas capacidades tecnológicas, e especialmente capacidade para inovação, tem
impacto em sua capacidade competitiva.
O propósito deste capítulo é o de apresentar ideias básicas relativas à natureza da capacidade
tecnológica, da inovação e da aprendizagem tecnológica. Isto é, aprendizagem é entendida neste livro
como fonte, insumo para a construção e acumulação de capacidade tecnológica e realização de atividades
tecnologicamente inovadoras em nível de empresas.
Os termos tecnologia, capacidade tecnológica, inovação e aprendizagem tecnológica estão presentes
no dia a dia das atividades empresariais e são mencionados frequentemente na agenda empresarial e
governamental, assim como no discurso de dirigentes empresariais e políticos e pela imprensa como
fontes de vantagem competitiva para empresas e países. Também estão presentes no cotidiano das
pessoas. Porém, observamos que tais termos tendem a ter significados e interpretações diversas, confusas
e/ou equivocadas. Pode, inclusive, parecer por demais acadêmico ou abstrato tentarmos aqui discutir o
significado de capacidade tecnológica e de inovação.
No entanto, um entendimento limitado ou equivocado sobre esses termos pode ter implicações
práticas em termos de gestão de organizações empresariais e governamentais. Mais ainda: pode deturpar
decisões de investimentos em tecnologia e inovação que, normalmente, tendem a ser altos. Por isso, antes
de mostrarmos as experiências de empresas relativas à gestão da capacidade tecnológica e inovação no
Brasil, é importante clarificarmos aqui seu significado. No entanto, longe de tentar trazer uma perspectiva
dogmática ou manualizada sobre esses termos, será explorada uma interpretação atualizada e
internacionalmente aceita neste campo de estudo, no âmbito acadêmico e empresarial. Assim, a partir
desta seção introdutória, a Seção 1.2 contém noções básicas sobre a natureza da tecnologia. A Seção 1.3,
por sua vez, apresenta ideias básicas relativas à inovação. Por fim, a Seção 1.4 apresenta algumas
sugestões de questões a serem exploradas por professores e estudantes sobre o tema deste capítulo.
1.2Ideias Básicas sobre a Natureza da Tecnologia
Antes de apresentar o significado mais atual sobre tecnologia, cabem alguns breves comentários a
respeito de determinados termos que tendem a ser tomados como sinônimos de tecnologia, mas que, na
verdade, não o são. Por isso, começarei por eles.
1.2.1Termos e noções que não refletem o real significado de
tecnologia
Tecnologia não é ciência aplicada
Uma perspectiva equivocada sobre tecnologia é considerá-la como sinônimo de ciência aplicada ou mera
aplicação de conhecimento científico. Isto implicaria dizer que ciência e tecnologia sempre caminharam
de mãos dadas ao longo da história, quando, na verdade, esta frutífera união surgiu apenas a partir do
século XVIII. De fato, na maior parte da história da tecnologia, sua relação com a ciência foi escassa.
Durante séculos, a humanidade fabricou utensílios de ferro sem conhecer as características químicas deste
metal, nem as causas de diversas mudanças no processo de sua fundição e forjamento. E, contudo,
conseguiram fabricar objetos, mesmo sustentando falsas teorias e termos incorretos do processo
metalúrgico. Assim, ainda hoje, a tecnologia não é, em sua totalidade, a aplicação da ciência. O 1

relacionamento entre tecnologia e ciência é, sem dúvida, fértil para discussões polêmicas, principalmente
quando as duas variáveis são associadas ao desenvolvimento econômico de países.
Especificamente, uma das consequências mais enganosas de se pensar em tecnologia como mera
aplicação do conhecimento científico preexistente é que tal perspectiva deturpa um ponto extremamente
elementar: a tecnologia é ela própria um corpo de conhecimentos sobre certos tipos de eventos e
atividades. Não significa meramente uma aplicação de conhecimentos trazidos de outra esfera. Trata-se de
um conhecimento de técnicas, métodos e projetos que funcionam, e que funcionam de maneiras
determinadas e com efeitos determinados, mesmo quando não se possa explicar exatamente por quê.
Tecnologia é, portanto, se preferirmos colocar desta forma, não um tipo fundamental de conhecimento,
mas sim uma forma de conhecimento que gerou durante muitos milhares de anos uma certa taxa de
progresso econômico. Por isso, se a humanidade tivesse sido confinada a tecnologias compreendidas em
termos científicos, ela já teria desaparecido há muito tempo.
Por exemplo, a Revolução Industrial durante o século XVIII e início do século XIX foi realizada por
empreendedores, engenheiros e técnicos, empresários sem educação sistemática em ciência ou tecnologia,
não havendo, praticamente, intercâmbio de ideias entre os cientistas e os inventores dos processos
industriais. A maioria das inovações, de importância capital para o início da industrialização, foi obtida à
base de experimentações movidas por conhecimento adquirido pela experiência. De fato, os primórdios
da tecnologia moderna, a partir da Revolução Industrial, deveram-se virtualmente nada à ciência e tudo
aos frutos da tradição de invenção nas artes mecânicas e artesanais, assim como as invenções da
Revolução Industrial derivaram do engenho artesanal e de muito trabalho árduo. 2

A relação íntima normalmente indicada entre ciência, tecnologia e desenvolvimento econômico


manifesta-se a partir do século XVIII e, além disso, é característica de um número limitado de setores da
economia. O relacionamento entre os domínios da ciência e da tecnologia não é simples, nem linear.
Devido ao grande número de elos e realimentações, a relação adquire uma conotação dialética, uma vez
que cada um deles influencia o outro com relações importantes, muitas vezes passando da tecnologia para
a ciência e nem sempre o inverso.
Portanto, a situação normal no passado, e até certo ponto no presente, é que o conhecimento
tecnológico tem precedido o conhecimento científico. Dados os incentivos econômicos subjacentes, não
podemos nos surpreender com o fato de que aprimoramentos tecnológicos baseados em conhecimentos
tecnológicos isolados comumente precedem o entendimento científico. Afinal, sucesso comercial
demanda aquilo que funciona sujeito a vários critérios impostos pelo produtor e usuário. Engenheiros de
desenvolvimento de produto estão envolvidos em procedimentos e processos complexos de tentativas de
otimização. No entanto, pode-se obter considerável sucesso em tais procedimentos e processos sem
entendimento científico dos fenômenos envolvidos. A falta de entendimento científico não se constitui, e
felizmente com frequência não é um obstáculo insuperável. Por isso, é de se esperar que um substancial e
viável volume de conhecimento tecnológico possa ser alcançado antes de um nível mais profundo de
conhecimento científico. 3

Consequentemente, a tecnologia tem servido como um enorme repositório de conhecimento empírico


para ser escrutinizado e avaliado pelo cientista. Por isso, não é estranho para engenheiros em muitos
setores industriais resolver problemas para os quais não existem explicações científicas, assim como a
solução da engenharia gerar investigação científica subsequente e fornecer a explicação. Naturalmente
que isto não ocorre atualmente em setores industriais fortemente baseados em ciência, por exemplo, no
campo das ciências da vida. Mas, mesmo nestes, a experiência prática com a nova tecnologia tende a
preceder o conhecimento científico ao prover observações inesperadas ou experiências que dão início à
pesquisa fundamental (por exemplo, no campo da física, da biologia ou da química). Vamos a alguns
exemplos: 4

a.Ondas curtas do rádio. Nos primeiros anos após o aparecimento do rádio, os


radioamadores tinham permissão para usar apenas os sinais de ondas curtas (menos de 200
metros), precisamente porque as autoridades pensavam que nada poderia ser feito com esses
tipos de onda. Ocorre que radioamadores criativos, os quais não tinham conhecimento
científico para afirmar que nada poderia ser feito com tais ondas, rapidamente demonstraram
que transmissões eficazes podiam ser feitas no âmbito das ondas curtas. Isto levou à pesquisa
científica posterior sobre a natureza da ionosfera (que se localiza entre 60 e 1000 km de
altitude e é composta de íons, plasma ionosférico, e, devido à sua composição, reflete ondas
de rádio até aproximadamente 30 MHz). Tais pesquisas possibilitaram fantásticos avanços no
campo da radiodifusão.
b.Indústria eletrônica. No final dos anos 1940, quando engenheiros buscavam solução para o
problema de curtos-circuitos em equipamentos eletrônicos, descobriram que estes eram
causados por crescimento nos filamentos, os chamados whiskers (fios de barba) de cristais. A
descoberta de que tais cristais eram fortes e flexíveis levou à pesquisa extensiva sobre as
condições de seu crescimento e propriedades físicas. Isto possibilitou avanços na ciência do
crescimento de cristais que, por sua vez, tiveram grande valor para inovações na indústria
eletrônica.
c.Metalurgia. Importantes avanços tecnológicos nos processos de metalurgia do ferro e aço
foram alcançados muito antes de desenvolvimentos científicos neste campo. Na verdade, a
ciência da metalurgia apenas começou a se desenvolver a partir da segunda metade do século
XIX. Tais esforços visavam explicar o comportamento de metais que, à época, já estavam
sendo produzidos em larga escala pelo processo Bessemer, patenteado em 1856. Mas àquela
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época existia muito pouco conhecimento científico sobre a deterioração por idade e
fragilidade dos metais, o que intrigava os cientistas que não conseguiam encontrar uma
explicação para tal fenômeno. Mesmo assim, os engenheiros desenvolveram, por meio de
processos de tentativa e erro, uma liga superior denominada Duralumínio sem que alguém
entendesse cientificamente o fenômeno do endurecimento pela idade. Tal fenômeno apenas foi
explicado posteriormente a partir da introdução de instrumentações, incluindo as técnicas de
difração de raios X e o microscópio eletrônico. Isto possibilitou que, mais tarde, pesquisadores
como o químico Alfred Wilm (de Berlim, que inventou o processo de Wilm, a partir de 1906)
e pesquisadores como H. Hunsicker e S. Stumpf (a partir da década de 1950) fizessem
descobertas que permitiram explicar, à base de busca por meio de microscópios potentes, que
o fenômeno do endurecimento pela idade estava associado a inconsistências em medições de
dureza de certas espécies de ligas de alumínio. Mesmo sem essa explicação científica, o
Duralumínio foi amplamente usado na indústria de aviação (incluindo a construção de
zepelins) durante a Primeira Guerra Mundial.

Vale também lembrar o exemplo do extraordinário desempenho da economia japonesa no século XX,
principalmente depois da Segunda Guerra Mundial. Porém, reconhece-se que, após ter conquistado a
liderança tecnológica e industrial, o Japão tratou de construir uma estrutura científica. Embora se admita
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uma relação simbiótica entre ciência e tecnologia, uma não pode ser tomada como substituta da outra.

Tecnologia não é informação ou bem público


Neste sentido, é importante que se faça uma distinção entre informação e conhecimento, que,
convencionalmente, tendem a ser tratados como conceitos iguais. Informação pode ser representada pela
soma total de “mensagens” geradas ao redor do mundo de forma geral, e é, em princípio, comercializável;
enquanto conhecimento é geralmente não comercializável e resulta de processos de aprendizagem, que
podem derivar tanto de experiências de produção passadas, quanto da aquisição de novas informações.
Assim, conhecimento e informação não são idênticos, mas fortemente complementares: o que a empresa é
capaz de aprender a partir da quantidade de mensagens (informações) disponíveis irá depender do
conhecimento que já tenha acumulado (ou seja, sua base de conhecimento existente).
Tratar tecnologia como informação ou bem público pode levar alguns dirigentes a um raciocínio
equivocado e a consequências negativas. Por causa da intensificação da globalização e a disseminação de
tecnologias de comunicação e de informação (as chamadas TICs, à base de e-mails e outros meios de
comunicação suportados ou apoiados pela televisão, telefonia móvel, satélites e pela Internet) tendem a
pensar que tecnologia está cada vez mais acessível a todos, principalmente a países e áreas em
desenvolvimento. 7

Isto, por sua vez, pode conduzir gestores a uma visão enganosa e perigosa de que esforços internos
de desenvolvimento de capacidade tecnológica própria não seriam necessários, uma vez que tecnologia
estaria disponível “em prateleiras” no mercado global e à disposição para venda. De fato, uma parte dela
está na forma de sistemas técnico-físicos (equipamentos, maquinaria, software etc.), produtos, manuais de
instrução e patentes. Estes são elementos óbvios, tangíveis da tecnologia, isto é, sua parte codificada, mas
não podem ser confundidos com tecnologia em si. Afinal, uma pessoa usando um telefone celular de
última geração no deserto do Saara ou na Selva Amazônica está tendo acesso ao uso do produto (de uma
empresa de telefonia móvel), mas não à sua tecnologia.
Em suma, tende-se a assumir, equivocadamente, que tecnologia é uma informação necessária para
projetar e produzir bens e serviços. Esta informação seria de natureza pública, estaria disponível
livremente, seria reproduzida sem custo e existiria de maneira formatada ou explícita na forma de
patentes, projetos, manuais de operação, equipamentos etc. Contrariamente a essa visão convencional,
que iguala informação a conhecimento, eles são, de fato, essencialmente diferentes: informação
representa a soma total de mensagens geradas no mundo e são, em princípio, comercializáveis.
Conhecimento (e tecnologia) geralmente não são comercializáveis, sendo incorporados no processo de
aprendizagem de pessoas e de empresas e é usualmente tácito. Não obstante, tal conhecimento pode ser
usado para gerar informação na forma de manuais, livros, patentes, designs. Por exemplo, o que existe de
relevante na Internet é informação, que foi gerada a partir de conhecimento de pessoas e de organizações.

Tecnologia não é meramente produto


Produtos contêm diferentes tecnologias. Uma tecnologia pode estar presente em vários tipos de produtos
(por exemplo, a tecnologia digital) e um produto pode conter um crescente número de tecnologias. Por
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exemplo, um refrigerador da década de 1960 tinha, no máximo, três a quatro tecnologias, uma delas o
compressor. Os atuais, principalmente aqueles já desenhados para conexão com a Internet, têm
aproximadamente oito a dez tecnologias. Da mesma forma, um telefone celular da década de 1980 tinha
perto de oito tecnologias, enquanto os mais simples atuais têm cerca de 15 a 18 tecnologias. Cada vez
mais, produtos, processos de produção e serviços, como automóveis, software, aviões, extração de
petróleo em águas profundas, serviços hospitalares, serviços bancários e de transporte público envolvem
um crescente número de diferentes tecnologias.

Tecnologia não é somente maquinaria ou equipamentos


É frequente no senso comum a definição de tecnologia relacionada estritamente à maquinaria, no sentido
genérico, tais como: equipamentos, ferramentas, aeronaves, satélites, instrumentos fabris e computadores.
De fato, o artefato ou, mais tecnicamente falando, os sistemas técnico-físicos (maquinaria, equipamento,
bancos de dados, software, fábricas) são parte de uma tecnologia e expressam parte dela, mas não podem
ser tomados como a própria tecnologia.
O entendimento estreito e limitado de tecnologia como sinônimo de maquinaria e equipamentos pode
ter efeitos negativos para empresas e países. Por exemplo, são comuns os casos de organizações que
adquirem máquinas e equipamentos extremamente avançados e se autodenominam organizações
tecnologicamente avançadas. Porém, faltam-lhes pessoas qualificadas para compreender os princípios da
tecnologia. Por isso, operam-na de maneira ineficiente ou equivocada levando a quebras,
indisponibilidade e altos custos de manutenção. Também podem subutilizar a tecnologia por absoluta falta
de conhecimento básico sobre a potencialidade dos recursos. Em casos mais extremos, a tecnologia nem
mesmo é colocada em uso, permanecendo, por anos, da mesma forma como foi entregue pelo fornecedor
por absoluta falta de conhecimento sobre sua instalação e operação básica.
Em outros casos, a organização adquire sistemas físicos de última geração (maquinarias e
equipamentos) e recruta engenheiros, técnicos e gerentes altamente qualificados. A despeito da existência
de capital físico e humano, falta à empresa um sistema organizacional (procedimentos, rotinas, normas
padronizadas) capaz de integrar esses dois componentes de maneira a um uso eficiente da tecnologia e
sua posterior adaptação e aprimoramento. Ou seja, não se cria um sistema organizacional e gerencial
capaz de integrar as diversas especialidades profissionais e sua capacidade criativa a fim de gerar
inovações que a empresa precisa. Esta situação tende a se refletir na visão de diversos dirigentes que
entendem que, uma vez adquiridos os mais avançados equipamentos (em geral altamente automatizados),
teriam transformado sua organização em tecnologicamente avançada. Por exemplo, é comum prefeitos
e/ou dirigentes de hospitais rotularem seus hospitais como “hospitais de ponta” simplesmente porque
possuem equipamentos de última geração em radiologia. Como a ênfase recai somente em oferta de
capital físico, não preparam as pessoas e a organização para compreender os princípios da tecnologia.
Como sua assimilação é truncada, sua operação e utilização tornam-se comprometidas. Há também outros
casos nos quais computadores sofisticadíssimos são usados meramente para redação de textos, enquanto
tomógrafos sofisticados são operados por pessoas com sérias deficiências cognitivas e técnicas para
interpretar regras básicas de operação e de manutenção. Consequentemente, os equipamentos tornam-se
subutilizados quando não quebrados. De outro lado, equipamentos caríssimos (geralmente comprados
como se fossem aquisição de tecnologia) podem ser mantidos em caixas fechadas por anos, por falta de
pessoas e de organizações para operá-los.
Tecnologia não é apenas a chamada alta tecnologia (ou high tech)
A história da tecnologia confunde-se com a história da humanidade. Desde a Pré-história (períodos
Paleolítico, Neolítico e Idade do Bronze) a humanidade criava, desenvolvia e aperfeiçoava instrumentos
primitivos à base de madeira, ossos, pedras e couro, para realizar suas atividades de caça, pesca e
construção de abrigos destinados à sobrevivência das organizações tribais. Afinal, a relação da tecnologia
com a humanidade começou desde quando esta passou a manipular fogo e pedra como meios de
sobrevivência. Mas tecnologia sempre teve o mesmo sentido ao longo da história? Certamente não, do
contrário, seria irrefutável a ideia de que estudar as organizações primitivas, que empregavam a
tecnologia do arco e flecha e do arado com rodas, seria o mesmo que estudar as avançadas empresas
contemporâneas. As perspectivas contemporâneas convencionais e populares sobre tecnologia tendem a
associá-la àquilo que é fantástico e extremamente sofisticado, normalmente aos setores como a
microeletrônica, computação, tecnologia da informação ou indústria aeroespacial. É comum, por
exemplo, observarmos na imprensa em geral referências a empresas de tecnologia como aquelas ligadas a
esses setores. Trata-se, porém, de uma visão, não apenas estreita, mas equivocada sobre tecnologia.
Tecnologia está presente nos mais variados setores industriais e nos mais variados tipos de organizações
(empresariais e não empresariais). Existem, por exemplo, tecnologia de mineração, de pesca, de
tratamento de água, de cultivo agrícola, de pecuária, assim como tecnologia automotiva, hospitalar,
bancária, de barbear, de escovar dentes, de entretenimento e vários outros tipos. Logo, tecnologia está
presente, em graus de sofisticação variados — de rudimentar, baixa, intermediários e avançados — em
diversos tipos de organização. Ou seja, tecnologia está presente em organizações, em setores, que variam
desde os intensivos em recursos naturais, os baseados em processos (por exemplo, fabricação de aço,
químicos), os baseados em produto (eletrônica de consumo, automotivo), os baseados em projetos
(empresas de engenharia, de consultorias), os intensivos em informação e os intensivos em serviços.

Tecnologia não é técnica


Da etimologia grega téchne, o termo técnica significa primeiramente arte, habilidade, destreza ou ofício,
ou seja, um método específico para desempenhar alguma atividade artística. Refere-se ainda a assunto
específico de uma profissão, esporte ou tema apropriado a uma ciência ou empresa; e finalmente pode
significar termos ou expressões confinadas a uma ocupação ou campo de pensamento especializado. 9

Assim, no sentido de arte, habilidade ou destreza existem, por exemplo, técnicas de fazer poesias, de
tocar um instrumento musical, de fotografar ou de dançar; no que concerne a assunto específico de uma
profissão, as técnicas cirúrgicas, esportivas, de gestão, comerciais (disposição dos produtos em uma loja
de departamentos), agrícolas, de armazenagem de produtos perecíveis. E no sentido de termos ou
expressões confinados a um campo especializado de ocupação há, por exemplo, os termos administrativos
(break-even point, over-head), econômicos, jornalísticos e do mercado de ações.
Dessa forma, tudo é técnica, mas nem toda técnica é tecnologia. Técnica define a capacidade de
produzir e fazer mesmo sem artefatos; já a tecnologia engloba conhecimento acumulado, trabalho e
habilidades, englobando não só os empreendimentos mais difíceis, mas também os esforços pacientes e
contínuos; não só as mudanças rápidas costumam ser chamadas de revolucionárias, mas também as lentas
melhorias nos processos e ferramentas, além das inúmeras ações que podem não ter significância
inovadora imediata, mas que são fruto de conhecimento acumulado. Assim, tecnologia é o resultado e a
extensão de técnica, mas não sua equivalente nem substituta; é muito mais especializada e se refere a
estágios mais avançados da técnica. Explicitados os termos que equivocadamente são definidos como
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sinônimos de tecnologia nos dias de hoje, pode-se agora apresentar seu significado atual.
1.2.2Mas o que é, afinal, tecnologia?
Natureza da tecnologia: breve comentário
Depois do que já foi mencionado, começa a ficar claro que tecnologia é um corpo específico de
conhecimento, conhecimento este fortemente relacionado com a engenharia. Trata-se de um tipo
específico de conhecimento. De fato, como tem sido mostrado em diversos estudos ao longo das últimas
décadas, e claramente argumentado pelo clássico Keith Pavitt, tecnologia deveria ser compreendida como
um quantum de conhecimento retido por pessoas e organizações. Este conhecimento, resultante de sua
experiência acumulada em projeto (design), produção, desenvolvimento de produtos e aprimoramento de
processos é, em sua maioria, tácito. Isto significa que não está formatado, em sua totalidade, em nenhum
tipo de manual ou software. Mas é adquirido por pessoas e organizações por meio de solução de
problemas, permanecendo lá dentro em um estado substancialmente não codificado. 11

Apenas parte deste conhecimento está codificada na forma de manuais de operação, produtos,
equipamentos, publicações técnicas e científicas. De fato, tecnologia é uma forma de conhecimento
(know-how) aberto, no sentido de ter um caráter não proprietário, por exemplo, tecnologia
(conhecimento) sobre energia nuclear, de projeto e fabricação de aviões, ou de explorar petróleo no mar.
Porém, isto não significa que todas as empresas teriam fácil acesso a tais conhecimentos (tecnologias)
específicos. Esses conhecimentos estão armazenados, impregnados e acumulados em empresas
especializadas, na forma de suas capacidades tecnológicas para fazer tais atividades. Mais
especificamente, está armazenado na forma de qualificação das pessoas, suas experiências e talentos e no
tecido organizacional de uma ou mais empresas. Porém, grande parte deste quantum de conhecimento é
tácito, tanto em pessoas como em organizações inteiras.
Mas o que é conhecimento tácito? Pela perspectiva individual, é aquilo que certas pessoas sabem
como fazer, mas dificilmente conseguem contar ou escrever como o fazem. Por exemplo, se você tentar
replicar uma receita culinária dificilmente conseguirá o mesmo sabor obtido pela pessoa que criou a
receita. Se pedirmos para uma pessoa descrever como é andar de bicicleta ou nadar, assim como se
perguntarmos a craques do futebol como eles marcam gol, dificilmente eles conseguirão descrever essa
atividade. Esse conhecimento (do chef de cozinha ao do jogador de futebol) é um conhecimento tácito.
Reflete talentos, habilidade e experiências natas e/ou adquiridas e aprimoradas ao longo do tempo.
Levando-se para o nível organizacional e do ponto de vista tecnológico e empresarial, o conhecimento
tecnológico pode ser subdividido em tácito (não codificável e codificável) e codificado, como mostrado
na Figura 1.1.
Mas onde reside este conhecimento específico (ou tecnologia)? Certamente não está no vácuo ou
solto no ar. A tecnologia é sempre concebida, desenvolvida e alterada dentro de contextos organizacionais
específicos. Estes, por sua vez, localizam-se dentro de contextos regionais e nacionais. Cada empresa é
um lócus onde ocorre uma progressiva acumulação de conhecimento tecnológico que possui elementos
muito específicos e idiossincráticos da empresa e do país em que foi concebida, desenvolvida e
aprimorada.

FIGURA 1.1 Dimensões do conhecimento tácito e codificado.12

Ou seja, a tecnologia reside, incorpora-se e acumula-se em recursos ou componentes específicos. Em


outras palavras, a tecnologia é incorporada e acumulada em componentes como sistemas técnico-físicos
(máquinas, equipamentos, banco de dados, software), nas pessoas (que constroem esses sistemas
técnico-físicos e neles depositam seu conhecimento formal, experiência, habilidades e talentos), no
sistema, tecido organizacional e gerencial de empresas (que reflete o conhecimento e experiências dos
profissionais que os construíram e estruturaram), assim como nos produtos e serviços da organização (que
também reflete o conhecimento tácito de engenheiros, técnicos e operadores, bem como os vários
procedimentos organizacionais e técnicas gerenciais). Esse estoque de recursos, que faz com que uma ou
várias organizações sejam capazes de fazer uma atividade tecnológica de maneira independente,
denomina-se capacidade tecnológica. Ou seja, a capacidade tecnológica é um estoque de recursos, à base
de saber tecnológico, que se armazena em pelo menos quatro componentes, como mostrado na Figura 1.2.
1.Sistemas técnico-físicos (capital físico). Longe de ser acumulada somente na mente das
pessoas, a capacidade tecnológica é também acumulada e incorporada nos sistemas físicos que
as pessoas constroem ao longo do tempo, tal como fábricas, maquinaria, software, base de dados
etc.
2.Tecido e sistemas organizacionais e gerenciais (capital organizacional). As capacidades
são particularmente incorporadas e acumuladas no tecido ou sistema organizacional da empresa
(ou das empresas) do qual se origina. Especificamente, este sistema organizacional (orgânico),
que incorpora uma parte substancial de capacidades tecnológicas, envolve as rotinas
organizacionais, dos procedimentos, das normas, da produção, dos processos administrativos da
empresa, técnicas de gestão de produção (por exemplo, sistemas da qualidade, sistemas
automatizados, ERP). O conhecimento flui através das áreas funcionais, das regras gerenciais e
das estruturas organizacionais etc. A ideia de rotinas organizacionais é muito importante e
merece clarificação. São os hábitos e a maneira que uma organização encontra de realizar suas
atividades da forma que considera mais confiável possível, ou seja, são as habilidades de uma
organização. Ao longo de sua vida a empresa adquire um repertório de rotinas que deriva da
maneira como realiza suas atividades. Por exemplo, depois de experimentar (errar e aprender)
várias sequências de como proceder no processo de armazenamento de produtos perecíveis ou
de como fazer a manutenção de equipamentos, a empresa escolhe uma sequência de ações na
qual ela confia. Ao realizá-la ao longo do tempo, a empresa não apenas aprimora como deposita
nela o conhecimento de pessoas e a própria maneira como as coisas são feitas na empresa. Por
isso, as rotinas organizacionais são grandes armazenadoras do saber tecnológico (ou capacidade
tecnológica) da empresa, representam o DNA de suas capacidades tecnológicas. Por isso, os
processos, produtos e serviços derivados das rotinas organizacionais, por serem muito
específicos à empresa, dificilmente são replicados automaticamente por outros. Ou seja, ao
engajarem-se em atividades de busca de atividades novas e de soluções para problemas técnicos
e organizacionais, as empresas depositam conhecimento específico e intrínseco em suas rotinas.
Esse conhecimento organizacional é tácito. Vale lembrar, porém, que existem rotinas eficientes e
ineficientes, pois refletem simplesmente parte do saber da empresa.
3.Nas pessoas (capital humano). Outra parte da capacidade tecnológica da empresa é
incorporada na mente dos engenheiros, dos gerentes, dos operadores, dos técnicos e de outras
pessoas na organização. Tal dimensão da capacidade é expressa por meio de sua educação
formal e aprendizagem, mas, principalmente, da experiência acumulada, habilidades, destreza e
talentos acumulados, em outras palavras, os elementos-chave de seu conhecimento tácito.
4.Produtos e serviços. Outra parte das capacidades da empresa está incorporada nos produtos e
serviços que são desenhados, desenvolvidos, fabricados, fornecidos e comercializados pela
empresa com base em seus sistemas técnico-físicos, pessoas e sistema organizacional. Produtos
e serviços não devem ser vistos apenas como resultados dos outros três componentes. Eles
expressam parte da capacidade tecnológica da empresa.
FIGURA 1.2 Componentes nos quais reside a capacidade tecnológica.

Recapitulando, portanto, a capacidade das empresas para criar, adaptar, gerir e gerar esses quatro
componentes e a interação entre eles é denominada capacidade tecnológica. Existe uma relação
inseparável e simbiótica entre esses quatro componentes. É essa relação simbiótica que reflete a
capacidade tecnológica que é própria, intrínseca e específica a uma empresa ou país. Por isso, podemos
nos referir à capacidade tecnológica da Petrobras para explorar e produzir petróleo, da Usiminas ou CSN
para projetar e produzir aços, da Motorola para projetar e produzir celulares, da Aracruz ou Votorantim
para produzir florestas e celulose e da Klabin para produzir papel. A capacidade que essas empresas
possuem de realizar tais atividades com alto grau de eficiência, mas também de criatividade e de inovação
é, portanto, a sua capacidade tecnológica. Trata-se de um ativo cognitivo ou base de conhecimento muito
próprio a cada uma dessas empresas e que reflete o conhecimento tácito de seus engenheiros, gerentes,
técnicos e operadores, de seus conhecimentos codificados e tácitos impregnados em suas rotinas
organizacionais, procedimentos, manuais de instrução, técnicas gerenciais, estruturas organizacionais e
gerenciais, sistemas técnico-físicos, instalações, do processo de projetar, desenvolver e aprimorar seus
produtos e serviços, mas também seus valores e normas (jeito como as coisas são feitas) da empresa.
No entanto, existe um grau de importância e prioridade entre esses quatro componentes. Isto é
importante principalmente à gestão da capacidade tecnológica no contexto de economias emergentes (ou
países em desenvolvimento), como é caso do Brasil, da Rússia, Índia, China, África do Sul, Argentina,
México, e vários outros. Como veremos com mais detalhes no Capítulo 2, as empresas nesses países
normalmente começam (ou começaram) seu negócio a partir de tecnologia importada de empresas de
outros países (normalmente daqueles que se industrializaram mais cedo, como, por exemplo, Reino
Unido, França, Estados Unidos, Alemanha e Japão). Por isso, no contexto de países em desenvolvimento,
os componentes recursos humanos (capital humano) e sistemas organizacionais e gerenciais (capital
organizacional) têm importância maior do que sistemas técnico-físicos e produtos e serviços, como
enfatizado na Figura 1.3. Os sistemas técnico-físicos (máquinas, equipamentos e software) podem ser
adquiridos no mercado global com relativa facilidade. Porém, o sistema organizacional (em função da
especificidade das rotinas organizacionais, como mencionado anteriormente) e os recursos humanos
dificilmente são comercializáveis. Eles precisam ser desenvolvidos internamente. É com base neles que
tecnologias adquiridas de outras empresas e de outros países serão assimiladas, absorvidas e,
posteriormente, alteradas, aprimoradas e até transformadas em novas tecnologias. Por isso, são
componentes preciosos que merecem atenção e esforços diferenciados por parte da gestão da empresa
FIGURA 1.3 Pessoas e sistema organizacional: componentes críticos da capacidade tecnológica.

Mais especificamente, esses dois componentes têm elevado grau de especificidade e de propriedade
tácita. Um país precisa desenvolver sua própria base de recursos humanos em áreas relacionadas às
atividades tecnológicas, tais como engenheiros, pesquisadores, gerentes, técnicos, operadores. Assim
também as empresas precisam formar os seus próprios recursos humanos. O sistema organizacional, por
sua vez, é ainda mais tácito e único a empresas específicas.
É a partir da construção e acumulação de capacidade tecnológica que uma empresa poderá realizar ou
não, de maneira independente, atividades uso/operação de tecnologias e de sistemas de produção
existentes (capacidades de produção ou operação) e/ou de atividades para modificar tecnologias e
sistemas de produção existentes ou mesmo para gerar novas tecnologias e novos sistemas de produção de
bens e serviços (capacidades tecnológicas inovadoras). Estas últimas poderão variar desde pequenas
adaptações até atividades mais sofisticadas, podendo evoluir para a geração de sua própria tecnologia,
como representado na Figura 1.4.
Ou seja, ao se referir à capacidade tecnológica de uma empresa ou país é importante discernir se de
produção/operação ou se de inovação, a qual, por sua vez, pode variar de básica até avançada. Portanto,
em se tratando de capacidade tecnológica para realizar uma atividade específica (por exemplo, produzir
carros ou petróleo), tanto em nível de empresa como de país, a pergunta não é se tem ou não tem, mas
qual tipo (se de produção/operação ou de inovação) e em que grau ou nível. Por exemplo, uma empresa
pode ter capacidade para produzir milhões de unidades de certo produto, com alto grau de eficiência; mas
pode não ter capacidade para alterar nenhum de seus componentes. Ou seja, a empresa poderia ter
avançada capacidade tecnológica avançada de produção e nenhuma ou limitada capacidade tecnológica
para inovação. Exploraremos mais detalhes dessa importante distinção no Capítulo 2.
FIGURA 1.4 Capacidade tecnológica e seus impactos.

Essa acumulação de capacidade tecnológica poderá gerar impacto em seu desempenho técnico
(aumento de produtividade, melhoria de qualidade de processos e produtos, redução de custos etc.). A
acumulação de capacidade para inovação poderá significar não apenas performance distintiva no
mercado, mas liderança de mercado, nacional e internacional, superioridade econômica e, também, mais
força política para empresas, países e regiões.
Quanto mais complexa e profunda é esta capacidade tecnológica, mais difícil é de ser imitada e
copiada por outros competidores. De fato, empresas podem adquirir profissionais e equipes inteiras de
outras empresas. Porém, esses componentes podem funcionar de forma criativa e inovadora dentro de um
contexto organizacional repleto de rotinas e práticas que possibilitam que a sua criatividade e ideias novas
se transformem e se materializem em produtos e serviços inovadores. Por isso, convém esclarecer aqui até
que ponto é possível haver transferência de tecnologia.

Transferência de tecnologia: limites e possibilidades


Especificamente, a capacidade tecnológica, em níveis avançados, significa, para empresas e países,
liderança industrial e econômica. Cada vez mais representa também força política nas relações
internacionais. Ou seja, quanto maior é o grau de sofisticação da capacidade tecnológica, mais esta se
torna um conhecimento cobiçado e negado. Em função disso, e considerando a natureza tácita da
capacidade tecnológica, até que ponto esta é transferível? Parece, portanto, curiosa a expressão
“transferência de tecnologia”. O termo pode transmitir a falsa ideia de que tecnologia pode ser
automaticamente transplantada de uma empresa ou país para outro.
O processo de transferência de tecnologia envolve, de um lado, a empresa detentora ou fornecedora
de tecnologia e, de outro, a empresa receptora de tecnologia. É natural que uma empresa que construiu e
acumulou capacidade em nível avançado e liderança tecnológica busque usufruir dos benefícios dessa
liderança em termos de ganhos comerciais, econômicos e políticos. De outro lado, empresas e países que
objetivam ter acesso a certa tecnologia tentarão a sua aquisição. Surge então a relação entre o fornecedor
e o comprador de tecnologia. Essa relação normalmente tende a existir mais comumente entre empresas e
países industrializados, como fornecedores, e os em desenvolvimento, como compradores. Estes
normalmente iniciam certos negócios à base de tecnologia importada de empresas de outros países
(geralmente os industrializados). Enquanto a empresa fornecedora possui os quatro componentes da
capacidade tecnológica em nível avançado, na empresa receptora o nível de capacidade tecnológica é raso
ou inexistente, como ilustrado pela Figura 1.5.
Para que a empresa receptora possa adquirir esta nova tecnologia — ainda que somente para uso —
terá que desenvolver internamente a sua própria capacidade tecnológica (principalmente os componentes
relativos a profissionais especializados e sistema organizacional, Figura 1.4). Para isso, terá que
engajar-se em processos de aprendizagem tecnológica.
Durante as décadas de 1950 a 1980, o termo transferência de tecnologia ganhou enorme popularidade
junto a governos, mas também em instituições de pesquisa, ensino e consultorias.1 Existiam vários
programas de educação e treinamento — como ainda existem alguns atualmente — voltados a ensinar
gestores empresariais e governamentais a gerir o processo de transferência de tecnologia. Ocorre que
normalmente a grande ênfase era dada ao lado esquerdo da Figura 1.5, ou seja: ao processo de seleção e
escolha da tecnologia e, principalmente, do seu fornecedor. Partia-se da ideia de que, tendo sido feita uma
boa seleção da tecnologia e dos fornecedores, sua assimilação ocorreria automaticamente, como uma
mera questão de tempo.
Eram adquiridos, portanto, apenas os sistemas técnico-físicos, ou parte deles, na forma de
maquinaria, equipamentos, software ou banco de dados ou produtos. Sabemos que há, em muitos países
em desenvolvimento, evidências de casos de “tecnologias” adquiridas sob esta perspectiva que estão
guardadas há anos, nas mesmas caixas entregues pelo fornecedor, pois a organização receptora não
desenvolveu nenhuma base organizacional e/ou gerencial, nem de recursos humanos, para fazer instalar e
usar a “tecnologia”. Tem-se, então, uma aquisição incompleta ou truncada de tecnologia. Ou seja, o lado
direito da Figura 1.5 tendia — e, em alguns casos, ainda tende — a ser negligenciado por dirigentes
durante o processo de aquisição de tecnologia.

FIGURA 1.5 Dimensões da transferência de tecnologia.

Especificamente, a real transferência de tecnologia de fornecedores para receptores envolve, de um


lado, a gestão da seleção, escolha e compra da tecnologia importada e, de outro, implica assegurar o
engajamento da organização recipiente em um contínuo e sistemático processo de aprendizagem
tecnológica. É justamente essa segunda “metade” que tende a ser negligenciada em estratégias de
inovação industrial.
Isto porque a aquisição de tecnologia importada limita-se tão somente aos componentes
produtos/serviços e sistemas técnico-físicos. Apenas com base nesses componentes elas dificilmente
conseguem operar ou mesmo modificar o que adquiriram. E, como sabemos agora, os outros
componentes, os profissionais especializados e o tecido organizacional não são transplantados
automaticamente. Por isso, as empresas receptoras de tecnologia precisam treinar seus próprios
operadores, engenheiros, técnicos, pesquisadores, assim como precisam desenvolver suas próprias rotinas
e procedimentos organizacionais. É isso que permitirá que a tecnologia importada seja de fato realmente
assimilada, absorvida e, posteriormente, modificada pela empresa importadora. Por esta razão, os dois
componentes horizontais no losango da Figura 1.3 são prioritários do ponto de vista de desenvolvimento
de capacidade tecnológica para que a tecnologia importada seja de fato adquirida.
Portanto, é por meio do desenvolvimento de sua capacidade tecnológica própria que a empresa
receptora poderá, inicialmente, usar/operar a tecnologia importada. Se continuar aumentando a sua
capacidade tecnológica poderá então modificar, de várias maneiras e em vários graus, a tecnologia
importada. Dependendo do grau de modificação que for capaz de fazer, a empresa receptora poderá
evoluir para ser geradora de sua tecnologia. Ou seja, a empresa receptora somente poderá adquirir
plenamente uma tecnologia se engajar-se em um processo de aprendizagem para construir sua própria
capacidade tecnológica.
Recapitulando: a capacidade tecnológica é acumulada e incorporada no tecido organizacional, nas
pessoas, nos sistemas físicos e nos produtos e serviços da organização. Esta capacidade tecnológica é
tácita e intrínseca a este contexto organizacional onde foi concebida, desenvolvida e fortalecida. Porém, a
despeito da natureza tácita e intrínseca da capacidade tecnológica e por mais que esta seja protegida por
mecanismos diversos, como propriedade intelectual, patentes e barreiras de entrada, tal capacidade
tecnológica (ou conhecimento tecnológico) acaba vazando e sendo copiada para outros sistemas
organizacionais. Mas este processo está longe de ser automático. Isto depende, em primeiro lugar, da
avidez e esforços de absorção e assimilação tecnológica (aprendizagem) por parte da organização
receptora ou interessada em adquirir certa capacidade tecnológica. Ou seja, o que é tácito hoje pode não
ser tácito amanhã ou para sempre.
Por exemplo, o Brasil conseguiu desenvolver capacidade para projetar aviões e enriquecer urânio,
tecnologias estas normalmente negadas e cuja difusão é cercada de mecanismos que variam de técnicos a
políticos. O Irã conseguiu acumular capacidade tecnológica para enriquecer urânio. Por outro lado, várias
empresas que ocupam liderança absoluta em seu mercado sabem que a única maneira de manter-se na
liderança não é criar barreiras de entrada ou manipular certas forças competitivas, mas simplesmente
aprofundar sua capacidade tecnológica inovadora. Um bom exemplo disso seja talvez a Procter &
Gamble, dona da marca Gillette. Embora a empresa detenha mais de 70 % do mercado mundial de
barbeadores, mantém investimentos e esforços contínuos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em novas
gerações de produtos. Ou seja, a melhor proteção para o capital intelectual de empresas é a própria
capacidade inovadora.
No que diz respeito ao conhecimento tácito, é importante reiterar que as empresas e organizações em
geral não devem negligenciar o poder do conhecimento tácito (de pessoas e da organização). Trata-se de
um ativo muito precioso e que pode definir o próprio destino da organização. De fato, se ignorado, pode
passar a ser usado por certos grupos ou indivíduos como fonte de poder e de vantagem competitiva
pessoal. Se não gerido adequadamente, também pode minar caros projetos de inovação ou comprometer
as operações da empresa. Por exemplo, durante o início da década de 1990, várias empresas no Brasil
pagaram um preço alto ao adotarem exacerbada e acriticamente alguns princípios de downsizing e de
reengenharia ao dispensarem da organização substancial contingente de pessoas sem atentar para a
relevância do conhecimento tácito que elas possuíam para as atividades de produção/operação e de
inovação nas empresas.
Recapitulando: algumas propriedades adicionais das capacidades tecnológicas são as seguintes:
(i)A capacidade tecnológica é amplamente difusa e espalhada pela corporação.
(ii)A capacidade tecnológica tem uma forte dimensão tácita e intrínseca.
(iii)Tal dimensão tácita torna muito difícil ser facilmente copiada e transferida
automaticamente através de empresas, indústrias e países.
(iv)O sistema organizacional é um componente-chave da capacidade tecnológica que permite
que diferentes tipos de conhecimento tácito dos indivíduos sejam transformados em novos
processos organizacionais e de produção e, especialmente, em novos produtos criativos e
inovadores para atender a necessidades específicas dos usuários.
(v)É muito importante a distinção entre capacidades para usar ou operar determinadas
tecnologias existentes e aquelas capacidades para realizar atividades
tecnológicas inovadoras relativas aos produtos, processo e organização da produção e
atividades relacionadas com equipamento.

Devido à sua natureza tácita e cumulativa, a constituição de capacidades tecnológicas não é um


processo automático. Ao contrário do que tende a ser geralmente aceito, a acumulação de capacidade
inovadora não é simplesmente uma consequência da experiência acumulada em fazer ou usar certas
tecnologias ou sistemas de produção. A constituição, sustentação e renovação das capacidades inovadoras
envolvem diferentes e contínuos esforços deliberados de aprendizagem.
De fato, a tecnologia tem uma dimensão codificada e formatada que pode ser adquirida e
comercializada no mercado. Isto pode ocorrer, por exemplo, por meio da aquisição de sistemas
técnico-físicos (fábricas, máquinas, equipamentos, banco de dados, software, sistemas operacionais), em
forma de manuais de instrução, patentes, procedimentos de operação. Durante os anos 1950 e 1960, era
comum conhecer parte da tecnologia via “engenharia reversa” por meio da qual produtos como
eletrônicos dos Estados Unidos eram abertos por japoneses no intuito de se conhecer parte de sua
mecânica. Aviões estrangeiros eram desmontados por brasileiros a fim de se conhecer as arquiteturas e
componentes de sua fuselagem. Porém, à medida que os produtos passam a incorporar mais tecnologias,
alguns deles tornam-se mais valorizados pelo software que embarcam do que meramente por sua
composição física. Por exemplo, há muito que a fuselagem foi superada por sofisticados softwares e pela
aviônica em termos de partes mais valiosas e sofisticadas do avião, assim como o automóvel. Grandes
máquinas de fabricar papel são fortemente baseadas em software. Essas novas configurações de produtos
tornam a replicação e cópia mais difícil e limitada.
1.3Ideias Básicas sobre a Natureza da Inovação
Esta seção apresenta, de maneira breve, algumas ideias essenciais relativas à natureza da inovação. Assim
como tecnologia, inovação é um termo cada vez mais presente nas agendas empresarial e governamental,
e também nos discursos de diversos dirigentes, como fonte de vantagem competitiva e de progresso
industrial, econômico e social. Porém, assim como tecnologia, inovação também é um termo cujo sentido
tende a ser interpretado ora de maneira por demais estreita, ora vaga, confusa ou simplesmente
equivocada. Isto, por sua vez, deturpa decisões relativas à sua gestão, tanto em nível empresarial, como
governamental. A seguir, estão relacionados alguns termos diretamente associados à inovação.
1.3.1Breve clarificação de termos correlatos
Descobertas e invenções
Há milhares de invenções para cada de tipo atividade humana. Porém, invenção não significa inovação,
assim como nem toda invenção conduz a uma inovação. Os árabes contribuíram ao inventar a álgebra e os
logaritmos e inventaram a trigonometria desde os tempos de Hamurábi (cerca de 1780 a.C.). No século
VII, os árabes inventaram o processo de saponificação, a partir da fervura combinada de soda cáustica,
gordura animal e óleos vegetais. Mas foi apenas a partir do século XIX que o sabão foi produzido
industrialmente com aplicação comercial. Os chineses realizaram importantes avanços tecnológicos e
foram considerados líderes tecnológicos internacionais durante os séculos V a IX, quando realizaram
vários inventos como a pólvora, o aço, o papel, o barbeador, entre outros. Porém, eles não conseguiram
transformar muitas de suas invenções em uso comercial, em progresso econômico.
Na origem do processo de inovação tecnológica estão as invenções ou as descobertas. Afinal,
descobre-se o que antes existia, embora para nós desconhecido, e inventa-se o que antes não existia.
13

Uma invenção é uma ideia, um esboço ou modelo voltado para um dispositivo, produto, processo ou
sistema novo ou aperfeiçoado, que pode ser patenteada, mas que não resulta necessariamente em
inovação tecnológica. Já a inovação, em sentido econômico, emerge apenas quando ocorre a primeira
transação comercial envolvendo o novo produto, processo ou sistema, ou seja, é somente quando a
invenção atinge a etapa de comercialização e inserção no mercado. Portanto, existe uma cadeia de eventos
desde a invenção até sua especificação ou aplicação como inovação, o que frequentemente envolve um
caminho longo e arriscado.14

Algumas das mais famosas invenções do século XIX foram realizadas por pessoas cujos nomes
foram esquecidos. Os nomes que se tornaram associados a elas foram os de empreendedores que as
trouxeram para o uso comercial, como, por exemplo: (i) o aspirador de pó, que foi inventado por J.
15

Murray e originalmente chamado de “vassoura elétrica de sucção”. Ele abordou um fabricante de artigos
de couro que não conhecia nada sobre aspiradores a vácuo, mas tinha uma boa ideia de como colocá-los
no mercado e vendê-los. O nome dele era W. Hoover e, posteriormente, a marca Hoover ganhou liderança
de mercado; e (ii) a máquina de costura foi inventada por Howe. Ele viajou para a Inglaterra para vender
sua ideia e, quando retornou para os Estados Unidos, Isaac Singer tinha lhe tomado a patente e
estabelecido um negócio de sucesso a partir dela. Embora Singer tenha pagado a Howe os royalties sobre
todas as máquinas produzidas, o nome ao qual a maioria das pessoas associa a máquina de costura é o de
Singer. Não obstante, há exceções notáveis como os filtros para café Melitta, que ilustra como inovações
bem-sucedidas e duradouras podem emergir a partir de busca de soluções para problemas diários. Em
1908, a Sra. Melitta Benz queria encontrar uma solução para eliminar a presença da borra em seu café.
Tomou algumas folhas de papel mata-borrão do caderno escolar de seus filhos. Depois fez alguns furos
em uma panela e usou o papel mata-borrão como coador. No mesmo ano, a Sra. Melitta Benz obteve uma
patente para seu filtro de papel que deu origem à empresa até hoje bem-sucedida no mercado
internacional.

Serendipidade
Serendipidade refere-se às descobertas aparente e relativamente fortuitas. É considerada uma das várias
formas de manifestação da criatividade que, embora conhecida como acidental, acontecem sob um
contexto de busca, perseverança, curiosidade, exploração e senso de observação. Por isso, as descobertas
(e/ou invenções) científicas e técnicas advindas da serendipidade não são exatamente feitas por acaso.
Decorrem, sim, de disposição e esforços criativos prévios, como refletido na célebre frase do cientista
francês Louis Pasteur: “O acaso apenas favorece as mentes preparadas.” Várias inovações importantes
para a vida de pessoas e de empresas evoluíram a partir de eventos de serendipidade. Alguns exemplos
são mostrados no Boxe 1.1.
BOXE 1.1Alguns exemplos de serendipidade 16

Bioeletricidade. Por volta de 1763, Luigi Galvani, professor de anatomia da Universidade de


Bolonha, no momento em que dissecava rãs, como parte de seus experimentos sobre eletricidade
estática, um de seus assistentes tocou em um nervo ciático de uma delas com um escalpelo metálico. Isto
produzia uma reação muscular na região tocada sempre que eram produzidas faíscas em uma máquina
eletrostática próxima. Tal observação fez com que Galvani investigasse a relação entre a eletricidade e a
animação, levando-o mais tarde à descoberta da bioeletricidade.
Penicilina. O escocês Alexander Fleming descobriu, em 1928, a penicilina. Um esporo contaminante
de Penicillium notatum adentrou sua placa de Petri contendo bactérias sensíveis à penicilina. Qualquer
microbiologista diria que a cultura estava contaminada e que seria preciso repetir o experimento. Fleming,
porém, graças à sua percepção, soube aproveitar essa aparente anomalia para descobrir o antibiótico.
Talvez sua mente e seus olhos já estivessem preparados pelo fenômeno de 1922, onde uma gota de
secreção nasal caiu na superfície do meio de cultura em uma placa de Petri e impediu o crescimento das
bactérias por ação da lisozima presente no exsudato. Esta enzima descoberta na clara do ovo como
agente antibacteriano pelo próprio Fleming, em 1922, foi também encontrada posteriormente nas
secreções nasais e lacrimais dos animais.
Seda sintética. O tecido de seda artificial foi descoberto pelo físico francês Hillaire de Chardonnet,
um assistente de Louis Pasteur. Ele derramou uma garrafa de colódio e descobriu mais tarde que poderia
desenhar linhas finas a partir do líquido viscoso evaporado.
Função metabólica do pâncreas. O papel do pâncreas no metabolismo da glicose foi descoberto
por Oskar Minkowski. A partir da observação de cachorros que tiveram seus pâncreas retirados por
investigação psicológica não relacionada. Esses cachorros urinavam demasiadamente e sua urina atraía
moscas, indicando o alto teor de glicose. Isto abriu caminho para pesquisa sobre a insulina e para o
tratamento da diabetes.
Borracha vulcanizada. A vulcanização da borracha foi descoberta por Charles Goodyear. Ele
acidentalmente deixou um pedaço de borracha misturar-se com enxofre em um prato quente produzindo
borracha vulcanizada.
Corn-flakes. Os sucrilhos (corn-flakes), populares cereais matinais, foram acidentalmente
descobertos pelos irmãos Kelloggs em 1898. Inadvertidamente, deixaram cereais cozidos sem serem
manipulados por um dia. Ao tentarem enrolar a massa, obtiveram um material crocante em vez de uma
folha macia.
Forno micro-ondas. O forno micro-ondas foi inventado por Percy Spencer enquanto testava um
magnétron para aparelhos de radar na empresa de equipamentos e sistemas de defesa. Ele observou
que um grão de amendoim de um doce derreteu em seu bolso quando exposto a ondas de radar.

Todos esses exemplos sugerem que ideias novas, invenções e descobertas, por mais interessantes que
sejam, nem sempre são inovações. Inovação implica uma combinação de conhecimentos. Ou seja,
significa juntar conhecimentos diversos e transformá-los em produtos, serviços e processos úteis para o
mercado. Como nos foi ensinado há décadas por Joseph Schumpeter, a inovação envolve novas
combinações de conhecimento com aplicabilidade comercial e geração de benefícios econômicos, como 17

veremos em detalhes na próxima seção.


1.3.2Mas o que é, afinal, inovação?
Por dentro da natureza da inovação
Embora os benefícios da inovação para o crescimento industrial e progresso econômico tenham sido
identificados desde 1776 por economistas e pensadores, como Adam Smith, Stuart Mill, Alexis de
Tocqueville e outros notáveis estudiosos, foi Joseph Schumpeter (1883-1950) que, a partir de 1911, não
só trouxe a inovação tecnológica para o centro do debate sobre desenvolvimento econômico, como nos
forneceu uma perspectiva ampliada de inovação envolvendo imitação, experimentação, adaptação de
processos e de produtos, novos arranjos organizacionais, novas fontes de energia e matérias-primas, assim
como P&D. Ele também nos trouxe a noção de inovação como recombinação de conhecimentos ou
tecnologias existentes. Assim, tecnologias existentes distintas podem ser recombinadas para a criação de
um novo produto, processo de produção ou serviço, com grau de novidade mundial. É o caso do etanol de
cana-de-açúcar. Trata-se de um exemplo de produto com grau de novidade mundial que foi criado a partir
da recombinação de tecnologias existentes.
Schumpeter não se limitou a enfatizar o papel de empreendedores individuais; na segunda fase de seu
trabalho, ele reconheceu a importância das grandes empresas inovadoras no desenvolvimento econômico
de países. Ocorre que os empreendedores individuais de hoje continuam a ter enorme importância no
processo de inovação. Atualmente, eles tomam a forma, de um lado, de proprietários de negócios, de
vários tipos e tamanhos, e de outro, e principalmente, eles são representados por engenheiros, técnicos e
gestores de empresas. Esses dois tipos de profissionais, os chamados empreendedores corporativos, em
função de seu talento, criatividade e visão de negócio, têm sido responsáveis por importantes inovações,
de vários tipos, ao longo das últimas décadas: de produtos eletrônicos a serviços de saúde para a
população de baixa renda.
Schumpeter tornou-se também famoso pelo desenvolvimento do conceito de destruição criativa.
Segundo Schumpeter, o sistema capitalista progride por meio da mutação industrial que, por sua vez,
revoluciona constantemente sua estrutura econômica: novas tecnologias e novos produtos substituem
constantemente os antigos. Também desafia monopólios, indústrias e empresas ícones do mercado. Deste
modo, a emergência de novas tecnologias, geralmente a partir de inovações radicais, contribuíram para o
aparecimento de novas indústrias e empresas, as quais por sua vez abrem caminho para a emergência de
inovações tecnológicas ainda mais avançadas. Esse processo de renovação influencia a emergência de
novos padrões e direções para o processo de inovação e desenvolvimento industrial. O aparecimento de
novas indústrias e empresas, por meio da destruição criativa, aumenta a eficiência econômica, permite a
constante renovação da economia, gerando novas oportunidades de trabalho, assim como novas
oportunidades de melhoria do padrão de vida das pessoas. A Figura 1.6 ilustra a dinâmica dessas ondas de
inovação na economia.
Assim, o aparecimento da energia a vapor possibilitou a emergência das ferrovias que, por sua vez,
possibilitou a criação de novas indústrias e novos mercados de trabalho, bem como contribuíram para
diminuir os custos dos transportes e acelerar o acesso das pessoas a produtos. A emergência do motor à
base de combustão interna abriu caminho para o surgimento da indústria automotiva que, por conseguinte,
eliminou a indústria de transporte animal. O aparecimento da indústria automotiva, então, não apenas
gerou maior rapidez e conforto na mobilidade das pessoas, como também contribuiu para fomentar outras
indústrias como de autopeças, serviços mecânicos, design, petróleo, turismo, entretenimento e varejo,
gerando assim novas oportunidades de trabalho. O aparecimento da tecnologia digital não apenas destruiu
várias atividades à base de tecnologia analógica, como também abriu caminho para inúmeras inovações
em uma ampla gama de áreas desde a manufatura industrial até a agricultura, fotografia, cinema e
medicina.
O aparecimento da lâmpada elétrica não apenas destruiu a indústria de iluminação à base de
querosene, mas também possibilitou a emergência de novas tecnologias e indústrias como as de geração,
transmissão e distribuição de eletricidade e o aparecimento dos produtos eletrodomésticos. Esses e outros
inúmeros exemplos de inovações advindas do processo de destruição criativa têm, em sua grande maioria,
gerado grandes benefícios à sociedade e ao crescimento e desenvolvimento econômico de nações. Como
o processo de inovação, em nível macro, é marcado por ondas, a economia capitalista está, de forma
natural e saudável, sujeita a ciclos de crescimento e crises. No entanto, uma das características mais
marcantes do sistema capitalista, e que o torna duradouro, é a sua enorme e incansável capacidade de
renovação e superação de crises. A inovação, por sua vez, tem um importante papel neste processo.
FIGURA 1.6 Ondas de inovação.

Os motores desse processo são empreendedores individuais, as médias e pequenas empresas, assim
como as grandes empresas locais e multinacionais. A inovação precisa de recompensa, daí a economia
dinâmica permitir enormes lucros ao inovador. Schumpeter contribuiu também quando buscou ampliar a
perspectiva sobre inovação para além de processo e produto. Por isso, defendeu que inovação também
envolve: (i) introdução de novos produtos; (ii) introdução de novos métodos de produção; (iii) abertura de
novos mercados; (iv) desenvolvimento de novas fontes provedoras de matérias-primas e outros insumos;
e (v) criação de novas estruturas de mercado. Defendeu que o conceito de inovação não se restringe a
produtos e processos, mas envolve, também, novas formas de gestão (para articulação das novas
combinações), novos mercados e novos insumos de produção.
Inovação é mais do que criatividade. É a implementação de novos produtos, serviços, processos ou
arranjos de organização. Isto significa que ideias criativas têm que ser colocadas em prática e lançadas no
mercado. Toda inovação começa a partir de ideias criativas. Assim, definimos inovação como a
implementação de ideias criativas dentro de uma organização. Desta maneira, a criatividade de indivíduos
e grupos representa um ponto de partida para a inovação. A criatividade, portanto, é uma condição
necessária, mas não suficiente para a inovação. A existência de inovação envolve mais do que a junção de
várias ideias criativas. Ideias devem ser colocadas em prática para fazer uma diferença genuína, como a
implementação de uma nova rotina organizacional, de uma nova técnica de produção, ou nova maneira de
prestação de um serviço. Assim, criatividade deve ser mostrada por pessoas, mas inovação ocorre apenas
em um contexto organizacional. 18

Como afirmava Schumpeter, o conhecimento tecnológico, que dá origem a invenções, descobertas e


serendipidade, é altamente especializado e intrínseco. Isoladamente, rende muito pouco. Ou seja,
inovação implica unir diferentes tipos e partes de conhecimento e transformá-los em novos produtos e
serviços úteis para o mercado ou para a sociedade. Assim é que ao longo da história houve um espaço
considerável de tempo entre certas invenções, feitas por certos indivíduos, as quais foram transformadas
em inovação por outras pessoas e empresas.
Por exemplo, a lâmpada à base de filamento de carbono foi inventada por Humphry Davy, em 1800.
Porém, apenas em 1879, após experimentos com milhares de filamentos, Thomas Edison gerou um
filamento de carbono em lâmpada livre de oxigênio a qual possuía vida longa e aplicabilidade
comercial. Thomas Edison, no entanto, obteve este feito à base de intensos esforços e de tentativas e
19

erros. Conta-se que ele trouxe sua cama para próximo de sua bancada no laboratório, onde morou por
vários anos e meses. Na Tabela 1.1 a seguir podemos notar alguns exemplos correlatos. 20

TABELA 1.1Brechas de tempo entre novas ideias (invenções) e inovações 21

Inovação (ano em que


Exemplos de se obteve aplicabilidade
produtos Invenção comercial)
Turbina hidráulica 1824 1880
Motor a gasolina 1860 1886
Rádio 1887 1922
Insulina 1889 1922
Foguete 1903 1935
Televisão 1907 1936
Penicilina 1922 1941
Estreptomicina 1921 1944
Fotocópia 1934 1950
Transistor (chip) 1940 1950
De fato, a perspectiva de Schumpeter sobre inovação vai muito além da mudança tecnológica em
sentido estreito. Envolve a condução de novas combinações interpretada de maneira ampla. Esse conceito
cobre os seguintes quatro casos: (i) a introdução de um novo bem ou serviço — com o qual os
consumidores ainda não estão familiarizados — ou uma nova característica em um produto; (ii) a
introdução de um novo método de produção que ainda não foi testado em certa linha de produção e não
validado cientificamente; (iii) a abertura de um novo mercado, ainda inédito para a empresa, ainda que
este mercado não tenha existido antes; (iv) a conquista de uma nova fonte de matéria-prima ou produtos
semimanufaturados, independentemente se esta fonte já existe ou foi recentemente criada.
Um dos critérios-chave para o sucesso de inovações (tecnológicas) é o sucesso comercial em vez do
técnico. Uma inovação bem-sucedida é aquela que retorna o investimento original em seu
desenvolvimento e mais alguns retornos adicionais. Isto exige um mercado suficientemente grande para
que a inovação possa ser desenvolvida. Finalmente, inovação deve ser entendida como um processo e não
como eventos isolados.
A despeito da grande contribuição de J. Schumpeter para o avanço de nosso entendimento sobre o
papel da inovação tecnológica no crescimento industrial e progresso econômico de países, o trabalho de
Schumpeter, como de todo pesquisador, tem limitações. Por exemplo, Schumpeter não examinou o
processo de inovação em nível de empresas. Logo, não gerou explicações sobre as características das
organizações inovadoras. Schumpeter também não se dedicou a estudar atividades inovadoras que
envolvem, por exemplo, imitação, adaptações, aprimoramento contínuo em processos e produtos —
conhecidos como inovações incrementais — como veremos a seguir. Por fim, não se preocupou com o
processo de inovação em empresas e economias de países em desenvolvimento. Tais limitações foram
22

mais tarde superadas por outros grupos de pesquisadores, entre eles os chamados “neosschumpeterianos”,
assim como os estudiosos da “Teoria Evolucionária” para a mudança tecnológica e econômica.

FIGURA 1.7 Espectro de atividades inovadoras (inovação como um processo).

Uma perspectiva histórica sobre inovação


A Tabela 1.2 apresenta uma breve evolução das perspectivas sobre inovação com base nas diversas
gerações que têm emergido ao longo do tempo. Isto é importante para mostrar como as perspectivas sobre
inovação vêm mudando continuamente. Ou seja, a noção de inovação tem sofrido modificações que se
alinham às alterações na natureza do conhecimento tecnológico e na maneira como é gerado. Essas
mudanças nas perspectivas sobre inovação, por sua vez, interferem na maneira como o processo de
inovação é gerido em empresas e entre empresas.

Uma perspectiva abrangente sobre inovação: inovação além de equipamentos e


inovação em termos de graus de novidade e complexidade
Considerando as características das empresas inseridas em economias de industrialização tardia e a
dinâmica e a ampla cobertura das trajetórias de acumulação de capacidade das empresas — desde as
baseadas em produção aos níveis progressivamente inovadores — a perspectiva sobre inovação adotada
neste livro não se restringe à prevalente ideia da introdução de produtos de ponta, serviços e processos
baseados na exploração da capacidade existente em pesquisa na fronteira tecnológica mundial. Na
verdade, este livro pretende abranger uma ampla ideia de inovação envolvendo (i) a implementação de
mudanças em produtos/serviços, processos, e sistemas organizacionais e gerenciais — da iniciação à
adaptação da menor para a avançada — que são novos no contexto do local, e não necessariamente novos
para o mundo, (ii) bem como o desenho e o desenvolvimento de novos sistemas globais. Assim, a
inovação consiste em um processo contínuo e não em simples episódios. Tal processo envolve a resolução
de problemas de diferentes tipos de atividades, bem como estoques de capacidade e processos de
23

aprendizagem específicos às empresas. Estes, por sua vez, são afetados pela natureza do contexto
24

institucional em que elas nascem e crescem. 25

Esta abordagem à inovação alinha-se com diversas correntes de trabalho, em particular, a pesquisa de
longa data em sistemas de inovação em nível nacional, regional e setorial. São também incorporadas no
26

trabalho em métodos de levantamento de inovação em sucessivas coletas à base do Manual de Oslo, que
tem mostrado distinções entre as inovações que são novas à empresa, ao mercado e para o mundo. Este27

espectro de uma compreensiva perspectiva da inovação é bem capturada na definição fornecida por G.
Dosi: “Em um sentido essencial, inovação refere-se à busca, descoberta, experimentação,
desenvolvimento, imitação e adoção de novos processos de produção e novas configurações
organizacionais”, como ilustrado na Figura 1.7.
28

A Figura 1.7 é importante para mostrar que quando se trata de inovação a questão não é “ser ou não
ser inovador”, mas em que grau ou estágio. Especificamente, a ideia binária de empresa inovadora ou não
inovadora é limitada e equivocada. Essa perspectiva de inovação como um contínuo de atividades com
crescentes graus de dificuldade e sofisticação é particularmente importante para compreendermos o
processo de inovação em empresas que operam em países em desenvolvimento — ou economias
emergentes, diferentemente de empresas que operam na fronteira de inovação, normalmente localizadas
em países industrializados.

TABELA 1.2Breve evolução histórica das principais gerações de inovação


Definição e período Representação gráfica
Geração aproximado Detalhe estilizada
1a geraçã Um simples processo Este modelo emergiu seguindo a
o sequencial linear — até Segunda Grande Guerra. Advogando
empurrad o início da década de por grandes investimentos científicos,
a pela 1960. defendia que grandes investimentos
tecnologi em pesquisa, por exemplo, em
a engenharia nuclear, na pesquisa pela
cura do câncer, e mais tarde, na
exploração espacial, deveriam
resultar em aplicações industriais. As
políticas públicas e o desafio
gerencial nesta geração de processo
de inovação foram relativamente
simples: manter e aumentar
substanciais verbas para P&D. Havia
uma demanda presumida para os
resultados de P&D, os quais eram
considerados fontes predominantes
de inovação.
2a geraçã Um simples processo Os desafios da política e
o puxada sequencial linear. gerenciamento da inovação foram
pelo Ênfase no marketing. O novamente vistos como
mercado mercado era fonte de relativamente simples: previsão da
ideias para direcionar demanda do mercado, plano e
P&D. P&D tinha função alocação dos investimentos
reativa — até o início necessários para inovação. As
da década de 1970. atividades de P&D foram assumidas
para serem responsáveis pela
demanda dos clientes e
oportunidades de inovação derivadas
da curiosidade e as pesquisas foram
consideradas como segunda ordem
de importância.
3a geraçã Sequencial, mas com A ênfase nas trajetórias de
o modelo laços de retorno. comunicações complexas foi uma
acoplado Combinações de característica da terceira geração do
empurrar ou puxar ou processo de inovação. O novo
empurra/puxa. P&D gerenciamento e o desafio da política
e marketing mais da inovação recaem em assegurar
balanceados. Ênfase que os institutos de pesquisa das
na integração da empresas e do governo estivessem
interface atentos à necessidade da boa
P&D/marketing — comunicação interna e externa em
meados da década de torno do conhecimento tecnológico e
1980. de mercado.
4a geraçã Desenvolvimento O desafio das políticas e da gestão
o modelo paralelo com times de da inovação tornou-se muito mais
integrado desenvolvimento complexo. A quarta geração do
integrados. Fortes processo de inovação envolveu um
ligações com fluxo de informações dentro da
fornecedores. empresa muito mais complicado e
Acoplamento próximo com múltiplas fontes potenciais de
com clientes líderes. inovação (pesquisa, clientes,
Ênfase na integração fornecedores e parceiros
entre P&D e produção colaborativos). Isto requereu a
(desenho para facilitar atenção para a dificuldade do
a produção). gerenciamento de tarefas de
Colaboração horizontal reorganização em volta dos
(joint ventures etc.) — processos de negócio e
segunda metade da entendimento e uso de integração
década de 1980. tecnológica interna através de
Intranets e sistemas de CAD/CAM.
5a geraçã Desenvolvimento As empresas têm uma grande
o paralelo consideração pelas funções do
sistemas completamente conhecimento, criatividade,
de integrado. Uso de aprendizado como fontes e
integraçã sistemas especialistas resultados da inovação. As
oe e modelagem estratégias de inovação —
modelo simultânea em P&D. identificação, desenvolvimento e uso
de rede Ligações fortes com dos recursos e capacidades
clientes líderes (foco no essenciais em torno da inovação —
cliente na vanguarda são mais bem formuladas e
da estratégia). implementadas. O nível de
Integração estratégica integração estratégica e de
com fornecedores relacionamento expande-se por meio
primários incluindo da globalização dos mercados,
codesenvolvimento de fontes de tecnologias e parcerias. Ou
novos produtos e seja, o processo de inovação ocorre
ligados a sistemas à base de capacidades tecnológicas
CAD. Ligações que estão distribuídas entre vários
horizontais: joint parceiros e não mais confinadas às
ventures, grupos de fronteiras da empresa.
pesquisa colaborativa,
arranjos
de marketing colaborati
vo etc. Ênfase na
flexibilidade corporativa
e velocidade de
desenvolvimento
(estratégia baseada no
tempo). Aumento do
foco na qualidade e
outros fatores não
ligados a preço.

Consequentemente, um amplo espectro de diferentes níveis de inovação seria mais realístico,


especialmente levando em consideração a natureza tecnológica das empresas de economias de
industrialização tardia. Certamente, todas as inovações envolvem um grau de novidade. Entretanto,
29

atividades inovadoras à base de avanços consideráveis nem sempre derivam de sofisticados laboratórios
de P&D, realizadas em câmaras superlimpas por pessoas de jalecos brancos olhando microscópios ou
telescópios ultrassofisticados ou aceleradores de partículas ou envolvidas com o desenho e a produção de
produtos altamente sofisticados como grandes naves espaciais ou simuladores de voo. Tais mitos sobre a
inovação refletem uma ideia limitada de atividades inovadoras em todos os tipos de empresas. Podem
também conduzir a processos de tomada de decisão errados relativos à atividade industrial.
Um esclarecimento apropriado desta ideia é particularmente importante para o contexto de empresas
de economias de industrialização tardia. Há indicações da existência de diversos tipos de atividades não
relacionadas à P&D realizadas em diversos outros tipos de unidades organizacionais dentro de empresas
inseridas em economias de industrialização tardia. Estas podem ser vistas como condições prévias para a
30

realização de atividades inovadoras de níveis mais elevados, baseados, por exemplo, em P&D e
atividades da patente. A Tabela 1.3 ilustra esses diferentes tipos e graus de inovação em nível de
empresas. A primeira coluna representa os diferentes níveis de inovação, variando de simples (iniciação à
inovação) à complexa (inovação de nível mundial); a segunda coluna contém exemplos de atividades que
expressam esses diferentes graus de inovação. Nossa ideia aqui é simplesmente ilustrar os variados níveis
de novidade ao longo do espetro da inovação em empresas em economia de industrialização tardia.
Assim, as atividades que variam da inovação básica à inovação incremental (do simples à
complexa/arquitetural) podem ser consideradas novas para a empresa, enquanto os níveis variando
de incremental (simples à complexa/arquitetural) para avançado podem ser considerados novos para o
mercado (doméstico/regional/continental). As inovações de nível mundial, entretanto, são expressas pela
implementação de processos, produtos, equipamentos, configurações organizacionais que adicionam um
grau original de novidade à fronteira tecnológica internacional. Essas, entretanto, não significam que
devem sempre ser relacionadas a equipamentos impressionantes e muito complexos, tais como um
acelerador de partículas, navios, aviões ou simuladores de voo. Podem igualmente envolver, por exemplo,
produtos simples tidos como certos nas rotinas diárias das pessoas, como escovas de dentes e lâminas de
barbear (produtos que a maioria das pessoas não pode viver sem), que são também suportados por
esforços sofisticados de inovação, como ilustrado pelos exemplos a seguir.

TABELA 1.3Tipos e níveis de inovação


Tipos/Níveis de
inovação Definições
Inovações radicais Estabelece um conceito novo para o mercado mundial, em que novos componentes e
elementos são combinados de uma forma diferente formando uma arquitetura nova,
geralmente a partir de P&D. Essas inovações tendem a criar mercados e indústrias
totalmente novos.
Inovações de Gera-se um produto, processo, serviço novo para o mundo geralmente a partir do
ruptura redesenho de inovações existentes. Com isso, tende a abrir novos segmentos de
mercado e popularizar ou democratizar inovações antes de difícil acesso à grande
população. Algumas inovações do tipo ‘frugal’ ou ‘de custo’ podem ser consideradas
de ruptura, como o NanoCar.
Inovações Compreendem as alterações nas relações entre os elementos da tecnologia, seja em
arquiteturais produtos ou sistemas, sem que os componentes individuais sejam modificados. Por
exemplo: a transformação de um ventilador de teto em ventilador de pé.
Inovações Envolvem alterações em componentes específicos de produtos, processos de
modulares produção ou processos organizacionais ou serviços, sem alterar o desenho completo
nem mesmo a relação entre os componentes existentes. Por exemplo: a troca de uma
porta em um computador que antes recebia um disquete 31/4 para uma porta para
receber uma USB.
Inovações Introduzem novos produtos, processos e/ou sistemas de equipamentos com grau de
incrementais novidade para o mercado local, sem alterar as relações entre os elementos da
avançadas tecnologia.
Inovações Correspondem a pequenas melhorias nos componentes e elementos individuais da
incrementais tecnologia existente, mas as relações entre os componentes permanecem inalteradas.
intermediárias Trata-se de novidade para a empresa.
Inovações Pequenas alterações em processos de produção, produtos e/ou equipamentos com
incrementais base em imitação ou cópia de tecnologias existentes. Trata-se de novidade para a
básicas empresa.
•Inovações radicais
—Aparelho de telefone celular como terminal de comunicação e processamento de dados. Além
da função original do telefone celular de dar mobilidade ao usuário na comunicação por voz, o
sistema de telefonia móvel passou a permitir que o aparelho passasse a ter acesso a redes de
comunicação de dados para leitura de informações, gravação de voz e funções de suporte como
agenda, “bloco de notas”, calculadora e jogos, além de capacidade de executar aplicativos
computacionais. Desta forma, de um simples telefone, o aparelho se tornou para seus usuários um
complexo terminal de comunicação e processamento de dados.
—Walkman da Sony. O projeto do walkman teve como origem um pequeno gravador portátil
monoral desenvolvido para utilizações jornalísticas. De início, devido às suas reduzidas
dimensões, não foi possível incorporar recursos para som estereofônico no aparelho. A seguir, foi
incorporado um leitor de cassetes sem capacidade de gravação com fones portáteis, dando origem
a um novo produto, que permitia a uma só pessoa ouvir som de alta qualidade. Apesar da
oposição de alguns departamentos da empresa, que consideravam a ausência da capacidade de
gravação uma grave insuficiência, os dois fundadores da Sony decidiram avançar com um projeto
para o desenvolvimento do walkman. De início o produto foi direcionado ao mercado de jovens e
adolescentes, o que não rendeu grandes resultados. Foi identificado então que quem estava
comprando os aparelhos eram os yuppies (young urban professional), pois, além de grandes
consumidores de cassetes, seu elevado poder de compra permitia pagar um preço alto para
possuir a mais recente tecnologia de som.
—Interface computacional Windows. O início da interação humano computador está
intrinsecamente relacionado com o desenvolvimento de novas tecnologias de interfaces para
computadores e a história da interface gráfica. A tecnologia que empregava janelas e ícones para
representar elementos no monitor do computador com um dispositivo chamado “mouse” teve seu
início com o conceito de metáfora, criando a relação da tela com uma mesa de trabalho em uma
interface do computador. A partir deste ponto se estabelecia o design de HCI (Human Computer
Interface), que levava em consideração fatores humanos, no qual se imaginava que as pessoas
poderiam abandonar seus fichários e pilhas de papel e transferir tudo isso para o mundo digital. O
primeiro computador pessoal a utilizar a tecnologia baseada no conceito de janelas e ícones foi o
computador Lisa, da empresa Apple Computing. Por ser na época um equipamento caro para o
usuário doméstico, não se tornou um sucesso comercial. Foi somente com a introdução no
mercado do sistema Microsoft Windows, desenvolvido para máquinas IBM-PC, também
utilizando o conceito de interface gráfica, que disseminou-se a então denominada tecnologia GUI
(Graphical User Interface).
—Sistema de Produção Just-in-Time (JIT). O sistema denominado just in time (JIT) surgiu no
Japão em meados da década de 1970, sendo sua ideia básica e seu desenvolvimento creditados à
Toyota Motor Company, a qual buscava um sistema de administração que pudesse coordenar a
produção com a demanda específica de diferentes modelos e cores de veículos com o mínimo de
atraso. O sistema JIT tem como objetivo fundamental a melhoria contínua do processo produtivo.
A perseguição destes objetivos dá-se através de um mecanismo de redução dos estoques, os quais
buscam minimizar problemas.
—Processo de reciclagem da embalagem de leite longa vida. A separação do alumínio e do
plástico da caixinha longa vida era o grande nó da reciclagem. A Tetra Pak se uniu à Alcoa, à
Klabin e à TSL para descobrir uma maneira de resolver o problema. Depois de sete anos de
pesquisas e investimentos de R$ 12 milhões, a Tetra Pak desenvolveu uma tecnologia inédita no
mundo para a reciclagem total da embalagem. Trata-se de um equipamento que gera calor de até
15 mil graus Celsius (mais quente que a superfície do Sol) e consegue isolar as moléculas de
alumínio das de plástico. Como o processo é feito sem oxigênio, o plástico não queima e sai do
conjunto de tubulações na forma de parafina líquida, pronta para ser revendida à indústria. O
alumínio derrete e é moldado em lingotes de 25 quilos, que seguem direto para a linha de
produção da Alcoa, líder do setor. As emissões de gases são praticamente nulas.
—Post-it. Em 1977, o cientista da 3M Art Fry integrava o coral da igreja e usava marcadores de
páginas em seu livro de canto. Toda vez que abria o livro, sempre caía algum marcador. Art Fry
deparou-se com uma experiência de outro cientista, um adesivo reposicionável, e começou a
desenvolver tiras de papel cobertas com esse adesivo de baixo tato para tentar resolver seu
problema com o livro dos cantos. Art Fry acabou inventando muito mais que um marcador de
livros — ele inventou um novo conceito de bloco de recados, o Post-it. A Figura 1.8 apresenta a
evolução ao longo do tempo de algumas inovações de natureza radical.
•Inovações de ruptura
Envolvem o redesenho no intuito de se obter a simplificação e diminuição dos custos de produtos
e serviços existentes, bem como a abertura de novos segmentos ou nichos de mercado. Com isso,
as inovações de ruptura contribuem para a popularização e democratização de certas inovações.
Um dos exemplos mais conhecidos, como mencionado por Clayton Christensen, refere-se à
enorme popularização dos computadores: dos mainframes, caros e inacessíveis das décadas de
1950 e 1960 aos desktops dos anos 1980 e 1990 e, posteriormente, aos laptops, notebooks e
subsequentemente aos smartphones e tablets. Um conceito similar ao de inovação de ruptura diz
respeito à inovação de custo ou frugal. Refere-se ao redesenho de produtos e serviços no intuito
de barateamento de seu preço para possibilitar seu consumo pela população de baixa renda. Um
dos exemplos mais conhecidos é o NanoCar, da Tata Motors, da Índia, e também o
eletrocardiograma portátil, criado pela GE da Índia.
FIGURA 1.8

•Inovações arquiteturais
—Aparelhos de telefone celulares menores e mais leves. Se considerarmos os primeiros modelos
comerciais de aparelhos celulares, é possível constatar a grande evolução em termos de design que
esse produto sofreu. Mesmo quando não há grandes alterações de funcionalidade e recursos, os
modelos têm-se tornado cada vez mais leves e finos, permitindo transporte e uso mais confortáveis
para o usuário.
—Motor de automóveis bicombustível. Desde o final dos anos 1980, com o declínio do álcool
hidratado como opção de combustível e a instabilidade no mercado de petróleo, a indústria
automotiva, especialmente os fornecedores de sistemas eletrônicos para controle do motor, buscava
uma alternativa à utilização da gasolina como combustível, aliando a experiência brasileira com o
uso do álcool à necessidade de redução de emissão de poluentes. A empresa Magneti Marelli
desenvolveu um sistema de injeção bicombustível baseado em software, com custo competitivo. A
Volkswagen adotou essa solução, e por causa da experiência com motores a álcool, não foram muito
significativas as modificações necessárias para o motor tornar-se bicombustível.
•Inovações modulares
—Entrada para conexão USB em computadores, em substituição aos antigos disquetes.
—Injeção eletrônica de combustível, que substituiu o carburador.
•Inovações incrementais avançadas
—Lâmpadas do tipo LED. Com o objetivo de oferecer produtos visando à economia de energia, as
empresas fabricantes de lâmpadas desenvolveram as lâmpadas fluorescentes compactas, que
consomem 75 % menos energia que as lâmpadas incandescentes. No entanto, era necessário pensar
em produtos que fossem ambientalmente corretos, considerando que as lâmpadas fluorescentes
contêm uma pequena quantidade de mercúrio. Neste sentido, tem sido realizado um significativo
investimento no desenvolvimento de lâmpadas do tipo LED (Light Emission Diode). O LED, uma
forma de semicondutor, gera luz quando uma corrente elétrica passa por materiais positivos e
negativos. Diferentes cores e maior eficiência são criadas por meio de alterações na composição do
material. Tipicamente, uma lâmpada fluorescente compacta usa cerca de 20 % da energia necessária
para que uma lâmpada comum gere o mesmo volume de luz. Hoje, os LEDs usam cerca de 15 %.
—Post-it para computadores. Este produto simples e prático, adotado em todo o mundo, ganhou uma
versão utilizada em computadores, que simula o formato e o uso das etiquetas que ficam disponíveis
na área de trabalho da interface de computadores baseados nas plataformas Windows ou Macintosh.
•Inovações incrementais intermediárias
—Embalagens de papel para alimentos frios ou congelados. Visando oferecer um tipo de embalagem
ao mercado de produtos frigorificados, a empresa Klabin Papéis e Embalagens desenvolveu um
cartão que foi capaz de substituir as tradicionais embalagens que contêm uma camada interna
composta de polietileno, um plástico não biodegradável, dificultando o processo de reciclagem. O
cartão, por meio de uma resina de látex à base de água, é capaz de proporcionar uma barreira à
umidade, além de facilitar o processo de reciclagem. Por suas características, é possível desenvolver
embalagens para produtos alimentícios com contato direto ou indireto.
—Prestação de serviços adicionais para telefonia celular. No processo de evolução dos serviços em
telefonia celular, destacam-se a prestação do serviço fora da área de cobertura original do usuário
(roaming), serviços de mensagem instantânea, identificação de chamadas, acesso à Internet.
•Inovações incrementais básicas
—Dispositivo mouse para computadores. Inicialmente o dispositivo “mouse” foi projetado para ser
ligado por um cabo ao microcomputador e o estabelecimento do posicionamento do cursor pela
rolagem mecânica de dois eixos internos acionados por uma bola. Posteriormente, o dispositivo
evoluiu para o acionamento óptico para o posicionamento do cursor e atualmente está disponível com
uma interface sem fio.
1.3.3Características do processo inovador
As atividades inovadoras emergem a partir de processo de inovação. Segundo o clássico Giovanni
Dosi, o processo inovador possui propriedades típicas, como detalhadas a seguir:
31

A incerteza é inerente ao processo de inovação


Caracterizada não somente pela falta de informação relevante a priori, mas também pela impossibilidade
de traçar precisamente as consequências e resultados antes da atividade de pesquisa e experimentação
propriamente ditas. De cada dez projetos de P&D, oito falham e de cada 100 projetos de desenvolvimento
de novos produtos, cerca de 50 % não se materializam. Mesmo para especialistas em certas atividades
tecnológicas, em áreas de negócios e outras áreas, é muito difícil conhecer os efeitos e os desdobramentos
das atividades. O Boxe 1.2 apresenta uma breve coleção de frases que refletem quão “equivocados”
alguns especialistas estavam ao tentar prever certas atividades e inovações.
BOXE 1.2Incerteza e inovação: esses especialistas estavam
equivocados 33

“Tudo que pode ser inventado, já foi inventado.”


Charles Duell, responsável pelo Escritório
de Patentes dos EUA, 1899

“É inconcebível acontecer qualquer desastre vital com este navio.”


Comandante do Titanic, 1912

“A guerra no Vietnã está indo bem e será bem-sucedida.”


Robert MacNamara, 1963

“O ‘telefone’ tem muitas limitações para ser considerado um meio de comunicação. Este
equipamento não tem valor algum para nós.”
Memorando interno da Western Union, 1876

“Daqui a 15 anos, mais eletricidade será vendida para veículos elétricos do que para iluminação.”
Thomas Edison, 1910

“Aviões são brinquedos interessantes, mas de nenhum uso comercial ou militar.”


Marechal Ferdinand Foch, professor de estratégia da
Escola Superior de Guerra da França, 1911

“Eu creio que há um mercado mundial para talvez uns cinco computadores.”
Thomas Watson, Presidente da IBM, 1943

“Os computadores no futuro poderão pesar não mais que 1,5 tonelada.”
Popular Mechanics Magazine, 1949

“Não há razão para que alguém queira ter um computador em casa.”


Ken Olson, Presidente, CEO e fundador da Digital
Equipment, 1977

“A Internet entrará em colapso em um ano.”


Bob Metcalfe, fundador da 3Com Corporation, em um
artigo na revista Info-World, em dezembro de 1995.
Um ano depois, Metcalfe pegou seu artigo, o bateu no
liquidificador e o engoliu.

Essa incerteza também existe nos dias de hoje. Se perguntarmos a especialistas sobre os
desdobramentos do projeto de genoma e da Internet teremos certamente respostas diversas, contraditórias
e mesmo simplesmente vários “não sei”. Essa impossibilidade de se conhecer previamente (ex ante) os
efeitos ou impactos das inovações faz com que profissionais como professores, engenheiros, médicos e
políticos atuem à base de tentativa e erro. Segundo Mark Twain, grande parte das inovações tecnológicas
baseia-se em lições aprendidas dos erros humanos e da tentativa de superar obstáculos e solucionar
problemas, assim como em processos de eliminação. Por isso, o conhecido processo de tentativa e erro é
parte importante e inevitável do processo de inovação. Por exemplo, em certas atividades profissionais, os
seguintes tipos de situação:
32

—Engenheiros lidando com inovações em produto:


■design
■desenvolvimento de protótipo
■piloto (processo, produto, planta)
■teste
■ajuste no desenho
■reteste
■lançamento do produto no mercado (e, ainda assim, há o risco de o produto não agradar aos
consumidores).
—Professores lidando com o processo de ensino-aprendizagem:
■escolha do método de ensino
■aplicação do método de resposta
■verificação de aprendizagem pelo aluno
■ajuste no método de ensino
■nova verificação de aprendizagem
■ajuste no método de estudo do aluno e ajuste no método do professor
■aprendizagem pelo aluno.
—Médicos lidando com pacientes:
■sintomas
■diagnóstico
■tratamento
■ajuste no tratamento
■cura.

Crescente dependência de conhecimento científico (para níveis mais avançados)


Outra propriedade diz respeito ao papel do conhecimento científico, cujos avanços e descobertas têm sido
cada vez mais utilizados como oportunidades tecnológicas. Na realidade, ao longo dos tempos, a ciência
preocupou-se em responder inicialmente às questões representadas pelos fenômenos da natureza,
passando, gradativamente, a explicar também as indagações oriundas das máquinas, processos e produtos
criados pelo próprio homem. Somente em fins do século XIX, a tecnologia começou a fazer uso
significativo da ciência, quando principalmente a indústria química e os usos de energia elétrica se
apoiaram em descobertas científicas. A partir de então, e crescentemente, máquinas, processos e produtos
começavam a surgir a partir dos avanços do conhecimento científico, invertendo-se cronologicamente à
cadeia de ligação entre ciência e tecnologia. A ciência passa a suprir a tecnologia não só de descobertas
específicas, como também com o uso cada vez mais amplo do método científico de investigação, suas
técnicas laboratoriais e a certeza da importância da pesquisa na solução de problemas do setor produtivo.

Formalidade organizacional do processo de inovação


Um terceiro elemento leva em consideração o papel cada vez mais importante dos arranjos
organizacionais, onde as organizações formais e sua integração com outras empresas tornam-se o
principal ambiente de inovação, em oposição à ideia dos inovadores individuais, onde apenas alguns
indivíduos são responsáveis pelas inovações.
Informalidade também é parte do processo de inovação
Esta propriedade leva em consideração a importância de aprender fazendo, onde as pessoas e
organizações podem aprender como usar, melhorar e produzir pelo simples processo de fazer, através de
atividades “informais” de solução de problemas, atendimento a especificações de usuários, pequenas
mudanças para atender necessidades distintas. Estes envolvem, por exemplo, atividades à base de
“aprender fazendo” e “aprender usando”.

Cumulatividade
O último elemento destaca a cumulatividade do processo inovador, caracterizado como um processo de
aprendizado, onde a natureza das tecnologias em uso define as direções da mudança tecnológica. Assim, a
probabilidade de realizar avanços tecnológicos é uma função dos níveis tecnológicos já atingidos pela
organização, ou seja, depende de uma base de competências e trajetórias que foram sendo desenvolvidas e
seguidas pela organização. Porém, a aparição de inovações radicais não destrói conhecimentos anteriores.
Por exemplo, o Windows aproveitou muito do conhecimento adquirido em DOS. E a tradicional física
newtoniana está presente nos projetos e na mecânica de produtos à base de tecnologias ultra-avançadas,
como os modernos aviões AirBus 380, Boeing 777 e o EMB 190 da Embraer.

Tendência à abertura do processo de inovação (além dos muros da organização)


Adicionalmente, temos constatado em diversos tipos de empresas, indústrias e países, que o processo de
inovação cada vez mais transcende as fronteiras da organização. Até a década de 1980, era comum que
várias empresas grandes concentrassem suas atividades inovadoras dentro de suas fronteiras com base em
grandes e robustas áreas próprias de P&D e engenharia, em um processo conhecimento como “inovação
fechada”. Entre grandes organizações inovadoras destacam-se exemplos emblemáticos tais como IBM,
AT&T, Bell Labs e Xerox, que durante as décadas de 1980 eram consideradas ícones de inovação,
objetivavam lucrar a partir de seus próprios P&D e engenharia. Mas o processo inovação também tendia a
ser concentrado em nível de países, especialmente em nível das matrizes de empresas multinacionais
(EMNs). Suas estratégias de inovação objetivavam lucrar individualmente a partir de suas próprias
atividades consideradas pioneiras de P&D e sua propriedade intelectual. Ocorre que a partir dos anos
1990 importantes mudanças contribuíram para tornar o processo de inovação menos confinado às
fronteiras de uma organização. Entre tais mudanças destacam-se a crescente necessidade de incorporar
conteúdos tecnológicos criativos em produtos, processos de produção e serviços a uma velocidade cada
vez maior para atender o mercado global cada vez mais interconectado, constatação de que empresas,
ainda que grandes e com robustas áreas de P&D não teriam capacidade de realizar inovações sozinhas, a
intensificação da mobilidade de cérebros ao redor do mundo, a dificuldade de reter talentos dentro de
organizações específicas, a crescente importância de economias emergentes e em desenvolvimento que
passaram a fornecer um maior contingente de talentos e profissionais qualificados em diversas áreas,
assim como instituições habilitadas a apoiar importantes atividades inovadoras em várias economias
emergentes.
Tais mudanças têm contribuído, de um lado, para uma fragmentação internacional do processo de
inovação. Ou seja, empresas multinacionais concluíram que seria mais inteligente e lucrativo
descentralizar suas atividades inovadoras, incluindo as de P&D, além de sua sede para algumas
economias emergentes e aproveitar o estoque de criatividade desses países. Por exemplo, hoje sabemos
que várias empresas multinacionais possuem centros globais responsáveis pelo desenho e
desenvolvimento de produtos e serviços em nível global. Por exemplo, a Unilever possui vários centros
dessa natureza, por exemplo, no Brasil e na Índia. A IBM possui centros responsáveis por soluções
globais, um deles localizado no Brasil. Várias EMNs têm descentralizado suas atividades de P&D para
economias emergentes como a do Brasil, como é o caso da Fiat e Honda Motocicletas no Brasil. Por outro
lado, várias empresas têm deliberadamente envolvido um maior número de parceiros em seu processo de
inovação, fenômeno que tem sido conhecido como “inovação aberta” ou “open innovation”. Isto significa
que, cada vez mais, organizações inovadoras reconhecem que não mais podem realizar atividades
inovadoras sozinhas, mas à base de uma rede de parceiros, envolvendo usuários, fornecedores, institutos
de pesquisa e universidades. Por exemplo, na Natura, há vários anos, o processo de inovação envolve uma
rede de parceiros que contribuem para o desenvolvimento de novos produtos. Ao abrir seu processo de
inovação a empresa pode ter acesso mais rápido a diversos tipos de conhecimento tecnológico que não
teria condições de obter se operasse isoladamente.
A abertura do processo de inovação contribui para acelerar o processo de desenho, desenvolvimento
e de introdução no mercado de novos produtos e serviços. Na Natura, por exemplo, mais de 70 % de seu
faturamento advém de produtos lançados nos últimos dois anos. Esses 70 % significa o seu índice de
vitalidade, que reflete, no caso da Natura, uma gestão competente de seu processo de inovação aberta
assim como reflete sua capacidade de renovação de suas linhas de produto. É importante ressaltar, no
entanto, que a implementação de um processo de inovação aberta não significa abrir mão do P&D interno
da empresa. Pelo contrário, a inovação aberta envolve um P&D interno robusto. Isto é importante para
garantir uma interação frutífera e produtiva com parceiros, como universidades, institutos de pesquisa,
fornecedores e competidores. Adicionalmente, em função das várias interfaces estabelecidas com
parceiros diversos, faz-se necessário que a empresa desenvolva e aprimore dois importantes tipos de
capacidades organizacionais. A primeira é a de coordenação, que envolve induzir e avaliar
constantemente a geração de conhecimentos, necessários para as atividades inovadoras na organização,
por seus vários tipos de parceiros. A segunda refere-se à capacidade de integrar esses diversos tipos de
conhecimentos a fim de gerar os novos produtos, processos de produção e serviços. Como sugerido em
Dantas e Bell (2011), apenas uma parte das capacidades tecnológicas inovadoras da Petrobras residem
dentro de suas fronteiras, isto é, dentro de seu robusto centro de pesquisas, o CENPES. Outras partes de
suas capacidades tecnológicas inovadoras encontram-se distribuídas em um conjunto de parceiros que
envolvem desde fornecedores, universidades e empresas especializadas de engenharia até os
competidores, conforme ilustrado na Figura 1.9.

Tempo de vida limitado de certas inovações


As diversas tecnologias, assim como as inovações delas decorrentes, estão sujeitas aos ventos e às ondas
schumpeterianas da destruição criativa. Novas tecnologias podem emergir e se tornar uma referência na
indústria, influenciando a natureza das atividades inovadoras. Porém, elas podem entrar em um estado de
estagnação em termos de benefícios gerados aos seus usuários. A obsolescência ou desaparecimento de
certas tecnologias pode ocasionar o desaparecimento de setores industriais inteiros, assim como das
respectivas empresas e suas capacidades tecnológicas. Um dos exemplos é tecnologia relacionada à
máquina de escrever. A obsolescência da máquina de escrever ocasionou o desaparecimento dessa
indústria, assim como de algumas empresas que operavam à base dessa tecnologia.
A literatura sobre inovação tem fornecido instrumentos que podem auxiliar gestores a acompanhar o
desempenho de certas inovações ao longo tempo. Entre eles, destaca-se a Curva S de inovação. Emergiu a
partir dos trabalhos de Everett Rogers na década de 1960 sobre a difusão de inovações. Outros autores,
como Clayton Christensen, têm aprimorado o conceito da Curva S de inovação ao longo do tempo.
A Figura 1.10 ilustra uma representação da Curva S de inovação em seu formato mais típico. O eixo
horizontal representa os investimentos realizados em termos de esforços e tempo relativos a certa
tecnologia. O eixo vertical representa o desempenho alcançado pela tecnologia, por exemplo, em termos
operacionais, comerciais e ambientais. Na parte inferior da curva a tecnologia está em formação e,
geralmente, ainda não foi testada comercialmente. A partir dos investimentos realizados, a tecnologia
começa sua ascensão e crescimento, e principia a demonstrar o desempenho esperado. Após este estágio,
a tecnologia atinge sua maturidade, na qual pode produzir o máximo de seu desempenho. A partir desse
ponto, a tecnologia pode iniciar seu ponto de inflexão, evoluindo para a obsolescência.
O entendimento da dinâmica de certas tecnologias, com a ajuda da Curva S de inovação, pode
auxiliar gestores na tomada de certas decisões. Essas podem variar em termos de optar por permanecer na
mesma curva, tentando prolongar ao máximo a vida da tecnologia e continuar a obter os benefícios
auferidos, em termos de vendas. Alternativamente, gestores tentam migrar a empresa para uma tecnologia
nova e mais promissora.
Na primeira alternativa, os gestores tentarão permanecer na curva tecnológica existente e prolongá-la
via introdução de inovações incrementais, modulares ou arquiteturais (ver Figura 1.11). Um exemplo
talvez emblemático desse comportamento refere-se ao mercado de barbeadores, representado pela líder de
mercado, Procter & Gamble, dona das marcas dos barbeadores Gillette. Gestores tendem a optar pelo
prolongamento da Curva S de certas tecnologias de produto, de processo de produção ou de serviços. Isto
se explica pela adoção de uma perspectiva mais imediatista. Essa perspectiva implica que gestores, talvez
motivados por seus bônus durante o mandato, preferem continuar com uma tecnologia existente, obtendo
as receitas de mercado e usufruindo dos benefícios de uma tecnologia com a qual já estão habituados por
décadas e na qual confiam, isto é, preferem permanecer em uma “zona de conforto”. Tal comportamento
pode refletir uma inércia estrutural, na qual toda a estratégia da empresa é voltada para a manutenção de
linhas de produtos, processos e serviços existentes. Também pode refletir uma liderança reativa, que
prefere evitar os riscos de abandonar tecnologias existentes e fazer a empresa ingressar em uma nova
tecnologia. Também pode refletir uma visão de negócio limitada de longo prazo por parte da liderança da
organização. Em outras situações, pode refletir disputas internas de poder que ocasionam uma paralisia
organizacional. Em função do sucesso obtido por meio da tecnologia existente, empresas podem
exacerbar em sua autoconfiança que pode, inclusive, refletir certa arrogância da alta administração frente
a potenciais novos competidores, que podem impulsionar a emergência de novas tecnologias. Tais
problemas acabam conduzindo toda a empresa para estagnação e obsolescência e até mesmo o
desaparecimento da indústria.

FIGURA 1.9 Representação estilizada da inovação aberta na Petrobras, a partir da perspectiva de


capacidades.

FIGURA 1.10 Curva S.

Há exemplos clássicos na indústria. Durante a década de 1980, a IBM insistiu na tecnologia de


grandes mainframes e negligenciou uma inovação de ruptura que rondava suas estruturas: a redução no
tamanho dos computadores e sua popularização nas empresas e em universidades por meio dos personal
computers (PCs) de mesa. Quando a IBM tentou reagir à nova tecnologia, era tarde. Toda a gigante
empresa estava estruturada e treinada (seus procedimentos, rotinas organizacionais, mentalidade dos
engenheiros e gestores) para operar e enxergar somente uma tecnologia, a dos mainframes. Por causa
dessa inércia estrutural, a IBM ficou trancada (ou locked-in) em sua curva tecnológica existente, perdeu a
oportunidade de liderar o novo mercado de PCs e entrou em colapso. Para continuar no mercado, a IBM
foi reinventada e hoje é uma empresa diferente e muito menor do que aquela que conhecíamos até o fim
da década de 1980. Situação similar ocorreu com a gigante do varejo Sears em relação ao inovador
WalMart. Um dos exemplos mais recentes refere-se à Eastman Kodak. Criada em 1880, a Kodak chegou
a dominar cerca de 85 % do mercado de filme e aproximadamente 90 % do mercado de câmeras nos EUA
durante a década de 1970. Até durante a década de 1990, a Kodak era considerada entre as cinco marcas
mais valiosas do mundo. Ocorre que a fotografia digital substituiu os tradicionais filmes fotográficos e
os smartphones substituíram, em grande parte, as câmeras. A Kodak pagou um preço alto por ter insistido
em suas tecnologias existentes e por não ter acelerado a mudança para a nova tecnologia. Em 2012
anunciou o fim da fabricação de câmeras digitais de foto e vídeo. Porém, a Fuji Film, rival da Kodak, ao
perceber, já na década de 1980, a chegada à obsolescência de sua tecnologia, buscou uma estratégia
ambidestra de inovação. À medida que obtinha ganhos de seu mercado de fotografia analógica, preparou
sua inserção no mercado de fotografia digital. Em paralelo, procurou usar sua própria base interna de
conhecimento tecnológico para diversificar suas atividades por meio da abertura de novas linhas de
negócios.

FIGURA 1.11 Curva S convencional da tecnologia.

Assim, é importante que gestores estejam atentos aos movimentos de obsolescência tecnológicas e de
emergência de novas tecnologias no intuito de decidir se permanecem com as tecnologias existentes ou as
abandona. De um lado, é preciso controlar a tentação dos lucros imediatos e da zona de conforto. Por
outro, é fundamental preparar a empresa para um crescimento de longo prazo. Empresas que conseguem
longevidade com liderança tecnológica e competitividade parecem adotar uma estratégia ambidestra: de
um lado, implementam inovações incrementais em produtos e processos existentes; de outro, com os
ganhos obtidos de suas tecnologias existentes, investe em desenvolvimento de capacidades tecnológicas
para inovações de ruptura e radicais, no intuito de garantirem o crescimento e competitividade no longo
prazo. A Curva S de inovação é um dos instrumentos que pode auxiliar os gestores nesse constante
processo de monitoramento e de mudança.
1.3.4O processo de inovação difere entre setores industriais
Por isso, as empresas de setores industriais distintos são diferentes em termos da maneira como inovam.
Obviamente, empresas farmacêuticas possuem um processo de inovação muito diferente de empresas do
setor de aço, que, por sua vez, são diferentes das do setor de software. Deste modo, podemos nos valer da
clássica taxonomia desenvolvida por Keith Pavitt, conforme mostrado na Tabela 1.4.
34

Com base na Tabela 1.4, podemos concluir que:


•Empresas de setores industriais diferentes possuem diferentes características e diferentes
processos de inovação.
•Os setores apresentam especificidades e, por isso, não podemos comparar empresas de setores
que produzem aço com empresas que produzem software.
•Essas diferenças acarretam implicações para a natureza do processo inovador dentro de
empresas. Isto também significa dizer que há diferenças entre o grau de dificuldade e
complexidade da capacidade tecnológica do processo de inovação. Por exemplo, o grau de
dificuldade de uma empresa de confecção de roupas é menos sofisticado que uma planta de
celulose e papel.

De fato, a capacidade tecnológica tem um forte componente tácito, mas o que é tácito hoje não o é
amanhã. Por mais tácito e intrínseco que seja, o conhecimento tecnológico pode “vazar”, dependendo dos
esforços de aprendizagem dos imitadores. Por isso é que empresas e países que antes eram meros
imitadores e/ou usuários de tecnologias de outros, por exemplo, as empresas eletrônicas do Japão dos
anos 1950, Hyundai da Coreia do Sul e Embraer do Brasil, tornaram-se líderes internacionais.
As inovações são o resultado do processo de inovação, que pode ser definido como as atividades
combinadas que conduzem a novos produtos e serviços negociáveis e/ou a novos sistemas de produção e
entrega. Há inovações que adquirem respeitável longevidade no mercado, como a aspirina. Mas há
inovações que não duram mais do que um ano no mercado e são rejeitadas por consumidores.
Diferentes tipos de inovação têm sido identificados nos estudos existentes. As inovações
incrementais envolvem adaptação, refinamento e melhoria de produtos existentes. As inovações radicais
envolvem categorias de produto e de serviço inteiramente novas e/ou sistemas da produção e de entrega
(por exemplo, comunicações sem fio). As inovações arquitetônicas referem-se às reconfigurações do
sistema de componentes que constituem o produto (por exemplo, os efeitos da miniaturização dos
componentes-chave do rádio).

TABELA 1.4Características do processo de inovação em setores industriais


específicos
Tipos de
empresas Características
Empresas Nestas empresas as mudanças técnicas ocorrem quase exclusivamente de
dominadas por fornecedores de máquinas e outros insumos de produção. Isto é tipicamente o caso
fornecedores das empresas têxteis, onde a maioria das novas técnicas surge em indústrias de
máquinas e produtos químicos. A escolha técnica reflete o relativo fator custo, e as
oportunidades para acumulação tecnológica são focadas principalmente nas melhorias
e modificações dos métodos de produção e insumos associados e, ocasionalmente, no
desenho dos produtos. A maioria da tecnologia é transferida e internacionalmente
incorporada em bens de capital e outros insumos. Desta forma, as empresas
dominadas pelos fornecedores apresentam alguma semelhança com aquelas
encontradas na função de produção tradicional.
Empresas A acumulação tecnológica é gerada pelo desenho, construção e operação de
intensivas em complexos sistemas de produção e/ou produtos. Os principais setores típicos incluem
escala a extração e processamento de material bruto, automóveis e certos produtos de
consumo durável. Dadas as vantagens do potencial econômico do aumento de escala,
combinado com a complexidade dos produtos e/ou sistemas de produção, o risco de
falha associado à mudança radical são potencialmente muito dispendiosos. As
tecnologias de produto e processo, portanto, desenvolvem incrementalmente à base
da experiência precedente de operação e melhoria nos componentes, máquinas e
subsistemas. As principais fontes de tecnologia são desenho e engenharia de
produção, experiência operacional e fornecedores de equipamentos e componentes. A
tecnologia é acumulada como a capacidade para desenhar e construir componentes,
máquinas e subsistemas e, eventualmente, com a capacidade de desenhar e construir
sistemas complexos e de larga escala. A transferência de tecnologia internacional
requer o licenciamento do conhecimento da produção e desenho e o treinamento
relacionado, em adição à venda de máquinas e outros insumos. Este estilo de
mudança técnica é melhor refletido na análise de Schmookler (1966) da mudança
técnica induzida pelo investimento.
Empresas Há uma emergência de uma nova e maior forma de acumulação tecnológica,
intensivas em resultante das melhorias revolucionárias ao longo dos últimos 40 anos na capacidade
informação de armazenar, processar e transferir informação. Embora seja ainda cedo para definir
precisamente sua natureza e extensão, a acumulação tecnológica em empresas
intensivas em informação abrange o desenho, construção, operação e melhoria de
sistemas complexos para o armazenamento e processamento da informação. As
melhorias tendem a ser baseadas na experiência e nas inovações incrementais, e
suas principais fontes são a experiência operacional, assim chamada “Departamento
de Sistemas” em grandes firmas usuárias, e fornecedores de sistemas e softwares de
aplicação. Embora um extenso conjunto de dados seja escasso, os levantamentos
sugerem que grandes empresas na indústria de serviços (p. ex., bancos e varejo)
têm-se tornado os maiores centros na acumulação da tecnologia da informação.
Empresas Neste tipo de empresa a acumulação tecnológica emerge principalmente dos
baseadas em laboratórios corporativos de P&D e é pesadamente dependente de conhecimento,
ciência habilidades e técnicas que emergem da pesquisa acadêmica. Os principais setores
típicos são o químico e o eletrônico; descobertas fundamentais (eletromagnetismo,
ondas de rádio, efeito transistor, química sintética e biologia molecular) abrem novos
mercados para produtos com uma ampla gama de aplicações em potencial. As
maiores direções da acumulação tecnológica na empresa é a pesquisa horizontal para
novos e tecnologicamente relacionados produtos de mercado. A transferência de
tecnologia internacional requer mais do que a compra de insumos de produção e o
licenciamento do conhecimento para produção. Isto também demanda uma forte
capacidade para engenharia reversa (isto é, análise e cópia de produtos dos
competidores). Além disso, demanda cientistas de pesquisa treinados e engenheiros
com contatos no exterior. Este estilo de mudança técnica é melhor exemplificado por
grandes empresas inovadoras, descritas e analisadas no trabalho de Schumpeter
(1943).
Empresas Essas empresas fornecem insumos de alta performance para complexos sistemas de
fornecedoras produção na forma de máquinas, componentes, instrumentos ou software. A
especializadas acumulação tecnológica toma lugar através do desenho, construção e uso operacional
desses insumos de produção. O benefício dessas empresas fornecedoras
especializadas vem da experiência operacional de usuários avançados, na forma de
informação, habilidades e identificação de possíveis modificações e melhorias. As
empresas fornecedoras acumulam habilidades para corresponder aos avanços no
projeto de máquinas com os requisitos dos usuários, os quais — dadas a
complexidade e a interdependência do processo de produção — colocam um prêmio
na confiabilidade e performance, em vez do preço. A transferência de tecnologia
internacional toma lugar através das atividades de compras internacionais de
empresas usuárias avançadas. Este tipo de mudança técnica é mais bem tipificada
pelos trabalhos de Stigler (1956) e Rosenberg (1976) sobre a “desintegração vertical” e
a “convergência tecnológica”.
1.4Sugestões de Questões Relativas ao Tema e Foco Deste
Capítulo
1.Qual a diferença entre informação e conhecimento?
2.É comum as pessoas associarem tecnologia a produtos. Avalie e comente se essa relação se
justifica.
3.É possível perceber que sofisticados equipamentos, máquinas e processos, tais como
automóveis, naves espaciais, reatores nucleares, produção de alumínio e de aço, compreendem um
complexo e sofisticado nível de tecnologia. Mas a tecnologia se aplica somente no âmbito deste
nível de complexidade? Explique esse aspecto, apresentando alguns exemplos que clarifiquem essa
questão.
4.Qual a diferença entre técnica e tecnologia?
5.Considerando as questões anteriores, afinal o que se entende como tecnologia?
6.Até que ponto a tecnologia é dependente da ciência?
7.Podemos considerar a tecnologia um bem público? Justifique.
8.O que é, afinal, capacidade tecnológica, onde reside e por que é considerada um ativo valioso
das empresas?
9.Afinal, o que não é capacidade tecnológica?
10.Até que ponto é possível “comprar” tecnologia no mercado internacional?
11.Considerando a intensificação da globalização, da Internet, a disseminação da informática e a
interdependência global, tecnologia torna-se cada vez mais acessível, especialmente para países em
desenvolvimento. Os professores podem organizar grupos de trabalho e, com base na leitura deste
capítulo, confrontar e examinar as perspectivas a favor e contra tal afirmação.
12.Por que é importante a distinção entre capacidades de produção e de inovação?
13.Qual é a diferença entre descoberta e invenção?
14.Toda invenção pode ser considerada uma inovação? Justifique sua resposta.
15.O que é, afinal, inovação e por que deve ser interpretada como um processo e à base de graus?
Apresente pelo menos três exemplos que caracterizem diferentes tipos e níveis de inovação.
16.Quais são as propriedades do processo inovador? Encontre exemplos de inovações malsucedidas
e tente explicar seu desempenho com base na leitura deste capítulo.
17.Empresas de diferentes atividades ou setores produtivos inovam do mesmo modo? Justifique e
busque exemplos para apoiar sua resposta.
18.Quais são as características do processo de inovação aberta?
19.Identifique exemplos de inovações implementadas pela sua organização ao longo dos últimos
três anos. Após isso, classifique os tipos de inovação encontrados e avalie como está a sua
organização em termos de atividades inovadoras.
___________
Kranzberg e Purcell (1981).
1

Hall e Hall (1964).


2

Rosenberg (1982).
3

Rosenberg (1993); Salomon (1984).


4

Este processo foi desenvolvido pelo engenheiro metalurgista do Reino Unido, Henry Bessemer. A produção de aço com
5

base no conversor de Bessemer significou um avanço em relação a processos anteriores como aquele à base do cadinho
desenvolvido por Benjamim Huntsman.
Rosenberg (1993); Salomon (1984).
6

von Tunzelmann (1995).


7

Ver também von Tunzelmann (1995).


8

Oxford (2004); Houaiss (2001).


9

Salomon (1984).
10

Pavitt (1987); Nelson e Winter (1982); Rosenberg (1993); Dosi (1988).


11

Adaptado de Dutrénit (2000).


12

Oxford (2004); Houaiss (2001).


13

Freeman (1982).
14

Tidd et al. (2005).


15

Royston (1989).
16

Ver Schumpeter (1911).


17

Amabile (1996).
18

Teece (2007).
19

Marchetti (1980).
20

Marchetti (1980).
21

Freeman (1989); Pavitt (1990).


22

Rosenberg (1982).
23

Nelson e Winter (1982); Dosi (1988).


24

Nelson (2007); Fagerberg e Verspagen (2007).


25

Freeman (1987); Lundvall (1992); Nelson (1993); Cooke (2001); Malerba (2002).
26

OECD (2005).
27

Dosi (1988:222).
28

OECD (2005).
29

Bell e Pavitt (1993).


30

Dosi (1988).
31

Pavitt (1997).
32

O’Boyle (1999).
33

Pavitt (1984) e versões aprimoradas em Bell e Pavitt (1995).


34

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