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DESENVOLVIMENTO
Objetivos de aprendizagem
Este módulo tem o objetivo de auxiliá-lo a entender a interface entre as patentes e algumas
questões mais abrangentes relacionadas com desenvolvimento na sociedade. Como viu na
introdução do Módulo 1, a questão sobre como os direitos de propriedade intelectual (DPI)
impactam os processos de desenvolvimento econômico e de crescimento tem sido objeto de
discussões há muito tempo. Existe uma série de variáveis que devem ser levadas em
consideração e, em muitos casos, as circunstâncias políticas e socioeconômicas prevalecentes
determinam até que ponto os DPI podem influenciar o processo de desenvolvimento.
O conceito de desenvolvimento é muito abrangente e pode ser classificado nos seguintes grupos:
• desenvolvimento econômico;
• desenvolvimento social e cultural; e
• desenvolvimento científico e tecnológico.
Esses grupos refletem uma abordagem recente, que busca adotar uma visão mais abrangente e
inclusiva de desenvolvimento. A expansão das capacidades humanas para atingir determinados
objetivos valiosos é considerada como a característica principal do desenvolvimento. Assim, os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) estabeleciam, para até 2015, as seguintes
metas, em vários níveis:
Diversos países adotaram políticas e medidas regulamentares para alcançar esses objetivos,
incluindo aqueles que são relevantes à área dos DPI.
Você já deve conhecer alguns dos componentes materiais e processuais do sistema dos DPI,
tais como o direito de autor, as marcas, as patentes e os desenhos industriais. Compreender o
papel de cada um desses subgrupos de PI nos processos de desenvolvimento é igualmente
importante, pois o ajudará a compreender como os diversos aspectos da propriedade intelectual
podem influenciar a elaboração de políticas nacionais e legislações em diferentes contextos
econômicos e sociais. Por exemplo, a proteção e a promoção eficaz dos direitos autorais podem
levar ao florescimento de indústrias criativas, a um melhor acesso a informações e a materiais
didáticos e à preservação da herança cultural, para citar apenas alguns benefícios. Esses
benefícios podem, por sua vez, levar à geração adicional de renda, bem como à criação de
empregos e da vida na sociedade, como um todo, além de serem indicadores importantes de
desenvolvimento em qualquer sociedade.
A fim de entender a maneira como o sistema de patentes pode contribuir para o desenvolvimento
social, é importante compreender os objetivos econômicos fundamentais da proteção dos DPI.
1
Para mais detalhes, leia o artigo de Keith E. Maskus, Intellectual Property Rights and Economic Development, 2002,
preparado para a série “Beyond the Treaties: A Symposium on Compliance with International Intellectual Property Law”,
organizada pelo Fredrick K. Cox International Law Center na Case Western Reserve University.
Agora que você já aprendeu quais são os objetivos subjacentes do sistema de patentes, talvez
já consiga perceber o potencial equilíbrio operacional entre esses dois objetivos. Por um lado,
pode-se afirmar que um sistema de patentes excessivamente protetor pode resultar na limitação
dos ganhos sociais derivados das atividades inventivas, por reduzir os incentivos à divulgação
de seus frutos. Por outro lado, um sistema de patentes excessivamente fraco pode reduzir a
inovação por não oferecer o retorno adequado sobre o investimento em P&D. Assim, deve-se
encontrar um equilíbrio estratégico da política que seja concomitante e adequado às condições
econômicas e sociais prevalecentes em contextos específicos de produção.
Para que o sistema de patentes possa contribuir para o desenvolvimento social, a intervenção
governamental por meio da implementação de políticas e de atos legislativos e administrativos é
crucial. Os formuladores de políticas públicas precisam compreender, em seus contextos, as
dinâmicas sociais, econômicas, técnicas e concorrenciais que, por sua vez, servirão para instruir
os formuladores de políticas a respeito das decisões apropriadas que o governo deve tomar em
relação às patentes. Feito isso, será relativamente fácil integrar o sistema de patentes ao
processo de produção e aos níveis institucional e individual.
O significado do termo “desenvolvimento” tem sido discutido há muito tempo, sem que nunca se
tenha chegado a um consenso sobre o que o termo representa. Esta é a opinião compartilhada
e refletida no Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH) do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), de 1990, que contém o seguinte parágrafo:
Este fenômeno apresenta uma oportunidade: os princípios que motivaram as instituições após a
Segunda Guerra Mundial e guiaram legisladores precisam ser reajustados, para lidarem com a
crescente diversidade de vozes e poderes e para sustentar o progresso do desenvolvimento a
longo prazo. Esses princípios precisam ser reconsiderados, e as instituições internacionais
precisam de maior flexibilidade para reforçar diretivas que priorizem as pessoas e impulsionem
as instituições a buscarem ativamente um mundo mais justo e solidário. Potencialmente, a
crescente diversidade nos padrões de desenvolvimento está criando espaço, e até mesmo
exigências, para um diálogo e uma reestruturação mundiais desse tipo.
Agora que você tem um melhor entendimento do termo desenvolvimento, o objetivo da presente
seção deste módulo é ajudá-lo a compreender o papel das patentes no processo de
desenvolvimento. Como já deve ter observado, o conceito de desenvolvimento é muito amplo.
Existe uma série de variáveis que são cruciais para o desencadeamento do crescimento em
termos econômicos e sociais. Por exemplo, os economistas reconhecem diversos canais por
meio dos quais as patentes podem estimular o desenvolvimento econômico e o crescimento.
Como esses canais são, por vezes, interdependentes, é importante para os formuladores de
políticas e para os planejadores do desenvolvimento compreenderem a interface entre as
patentes e o desenvolvimento, de modo a poderem elaborar as políticas de incentivo adequadas
para promover a integração de patentes e estratégias de desenvolvimento.
Sem dúvida, o impacto das patentes e do desenvolvimento pode variar, e realmente varia, de
país para país, mas há mesmo assim um crescente consenso de que, em última análise, adotar
um regime de patentes estratégico geralmente conduz ao desenvolvimento. As abordagens
institucionais e nacionais de predileção podem variar de acordo com o nível de desenvolvimento
e com os quadros institucionais. Por exemplo, os países em desenvolvimento e os países menos
desenvolvidos (PMD) podem preferir ter um sistema de patentes que favoreça a difusão de
informações por meio da imitação, de baixo custo, de produtos e tecnologias estrangeiras.
• O incentivo à inovação: De forma simples, a inovação pode ser definida como sendo
o processo de aplicação de novos conhecimentos ou soluções no intuito de atender
às necessidades e exigências do mercado. O conceito de inovação pode adquirir
diferentes formas, inclusive tecnologias inovadoras, bem como competências e
práticas de gestão. O processo de inovação requer importantes variáveis, como o
acesso a tecnologias relevantes e a capacidade de controlar o uso de tais tecnologias.
Como já visto nos módulos anteriores, o sistema de patentes facilita a realização
dessas duas importantes variáveis. Os bancos de dados de patentes constituem ricas
fontes de informações sobre patentes e invenções, que podem ser utilizadas para
futuras inovações. O sistema de proteção de patentes permite que as empresas
recuperem o custo do investimento que possam ter feito no processo de P&D. A este
respeito, as patentes contribuem, portanto, para o incentivo à inovação.
Por outro lado, países com fracos padrões podem permanecer dependentes de empresas
dinamicamente ineficazes que contam com falsificações e imitações. A longo prazo, isso pode
prejudicar o processo de desenvolvimento limitando o crescimento e as bases das capacidades
de inovação locais.
Um exemplo desse processo é que o fato de que a proteção de modelos de utilidade tem
mostrado melhoras na produtividade em países com tecnologias atrasadas. No Brasil, os
modelos de utilidade ajudaram os produtores nacionais a ganhar uma parte significativa do
mercado de maquinário agrícola ao incentivar a adaptação de tecnologias estrangeiras às
condições locais; nas Filipinas, eles incentivaram com sucesso a invenção adaptativa dos
debulhadores de arroz.
QUESTÃO DE AUTOAVALIAÇÃO
QAA 1: Em até 100 palavras, explique como um sistema de patentes apropriado pode contribuir
para o desenvolvimento.
2
Evenson, R., Westphal, L. (1995) Technological change and technology strategy, in: T.N. Srinivasan
and J. Behrman (eds.) Handbook of Development Economics, Vol. 3 (Amsterdam: North Holland).
1.3. Breve introdução à Agenda da OMPI para o desenvolvimento e suas relações com
as patentes
A Agenda para o desenvolvimento (AD) adotada pela Assembleia Geral da OMPI em setembro
de 2007 contém 45 recomendações (das 111 propostas originais), divididas em 6 categorias.
Seu objetivo é garantir que considerações sobre o desenvolvimento sejam parte integrante do
trabalho da OMPI. Enquanto tal, é uma questão transversal que se refere a todos os setores da
OMPI. Dessas recomendações, a Assembleia identificou um total de 19 que requerem imediata
implementação. Isso não sugere, de maneira alguma, que as 26 restantes sejam menos
importantes ou menos prioritárias. As 19 recomendações foram essencialmente escolhidas
porque sua implementação não requer o emprego imediato de pessoal nem de recursos
financeiros adicionais 3.
Quando a Agenda da OMPI para o desenvolvimento foi adotada, os Estados membros também
aprovaram a recomendação para estabelecer um Comitê sobre Desenvolvimento e Propriedade
Intelectual (CDIP, na sigla em inglês), que lida atualmente com a questão e apresenta propostas
à Assembleia Geral.
O objetivo principal da adoção da Agenda para o Desenvolvimento pela OMPI foi recondicionar
o enquadramento de base do sistema de PI para que ele possa servir e ajudar a alcançar os
objetivos mais abrangentes do desenvolvimento da sociedade. A Agenda para o
Desenvolvimento busca alcançar isto por meio de várias ferramentas de DPI, não apenas para
o crescimento econômico em uma determinada sociedade ou Estado, mas também para fazer
com que o sistema de DPI sirva como veículo para a melhoria de setores como a saúde, a
educação e a pesquisa, o meio ambiente, a transferência de tecnologia e a autonomia.
A Agenda da OMPI para o Desenvolvimento se distancia da acepção internacional dos DPI após
o Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (o Acordo
TRIPS), de “UMA SOLUÇÃO ADAPTADA A TODOS”, para uma abordagem mais inclusiva e
específica a cada país, na qual se é chamado a elaborar regimes de PI e a implementar
estratégias de acordo com os ambientes social e econômico de um determinado país.
3
Consulte o Relatório de Implementação Preliminar relativo às 19 propostas estabelecido em 28 de fevereiro de
2008, disponível em: http://ip-watch.org/files/WIPO%20comments%20on%20DA%20recs%20-%20part%20201.pdf
3) garantir que a legislação nacional existente defenda o interesse público e que os novos
tratados não impeçam a capacidade dos governos de fazerem uso das flexibilidades
previstas nos instrumentos existentes para atender a suas necessidades nacionais.
Como anteriormente apontado, o fundamento por trás da adoção da Agenda da OMPI para o
Desenvolvimento está centrado na necessidade de recondicionar o sistema de PI para que ele
possa servir objetivos de desenvolvimento da sociedade mais abrangentes. Nesse contexto, a
Agenda da OMPI para o Desenvolvimento possui as seguintes abordagens:
Uma das maneiras nas quais um sistema de patentes pode contribuir para o desenvolvimento é
por meio do uso ou da aplicação de flexibilidades de patentes.
As flexibilidades podem ser usadas não só para optar pelo padrão inferior mínimo permitido em
relação a certos aspectos, mas também por um padrão mais elevado, se isto for permitido pela
política do país. Os padrões mais elevados permitiram que alguns países em desenvolvimento
concordassem com o compromisso TRIPS plus em diversas categorias de DPI, incluindo as
patentes.
No final, as escolhas feitas devem visar permitir que o sistema de inovação local adapte as
tecnologias existentes de maneira a aumentar as capacidades de produção e as necessidades
da indústria local.
Desde logo, convém observar que a inclusão das flexibilidades nesses instrumentos
internacionais é o resultado de um esforço conjunto e, por vezes, de extensos debates entre os
Estados membros. Neste sentido, pode-se dizer que essas flexibilidades são um consenso, ou
melhor, concessões que foram acordadas, explícita ou implicitamente, pelos Estados membros.
Considerando os diferentes níveis de desenvolvimento e estruturas econômicas dos membros
desses acordos, acredita-se que a inclusão de flexibilidades fornece uma plataforma essencial
na qual as condições de cada país podem ser acomodadas no âmbito das obrigações.
Como você já aprendeu no presente curso, a Convenção de Paris foi a primeira convenção
internacional abrangente em matéria de Propriedade Industrial, aprovada e assinada em uma
Conferência Diplomática realizada em Paris, em 1883.
4
Em alguns setores, prefere-se o termo “assimetrias” porque ele comporta uma referência às desigualdades em
matéria de desenvolvimento entre os membros da União, que levaram à inclusão de disposições que deixam
Segundo a Convenção de Paris, mais especificamente nos termos do Artigo 1 (3), os membros
da União recebem espaço para o estabelecimento de políticas que determinem o que deve
constituir matéria patenteável. Os membros da União dispõem, assim, de espaço para legislar e
definir políticas em matéria de patentes que reflitam as condições de obtenção de patentes no
seu país, em função de suas necessidades sociais e econômicas. Um bom exemplo disso é a
jurisprudência estadunidense em matéria de patentes, e mais especificamente, a famosa decisão
da Suprema Corte dos EUA no caso Diamond v. Chakrabarty (1980), no qual essa alta jurisdição
decidiu que organismos vivos constituem matéria patenteável segundo a lei de patentes
estadunidense. A Suprema Corte estabeleceu aquilo que pode ser considerado como uma
abordagem “aberta” a respeito do objeto patenteável ao declarar que “tudo o que se encontra
sob o Sol, feito pela mão do homem” pode ser patenteado. Este é um caso clássico em que a
autoridade judicial adotou uma abordagem abrangente na interpretação de matéria patenteável.
espaço para os membros da união levarem em consideração suas próprias condições econômicas e sociais no
tratamento de suas prioridades no momento de implementar as obrigações no âmbito de convenções.
Em alguns casos extremos de abuso flagrante, e em que a licença compulsória não seria o
suficiente para impedir o abuso, confere-se aos membros da União mais flexibilidade, o que pode
implicar a caducidade da patente (Artigo 5 (3)).
Vimos o quadro em que a flexibilidade relativa à licença obrigatória pode ser exercida pelos
membros da União de Paris. Contudo, é importante ressaltar as restrições às quais deve aderir
um país que invoca as disposições do licenciamento compulsório. A concessão de uma licença
compulsória está sujeita às seguintes condições:
Alguns países podem optar por legislar sobre a aplicabilidade da doutrina da exaustão com base
nas necessidades imperativas da época. Dessa maneira, o uso da flexibilidade na exaustão dos
direitos de patentes pode ampliar o acesso a produtos essenciais cujos direitos foram exauridos.
É nesse sentido que o Artigo 1° do Acordo TRIPS estabelece que os membros podem
implementar, em sua legislação, uma proteção mais ampla por qualquer método que considerem
adequado desde que não contrarie as disposições do Acordo.
Uma das disposições relevantes relativas ao escopo dos direitos encontra-se no Artigo 27 do
Acordo TRIPS. Regra geral, o Artigo 27 estipula que as patentes devem estar disponíveis para
qualquer invenção em qualquer área tecnológica. Trata-se de uma interpretação muito ampla de
matéria patenteável.
Contudo, enquanto o Artigo 27(1) confere direitos patentários de tal amplitude, o Acordo
reconhece que os Estados membros podem ter necessidades especiais próprias, as quais talvez
exijam abordagens específicas ao cumprimento de suas obrigações. Por exemplo, o Artigo
27(3)(b) permite (mas não obriga) que membros da OMC excluam vegetais da proteção
patentária. Além disso, os países que optarem pela implementação dessa exceção estão
autorizados a excluir tanto plantas obtidas por meio de processos convencionais de cultivo como
cultivares obtidos por meio de engenharia genética.
Em algumas jurisdições, como Europa e Estados Unidos, genes isolados para os quais se
identificou uma função foram considerados patenteáveis. Essa abordagem influenciou leis e
práticas patentárias em muitos países. Contudo, vem sendo questionada cada vez mais nos
últimos anos.
Uma questão importante é se a possibilidade de se proibirem patentes para plantas pode ser
considerada aplicável também a células, genes e outros componentes celulares vegetais. Seria
possível argumentar que nenhum desses componentes são "plantas" e, portanto, não são
afetados pela exclusão estipulada no Artigo 27.3(b). Porém, patentear tais componentes (ainda
que modificados) pode equivaler a patentear a planta em si, uma vez que o titular estará
autorizado a impedir atos comerciais relacionados a qualquer planta que contenha a matéria
patenteada e, portanto, a anular, na prática, a exclusão referente às patentes de plantas. Isso
pode acontecer até mesmo quando um gene modificado ou uma construção genética artificial é
incorporada na planta (cujo genótipo pode conter vários milhares de genes codificadores).
A premissa na qual está fundamentado o Acordo TRIPS é apresentada em seu Artigo 8, que
permite aos membros adotar medidas para proteger a saúde e nutrição públicas e para promover
o interesse público em setores de importância vital.
Imediatamente após a adoção do Acordo TRIPS, surgiram problemas em grande parte devido
ao valor considerado proibitivo dos antirretrovirais patenteados, bem como de outros
medicamentos utilizados no tratamento de infecções oportunistas. Os elevados preços desses
medicamentos comprometeram seriamente a capacidade de governos, comunidades e outros
atores do setor da saúde dos países em desenvolvimento de administrarem, de forma eficaz, a
epidemia de HIV/AIDS. A disparidade dos custos praticamente privava a maioria dos portadores
da doença, nesses países, do acesso aos melhores tratamentos disponíveis. É importante
lembrar, porém, que os problemas de custos não se limitam a HIV/AIDS e a outras doenças
politicamente visíveis, como a malária ou a tuberculose.
O debate internacional sobre as implicações do Acordo TRIPS para o acesso aos medicamentos
essenciais culminou na Quarta Sessão da Conferência Ministerial da OMC, em Doha, na qual os
países em desenvolvimento se confrontaram com os países desenvolvidos num debate acirrado
sobre a interpretação e o alcance das flexibilidades do Acordo TRIPS, e como elas poderiam ser
utilizadas para atender às necessidades em matéria de saúde pública nos países desenvolvidos.
Além dos pontos acima, o Artigo 27.3(b) do Acordo TRIPS permite a exclusão de
patenteabilidade no caso de "processos essencialmente biológicos" para a reprodução de
vegetais. O significado de "processos essencialmente biológicos" – conceito originado na
Convenção Europeia de Patentes (CEP) – foi analisado em muitas decisões do Instituto Europeu
de Patentes (IEP), sempre com interpretações bastante restritas.
Segundo o Artigo 27(3)(b) do Acordo TRIPS, as leis locais podem prever patentes, uma
combinação de PVP (proteção de obtenção de vegetais) e/ou formas sui generis de proteção,
moldadas ou não no contexto da Convenção UPOV. Ao selecionarem a forma de proteção, os
países podem decidir excluir novas variedades vegetais da proteção patentária ou estabelecer
um âmbito jurídico na lei de patentes.
Atualmente, muitos países excluem novas variedades vegetais da proteção patentária, tendo
decretado leis individuais para questões envolvendo novas variedades vegetais. As razões
subjacentes para a exclusão de novas variedades vegetais podem variar de país para país. No
entanto, do ponto de vista de uma lei substantiva, pode-se alegar que os requisitos de
patenteabilidade (principalmente a etapa inventiva), que constituem um dos pilares da lei de
patentes, não somente parecem inadequados para variedades vegetais, como também podem,
tendo em vista o alcance dos direitos geralmente concedidos via patentes, deter o avanço da
pesquisa e a obtenção de cultivares com materiais protegidos, bem como reduzir o direito de
agricultores ao armazenamento e à reutilização de sementes. Tal resultado pode ser
contraproducente e explica por que muitos países preferiram um sistema sui generis, para
acomodarem os objetivos de desenvolvimento.
O Artigo 27.2 do Acordo TRIPS estatui a possibilidade de se recusarem patentes para invenções
cuja exploração comercial "seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade,
inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios
prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas porque a
exploração é proibida por sua legislação".
A exceção com base no princípio de ordem pública ou moralidade para evitar a concessão de
patentes relacionadas com plantas foi invocada em tribunais nacionais, em determinadas
circunstâncias, porém com sucesso limitado. No caso da Plant Genetic Systems, a Câmara de
Recurso do IEP estabeleceu que a invenção (uma planta geneticamente modificada) não foi
usada de forma inadequada e não tinha produzido efeitos destrutivos.
Contudo, em outros casos, a impugnação baseada no princípio de ordem pública foi aprovada.
Uma boa referência disto é o caso ocorrido em 1999 nos Estados Unidos, em que uma
impugnação jurídica foi registrada no país contra uma patente concedida a um cidadão
americano para a vinha de ayahuasca, nativa da floresta amazônica. A Coordenação das
Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA) e outros grupos indígenas e
ambientalistas impugnaram a patente não diretamente por motivos de ordem pública, mas
porque ela teria permitido a um cidadão americano apropriar-se de uma planta que, além de
conhecida, é sagrada para muitos povos indígenas da Amazônia.
Vale ressaltar que as disposições do Acordo TRIPS deram grande ênfase à moralidade. Como
afirmado acima, o Artigo 27(2) do Acordo dispõe que os membros podem excluir uma invenção
da proteção patentária, se for necessário evitar a "exploração comercial" de uma invenção
"proteger a ordem pública e a moralidade". Em outras palavras, se a exclusão da
patenteabilidade for a única forma de se evitar sua exploração comercial, o Estado poderá barrar
a concessão da patente. Por outro lado, a aplicação dessa disposição por parte de Estados
membros é limitada, dado que a proteção patentária só pode ser negada se o fato de se evitar a
exploração comercial de uma invenção for necessário para proteger a ordem pública e a
moralidade.
Embora o Artigo 27(2) só venha a ser relevante em circunstâncias limitadas, o mesmo pode ser
aplicado, por exemplo, quando a difusão de determinada tecnologia vegetal, como a esterilização
de sementes, puder acarretar efeitos negativos à produção agrícola ou ao meio ambiente. Uma
intervenção desse tipo é crucial para a elaboração de políticas públicas relativas a questões
como segurança alimentar e desenvolvimento sustentável.
As leis de patentes podem excluir a responsabilidade civil em casos de violação com boa-fé,
conforme disposto no Artigo 44.1 do Acordo TRIPS. A ocorrência de violação atenuada pelo
princípio de boa-fé pode ser ilustrada da seguinte maneira: na área da biotecnologia, a presença
de uma característica em uma planta protegida por patente pode ser intencional ou não, uma vez
que uma característica genética patenteada pode se disseminar por vias naturais e surgir em
plantações, sem que tenha havido qualquer intenção para isso. Um perfeito exemplo em que se
consideraram os efeitos jurídicos dessa situação é o caso Monsanto Canada Inc. v. Schmeiser 5,
no qual a Monsanto processou a Schmeiser, empresa canadense que obteve e produz o cultivar
canola. A Schmeiser havia recoltado, em seus campos de canola, e armazenado sementes que
continham um transgene patenteado pela Monsanto, responsável pela resistência ao glifosato.
A Corte Suprema Canadense decidiu que a Schmeiser havia violado a patente da Monsanto,
apesar de a presença do gene no seu campo ter sido considerada não intencional.
As regras do Acordo TRIPS relativas à licença compulsória estão contidas no Artigo 31. O
conceito de licença compulsória em si, no entanto, possui um longo histórico. Um dos primeiros
instrumentos a incorporá-la foi o Estatuto dos Monopólios, de 1623, no Reino Unido. No plano
internacional, as licenças compulsórias são reconhecidas e estão previstas na Convenção de
Paris, de 1883. De fato, em 1994, quando o Acordo TRIPS foi adotado, as disposições acerca
das licenças compulsórias já se haviam tornado um elemento típico das leis de patentes no
mundo todo.
Há também condições que regem a revogação de licenças, bem como restrições de exportação
e de concessão de licenças a terceiros.
Apesar dessas condições, o Acordo TRIPS ainda prevê uma margem considerável de
flexibilidade na legislação de licenças compulsórias. O licenciamento compulsório, enquanto
mecanismo de política pública, pode ser usado na abordagem de uma série de situações,
incluindo, entre outras:
O Artigo 30 do Acordo TRIPS estabelece as bases gerais das exceções aos direitos exclusivos
previstos no Acordo. A regra determina que as exceções aos direitos conferidos pela patente
devem, levando em conta os interesses legítimos de terceiros, ser limitadas, não conflitar de
forma não razoável com a exploração normal da patente e não prejudicar de forma não razoável
os interesses legítimos de seu titular. Embora não estejam explicitamente mencionadas no
Acordo, as exceções em caso de pesquisa e experiências, e para “trabalho prévio” são os dois
tipos de exceções mais aceitas no âmbito do Artigo 30, com implicações no plano da saúde
pública. Em alguns países, como nos Estado Unidos, essas exceções são determinadas por
meio dos habituais procedimentos judiciais. Já em outros, como no Japão, constituem direitos
conferidos por lei.
O objetivo da exceção para pesquisa e uso experimental é garantir que a pesquisa científica
destinada à geração de novos conhecimentos seja fomentada e não obstruída pelas patentes.
A exceção para “trabalho prévio”, por outro lado, aplica-se ao uso por concorrentes em potencial
de determinada invenção sem a autorização do titular da patente, a fim de realizar as ações
necessárias à obtenção da aprovação regulatória e do registro do produto genérico antes do fim
do prazo de validade da patente. Essa exceção visa garantir a disponibilização no mercado de
versões genéricas de um produto, imediatamente após a expiração da patente ou em um período
de tempo razoável.
A aplicação efetiva dessa exceção difere de um país para outro. Os Estados Unidos introduziram
essa disposição por meio da lei United States Drug Price Competition and Patent Term
Restoration Act, de 1984, mas ao mesmo tempo, permitem aos titulares de patentes um
prolongamento da proteção. Outros países, como o Quênia, por outro lado, autorizam a exceção
para trabalho prévio a fabricantes de medicamentos genéricos, sem prolongar a vigência da
patente.
O segundo princípio, em particular, deve ser visto como um princípio interpretativo a favor da
adoção de medidas consideradas necessárias para a promoção da concorrência e a prevenção
do abuso da posição de monopólio por parte dos titulares, inclusive por meio de acordos de
concessão de licenças considerados anticoncorrenciais. O Artigo 40 do Acordo TRIPS, em
particular, estabelece um sistema para o controle de práticas anticoncorrenciais por meio de
licenças contratuais.
Por conseguinte, para além das medidas que um país pode tomar destinadas a melhorar a
concorrência no mercado farmacêutico, conforme previsto no Artigo 8(2), os países também
podem introduzir medidas adicionais para controlar as práticas de concessão de licenças das
empresas farmacêuticas. Proibindo o uso de determinados termos tais como condições de
cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças
coercitivas, os países podem reduzir a concentração de poder de mercado e melhorar a
concorrência nos mercados farmacêuticos.
Preâmbulo do Acordo TRIPS: O Preâmbulo do Acordo TRIPS destaca seus dois objetivos:
Esses objetivos fundamentais do Acordo TRIPS são elaborados mais detalhadamente nos
Artigos 7 (para os objetivos) e 8 (para os princípios). Ambos os objetivos requerem um equilíbrio
apropriado entre os direitos do titular da PI e os objetivos sociais do Acordo TRIPS. Isso é exposto
de forma evidente nas "exceções regulatórias" (nos Artigos 6, 30, 31 e 40) e no alcance
apropriado da proteção da PI nas demais disposições do Acordo TRIPS.
O Artigo 6 diz respeito à exaustão dos direitos de PI e deixa a cargo dos países a questão das
importações paralelas. Podem adotar livremente o princípio de "exaustão internacional" e
recorrer a fontes baratas para importar o produto patenteado procurado. O Acordo TRIPS
também confere aos Membros o poder de limitar os direitos exclusivos do titular de uma patente
estabelecendo exceções limitadas, que não devem, (i) conflitar de forma não razoável com a
exploração normal da patente, (ii) prejudicar de forma não razoável os interesses legítimos do
titular, e (iii) levar em conta os interesses de terceiros. Como já foi mencionado, nos termos do
Artigo 31 do Acordo TRIPS, os membros estão autorizados a ceder licenças compulsórias em
caso de não uso ou de uso insuficiente de uma invenção, a fim de combater práticas
anticoncorrenciais, em casos de emergência, uso governamental ou por outros motivos de
interesse público.
Portanto, tanto os acordos promovidos pela OMC – por exemplo, o TRIPS - como aqueles
promovidos pela OMPI apoiam o uso das flexibilidades de patentes. É importante, por
As flexibilidades que se baseiam na matéria patenteável podem ser usadas para vários objetivos
de desenvolvimento, como nos seguintes casos:
Essa margem para a flexibilidade em matéria de políticas públicas e legislações é possível com
base na regra geral sobre matéria patenteável, segundo as disposições do Artigo 27 do Acordo
TRIPS. Como você estudou nas seções anteriores, o Artigo 27 é muito amplo, mas pode, ao
mesmo tempo, ser muito limitativo. O artigo estende a proteção patentária a todas as invenções,
quer sejam produtos, quer sejam processos, em todas as áreas tecnológicas, contanto que sejam
novas, contenham uma etapa inventiva e sejam industrialmente aplicáveis. Contudo, vale a pena
observar que o Artigo 27 não oferece uma definição de invenção. A ausência de tal definição no
Acordo significa que os países têm flexibilidade para definir o alcance do conceito de invenção
em suas leis nacionais, e dessa forma, podem excluir certos tipos de invenções quando quiserem
alcançar certas metas de política pública ou de desenvolvimento.
a) Links úteis:
www.wipo.int/ip-development/en/agenda
http://www.cptech.org/ip/wipo/da.html
http://www.eff.org/issues/development-agenda
www.ictsd.org/i/events/dialogues/45559/
https://www.wipo.int/ip-development/en/agenda/flexibilities/database.html
b) Sugestões de leitura
Sisule F. Musungu, South Centre, and Cecilia Oh, WHO Commission on Intellectual Property
Rights, Innovation and Public Health (CIPIH), “The Use of Flexibilities in TRIPS by Developing
Countries: Can they Promote Access to Medicines?”, Study 4C, 2005.
http://www.who.int/intellectualproperty/studies/TRIPSFLEXI.pdf
UNDP, “Using Law to Accelerate Treatment Access in South Africa. An Analysis of Patent,
Competition and Medicines Law”, Outubro 2013.
http://www.undp.org/content/dam/undp/library/hivaids/English/using_law_to_accelerate_trea
tment_access_in_south_africa_undp_2013.pdf
CDIP, Documento CDIP/8/INF/3, “Study on Patents and the Public Domain”, 2011.
https://www.wipo.int/edocs/mdocs/mdocs/en/cdip_8/cdip_8_inf_3.pdf
CDIP, Documento CDIP/8/INF/3, “Study on Patents and the Public Domain (II)”, 2013.
https://www.wipo.int/edocs/mdocs/mdocs/en/cdip_12/cdip_12_inf_2_rev.pdf
Este módulo tem o objetivo de auxiliá-lo a entender a interface entre as patentes e questões
mais abrangentes relacionadas ao desenvolvimento na sociedade. Como viu na introdução do
Módulo 1, a questão sobre como os direitos de propriedade intelectual (DPI) impactam os
processos de desenvolvimento econômico e de crescimento tem sido objeto de discussões há
muito tempo.
O conceito de desenvolvimento é muito abrangente e pode ser classificado nos seguintes grupos:
i) desenvolvimento econômico; ii) desenvolvimento social e cultural; e iii) desenvolvimento
científico e tecnológico.
Visto que o conceito de desenvolvimento é tão amplo, existe uma série de variáveis essenciais
para o desencadeamento do crescimento em termos econômicos e sociais. Por exemplo, os
economistas reconhecem diversos canais por meio dos quais as patentes podem estimular o
desenvolvimento econômico e o crescimento. Como esses canais são, por vezes,
interdependentes, é importante para os formuladores de políticas e os planejadores do
desenvolvimento compreenderem a interface entre as patentes e o desenvolvimento, de modo a
poderem elaborar as políticas de incentivo adequadas para promover a integração das patentes
com as estratégias de desenvolvimento.
• O incentivo à inovação: De forma simples, a inovação pode ser definida como sendo
o processo de aplicação de novos conhecimentos ou soluções no intuito de atender
às necessidades e exigências do mercado. O processo de inovação requer
importantes variáveis, que o sistema de patentes facilita: o acesso a tecnologias
relevantes e a capacidade de controlar o uso de tais tecnologias.
• O desenvolvimento de produto: O desenvolvimento de produto é um processo de
criação de um produto com características novas e diferentes, que oferecem
benefícios novos ou adicionais ao consumidor. O processo pode envolver a
modificação de um produto existente ou a formulação de um produto inteiramente
novo que satisfaça uma nova necessidade do consumidor ou nicho de mercado.
Esses aspectos requerem a consideração estratégica e cautelosa de questões
relacionadas com patentes e outros aspectos da PI em termos de mecanismos de
proteção, acesso e direito de uso.
3.5. Breve introdução da Agenda da OMPI para o Desenvolvimento e suas relações com
as patentes
Como anteriormente apontado, o fundamento por trás da adoção da Agenda da OMPI para o
desenvolvimento está centrado na necessidade de recondicionar o sistema de PI para que ele
possa servir objetivos de desenvolvimento da sociedade mais abrangentes. Nesse contexto, a
Agenda da OMPI para o Desenvolvimento possui as seguintes abordagens:
Uma das maneiras nas quais um sistema de patentes pode contribuir para o desenvolvimento é
por meio do uso ou da aplicação de flexibilidades de patentes. As flexibilidades de patentes
podem ser definidas como as importantes opções administrativas e de aplicação de patentes
disponíveis aos países segundo os regimes internacionais de patentes, incluindo o Acordo
TRIPS. Segundo o sistema de flexibilidades, todos os países dispõem de uma margem para
desenvolver sistemas de proteção de patentes que, enquanto permanecem coerentes às
obrigações de patentes internacionais, são adaptados às condições e necessidades específicas
locais ou diversas. Portanto, segundo o quadro de flexibilidades de patentes, ao conceber e
implementar regimes de patentes, os países devem tomar importantes decisões a respeito do
tipo e da aplicação dos direitos de patentes conferidos, e dos processos ou requisitos legais que
devem ser cumpridos pelos depositantes.
O Acordo TRIPS introduz disposições especiais para questões relacionadas com: i) o alcance
dos direitos patentários (Artigo 27); ii) as invenções relacionadas com a saúde (Artigo 8); os
A questão das flexibilidades constitui um tema transversal, não somente entre os diversos
campos da propriedade intelectual, como também entre políticas de propriedade intelectual e
outras políticas afins. Entretanto, os Estados membros têm dado uma atenção especial à
implementação e ao uso das flexibilidades no campo das patentes, provavelmente porque os
elaboradores de políticas públicas e especialistas constatam uma necessidade de flexibilidades
em setores sensíveis, como a saúde, nos quais tais flexibilidades desempenham um papel
importante na elaboração de políticas de acesso aos medicamentos.
Preâmbulo do Acordo TRIPS: O Preâmbulo do Acordo TRIPS destaca seus dois objetivos:
As flexibilidades que se baseiam na matéria patenteável podem ser usadas para vários objetivos
de desenvolvimento, como nos seguintes casos:
Essa margem para a flexibilidade em matéria de políticas públicas e legislações é possível com
base na regra geral sobre matéria patenteável, segundo as disposições do Artigo 27 do Acordo
TRIPS.