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MÓDULO 8: AS FLEXIBILIDADES DAS PATENTES E OS OBJETIVOS DE

DESENVOLVIMENTO

Aviso: Este módulo requer aproximadamente 1,5 hora de estudo.

Objetivos de aprendizagem

Ao concluir este módulo, você deverá estar apto a:

1. explicar o conceito geral de desenvolvimento e a Agenda da OMPI para o


Desenvolvimento, em especial, sua relação com a proteção, a regulamentação e a
aplicação de patentes;

2. explicar o conceito de flexibilidades da PI e identificar as flexibilidades disponíveis em


diversos regimes internacionais de patentes; e

3. explicar o papel das flexibilidades na formulação de políticas nos âmbitos institucional e


nacional.

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1. Introdução a PI e Desenvolvimento – Foco especial em patentes

1.1 Introdução geral a PI e Desenvolvimento

Este módulo tem o objetivo de auxiliá-lo a entender a interface entre as patentes e algumas
questões mais abrangentes relacionadas com desenvolvimento na sociedade. Como viu na
introdução do Módulo 1, a questão sobre como os direitos de propriedade intelectual (DPI)
impactam os processos de desenvolvimento econômico e de crescimento tem sido objeto de
discussões há muito tempo. Existe uma série de variáveis que devem ser levadas em
consideração e, em muitos casos, as circunstâncias políticas e socioeconômicas prevalecentes
determinam até que ponto os DPI podem influenciar o processo de desenvolvimento.

O conceito de desenvolvimento é muito abrangente e pode ser classificado nos seguintes grupos:

• desenvolvimento econômico;
• desenvolvimento social e cultural; e
• desenvolvimento científico e tecnológico.

Esses grupos refletem uma abordagem recente, que busca adotar uma visão mais abrangente e
inclusiva de desenvolvimento. A expansão das capacidades humanas para atingir determinados
objetivos valiosos é considerada como a característica principal do desenvolvimento. Assim, os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) estabeleciam, para até 2015, as seguintes
metas, em vários níveis:

• erradicar a fome e a miséria;


• oferecer educação básica universal;
• promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres;
• reduzir a mortalidade infantil;
• melhorar a saúde mental;
• combater HIV/AIDS, a malária e outras doenças;
• garantir a sustentabilidade ambiental; e
• estabelecer uma parceria global para o desenvolvimento.

Diversos países adotaram políticas e medidas regulamentares para alcançar esses objetivos,
incluindo aqueles que são relevantes à área dos DPI.

Você já deve conhecer alguns dos componentes materiais e processuais do sistema dos DPI,
tais como o direito de autor, as marcas, as patentes e os desenhos industriais. Compreender o
papel de cada um desses subgrupos de PI nos processos de desenvolvimento é igualmente
importante, pois o ajudará a compreender como os diversos aspectos da propriedade intelectual
podem influenciar a elaboração de políticas nacionais e legislações em diferentes contextos
econômicos e sociais. Por exemplo, a proteção e a promoção eficaz dos direitos autorais podem
levar ao florescimento de indústrias criativas, a um melhor acesso a informações e a materiais
didáticos e à preservação da herança cultural, para citar apenas alguns benefícios. Esses
benefícios podem, por sua vez, levar à geração adicional de renda, bem como à criação de
empregos e da vida na sociedade, como um todo, além de serem indicadores importantes de
desenvolvimento em qualquer sociedade.

Pode-se dizer o mesmo a respeito do sistema de patentes. A capacidade produtiva de instituições


e economias depende em grande parte de seus esforços na área de pesquisa e desenvolvimento

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(P&D) e da capacidade de inovação existente em um determinado contexto. A capacidade de
inovação de uma determinada empresa ou nação está diretamente ligada ao sistema que
incentiva e respeita a inventividade. Portanto, o sistema de patentes serve para criar um
ambiente propício à inovação.

A fim de entender a maneira como o sistema de patentes pode contribuir para o desenvolvimento
social, é importante compreender os objetivos econômicos fundamentais da proteção dos DPI.

O primeiro objetivo é promover o investimento na criação de conhecimento e na inovação dos


negócios, estabelecendo um regime de direitos exclusivos para lidar com as tecnologias,
produtos e serviços recém-desenvolvidos. Isto é fruto do reconhecimento de que o
desenvolvimento ou a criação de novas ideias envolveria normalmente um grande investimento
antecipado. Deste modo, aqueles que investiram na criação de tais ideias novas e inovadoras
devem poder beneficiar-se delas com, entre outros, a aquisição temporária dos direitos
exclusivos sobre essas inovações, podendo proibir ou excluir terceiros da fabricação, utilização,
colocação à venda, comercialização ou importação de produtos ou processos patenteados sem
o consentimento do titular da patente. Na ausência de tais direitos, informações economicamente
valiosas poderiam ser apropriadas sem compensação por concorrentes inescrupulosos. Sem
essa proteção, indivíduos e instituições estariam menos inclinados a cobrir os custos do
investimento em pesquisa e em atividades de comercialização. Portanto, em termos econômicos,
DPI fracos e ineficientes criam um fator externo dinâmico negativo 1.

A maioria das empresas e das instituições que estrategicamente implementaram abordagens de


patentes eficazes observaram, entre outras coisas:

• um aumento na produção – com a implementação de novas técnicas de produção;


• um expansão do negócio – acesso a novos mercados e retenção de nichos de mercado;
• novas fontes de geração de renda – por meio do licenciamento de patentes;
• a criação de empregos – uma vez que mercados expandidos recorreram a novos centros
de operação que, por sua vez, precisaram de novos empregados; e
• a transformação da vida social – o sistema de patentes contribui para todas as inovações
tecnológicas recentes que transformaram a vida em muitas sociedades, tais como os
novos sistemas monetários e de pagamento e as redes sociais e outros meios de
comunicação. Mesmo que a utilidade e os benefícios dessas inovações possam ser
questionados, há um consenso geral de que os mesmos de fato desempenham um papel
na transformação da vida social na sociedade.

O segundo objetivo subjacente ao regime de PI recai sobre a necessidade de promover a ampla


divulgação de novos conhecimentos incentivando os titulares de direitos a colocarem suas
invenções e ideias inovadoras em registros publicamente acessíveis. O sistema de patentes faz
isso exigindo que os depositantes divulguem completamente as informações de suas invenções.
Nesse sentido, é óbvio que, embora ninguém possa usar as informações contidas no pedido de
patente sem a autorização do inventor ou do depositante, é possível ter acesso a essas
informações por meio de uma busca de patentes ou de uma consulta dos registros. É assim que

1
Para mais detalhes, leia o artigo de Keith E. Maskus, Intellectual Property Rights and Economic Development, 2002,
preparado para a série “Beyond the Treaties: A Symposium on Compliance with International Intellectual Property Law”,
organizada pelo Fredrick K. Cox International Law Center na Case Western Reserve University.

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o sistema de patentes facilita o acesso e o compartilhamento de informações técnicas – o que
por si só é crucial para o progresso da ciência e da tecnologia.

Agora que você já aprendeu quais são os objetivos subjacentes do sistema de patentes, talvez
já consiga perceber o potencial equilíbrio operacional entre esses dois objetivos. Por um lado,
pode-se afirmar que um sistema de patentes excessivamente protetor pode resultar na limitação
dos ganhos sociais derivados das atividades inventivas, por reduzir os incentivos à divulgação
de seus frutos. Por outro lado, um sistema de patentes excessivamente fraco pode reduzir a
inovação por não oferecer o retorno adequado sobre o investimento em P&D. Assim, deve-se
encontrar um equilíbrio estratégico da política que seja concomitante e adequado às condições
econômicas e sociais prevalecentes em contextos específicos de produção.

Para que o sistema de patentes possa contribuir para o desenvolvimento social, a intervenção
governamental por meio da implementação de políticas e de atos legislativos e administrativos é
crucial. Os formuladores de políticas públicas precisam compreender, em seus contextos, as
dinâmicas sociais, econômicas, técnicas e concorrenciais que, por sua vez, servirão para instruir
os formuladores de políticas a respeito das decisões apropriadas que o governo deve tomar em
relação às patentes. Feito isso, será relativamente fácil integrar o sistema de patentes ao
processo de produção e aos níveis institucional e individual.

1.1. O conceito de desenvolvimento

O significado do termo “desenvolvimento” tem sido discutido há muito tempo, sem que nunca se
tenha chegado a um consenso sobre o que o termo representa. Esta é a opinião compartilhada
e refletida no Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH) do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), de 1990, que contém o seguinte parágrafo:

“Embora o desenvolvimento tenha sido uma preocupação constante dos


legisladores, economistas e outros cientistas sociais – e tenha influenciado a vida
de um número inédito de pessoas –, não houve muito entendimento a respeito do
que constitui desenvolvimento e sobre como ele pode ser mais bem mensurado e
alcançado. Uma razão para essa falta de entendimento é que a insatisfação com
a cadência e o caráter da mudança econômica e social despertou um desejo de
redefinição dos objetivos e das medidas do desenvolvimento.” (PNUD 1990, 104)

A evolução da economia mundial está criando desafios e oportunidades inéditas para o


progresso contínuo no desenvolvimento humano. A economia global e as estruturas políticas
estão em fluxo num momento em que o mundo encara crises econômicas recorrentes, agravando
as mudanças climáticas e a crescente agitação social. Instituições internacionais parecem
incapazes de lidar com a mudança nas relações de poder, de garantir a adequada provisão de
bens públicos mundiais para enfrentar os desafios mundiais e regionais ou atender à crescente
necessidade de uma maior equidade e sustentabilidade.

Este fenômeno apresenta uma oportunidade: os princípios que motivaram as instituições após a
Segunda Guerra Mundial e guiaram legisladores precisam ser reajustados, para lidarem com a
crescente diversidade de vozes e poderes e para sustentar o progresso do desenvolvimento a
longo prazo. Esses princípios precisam ser reconsiderados, e as instituições internacionais
precisam de maior flexibilidade para reforçar diretivas que priorizem as pessoas e impulsionem
as instituições a buscarem ativamente um mundo mais justo e solidário. Potencialmente, a
crescente diversidade nos padrões de desenvolvimento está criando espaço, e até mesmo
exigências, para um diálogo e uma reestruturação mundiais desse tipo.

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Apesar do debate existente sobre o que constitui desenvolvimento, o conceito de
desenvolvimento está evoluindo. A velha guarda costuma restringir esse conceito ao conceito de
desenvolvimento econômico. Contudo, temos visto recentemente que o conceito não é mais
abordado apenas como um fenômeno puramente econômico, mas como um processo
multidimensional envolvendo a reorganização e a reorientação de sistemas econômicos e sociais
inteiros. O desenvolvimento é o processo de melhoria da qualidade de todas as vidas humanas
em três aspectos igualmente importantes. São eles:

• elevar o padrão de vida das pessoas – ou seja, a renda e o consumo, o ambiente


onde vivem, níveis de alimentação, assistência médica e educação – por meio de
processos de crescimento relevantes;
• criar condições que conduzam ao aumento da autoestima das pessoas por meio do
estabelecimento de sistemas e instituições econômicas, políticas e sociais que
promovam a dignidade humana e o respeito; e
• aumentar a liberdade de escolha das pessoas ao ampliar a gama de suas variáveis
de opção, por exemplo, a variedade de bens e serviços.

Recentemente, chegou-se a um entendimento mais refinado do termo desenvolvimento que


levou à introdução de novas expressões como “desenvolvimento sustentável”. O
desenvolvimento sustentável refere-se ao modo de desenvolvimento humano no qual os
recursos disponíveis (escassos, segundo as teorias econômicas) são utilizados de uma maneira
otimizada para atender as necessidades humanas; uma maneira que, ao mesmo tempo, garante
a sustentabilidade dos sistemas naturais e do meio ambiente, a fim de que essas necessidades
sejam supridas não apenas no presente, mas também para gerações futuras.

Entender como o sistema de patentes constitui uma parte integrante do processo de


desenvolvimento é, portanto, muito importante.

1.2. O papel das patentes no desenvolvimento

Agora que você tem um melhor entendimento do termo desenvolvimento, o objetivo da presente
seção deste módulo é ajudá-lo a compreender o papel das patentes no processo de
desenvolvimento. Como já deve ter observado, o conceito de desenvolvimento é muito amplo.
Existe uma série de variáveis que são cruciais para o desencadeamento do crescimento em
termos econômicos e sociais. Por exemplo, os economistas reconhecem diversos canais por
meio dos quais as patentes podem estimular o desenvolvimento econômico e o crescimento.
Como esses canais são, por vezes, interdependentes, é importante para os formuladores de
políticas e para os planejadores do desenvolvimento compreenderem a interface entre as
patentes e o desenvolvimento, de modo a poderem elaborar as políticas de incentivo adequadas
para promover a integração de patentes e estratégias de desenvolvimento.

Sem dúvida, o impacto das patentes e do desenvolvimento pode variar, e realmente varia, de
país para país, mas há mesmo assim um crescente consenso de que, em última análise, adotar
um regime de patentes estratégico geralmente conduz ao desenvolvimento. As abordagens
institucionais e nacionais de predileção podem variar de acordo com o nível de desenvolvimento
e com os quadros institucionais. Por exemplo, os países em desenvolvimento e os países menos
desenvolvidos (PMD) podem preferir ter um sistema de patentes que favoreça a difusão de
informações por meio da imitação, de baixo custo, de produtos e tecnologias estrangeiras.

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Tal abordagem política pode ser selecionada em casos em que as capacidades inventivas
nacionais e os potenciais de inovação locais não são suficientemente desenvolvidos para
justificar a proteção excessiva das patentes. Contudo, até mesmo em situações em que há um
baixo nível de inovação e uma fraca relação entre as instituições de pesquisa e a indústria, DPI
inadequados podem impedir a ocorrência de mudanças técnicas essenciais para o
desenvolvimento. Isso deve-se parcialmente ao fato de que a maioria das invenções e das
inovações em produtos é voltada para mercados locais e poderia beneficiar-se da proteção
nacional de patentes. Além disso, na ausência de uma proteção de patentes eficaz, as empresas
e instituições locais podem se encontrar em uma posição de desvantagem em relação às
empresas estrangeiras que, na maioria dos casos, possuem a proteção de suas invenções
inclusive em jurisdições estrangeiras.

Duas importantes variáveis do desenvolvimento ilustram o papel significativo que as patentes


desempenham:

• O incentivo à inovação: De forma simples, a inovação pode ser definida como sendo
o processo de aplicação de novos conhecimentos ou soluções no intuito de atender
às necessidades e exigências do mercado. O conceito de inovação pode adquirir
diferentes formas, inclusive tecnologias inovadoras, bem como competências e
práticas de gestão. O processo de inovação requer importantes variáveis, como o
acesso a tecnologias relevantes e a capacidade de controlar o uso de tais tecnologias.
Como já visto nos módulos anteriores, o sistema de patentes facilita a realização
dessas duas importantes variáveis. Os bancos de dados de patentes constituem ricas
fontes de informações sobre patentes e invenções, que podem ser utilizadas para
futuras inovações. O sistema de proteção de patentes permite que as empresas
recuperem o custo do investimento que possam ter feito no processo de P&D. A este
respeito, as patentes contribuem, portanto, para o incentivo à inovação.

• O desenvolvimento de produto: O desenvolvimento de produto é um processo de


criação de um produto com características novas e diferentes, que oferecem
benefícios novos ou adicionais ao consumidor. O processo pode envolver a
modificação de um produto existente ou a formulação de um produto inteiramente
novo que satisfaça uma nova necessidade do consumidor ou nicho de mercado. A
modificação de um produto normalmente envolve a introdução de novas
características funcionais ou técnicas. Isso também ocorre com a formulação de um
novo produto: haverá questões relacionadas com novas tecnologias e, em alguns
casos, com tecnologias complementares que devem ser adotadas ou integradas ao
desenvolvimento de um novo produto. Todos esses aspectos requerem a
consideração estratégica e cautelosa de questões relacionadas com patentes e
outros aspectos da PI, em termos de mecanismos de proteção, acesso e direito de
uso.

Reconhecidamente, na maioria dos casos, a invenção comporta adaptações mínimas de


produtos e tecnologias existentes. Quando isso ocorre, os impactos cumulativos dessas
pequenas invenções podem ser cruciais para o aumento dos conhecimentos e da atividade
produtiva de uma empresa ou instituição de pesquisa. Outras apreciações igualmente
importantes devem ser consideradas para que a produtividade global aumente. Essas
considerações podem implicar a adoção de novos sistemas organizacionais e de gestão para
controles tecnológicos e técnicas de controle de qualidade que podem claramente aumentar a
produtividade. Pesquisas indicam que, se por um lado tais investimentos são custosos, no final
tendem a ter alto retorno social, pois são cruciais para o aumento da produtividade até mesmo

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em países com capacidade industrial limitada 2. Esses investimentos são mais suscetíveis de
serem realizados em um ambiente em que os riscos de concorrência desleal e de violação de
patentes são reduzidos.

Por outro lado, países com fracos padrões podem permanecer dependentes de empresas
dinamicamente ineficazes que contam com falsificações e imitações. A longo prazo, isso pode
prejudicar o processo de desenvolvimento limitando o crescimento e as bases das capacidades
de inovação locais.

Um exemplo desse processo é que o fato de que a proteção de modelos de utilidade tem
mostrado melhoras na produtividade em países com tecnologias atrasadas. No Brasil, os
modelos de utilidade ajudaram os produtores nacionais a ganhar uma parte significativa do
mercado de maquinário agrícola ao incentivar a adaptação de tecnologias estrangeiras às
condições locais; nas Filipinas, eles incentivaram com sucesso a invenção adaptativa dos
debulhadores de arroz.

QUESTÃO DE AUTOAVALIAÇÃO

QAA 1: Em até 100 palavras, explique como um sistema de patentes apropriado pode contribuir
para o desenvolvimento.

Digite aqui sua resposta.

Resposta modelo para QAA 1:

Uma das formas de a intervenção estratégica de patentes contribuir para o desenvolvimento é


por meio do fornecimento do espaço necessário para a adoção de políticas em matéria de
inovação local. Isso pode ser feito por meio de esforços deliberados para facilitar o acesso a
invenções que estejam em domínio público ou à negociação de licenças gratuitas. As patentes
também desempenham um papel no âmbito das empresas alavancando a inovação,
melhorando o processo e as técnicas de produção e a expansão do negócio, também podendo

2
Evenson, R., Westphal, L. (1995) Technological change and technology strategy, in: T.N. Srinivasan
and J. Behrman (eds.) Handbook of Development Economics, Vol. 3 (Amsterdam: North Holland).

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ser utilizadas para controlar o mercado, se a empresa tiver o monopólio das principais
tecnologias.

1.3. Breve introdução à Agenda da OMPI para o desenvolvimento e suas relações com
as patentes

A Agenda para o desenvolvimento (AD) adotada pela Assembleia Geral da OMPI em setembro
de 2007 contém 45 recomendações (das 111 propostas originais), divididas em 6 categorias.
Seu objetivo é garantir que considerações sobre o desenvolvimento sejam parte integrante do
trabalho da OMPI. Enquanto tal, é uma questão transversal que se refere a todos os setores da
OMPI. Dessas recomendações, a Assembleia identificou um total de 19 que requerem imediata
implementação. Isso não sugere, de maneira alguma, que as 26 restantes sejam menos
importantes ou menos prioritárias. As 19 recomendações foram essencialmente escolhidas
porque sua implementação não requer o emprego imediato de pessoal nem de recursos
financeiros adicionais 3.

As seis categorias da Agenda da OMPI para o desenvolvimento cobrem os seguintes grandes


temas:

A. Assistência técnica e capacitação


B. Estabelecimento de normas, flexibilidades, políticas públicas e domínio público
C. Transferência de tecnologia, tecnologias da informação e comunicação (TIC) e acesso
ao conhecimento
D. Avaliação e estudos de impacto
E. Questões institucionais, inclusive mandato e governança
F. Outras questões

Quando a Agenda da OMPI para o desenvolvimento foi adotada, os Estados membros também
aprovaram a recomendação para estabelecer um Comitê sobre Desenvolvimento e Propriedade
Intelectual (CDIP, na sigla em inglês), que lida atualmente com a questão e apresenta propostas
à Assembleia Geral.

O objetivo principal da adoção da Agenda para o Desenvolvimento pela OMPI foi recondicionar
o enquadramento de base do sistema de PI para que ele possa servir e ajudar a alcançar os
objetivos mais abrangentes do desenvolvimento da sociedade. A Agenda para o
Desenvolvimento busca alcançar isto por meio de várias ferramentas de DPI, não apenas para
o crescimento econômico em uma determinada sociedade ou Estado, mas também para fazer
com que o sistema de DPI sirva como veículo para a melhoria de setores como a saúde, a
educação e a pesquisa, o meio ambiente, a transferência de tecnologia e a autonomia.

A Agenda da OMPI para o Desenvolvimento se distancia da acepção internacional dos DPI após
o Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (o Acordo
TRIPS), de “UMA SOLUÇÃO ADAPTADA A TODOS”, para uma abordagem mais inclusiva e
específica a cada país, na qual se é chamado a elaborar regimes de PI e a implementar
estratégias de acordo com os ambientes social e econômico de um determinado país.

3
Consulte o Relatório de Implementação Preliminar relativo às 19 propostas estabelecido em 28 de fevereiro de
2008, disponível em: http://ip-watch.org/files/WIPO%20comments%20on%20DA%20recs%20-%20part%20201.pdf

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Contudo, isso não quer dizer que a Agenda da OMPI para o Desenvolvimento visa reduzir as
restrições do sistema de aplicação internacional dos DPI para os Estados membros. Destina-se,
sobretudo, ao estabelecimento de uma abordagem flexível orientada para o desenvolvimento,
que possa ser empregada pelos Estados membros na implantação de suas obrigações em
matéria de PI. Em outras palavras, a Agenda da OMPI para o Desenvolvimento apresenta uma
mudança de paradigma em que o sistema de DPI não deve ser visto como um fim em si, mas
como um meio para o alcance do bem-estar público.

Por esse motivo, a Agenda da OMPI para o Desenvolvimento busca:

1) estabelecer uma reflexão sobre o equilíbrio tradicional entre o interesse público e o


privado dos titulares de direitos de PI;

2) reconhecer a soberania dos Estados membros na implementação de leis e obrigações


relativas à PI, de acordo com suas prioridades nacionais e com os níveis de
desenvolvimento econômico; e

3) garantir que a legislação nacional existente defenda o interesse público e que os novos
tratados não impeçam a capacidade dos governos de fazerem uso das flexibilidades
previstas nos instrumentos existentes para atender a suas necessidades nacionais.

1.3.1. Fundamentação para a adoção da Agenda da OMPI para o Desenvolvimento:

Como anteriormente apontado, o fundamento por trás da adoção da Agenda da OMPI para o
Desenvolvimento está centrado na necessidade de recondicionar o sistema de PI para que ele
possa servir objetivos de desenvolvimento da sociedade mais abrangentes. Nesse contexto, a
Agenda da OMPI para o Desenvolvimento possui as seguintes abordagens:

1) processo participativo e inclusivo: envolvimento dos países em desenvolvimento


e dos países menos desenvolvidos no processo de fixação de normas;

2) abordagens específicas aos países: levar em consideração as condições locais


prevalecentes;

3) objetivos a curto e a longo prazo: consciência de que há recursos limitados;

4) princípio da harmonização: a PI deve ser integrada ao desenvolvimento de


estratégias e políticas nacionais mais abrangentes;

5) de largo alcance: a Agenda da OMPI para o desenvolvimento fornece uma


plataforma para a discussão e o desenvolvimento de regimes regulatórios para
novas fronteiras e aspectos da PI – tais como a proteção dos conhecimentos
tradicionais.

2. Flexibilidades das patentes nos DPI

2.1. Breve introdução

Uma das maneiras nas quais um sistema de patentes pode contribuir para o desenvolvimento é
por meio do uso ou da aplicação de flexibilidades de patentes.

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O conceito de flexibilidades: As flexibilidades de patentes podem ser definidas como as
importantes opções administrativas e de aplicação de patentes disponíveis aos países segundo
os regimes internacionais de patentes, incluindo o Acordo TRIPS. Segundo o sistema de
flexibilidades, todos os países dispõem de uma margem para desenvolver sistemas de proteção
de patentes que, enquanto permanecem coerentes às obrigações de patentes internacionais,
são adaptados às condições e necessidades específicas locais ou diversas. Portanto, segundo
o quadro de flexibilidades de patentes, ao conceber e implementar regimes de patentes, os
países devem tomar importantes decisões a respeito do tipo e da aplicação dos direitos de
patentes conferidos, e dos processos ou requisitos legais que devem ser cumpridos pelos
depositantes.

As flexibilidades podem ser usadas não só para optar pelo padrão inferior mínimo permitido em
relação a certos aspectos, mas também por um padrão mais elevado, se isto for permitido pela
política do país. Os padrões mais elevados permitiram que alguns países em desenvolvimento
concordassem com o compromisso TRIPS plus em diversas categorias de DPI, incluindo as
patentes.

No final, as escolhas feitas devem visar permitir que o sistema de inovação local adapte as
tecnologias existentes de maneira a aumentar as capacidades de produção e as necessidades
da indústria local.

Esta seção descreve as flexibilidades previstas nos principais instrumentos e regimes


regulatórios internacionais de patentes, designadamente: o Acordo sobre os aspectos dos
direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o comércio (Acordo TRIPS), de 1994, que
inclui disposições da Convenção de Paris para a proteção da propriedade industrial, de 1883,
entre outros tratados administrados pela OMPI.

Desde logo, convém observar que a inclusão das flexibilidades nesses instrumentos
internacionais é o resultado de um esforço conjunto e, por vezes, de extensos debates entre os
Estados membros. Neste sentido, pode-se dizer que essas flexibilidades são um consenso, ou
melhor, concessões que foram acordadas, explícita ou implicitamente, pelos Estados membros.
Considerando os diferentes níveis de desenvolvimento e estruturas econômicas dos membros
desses acordos, acredita-se que a inclusão de flexibilidades fornece uma plataforma essencial
na qual as condições de cada país podem ser acomodadas no âmbito das obrigações.

2.2. Flexibilidades na Convenção de Paris para a proteção da Propriedade Industrial

Como você já aprendeu no presente curso, a Convenção de Paris foi a primeira convenção
internacional abrangente em matéria de Propriedade Industrial, aprovada e assinada em uma
Conferência Diplomática realizada em Paris, em 1883.

Há um grande nível de flexibilidade na implementação das obrigações no âmbito da Convenção


de Paris. Seus membros, que formam a União de Paris, gozam de uma grande margem no que
diz respeito às abordagens de conformidade. Este espaço para política pública conferido aos
membros da União costumava ser chamado pelos acadêmicos e especialistas de assimetrias da
Convenção de Paris 4. Já o termo mais recente, flexibilidades, é principalmente usado para se
referir ao espaço para políticas públicas conferido pelo Acordo TRIPS.

4
Em alguns setores, prefere-se o termo “assimetrias” porque ele comporta uma referência às desigualdades em
matéria de desenvolvimento entre os membros da União, que levaram à inclusão de disposições que deixam

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2.2.1. Flexibilidades no âmbito dos direitos de patentes

Segundo a Convenção de Paris, mais especificamente nos termos do Artigo 1 (3), os membros
da União recebem espaço para o estabelecimento de políticas que determinem o que deve
constituir matéria patenteável. Os membros da União dispõem, assim, de espaço para legislar e
definir políticas em matéria de patentes que reflitam as condições de obtenção de patentes no
seu país, em função de suas necessidades sociais e econômicas. Um bom exemplo disso é a
jurisprudência estadunidense em matéria de patentes, e mais especificamente, a famosa decisão
da Suprema Corte dos EUA no caso Diamond v. Chakrabarty (1980), no qual essa alta jurisdição
decidiu que organismos vivos constituem matéria patenteável segundo a lei de patentes
estadunidense. A Suprema Corte estabeleceu aquilo que pode ser considerado como uma
abordagem “aberta” a respeito do objeto patenteável ao declarar que “tudo o que se encontra
sob o Sol, feito pela mão do homem” pode ser patenteado. Este é um caso clássico em que a
autoridade judicial adotou uma abordagem abrangente na interpretação de matéria patenteável.

2.2.2. Flexibilidades nos padrões mínimos de patentes

As opções de implementação desfrutadas pelos membros da União de Paris emanam da


aplicação do princípio do tratamento nacional, como estabelecido em seu artigo 2(1). Com base
nesse princípio, os países têm a liberdade para estabelecer seus próprios padrões de proteção
de patente em sua legislação nacional, que também será aplicável aos demais membros da
União. Contudo, caso nenhuma proteção esteja disponível aos seus próprios nacionais – por
exemplo, pelo fato de a invenção estar excluída da patenteabilidade – o mesmo padrão é
aplicável a nacionais de outros países. Desta forma, se produtos farmacêuticos são excluídos
em um determinado país, nenhum nacional deste país ou de qualquer outro país poderá obter a
proteção para suas invenções desse tipo de produto, sem contrariar a Convenção de Paris.

2.2.3. Flexibilidades no uso e na aplicação

a) Licença compulsória e uso governamental

A relação entre a proteção de patentes e o interesse público resultou na adoção de certas


flexibilidades no uso e na aplicação dos direitos de patentes. Um bom exemplo é a disposição
relativa ao licenciamento compulsório de patentes. A licença compulsória, contida no artigo 5 (2)
da convenção permite aos membros adotar medidas legislativas prevendo a concessão de
licenças obrigatórias para prevenir os abusos relacionados com o exercício dos direitos de
patentes.

Na maioria das jurisdições, a legislação nacional de patentes incorporou disposições sobre o


licenciamento compulsório. A política subjacente para o licenciamento compulsório baseia-se na
busca pelo equilíbrio entre os direitos privados (na forma de direitos de monopólio protegidos por
patente) e os direitos públicos (na forma de um direito de acessar determinados serviços cuja
disponibilidade possa depender de direitos de patente). A flexibilidade na licença compulsória
também visa evitar possíveis abusos de direitos de patentes por parte dos titulares de patentes

espaço para os membros da união levarem em consideração suas próprias condições econômicas e sociais no
tratamento de suas prioridades no momento de implementar as obrigações no âmbito de convenções.

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que possam desarrazoadamente recusar a concessão de uma licença a um fabricante nacional
ou insistir na aplicação de termos exorbitantes para o licenciamento.

Em alguns casos extremos de abuso flagrante, e em que a licença compulsória não seria o
suficiente para impedir o abuso, confere-se aos membros da União mais flexibilidade, o que pode
implicar a caducidade da patente (Artigo 5 (3)).

Vimos o quadro em que a flexibilidade relativa à licença obrigatória pode ser exercida pelos
membros da União de Paris. Contudo, é importante ressaltar as restrições às quais deve aderir
um país que invoca as disposições do licenciamento compulsório. A concessão de uma licença
compulsória está sujeita às seguintes condições:

o a existência de um sério perigo público, cuja solução dependa do uso de uma


determinada invenção protegida por uma patente;
o a existência de provas de que tentativas foram feitas para requerer a licença junto
ao titular da patente em termos que estejam de acordo com a capacidade
financeira do licenciado;
o o titular da patente ter recusado a concessão de uma licença nos referidos
termos;
o a concessão de uma licença compulsória deve observar o devido processo legal;
o o uso dos produtos ou processos da referida patente deve destinar-se ao
consumo local;
o uma vez extinto o perigo público, a licença compulsória deve ser suspendida
imediatamente;
o uma licença compulsória desse tipo é não exclusiva e intransferível, não sendo
permitido o sublicenciamento, exceto para a parte da empresa ou do
estabelecimento comercial que explora a licença.

b) Exaustão dos direitos

Como já foi mencionado no presente curso, a exaustão de direitos é o princípio do direito da


Propriedade Intelectual que postula que, uma vez que um produto protegido por um direito de PI
é comercializado pelo titular da PI ou por um terceiro com o consentimento daquele, os direitos
de exploração comercial sobre esse determinado produto não mais podem ser exercidos pelo
titular da PI, pois estes foram “exauridos”. Algumas vezes, essa limitação também é chamada de
“doutrina da primeira venda”, pois os direitos da exploração comercial de um determinado
produto acabam com a sua primeira venda.

Alguns países podem optar por legislar sobre a aplicabilidade da doutrina da exaustão com base
nas necessidades imperativas da época. Dessa maneira, o uso da flexibilidade na exaustão dos
direitos de patentes pode ampliar o acesso a produtos essenciais cujos direitos foram exauridos.

2.3. As Flexibilidades no Acordo TRIPS

O preâmbulo do Acordo TRIPS estabelece a base para a inclusão de flexibilidades na aplicação


do Acordo. Nele, reconhece-se a necessidade de meios eficazes e apropriados para a aplicação
de direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio que levem em consideração
as diferenças dos diversos sistemas jurídicos nacionais. O Preâmbulo do Acordo afirma, também,
que entre os objetivos subjacentes de políticas públicas dos sistemas nacionais para a proteção
da propriedade intelectual devem estar incluídos os objetivos tecnológicos e de desenvolvimento.
Para além disso, o Acordo reconhece que os Países membros menos desenvolvidos, em

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específico, necessitam de uma flexibilidade máxima na implementação interna de leis e
regulamentos, que lhes possibilite a criação de uma base tecnológica saudável e viável.

É nesse sentido que o Artigo 1° do Acordo TRIPS estabelece que os membros podem
implementar, em sua legislação, uma proteção mais ampla por qualquer método que considerem
adequado desde que não contrarie as disposições do Acordo.

Portanto, já no início, o Acordo TRIPS introduz um dispositivo para o enquadramento das


flexibilidades. Nas seções a seguir, vamos nos concentrar no estudo de algumas das
flexibilidades disponíveis no âmbito do Acordo TRIPS, e nesse processo, você deve poder
determinar como elas podem ser aproveitadas para promover o desenvolvimento em uma
determinada sociedade.

2.3.1. Flexibilidade no escopo dos direitos patentários

Uma das disposições relevantes relativas ao escopo dos direitos encontra-se no Artigo 27 do
Acordo TRIPS. Regra geral, o Artigo 27 estipula que as patentes devem estar disponíveis para
qualquer invenção em qualquer área tecnológica. Trata-se de uma interpretação muito ampla de
matéria patenteável.

Contudo, enquanto o Artigo 27(1) confere direitos patentários de tal amplitude, o Acordo
reconhece que os Estados membros podem ter necessidades especiais próprias, as quais talvez
exijam abordagens específicas ao cumprimento de suas obrigações. Por exemplo, o Artigo
27(3)(b) permite (mas não obriga) que membros da OMC excluam vegetais da proteção
patentária. Além disso, os países que optarem pela implementação dessa exceção estão
autorizados a excluir tanto plantas obtidas por meio de processos convencionais de cultivo como
cultivares obtidos por meio de engenharia genética.

No âmbito do Acordo TRIPS, é possível conceder proteção patentária sobre micro-organismos.


Porém, a obrigação de se protegerem micro-organismos limita-se a organismos não visíveis a
olho nu, como bactérias, vírus ou fungus, contanto que constituam uma "invenção" que preencha
os requisitos de patenteabilidade. A obrigação não se estende a micro-organismos encontrados
na natureza, ainda que isolados. Tampouco se estende a células ou genes, que "são entidades
que ocorrem naturalmente e estão aí para serem descobertas, da mesma forma que novas
espécies ou novos planetas".

Em algumas jurisdições, como Europa e Estados Unidos, genes isolados para os quais se
identificou uma função foram considerados patenteáveis. Essa abordagem influenciou leis e
práticas patentárias em muitos países. Contudo, vem sendo questionada cada vez mais nos
últimos anos.

Uma questão importante é se a possibilidade de se proibirem patentes para plantas pode ser
considerada aplicável também a células, genes e outros componentes celulares vegetais. Seria
possível argumentar que nenhum desses componentes são "plantas" e, portanto, não são
afetados pela exclusão estipulada no Artigo 27.3(b). Porém, patentear tais componentes (ainda
que modificados) pode equivaler a patentear a planta em si, uma vez que o titular estará
autorizado a impedir atos comerciais relacionados a qualquer planta que contenha a matéria
patenteada e, portanto, a anular, na prática, a exclusão referente às patentes de plantas. Isso
pode acontecer até mesmo quando um gene modificado ou uma construção genética artificial é
incorporada na planta (cujo genótipo pode conter vários milhares de genes codificadores).

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2.3.2. Flexibilidade sobre patentes de invenções relacionadas com a saúde

A premissa na qual está fundamentado o Acordo TRIPS é apresentada em seu Artigo 8, que
permite aos membros adotar medidas para proteger a saúde e nutrição públicas e para promover
o interesse público em setores de importância vital.

Imediatamente após a adoção do Acordo TRIPS, surgiram problemas em grande parte devido
ao valor considerado proibitivo dos antirretrovirais patenteados, bem como de outros
medicamentos utilizados no tratamento de infecções oportunistas. Os elevados preços desses
medicamentos comprometeram seriamente a capacidade de governos, comunidades e outros
atores do setor da saúde dos países em desenvolvimento de administrarem, de forma eficaz, a
epidemia de HIV/AIDS. A disparidade dos custos praticamente privava a maioria dos portadores
da doença, nesses países, do acesso aos melhores tratamentos disponíveis. É importante
lembrar, porém, que os problemas de custos não se limitam a HIV/AIDS e a outras doenças
politicamente visíveis, como a malária ou a tuberculose.

O debate internacional sobre as implicações do Acordo TRIPS para o acesso aos medicamentos
essenciais culminou na Quarta Sessão da Conferência Ministerial da OMC, em Doha, na qual os
países em desenvolvimento se confrontaram com os países desenvolvidos num debate acirrado
sobre a interpretação e o alcance das flexibilidades do Acordo TRIPS, e como elas poderiam ser
utilizadas para atender às necessidades em matéria de saúde pública nos países desenvolvidos.

A Declaração de Doha, adotada na Conferência, representa um acordo final entre os dois


referidos grupos de países, segundo o qual as considerações em matéria de saúde pública
condicionam o grau de aplicabilidade das regras da proteção patentária.

Trata-se, portanto, de uma conquista significativa para os países em desenvolvimento, no que


diz respeito ao uso das flexibilidades tais como previstas no Acordo TRIPS, particularmente em
matéria de patentes farmacêuticas. Ela atesta a necessidade de cooperação entre os países do
sul na busca de soluções para aliviar sua carga de doença.

2.3.3. Processos essencialmente biológicos

Além dos pontos acima, o Artigo 27.3(b) do Acordo TRIPS permite a exclusão de
patenteabilidade no caso de "processos essencialmente biológicos" para a reprodução de
vegetais. O significado de "processos essencialmente biológicos" – conceito originado na
Convenção Europeia de Patentes (CEP) – foi analisado em muitas decisões do Instituto Europeu
de Patentes (IEP), sempre com interpretações bastante restritas.

Com base na jurisprudência do IEP (principalmente os casos do tomate e do brócolis, G1/08 e


G2/07), está agora claro que a justificação da patenteabilidade em caso de processos biológicos
essenciais requer que se demonstre a ocorrência de uma intervenção humana significativa que
seja mais que um processo baseado única e principalmente nas etapas de cruzamento e seleção.
Na prática, é provável que seja necessária a existência de uma etapa de modificação genética
nas etapas iniciais de cruzamento e de seleção. Esta decisão, portanto, pode vir a excluir da
patenteabilidade até métodos extremamente técnicos de obtenção de cultivares.
Consequentemente, muito mais depositantes deverão pensar em recorrer ao Instituto
Comunitário das Variedades Vegetais para proteger qualquer cultivar obtido.

A experiência acima mencionada ilustra a enorme margem para a elaboração de políticas


públicas, prevista no Acordo TRIPS, que, para os países em desenvolvimento pode relevar-se

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essencial para o alcance de uma série de objetivos de desenvolvimento, incluindo a segurança
alimentar e a melhoria da produtividade agrícola.

2.3.4. Flexibilidades das patentes relativas a novas variedades vegetais

Segundo o Artigo 27(3)(b) do Acordo TRIPS, as leis locais podem prever patentes, uma
combinação de PVP (proteção de obtenção de vegetais) e/ou formas sui generis de proteção,
moldadas ou não no contexto da Convenção UPOV. Ao selecionarem a forma de proteção, os
países podem decidir excluir novas variedades vegetais da proteção patentária ou estabelecer
um âmbito jurídico na lei de patentes.

Atualmente, muitos países excluem novas variedades vegetais da proteção patentária, tendo
decretado leis individuais para questões envolvendo novas variedades vegetais. As razões
subjacentes para a exclusão de novas variedades vegetais podem variar de país para país. No
entanto, do ponto de vista de uma lei substantiva, pode-se alegar que os requisitos de
patenteabilidade (principalmente a etapa inventiva), que constituem um dos pilares da lei de
patentes, não somente parecem inadequados para variedades vegetais, como também podem,
tendo em vista o alcance dos direitos geralmente concedidos via patentes, deter o avanço da
pesquisa e a obtenção de cultivares com materiais protegidos, bem como reduzir o direito de
agricultores ao armazenamento e à reutilização de sementes. Tal resultado pode ser
contraproducente e explica por que muitos países preferiram um sistema sui generis, para
acomodarem os objetivos de desenvolvimento.

2.3.5. Exceções com base em ordem Pública e Moralidade

O Artigo 27.2 do Acordo TRIPS estatui a possibilidade de se recusarem patentes para invenções
cuja exploração comercial "seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a moralidade,
inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios
prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas porque a
exploração é proibida por sua legislação".

A exceção com base no princípio de ordem pública ou moralidade para evitar a concessão de
patentes relacionadas com plantas foi invocada em tribunais nacionais, em determinadas
circunstâncias, porém com sucesso limitado. No caso da Plant Genetic Systems, a Câmara de
Recurso do IEP estabeleceu que a invenção (uma planta geneticamente modificada) não foi
usada de forma inadequada e não tinha produzido efeitos destrutivos.

Contudo, em outros casos, a impugnação baseada no princípio de ordem pública foi aprovada.
Uma boa referência disto é o caso ocorrido em 1999 nos Estados Unidos, em que uma
impugnação jurídica foi registrada no país contra uma patente concedida a um cidadão
americano para a vinha de ayahuasca, nativa da floresta amazônica. A Coordenação das
Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA) e outros grupos indígenas e
ambientalistas impugnaram a patente não diretamente por motivos de ordem pública, mas
porque ela teria permitido a um cidadão americano apropriar-se de uma planta que, além de
conhecida, é sagrada para muitos povos indígenas da Amazônia.

Resumo da decisão no caso da ayahuasca


Em 1986, Loren Miller, cientista americano e empresário, obteve uma patente
americana para uma variedade da vinha de ayahuasca: vinha nativa da
Floresta Amazônica que é usada em toda a Amazônia por curandeiros e
líderes religiosos há gerações, para tratar doenças, entrar em contato com

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os espíritos e prever o futuro. Muitas tribos indígenas da Amazônia também
consideram o vegetal como um símbolo sagrado de sua religião.

Chefes tribais tomaram conhecimento da patente de Miller muitos anos após


a emissão da mesma. Naturalmente, ficaram indignados, sem conseguir
acreditar que um estrangeiro havia patenteado a planta que usavam e
veneravam há séculos. Verbalizando a frustração de seus conterrâneos,
Antonio Jacanamijoy, líder de um conselho que representa mais de 400 tribos
e grupos indígenas da América do Sul, declarou: "Nossos ancestrais
adquiriram o conhecimento dessa planta medicinal e nós somos os
proprietários desse conhecimento".

Em 1999, Jacanamijoy entrou com uma ação para a impugnação da patente


da ayahuasca por parte do Instituto Americano de Patentes e Marcas.

Vale ressaltar que as disposições do Acordo TRIPS deram grande ênfase à moralidade. Como
afirmado acima, o Artigo 27(2) do Acordo dispõe que os membros podem excluir uma invenção
da proteção patentária, se for necessário evitar a "exploração comercial" de uma invenção
"proteger a ordem pública e a moralidade". Em outras palavras, se a exclusão da
patenteabilidade for a única forma de se evitar sua exploração comercial, o Estado poderá barrar
a concessão da patente. Por outro lado, a aplicação dessa disposição por parte de Estados
membros é limitada, dado que a proteção patentária só pode ser negada se o fato de se evitar a
exploração comercial de uma invenção for necessário para proteger a ordem pública e a
moralidade.

Embora o Artigo 27(2) só venha a ser relevante em circunstâncias limitadas, o mesmo pode ser
aplicado, por exemplo, quando a difusão de determinada tecnologia vegetal, como a esterilização
de sementes, puder acarretar efeitos negativos à produção agrícola ou ao meio ambiente. Uma
intervenção desse tipo é crucial para a elaboração de políticas públicas relativas a questões
como segurança alimentar e desenvolvimento sustentável.

2.3.6. Violação não intencional

As leis de patentes podem excluir a responsabilidade civil em casos de violação com boa-fé,
conforme disposto no Artigo 44.1 do Acordo TRIPS. A ocorrência de violação atenuada pelo
princípio de boa-fé pode ser ilustrada da seguinte maneira: na área da biotecnologia, a presença
de uma característica em uma planta protegida por patente pode ser intencional ou não, uma vez
que uma característica genética patenteada pode se disseminar por vias naturais e surgir em
plantações, sem que tenha havido qualquer intenção para isso. Um perfeito exemplo em que se
consideraram os efeitos jurídicos dessa situação é o caso Monsanto Canada Inc. v. Schmeiser 5,
no qual a Monsanto processou a Schmeiser, empresa canadense que obteve e produz o cultivar
canola. A Schmeiser havia recoltado, em seus campos de canola, e armazenado sementes que
continham um transgene patenteado pela Monsanto, responsável pela resistência ao glifosato.
A Corte Suprema Canadense decidiu que a Schmeiser havia violado a patente da Monsanto,
apesar de a presença do gene no seu campo ter sido considerada não intencional.

2.3.7. Licenças compulsórias

. [2004] 1 S.C.R, 902


5

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Como alternativa a uma exceção não compensada, as leis de patentes podem prever uma
exceção de remuneração baseada numa licença compulsória. A licença compulsória é uma
licença concedida por um órgão administrativo ou jurídico a terceiros para a exploração de uma
invenção sem a autorização do titular da patente. Este tipo de licença é amplamente conhecido
como "licença não voluntária", o que salienta a ausência de consentimento por parte do titular.

As regras do Acordo TRIPS relativas à licença compulsória estão contidas no Artigo 31. O
conceito de licença compulsória em si, no entanto, possui um longo histórico. Um dos primeiros
instrumentos a incorporá-la foi o Estatuto dos Monopólios, de 1623, no Reino Unido. No plano
internacional, as licenças compulsórias são reconhecidas e estão previstas na Convenção de
Paris, de 1883. De fato, em 1994, quando o Acordo TRIPS foi adotado, as disposições acerca
das licenças compulsórias já se haviam tornado um elemento típico das leis de patentes no
mundo todo.

O Artigo 31 do Acordo TRIPS enumera detalhadamente as condições que devem ser


preenchidas por um membro da OMC que opte pelo uso de uma licença compulsória. Tais
condições incluem a necessidade do licenciamento específica a cada caso, a prova de que um
pedido anterior de patente voluntária foi recusado, a não exclusividade da licença e o
requerimento de compensação.

Há também condições que regem a revogação de licenças, bem como restrições de exportação
e de concessão de licenças a terceiros.

Apesar dessas condições, o Acordo TRIPS ainda prevê uma margem considerável de
flexibilidade na legislação de licenças compulsórias. O licenciamento compulsório, enquanto
mecanismo de política pública, pode ser usado na abordagem de uma série de situações,
incluindo, entre outras:

o os altos preços dos medicamentos;


o práticas anticoncorrenciais por parte de titulares de patentes;
o o fato de o titular da patente não abastecer suficientemente o mercado com os
produtos necessários;
o situações de saúde pública urgentes;
o a necessidade de se estabelecer uma base industrial farmacêutica.

2.3.8. Exceção para pesquisa e uso experimental

O Artigo 30 do Acordo TRIPS estabelece as bases gerais das exceções aos direitos exclusivos
previstos no Acordo. A regra determina que as exceções aos direitos conferidos pela patente
devem, levando em conta os interesses legítimos de terceiros, ser limitadas, não conflitar de
forma não razoável com a exploração normal da patente e não prejudicar de forma não razoável
os interesses legítimos de seu titular. Embora não estejam explicitamente mencionadas no
Acordo, as exceções em caso de pesquisa e experiências, e para “trabalho prévio” são os dois
tipos de exceções mais aceitas no âmbito do Artigo 30, com implicações no plano da saúde
pública. Em alguns países, como nos Estado Unidos, essas exceções são determinadas por
meio dos habituais procedimentos judiciais. Já em outros, como no Japão, constituem direitos
conferidos por lei.

O objetivo da exceção para pesquisa e uso experimental é garantir que a pesquisa científica
destinada à geração de novos conhecimentos seja fomentada e não obstruída pelas patentes.

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Trata-se de uma exceção antiga, justificada pelo fato de que um dos principais objetivos das leis
de patentes é facilitar a disseminação do conhecimento, promover a inovação e, assim fazendo,
facilitar o avanço da ciência. Essa exceção é útil para a promoção do progresso tecnológico na
pesquisa farmacêutica, uma vez que isenta iniciativas experimentais que procuram contornar
invenções anteriores, aprimorá-las ou avaliá-las e determinar sua eficácia.

A exceção para “trabalho prévio”, por outro lado, aplica-se ao uso por concorrentes em potencial
de determinada invenção sem a autorização do titular da patente, a fim de realizar as ações
necessárias à obtenção da aprovação regulatória e do registro do produto genérico antes do fim
do prazo de validade da patente. Essa exceção visa garantir a disponibilização no mercado de
versões genéricas de um produto, imediatamente após a expiração da patente ou em um período
de tempo razoável.

A aplicação efetiva dessa exceção difere de um país para outro. Os Estados Unidos introduziram
essa disposição por meio da lei United States Drug Price Competition and Patent Term
Restoration Act, de 1984, mas ao mesmo tempo, permitem aos titulares de patentes um
prolongamento da proteção. Outros países, como o Quênia, por outro lado, autorizam a exceção
para trabalho prévio a fabricantes de medicamentos genéricos, sem prolongar a vigência da
patente.

2.3.10 Controle de práticas patentárias abusivas

O Acordo TRIPS busca alcançar um equilíbrio entre a promoção de inovação tecnológica e a


transferência e disseminação de tecnologia, além de um equilíbrio no gozo dos benefícios
decorrentes tanto para usuários como para produtores de tecnologia.

Há dois princípios segundo os quais se deve alcançar o equilíbrio. Primeiro, ao formular ou


emendar suas leis e regulamentos, os membros podem adotar medidas necessárias para
proteger a saúde e nutrição públicas e para promover o interesse público em setores de
importância vital para seu desenvolvimento socioeconômico e tecnológico, desde que estas
medidas sejam compatíveis com o disposto neste Acordo. Segundo, poderão ser adotadas
medidas apropriadas para evitar o abuso dos direitos de propriedade intelectual por seus titulares
ou para evitar o recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem
adversamente a transferência internacional de tecnologia.

O segundo princípio, em particular, deve ser visto como um princípio interpretativo a favor da
adoção de medidas consideradas necessárias para a promoção da concorrência e a prevenção
do abuso da posição de monopólio por parte dos titulares, inclusive por meio de acordos de
concessão de licenças considerados anticoncorrenciais. O Artigo 40 do Acordo TRIPS, em
particular, estabelece um sistema para o controle de práticas anticoncorrenciais por meio de
licenças contratuais.

Por conseguinte, para além das medidas que um país pode tomar destinadas a melhorar a
concorrência no mercado farmacêutico, conforme previsto no Artigo 8(2), os países também
podem introduzir medidas adicionais para controlar as práticas de concessão de licenças das
empresas farmacêuticas. Proibindo o uso de determinados termos tais como condições de
cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças
coercitivas, os países podem reduzir a concentração de poder de mercado e melhorar a
concorrência nos mercados farmacêuticos.

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3. Uso das flexibilidades de patentes para a promoção dos Objetivos de Desenvolvimento

3.1. Observação geral

Nesta seção, serão introduzidos os objetivos subjacentes do dispositivo de flexibilidades de


patentes, especialmente em relação à maneira como as flexibilidades podem ser usadas para
alcançar os objetivos de desenvolvimento. É importante observar que a questão das
flexibilidades constitui um tema transversal, não somente entre os diversos campos da
propriedade intelectual, como também entre políticas de propriedade intelectual e outras políticas
afins. Entretanto, os Estados membros têm dado uma atenção especial à implementação e ao
uso das flexibilidades no campo das patentes, provavelmente porque os elaboradores de
políticas públicas e especialistas constatam uma necessidade de flexibilidades em setores
sensíveis, como a saúde, nos quais tais flexibilidades desempenham um papel importante na
elaboração de políticas de acesso aos medicamentos.

Preâmbulo do Acordo TRIPS: O Preâmbulo do Acordo TRIPS destaca seus dois objetivos:

• a necessidade de promover uma proteção da propriedade intelectual eficaz e


adequada;
• os objetivos subjacentes das políticas públicas de sistemas nacionais relativos à
proteção de propriedade intelectual, incluindo objetivos de desenvolvimento e
tecnológicos, bem como as necessidades especiais dos Países membros menos
desenvolvidos por uma flexibilidade máxima na implementação interna de leis e
regulamentos, a fim de lhes possibilitar a criação de uma base tecnológica saudável
e viável.

Esses objetivos fundamentais do Acordo TRIPS são elaborados mais detalhadamente nos
Artigos 7 (para os objetivos) e 8 (para os princípios). Ambos os objetivos requerem um equilíbrio
apropriado entre os direitos do titular da PI e os objetivos sociais do Acordo TRIPS. Isso é exposto
de forma evidente nas "exceções regulatórias" (nos Artigos 6, 30, 31 e 40) e no alcance
apropriado da proteção da PI nas demais disposições do Acordo TRIPS.

O Artigo 6 diz respeito à exaustão dos direitos de PI e deixa a cargo dos países a questão das
importações paralelas. Podem adotar livremente o princípio de "exaustão internacional" e
recorrer a fontes baratas para importar o produto patenteado procurado. O Acordo TRIPS
também confere aos Membros o poder de limitar os direitos exclusivos do titular de uma patente
estabelecendo exceções limitadas, que não devem, (i) conflitar de forma não razoável com a
exploração normal da patente, (ii) prejudicar de forma não razoável os interesses legítimos do
titular, e (iii) levar em conta os interesses de terceiros. Como já foi mencionado, nos termos do
Artigo 31 do Acordo TRIPS, os membros estão autorizados a ceder licenças compulsórias em
caso de não uso ou de uso insuficiente de uma invenção, a fim de combater práticas
anticoncorrenciais, em casos de emergência, uso governamental ou por outros motivos de
interesse público.

No contexto da AD, o tema das flexibilidades é expressamente abordado na recomendação 14,


que afirma que a OMPI fornecerá aconselhamento a países em desenvolvimento, especialmente
aos países menos desenvolvidos, sobre o entendimento e uso das flexibilidades previstas no
Acordo TRIPS.

Portanto, tanto os acordos promovidos pela OMC – por exemplo, o TRIPS - como aqueles
promovidos pela OMPI apoiam o uso das flexibilidades de patentes. É importante, por

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conseguinte, estudar como elas podem ser usadas estrategicamente nos processos legislativo e
de elaboração de política pública, bem como na aplicação dos direitos patentários.

3.2. Matéria Patenteável/Alcance da Proteção Patentária

As flexibilidades que se baseiam na matéria patenteável podem ser usadas para vários objetivos
de desenvolvimento, como nos seguintes casos:

o proibir patentes em certas áreas de benefícios públicos estratégicos (como a saúde e


a agricultura);
o regular o alcance de patentes a fim de incentivar o desenvolvimento em uma área
tecnológica específica (o caso Chakrabarty nos EUA é um bom exemplo disso); e
o limitar o alcance dos direitos a fim de facilitar a realização de metas como a proteção
ambiental e o desenvolvimento de fabricantes locais.

Essa margem para a flexibilidade em matéria de políticas públicas e legislações é possível com
base na regra geral sobre matéria patenteável, segundo as disposições do Artigo 27 do Acordo
TRIPS. Como você estudou nas seções anteriores, o Artigo 27 é muito amplo, mas pode, ao
mesmo tempo, ser muito limitativo. O artigo estende a proteção patentária a todas as invenções,
quer sejam produtos, quer sejam processos, em todas as áreas tecnológicas, contanto que sejam
novas, contenham uma etapa inventiva e sejam industrialmente aplicáveis. Contudo, vale a pena
observar que o Artigo 27 não oferece uma definição de invenção. A ausência de tal definição no
Acordo significa que os países têm flexibilidade para definir o alcance do conceito de invenção
em suas leis nacionais, e dessa forma, podem excluir certos tipos de invenções quando quiserem
alcançar certas metas de política pública ou de desenvolvimento.

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Recursos úteis

a) Links úteis:
www.wipo.int/ip-development/en/agenda
http://www.cptech.org/ip/wipo/da.html
http://www.eff.org/issues/development-agenda
www.ictsd.org/i/events/dialogues/45559/
https://www.wipo.int/ip-development/en/agenda/flexibilities/database.html

b) Sugestões de leitura

Sisule F. Musungu, South Centre, and Cecilia Oh, WHO Commission on Intellectual Property
Rights, Innovation and Public Health (CIPIH), “The Use of Flexibilities in TRIPS by Developing
Countries: Can they Promote Access to Medicines?”, Study 4C, 2005.
http://www.who.int/intellectualproperty/studies/TRIPSFLEXI.pdf

Max Planck Institute, “Declaration on Patent Protection”, 2014.


https://www.mpg.de/8132986/Patent-Declaration.pdf

CDIP, Documento CDIP/10/11, “Future Work on Patent-Related Flexibilities in the Multilateral


Legal Framework”, 2012.
http://www.wipo.int/edocs/mdocs/mdocs/en/cdip_10/cdip_10_11.pdf

UNDP, “Using Law to Accelerate Treatment Access in South Africa. An Analysis of Patent,
Competition and Medicines Law”, Outubro 2013.
http://www.undp.org/content/dam/undp/library/hivaids/English/using_law_to_accelerate_trea
tment_access_in_south_africa_undp_2013.pdf

CDIP, Documento CDIP/8/INF/3, “Study on Patents and the Public Domain”, 2011.
https://www.wipo.int/edocs/mdocs/mdocs/en/cdip_8/cdip_8_inf_3.pdf

CDIP, Documento CDIP/8/INF/3, “Study on Patents and the Public Domain (II)”, 2013.
https://www.wipo.int/edocs/mdocs/mdocs/en/cdip_12/cdip_12_inf_2_rev.pdf

Comissão Intergovernamental sobre Propriedade Intelectual e Recursos Genéticos,


Conhecimentos Tradicionais e Folclore, Documento WIPO/GRTKF/IC/17/INF/8, “Note on the
Meanings of the Term ‘Public Domain’ in the Intellectual Property System with Special
Reference to the Protection of Traditional Knowledge and Traditional Cultural
Expressions/Expressions of Folklore”.
https://www.wipo.int/edocs/mdocs/tk/en/wipo_grtkf_ic_17/wipo_grtkf_ic_17_inf_8.pdf

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Resumo do Módulo 8

1. Introdução a PI e Desenvolvimento - Foco especial em patentes

1.1 Introdução geral a PI e Desenvolvimento

Este módulo tem o objetivo de auxiliá-lo a entender a interface entre as patentes e questões
mais abrangentes relacionadas ao desenvolvimento na sociedade. Como viu na introdução do
Módulo 1, a questão sobre como os direitos de propriedade intelectual (DPI) impactam os
processos de desenvolvimento econômico e de crescimento tem sido objeto de discussões há
muito tempo.

O conceito de desenvolvimento é muito abrangente e pode ser classificado nos seguintes grupos:
i) desenvolvimento econômico; ii) desenvolvimento social e cultural; e iii) desenvolvimento
científico e tecnológico.

A fim de entender a maneira como o sistema de patentes pode contribuir para o


desenvolvimento social, é importante compreender os objetivos econômicos fundamentais da
proteção dos DPI.

• O primeiro objetivo é promover o investimento na criação de conhecimento e na


inovação de negócios, estabelecendo um regime de direitos exclusivos para lidar com
as tecnologias, produtos e serviços recém-desenvolvidos.
• O segundo objetivo subjacente ao regime de PI recai sobre a necessidade de
promover a ampla divulgação de novos conhecimentos ao encorajar os titulares de
direitos a colocarem suas invenções e ideias inovadoras em registros publicamente
acessíveis.

Para que o sistema de patentes possa contribuir para o desenvolvimento social, os


formuladores de políticas públicas precisam compreender as dinâmicas sociais, econômicas,
técnicas e concorrenciais em seus contextos, o que, por sua vez, servirá para instruir os
formuladores de políticas a respeito das decisões apropriadas que o governo deve tomar.

3.3. O conceito de desenvolvimento

Apesar do debate existente sobre o que constitui desenvolvimento, o conceito de


desenvolvimento está evoluindo. A velha guarda costuma restringir esse conceito ao
desenvolvimento econômico. Contudo, recentemente temos visto que o conceito não é mais
percebido apenas como um fenômeno puramente econômico, mas como um processo
multidimensional envolvendo a reorganização e a reorientação de sistemas econômicos e sociais
inteiros. Desenvolvimento é o processo de melhoria da qualidade de todas as vidas humanas em
três aspectos igualmente importantes: 1) elevar o padrão de vida das pessoas; 2) criar condições
que conduzam ao aumento da autoestima das pessoas por meio do estabelecimento de sistemas
e instituições econômicas, políticas e sociais que promovam a dignidade humana e o respeito; e
3) aumentar a liberdade de escolha das pessoas ao ampliar a gama de suas variáveis de opção.

Recentemente, chegou-se a um entendimento mais refinado do termo desenvolvimento, que


levou à introdução do “desenvolvimento sustentável, que se refere ao modo de
desenvolvimento humano no qual os recursos disponíveis (escassos) são utilizados de maneira
otimizada para atender as necessidades humanas, garantindo também a sustentabilidade dos

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sistemas naturais e do meio ambiente, a fim de que essas necessidades sejam supridas não
apenas no presente, mas também para gerações futuras

3.4. O papel das patentes no desenvolvimento

Visto que o conceito de desenvolvimento é tão amplo, existe uma série de variáveis essenciais
para o desencadeamento do crescimento em termos econômicos e sociais. Por exemplo, os
economistas reconhecem diversos canais por meio dos quais as patentes podem estimular o
desenvolvimento econômico e o crescimento. Como esses canais são, por vezes,
interdependentes, é importante para os formuladores de políticas e os planejadores do
desenvolvimento compreenderem a interface entre as patentes e o desenvolvimento, de modo a
poderem elaborar as políticas de incentivo adequadas para promover a integração das patentes
com as estratégias de desenvolvimento.

Duas importantes variáveis do desenvolvimento ilustram o papel significativo que as patentes


podem desempenhar:

• O incentivo à inovação: De forma simples, a inovação pode ser definida como sendo
o processo de aplicação de novos conhecimentos ou soluções no intuito de atender
às necessidades e exigências do mercado. O processo de inovação requer
importantes variáveis, que o sistema de patentes facilita: o acesso a tecnologias
relevantes e a capacidade de controlar o uso de tais tecnologias.
• O desenvolvimento de produto: O desenvolvimento de produto é um processo de
criação de um produto com características novas e diferentes, que oferecem
benefícios novos ou adicionais ao consumidor. O processo pode envolver a
modificação de um produto existente ou a formulação de um produto inteiramente
novo que satisfaça uma nova necessidade do consumidor ou nicho de mercado.
Esses aspectos requerem a consideração estratégica e cautelosa de questões
relacionadas com patentes e outros aspectos da PI em termos de mecanismos de
proteção, acesso e direito de uso.

3.5. Breve introdução da Agenda da OMPI para o Desenvolvimento e suas relações com
as patentes

A Agenda para o Desenvolvimento (AD), adotada pela Assembleia Geral da OMPI em


setembro de 2007, contém 45 recomendações (das 111 propostas originais), dividida em 6
grupos. Seu objetivo é garantir que as considerações sobre o desenvolvimento sejam parte
integral do trabalho da OMPI. Como tal, a AD é um programa transversal que diz respeito a
todos os setores da OMPI.

3.5.1. Fundamentação para a adoção da AD

Como anteriormente apontado, o fundamento por trás da adoção da Agenda da OMPI para o
desenvolvimento está centrado na necessidade de recondicionar o sistema de PI para que ele
possa servir objetivos de desenvolvimento da sociedade mais abrangentes. Nesse contexto, a
Agenda da OMPI para o Desenvolvimento possui as seguintes abordagens:

1) processo participativo e inclusivo: envolvimento dos países em desenvolvimento


e dos países menos desenvolvidos no processo de fixação de normas;
2) abordagens específicas aos países: levar em consideração as condições locais
prevalecentes;

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3) objetivos a curto e longo prazo: consciência de que há recursos limitados;
4) princípio da harmonização: a PI deve ser integrada ao desenvolvimento de
estratégias e políticas nacionais mais abrangentes; e
5) de largo alcance: a Agenda da OMPI para o desenvolvimento fornece uma
plataforma para a discussão e o desenvolvimento de regimes regulatórios para
novas fronteiras e aspectos da PI – tais como a proteção dos conhecimentos
tradicionais.

4. As flexibilidades das patentes nos DPI

4.1. Breve introdução

Uma das maneiras nas quais um sistema de patentes pode contribuir para o desenvolvimento é
por meio do uso ou da aplicação de flexibilidades de patentes. As flexibilidades de patentes
podem ser definidas como as importantes opções administrativas e de aplicação de patentes
disponíveis aos países segundo os regimes internacionais de patentes, incluindo o Acordo
TRIPS. Segundo o sistema de flexibilidades, todos os países dispõem de uma margem para
desenvolver sistemas de proteção de patentes que, enquanto permanecem coerentes às
obrigações de patentes internacionais, são adaptados às condições e necessidades específicas
locais ou diversas. Portanto, segundo o quadro de flexibilidades de patentes, ao conceber e
implementar regimes de patentes, os países devem tomar importantes decisões a respeito do
tipo e da aplicação dos direitos de patentes conferidos, e dos processos ou requisitos legais que
devem ser cumpridos pelos depositantes.

Esta seção descreve as flexibilidades previstas nos principais instrumentos e regimes


regulatórios internacionais de patentes, designadamente: o Acordo TRIPS, de 1994, que inclui
disposições da Convenção de Paris para a proteção da propriedade industrial, de 1883, entre
outros tratados administrados pela OMPI

4.2. Flexibilidades na Convenção de Paris para a proteção da Propriedade Industrial

Há um grande nível de flexibilidade na implementação das obrigações no âmbito da Convenção


de Paris. Seus membros, que formam a União de Paris, gozam de uma grande margem no que
diz respeito às abordagens de conformidade para questões relacionadas com i) o alcance dos
direitos patentários; ii) os padrões mínimos das patentes; e iii) o uso e aplicação, como o
licenciamento compulsório e o uso governamental e a exaustão dos direitos.

4.3. As flexibilidades no Acordo TRIPS

O preâmbulo do Acordo TRIPS estabelece a base para a inclusão de flexibilidades na aplicação


do Acordo, pois reconhece a necessidade de meios eficazes e apropriados para a aplicação de
direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio levando em consideração as
diferenças dos diversos sistemas jurídicos nacionais. O Preâmbulo do Acordo afirma, também,
que entre os objetivos subjacentes de políticas públicas dos sistemas nacionais para a proteção
da propriedade intelectual devem estar incluídos os objetivos tecnológicos e de desenvolvimento
e reconhece que as necessidades especiais dos países membros menos desenvolvidos, de uma
flexibilidade máxima na implementação interna de leis e regulamentos, que lhes possibilite a
criação de uma base tecnológica saudável e viável.

O Acordo TRIPS introduz disposições especiais para questões relacionadas com: i) o alcance
dos direitos patentários (Artigo 27); ii) as invenções relacionadas com a saúde (Artigo 8); os

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processos essencialmente biológicos (Artigo 27.3); iv) novas variedades vegetais (Artigo 27.3.b);
v) as exceções baseadas na ordem pública e na moralidade (Artigo 27.2); vi) violação não
intencional (Artigo 44.1); vii) as licenças compulsórias (Artigo 31); viii) a exceção para pesquisas
e uso experimental (Artigo 30); e ix) o controle de práticas patentárias abusivas.

5. O uso das flexibilidades de patentes para a promoção das metas de desenvolvimento

5.1. Observação geral

A questão das flexibilidades constitui um tema transversal, não somente entre os diversos
campos da propriedade intelectual, como também entre políticas de propriedade intelectual e
outras políticas afins. Entretanto, os Estados membros têm dado uma atenção especial à
implementação e ao uso das flexibilidades no campo das patentes, provavelmente porque os
elaboradores de políticas públicas e especialistas constatam uma necessidade de flexibilidades
em setores sensíveis, como a saúde, nos quais tais flexibilidades desempenham um papel
importante na elaboração de políticas de acesso aos medicamentos.

Preâmbulo do Acordo TRIPS: O Preâmbulo do Acordo TRIPS destaca seus dois objetivos:

• a necessidade de promover uma proteção da propriedade intelectual eficaz e


adequada;
• os objetivos subjacentes das políticas públicas de sistemas nacionais relativos à
proteção de propriedade intelectual, incluindo objetivos de desenvolvimento e
tecnológicos, bem como as necessidades especiais dos países membros menos
desenvolvidos por uma flexibilidade máxima na implementação interna de leis e
regulamentos, a fim de lhes possibilitar a criação de uma base tecnológica saudável
e viável.

No contexto da AD, o tema das flexibilidades é expressamente abordado na recomendação 14,


que afirma que a OMPI fornecerá aconselhamento a países em desenvolvimento, especialmente
aos países menos desenvolvidos, sobre o entendimento e uso das flexibilidades previstas no
Acordo TRIPS. É importante, por conseguinte, estudar como elas podem ser usadas
estrategicamente nos processos legislativo e de elaboração de política pública, bem como na
aplicação dos direitos patentários.

5.2. Matéria Patenteável/Alcance da Proteção Patentária

As flexibilidades que se baseiam na matéria patenteável podem ser usadas para vários objetivos
de desenvolvimento, como nos seguintes casos:

o proibir patentes em certas áreas de benefícios públicos estratégicos (como a saúde e


a agricultura);
o regular o alcance de patentes a fim de incentivar o desenvolvimento em uma área
tecnológica específica (o caso Chakrabarty nos EUA é um bom exemplo disso); e
o limitar o alcance dos direitos a fim de facilitar a realização de metas como a proteção
ambiental e o desenvolvimento de fabricantes locais.

Essa margem para a flexibilidade em matéria de políticas públicas e legislações é possível com
base na regra geral sobre matéria patenteável, segundo as disposições do Artigo 27 do Acordo
TRIPS.

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