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A RELAÇÃO ENTRE

CONHECIMENTO E
DESENVOLVIMENTO: ESSÊNCIA
DO PROGRESSO TÉCNICO

PAULO ANTÔNIO ZAWISLAK

Revista Análise. Porto Alegre: Puc...


1995
2

A RELAÇÃO ENTRE CONHECIMENTO E DESENVOLVIMENTO:


ESSÊNCIA DO PROGRESSO TÉCNICO*

PAULO ANTÔNIO ZAWISLAK**

Abstract

To reach economic development, knowledge must be tranformed in applications, such


as technique, science or technology. Beyond the relation between knowledge and
development, there always must be a innovative activity. This activity can, or cannot,
be formalized in R&D. If its not, the activity will probably be caracterized by a
problem-soving prcess, where technical solutions seem to be the results. But, if its the
case of R&D inovation, we will almost certainly deal with technological solutions. The
large spectrum of different typoes of innovative activity give rise to different degrees
of technical change. In any of these differents types we can represent technical
progress by product, process and management innovations.

1. Introdução

O progresso técnico é o ponto de referência da evolução das sociedades. Por


trás do progresso técnico encontra-se, entretanto, um mecanismo dinâmico maior: a
relação entre CONHECIMENTO e DESENVOLVIMENTO. A partir desta relação,
diz-se que todo tipo de desenvolvimento -- social, econômico, científico, tecnológico,
experimental -- é função de algum tipo de conhecimento. A nós interessa
principalmente as relações entre o desenvolvimento econômico e a ciência e
tecnologia.
No entanto, falar de "conhecimento/desenvolvimento" não se esgota na simples
assertiva de que este é função daquele. Muito menos na simples definição de um e de
outro. Lidar com a relação conhecimento/desenvolvimento implica falar em técnica,
em ciência e em tecnologia, considerando os conceitos de progresso, de inovação, de
pesquisa, de resolução de problemas, de produção, de trabalho, de know-how, para
citar alguns dos principais.
É preciso, desde já, ter em mente que, através de novas idéias, novos aparelhos,
novos métodos, novas técnicas e novas tecnologias, o conhecimento influencia o
desenvolvimento. Aliás, como deixa claro Freeman (1982, p.7),

* Este texto nasceu da necessidade de serem alinhandos alguns conceitos teóricos para sustentar o conteúdo
programático da disciplína "Inovação Tecnológica & Teoria Econômica", ministrada pelo autor no
PPGA/UFRGS. Uma versão preliminar deste texto é o Texto Didático n°2 do Departamento de Economia da
UFRGS. A louvar as críticas e sugestões de Edi M. Fracasso e Paulo C. D. Motta. Evidentemente, nenhuma
destas pessoas tem qualquer responsabilidade sob os deslizes cometidos pelo autor.

**Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris VII; professor e pesquisador do


NITEC/PPGA/UFGRS, Porto Alegre, Brasil.
3

"no sentido mais fundamental, a vitória de um novo conhecimento é a base da


civilização humana. Conseqüentemente, se justifica plenamente concentrar
atenções no fluxo de novas idéias científicas, invenções e inovações."

Este trabalho tem o objetivo de ampliar a visão da relação em questão e


identificar as formas que assume esta relação e que, na verdade, garantem o progresso
técnico. Para tratar deste assunto, é necessário ampliar a visão puramente institucional
do progresso técnico, onde o desenvolvimento (de uma firma, de um setor, de um país)
é tido como sendo decorrência exclusiva da atividade de pesquisa realizada em
instituições de pesquisa, sejam elas universidades, centros ou institutos independentes,
ou ainda laboratórios e departamentos de empresas. Se não for eliminado este viés,
somente são aceitas as contribuições feitas por organismos formais de geração de
tecnologia.
Ora, a tecnologia, enquanto ciência das técnicas, é basicamente gerada a partir
de estruturas institucionais. No entanto, este não é o único modo de concretizar a
relação entre conhecimento e desenvolvimento, ou seja, não é única forma de gerar
novas técnicas. Muito do progresso técnico é feito por vias, ditas não institucionais,
como por exemplo, o trabalhador que descobre um método melhor de executar uma
tarefa, a empresa que "enjambra" o seu processo produtivo, enfim, a contínua atividade
de adaptação e de melhoramento realizada por toda e qualquer organização.
Portanto, devemos perder o hábito de só ver progresso técnico onde existir
investimento formal em ciência e tecnologia (C&T), ou, no caso específico das
empresas, onde existir investimento em P&D. Uma resposta negativa à pergunta "você
investe em P&D?" não significa, em hipótese alguma, a inexistência de um esforço de
simples resolução de problemas que também pode gerar novas técnicas, as quais,
estudadas e sistematizadas, poderão ser consideradas como tecnologia (ou parte
integrante de uma tecnologia).
As tecnologias são, na sua grande maioria, originadas de conhecimentos
científicos, mas têm alguns dos seus detalhes continuamente alterados por
conhecimentos práticosConhecimento empírico e técnica têm influência para o
desenvolvimento, só que de um modo incremental e periférico. Como afirma
DeBresson (1987, p.101),

"os princípios científicos não podem ser aplicados à produção sem a intervenção
de engenheiros mecânicos e de pessoal qualificado em know-how técnico
ordinário; e isto, mesmo em indústrias baseadas na ciência. (...) Todas indústrias
baseadas na ciência beneficiam-se destas mudanças incrementais."

Mais do que nunca, em um mundo invadido pela primazia da informação, o


conhecimento desenvolvido na prática pode ser fonte de vantagens competitivas. Um
exemplo prático -- muito citado por outros motivos, mas pouco citado por este -- é o
caso das novas formas de organização do trabalho e da produção desenvolvidas por
empresas no Japão. Os japoneses deram-se conta da importância do conhecimento
empírico, desenvolvido informalmente pelos operários, no bom funcionamento de um
processo de produção estruturado em cima de conhecimentos de origem científica ou
conhecimentos práticos já sistematizados.
4

Ciência e empirismo podem e devem conviver. P&D e resolução de problemas


de trabalho são fontes de produtividade, de qualidade e de competitividade, palavras-
chave para o atual paradigma técnico-econômico.

* * *
A estrutura deste artigo é feita de modo a percorrer o conteúdo da relação
conhecimento/desenvolvimento e poder chegar ao progresso técnico.
Inicialmente, será feita a definição formal de conhecimento, dividindo-o em
dois sistemas: techne e episteme (seção 2). Na seqüência, será feita a passagem do
conhecimento para o universo das aplicações e usos, onde são necessárias as definições
de técnica, de ciência e de tecnologia (seção 2). Estas constituem, na verdade, a
interface que permite acontecer a relação entre conhecimento e desenvolvimento
(seção 2). O circuito é fechado (seção 5), com a definição de desenvolvimento
enquanto conjunto de progressos (econômico, técnico, social, etc)1.
Em uma segunda parte, por assim dizer, será vista a forma de produção de
novos conhecimentos, basicamente representados pelas inovações (seção 6). As
inovações supõem, por sua vez, um processo que assume contornos históricos (seção
7) e que adquire complexidade formal (seção 8). Enfim, o debate estende-se até a
questão da diferença entre o conteúdo do desenvolvimento tecnológico e do progresso
técnico, respaldados pelas diferenças entre inovações de produtos e de processos
(seção 9).

2. O conhecimento e suas formas de aparência

O CONHECIMENTO é a posse e o exercício das faculdades intelectuais e


sensoriais; neste sentido, trata-se de uma característica humana. Segundo o Novo
Dicionário da Língua Portuguesa (Ferreira, 1985, p. 454), conhecimento é, entre outras
definições,

"(...) 2. Idéia, noção. 3. Informação, notícia, ciência. 4. Prática da vida;


experiência. 5. Discernimento, critério, apreciação. (...) 13 Filos. A apropriação
do objeto pelo pensamento, como quer que se conceba essa apropriação: como
definição, como percepção clara, apreensão completa, análise, etc."

Conhecer é, então, uma característica humana pois, diferente dos demais


animais, o homem tem a capacidade de imaginar ações que, aparentemente, podem ser
as mesmas de um cachorro, de um macaco ou de um joão-de-barro. Mas, ao contrário
do cachorro, do macaco ou do joão-de-barro, o homem mescla o instinto (animal) com
um mecanismo diretor que é o pensamento conceptual. "Uma abelha envergonha, pela
qualidade de suas colmeias, a habilidade de muitos arquitetos. Mas o que distingue o
pior dos arquitetos da abelha mais habilidosa é que ele construiu a célula na sua cabeça
antes de a construir na colmeia" (Marx , 1973, vol. 1, p. 181). Na verdade, "não se
conseguiu despertar [no animal] a capacidade de manejar uma representação simbólica,
1 Estas seções, de 1 a 4, são uma adaptação de partes do primeiro capítulo de Zawislak (1994). Elas
foram revistas em função da disciplina "Inovação tecnológica e teoria econômica" do PPGA/UFRGS.
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principalmente na sua forma mais pura: a linguagem. Sem símbolos e sem linguagem,
o pensamento mantém-se a um nível rudimentar e, mais ainda, não pode ser
transmitido através do grupo ou para outras gerações." (Braverman, 1976, p. 48).
São justamente as faculdades intelectuais que permitem não somente a
concepção no imaginário, antes da concepção de fato, mas permitem também evoluir
no que concerne o entendimento que se tem das coisas e dos fatos. É neste sentido que
o conhecimento está por trás de todo desenvolvimento.
O conhecimento, porém, não é só o que está acumulado no intelecto dos
homens, adquirido pela experiência e pelo aprendizado. Mais do que isso, o
conhecimento pode ser documentado, criando um verdadeiro sistema de fluxos e
estoques. Nestes termos, deve-se fazer um discernimento quanto à aparência do
conhecimento: ele pode se apresentar como conhecimento empírico, uma forma mais
elementar e não documentada (a definição número "4" do Dicionário Aurélio), ou
como conhecimento científico (número "5"), uma forma mais elaborada e, portanto,
documentada.
O conhecimento empírico é aquele adquirido através da experiência e que
informa o "como fazer" das coisas, sem no entanto informar as razões de se fazer
assim. Trata-se, em suma, do know-how (do savoir-faire) utilizado para executar as
atividades mais diversas. O conhecimento científico, por outro lado, é a decomposição
epistemológica das diferentes atividades, onde justamente se busca saber, além do
"como fazer", a razão pela qual se faz de tal ou tal forma. Aqui, o objetivo é saber a
fundo as razões das coisas e dos fenômenos para poder dominar o encadeamento das
relações que estão por trás de alguma coisa ou alguma atividade concreta.
Estes dois âmbitos do conhecimento são aprofundados por Marglin (1990, p.
232) ao tratar dos dois "sistemas de conhecimento (...) [para] caracterizar diferentes
formas de saber." Estes dois sistemas de conhecimento são a techne e a episteme.
A techne é um conhecimento pessoal, de uso rotineiro (e, muitas vezes,
inconsciente), que se torna de difícil descrição. Ela é, em certo sentido, "autoritária",
pois, ao não seguir princípios rígidos (metodologia), ela passa a depender da intuição.
Por exemplo, um artesão com uma determinada techne não descreve tal conhecimento
uma vez que todos os resultados esperados são atingidos através do seu método próprio
não documentado. Na realidade, "os proprietários de techne seguidamente acham
impossível articular seu conhecimento" (Marglin, 1990, p. 234). É um conhecimento
implícito e, principalmente, restrito a um determinado contexto de ação, isto é,
diretamente ligada à prática que se tem com alguma coisa. Os trabalhadores e seu
know-how são até hoje o exemplo insubstituível de tal poder. A episteme, ao contrário,
é o conhecimento baseado em dedução lógica a partir de princípios rígidos onde nada
deve ser deixado ao acaso ou à imaginação. Trata-se do conhecimento científico e,
portanto, articulado. A episteme é um conhecimento analítico, universal, cerebral,
teórico e impessoal (Marglin, 1990).
Mas as diferenças não param por ai. Os próprios métodos de produção, de uso e
de transmissão destes dois tipos de conhecimento são radicalmente diferentes. A
techne (conhecimento técnico) é dependente da criação e das descobertas informais e
aleatórias, baseados em processos de tentativa e erro, enquanto que a episteme
(conhecimento científico) somente se torna válida e universalmente aceita após a
verificação metódica do seu conteúdo em confronto com os fatos e/ou casos que ela
deverá explicar, o que é feito por intermédio de pesquisa -- antes disto, é como se ele
6

não existisse2. Da mesma forma, enquanto o conhecimento técnico é transmitido de


modo informal, quase que "por osmose", o conhecimento científico só poderá ser
passado adiante mediante canais formais de comunicação. O conhecimento científico
fica, assim, diretamente ligado ao aprendizado formal (por exemplo, escola,
universidade, seminários, livros, artigos) e o conhecimento técnico, ao aprendizado
informal (por exemplo, learning-by-doing e learning-by-using). Mas se a transmissão
do conhecimento científico é mais complexa, por ser um conhecimento sistematizado,
ela é, ao mesmo tempo, mais facilmente obtida.
aqui Cabe lembrar o esforço que fazem as empresas, desde a Revolução Industrial,
para inverter a relação de poder sobre o conhecimento. Os capitalistas tratam de retirar
dos trabalhadores o conhecimento prático tão necessário para aumentar o poder sobre o
estado e a forma de desenvolvimento do processo produtivo. Ao organizar e
sistematizar os conhecimentos empíricos, as empresas buscam despersonalizar a
techne. O taylorismo, por exemplo, nada mais é do que uma tentativa de sistematizar o
conhecimento operário e, desta forma, socializá-lo pela empresa, ou seja, transformar a
techne em episteme. Em outras palavras, o "saber científico sobre a organização do
trabalho [e, por conseqüência, do processo produtivo] é derivado do conhecimento
empírico dos operários, só que apropriado [e sistematizado] pelo capitalista" (Lipietz,
1979, p. 225).
As diferentes formas de conhecimento -- empírico e científico -- , uma vez
postas ao serviço de atividades, isto é, uma vez que adquirem uma forma concreta de
uso e/ou de aplicação, assumem um outro status. O conhecimento empírico ou prático
que é utilizado/aplicado é essencialmente uma técnica e o conhecimento científico, ou
ciência (aqui já incluído o conhecimento prático ou as técnicas que já foram estudadas
e sistematizadas), constitui uma tecnologia.
Enquanto representações do conhecimento, ambas guardam semelhanças,
notadamente no que diz respeito aos métodos de ação; porém, é na forma específica de
uma técnica ou de uma tecnologia que nascem as diferenças e as particularidades que
vão fazer do progresso técnico e científico dois fenômenos de resultados e causas
diferentes.

3. Técnica, Ciência e Tecnologia

A TÉCNICA compreende a ação, o conjunto de procedimentos e de objetos que


constituem uma atividade, não incluindo, porém, as razões do funcionamento da
suposta ação. Existe, assim, um conhecimento acumulado, e individualizado, que serve
de base à ação, isto é, à realização da atividade, mas que não contém as respectivas
explicações do fenômeno em si. Trata-se então de um conhecimento empírico, nascido,
mantido e reproduzido na própria ação. Traz, em si, o know-how de uma atividade,

2 Latour (1989) e Pavitt (1992) discutem a existência de produção de conhecimentos empíricos dentro dos
laboratórios de pesquisa científica. A "prática em pesquisa" também é geradora de conhecimentos que serão
agregados ao conjunto de conhecimentos científicos resultantes da pesquisa. Na verdade, esse tipo de
conhecimento empírico resultante não será jamais externalizado como tal, estando aí a sua diferença em relação
ao conhecimento empírico originado de outras atividades práticas quaisquer. O próprio método de pesquisa
científica permite a ocorrência deste tipo de conhecimento, ao mesmo tempo que impede a sua existência plena e
independente. Este conhecimento empírico será, tão logo possível, estudado e sistematizado, integrando-se ao
corpo de conhecimentos científicos resultantes da atividade de pesquisa.
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bem como os objetos dela originados -- objetos técnicos que substituem gradualmente
os gestos humanos. Como define Simondon (1958, p. 34), trata-se do "conjunto de
savoir-faire que permite a obtenção de um resultado em um domínio técnico qualquer."
Na verdade, existe, por trás das técnicas, um conteúdo bem mais profundo, o
qual se busca deliberadamente conhecer. É neste momento que se põe em
funcionamento um processo de observação, de racionalização, de descrição da técnica.
A CIÊNCIA não é a ação propriamente dita. Ela busca, justamente, ultrapassar
a simples ação para identificar as razões por trás do fenômeno. Na verdade, a ciência é
a decomposição epistemológica da ação, criando assim um verdadeiro sistema de
conhecimentos sobre determinado assunto. É, em última análise, o logos puro, a
descrição, a análise, o estudo, trazendo em si o know-why de uma atividade ou de um
fenômeno. A ciência não se restringe somente à ação, ela produz um corpo de
conhecimentos próprio, justamente para servir de instrumental para a descrição, a
análise e o estudo da ação. Na maior parte das vezes, a ciência altera os contornos da
ação prática em função deste instrumental.
Uma vez de posse das razões de ser da atividade e do fenômeno, a ciência
propõe um retorno à ação concreta tendo como base um conjunto de instrumentos
intelectuais, lógicos e descritivos, resultantes da decomposição e da sistematização.
Este retorno à ação, à técnica, é feito de modo lógico. Usando os termos gregos, é a
techne que se torna logos, ou seja, tecnologia.
Mas tecnologia é também aquela técnica desenvolvida exclusivavmente a partir
do discurso científico. É a descrição lógica do conhecimento que é, muito mais,
produzido de modo sistemático e não como obra do acaso, isto é, da prática. A
tecnologia não deixa de ser técnica; é a técnica que escapa do empirismo da execução
da atividade. É aquela técnica desenvolvida a partir da dimensão intelectual, discursiva
e racional. Trata-se de uma ação, de um conjunto de procedimentos e de objetos que só
se concretizam graças a um processo científico anterior de maturação de idéias (que
podem, originalmente, ter sido idéias práticas) e de busca de soluções respaldadas por
princípios teóricos previamente definidos. Em outras palavras, sabendo-se das razões
de funcionamento dos componentes de uma atividade, cria-se (muitas vezes de forma
inédita) o próprio modo de fazer a atividade, ou seja, a técnica. "As tecnologias são
modos de fazer, operações e fabricações integradas a um complexo ou a um corpo
teórico e prático, justamente aquele da tecno-ciência". (Séris, 1994, p. 2).
Obviamente, à tecnologia são acrescidos elementos de know-how prático. Isto,
no entanto, não retira do corpo técnico principal, isto é, da própria tecnologia, o seu
caráter intelectual; tão somente melhora o conteúdo já estabelecido. É, nestes termos,
que a tecnologia também contém conhecimentos empíricos, só que passados pelo crivo
da análise científica.
É justamente por isso que que o progresso técnico não é função exclusiva de
C&T, mas é função, também, do conhecimento empírico e das técnicas. Estes, mesmo
em um contexto altamente tecno-científico, continuam encontrando formas de
manifestação. Por exemplo, os operários, mestres e técnicos que, ao receberem uma
nova máquina sem, no entanto, saber como utiliza-la plenamente, desenvolvem uma
"técnica alternativa", baseada na intuição, no empirismo e que não é lógica. Esta
técnica alternativa não é uma tecnologia, mas o será enquanto técnica inserida a um
corpo tecnológico maior, a máquina em questão.
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Desta forma, a tecnologia é o estudo, ou seja, a ciência da técnica. "Uma ciência


(...) que não tem outro objetivo além do conhecimento coerente de seu objeto [a
técnica]." (H. Simon apud Séris, 1994, p. 8). E mais, é ciência que "compreende a
descrição, a história, a filosofia das técnicas, a conceituação e a formalização, a
transmissão e o aperfeiçoamento das atividades técnicas" (Perrin, 1988, p. 37).
Em resumo, podemos dizer que a técnica é um savoir-faire e alguns objetos
desenvolvidos pelo treino e pelo aprendizado prático na ação (produtiva) resultante das
questões empíricas do homem frente à natureza. A tecnologia seria, dito vulgarmente,
uma "técnica de laboratório". A diferença não está no conteúdo de ambas, o qual, em
linhas gerais, é o mesmo -- a ação -- , mas no próprio sufixo, derivado de logos, que
traz à tona toda a diferença do processo de geração de uma e da outra, justificando
assim a forma específica de cada uma.
A diferença entre técnica e tecnologia é geradora de muita controvérsia
analítica. Para o que se está querendo demonstrar aqui, utilizamos um subterfúgio de
análise, uma astúcia histórica: buscamos na definição grega dos termos techne e logos
a fonte da diferença. O objetivo desta astúcia é poder lidar com as aplicações, as
utilizações e os métodos do conhecimento empírico quando contraposto às aplicações,
às utilizações e aos métodos do conhecimento científico. O primeiro será chamado de
técnica (pura), o segundo, de tecnologia. Sendo assim, o trabalhador que faz um
macete em uma ferramenta qualquer estará gerando um novo elemento de ordem
técnica. Da mesma forma, um grupo de engenheiros que desenvolve um nova
ferramenta a partir da análise de necessidades e de disponibilidades tecnológicas estará
gerando uma nova tecnologia, ou elemento de ordem tecnológica.
Com a invasão de objetos técnicos construídos a partir de princípios científicos,
i.e. de objetos tecnológicos3, o próprio termo "tecnologia" passou a ser utilizado como
sinônimo, quando não substituto do termo "técnica". "Tecnologia transformou-se em
um superlativo, sábio ou pedante, de técnica, ao ponto de causar espanto o uso do
termo técnica na imprensa em geral" (Séris, 1994, p. 3). Não queremos "dar murro em
ponta de faca" utilizando o termo "técnica" em substituição ao termo "tecnologia", o
qual já conquistou voz popular. Aliás, segundo o Dicionário Aurélio (Ferreira, 1985), o
termo "técnica", para designar o que hoje significa "tecnologia", já está em desuso. O
que queremos é chamar a atenção para o fato de que técnicas, como eram chamadas
antes do encontro da ciência com "as artes e os ofícios", continuam a surgir, mas de um
modo periférico às tecnologias que são centrais.
Deve-se considerar, também, o fato de que o mesmo termo "tecnologia" é,
muitas vezes, interpretado como substituto do termo "objeto tecnológico", quer sejam
instrumentos, máquinas, equipamentos, processos, etc. Ora, estes são, assim como no
caso da técnica pura, elementos da tecnologia. Eles, por si só, não bastam para
englobar todo o entendimento que se possa vir a ter do termo, pois "o que reside nas

3 Simondon (1958) desenvolve uma série de assertivas sobre as definições de "objeto técnico" e
"objeto tecnológico". Em suma, podemos considerar como sendo um objeto técnico todo o objeto que
contém uma técnica na sua origem. Por substituição, o objeto tecnológico se difere por ter uma
tecnologia na sua origem. Ambos diferem, no entanto do objeto natural, aquele que existe por si só
como resultado da natureza e sua criação. Em outras palavras, a diferença está na origem (gênese) dos
objetos.
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máquinas é realidade humana, gestos humanos fixados e cristalizados em estruturas


que funcionam" (Simondon, 1958, p. 12),
Conforme DeBresson (1987, p. 1),

"tanto este termo [tecnologia] e o termo técnica se referem a modos de fazer


coisas. (...) Cada vez mais as pessoas invocam tecnologia para designar
ferramentas e instrumentos e não procedimentos humanos; (...) o conhecimento
para fazer o hardware funcionar [i.e. o software] é visto como secundário. (...)
Isolado, no entanto, o hardware não faz sentido; só as formas humanas de uso
das máquinas ou das ferramentas é que as fazem compreensíveis."

No limite, pode-se dizer que "tecnologia" é basicamente constituída pelas


técnicas "modernas", isto é, aquelas desenvolvidas após a Revolução Industrial e, mais
ainda, desde a II Guerra Mundial, onde o termo passa a ser confundido com o termo
anglo-saxão high-technology. O que não deixa de ser verdade, na medida em que, a
partir dos séculos XVII e XVIII, a ciência deixa o seu lado puramente contemplativo
para se aliar à economia na busca de soluções práticas para problemas diversos. Trata-
se exatamente da proposta Clark (1985, p. 22), no sentido de que

"a aplicação sistemática do conhecimento científico ao processo de produção


econômica só vem a ser comum muito tarde na história. Nas primeiras fases da
industrialização, a base técnica de produção era fornecida por fatores tais como
a experiência prática e o conhecimento empírico, ligados a inovações
importantes, mas desenvolvidas e passadas adiante através da qualificação das
pessoas."

Claro que tecnologias sempre existiram. No Antigo Egito, a construção das


pirâmides certamente tinha um conteúdo tecnológico formidável; não existia, no
entanto, o uso econômico explícito deste conteúdo. A tecnologia em questão era gerada
a partir do estudo e da sistematização, mas não era aplicada enquanto modo de fazer
economicamente produtivo. Uma técnica ou uma tecnologia só poderá ser
considerada inovadora e verdadeiro agente de progresso técnico quando for portadora
de valor de troca. O simples valor de uso não basta. É nestes termos que as tecnologias
somente entram em circulação nas economias a partir da Revolução Industrial. Antes,
o seu uso era restrito, até mesmo, irrelevante para o progresso do homem. Muito pelo
contrário, a essência do progresso estava no uso de técnicas puras, ou seja, aquelas
desenvolvidas a partir da prática.
O capitalismo passa a ter, através do uso da ciência para o desenvolvimento e o
aperfeiçoamento dás técnicas, um papel civilizador (Richta, 1969). É na contradição
entre as forças de produção que novos e melhores métodos de trabalho são
continuamente desenvolvidos. A divisão do trabalho irá permitir o surgimento de um
processo (exaustivamente descrito pelos economistas clássicos, notadamente A. Smith
e K. Marx) de simplificação e especialização do trabalho que irá ceder espaço para
mais ferramentas e futuras máquinas, ou seja, objetos técnicos/tecnológicos que
substituem o gesto (simples e especializado) humano. Tem-se aí todo um "significado
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social que corresponde à inversão do sujeito e do objeto [no processo produtivo, e que]
é característica do capital enquanto relação de produção" (Richta, 1969, p. 18)4.
Não se deve, por exemplo, falar na "tecnologia da indústria de impressão".
Deve-se, isto sim, falar em termos da "técnica de impressão", a qual, nos últimos
tempos, sofre a ação das "novas tecnologias ligadas à indústria de impressão", como,
por exemplo, os editores de texto e a impressão a laser. Estas, aliás, não têm mais a ver
com a técnica tradicional de impressão, a não ser pelo resultado final: sinais
reproduzidos em uma superfície qualquer. O conteúdo da técnica tradicional de
impressão, baseado nos processos de carimbar, foram desenvolvidas a partir de
conhecimentos empíricos acumulados na atividade específica de impressão, não sendo
por isso, jamais, uma tecnologia.
No limiar das definições de "técnica" e de "tecnologia" está o mesmo conteúdo:
ambas traduzem um "como fazer" específico a uma atividade. Com o próprio
desenvolvimento histórico das atividades, as técnicas foram adicionando ao conjunto
de "como fazer", objetos técnicos que incorporam, de certa forma, uma parte destes
"como fazer", substituindo o próprio gesto humano. Se o homem das cavernas, ao
inventar a roda, foi dispensado de um esforço, podendo utilizar a sua capacidade
cognitiva para outras tarefas (por exemplo, desenvolver a carroça), o homofaber é
dispensado de possuir o próprio saber técnico. Com o aporte do conhecimento
científico, a memória técnica depositada nas máquinas e equipamentos é cada vez
maior, reduzindo a necessidade de o homem executar uma série de ações técnicas.
Sendo assim, "para estudar qualquer tecnologia (...) é necessário começar com as
práticas humanas e o know-how, sem abstrair seu conteúdo humano" (Clark, 1985, p.
37). Nestes termos, além de ser "máquinas em funcionamento", a tecnologia é, antes de
mais nada, "modos de fazer".
Voltemos ao início, quando foi utilizado o exemplo da abelha e do arquiteto e
quando foi definido o conhecimento como sendo uma faculdade intelectual exclusiva
do homem, e consideremos que as técnicas são elementos humanos. Mais ainda o são
as tecnologias, pois possuem o uso do intelecto para realizar a descrição lógica de uma
técnica.
Diferente do animal, cujo instinto é "fazer", o homem tem como instinto o
"pensar", onde o "fazer" é uma espécie de subproduto. Em outras palavras, o instinto
humano é de sempre resolver problemas. E é graças a isto que o conhecimento e as
suas utilizações evoluem. Ao contrário, o instinto animal é estático, isto é, o de sempre
"fazer" a mesma coisa. Um castor jamais modificará o "como fazer" que é necessário
para construir barragens à base de galhos e pedaços de troncos; já o homem, não só
imita a natureza (a barragem do castor), como a aprimora (constituindo barragens em
concreto).

4 Por trás destas afirmativas está toda a essência do materialismo histórico de Marx. Para ele, o
desenvolvimento econômico seria a causa maior do surgimento de novas técnicas/tecnologias, bem
como o responsável pela forma como a história seria escrita. Nestes termos, é na necessidade de se
desenvolver que os capitalistas buscam na ciência subsídios para resolver seus os problemas. É neste
momento que as técnicas puras vão ganhando, cada vez mais, contornos lógicos, sendo que a
tendência é haver uma substituição de corpos técnicos influenciados por novos detalhes tecnológicos
por corpos tecnológicos influenciados por detalhes técnicos.
11

Enfim, como a técnica é o resultado do embate entre o homem e a natureza, não


se diz do instinto "construtor de barragens" do castor que se trata de uma técnica, pois
neste caso o "como fazer" faz parte da própria natureza. De geração em geração, os
castores constróem barragens exatamente da mesma forma, sem qualquer tipo de
transmissão do (pseudo) savoir-faire. É instinto puro. Assim sendo, a técnica é uma
exclusividade humana.

4. A interface entre conhecimento e desenvolvimento

As técnicas e as tecnologias originadas de diferentes formas de conhecimento


são na verdade o modo segundo o qual este conhecimento se materializa, se
concretiza. Em geral, pode-se dizer que uma técnica e/ou uma tecnologia surge da
necessidade do homem ultrapassar algum tipo de obstáculo. Seja este obstáculo o
suprir necessidades básicas (como alimentação, moradia, vestuário), a falta de força, a
falta de precisão, até, entre tantos outros, a falta de prazer e, mais importante, a falta de
mais conhecimento. Foi assim com a invenção da roda, dos talheres, das roupas; foi
assim também com a invenção dos livros, do rádio, do automóvel, e o foi também com
a ida do homem à Lua.
O emaranhado de relações que cada solução de problema desencadeia é um
novo conjunto de soluções técnicas. Primeiramente, diretamente ligadas à solução do
problema original e, posteriormente, difundidas para outras soluções, aparentemente
sem relação direta. Para substituir a incapacidade física de se carregar pedras, o
homem inventou a roda; para aumentar o volume de pedras a serem carregadas de uma
só vez o homem inventou a carroça; para puxar várias vezes este volume, o homem
colocou animais de tração; para substituir os animais, queimou lenha; para substituir a
lenha, inventou o motor a combustão; mais tarde a energia elétrica. Ao lado de todas
estas criações e descobertas, o homem acumulou conhecimentos, cruzou-os e produziu
novos conhecimentos. Após a carroça, vieram os trens, os automóveis; da necessidade
de se transportar mais e mais rápido, surgiram os navios, os aviões; enfim, novas
técnicas foram sendo desenvolvidas, novos saberes acumulados, novas tecnologias
aplicadas.
Assim, enquanto fonte de desenvolvimento, o conhecimento assume a forma de
prática (conhecimento empírico) e/ou de ciência, cujos modos de aparência são,
respectivamente, as técnicas e as tecnologias. Em outras palavras, a interface entre o
conhecimento e o desenvolvimento é feita pelas técnicas em geral -- técnicas "puras",
técnicas "lógicas" ou ambas.

5. O Desenvolvimento

A utilização de uma técnica ou de uma tecnologia garante o funcionamento de


uma determinada atividade produtiva, atividade esta que supostamente deverá estar
adequada aos objetivos que se quer atingir. Mas, para estar adequada, esta atividade
deverá poder encontrar meios de se desenvolver continuamente.
O desenvolvimento da atividade se dá através de modificações feitas nas
técnicas e nas tecnologias, o que, em última análise, significa modificação na base dos
12

conhecimentos empíricos e científicos. A experiência, o aprendizado, as descobertas,


as pesquisas, entre outros, são maneiras de concretizar estas modificações nas técnicas
e nas tecnologias, mantendo a atividade produtiva em funcionamento.
Visto sob este prisma e conforme destacam Bremond & Geldan (1981, p. 336),
DESENVOLVIMENTO é "a combinação de modificações mentais e sociais de uma
população que a capacita à fazer crescer de forma acumulativa e durável seu produto
real global". Em outras palavras, trata-se de "um feixe de transformações que modifica
os comportamentos, integra os progressos dos conhecimentos, os melhoramentos nas
qualificações, o savoir-faire industrial, modifica as antecipações no sentido de uma
acumulação".
O desenvolvimento influenciado pelo conhecimento empírico e pelo
conhecimento científico é representado por novos métodos, novos princípios, novas
técnicas, novas linguagens, novos dispositivos, novas tecnologias, enfim, novas
condições que significam um avanço em relação a uma situação anterior. Isto quer
dizer que o desenvolvimento (principalmente quando confundido com crescimento
econômico) é o crescimento da capacidade de uma sociedade de prover a base material
e de conhecimento para a vida humana e social.
O desenvolvimento, em geral, é o conjunto de progressos de uma sociedade;
progresso econômico, progresso técnico, progresso político, progresso cultural, etc.
Mas, mais do que todos estes progressos, é o progresso das técnicas/tecnologias que irá
delinear os contornos assumidos pelo estado de desenvolvimento de uma sociedade.

* * *
À guisa de conclusão, a Figura 1, abaixo, serve de resumo das principais
interações que estão contidas na relação entre conhecimento e desenvolvimento.

Figura 1: A Relação entre Conhecimento e Desenvolvimento

É preciso, no entanto, entender como se dá a transformação do conhecimento


em desenvolvimento. Pode-se falar em termos de processo de resolução de problemas,
de processo de inovação e de processo de geração de tecnologia; em todos os casos
utiliza-se, produz-se e aplica-se conhecimentos.
13

6. A produção de novos conhecimentos e as suas aplicações práticas: as inovações

Em linhas gerais, a produção de novos conhecimentos é baseada em uma


atividade específica, formal ou não, realizada pelos diferentes agentes sociais e
centrada na acumulação e na utilização dos conhecimentos disponíveis, fazendo
aplicações dos mesmos para se alcançar o desenvolvimento, bem como novos
conhecimentos. Trata-se de uma atividade cujos resultados, mais ou menos sensíveis,
são perceptíveis na forma de INOVAÇÕES -- inovações técnicas e/ou inovações
tecnológicas.
As inovações, até em função do tipo de processo que está na sua origem, podem
ser de diferentes graus de importância face ao conjunto de conhecimentos em voga. Na
verdade, uma inovação é uma nova combinação de conhecimentos para gerar um novo,
porém um novo conhecimento que tenha valor de troca e não só valor de uso. É ai que
se situa a diferença entre invenção e inovação. A invenção é a solução tecnicamente
viável de um problema, enquanto a inovação é a solução técnica economicamente
viável do problema. Enquanto a invenção ficaria restrita ao âmbito das idéias, esboços
e modelos para um novo ou um melhor produto, processo, etc, a inovação é a solução
de fato de um problema. Ela pode ser tanto resultado da atividade de resolução de
problemas de rotina, como pode ser o resultado de um processo de pesquisa ou de
invenção.
Sejam elas objetos técnicos e/ou tecnológicos ou, simplesmente, um modo de
fazer, considera-se dois níveis principais de inovações. O primeiro nível é aquele das
inovações INCREMENTAIS, aquelas que se realizam de um modo mais ou menos
contínuo e que são normalmente representadas por adaptações e melhoramentos. A
todo momento estão acontecendo estas inovações menores que servem, muitas vezes,
só para manter o funcionamento adequado de uma atividade qualquer. São também
inovações de tipo periférico, ou seja, que não alteram de uma só vez o conteúdo básico
de uma técnica ou de uma tecnologia.
Considera-se (e isto é importante) que muitas técnicas tradicionais sofreram a
ação de inovações incrementais de ordem tecnológica, sendo que ao final de um longo
processo de adaptação, a técnica original passou a estar "tecnologicamente
desvirtuada". Da mesma forma, tecnologias são modificadas por inovações
incrementais técnicas. Sendo assim, no longo prazo, um conjunto de inovações
incrementais dá origem a modificações consideráveis na técnica e/ou na tecnologia.
Visto de modo pontual, o processo de inovação seria em degraus; mas, o que na
verdade acontece, é um processo de evolução gradual.
O segundo nível é o das inovações RADICAIS, ou seja, aquelas que causam
modificações de monta nas técnicas e/ou tecnologias. São elas que fazem a técnica
evoluir de um nível para outro sem passar, aparentemente, por um processo gradual. A
conseqüência deste processo é um efeito de spill-over muito mais sensível do que o das
inovações incrementais; todo o sistema é atingido de uma vez só, não tendo tempo
para se adaptar gradualmente.
Mas uma inovação radical não é, necessariamente, o resultado de um único
processo de inovação. Ela é geralmente o resultado da confluência de vários processos
de inovação, todos incrementais. No momento em que a inovação radical acontecer,
isto é, a confluência, chega-se ao momento de um salto para outro degrau. O processo,
14

entretando, continua sendo gradual. A figura 2 abaixo serve para caracterizar o que
acabamos de dizer das relações entre inovação radical e incremental5.

Figura 2: O processo de inovação incremental

Ressalta-se, principalmente, o fato de que as inovações incrementais


(representadas, na figura, pelos círculos menores -- in) tendem a agregar-se, em T2, a
uma inovação radical (representada pelo circulo maior, r1, em T1), dando origem, no
longo prazo (T3), a uma nova estrutura técnica que caracteriza uma nova inovação r2,
que pode ser considerada radical. Esta, na verdade, evolui com o tempo (T1-->T2--
>T3), mas desde que se olhe de modo pontual (T1 e T3), o efeito parece ser em
"saltos", pois r1 é diferente de r2.
Entre estes dois pólos, incremental e radical, subentende-se também diferentes
níveis de atividades de produção de novas técnicas/tecnologias. Tais atividades
utilizam o conhecimento disponível, apresentando inovações que garantem um estado
de desenvolvimento. Pode-se chamar essa atividade específica de geração de
conhecimentos e, por conseqüência, de geração de novas soluções -- adaptações,
melhoramentos, inovações incrementais e radicais -- de ATIVIDADE DE
INOVAÇÃO (ou de concepção).
É da atividade de inovação que nascem os fluxos que caracterizam a relação
entre conhecimento e desenvolvimento.
Fala-se também em atividade informal e formal. Ser informal e melhorar ou
gerar novas técnicas é principalmente a característica de uma atividade de inovação
que se apresenta na forma de uma atividade de resolução de problemas. Ao
contrário, ser formal e geradora de tecnologia é característica de uma atividade
inovação realizada em instituições e locais específicos, por exemplo, nos
departamentos de P&D. Desde o encontro da ciência com a produção, a atividade
formal transformou-se na mais dinâmica (isto é, a maior fonte de novos conhecimentos
e novas soluções, logo de desenvolvimento) e, por conseqüência, na mais importante.

5Cabem aqui agradecimentos a Mauro C. Real pela ajuda ao sistematizar, nesta figura, os princípios envolvidos
neste debate.
15

Voltando à Figura 2, se r1 for uma técnica e os diversos in, tecnologias, a


tendência é de encontrar, em T3, uma nova técnica (r3) que foi "tecnologicamente
desvirtuada" e, por isso, passa a ser uma tecnologia. Do mesmo modo, se r1 for uma
tecnologia e as in, técnicas, muito provavelmente r2 será uma nova tecnologia, onde as
diferentes técnicas in foram devidamente absorvidas, descritas e utilizadas de um
modo tecnológico.
A tendência é de que as técnicas percam espaço para as tecnologias, sendo
absorvidas por estas devido à diferença de nível das atividades de geração (de
inovação) de umas e de outras. Esta diferença de nível da atividade traz em seu bojo
duas componentes: uma, histórica, e a outra, de complexidade.

7. O processo de inovação e a história

Historicamente, o processo de inovação sempre existiu. Até o século XVII, ele


era tão somente informal e baseado no empirismo, onde objetivo era essencialmente
resolver problemas de ordem técnica. O seu caráter era puramente artesanal e o seu
caminho de evolução era diretamente ligado às necessidades das atividades
econômicas, estando distanciado do caminho percorrido então pela atividades
científicas, de caráter puramente intelectual e contemplativo.
Tal atividade de resolução de problemas era realizada pelo próprio agente de
execução da atividade produtiva, o qual corrigia os seus erros e solucionava os seus
problemas na medida do necessário. O desenvolvimento era, obviamente, lento,
marcado por soluções técnicas, porém não menos dependente do conhecimento
(empírico e individual, no caso).
É somente a partir do uso do conhecimento científico como fonte de resolução
de problemas, ou seja, quando a atividade científica abandona o seu caráter
contemplativo, que tal processo ganha um caráter formal. Mais do que isso, com a
evolução das sociedades industriais (a partir do século XVIII) e, por conseqüência, das
suas necessidades, a atividade de concepção (inovação) ganha, paradoxalmente, em
autonomia, libertando-se da própria atividade de execução.
O encontro entre o artesanal e o intelectual, realizado por indivíduos diferentes,
altera completamente a lógica do desenvolvimento. À técnica de produção, já
existente, veio se adicionar a tecnologia, ou seja a técnica de origem lógica. O ritmo de
desenvolvimento se acelera; o progresso tecnológico vem somar-se ao progresso
técnico, criando um efeito de sinergia. Este amálgama transforma-se na essência da
relação entre conhecimento e desenvolvimento nas modernas sociedades industriais.
Em sua impecável análise histórica do desenvolvimento tecnológico desde a
Revolução Industrial, Landes (1994, p. 9-10) diz que "a tecnologia moderna produz
não apenas mais e com maior rapidez [ou seja, aumentos quantitativos da
produtividade]; ela produz objetos que não poderiam ser fabricados, de maneira
nenhuma com os métodos artesanais do passado".
Assim sendo, se foi graças à necessidade de desenvolvimento por parte das
atividades econômicas (cf. nota 4) que a C&T passou a integrar a função geral de
16

desenvolvimento, só foi, no entanto, graças à C&T que o desenvolvimento socio-


econômico pôde dar o salto quantitativo e qualitativo observado nos últimos 200 anos6.

8. O processo de inovação e a complexidade tecnológica

A evolução das sociedades não justifica por si só a necessidade de uma


atividade de inovação autônoma e capaz de gerar tecnologia. São, na verdade, as
próprias exigências dos processos produtivos que levaram os capitalistas a pedir ajuda
aos cientistas. É na inevitável divisão do trabalho e na decorrente necessidade de
organizar diferentes indivíduos como se fossem um único organismo em perfeito
funcionamento que nasce a maior demanda por novas soluções, ou seja, por inovação.
O capitalista busca na ciência e nas suas aplicações práticas, a fonte de solução
de problemas que não encontra pelos caminhos práticos usuais. Nestes termos é que se
pode considerar que foram as relações capitalistas que abriram as portas à Revolução
Industrial, através da utilização da ciência para produzir novas e melhores técnicas;
doravante, tecnologias. A utilização da ciência envolve pessoas que interagem e que
trocam idéias, fazendo com que o progresso técnico ganhe em dinamismo. Nestas
situações, não bastavam soluções de ordem prática e imediata para lidar com os
problemas que eram mais numerosos e complexos.
Este aumento de complexidade se dá, no entanto, de forma diferenciada de um
processo produtivo para outro, de um setor industrial para outro. Um aporte maciço de
conhecimento científico não é necessidade geral de todas as indústrias. Passa a ser um
paradigma que será mais ou menos seguido. O que se visa estabelecer aqui é uma
relação entre o nível de complexidade da atividade produtiva e a forma de organização
que irá assumir a atividade de inovação.
Em se tratando de uma atividade produtiva baseada em uma técnica tradicional,
a simples atividade de resolução de problemas, resultado de um processo de tentativa e
erro, pode ser suficiente para assegurar o bom funcionamento da atividade produtiva
em questão. O agente de resolução de problemas utiliza os seus conhecimentos
contrapondo-os ao problema e tenta encontrar uma solução dentro das normas que lhe
convém. Uma solução que não deixará de ser uma inovação; somente não será uma
inovação tecnológica. Setores industriais intensivos em mão-de-obra guardam, até
hoje, os contornos desta atividade de resolução de problemas como sendo fundamental
para o incremento técnico periférico a uma tecnologia dada. Sendo geralmente setores
supplier dominated (Pavitt, 1984), o corpo tecnológico principal já está desenvolvido,
sendo necessário apenas modificações incrementais. Nestes casos, o investimento em
P&D pode acabar sendo muito mais um custo do que um verdadeiro investimento.
Entretanto, uma vez considerando uma atividade de inovação tecnológica
propriamente dita, o processo de inovação é na verdade uma atividade de P&D. Para os
casos de setores productive intensive e science based (Pavitt, 1984), novos processos e
novos produtos não podem ser concebidos de modo informal. Para fazer voar um

6 Marcorini (1988) descreve uma série de avanços técnicos, científicos e tecnológicos desde a antigüidade até os
tempos de hoje, comprovando que, só no século XX, se concentra muito mais da metade de tudo o que já se
inventou e se inovou. E, como diz Landes (1994, p. 10), "o cidadão inglês de 1750 estava muito mais próximo
dos legionários de César, em termos do acesso às coisas materiais, do que de seus próprios bisnetos".
17

avião, é impensável que o seu processo de produção seja realizado de modo artesanal,
pois são necessárias pesquisas de aerodinâmica, de materiais, de gabaritos, de
eletrônica, etc.
Nas modernas sociedades industriais, a complexidade tecnológica alcançou
estágios onde é absolutamente indispensável o investimento em estruturas formais de
inovação em um número crescente de setores. O processo de inovação, em si, ganha
um status sistematizado, sendo subdividido em diferentes etapas, das quais ressalta-se
as seguintes: pesquisa fundamental, pesquisa aplicada, P&D industrial, inovação,
produção. A partir destas definições passa-se a ter noção do moderno processo de
inovação (tecnológica); processo este que passa a ser a essência do progresso técnico.
A PESQUISA FUNDAMENTAL (ou básica) é um trabalho experimental ou
teórico realizado com o objetivo primeiro de adquirir novos conhecimentos sobre os
fundamentos (as razões) dos fenômenos e dos fatos observáveis, sem para tanto
preocupar-se com uma aplicação particular ou uso imediato. Ao invés de dar início a
uma cadeia de atividades que irá terminar numa aplicação específica, esta é uma
pesquisa de alto grau de generalidade que visa o acúmulo de informações cientifico-
tecnológicas e o avanço da fronteira em todos os campos do conhecimento, sendo,
portanto, de longo prazo de maturação. É, na verdade, a atividade de pesquisa
científica por excelência. Realizada em universidades e institutos de pesquisa, ela é
geralmente uma atividade autônoma e externa ao sistema econômico, porém, em
muitas situações, ela é financiada, direta ou indiretamente, pelo próprio sistema
econômico. Exemplos de financiamento direto, como o da IBM que investe em
pesquisa e colhe os frutos abrigando inclusive alguns ganhadores de Prêmio Nobel
dentro de alguns dos seus laboratórios, não são raros na iniciativa privada. De modo
indireto, os governos tendem a monopolizar os gastos com este tipo de pesquisa. Neste
sentido, são investidas somas a fundo perdido, mas que são valores incluídos em
amplos projetos ou políticas nacionais de desenvolvimento econômico.
A cadeia tem a sua continuidade na PESQUISA APLICADA. Trata-se também
de investigação original realizada com o intuito de produzir novos conhecimentos. Ela
é, no entanto, direcionada para um objetivo específico. "Na pesquisa aplicada, o
objetivo é alcançar um dispositivo utilizável e útil (...)" (Abragam, 1980, p. 1).
Geralmente, os institutos e centros de pesquisa podem ser vistos como um meio de
interface entre a ciência pura e as aplicações tecnológicas. Tem-se uma evolução
gradual do geral para o específico, partindo das universidades até chegar às empresas,
isto é, no universo da produção, local de aplicação das inovações.
Sendo a função primordial das empresas, em termos de desenvolvimento
tecnológico, garantir a aplicação material e economicamente viável das invenções, elas
devem, de qualquer forma, realizar algum esforço de pesquisa. Este esforço é
representado pela sua capacidade tecnológica, isto é, "a capacidade das empresas no
que diz respeito à seleção, ao licenciamento, à adaptação, ao aperfeiçoamento e à
difusão de tecnologias (...), assim com [a capacidade] de desenvolvimento endógeno
de inovações tecnológicas" (IPEA, 1990, p. 9). Tal capacidade é identificável através
da atividade de DESENVOLVIMENTO EXPERIMENTAL (ou P&D) realizada pelas
empresas em departamentos específicos. Aqui, o objetivo da pesquisa tecnológica diz
respeito à procura de uma solução para um problema real e imediato. Trata-se de
trabalho sistemático, desenhado com base no conhecimento científico existente e
acumulado com pesquisa fundamental e aplicada, que é direcionado à produção de
18

novos materiais, produtos ou dispositivos, à instalação de novos processos, sistemas ou


serviços, ou ainda ao melhoramento de produtos, processos, etc., já existentes. Em
última análise, o desenvolvimento experimental é a ponta mais visível do extenso
processo que deverá confluir para a realização de inovações7.
Em resumo, temos, de um lado, um processo de inovação técnica, baseado em
conhecimentos empíricos adquiridos na prática e com a experiência, e cuja
sistematização é praticamente impossível, mas que não impede o desenvolvimento; do
outro, temos um processo de inovação tecnológica, baseada principalmente no
conhecimento científico. É por intermédio deste segundo processo que a variável
ciência & tecnologia assume o seu status de motor principal do desenvolvimento,
sendo representada pelo sistema tecno-científico (cf. nota 7).
A união dos dois processos, o de inovação técnica e o de inovação tecnológica,
é totalmente viável, ao contrário do que pressupõe a análise institucional, e
completamente desejável, como propõem os japoneses. De certa forma, existe uma
espécie de complementaridade entre os dois processos no dia a dia, enquanto a
dicotomia parece ficar restrita ao universo das ciências. Ao sistema que integra os dois
processos chama-se de sistema de inovação.
Este sistema, incluído no sistema tecno-científico -- o qual integra também o
sistema científico, isto é, o das atividades institucionais de produção de conhecimento
científico --, é o que considera tão somente o processo de inovação em sua
extremidade mais visível, ou seja nas empresas. As ligações possíveis (e louváveis)
com o sistema científico existem, mas só acontecem na medida em que tragam alguma
vantagem econômica para as empresas. Caso contrário, estas realizam as suas
atividades (formais ou informais) de inovação de modo exclusivamente endógeno.

9. Considerações finais: inovação de produto ou inovação de processo? A


controvérsia do desenvolvimento tecnológico e do progresso técnico

Uma inovação -- além de ser radical ou incremental -- pode ser de produto,


de processo ou de gestão. Pelo próprio nome fica clara a diferença de qualidade entre
estas. O que se quer aqui é, fundamentalmente, caracterizar a diferença que existe entre
a inovação de produto e a inovação de processos para a relação entre conhecimento e
desenvolvimento.
Muitos são os novos produtos que surgem a um ritmo quase diário. Poucos são,
no entanto, os novos processos, sejam máquinas e equipamentos ou métodos gerências,
que despontam. Para explicar melhor esta proposição, vamos utilizar um exemplo
prático. O air-bag é um produto novo, incluído nos automóveis, que pode ter saído do

7 Este processo formal de inovação, o qual tem origem na metodologia científica e dá origem a novas
tecnologias, é institucionalizado no sistema tecno-científico. Isto nada mais é que o objeto de análise
sistêmica da relação entre conhecimento e desenvolvimento, onde a base de conhecimento é
científica, concentrada em universidades, centros de pesquisa e empresas (Zawislak, 1991). Uma
análise em termos deste sistema subjuga, no entanto, o papel do conhecimento empírico dentro do
processo de inovação. Assim sendo, em termos de sistema tecno-científico, só é inovação o que for
resultado de pesquisa e de desenvolvimento. Isto até pode ser válido em certas realidades sociais, mas
não o é totalmente em outras.
19

lampejo de um engenheiro face à necessidade de proteger o motorista e o passageiro ao


seu lado. É um produto, por si só, de impressionante efeito revolucionário dentro da
questão de segurança ao volante. Neste sentido, ele é progresso técnico. Ele não
contém, no entanto, novidades quanto ao modo de fabricação, ou seja não apresenta
inovação tecnológica de processo. O air-bag não deixa de ser um balão, fabricado com
um material altamente resistente (material este fabricado segundo métodos
tradicionais), que será inflado automaticamente (existe, para tanto, um reservatório de
ar comprimido) toda vez que um sensor de choque, instalado no automóvel, acusar um
determinado nível de impacto. Na verdade, pouco se acrescentou ao conjunto de
técnicas/tecnologias; pequeno foi o desenvolvimento tecnológico, pois o processo de
fabricação dos diferentes objetos tecnológicos (e até objetos técnicos, como por
exemplo o próprio balão) é um processo conhecido e que sofreu poucas modificações
frente à necessidade de produzir este novo produto.
Assim sendo, é muito mais comum encontrar inovações de produto do que de
processo8. Qualquer empresa que estiver fazendo uma simples modificação no seu
produto de base estará, de um modo ou de outro, inovando. O resultado desta aplicação
de conhecimento será, certamente, um desenvolvimento stricto sensu, mas não será, no
entanto, tão sensível e duradouro como uma inovação de processo para o
desenvolvimento tecnológico.
A difusão de um novo produto é várias vezes mais rápida do que a de um novo
processo. A contrapartida de explicação para tal fenômeno é o fato de que é mais fácil
copiar um produto do que um processo. A reverse engeneering garante a cópia do
produto, nos mais íntimos detalhes, inclusive a nível do processo de produção. Um
novo processo é, no entanto, facilmente objeto de maquiagem, principalmente se ele é
fonte de ganhos de produtividade. O produto que tal processo produz mantém a sua
qualidade, pode ser vendido a um mesmo preço, mas pode ter o seu custo reduzido ou
o ganho de produtividade repassado para salários e lucros. Contrariamente, o novo
produto gera um ganho extra provisório, até que a cópia (feita mais rapidamente) entre
no mercado, force a competição, reduza o preço e, por conseqüência, acabe como
ganho extra. Claro que para produzir um novo modelo de calçado, por exemplo,
algumas modificações periféricas são aportadas ao processo; elas são, no entanto,
modificações menos sensíveis do que a adaptação da linha de modelos de uma empresa
uma vez comprada uma nova máquina.
É necessário, então, que a diferença de importância de cada caso dentro da
relação entre o conhecimento e o desenvolvimento esteja clara. Assim, uma
modificação, que pode ser uma simples "enjambração" ou uma inovação incremental,
em um processo produtivo tenderá a ser, a priori, mais significativa do que uma
modificação em um produto.
Dada esta característica do processo de inovação e de seus reflexos sobre o
desenvolvimento tecnológico, sabe-se, no entanto, que a inventividade do homofaber
no que diz respeito a novos processos é inferior àquela relativa a novos produtos.
Assim, quando se falar de inovação técnica e tecnológica se está querendo ver

8 Fica aqui uma ressalva no que tange as inovações de processo em termos de máquinas e equipamentos. Kuznets
(1971) levanta o fato de que a definição de "inovação de processo" e de "inovação de produto" irá depender
muito do ponto de vista do qual se olha o resultado do processo de inovação. As inovações de processo são
caracterizadas por novas máquinas e equipamentos; ora, essas mesmas máquinas e equipamentos caracterizam
uma inovação de produto para quem as produz!
20

essencialmente o processo de inovação de processos ("modos de fazer", como se


definiu no começo), pois novos produtos são constantemente despejados no mercado
sem que se modifique necessariamente a tecnologia (e muitas vezes à técnica) em uso.
Todo este debate tem sua origem em uma importante frase de Marx (1973, vol.
I, p.182), segundo o qual "o que distingue uma época econômica de outra é menos o
que se fabrica do que o modo de se fabricar, os meios de trabalho pelos quais se
fabrica". A aplicação, formal ou não, de conhecimentos diretamente ao processo de
produção é a grande forma de se visualizar a relação entre conhecimento e
desenvolvimento (não é a única). Em termos econômicos, é mais provável que um
ganho de produtividade, resultado de um incremento técnico na produção, seja
repassado aos trabalhadores, do que o ganho extra relativo à venda de um novo
produto. Até porque esse ganho tenderá a desaparecer com a generalização do produto
no mercado. Durante mais de trinta anos, o paradigma fordista de produção esteve
baseado neste dogma, ou seja, salários atrelados à produtividade, o que significa
melhoramentos no processo e não nos produtos.
Esta discussão entre "inovação de processo e inovação de produto" é extensa e
complexa. O que devemos ter em mente é a diferença da dinâmica de uma e de outra:
não só dinâmica de impacto, mas de longo prazo. De resto, quando se pensar em
termos de progresso técnico, ambos os processos são importantes. Até porque, o
conteúdo do progresso em geral é fortemente influenciado pelo número superior de
novos produtos e não de novos processos. O surgimento de um novo produto, como
por exemplo o tênis, pode revolucionar completamente a estrutura do produto geral de
uma indústria. Neste sentido, a sua contribuição para o progresso técnico é
fundamental. O tênis, enquanto tecnologia, isto é, "modo de fazer", não é, no entanto,
portador de uma enorme quantidade de novos conhecimentos, uma vez que as técnicas
de produção e de organização da produção não precisam ser alteradas. Em outras
palavras, mesmo sendo elemento de progresso técnico, tal inovação não é portadora de
desenvolvimento tecnológico.
Outros produtos têm efeitos multiplicadores e de progresso técnico mais nítidos
ainda. O mais clássico talvez seja o automóvel, e o mais atual, o computador pessoal.
Não somente eles contêm e agregam constantemente novos conhecimentos com
relação aos antigos objetos técnicos que eles supostamente devem substituir, como eles
revolucionam a própria estrutura técnica da indústria. O progresso técnico é
diretamente influenciado pela evolução desses produtos, uma vez que para serem
resolvidos problemas no produto são necessárias modificações nos processos.
Cabe aqui, contudo, a ressalva, já feita, de que produtos como esses não
aparecem todos os dias, sendo, por esta razão, considerados inovações radicais. E mais:
a evolução gradual do próprio produto passará a ser muito mais afetada por inovações
de processo, como o aperfeiçoamento da miniaturização para poder aumentar a
capacidade de processamento dos computadores. Claro que muitos novos produtos,
mesmo sendo imaginados, têm a sua produção totalmente impossibilitada frente ao fato
de que o grau de evolução do conhecimento humano, tanto empírico como
principalmente tecnológico, não oferece meio de produzi-los. Um exemplo clássico são
os diversos protótipos que as empresas constróem, mas, na falta de um processo
economicamente viável, não podem produzir em escala industrial; em outras palavras,
não existe ainda tecnologia para tanto.
21

Em resumo, o progresso das técnicas em geral deve incluir todo e qualquer tipo
de inovação (radical e incremental, de produto e de processo), mas o desenvolvimento
tecnológico será principalmente (e diretamente) influenciado pelos avanços nos
"modos de fazer". Os produtos têm um papel de estímulo às inovações de processos.
Portanto, uma empresa que investe na constituição de capacitação tecnológica, investe,
antes de mais nada, na capacidade de adequar o seu processo produtivo às normas e às
exigências de qualidade, competitividade e produtividade.
A falta de homogeneidade na qualidade de produtos, cujos projetos podem ser
altamente inovadores e conter um altíssimo nível de complexidade tecnológica, será
exclusivamente dependente do grau de desenvolvimento tecnológico do processo
produtivo. A inovação de produto, por melhor que seja, não passará de uma "invenção"
se o processo (ou a inovação de processo) por trás não viabilizar economicamente a
sua produção.
Finalmente, é mais fácil adaptar um produto qualquer a um processo
plenamente desenvolvido do que desenvolver um processo a fim de adaptá-lo a um
produto preestabelecido. O progresso técnico, mesmo que representado por produtos
cada vez mais complexos tecnologicamente, é variável dependente do
desenvolvimento tecnológico a nível de processo, e este, em suma, só irá acontecer se
o sistema econômico sentir necessidade para tanto.
Assim sendo, o simples desenvolvimento científico, sem a sua contrapartida
lógica, isto é, o desenvolvimento tecnológico, dificilmente será elemento de progresso
técnico. E, por isso, não será motor do desenvolvimento econômico.

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technologique et l'activité économique. Paris, Université de Paris VII, Mémoire
[Dissertação] de DEA.

ZAWISLAK, Paulo A. (1994). L'Activité de Conception: Les trajectoires


brésiliennes de l'industrie aéronautique et de l'industrie de la chaussure. Paris,
Université Paris VII, Tese de Doutorado (Doctorat Nouveau Régime).

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