Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ARTIGO ARTICLE
a transição de paradigmas, a reforma da C&T
brasileira e as concepções de gestores de uma
instituição pública de pesquisa em saúde*
Abstract This article intends to identify and Resumo O artigo analisa as diversas acepções
to discuss the meanings of the term innovation do termo “inovação” presentes na literatura,
in specialized literature, in institutional doc- em documentos institucionais e referidas por
uments and in a public health research insti- gestores de C&T. A partir da revisão da lite-
tution managers’ interpretations. A brief re- ratura sobre inovação e modelos de análise da
view of specialized literature was undertaken inovação analisaram-se as concepções de ino-
concerning innovation and models of analysis vação coletadas junto a gestores da Fiocruz.
of innovation. This review was used as refer- Constatou-se que a complexidade dos proces-
ence for the analysis of the meanings found in sos de inovação, a dificuldade de identificação
institutional documents of Science, Technolo- dos nexos causais entre Ciência, Tecnologia,
gy & Innovation from the Brazilian Ministry Economia e Sociedade e a aceleração das mu-
of the Science and Technology and in innova- danças do papel do conhecimento geraram uma
tion conceptions from managers of Fiocruz. grande proliferação de modelos de análise da
The complexity of the processes involved in in- inovação em oposição ao “modelo linear de
novation generation, the difficulty to identify inovação”, caracterizando um período de tran-
the causal links between science, technology, sição paradigmática. A análise dos documen-
economics and society and the acceleration of tos institucionais e das concepções dos gestores
the changes in the role of knowledge in society indicou uma convergência com concepções e
gave rise to several analytical models of inno- modelos de inovação adotados pelos países de
vation in contrast to the “linear model of in- economia avançada. Esses modelos estariam
novation”, suggesting a period of paradigm fundamentando uma reforma do setor de C&T
transition. The analysis showed a high level of brasileiro que pode ser caracterizada como uma
1 Departamento de Ensino convergence with the innovation models and política para a inovação tecnológica. Essa pers-
do Instituto Oswaldo Cruz,
Fiocruz. Av. Brasil, 4365,
conceptions adopted by the economic advanced pectiva reduz os objetivos das atividades de
Manguinhos, 21045-900 countries. These models have been influencing C&T a uma única questão: articular o em-
Rio de Janeiro RJ. an ongoing Brazilian Science and Technology preendimento científico com a inovação in-
mconde@ioc.fiocruz.br
2 Departamento de reform, introducing important issues to the dustrial e a competitividade, o que introduz
Ultraestrutura e Biologia public health sector. questões significativas para sua tradução na
Celular do Instituto Key words Innovation, Innovation policies, área da saúde pública.
Oswaldo Cruz, Fundação
Oswaldo Cruz, Fiocruz.
Science and technology policies, Public health Palavras-chave Inovação, Políticas de ino-
vação, Políticas de ciência e tecnologia, Saúde
* Apoio CNPq pública
728
do tempo e muitas vezes os aprimoramentos primeira versão remonta à década de 1960, te-
subseqüentes são mais importantes economi- ve nova versão publicada em 1994 e, após no-
camente do que a invenção original. Dessa for- vas atualizações, ganhou outra versão em 2002.
ma, a ênfase se deslocou da filosofia do simples Foram ainda criados naquela década dois ou-
ato de inovação tecnológica para o processo so- tros manuais pertencentes à série The Measu-
cial subjacente à novidade técnica economica- rement of Scientific and Technological Activi-
mente orientada (OECD, 1992). ties, da OECD: o Manual de Canberra (1995),
Como conseqüência desse deslocamento, o para mensuração de recursos humanos envol-
termo inovação do modelo linear foi substituí- vidos com a ciência e tecnologia, e o Manual de
do por processos de inovação ou atividades de Oslo (1997), dedicado à mensuração e interpre-
inovação nas novas abordagens, e mesmo quan- tação da inovação, publicado originalmente em
do o termo inovação comparece de forma iso- 1992 e que teve nova versão revisada publicada
lada sua significação é freqüentemente remeti- em 1997. E em 2001, uma iniciativa RICYT/
da a essas expressões/concepções. OEA/CYTED (2001) produziu o Manual de
A noção de redes também está presente em Bogotá que, inspirado no Manual de Oslo para
quase todos os estudos baseados nas novas garantir a comparabilidade internacional, pro-
abordagens. Ela reflete as dinâmicas interativas põe algumas referências para a adequação dos
que envolvem as múltiplas e contínuas cone- indicadores de inovação às especificidades que
xões, interações e intercâmbios entre os diver- caracterizam os sistemas de inovação e as em-
sos atores ou esferas e, em contraste com o mo- presas da América Latina e Caribe.
delo anterior, além das relações de causalidade Percorrendo essa literatura para a apreen-
e conexões lineares, as retroativas (feedback) e são das concepções e conceitos de inovação
recursivas também interviriam intensamente. com os quais trabalham, pudemos verificar
Às tradicionais redes formais e informais entre que, diversamente dos estudos mencionados
cientistas individuais ou entre laboratórios se anteriormente, os manuais distinguem as ativi-
superpuseram novas redes de inovação mais dades de inovação da inovação propriamente di-
formalizadas que permitem a divisão de traba- ta. A inovação se refere aos produtos e proces-
lho entre cientistas em contextos institucionais sos novos ou significativamente aprimorados
bastante distintos, conectam a universidade à introduzidos no mercado, e a qualidade do no-
indústria e a engenheiros de tecnologia indus- vo deve ter como parâmetro mínimo o novo
trial por meio de diversos tipos de acordos de para a empresa, podendo se ampliar geografi-
cooperação. Além de conceito analítico ou me- camente para a região, para o país ou para o
táfora útil para a interpretação do processo de mundo. Por outro lado, também foi possível
inovação, as redes também se tornaram impor- constatar que as especificidades dos processos
tantes componentes dos complexos científico- de inovação dos países em desenvolvimento
tecnológicos e vieram adquirir o caráter de ins- exigem adaptações dos conceitos e convenções
trumento das políticas científicas e tecnológi- utilizados pela OECD. Como veremos adiante,
cas. Uma das funções importantes dessas polí- essas adaptações envolveriam enfatizar as ativi-
ticas seria fortalecer as redes relacionadas com dades de inovação em face das inovações pro-
a inovação e auxiliar sua construção nas áreas priamente ditas, o que, de certa forma, deman-
em que elas não existam. daria uma re-tradução de inovação por ativida-
A mudança do contexto e a emergência de des de inovação.
novas abordagens e modelos para a análise da O Manual Frascati enfatiza os múltiplos
inovação também tiveram como conseqüência usos que o termo inovação pode adquirir e in-
a criação, a revisão e a atualização dos instru- troduz inicialmente a concepção de inovação
mentos internacionais de mensuração e análise científica ou tecnológica como a transformação
das atividades de P&D e de inovação, particu- de uma idéia em um novo produto ou em um
larmente a partir da década de 1990. A intensi- produto aprimorado introduzido no mercado,
dade e freqüência de criação e atualizações des- em um novo processo ou em um processo apri-
sa produção também são reveladoras da mag- morado utilizado na indústria ou comércio, ou
nitude dos impactos da emergência da “econo- em uma nova abordagem de um serviço social
mia baseada no conhecimento” e das novas (OECD, 1994). Esse manual se dedica aos insu-
abordagens da inovação. mos (inputs) das atividades de P&D, abrangen-
O Manual Frascati (OECD, 1994), voltado do fundamentalmente os gastos e os recursos
para a mensuração das atividades de P&D, cuja humanos envolvidos com a P&D, e sinaliza que
733
De acordo com o Manual de Bogotá, o Ma- derado nas análises dos países em desenvolvi-
nual de Oslo teria o mérito de incorporar no- mento. A idéia amplamente difundida de que
ções abrangentes e concepções interativas dos as atividades de inovação tecnológica se con-
processos de inovação e de enfatizar a necessi- centrariam nos países centrais e de que nos
dade de sua compreensão em contraposição à países em desenvolvimento só haveria proces-
visão de inovações notáveis isoladas dos pro- sos de difusão das tecnologias criadas naqueles
cessos e desenvolvimentos que as geraram, e países é deslocada pela constatação de que a di-
ainda, de indicar que as atividades de inovação fusão de tecnologias envolve um processo de
se encontrariam em todas as etapas do proces- mudança técnica contínua, geralmente incre-
so produtivo e que a mudança técnica estaria mental, cujos objetivos são adaptar as tecnolo-
totalmente imbricada nesse processo. gias adquiridas ao contexto específico no qual
No entanto, a definição de inovação adota- serão aplicadas. Essas atividades, relativas ao
da pelo Manual de Oslo obscureceria o aspecto aprendizado tecnológico, seriam caracterizadas
de maior interesse nos países em desenvolvi- como um processo contínuo de absorção e
mento que seria a análise das atividades e dos criação de conhecimento determinado em par-
esforços tecnológicos desenvolvidos pelas em- te por insumos externos e em parte pela acu-
presas para melhorar seu acervo tecnológico. mulação de habilidades e conhecimentos pas-
Desta forma, o Manual de Bogotá sugere a in- sados e conformariam as capacidades tecnológi-
trodução do conceito de Gestão da Atividade cas das empresas. Essas capacidades poderiam
Inovadora (GAI) que incluiria não somente a ir de um patamar mínimo em que a empresa
inovação em sentido estrito, mas também o detém apenas “capacidades de produção”, co-
conjunto de atividades constitutivas do Esforço mo é o caso da maior parte das empresas da
Tecnológico, que seriam aquelas referidas co- América Latina, até as “capacidades de inova-
mo atividades de inovação nos manuais da ção” que envolveriam a criação de novas possi-
OECD. bilidades técnicas introduzidas no mercado.
A GAI compreenderia, entre outras, as se-
guintes premissas: a superação do modelo li-
near por um complexo interativo em que os Inovação nas agendas brasileiras:
elementos intermediários ganham em impor- reforma do setor de C&T
tância frente às atividades de P&D; maior im-
portância das atividades de monitoramento, A preocupação com as políticas científicas e
avaliação, adoção e adaptação de tecnologias, tecnológicas na América Latina surgiu poucos
assim como os requerimentos de capacidades anos depois que os países industrializados to-
tecnológicas para o desenvolvimento dessas maram consciência de sua importância. Com a
atividades; maior importância dos mecanismos definição do crescimento como prioridade es-
de reconversão, como modernização organiza- tratégica fundamental e com a implementação
cional e investimentos incorporadores de mu- das políticas de industrialização por substitui-
dança técnica e em atividades inovadoras. A ção de importações, a maioria dos países da re-
análise da atividade inovadora nos países em gião criou instituições destinadas à formulação
desenvolvimento deveria, então, considerar as- de políticas, planejamento e promoção da ciên-
pectos referentes aos insumos (inputs) e aos re- cia e tecnologia neste marco já na década de
sultados (outputs). Do lado dos insumos, de- 1950, como foi o caso do Brasil.
vem ser consideradas a decisão de investimen- Embora as políticas científicas e tecnológi-
tos que têm a determinação de inovar, e a ênfa- cas do período tenham alcançado êxito no pla-
se na dimensão organizacional da inovação e no acadêmico, resultaram em baixa capacidade
nos investimentos que incorporem mudanças tecnológica do setor produtivo devido à escas-
técnicas, na medida em que a modernização sa demanda por conhecimentos tecnológicos
organizacional aparece como um mecanismo gerados localmente e em sistemas científicos
essencial de resposta à abertura da economia fracamente vinculados aos processos econômi-
frente à globalização. Do lado dos resultados, cos e sociais. A transferência de tecnologia pro-
concorreriam os aspectos relativos ao cresci- movida pelo modelo substitutivo não enfatiza-
mento da produtividade e ao fortalecimento da va os esforços de adaptação e aprendizado das
posição competitiva. empresas e indústrias, que se limitavam ao uso
O desenvolvimento de capacidades tecnoló- e aprendizado das práticas de produção (Dag-
gicas seria um aspecto fundamental a ser consi- nino & Thomas, 1999; Albornoz, 2001).
735
Referências bibliográficas
Albornoz M 1990. La ciencia y la tecnología como pro- Guimarães E A 1994. A pesquisa científica e tecnológica e
blema político. In M Albornoz & P Kreimer (comp.). as necessidades do setor produtivo. Ministério da
Ciencia y tecnología: estrategias y políticas de largo Ciência e Tecnologia. Brasília. Disponível em <http://
plazo. Eudeba, Buenos Aires. www.mct.gov.br>
Albornoz M 2001. Política científica y tecnológica. Una Jackson C 1999. Technology innovation, transfer, and com-
visión desde América Latina. Revista Iberoamericana mercialization: need for a nonlinear approach. Apre-
de Ciência, Tecnologia, Sociedad e Innovación 1 set.- sentado na 3a Annual International Conference on
dez. OEI. Technology Policy & Innovation. Austin, Texas 1999.
Araújo-Jorge TC & Conde MVF 2002. O que é inovação? Disponível em <http://www.ki-soft.com.htm>
Investigação das concepções de dirigentes de uma ins- Kline SJ & Rosenberg N 1986. An overview of innova-
tituição pública de pesquisa em saúde. Relatório téc- tion, pp. 275-306. In R Landau & N Rosenberg (eds.).
nico à presidência da Fiocruz, julho de 2002. The positive sum strategy. National Academy Press,
Bush V 1945. Science, the endless frontier. A report to the Washington.
president by Vannevar Bush, director of the office of Khun T 1962. The structure of scientific revolutions. Uni-
Scientific Research and Development, July 1945. versity of Chicago Press, Chicago.
Government Printing Office, Washington. Lall S & Teubal 1998. “Market-stimulating” technology
Cecílio LCO 2000. Trabalhando a missão de um hospital policies in developing countries: a framework with
como facilitador da mudança organizacional: limites examples from East Asia. World Development 26(8).
e possibilidades. Cadernos de Saúde Pública 16(4). Lundvall B-A 1988. Innovation as an interactive process:
Cozzens S, Healey P, Rip A & Ziman J 1990. The research from user-producer interaction to the national sys-
system in transition. NATO ASI Series. Kluwer Acad- tem of innovation. In G Dosi, C Freeman, R Nelson,
emic Publisher, Dordrecht-Boston-Londres. G Silverberg & L Soete (eds.). Technical change and
Dagnino R & Thomas H 1997. Science and technology economic theory. Printer Publishers, Londres-Nova
policy and S&T indicators: trends in Latin America. York.
Research Evaluation 6(3). MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) 1998. Programa
Dagnino R & Thomas H 1999. La política científica y tec- de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico –
nológica en América Latina; 1971. Redes 6(13). PADCT III. Brasília. Disponível em <http://www. mct.
Dagnino R & Thomas H 2002. Em busca de um marco de gov.br>
referência para a análise das políticas de inovação lati- MCT 2001b. Anteprojeto da Lei de Inovação. Brasília.
no-americanas (Mimeo). Disponível em <http://www.mct.gov.br>
Dosi G 1988. The nature of innovative process. In G MCT 2001. Fundos setoriais de desenvolvimento científi-
Dosi, C Freeman, R Nelson, G Silverberg & L Soete co e tecnológico: uma estratégia de desenvolvimento
(eds.). Technical change and economic theory. Printer nacional. Brasília. Disponível em <http://www.mct.
Publishers, Londres-Nova York. gov.br>
Ebner A 2000. Schumpeterian theory and the sources of MCT/ABC (Ministério da Ciência e Tecnologia/Academia
economic development: endogenous, evolutionary or Brasileira de Ciência) 2001. Ciência, tecnologia e ino-
entrepreneurial? Trabalho apresentado na Interna- vação: desafio para a sociedade brasileira. Brasília.
tional Schumpeter Society Conference, Manchester, Minayo MCS 1992. O desafio do conhecimento. Pesquisa
jun.-jul. qualitativa em saúde. Hucitec-Abrasco, São Paulo-
Etzkowitz H & Leydesdorff L 1995. The Triple Helix-Uni- Rio de Janeiro.
versity-Industry-Government relations: a laboratory Nelson R (ed.) 1993. National innovation systems: a com-
for knowledge-based economic development. EASST parative study. Oxford University Press, Nova York.
Review 14(1):14-19. Nelson R & Winter S 1982. An evolutionary theory of eco-
Etzkowitz H & Leydesdorff L 2000. The dynamics of in- nomic change. Harvard University Press, Cambridge.
novation: from National Systems and “Mode 2” to a OECD (Organization for Economic Co-operation and
Triple Helix of university-industry-government rela- Development) 1992. Technology and economy – the
tions. Research Policy 29(2000). Elsevier Science B.V. key relationships. The Technology/Economy Pro-
Fiocruz 2001. Diretrizes para a formulação do plano gram. Paris.
quadrienal 2001-2005. OECD 1994. Main definitions and conventions for the
Freeman C 1987. Technology policy and economic perfor- measurement of research and experimental develop-
mance: lessons from Japan. Printer Publishers, Lon- ment (R&D). A summary of the Frascati Manual 1993.
dres. Paris.
Freeman C 1994. The economics of technical change. OECD 1997. The measurement of scientific and techno-
Cambridge Journal of Economics 18. logical activities. Proposed guidelines for collecting
Freeman C 1995. The National System of Innovation in and interpreting technological innovation data. Oslo
historical perspective. Cambridge Journal of Econom- Manual. European Commission Eurostat.
ics 19. RICYT/OEA/CYTED (Red Iberoamericana de Indi-
Gerschman S 2001. Municipalização e inovação geren- cadores de Ciencia y Tecnología/Organización de Es-
cial. Um balanço da década de 1990. Ciência e Saúde tados Americanos/Programa CYTED) 2001. Nor-
Coletiva 6(2). malización de indicadores de innovación tecnológi-
Gibbons M et al. 1994. The new production of knowledge: ca en América Latina y el Caribe. Manual de Bogotá.
the dynamics of science and research in contemporary Rip A & Van der Meulen BJR 1996. The post-modern re-
societies. Sage, Londres. search system. Science and Public Policy 23(6).
741