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Modelos e concepções de inovação:

ARTIGO ARTICLE
a transição de paradigmas, a reforma da C&T
brasileira e as concepções de gestores de uma
instituição pública de pesquisa em saúde*

Innovation models and conceptions:


transition of paradigm, the Brazilian S&T
reform and conceptions of managers from
a public health research institution

Mariza Velloso Fernandez Conde 1


Tania Cremonini de Araújo-Jorge 2

Abstract This article intends to identify and Resumo O artigo analisa as diversas acepções
to discuss the meanings of the term innovation do termo “inovação” presentes na literatura,
in specialized literature, in institutional doc- em documentos institucionais e referidas por
uments and in a public health research insti- gestores de C&T. A partir da revisão da lite-
tution managers’ interpretations. A brief re- ratura sobre inovação e modelos de análise da
view of specialized literature was undertaken inovação analisaram-se as concepções de ino-
concerning innovation and models of analysis vação coletadas junto a gestores da Fiocruz.
of innovation. This review was used as refer- Constatou-se que a complexidade dos proces-
ence for the analysis of the meanings found in sos de inovação, a dificuldade de identificação
institutional documents of Science, Technolo- dos nexos causais entre Ciência, Tecnologia,
gy & Innovation from the Brazilian Ministry Economia e Sociedade e a aceleração das mu-
of the Science and Technology and in innova- danças do papel do conhecimento geraram uma
tion conceptions from managers of Fiocruz. grande proliferação de modelos de análise da
The complexity of the processes involved in in- inovação em oposição ao “modelo linear de
novation generation, the difficulty to identify inovação”, caracterizando um período de tran-
the causal links between science, technology, sição paradigmática. A análise dos documen-
economics and society and the acceleration of tos institucionais e das concepções dos gestores
the changes in the role of knowledge in society indicou uma convergência com concepções e
gave rise to several analytical models of inno- modelos de inovação adotados pelos países de
vation in contrast to the “linear model of in- economia avançada. Esses modelos estariam
novation”, suggesting a period of paradigm fundamentando uma reforma do setor de C&T
transition. The analysis showed a high level of brasileiro que pode ser caracterizada como uma
1 Departamento de Ensino convergence with the innovation models and política para a inovação tecnológica. Essa pers-
do Instituto Oswaldo Cruz,
Fiocruz. Av. Brasil, 4365,
conceptions adopted by the economic advanced pectiva reduz os objetivos das atividades de
Manguinhos, 21045-900 countries. These models have been influencing C&T a uma única questão: articular o em-
Rio de Janeiro RJ. an ongoing Brazilian Science and Technology preendimento científico com a inovação in-
mconde@ioc.fiocruz.br
2 Departamento de reform, introducing important issues to the dustrial e a competitividade, o que introduz
Ultraestrutura e Biologia public health sector. questões significativas para sua tradução na
Celular do Instituto Key words Innovation, Innovation policies, área da saúde pública.
Oswaldo Cruz, Fundação
Oswaldo Cruz, Fiocruz.
Science and technology policies, Public health Palavras-chave Inovação, Políticas de ino-
vação, Políticas de ciência e tecnologia, Saúde
* Apoio CNPq pública
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Conde, M. V. F. & Araújo-Jorge, T. C.

Introdução mercados, ou seja, políticas neutras ou funcio-


nais cujo objetivo é fazer “o mercado funcionar
As transformações das relações entre ciência/ melhor” (Lall & Teubal, 1998).
Estado/sociedade ocorridas nas últimas déca- Embora esse modelo econômico tenha sido
das implicaram a reorganização da ciência e o adotado e se disseminado pela grande maioria
crescimento do papel do conhecimento na eco- dos países em desenvolvimento, os estudos que
nomia e na sociedade. Associadas aos proces- indicaram a inovação como elemento crucial
sos de globalização da economia atualmente para o desenvolvimento econômico e o sucesso
em andamento, elas vêm pressionando inten- do processo de industrialização dos países do
samente os países e as organizações de Ciência Leste Asiático, marcado por forte intervenção
e Tecnologia (C&T) em direção a novas dire- governamental, ensejaram a estruturação de
trizes estratégicas e à promoção de transforma- políticas de inovação com uma combinação de
ções organizacionais. políticas funcionais e seletivas.
O papel crucial que o conhecimento veio No Brasil, as repercussões dessas diretrizes
desempenhar no desenvolvimento econômico de política se fizeram mais fortemente presen-
e social nas últimas décadas foi sintetizado na tes ao final da década de 1990, quando se in-
expressão “economia baseada no conhecimen- tensificaram os esforços de reestruturação de
to”, cunhada para descrever a tendência à cres- seu complexo científico-tecnológico para a su-
cente dependência do conhecimento, da infor- peração da dissociação histórica entre ciência e
mação e de habilidades, na maioria dos países tecnologia em direção à promoção da inova-
de economias avançadas. ção. Nesse período, um conjunto de iniciativas
Esse papel estratégico do conhecimento que tinha como meta a promoção da inovação
concorreu para o aumento dos investimentos foi desenvolvido e/ou implementado. A criação
em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), educa- dos Fundos Setoriais para financiamento da
ção e treinamento, e de outros ativos intangí- P&D, a realização da Conferência Nacional de
veis, que cresceram, nas últimas décadas e na Ciência, Tecnologia e Inovação e o desenvolvi-
maioria dos países, mais rapidamente do que mento do anteprojeto de Lei da Inovação são
os investimentos físicos (OECD, 1997). alguns exemplos dessas iniciativas. As mudan-
A inovação ocupa lugar central na “econo- ças para a C&T que elas introduziriam no país
mia baseada no conhecimento”. Um grande seriam tão significativas que chegaram inclusi-
número de estudos sociais e econômicos recen- ve a ser caracterizadas em alguns documentos
tes indicou a existência de um corpo substan- e pronunciamentos como uma Reforma do se-
cial de evidências de que a inovação é o fator tor de C&T (MCT, 1998; Sardenberg, 2000a,
dominante no crescimento econômico nacional 2000b)
e na dinâmica dos padrões do comércio inter- No entanto, embora o papel fundamental
nacional. No nível das empresas, as atividades da inovação no desenvolvimento tenha alcan-
de P&D passaram a ser consideradas funda- çado consenso em nível mundial, os complexos
mentais para ampliar a capacidade de absorção processos geradores de inovação e seus impac-
e utilização de novos conhecimentos de todos tos econômicos e sociais ainda estão insuficien-
os tipos, tornando as empresas inovadoras temente estudados e compreendidos. O termo
mais produtivas e mais bem-sucedidas do que inovação pode ter diferentes significados em di-
as que não investem na geração de inovações. ferentes contextos e a escolha vai depender dos
Os países em desenvolvimento, por sua vez, objetivos particulares da análise ou mensuração
vêm implementando, nas últimas décadas, um que se pretende realizar (OECD, 1994; 1997).
modelo econômico caracterizado pela liberali- Tendo as transformações das políticas de
zação do comércio e dos mercados que preco- Ciência, Tecnologia e Inovação (C, T&I) em an-
niza a redução ou eliminação da intervenção damento no país como preocupação última, e
governamental nos mercados. Baseado em uma particularmente, suas repercussões no setor saú-
estratégia que visa à penetração nos mercados de, que tem sua segunda Conferência Nacional
internacionais com base na especialização e nas de C,T&I em Saúde agendada para 2004, em-
vantagens comparativas, supõe a alocação de preendemos uma breve revisão da literatura so-
recursos determinada pelas forças de mercado. bre inovação para discutir as diferentes acepções
Nesse modelo, de caráter neoliberal, as inter- do termo presentes em documentos institucio-
venções governamentais se restringiriam àque- nais recentes do Ministério da Ciência e Tecno-
las funcionais com o intuito de aperfeiçoar os logia, que dão à inovação lugar de destaque.
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Como contraponto e complemento desta nevar Bush em 1945, estabeleceu um novo pa-
discussão e análise, coletamos as percepções in- radigma de política científica e tecnológica
dividuais sobre inovação de gestores da Funda- que, ao final da década de 1950, foi adotado
ção Oswaldo Cruz (Fiocruz), que, em junho de pela maioria dos países industrializados, e ao
2002, se encontravam reunidos no Encontro do mesmo tempo difundiu uma concepção da di-
Coletivo de Dirigentes para debater as diretri- nâmica da inovação que ficou conhecida como
zes estratégicas institucionais. “modelo linear de inovação” que dominou
Partimos de uma perspectiva dialética (Ri- o pensamento sobre a C&T até recentemente
vera, 1995) que considera as organizações arran- (Bush, 1945).
jos sociais provisórios e pressupõe a coexistên- Nessa concepção linear, a mudança técnica
cia de múltiplas definições da realidade por par- era compreendida como uma seqüência de es-
te dos diferentes atores que, por sua vez, estabe- tágios, em que novos conhecimentos advindos
lecem interações (e intercâmbio de significados) da pesquisa científica levariam a processos de
entre si e com o ambiente externo. Pretendemos, invenção que seriam seguidos por atividades de
com esta análise, contribuir para o processo em pesquisa aplicada e desenvolvimento tecnoló-
andamento na Fiocruz de construção coletiva de gico resultando, ao final da cadeia, em introdu-
uma base de consenso acerca da inovação e para ção de produtos e processos comercializáveis.
o aprofundamento da compreensão e do debate As políticas científica e tecnológica das dé-
das agendas de C, T&I no país. cadas de 1950 e 1960, baseadas no investimen-
to maciço na pesquisa científica com a expec-
tativa de resultados correspondentes aos inves-
Inovação e modelos de inovação timentos ao final da cadeia, as chamadas abor-
dagens science push, apoiavam-se nessa concep-
Modelos de inovação: ção. Da mesma forma, as políticas que emergi-
modelos lineares x modelos interativos ram nas duas décadas seguintes, as abordagens
demand pull, também se acomodavam naquele
Com o advento da “economia baseada no modelo. Nestas últimas, novos elementos fo-
conhecimento”, as atividades de ciência e tec- ram introduzidos no modelo, mas a concepção
nologia se deslocaram para o centro do debate linear da dinâmica da inovação permaneceu,
público e das prioridades políticas dos gover- invertendo apenas o sentido da cadeia linear.
nos. Nas últimas décadas, a eficiência e efetivi- As demandas e o mercado influenciariam a di-
dade dos sistemas de inovação tornaram-se fo- reção e a velocidade da mudança técnica sinali-
co de preocupação e de estudos que visavam al- zando os caminhos onde os investimentos de-
cançar maior compreensão de sua dinâmica e veriam ser realizados na fronteira das possibili-
construir indicadores que pudessem fornecer dades técnicas.
um panorama do estado da C, T&I, antecipar As abordagens lineares da inovação inspi-
as conseqüências dos avanços científicos e da ram-se em duas áreas de teorização sobre o
mudança tecnológica e avaliar as demandas e crescimento e desenvolvimento: as teorias clás-
resultados das atividades inovadoras. sicas, que tratam a inovação de modo mecani-
Entretanto, a extrema complexidade dos cista a partir de variáveis endógenas às empre-
processos envolvidos nessas atividades e a in- sas e como produto de seus processos internos;
tensidade e multiplicidade de conexões entre e as teorias neoclássicas, que tentam incorpo-
seus diferentes elementos dificultam sobrema- rar as forças externas e atribuir a mudança téc-
neira a construção de modelos sintéticos que nica a fatores externos. Em ambos os casos os
forneçam um panorama do estado da C, T&I investimentos em capital físico e humano são
ou que sejam capazes de identificar os nexos determinantes centrais do desenvolvimento tec-
causais entre ciência, tecnologia, economia e nológico e a inovação resulta de uma série su-
sociedade. Mais freqüentemente, esquemas cessiva de etapas em um continuum linear. Es-
teóricos parciais que vinculam a inovação à sas abordagens ainda hoje seriam dominan-
economia têm sido utilizados como modelos tes na pesquisa acadêmica e na formulação de
(Sirilli, 1998). políticas, mesmo quando novas terminologias
A utilização de modelos para a análise da foram incorporadas (Ebner, 2000; Jackson,
C&T remonta ao período de institucionali- 1999).
zação da ciência no pós-guerra. O relatório A partir da década de 1980, particularmen-
Science, the Endless Frontier elaborado por Van- te após o estudo seminal de Kline & Rosenberg
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(1986), que introduziu um modelo interativo reconhecem o papel significativo da P&D no


do processo de inovação que combina intera- processo de inovação, mas, dentre outras diver-
ções no interior das empresas e interações en- gências do modelo linear anterior, afirmam a
tre as empresas individuais e o sistema de ciên- posição central ocupada pelas empresas ou
cia e tecnologia mais abrangente em que elas corporações no desenvolvimento de novas tec-
operam (o chain-linked model), o modelo li- nologias. Consideram ainda as habilidades or-
near de inovação sustentado pelas teorias clás- ganizacionais, a identificação de oportunida-
sica e neoclássica passou a ser considerado su- des, o desenvolvimento e acumulação de com-
perado. petências diversas e abrangentes por parte das
O modelo linear se apoiaria excessivamente organizações, mais importantes do que as con-
na pesquisa científica como fonte de novas tec- quistas puramente técnicas. Nesta perspectiva,
nologias, além de implicar uma abordagem se- que implica uma visão das empresas como or-
qüencial e tecnocrática do processo e com uma ganizações de aprendizado interativo e coletivo
visão da inovação tecnológica em termos de constituindo trajetórias tecnológicas próprias e
construção de artefatos e de desenvolvimento particulares, os fatores organizacionais e do
de conhecimentos específicos relacionados com aprendizado (learning-by-doing) teriam grande
produtos e processos. Ele também negligencia- destaque e o processo de inovação envolveria
va as atividades externas à P&D ao considerar a uma série de atividades científicas, tecnológi-
inovação tecnológica como um ato de produ- cas, organizacionais, financeiras e comerciais.
ção em lugar de um processo social contínuo O conceito de Sistema Nacional de Inova-
envolvendo atividades de gestão, coordenação, ção, extensamente utilizado pelos documentos e
aprendizado, negociação, investigação de ne- estudos da OECD e pelas propostas governa-
cessidades de usuários, aquisição de competên- mentais brasileiras, como veremos adiante, foi
cia, gestão do desenvolvimento de novo pro- desenvolvido pelas correntes evolucionistas em
duto, gestão financeira, dentre outras (Sirilli, decorrência da superação do modelo linear da
1998). inovação. Ele tem sido utilizado tanto como
A constatação de que os investimentos em conceito analítico, para identificar as redes de
P&D não levariam automaticamente ao desen- inter-relações entre as instituições dos setores
volvimento tecnológico, nem ao sucesso eco- públicos e privados envolvidas com a geração e
nômico do uso da tecnologia e de que nada es- difusão de inovações, quanto como instrumento
taria garantido apenas pela invenção de novas de política para forjar e promover essas relações.
técnicas, deixou evidentes as limitações do mo- A revisão da literatura sobre Sistemas de
delo linear, reforçando a emergência das abor- Inovação realizada por Senker et al. (1999) in-
dagens não-lineares ou interativas. Essas novas dica que o Sistema de Inovação não se configu-
abordagens enfatizam então o papel central do ra como uma teoria formal, mas conformaria
design, os efeitos de feedback entre as diversas uma trama conceitual para a análise dos fato-
fases do modelo linear anterior e as numerosas res que influenciam as capacidades de inova-
interações entre ciência, tecnologia e o proces- ção das empresas. Em sua versão mais simplifi-
so de inovação em todas as fases. cada, ele se concentra nos atores institucionais
O papel central das interações entre os di- envolvidos com a produção e difusão de novos
versos agentes dos processos de inovação tor- conhecimentos. Na versão abrangente, ele in-
nou-se, nas últimas décadas, o ponto de conver- cluiria o sistema de P&D, o papel do setor pú-
gência de vários estudos teóricos e empíricos do blico incluindo as políticas públicas, as relações
campo da economia da inovação (Freeman, interempresas, o sistema financeiro, os sistemas
1987, 1994, 1995; Nelson & Winter,1982; Ro- de educação e de formação de recursos huma-
senberg, 1982; Dosi, 1988; Lundvall, 1988; Nel- nos e a organização interna das empresas. Parte
son, 1993). Esses estudos recuperam inclusive o significativa da literatura desse campo é com-
pensamento de J. A. Schumpeter (1883-1950), posta de estudos que se dedicam a identificar a
que, seguindo Marx, afirmava a competência importância das interações entre os diversos
técnica como elemento essencial da dinâmica agentes e como elas apóiam o aprendizado que
econômica e da determinação dos movimentos promove a inovação.
cíclicos da economia capitalista, e como aspecto De acordo com os autores, esse sistema
essencial de sua reprodução e evolução. conceitual apresentaria algumas lacunas. Ao se
Essas abordagens, designadas genericamen- concentrar no lado da oferta, ele ignora a de-
te de evolucionistas ou neo-schumpeterianas, manda pelos consumidores finais e o papel do
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ambiente influenciando essa demanda. Em úl- de pesquisa acadêmicos. Esses arranjos seriam
tima instância, ele não estabeleceria uma dife- encorajados, porém não controlados, pelos go-
renciação entre sistema e ambiente e não indi- vernos, que proveriam eventualmente assistên-
caria formas para determinar quais os fatores cia financeira direta ou indireta.
pertenceriam ao sistema e quais estariam fora A literatura fornece ainda alguns outros
dele. Dessa forma, o modelo parece pressupor modelos ou abordagens não-lineares da inova-
que tudo pertenceria ao Sistema Nacional de ção que dialogam entre si e com os anteriores,
Inovação (Senker et al., 1999). que não serão aqui tratados por extrapolarem
Um outro modelo que também tem a ade- nossos objetivos, mas considerados indicativos
são de inúmeros autores, e que podemos consi- da intensidade com que vem emergindo uma
derar dentre as abordagens não-lineares ou in- nova base teórico-conceitual para a análise das
terativas, é o modelo da Tripla Hélice (Triple He- atividades de P&D e da inovação. Dentre eles,
lix), formulado por Etzkowitz & Leydesdorff destacam-se: o “Modo 2” de produção do co-
(1995; 2000). Contrapondo-se à tradição schum- nhecimento (Gibbons et al.,1994), os “sistemas
peteriana, que associa a inovação às empresas, de pesquisa pós-modernos” (Rip e Van der
os autores conferem lugar de destaque às uni- Meullen, 1996) e “sistemas de pesquisa em
versidades e também incluem o governo como transição” (Cozzens et al. 1990; Ziman, 1994).
ator relevante em seu modelo. O modelo seria Fazendo um paralelo com a perspectiva
representado por uma espiral com três hélices kuhniana de paradigma (Khun, 1962), que o
que se entrelaçam por meio de múltiplas intera- define como um conjunto de crenças comparti-
ções entre as três esferas por elas representadas: lhadas que durante algum tempo fornece pro-
a universidade, a indústria e o governo. blemas e soluções modelares para uma comu-
Nesse modelo, a dinâmica da inovação é in- nidade de praticantes de uma ciência, e mesmo
terpretada a partir das redes de comunicações e exorbitando de seu foco inicial centrado nas
de expectativas que estariam permanentemen- ciências naturais, consideramos que a emergên-
te remodelando os arranjos institucionais entre cia dessa nova base teórico-conceitual indica
universidades, indústrias e agências governa- que uma transição de paradigmas para a análise
mentais. Esses arranjos não seriam estáveis e da C&T e de suas relações com o Estado e a so-
cada vertente ou hélice ao se relacionar com ciedade estaria em franco desenvolvimento.
qualquer das outras duas produziria a emer-
gência de novas camadas de comunicações, re-
des e organizações entre elas. Cada hélice tam- Concepções de inovação:
bém estaria em transformação contínua e suas inovação x atividades de inovação
reconstruções seriam consideradas um nível de
contínuas inovações sob a pressão das mudan- Apesar da multiplicidade de abordagens e
ças do ambiente. O surgimento de inovação não modelos que emergiram nas duas últimas dé-
decorreria então de uma sincronização a prio- cadas, grande parte apresenta muitas áreas de
ri, nem se adequaria a uma ordenação propos- superposição e opera com concepções de ino-
ta a priori. As fontes de inovação seriam um vação que apresentam algum grau de consenso
quebra-cabeça para os participantes, analistas e e homogeneidade, divergindo significativa-
policy makers resolverem. Redes trilaterais e or- mente das concepções presentes nos modelos
ganizações híbridas seriam criadas para solu- lineares que predominaram por quase toda a
cionar problemas sociais e econômicos com os segunda metade do século 20. As novas con-
atores das diferentes esferas negociando e defi- cepções de inovação enfatizam as noções de
nindo novos projetos. Cada “sistema” seria de- processo e de interatividade, além de incluírem
finido e redefinido na medida em que o proje- novos atores que não aqueles tradicionalmente
to de pesquisa fosse desenhado. envolvidos com as atividades de P&D.
De acordo com Etzkowitz & Leydesdorff De acordo com estudo do Programa de
(1995, 2000), atualmente, a maioria dos países Tecnologia e Economia da OECD, a inovação
estaria buscando conformar esse tipo de arran- tecnológica era definida em 1971 como “a pri-
jo institucional, tentando fortalecer um am- meira aplicação da ciência e tecnologia de um
biente inovador, com iniciativas trilaterais para novo modo, com sucesso comercial”. Essa defi-
o desenvolvimento econômico baseado no co- nição, apoiada na “primeira aplicação”, apre-
nhecimento e alianças estratégicas entre em- sentou diversas limitações, inclusive porque as
presas, laboratórios governamentais e grupos inovações sofrem mudanças drásticas ao longo
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do tempo e muitas vezes os aprimoramentos primeira versão remonta à década de 1960, te-
subseqüentes são mais importantes economi- ve nova versão publicada em 1994 e, após no-
camente do que a invenção original. Dessa for- vas atualizações, ganhou outra versão em 2002.
ma, a ênfase se deslocou da filosofia do simples Foram ainda criados naquela década dois ou-
ato de inovação tecnológica para o processo so- tros manuais pertencentes à série The Measu-
cial subjacente à novidade técnica economica- rement of Scientific and Technological Activi-
mente orientada (OECD, 1992). ties, da OECD: o Manual de Canberra (1995),
Como conseqüência desse deslocamento, o para mensuração de recursos humanos envol-
termo inovação do modelo linear foi substituí- vidos com a ciência e tecnologia, e o Manual de
do por processos de inovação ou atividades de Oslo (1997), dedicado à mensuração e interpre-
inovação nas novas abordagens, e mesmo quan- tação da inovação, publicado originalmente em
do o termo inovação comparece de forma iso- 1992 e que teve nova versão revisada publicada
lada sua significação é freqüentemente remeti- em 1997. E em 2001, uma iniciativa RICYT/
da a essas expressões/concepções. OEA/CYTED (2001) produziu o Manual de
A noção de redes também está presente em Bogotá que, inspirado no Manual de Oslo para
quase todos os estudos baseados nas novas garantir a comparabilidade internacional, pro-
abordagens. Ela reflete as dinâmicas interativas põe algumas referências para a adequação dos
que envolvem as múltiplas e contínuas cone- indicadores de inovação às especificidades que
xões, interações e intercâmbios entre os diver- caracterizam os sistemas de inovação e as em-
sos atores ou esferas e, em contraste com o mo- presas da América Latina e Caribe.
delo anterior, além das relações de causalidade Percorrendo essa literatura para a apreen-
e conexões lineares, as retroativas (feedback) e são das concepções e conceitos de inovação
recursivas também interviriam intensamente. com os quais trabalham, pudemos verificar
Às tradicionais redes formais e informais entre que, diversamente dos estudos mencionados
cientistas individuais ou entre laboratórios se anteriormente, os manuais distinguem as ativi-
superpuseram novas redes de inovação mais dades de inovação da inovação propriamente di-
formalizadas que permitem a divisão de traba- ta. A inovação se refere aos produtos e proces-
lho entre cientistas em contextos institucionais sos novos ou significativamente aprimorados
bastante distintos, conectam a universidade à introduzidos no mercado, e a qualidade do no-
indústria e a engenheiros de tecnologia indus- vo deve ter como parâmetro mínimo o novo
trial por meio de diversos tipos de acordos de para a empresa, podendo se ampliar geografi-
cooperação. Além de conceito analítico ou me- camente para a região, para o país ou para o
táfora útil para a interpretação do processo de mundo. Por outro lado, também foi possível
inovação, as redes também se tornaram impor- constatar que as especificidades dos processos
tantes componentes dos complexos científico- de inovação dos países em desenvolvimento
tecnológicos e vieram adquirir o caráter de ins- exigem adaptações dos conceitos e convenções
trumento das políticas científicas e tecnológi- utilizados pela OECD. Como veremos adiante,
cas. Uma das funções importantes dessas polí- essas adaptações envolveriam enfatizar as ativi-
ticas seria fortalecer as redes relacionadas com dades de inovação em face das inovações pro-
a inovação e auxiliar sua construção nas áreas priamente ditas, o que, de certa forma, deman-
em que elas não existam. daria uma re-tradução de inovação por ativida-
A mudança do contexto e a emergência de des de inovação.
novas abordagens e modelos para a análise da O Manual Frascati enfatiza os múltiplos
inovação também tiveram como conseqüência usos que o termo inovação pode adquirir e in-
a criação, a revisão e a atualização dos instru- troduz inicialmente a concepção de inovação
mentos internacionais de mensuração e análise científica ou tecnológica como a transformação
das atividades de P&D e de inovação, particu- de uma idéia em um novo produto ou em um
larmente a partir da década de 1990. A intensi- produto aprimorado introduzido no mercado,
dade e freqüência de criação e atualizações des- em um novo processo ou em um processo apri-
sa produção também são reveladoras da mag- morado utilizado na indústria ou comércio, ou
nitude dos impactos da emergência da “econo- em uma nova abordagem de um serviço social
mia baseada no conhecimento” e das novas (OECD, 1994). Esse manual se dedica aos insu-
abordagens da inovação. mos (inputs) das atividades de P&D, abrangen-
O Manual Frascati (OECD, 1994), voltado do fundamentalmente os gastos e os recursos
para a mensuração das atividades de P&D, cuja humanos envolvidos com a P&D, e sinaliza que
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a inovação compreende ainda uma série de ati- sos interativos tanto da criação do conhecimen-
vidades tecnológicas, organizacionais, financei- to quanto de sua difusão e aplicação. E a inova-
ras e comerciais. ção é enfocada em termos de interação entre as
Os outros campos de atividades de inovação, oportunidades de mercado e a base de conheci-
além das atividades de P&D, incluiriam a aqui- mentos e as competências das empresas.
sição e montagem da maquinaria para a produ- Fornecer um conjunto coerente de defini-
ção (tooling-up) e engenharia industrial, a pré- ções precisas para os diferentes tipos de inova-
fabricação e o início da fabricação, a comerciali- ções e para as atividades inovadoras e, conse-
zação de novos produtos incluindo as atividades qüentemente, de empresas inovadoras é o prin-
para o seu lançamento, a aquisição de tecnolo- cipal objetivo do Manual. Em função da com-
gia sob a forma de patentes, licenças, ou sob a plexidade do processo de inovação e das varia-
forma de tecnologia incorporada em máquinas ções com que ele ocorre nos diferentes tipos de
e equipamentos e o design, que seria parte es- empresas e indústrias, nem sempre é possível
sencial do processo de inovação. O design com- obter definições claras e, nesses casos, adota-
preenderia os planos e desenhos que visam defi- ram-se convenções.
nir os procedimentos, especificações técnicas e As atividades de inovação consideradas se
aspectos operacionais necessários para a con- superpõem às atividades indicadas no Manual
cepção, desenvolvimento, fabricação e comer- Frascati. Por sua vez, a inovação tecnológica é
cialização de novos/aprimorados produtos e remetida às inovações de produtos e processos
processos. Pode ser parte da concepção inicial tecnológicos, que compreenderia então produ-
dos produtos e processos, ou seja, parte das ati- tos e processos novos ou significativamente
vidades de P&D ou estar conectado a qualquer aprimorados e tecnologicamente implementa-
das atividades mencionadas anteriormente. dos, ou seja, que foram introduzidos no mer-
Para dar conta da inovação tecnológica, o cado. As empresas inovadoras seriam aquelas
Manual Frascati nos remete ao Manual de Oslo, que conseguiram que as atividades inovadoras
indicando que as normas e convenções inter- frutificassem em inovações efetivas. As empre-
nacionais para a coleta de dados acerca da ino- sas que, ao final do período estudado, tivessem
vação se restringem àquelas referentes à inova- colocado em prática algumas atividades de ino-
ção tecnológica apresentadas neste último. A ex- vação que ainda se encontrassem em processo
periência acumulada até o momento só permi- ou que foram abortadas não seriam considera-
tiria sua adaptação para o estudo da inovação das inovadoras.
tecnológica do setor das empresas de negócios Finalmente, o Manual de Bogotá (2001)
(indústria, construção e os serviços a eles in- apresenta considerações sobre as limitações da
corporados), sendo que a inovação no setor de aplicação do Manual de Oslo, que tem como re-
serviços, inclusive nos serviços governamentais ferência os países da OECD, aos países em de-
como educação e saúde, seria muito complexa senvolvimento e, mais particularmente, aos
e possuiria características especiais ainda pou- países da América Latina e Caribe. Baseando-
co estudadas. se em inúmeros estudos sobre a inovação na
O Manual de Oslo tem como objetivo pri- região, este Manual formulou uma proposta
meiro “melhorar a compreensão do processo para a adaptação do Manual de Oslo às especi-
de inovação e de seus impactos econômicos”, ficidades desses países.
considerada ainda deficiente. A construção de O Manual de Bogotá considera que a con-
indicadores de inovação também visaria apoiar tribuição de Schumpeter, que estabeleceu as
a tomada de decisão dos policy makers auxi- bases das análises posteriores, teria dificultado
liando na redução da incerteza intrínseca aos seriamente a abordagem da inovação nos paí-
processos de inovação (OECD, 1997). ses em desenvolvimento por enfatizar excessi-
Nesse Manual, a política de inovação é con- vamente a mudança técnica radical obscure-
siderada um amálgama entre a política científi- cendo a importância das mudanças incremen-
ca e tecnológica e a política industrial. Ele se tais. Hoje haveria consenso em torno do fato de
apóia na abordagem neo-schumpeteriana da que a acumulação de mudanças menores e de
inovação e no enfoque de Sistema de Inovação, pequenas inovações pode ter grande impacto
se concentrando nos processos de inovação no em produtos e processos e que essas mudanças
nível das empresas. O foco da política de inova- incrementais desempenham, nos países em de-
ção se deslocaria para enfatizar as relações entre senvolvimento, um papel tão importante quan-
as instituições, buscando identificar os proces- to as radicais (RICYT/OEA/CYTED, 2001).
734

Conde, M. V. F. & Araújo-Jorge, T. C.

De acordo com o Manual de Bogotá, o Ma- derado nas análises dos países em desenvolvi-
nual de Oslo teria o mérito de incorporar no- mento. A idéia amplamente difundida de que
ções abrangentes e concepções interativas dos as atividades de inovação tecnológica se con-
processos de inovação e de enfatizar a necessi- centrariam nos países centrais e de que nos
dade de sua compreensão em contraposição à países em desenvolvimento só haveria proces-
visão de inovações notáveis isoladas dos pro- sos de difusão das tecnologias criadas naqueles
cessos e desenvolvimentos que as geraram, e países é deslocada pela constatação de que a di-
ainda, de indicar que as atividades de inovação fusão de tecnologias envolve um processo de
se encontrariam em todas as etapas do proces- mudança técnica contínua, geralmente incre-
so produtivo e que a mudança técnica estaria mental, cujos objetivos são adaptar as tecnolo-
totalmente imbricada nesse processo. gias adquiridas ao contexto específico no qual
No entanto, a definição de inovação adota- serão aplicadas. Essas atividades, relativas ao
da pelo Manual de Oslo obscureceria o aspecto aprendizado tecnológico, seriam caracterizadas
de maior interesse nos países em desenvolvi- como um processo contínuo de absorção e
mento que seria a análise das atividades e dos criação de conhecimento determinado em par-
esforços tecnológicos desenvolvidos pelas em- te por insumos externos e em parte pela acu-
presas para melhorar seu acervo tecnológico. mulação de habilidades e conhecimentos pas-
Desta forma, o Manual de Bogotá sugere a in- sados e conformariam as capacidades tecnológi-
trodução do conceito de Gestão da Atividade cas das empresas. Essas capacidades poderiam
Inovadora (GAI) que incluiria não somente a ir de um patamar mínimo em que a empresa
inovação em sentido estrito, mas também o detém apenas “capacidades de produção”, co-
conjunto de atividades constitutivas do Esforço mo é o caso da maior parte das empresas da
Tecnológico, que seriam aquelas referidas co- América Latina, até as “capacidades de inova-
mo atividades de inovação nos manuais da ção” que envolveriam a criação de novas possi-
OECD. bilidades técnicas introduzidas no mercado.
A GAI compreenderia, entre outras, as se-
guintes premissas: a superação do modelo li-
near por um complexo interativo em que os Inovação nas agendas brasileiras:
elementos intermediários ganham em impor- reforma do setor de C&T
tância frente às atividades de P&D; maior im-
portância das atividades de monitoramento, A preocupação com as políticas científicas e
avaliação, adoção e adaptação de tecnologias, tecnológicas na América Latina surgiu poucos
assim como os requerimentos de capacidades anos depois que os países industrializados to-
tecnológicas para o desenvolvimento dessas maram consciência de sua importância. Com a
atividades; maior importância dos mecanismos definição do crescimento como prioridade es-
de reconversão, como modernização organiza- tratégica fundamental e com a implementação
cional e investimentos incorporadores de mu- das políticas de industrialização por substitui-
dança técnica e em atividades inovadoras. A ção de importações, a maioria dos países da re-
análise da atividade inovadora nos países em gião criou instituições destinadas à formulação
desenvolvimento deveria, então, considerar as- de políticas, planejamento e promoção da ciên-
pectos referentes aos insumos (inputs) e aos re- cia e tecnologia neste marco já na década de
sultados (outputs). Do lado dos insumos, de- 1950, como foi o caso do Brasil.
vem ser consideradas a decisão de investimen- Embora as políticas científicas e tecnológi-
tos que têm a determinação de inovar, e a ênfa- cas do período tenham alcançado êxito no pla-
se na dimensão organizacional da inovação e no acadêmico, resultaram em baixa capacidade
nos investimentos que incorporem mudanças tecnológica do setor produtivo devido à escas-
técnicas, na medida em que a modernização sa demanda por conhecimentos tecnológicos
organizacional aparece como um mecanismo gerados localmente e em sistemas científicos
essencial de resposta à abertura da economia fracamente vinculados aos processos econômi-
frente à globalização. Do lado dos resultados, cos e sociais. A transferência de tecnologia pro-
concorreriam os aspectos relativos ao cresci- movida pelo modelo substitutivo não enfatiza-
mento da produtividade e ao fortalecimento da va os esforços de adaptação e aprendizado das
posição competitiva. empresas e indústrias, que se limitavam ao uso
O desenvolvimento de capacidades tecnoló- e aprendizado das práticas de produção (Dag-
gicas seria um aspecto fundamental a ser consi- nino & Thomas, 1999; Albornoz, 2001).
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Ciência & Saúde Coletiva, 8(3):727-741, 2003


As políticas científicas e tecnológicas brasi- las expectativas apresenta inflexões tão signifi-
leiras das décadas de 1970 e 1980 enfatizavam a cativas com relação às políticas precedentes que
importância de se empreender esforço próprio chegaram a ser caracterizadas em alguns pro-
em pesquisa com vistas a capacitar o país para nunciamentos (Sardenberg, 2000a, 2000b) e
a adaptação e criação de tecnologia própria em documentos como reforma do setor de C&T. O
busca de maior autonomia tecnológica. No en- Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cientí-
tanto, a falta de mobilização no âmbito do sis- fico e Tecnológico – PADCT III, por exemplo,
tema produtivo fez com que esse projeto ficas- informa que A reforma do setor de C&T é uma
se restrito às instituições governamentais e à prioridade governamental permanente devido ao
comunidade científica. seu potencial de contribuir para a competitivida-
Ao final da década de 1990, como decor- de crescente do setor produtivo brasileiro, que está
rência da abertura da economia, a competitivi- se reestruturando como resultado da abertura da
dade passou a aparecer como importante ele- economia. Atualmente, os dois setores não estão
mento a ser incorporado nas estratégias de fortemente interligados e os indicadores mostram
crescimento das empresas e como questão cen- um desempenho relativamente fraco para o Brasil
tral a ser enfocada pelas políticas de governo. A na área de Pesquisa & Desenvolvimento & Enge-
competição com produtos importados e a im- nharia (P&D&E) e Ciência e Tecnologia (C&T),
portância crescente das exportações induzi- em termos de sua capacidade de estimular inova-
riam uma demanda por inovações capazes de ção no setor privado (MCT, 1998).
conferir competitividade ao produtor nacional, Além do PADCT, o período foi marcado
inclusive para garantir a inserção dos produtos pela criação de Fundos Setoriais para financia-
no mercado internacional. Assim, as priorida- mento da P&D em 2000, que se pautaram pela
des da política científica e tecnológica das dé- ênfase em P&D visando a sua maior articulação
cadas anteriores, de redução da dependência de com o setor privado, promoção de políticas in-
fontes externas de know-how e de autonomia dustriais, busca de resultados e avaliação dinâ-
tecnológica, deram lugar a uma demanda de mica e permanente desses resultados (MCT, 2001)
tecnologia pelo setor produtivo para conferir e pela realização da Conferência Nacional de
competitividade ao parque industrial. Ciência, Tecnologia e Inovação em 2001, que
Nessa perspectiva, as atividades de P&D tinha como objetivo promover o debate nacio-
passariam a cumprir um papel distinto do que nal das questões da C&T brasileiras tendo em
lhes fora atribuído pela política passada e a po- vista a elaboração de Diretrizes Estratégicas
lítica tecnológica deveria contemplar duas li- com o horizonte temporal até 2010 e indicava
nhas de ação. De um lado, caberia operar me- a inovação como objetivo central dos esforços
canismos de política de natureza geral, destina- nacionais (MCT/ABC, 2001).
dos a estimular o engajamento das empresas No plano legislativo, as mudanças introdu-
em tais atividades. De outro, deveria procurar zidas no período também remetem à noção de
induzir uma maior aproximação entre o siste- reforma do setor. Foram aprovados em regime
ma produtivo e as instituições de pesquisa e de prioridade diversos projetos de lei que insti-
promover um envolvimento mais decidido no tuíram os Fundos Setoriais em 2000, e foram
atendimento da demanda do parque industrial criadas novas leis de informática, de acesso à
(Guimarães, 1994). biodiversidade e de biossegurança, além de di-
Os documentos das políticas científicas e versas iniciativas legislativas referentes às áreas
tecnológicas formulados no país no final da dé- de propriedade intelectual tratando das paten-
cada de 1990 e início do século 21 evidencia- tes, de novos cultivares e softwares. Os projetos
ram a adoção das novas prioridades; e o estí- da Lei da Inovação e “de recuperação dos in-
mulo à inovação no setor privado passou a se centivos à P&D privada” foram levados ao de-
destacar como um dos pontos centrais da bate público para consolidação da versão final
agenda de C&T do período. A importância ainda a ser votada no Congresso.
crescente que a inovação veio adquirir se con- Embora extrapole nossos objetivos, a radi-
substanciou inclusive no slogan adotado em calidade da ruptura, que a Lei da Inovação es-
2002 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia tabelece com o arcabouço legislativo preceden-
como seu instrumento de comunicação social: te, nos leva a mencionar brevemente seus prin-
Inova, Brasil! cipais pontos.
A introdução de novas propostas e de novos O anteprojeto de Lei da Inovação pretende
instrumentos de políticas coerentes com aque- introduzir mecanismos de gestão mais flexíveis
736

Conde, M. V. F. & Araújo-Jorge, T. C.

para as instituições científicas e tecnológicas e mentais e a ênfase na geração de inovação tec-


sua relação com as empresas. Ele propõe, entre nológica certamente deixaram em segundo
outros pontos, a contratação de pessoal em ca- plano o setor saúde que, além da eficiência eco-
ráter excepcional para atuar em projetos espe- nômica, deveria nortear-se pelo valor público e
cíficos de pesquisa; o afastamento temporário pela eqüidade distributiva, em função dos ob-
dos pesquisadores de instituições públicas para jetivos constitucionalmente definidos de eqüi-
colaborar em projetos de pesquisa de institui- dade, integralidade e universalidade do sistema
ções e empresas, e o licenciamento de pesqui- público de atenção à saúde. Cabe ainda salien-
sadores para constituir Empresa de Base Tec- tar que a saúde é um setor que tem na presta-
nológica, além do estabelecimento de regime ção de serviços um de seus componentes mais
de comercialização das inovações geradas nas importantes e as inovações nos serviços, como
instituições científicas (MCT, 2001b). foi mencionado, estão praticamente ausentes
Para criar mecanismos que favoreçam o das propostas analisadas. Os diversos adiamen-
ambiente inovativo empresarial, o anteprojeto tos da implantação do Fundo Setorial da Saúde
propõe permitir a utilização de recursos finan- para financiamento da P&D do setor é, possi-
ceiros, humanos e materiais da União para tor- velmente, um reflexo dessa tensão.
nar viável a cooperação entre empresas em ar-
ranjos pré-competitivos e a participação da
União na criação de centros de pesquisa volta- Inovação na visão dos gestores
dos para atividades inovadoras, em conjunto
com as empresas, facultando a utilização, pela Considerando a superação do modelo linear da
empresas, de laboratórios e equipamentos das inovação com o conseqüente desenvolvimento
instituições científicas e tecnológicas, além de de diversos modelos interativos para explicar a
outros incentivos às empresas que fizerem a geração da inovação e também os múltiplos
opção de inovar. significados que a inovação pode adquirir, rea-
Retomando nosso objetivo, podemos afir- lizamos um levantamento das concepções in-
mar que o exame da documentação analisada dividuais sobre inovação expressas por gestores
evidenciou que a C&T se deslocou para o cen- da Fundação Oswaldo Cruz com a perspectiva
tro das prioridades políticas do período e que a de identificar o grau de difusão dos novos con-
perspectiva de superação da dissociação entre ceitos e modelos de inovação dentre esses ges-
ciência e tecnologia por meio de um maior en- tores e de aprofundar o debate das políticas e
volvimento do setor privado nas atividades de diretrizes estratégicas da inovação em saúde
C&T, traduzida como geração de inovação, tor- (Araújo-Jorge & Conde, 2002).
nou-se o foco central da reforma do setor. A área da saúde foi escolhida para esse es-
As políticas e propostas em discussão ou tudo por ser uma das áreas mais dinâmicas do
em fase de implementação trabalham com mo- país em termos de geração de conhecimentos e
delos neo-schumpeterianos de inovação, iden- inovação, tendo participação expressiva em to-
tificando as empresas como lócus central da dos os indicadores de C,T&I, seja como dis-
inovação. A concepção de inovação nos diver- pêndio público seja na obtenção de resultados,
sos documentos utiliza as definições e conven- como trabalhos publicados, patentes, novos
ções estabelecidas pelo Manual de Oslo como produtos e processos lançados no mercado
referência e a geração de inovação se resumiria (MCT/ABC, 2001).
ao estímulo à inovação no setor produtivo ten- A Fiocruz, vinculada ao Ministério da Saú-
do em vista a competitividade, enfatizando, de, é um dos principais institutos públicos de
portanto, a geração de inovações tecnológicas, pesquisa em saúde da América Latina e possui
e praticamente desconsiderando as inovações uma configuração organizacional singular ao
organizacionais e as inovações nos serviços. integrar atividades de pesquisa e desenvolvi-
Essa perspectiva de política de inovação in- mento tecnológico, produção de bens e insu-
troduz questões significativas para sua tradu- mos para o setor saúde, prestação de serviços
ção na área da saúde pública, particularmente de referência e ensino de pós-graduação e de
no caso brasileiro em que tanto o sistema de nível técnico.
P&D quanto o de saúde são quase que integral- Em consonância com as referidas reformu-
mente de responsabilidade governamental. A lações da C&T no país, a Fiocruz vem redefi-
centralidade da eficiência econômica do setor nindo suas diretrizes estratégicas e estrutura
produtivo empresarial nas políticas governa- organizacional com o intuito de instituir siste-
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Ciência & Saúde Coletiva, 8(3):727-741, 2003


mas abrangentes de inovação que articulem A maioria dos gestores indicou o setor de
usuários e produtores em uma dinâmica induzi- produção como área de referência da inovação
da por fundos competitivos e pela organização (62%) e identificou a inovação como geração
de trabalho em redes intra e inter-institucionais de produtos e processos ou de tecnologias, sendo
(Fiocruz, 2001). que 31% deles se referem a produtos e processos
Os principais eixos norteadores das refor- e 12,7% referem-se genericamente às tecnolo-
mulações no âmbito da P&D visariam promo- gias, 19,7% indicaram apenas processos e 11,3%
ver e expandir os vínculos entre a pesquisa e o apenas produtos.
desenvolvimento tecnológico, estabelecer me- As inovações organizacionais estiveram es-
canismos permanentes de análise de demandas cassamente presentes como área de referência,
de C&T em saúde, definir uma pauta de priori- comparecendo em apenas 8,5% das definições.
dades para o desenvolvimento científico e ins- O mesmo ocorreu com relação às inovações
tituir programas de Desenvolvimento Tecnoló- nos serviços, presentes em 9,8% das definições
gico em Saúde Pública, objetivando desenvol- coletadas. Embora 11,3% dos gestores tenham
ver metodologias e tecnologias em saúde po- situado as inovações exclusivamente no âmbito
pulacional e individual, e de Desenvolvimento da produção do conhecimento ou da pesquisa
Tecnológico para Insumos em Saúde, visando científica, 23,9% associaram a geração de ino-
ao desenvolvimento de novas vacinas e reagen- vação nos diversos setores à produção de co-
tes para diagnóstico, assim como o aperfeiçoa- nhecimento e à pesquisa.
mento de produtos existentes. Grande parte dos gestores (42,3%) consi-
Para o levantamento proposto, foi solicita- derou que apenas os novos produtos, processos
do aos participantes dos grupos de trabalho do ou tecnologias deveriam ser considerados ino-
II Encontro do Coletivo de Dirigentes da Fio- vação, 29,6% incluíram, além dos novos, os
cruz que, em três minutos antes do início dos aprimoramentos ou melhorias dos existentes e
trabalhos, redigissem um breve texto sobre sua 9,9% referiram-se apenas aos aprimoramentos
compreensão acerca de inovação, tendo sido ou melhorias dos existentes.
coletadas as concepções de 87 participantes. Poucos gestores (14%) explicitaram que a
Utilizando técnicas de Análise de Conteú- geração de inovação se daria através de proces-
do (V. Minayo, 1992), os textos coletados fo- sos complexos e apenas 4% salientaram que ela
ram tratados do ponto de vista quantitativo, envolve um conjunto de atividades e atores,
por meio de cálculos da freqüência das expres- além dos tradicionalmente envolvidos com a
sões utilizadas, assim como qualitativo, ao se P&D. Também foi pouco significativo o per-
extrair e comparar as concepções de inovação centual de gestores (13%) que indicou a neces-
do conteúdo manifesto das comunicações. A sidade de inserção de seu resultado no merca-
interpretação das concepções obtidas buscou do para caracterizar a inovação, referindo a
identificar quais os objetos referidos como competitividade ou o benefício social como
inovação e em que medida a geração de inova- determinante desta inserção, e 21% correlacio-
ção foi identificada como ato de produção ou naram a inovação com necessidades ou de-
obtenção de artefatos, ou ainda como processos mandas sociais.
complexos e interativos envolvendo diversos Destacamos ainda que apenas uma das de-
atores e atividades, além dos envolvidos na finições associava a inovação ao aprendizado e
P&D. A distinção entre inovações radicais e in- enfatizava a necessidade de capacitação de pes-
crementais também foi analisada consideran- soal para a “sobrevivência das organizações” e
do as referências a novos versus aprimoramen- apenas duas faziam referência à variabilidade
tos ou melhorias dos objetos de inovação. Ou- da inovação em função do contexto em que é
tros aspectos como o setor de referência da gerada. Uma delas fazia referência à particula-
inovação, de produção, serviços ou organiza- ridade da inovação em um país de Terceiro Mun-
ções e as referências a particularidades regio- do como o Brasil e a outra mencionava a capa-
nais ou setoriais da inovação e de seus objeti- cidade das instituições de formular e desenvolver
vos também foram consideradas. Cabe salien- propostas de produtos que atendam a demandas
tar que 16 das 87 concepções não foram consi- sociais de uma época e num contexto onde se fa-
deradas por apresentarem textos extremamen- zem pertinentes.
te curtos ou genéricos, não fornecendo ele- Embora os textos coletados apresentassem
mentos suficientes para a análise dentro dos baixo grau de formalização conceitual, a inter-
critérios de referência adotados. pretação e análise do conteúdo das manifesta-
738

Conde, M. V. F. & Araújo-Jorge, T. C.

ções nos permitiram inferir que, em sua maio- Conclusões


ria, os gestores da Fiocruz apresentam grande
grau de adesão às concepções de inovação ado- A revisão realizada permitiu evidenciar que,
tadas pelos países da OECD, apresentadas an- nas últimas décadas do século 20, a eficiência e
teriormente. Eles identificam a inovação com a efetividade dos sistemas de inovação torna-
inovação tecnológica, ou seja, com a geração de ram-se foco central de preocupação e estudos
novos produtos e processos no âmbito do setor na maioria dos países de economias avançadas
produtivo, dando pouca atenção às inovações e também nos países em desenvolvimento, pro-
organizacionais e às inovações nos serviços. duzindo, ao final da década de 1990, importan-
É interessante ressaltar que, com a implan- tes inflexões nas propostas para a política de
tação do Sistema Único de Saúde (SUS) a par- C&T brasileira.
tir de 1990, inumeráveis inovações organiza- A complexidade dos processos envolvidos
cionais e nos serviços certamente foram e con- na geração da inovação, a dificuldade de iden-
tinuam sendo introduzidas no setor saúde bra- tificação dos nexos causais entre ciência, tecno-
sileiro. Embora a Fiocruz tenha tido participa- logia, economia e sociedade e a aceleração das
ção decisiva em sua formulação e implementa- mudanças do papel do conhecimento geraram,
ção, essas categorias de inovação não parecem nesse período, uma grande proliferação de mo-
ter sensibilizado a concepção de inovação dos delos de análise e forçaram a revisão e atualiza-
gestores que participaram do estudo, nem in- ção dos instrumentos internacionais de análise
centivado uma produção científica significati- e mensuração das atividades de P&D, ainda em
va neste campo. A revisão realizada permitiu andamento.
identificar apenas os estudos realizados por Se, por um lado, podemos considerar que
Gerschman (2001) e Cecílio (2000). A análise esses fenômenos sejam o reflexo de um profí-
das manifestações também permitiu constatar cuo período de transição dos paradigmas da
que os gestores tendem a enfatizar as mudan- C&T, com a constituição de novas bases con-
ças técnicas radicais, sobrevalorizando o cará- ceituais para sua análise e avaliação, por outro,
ter de novo, em detrimento das incrementais e não podemos deixar de salientar que eles im-
não salientam como relevantes a variabilidade põem a necessidade de disseminação dessa
do contexto de geração da inovação ou as ativi- produção entre gestores e outros atores envol-
dades constitutivas do esforço tecnológico, co- vidos com a C&T, de realização de estudos pos-
mo o desenvolvimento das capacidades tecno- teriores que dêem conta das especificidades lo-
lógicas. cais e setoriais, além de construção de consen-
Quanto ao modelo de geração de inovação so para sua operacionalização, particularmente
que balizava as definições apresentadas, não foi nos países em desenvolvimento e nos setores de
possível tecer considerações mais conclusivas serviços governamentais como educação e saú-
por insuficiência de elementos nas definições de, áreas ainda pouco estudadas no que diz res-
que delineassem mais claramente as compreen- peito à inovação .
sões dos processos geradores de inovação. En- A análise das concepções de inovação for-
tretanto, dentre as 71 definições consideradas, necidas pelos gestores da Fiocruz evidenciou
apenas uma expunha uma perspectiva de ca- um baixo grau de percepção da variabilidade
deia de inovação explicitamente vinculada ao do contexto de geração da inovação e um alto
modelo linear da inovação, 14% explicitaram grau de adesão ao conceito estrito de inovação
que a geração de inovação se daria através de adotado pelos países da OECD. Conseqüente-
processos complexos e 4% salientaram que ela mente, as atividades de inovação e as capacida-
envolve um conjunto de atividades e atores des tecnológicas (conceito amplo de inovação),
além dos tradicionalmente envolvidos com a que se referem ao processo de acumulação de
P&D. Acreditamos poder supor que, embora o capacidades institucionais para adquirir, assi-
modelo linear de inovação tenha sido conside- milar, incorporar, criar e utilizar conhecimen-
rado superado pelos gestores, ainda não há cla- tos, e que seriam os aspectos-chave para a aná-
reza nem consenso sobre os novos modelos a lise e avaliação da inovação nos países em de-
serem adotados, e nem mesmo sobre a possibi- senvolvimento, estiveram praticamente ausen-
lidade ou necessidade de criação de um refe- tes das concepções coletadas. O mesmo se apli-
rencial teórico consensual na instituição no ca às inovações organizacionais e às inovações
momento em que se propõe a atuar significati- em serviços, componentes fundamentais para
vamente no campo da inovação. o setor saúde, escassamente presentes nas con-
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Ciência & Saúde Coletiva, 8(3):727-741, 2003


cepções analisadas. Também foi marcante a au- alerta para os inconvenientes e perigos da trans-
sência de elementos que pudessem fornecer ferência acrítica e descontextualizada de refe-
pistas sobre a percepção dos gestores acerca dos rências conceituais e de instrumental de políti-
processos geradores de inovação. Podemos su- cas públicas de C&T inadequados e disfuncio-
por que a falta de clareza e de consenso dos nais para responder aos desafios do desenvolvi-
gestores acerca das concepções a serem adota- mento socioeconômico dos países da região
das, além dos efeitos produzidos pela transição (Dagnino & Thomas, 1997, 1999, 2002; Vaca-
de paradigmas, reflete uma absorção acrítica da rezza, 1998; Albornoz, 1990, 2001).
perspectiva de inovação veiculada pelas pro- Acreditamos então que, para compatibili-
postas governamentais. zar e articular as políticas de C&T com os obje-
Os documentos e propostas governamentais tivos de eqüidade, integralidade e universalida-
apresentaram a inovação como objetivo central de da atenção à saúde vigentes no Brasil, é ne-
dos esforços nacionais e a concepção de inova- cessário pensar uma política de inovação que
ção adotada para o enfrentamento da dissocia- confira um novo estatuto à dimensão social na
ção entre a ciência e a tecnologia cronicamente determinação da geração de inovação e que
estabelecida no país apóia-se nos modelos neo- concilie os objetivos de inserção competitiva
schumpeterianos que identificam as empresas nos mercados globalizados com os objetivos de
em seu esforço para fortalecer sua posição com- maior e melhor distribuição de seus resultados,
petitiva como lócus central da inovação. direcionando esses resultados para necessida-
Com a perspectiva de inserção competitiva des ou problemas sociais mais abrangentes.
do país no mercado globalizado, essas políticas Essa política terá de trabalhar com uma
têm como principal objetivo o estímulo à ino- compreensão mais abrangente de inovação, do
vação no setor produtivo para ampliar a taxa processo de geração da inovação e do papel do
de inovação das empresas. Considerando ainda conhecimento. Deverá enfatizar o desenvolvi-
a relativa ausência de atenção a outros setores, mento de capacidades tecnológicas, promover
inclusive à área da saúde, podemos concluir estudos para o desenvolvimento de modelos de
que o conjunto de propostas que fundamenta a análise e de formulação de políticas setoriais,
reforma da C&T que se pretende implementar locais e regionais mais adequados às suas espe-
no país acaba por conformar o que Gibbons et cificidades e revalorizar as trajetórias tecnoló-
al. (1994) denominaram de “política para a gicas institucionais bem-sucedidas, como é o
inovação tecnológica”. Além de reduzir os obje- caso da Fiocruz.
tivos das atividades de C&T a uma única ques- Sem nenhuma dúvida, as capacidades tec-
tão: articular o empreendimento científico com nológicas acumuladas nessa instituição pública
a inovação industrial e a competitividade, esse de pesquisa foram decisivas para o sucesso das
tipo de política também tende a visualizar as recentes políticas de medicamentos genéricos e
políticas de C&T e as políticas de inovação co- contra a Aids do Ministério da Saúde, reconhe-
mo funcionalmente separadas, o que parece ser cidas internacionalmente. E essas políticas cer-
o caso. tamente se apoiaram na preeminência do valor
Um problema adicional que pode ser vis- público e na busca de maior eqüidade distribu-
lumbrado pelas propostas de reforma apresen- tiva, sem deixar de lado a eficiência econômica.
tadas se relaciona com um fenômeno que há No entanto, a política de C T&I em desenvolvi-
muito é ponto de reflexão do movimento de mento no país nestes primeiros anos do século
Ciência, Tecnologia e Sociedade da América La- 21 parece ter sido insensível a esses fatos e a es-
tina. Esse movimento, desde a década de 1960, sas questões.
740

Conde, M. V. F. & Araújo-Jorge, T. C.

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