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Sonia K.

Guimarães

PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO E INOVAÇÃO:


desafios do novo padrão de desenvolvimento

DOSSIÊ
INTRODUÇÃO

Sonia K. Guimarães*

A organização deste dossiê resultou da boa inovação – conceitos que dominam não apenas as
receptividade da Mesa Redonda Produção do Co- análises de estudiosos, mas também os discursos
nhecimento e Inovação, apresentada na ANPOCS, de formuladores de políticas públicas, de empresá-
em 2010. A referida Mesa visava a debater ques- rios e dos demais atores sociais preocupados em
tões sobre o novo modo de produção científica, a intervir na nova dinâmica de desenvolvimento –,
relação entre ciência, tecnologia, inovação, univer- buscou-se ampliar a discussão, incluindo estudos
sidade e atores externos, considerando a configu- que analisassem outras realidades, oferecendo uma
ração social definida pela chamada economia do perspectiva comparativa e permtindo uma visão mais
conhecimento e suas implicações sobre a concep- completa do fenômeno em questão.

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ção de desenvolvimento ou crescimento econômi- Este dossiê conta, portanto, com a contri-
co-social. Destacavam-se os desafios a serem en- buição de artigos que: a) analisam a realidade de
frentados pela universidade na interação com o outros países para que se possa avaliar a situação
ambiente externo, assim como o papel do Estado e do Brasil tanto face a casos paradigmáticos – como
das políticas públicas de inovação diante do novo o da Alemanha, analisado por Neves e Neves, e o
cenário, abordando-se principalmente o caso do da Finlândia, abordado por Lyytinen e Hölttä –,
Brasil e incluindo-se a comparação entre alguns como o de países latino-americanos em nível simi-
países latino-americanos. lar de desenvolvimento (Argentina, Brasil, Chile e
Em razão da relevância da temática que tor- México), analisados por Balbachevsky; b) avaliam
na, hoje, as ideias de crescimento e desenvolvimento os impactos de algumas políticas públicas especí-
econômicos inseparáveis das de conhecimento e ficas, como o fazem o artigo de Sobral sobre Fun-
dos Setoriais, Institutos do Milênio, Fundo Nacio-
* Doutora em Sociologia. Professora do Departamento de
Sociologia e do PPG Sociologia da Universidade Federal nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e
do Rio Grande do Sul. Pesquisadora do CNPq.
Av. Bento Gonçalves 9500. Cep: 91509-000. Porto Ale- Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, o de
gre - Rio Grande do Sul - Brasil. sonia21@ufrgs.br Neves e Neves sobre Programa de expansão para

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IES federais (REUNI), Lei de Inovação, Lei do Bem ele tivesse sido absorvido pelo mercado. A Apple
e Fundos Setoriais, o de Barbosa sobre os siste- redefiniu suas características de design e de interface
mas de bolsas como o Programa Universidade para com o usuário, e o resto, já sabemos (Kubota;
Todos (ProUni) e financiamentos como o Fundo Salerno, 2008). Essa possibilidade constitui-se em
de Financiamento ao Estudante do Ensino Supe- janela de oportunidade para os países em desen-
rior (FIES); c) apresentam resultados de experiên- volvimento, desde que disponham de capacidade
cias concretas de empresas intensivas em conhe- para utilizar o conhecimento de forma criativa.
cimento no Brasil, cujos perfis se encaixariam nas O fenômeno acima descrito é traduzido por
tendências que emergem como características de alguns através da expressão “desmaterialização da
empresas da chamada sociedade do conhecimen- produção”, ou seja, a importância econômica dos
to, como o de Guimarães. bens tangíveis se transfere para os bens intangí-
Os artigos têm em comum a discussão so- veis, que passam a dinamizar a produção através
bre o novo modo de conhecimento e suas implica- de transmissão virtual (indústrias financeira e cul-
ções sociais, considerando-se, em especial, as no- tural, comércio, serviços administrativos), ou por
vas demandas da sociedade e do desenvolvimen- condensação e incorporação de informação (medi-
to econômico e social. Sabemos que conhecimen- camentos, sementes geneticamente modificadas).
to e inovações acompanham a humanidade desde Nesse contexto, a produção de bens e serviços
sempre: do machado às células-tronco, como bem depende de permanente inovação, cujo valor é
afirmam Kubota e Salerno (2008). Entretanto, há definido pela aceitação do mercado.
praticamente consenso entre os estudiosos sobre Diante do novo cenário – em que conheci-
o fato de que, hoje, o conhecimento1 é a fonte prin- mento e inovação são concebidos como fatores cen-
cipal para a criação de riqueza e, portanto, para trais para o crescimento e o desenvolvimento eco-
crescimento e competitividade econômica susten- nômicos sustentáveis –, impõe-se o argumento que
táveis. Conhecimento substitui o capital físico, sustenta a necessidade de cooperação mais estrei-
determinante para a organização da produção, no ta entre ciência, tecnologia e inovação, ou seja,
século XX. Paul M. Romer, o renomado economis- universidade, sociedade e sistema produtivo.
ta americano, explica por que conhecimento é o A interdependência entre ciência e tecnologia
fator determinante do modelo sustentável de de- já se verifica desde o início do século XX,2 sendo
senvolvimento: “(it) is assumed to be an input in que os períodos da I e da II Guerra Mundial constitu-
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production that has increasing marginal em casos exemplares de intensa cooperação entre
productivity” (1986, p.1002). Romer afirma, como ciência e tecnologia, ou entre universidades e empre-
citado por Guimarães em seu artigo, que a nova sas, em especial na Inglaterra e nos Estados Unidos,
economia se baseia em ideias mais do que em ob- respectivamente. No caso dos Estados Unidos, na II
jetos...” (Time Magazine, abril 21,1997). “Ideias”, Guerra, houve o envolvimento de grandes universi-
nesse caso, significa, entre outras coisas, a capaci- dades como o Massachusets Institute of Technology
dade de alterar certas características, como modo e a Universidade de Harvard, entre outras, e de em-
de utilização, desempenho e design, de um pro- presas como AT&T, General Electric,Westinghouse,
duto ou conhecimento já disponíveis. Por exem- RCA e Raytheon (Mendonça et al., 2008). Segundo
plo, antes do lançamento da Apple, já existia um Mendonça et al. (2008), na Alemanha, a mobilização
produto com o princípio do atual Ipod, sem que dos cientistas foi tardia e reduzida; no Japão, ela foi
1
“Conhecimento: conjunto de afirmações organizadas igualmente reduzida e pouco eficiente. Ainda segun-
sobre fatos ou ideias, apresentando julgamento racional
ou resultados experimentais, transmitidos aos demais 2
através de algum meio de comunicação, de alguma for- Para uma análise detalhada do modelo e de seu significa-
ma sistemática.” Daniel Bell, The coming of post-in- do para as políticas de C&T, vide STOKES, Donald E.
dustrial society: a venture in social forecasting. 1976. Pasteur’s quadrant: basic science and technological
New York: Basic Books; (1st ed 1973), p.173 apud innovation. Washington: Brookings Institutions Press,
Castells, 1996, p. 17). Traduzido por SKG. 1997 (apud Viotti, 2008) e Mendonça et al. 2008.

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do os mesmos autores, a contribuição das ciências de aproximação entre ciência e sua aplicação, como
física e eletrônica foi fundamental para a produção afirma Balbachevsky em seu artigo, neste dossiê:
de armamentos que definiram a estratégia militar na “o momento do conhecimento e da observação se
II guerra mundial. confunde com o design de novos artefatos [...], ou
No Brasil, a Petrobrás é um caso exemplar, com a modelagem de intervenções deliberadas so-
mantendo milhares de contratos de pesquisa com bre a realidade.”. Há ainda a potencialidade comer-
universidades, que contribuem para desenvolvi- cial imediata de algumas tecnologias, como ocorre,
mento de seu centro de pesquisa. Há os que di- por exemplo, na engenharia genética – intervenção
zem que a Petrobrás não seria o que é não fosse sobre genes de organismos vivos com o objetivo de
sua parceria com as universidades brasileiras. modificá-los – e a produção de medicamentos.
Outro exemplo é o da Embraer, que se consolidou A perspectiva neo-schumpeteriana percebeu
com o apoio do Instituto Tecnológico da Aeronáu- o caráter social e sistêmico-interativo do processo
tica (ITA) para a formação de recursos humanos e de inovação: ao mesmo tempo em que valoriza o
o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA). papel da empresa como agente principal da inova-
Apesar da existência de colaboração, ainda ção, considera-a apenas uma parte de um sistema
que conjuntural, sustentava-se que a inovação re- mais amplo, concebido como uma rede de rela-
sultaria do trabalho solitário ou isolado de cientis- ções entre agentes sociais, própria de um país ou
tas em laboratório (pesquisa básica), o que região, incluindo relações entre empresas e entre
condicionaria, de forma linear, as demais etapas instituições de ensino e pesquisa, existência de
do processo, transformando-se em inovação infraestrutura pública e (ou) privada, economia
tecnológica a ser transferida à empresa – concebi- nacional e internacional, assim como aspectos só-
da como usuária no processo –, a responsável pela cio-histórico-culturais locais, em que se incluem,
produção de bens a serem ofertados no mercado. dentre outros, características organizacionais, le-
Essa visão foi amplamente difundida pelo relató- gais e normativas (Freeman, 1991; Lundvall, 1992).
rio de Vannevar Bush (Science, The Endless Frontier. A empresa deixa de ser apenas consumidora de
A Report to the President, July 1945), diretor do tecnologia, tornando-se também produtora, en-
Office of Scientific Research and Development, nos quanto a inovação é concebida como processo de
Estados Unidos. risco, tanto no que se refere a recursos necessári-
No entanto, estudos sobre a relação entre os, quanto a resultados técnicos e mercadológicos.
produção do conhecimento e inovação evidenci- Essa é a chave do debate de que se ocupam

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am que, para aplicar o conhecimento científico, os artigos incluídos neste dossiê. A preocupação é
não basta a disponibilidade do conhecimento for- a de conhecer e avaliar de que forma os atores cen-
mal, pois ele deve ser “colocado em prática”, o trais dessa nova configuração do desenvolvimen-
que, na maioria das vezes, demanda adaptações e to econômico-social – ciência (universidades e ins-
soluções difíceis, além de ser um processo regido tituições de pesquisa), agentes públicos e empre-
pela imprevisibilidade. Por essa razão, o processo sas – estão se ajustando às novas demandas que
de inovação depende de apoios institucionais que se lhe apresentam e com que resultados. Como
não são apenas financeiros: necessita estar ancora- funciona o sistema nacional de inovação no Bra-
do por redes de cooperação formais e nãoformais, sil, se comparado com realidades da Europa e da
capazes de promover a interação entre os agentes- América Latina? Que desafios, que dificuldades e
chave do proceso, as instituições acadêmico-cien- que perspectivas se apresentam ao país?
tíficas, as empresas e o Estado. Considerando o modelo de interação entre
Por outro lado, características próprias das universidades, governos e empresas, supõe-se que
novas áreas do conhecimento também contribuem cada ator mantenha sua autonomia relativa. A uni-
para favorecer a emergência de um novo paradigma versidade, por exemplo, continuaria a ser a prin-

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cipal geradora e transmissora de conhecimento sem governamental efetivo à atividade de P&D (enco-
submeter-se às pressões externas. O pressuposto mendas do governo, incentivos fiscais, apoio à
seria de que universidade e os demais atores atu- infraestrutura, proteção para a propriedade inte-
em em conjunto, visando a atingir propósitos so- lectual) e carência de recursos humanos qualifica-
ciais mais amplos, sem comprometer seus interes- dos impõem dificuldades adicionais às empresas.
ses e missões originais, buscando alcançar o equi- Aspectos da contribuição dos autores deste
líbrio entre independência e interdependência dossiê para a discussão em pauta poderia ser bre-
(Etzkowitz, 2009). Como afirma Sobral em seu arti- vemente resumida, como é feito a seguir.
go neste dossiê, citando Nowotny (2006), “não há O artigo de Lyytinen e Hölttä analisa o de-
incompatibilidade entre ciência real e ciência exce- senvolvimento recente de uma parte do ensino
lente [...] a ciência responde às várias pressões pro- superior na Finlândia, baseando-se no estudo de
venientes do Estado, da indústria e da sociedade e, caso de quatro institutos politécnicos. O artigo tem
de forma crescente, do mundo globalizado, sem como objetivo avaliar a natureza e o grau de
diminuir a excelência...” Esse é também o pressu- envolvimento desses institutos com atividades que
posto de que partem os argumentos dos autores de contribuissem para o desenvolvimento econômi-
artigos apresentados neste Dossiê. co e social do país, através de colaboração com
A ação conjugada dos atores referidos não é, atores externos. Os resultados do estudo eviden-
contudo, algo simples e consensual, em especial ciam que as parcerias com atores externos estavam
com relação à interação entre universidades e em- menos voltadas para a captação de recursos finan-
presas, cujas culturas são bastante diversas, especi- ceiros e mais para a consecução de valores simbó-
almente, no Brasil. Como afirmam Neves e Neves, licos, como garantir prestígio para a instituição,
através de estímulo a atividades acadêmicas, troca
... muitas dificuldades emergem, desde incapa- de informações e transferência de conhecimento.
cidades dos atores universitários de lidar com as
empresas, alegando riscos de privatização das É interessante notar que os resultados do estudo
instituições públicas, até falta de iniciativa dos de Balbachevsky indicam praticamente o oposto,
empresários, na medida em que o investimento
em C&T é visto por eles como responsabilidade em relação ao Brasil e à América Latina. Ou seja, a
do governo, e se isentam de assumir compromis-
sos privados com C,T&I. adesão dos pesquisadores ao novo padrão de
interação com o ambiente externo ocorreu, princi-
Castro também chama a atenção para os palmente, em razão da possibilidade de obtenção
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dissensos internos, em especial, a percepção de de “recursos para a infraestrutura de pesquisa e


que a colaboração com empresas significaria para a manutenção de equipes complexas de pes-
privatização de bens públicos. quisa.” Essas diferenças traduzem as peculiarida-
Embora reconhecida a necessidade de des históricas, econômicas e sociais de cada reali-
interação entre universidade e empresa, há dade: na Finlândia, ao contrário de tradição lati-
discordância sobre a “missão” de cada uma. Para no-americana, a trajetória das instituições de ensi-
alguns, caberia à universidade formar profissio- no superior tem sido pautada, historicamente, tam-
nais qualificados e à empresa privilegiar a criação bém pela prestação de serviços públicos que ofere-
da inovação e da riqueza. Para outros, os esforços cem benefícios à sociedade. Dessa forma, as mu-
da pesquisa atual devem ser coletivos, em razão danças atuais podem ser mais facilmente abraçadas.
dos altos custos, complexidade e riscos envolvi- Por outro lado, em relação às áreas de co-
dos, o que justificaria plenamente a cooperação nhecimento, os resultados do estudo de Lyytinen
mais próxima entre universidades, empresas e e Hölttä coincidem com os de Sobral: as áreas téc-
governos, em especial no Brasil, país onde a insta- nicas têm maior facilidade de colaboração com
bilidade de regras fiscais, taxas de juros elevadas, parceiros externos e na produção de pesquisas
variações da política industrial, ausência de apoio aplicadas do que áreas como humanidades ou as

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de atendimento de saúde e assistência social, ain- O artigo de Sobral analisa resultados de


da que, em ambos os artigos, os autores reconhe- pesquisa sobre a produção científica e tecnológica
çam que mudanças estejam ocorrendo também nas engenharias e na sociologia, constatando dife-
nesse sentido. renças de ordem disciplinar, mas convergências
O segundo artigo, de autoria de Neves e no que se refere à tendência de atender a deman-
Neves, traz os casos da Alemanha e do Brasil, ana- das da sociedade: na sociologia, contribuindo para
lisando as reformas do ensino superior e princi- subsidiar políticas públicas, enquanto que, nas
pais políticas de fomento à pesquisa e à inovação engenharias, atendendo a demandas por parte do
implementadas em ambos os países, o que permi- governo e do setor produtivo. A autora conclui
te comparações, ainda que guardando os devidos que os programas de apoio à ciência, tecnologia e
limites, face às peculiaridades históricas e sociais inovação começam gradativamente a influenciar a
de cada país. Mas, como advertem os autores, con- produção científica e tecnológica nas universida-
siderando-se que não há determinismos, possibi- des e a percepção de pesquisadores sobre a neces-
lidades existem para que o Brasil possa vir a sur- sidade de responder às demandas externas à uni-
preender positivamente. A conclusão dos autores versidade. Apesar de anúncios positivos, Sobral
é de que, na Alemanha, as políticas de reforços ao não deixa de apontar dificuldades: “Os ruídos da
sistema de ciência, tecnologia e inovação alcança- sociedade começaram a ter eco, de formas diferen-
ram alto grau de integração e adesão entre os ato- ciadas, apontando novos horizontes para a pes-
res envolvidos (universidades, institutos de pes- quisa, mas há ainda um vasto caminho a ser tri-
quisa, agências de fomento e setor produtivo), de- lhado quanto à institucionalização dessa interação.”
monstrando solidez do sistema de produção de O artigo de Castro concentra-se na avalia-
conhecimento científico e tecnológico. No Brasil, ção de resultados relativos à transição de universi-
ao contrário, os esforços para consolidar o sistema dades de pesquisa brasileiras, frente ao novo con-
nacional de inovação revela limites, impostos tan- texto de políticas de Ciência,Tecnologia & Inova-
to pelo baixo grau de integração das medidas ção (C,T&I). Castro reconhece a ocorrência de mu-
implementadas, quanto pela visão ainda pouco danças significativas, mas argumenta que elas não
amadurecida dos atores envolvidos sobre o pro- são suficientes para caracterizar uma transição efe-
blema a ser enfrentado, o que evidencia, segundo tiva “do modelo centralizado, linear e focado em
os autores, distorções preocupantes no sistema de P&D para um modelo sistêmico capaz de articular
inovação nacional. as partes, de modo a construir um efetivo sistema

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Também em dimensão comparativa, de inovação para o Brasil.” Segundo a autora, per-
Balbachevsky chama a atenção para os problemas manece, na universidade, o “viés acadêmico” que
de governança nas áreas de políticas de ciência e dificulta a interação com o ambiente externo. Quan-
inovação, considerando que as reformas propostas do ele ocorre, tende a ser considerado menos como
visam a direcionar a atividade acadêmico-científica TTI (transferência de tecnologia e inovação) e mais
a contribuir para o aumento da competitividade como “extensão”, no sentido de community
econômica do país. A autora argumenta que, para services. Ainda que reconhecendo a existência de
romper com características da cultura acadêmica uma nova geração de políticas públicas focadas na
tradicional, ilustrada pelo isolamento do cientista, mobilização de redes de inovação locais e nacio-
seria também necessárias reformas nas instituições nais, afirma que elas, apesar de generosas, não têm
acadêmicas, como a estrutura de recompensas pro- sido capazes de sensibilizar o empresariado. Por-
fissionais, no sentido de valorizar a cooperação tanto, da mesma forma que Neves e Neves, Castro
estratégica, privilegiando a qualidade da interação também avalia como frágil a articulação necessária
a partir de critérios definidos pelo entorno para que se possa reconhecer, no Brasil, um siste-
institucional acadêmico. ma de inovação consistente.

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O artigo de Barbosa e Santos analisa a ex- sas inovadoras, no Brasil.


pansão e diversificação do ensino superior no Bra- Os artigos aqui apresentados contribuem
sil, com base em resultados de investigação sobre com análises substantivas que buscam levar os lei-
políticas e programas de inclusão social relativas tores a uma reflexão sobre os enormes desafios com
ao ensino superior e suas implicações, conside- que se depara o país. Ao mesmo tempo, parecem
rando oito áreas de conhecimento. O objetivo foi o apontar para as perspectivas que se abrem: nunca
de avaliar a capacidade daquelas políticas e pro- o país esteve tão próximo de oportunidades capa-
gramas públicos de inclusão social (Programa Uni- zes de contribuir para alterar sua posição de nação
versidade para Todos, ProUni, e financiamentos periférica – que, no passado, foi declarada como
como o Fundo de Financiamento ao Estudante do condição inevitável. Não há inevitabilidades, mas
Ensino Superior, FIES) como instrumentos para capacidades de os agentes sociais escolherem es-
reduzir a desigualdade social. As autoras conclu- tratégias que lhes sejam favoráveis. Estamos pre-
em que, de forma geral, os sistemas de bolsas e de senciando uma fase de transição econômico-social
financiamentos considerados apresentam resulta- em âmbito global, extremamente desafiadora, e
dos bastante satisfatórios; entretanto, identificam devemos estar preparados para desempenhar pa-
diferenças quanto ao seu desempenho em cada pel de protagonistas, não o de de expectadores.
curso, associado aos tipos de bolsa e de financia- Os ideiais democráticos e de justiça social almeja-
mento. Sugerem a possibilidade de que algumas dos não serão alcançados sem que o país seja ca-
dessas diferenças estejam associadas à origem soci- paz de construir uma economia moderna e sus-
al dos alunos; por outro lado, identificam traços no tentável, a qual hoje, mais do nunca depende de
sistema que estariam a indicar possibilidades de conhecimento, tecnologia e inovação.
avanço na direção que favorece a inclusão social.
Por fim, o artigo de Guimarães apresenta
resultados que, de alguma forma, indicam o anda- (Recebido para publicação em 12 de setembro de 2011)
(Aceito em 15 dezembro de 2011)
mento do novo modelo de produção baseado no
conhecimento e na inovação. A análise é baseada
em resultados de uma pesquisa realizada entre REFERÊNCIAS
micro, pequenas e médias empresas intensivas em
conhecimento, localizadas em parques tecnológicos DE NEGRI, João Alberto; KUBOTA, Luís Claudio. Políti-
cas de incentivo à inovação tecnológica no Brasil. Brasília:
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de campi universitários, nos estados do Rio Gran- Ipea, 2008.


de do Sul e de Santa Catarina. Os dados evidenci- MENDONÇA, Marco Aurélio A. de; LIMA, Divany Go-
mes; SOUZA, Jano Moreira de. Cooperação entre o Minis-
am que, mesmo restritas, observam-se algumas mu- tério da Defesa e COPPE/UFRJ: uma abordagem baseada
danças positivas na configuração do modelo empre- no modelo da Triple Hélix III. In. DE NEGRI, João Alberto;
KUBOTA, Luis Cláudio (Org.) Políticas de incentivo à ino-
sarial do segmento investigado. A autora conclui que vação tecnológica no Brasil. Disponível em:
www.ipea.gov.br/ sites/000/2/livros/inovacaotecnologica/
as barreiras existentes não são intransponíveis, e o capitulo15.pdf
aprendizado já adquirido parece indicar possibilida- ROMER, Paul. Increasing returns and long run growth.
The Journal of Political Economy, Chicago, v.94, n.5,
des promissoras para as pequenas e médias empre- p.1002-1037, oct. 1986.

Sonia K. Guimarães - Doutora em Sociologia. Professora Titular do Departamento de Sociologia e do Progra-


ma de Pós Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora 1B CNPq.
PhD em Sociologia pela London School of Economics and Political Science, Universidade de Londres, com
estágio pós-doutoral na Sloan School of Management, MIT, Cambridge Ma., Estados Unidos. Coordena o
Grupo de Pesquisa/UFRGS/CNPq Trabalho na Sociedade Contemporânea (www.ufrgs.br/ppgsocio). Autora
de vários artigos em periódicos indexados nacionais e internacionais (a maioria sob o sobrenome Larangeira),
em especial sobre transformações no trabalho na área de serviços (bancos e telecom), reestruturação produti-
va e sindicatos. Suas investigações no presente estão voltadas para o estudo de pequenas e médias empresas
intensivas em conhecimento.

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