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DOI: 10.1590/1413-81232015218.

08382015 2547

Inovação em ouvidorias do SUS – reflexões e potencialidades

ARTIGO ARTICLE
Innovation in the role of the Office of the Ombudsman of the
Unified Health System (SUS) – reflections and potential benefits

Fernando Manuel Bessa Fernandes 1


Marcelo Rasga Moreira 1
José Mendes Ribeiro 1
Assis Mafort Ouverney 1
Flávio José Fonseca de Oliveira 1
Maria Francisca Abritta Moro 2

Abstract This article seeks to reflect on the po- Resumo O artigo pretende refletir sobre as po-
tential of innovative practices in the design and tencialidades de práticas inovadoras na concepção
work of the government bodies that comprise the e no trabalho das instâncias que compõem o Sis-
National System of Offices of the Ombudsman of tema Nacional de Ouvidorias do Sistema Único
the Unified Health System. It is divided into two de Saúde. Divide-se em duas partes, buscando
parts, seeking to answer the following question: responder à seguinte questão: Como se pensar
How to think of and implement innovative prac- e concretizar práticas inovadoras – e mais, que
tices – which include sustainability – when the contenham sustentabilidade na sua renovação –
people are voicing their urgent demands and these quando demandas urgentes da população estão
are being heard by the public authorities? These sendo por ela vocalizadas e ouvidas pelo Poder
grievances are all the more urgent as they involve Público, urgências estas ainda mais dramáticas
the area of Health and can they be promptly dis- quando situadas na área da Saúde e que devem
cussed, attended and resolved? In the first part, ser prontamente respondidas, atendidas e solucio-
the article discusses the polysemic concept of in- nadas? Em sua primeira parte, o artigo discorre
novation, focusing on its application in the three sobre o polissêmico conceito de inovação, focali-
spheres of public administration, and highlights zando sua aplicação no campo da administração
the importance of its close correlation with the pública em suas três esferas, e assinala-se a im-
different notions of information and knowledge in portância de sua estreita correlação com as noções
a society such as the one we live in. In the second, distintas de informação e conhecimento numa so-
it develops a task-force of ideas for the office of the ciedade como a que vivemos. Na segunda, desen-
ombudsman and based on this, a draft operation- volve uma ideia-força de Ouvidoria e, apoiada
al concept of innovation in the role of the office of nesta, uma proposta de conceito operacional de
the ombudsman, considering the context of high inovação em ouvidoria, considerando o contexto
1
Departamento de Ciências
Sociais, Escola Nacional de speed change and transformations and the com- de mudança e transformações em alta velocidade
Saúde Pública, Fiocruz. R. plexity inherent to contemporary life and the need e a complexidade característica da vida contem-
Leopoldo Bulhões 1480, for resource management and expertise develop- porânea e as necessidades de manejo de recursos
Manguinhos. 21041-210
Rio de Janeiro RJ Brasil. ment in information management. e de desenvolvimento de expertise na gestão da
fernando.bessa@ Key words Innovation, Social participation, informação.
ensp.fiocruz.br Consumer protection, Formal controls of society Palavras-chave Inovação, Participação social,
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Ouvidoria Nacional do
SUS, Ministério da Saúde. Defesa do usuário, Controles formais da sociedade
Brasília DF Brasil.
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Fernandes FMB et al.

Introdução noções distintas de informação e conhecimento


numa sociedade como a que vivemos. Na segun-
Na história das conquistas humanas, observa-se da, tomando-se por base o raciocínio efetuado na
que inovar tem sido uma questão de necessida- primeira, desenvolve-se uma ideia-força de Ouvi-
de, de adaptação, de inventividade e, em última doria e, apoiada nesta, uma proposta de conceito
análise, de sobrevivência. Inovar, no sentido de ir operacional de inovação em ouvidoria.
além ao inventar o novo, de construir aquilo que
ainda não foi pensado ou executado, ou de aper-
feiçoar o que já existe, significou e ainda signifi- Primeira parte – considerações iniciais
ca a utilização do atributo da criatividade para o sobre inovação
enfrentamento e a resolução de problemas, dos
mais básicos aos mais complexos. As definições conceituais sobre Inovação têm
Questões instigantes surgem quando correla- sido elaboradas na literatura de vários campos
cionamos a ideia de “inovação” à gestão pública: do saber, notadamente desde o trabalho inicial de
O que seria inovação quando se pensam políticas Joseph Schumpeter no início do século XX3-5. Em
públicas? Como buscar, viabilizar e alcançar a suas obras, em especial na sua teoria do ciclo eco-
inovação, compreendendo políticas públicas en- nômico, aquele autor o reputa como sendo um
quanto respostas governamentais às necessidades sistema dinâmico não linear e basicamente clas-
e demandas da população, dado que estas ex- sifica as transformações inventivas experimen-
pressam questões concretas à espera de soluções tadas sazonalmente pela Economia – as chama-
imediatas e efetivas? Como se pensar e concreti- das inovações – em radicais (caracterizadas por
zar práticas inovadoras – e mais, que contenham provocar grandes mudanças de cunho estrutural
sustentabilidade na sua renovação – quando de- e/ou mesmo revolucionário) ou incrementais
mandas urgentes da população estão sendo por (caracterizadas por promover um processo oti-
ela vocalizadas e ouvidas pelo Poder Público, mizador de mudança sem rupturas traumáticas,
urgências estas ainda mais dramáticas quando embora de forma contínua, fluida).
situadas na área da Saúde e que devem ser pron- O autor, contudo, distingue inovação e inven-
tamente respondidas, atendidas e solucionadas? ção, no âmbito de um modelo capitalista indus-
Como as instâncias de ouvidoria podem receber, trial de geração de riqueza: uma invenção é uma
trabalhar e atender, de forma eficaz, eficiente e ideia, esboço ou modelo para um novo ou melho-
efetiva às manifestações dos cidadãos relativas a rado artefato, produto, processo ou sistema. Uma
problemas que eles enfrentam no Sistema Único inovação, no sentido econômico, somente é comple-
de Saúde (SUS), considerando o(s) conceito(s) ta quando há uma transação comercial envolvendo
de “inovação”? uma invenção e assim gerando riqueza6.
O presente artigo pretende refletir sobre estas Logo, o autor alça a inovação ao status de
questões, a fim de explorar as potencialidades de elemento dinamizador do sistema capitalista. Ao
práticas inovadoras na concepção e no trabalho experimentar uma alteração provocada por uma
das instâncias que compõem o Sistema Nacional inovação (uma descoberta de novas matérias-pri-
de Ouvidorias do SUS (SNO-SUS)1, cuja coorde- mas, a introdução de um novo bem de consumo
nação é de responsabilidade do Departamento ou de um método inventivo de produção de mer-
de Ouvidoria-Geral da Secretaria de Gestão Es- cadoria, uma prática ou processo que altere a es-
tratégica e Participativa do Ministério da Saúde trutura de um mercado vigente), o sistema tem
(DOGES/SGEP/MS). Este sistema encontra-se significativamente perturbada a sua homeostase
em estruturação e pretende articular, nas três es- ou estado de equilíbrio, e um processo de expan-
feras de governo, uma rede de ouvidorias capazes são (um boom) encontra condições para ter iní-
de integrar as demandas sociais em saúde – de- cio. Por esse viés entrópico, portanto, o processo
nominadas manifestações, sistematizando-as e inovador se constitui numa destruição criativa,
processando-as de modo a subsidiar a gestão pú- encontrando certa possibilidade de analogia na
blica na formulação, implementação, execução e articulação das ideias contidas nas teorias astrofí-
avaliação de políticas2. sicas/cosmológicas do Big Bang e do Big Crunch e,
O texto está estruturado em duas partes: Na até mesmo, das ideias de Anthony Giddens com
primeira, discorre-se sobre o polissêmico con- sua metáfora hindu do carro de Jagrená, em sua
ceito de inovação, focalizando sua aplicação no obra As Consequências da Modernidade.
campo da administração pública, e assinala-se Na esteira do debate sobre a Inovação e o pro-
a importância de sua estreita correlação com as cesso inovador, iniciado no panorama de recru-
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descimento do Capitalismo industrial colonialis- formalizado incide no processo inovador, dado
ta e imperialista do período anterior à primeira que, mesmo aquele conhecimento não formal e
Grande Guerra Mundial no qual vivia Schumpe- não estruturado, construído nas práticas socio-
ter, vários cientistas sociais (marcadamente eco- culturais inerentes aos processos mais básicos
nomistas e sociólogos) têm revisitado, atualizado, e cotidianos de sociabilidade, tem peso e papel
adaptado, repaginado, sofisticado e, até mesmo, estratégico. Logo, suas assimetrias, seu caráter
inovado suas reflexões, como, por exemplo, Chris- de incerteza e incompletude e suas complexi-
topher Freeman7 e Peter Druker8, entre outros. dades não podem ser deixadas de lado. Nesse
Sob a alcunha de “neoschumpeterianos”, a pormenor, a Teoria do Ator-Rede e a disciplina
partir do final dos anos 60 e dos anos 70 do sécu- da Sociologia da Inovação têm produzido inte-
lo passado, no contexto da segunda crise mundial ressantes análises, exemplificadas pelos trabalhos
do petróleo, chegaram a ser difundidas analogias de Bruno Latour12 e Manuel Castells13, com seus
biológicas de sabor darwiniano para explicar o conceitos de Tradução (ou Mediação) e de Redes,
suposto caráter evolutivo do desenvolvimento respectivamente.
capitalista e, em especial, do processo de mu- Na realidade brasileira, a partir da segunda
dança tecnológica. Na progressão do raciocínio, metade da década de 1990, a ideia de inovação
é defendida a ideia de que a inovação é o deter- tem sido especial e amplamente incorporada nas
minante fundamental da dinâmica econômica, práticas dos setores público e privado3,5,11,14-19. Po-
preciosa na definição de padrões organizacionais, rém, talvez ainda seja uma necessidade consoli-
de competitividade e de empreendedorismo e no dar uma interpretação do conceito no sentido da
estabelecimento de cooperação produtiva, ainda sua incidência e operacionalidade nas políticas
mais na contemporânea conjuntura sinergética públicas – em especial no que tange ao trabalho
de aumento e aceleração das relações no mundo das ouvidorias do SUS, de modo a buscar expan-
potencialmente cada vez mais interconectado do dir, consolidar e disseminar o desempenho ino-
final do século XX e início do século XXI. vador excelente observado em nichos tais como
No desenrolar das reflexões teóricas acadê- segmentos da economia vistos como estratégicos
micas sobre Inovação, alcançou certo destaque a e nos quais o papel do Estado se faz sentir posi-
perspectiva da Hélice Tripla do Desenvolvimento tivamente (Embrapa, Embraer, Petrobrás, etc.).
(envolvendo Estado, Universidades e Empresas),
mesmo com suas pontualidades e limitações de- Possibilidades de operacionalização
rivadas da pouca ênfase na análise dos formatos do conceito de inovação na gestão pública
institucionais subjacentes a cada processo ino-
vador e também dos referentes impactos sociais, Na vasta literatura sobre inovação, sempre
econômicos e culturais deles advindos9. De tudo, marcada pela multidimensionalidade, há uma
fica patente a importância estratégica em se iden- grande variedade de definições conceituais. In-
tificar o que faculta, gera e sustenta a inovação. teressante notar que estudos indicam haver uma
distinção entre inovações “inventadas” e inova-
O Entrelaçamento de Inovação, ções “adotadas”, com as primeiras sendo prota-
Informação e Conhecimento gonizadas pelas próprias instâncias/organizações
que as aplicam, e as segundas sendo caracteriza-
Chega-se, a esta altura, a um consenso que das por um movimento mimético-antropofági-
na origem e no desenvolvimento de uma inova- co. Inclusive, este último tipo parece ser, segundo
ção, as noções de informação e de conhecimento alguns autores, o de ocorrência mais comum no
são basilares. Por conseguinte, a produção, a sis- setor público3,4,20.
tematização, o intercâmbio, a troca, a difusão e Para a Organização para a Cooperação Eco-
a disseminação de informação e conhecimento nômica e Desenvolvimento (OCDE), no docu-
entre indivíduos, grupos, instituições, organiza- mento intitulado Manual de Oslo, inovação é
ções e mesmo países se plasmam numa capaci- ...a implementação de um produto (bem ou servi-
dade de aprendizado interativo, que possibilita ço) novo ou significativamente melhorado, ou um
o enfrentamento das contingências do cotidiano processo, ou um novo método de marketing, ou um
em constante mutação, assim como de estabele- novo método organizacional nas práticas de negó-
cimento de estratégias de avaliação de processos, cios, na organização do local de trabalho ou nas
desempenhos e/ou resultados10,11. relações externas21.
Especificamente sobre conhecimento, cabe Já a legislação brasileira sobre inovação a de-
recordar que não apenas aquele que é formal/ fine de forma bem direta como introdução de no-
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vidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo do rígidos controles e normatizações supérfluos


ou social que resulte em novos produtos, processos e contraproducentes em relação à fluidez de um
ou serviços22. Isso permite inferir que é cada vez sistema ou conjunto de ações e processos. Porém,
mais nítido que a Ciência e a Tecnologia são fun- a despeito disto, torna-se mais curioso ainda no-
damentais para o desenvolvimento de condições tar a paradoxo contido no fato de que a mudança
bem-estar e de Saúde, muito embora salvaguar- prescinde de flexibilidade e de apoio em elemen-
das referentes às injunções político-ideológicas, tos estáveis.
socioculturais e socioeconômicas devam ser Assim, num ambiente propício à mudança, a
sempre ponderadas. Neste cenário, a inovação é inovação poderá acontecer, mais provavelmente
ponto chave, compreendida como menos depen- do que num ambiente já saturado de complexi-
dente de inventividade técnica, e mais dependen- dade, que nubla e ofusca as oportunidades de sua
te da instituição de redes de produção, circulação ocorrência. Isso vem ao encontro da ideia de que
e transformação de informação e conhecimento. organizações governamentais, histórica e supos-
Torna-se possível pensar em termos de uma tamente tidas como burocráticas, centralizadas e
cultura organizacional que vá em direção a uma resistentes à inovação, podem apresentar poten-
cultura de inovação, dado que esta encontrará cial de surpresa positiva quando se trata de pro-
condições propícias para seu desenvolvimento tagonizar processos inovadores.
num ambiente organizacional que seja caracte- Em conexão com a questão, especifican-
rizado pela existência de espaços de criatividade do suas reflexões para a gestão local da saúde,
e de um sistema efetivo de comunicação entre as Fleury20 traz o conceito de Inovação Social:
pessoas, permissores do compartilhamento de ... é o processo de transformação e densificação
ideias, saberes, informações, conhecimentos, ex- da esfera pública e diz respeito à expansão da cida-
periências, experimentações e valores23-25. dania por meio do tripé integração, participação e
A ideia de que a informação, por si só, não distribuição, tendo – no limite – como consequên-
gera conhecimento, dado que não apresenta ca- cia fundamental, a possibilidade de construção de
pacidade inerente de alterar estruturas cogniti- sujeitos autônomos e emancipados, cuja inserção
vas, coaduna-se com a noção de inovação que se na esfera pública está constitucionalmente defini-
advoga neste sentido. da. Dessa forma, tão mais inovadora será a política
Aliado a isso, cabe lembrar que aspectos tais pública quanto maior for sua capacidade de con-
como indeterminação, inconstância, instabilida- gregar, simultaneamente, altos índices de integra-
de, risco, contingência, diversidade, temas fre- ção, participação, distribuição.
quentes no pensamento social contemporâneo, Avançando neste caminho, com o propósito
se tornam importantes nas reflexões sobre o pro- de revelar e avaliar a Inovação em Saúde, Fleury
cesso inovador, na perspectiva de relacionamento afirma que as políticas possuem dimensões ma-
da análise dos sistemas produtivos às análises no terial, institucional e simbólica; por conseguinte,
âmbito administrativo da gestão pública26. trabalham com três dimensões de inovação apli-
Relacionando reflexões teórico-conceituais cada à gestão pública que apresentam possibili-
sobre inovação e processo inovador ao estudo do dade interessante para se refletir sobre o processo
processo de descentralização e municipalização inovador no âmbito de experiências de ouvido-
na área da Saúde no Brasil, Fleury20 faz uma in- ria.
teressante observação sobre o trabalho de alguns A primeira dimensão, Social, refere-se à re-
autores, no sentido de questionar a ideia de que lação entre o poder público e a sociedade que
um perfil burocrático de gestor a princípio ex- aumenta a participação na definição de priorida-
cluiria a possibilidade de protagonizar inovação des e no desenho das políticas públicas, o efetivo
e/ou um processo inovador. controle social, a prestação de contas, e a respon-
Não chega a ser tão inusitado e curioso per- sabilização dos servidores – na verdade, em outra
ceber que, se o progresso e a mudança – em palavra, Accountability.
suma, a inovação – transcendem a estabilidade A segunda dimensão, Gerencial, trata da in-
do status quo, isto não se poderia mesmo esperar trodução e/ou manutenção de processos admi-
da burocracia enquanto agente transformador. nistrativos inovadores na gestão municipal em
Não custa recordar que “burocracia” é um termo busca do aumento da sua eficiência e da sua efi-
composto pela palavra francesa bureau (signifi- cácia potencializando a melhoria de processos e
cando “escritório”) e pela palavra grega krátos a utilização de recursos internos ou externos, e
(significando “poder” ou “regra”) que, ao longo instrumentos de informação para a captação e o
do tempo, adquiriu sentido pejorativo designan- escalonamento da demanda.
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A terceira dimensão, Assistencial, engloba di- mento, encaminhamento, análise e utilização de
ferentes ações e/ou programas, que estão diferen- informação e conhecimento.
ciados para aquilo que se convencionou chamar Para que esta ideia-força presida um tipo de
“a ponta da linha”, ou seja, instrumentos geren- ouvidoria que se faça viável e exequível, a com-
ciais que visam ampliar a qualidade e a efetivida- preensão sobre o que esta instância efetivamente
de da atenção à saúde, bem como a introdução é e sobre quais potencialidades ela pode ter en-
de novos programas e ações incentivados pelo quanto entidade dotada de capacidade inovadora
poder central20. deve abranger os seguintes elementos:
Tendo feitas estas considerações e nelas ins- . Dimensões Caracterizadoras – Expressas por
piradas, na segunda parte do presente artigo, a características institucionais referentes à Estru-
seguir, serão desenvolvidas reflexões orientadas tura da Ouvidoria (suas instalações e recursos,
para a operacionalidade da adoção da ideia de humanos físicos e virtuais), às suas formas de
inovação em ouvidorias do SUS. processamento de informações referentes aos
Processos (seus modos de funcionamento básico
cotidiano no trato sistematizado das manifes-
Segunda parte – construindo a ideia-força tações captadas) e à sua forma de mediação re-
de ouvidoria e a proposta de inovação ferente aos Resultados obtidos (a efetividade de
em ouvidoria do SUS suas ações para dar conta da resolução dos pro-
blemas que geram as manifestações).
Muito já se tem produzido na literatura sobre . O Conceito de Ouvidoria Ativa, definido
inovação. Ela pode ser entendida de um ponto como capaz de promover estratégias eficazes para
de vista corporativo como sendo um processo de escuta do cidadão, não apenas recebendo as mani-
descoberta de problemas com valor de mercado e festações por meio dos canais de acesso, mas tam-
busca de soluções, tentando, errando e aprenden- bém buscando informações para subsidiar a gestão
do, em rede, sempre. Também pode ser entendida e o controle social. Esta ideia está impregnada da
como sendo a Insatisfação institucionalizada com noção de proatividade, consubstanciada no que
o status quo institucional... É imperfeita, incom- alguns autores chamam de “Ouvidoria Proativa”,
pleta e impermanente27. Logo, por este diapasão, em oposição à passividade característica de uma
pode ser entendido que inovação possui caráter “Ouvidoria Reativa”30.
dialético de mudança, consistindo em postura . A Noção de Regulação aplicada às práticas de
resultante e simultaneamente instigadora do co- Ouvidoria, adaptada da teoria concernente e do
protagonismo de todos os envolvidos, carregan- conceito jurídico-legal de regulação, obedecidos
do sentidos sociotécnicos no trato da informação e manejados pelo aparato institucional regula-
e na produção do conhecimento15,19,24,25,28,29. tório (órgãos de auditoria e controle, Tribunais
Os conceitos que foram apresentados na pri- de Contas, Agências Reguladoras, Ministério
meira parte deste artigo eram os elementos ini- Público, Advocacia-Geral da União, Conselhos,
ciais de uma discussão sobre a natureza e as fun- Departamentos e Coordenações do Ministério
cionalidades das ouvidorias do SUS, para as três da Saúde e outros, etc.)24,25,31.
esferas de administração pública, considerando o Depreende-se que a ideia de inovação em ou-
contexto de mudança, as transformações em alta vidoria ou de ouvidoria inovadora deve levar em
velocidade e a complexidade característica da consideração a Participação e o Controle Social,
vida contemporânea. a Governança e a Regulação e as potencialidades
Com o propósito de refletir sobre as poten- das Tecnologias da Informação e Comunicação
cialidades da atuação das ouvidorias em saúde no (TIC) e das redes sociais – baseadas que são em
Brasil e construir um conceito de inovação a ser recursos humanos, em softwares e em hardwa-
consolidado nas práticas do SNO-SUS, chegou- res15,16,24,25,29,32.
se uma Ideia-Força de Ouvidoria: É preciso, também, atentar para a questão da
Entidade que elabora respostas adequadas que participação meramente enquanto uma espécie
conjugam a noção de resolutividade aplicada às res- de “participacionismo”, ou seja, dar voz ao cida-
postas às manifestações e que abrangem 1) Instân- dão e até ouvi-lo, porém, sem efetivamente resol-
cia de Mediação, na medida em que protagoniza o ver o que gerou a manifestação. Esta é uma ideia
acolhimento das manifestações e o monitoramen- a ser superada, um desafio a ser encarado e um
to junto às instâncias/organizações responsáveis e enigma a ser resolvido!
competentes; 2) Instância de Processamento, na Este enigma se traduz na necessidade de
medida em que atua no recebimento, armazena- transcender um certo paternalismo ou conduti-
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vismo participativo sem cair num interacionis- Em 2003, a 12ª. Conferência Nacional de
mo excludente das noções de Governo e Estado- Saúde deliberou em favor da elaboração e imple-
Nação, já que o trabalho das ouvidorias o tempo mentação de políticas articuladas de informação
todo trata de Políticas Públicas e de mediação de em saúde para as três esferas de governo, garan-
manifestações de cidadãos enfrentando proble- tindo maior visibilidade das diretrizes do SUS, da
mas palpáveis, que vão desde os mais pontuais e política de saúde, ações e utilização de recursos,
prosaicos até os mais complexos e estruturais, do visando ampliar a participação e o controle social
ponto de vista do acesso a medicamentos e servi- e atender as demandas e expectativas da socieda-
ços até o mais amplo da gestão e administração de brasileira. Estas políticas foram delineadas de
pública. modo a reforçar a democratização da informação
Logo, é de se almejar que uma ouvidoria ino- e da comunicação, em todos os aspectos; garantir
vadora desenvolva agilidade e flexibilidade nas a compatibilização, a interface e a modernização
respostas às manifestações, superando a burocra- dos sistemas de informação do SUS e o aperfei-
tização e buscando autoaperfeiçoamento intrín- çoamento da integração e articulação com os sis-
seco constante de suas características. Também é temas e bases de dados de interesse para a saúde33.
desejável que se estabeleçam alianças junto a ato- Com vistas a estas definições da Conferên-
res detentores de poderes restritivos e sanciona- cia e entendendo que a gestão da informação do
dores, desenvolvendo resolutividade articuladora SNO-SUS se inclui neste conjunto, a reflexão en-
de uma mediação via rede regulatória da resposta volvendo a inovação em ouvidoria em saúde deve
à demanda expressa pela manifestação, seja qual considerar:
for. Do mesmo modo, que apresentem atuação . A organização (e análise sistêmica e siste-
estratégica como agente transformador imbuído mática) do processo de captura de dados, arma-
de responsabilidade social, coprotagonizando zenamento, organização, análise e produção de
com o cidadão/manifestante e os outros agentes informação e conhecimento para o SUS;
da rede estabelecida, o processo resolutivo da de- . A definição de parâmetros e indicadores a
manda expressa pela manifestação, seja qual for. partir das informações produzidas e que contri-
Para que isto aconteça, incide uma questão buam para a aferição sistemática e periódica de
básica de fundo: O entendimento de que o que se processos e resultados assistenciais do SUS;
produz como resposta da ouvidoria frente a uma . O método de gestão das informações a ser
demanda consiste numa produção consensual. implantada nas três esferas de governo de forma
Deste modo, a ideia de participação envolve co- articulada e integrada;
operação e não pode prescindir de reflexividade. . A democratização para as três esferas de go-
Com todos estes pontos de reflexão, chegou- verno, do acesso às informações e conhecimento
se a uma proposta inicial de conceito operacional produzidos pelo SNO-SUS.
de inovação em ouvidoria: Interpretação, proces- Logo, não basta armazenar a informação que
samento e disseminação de informação e conhe- a ouvidoria recebe (seja ela a demanda do cida-
cimento subsidiador da gestão e do cidadão, e ar- dão – a manifestação em si, seja ela a resposta que
ticulação e dinamização de uma Rede Mediadora vai compor para o cidadão – a informação gerada
Regulatória de Atendimento, abrangendo elemen- por outras instâncias) em bancos de dados e pla-
tos físicos e virtuais, em constante e orgânico auto- taformas bem estruturadas.
aperfeiçoamento. Não basta, além de armazenar a informação,
Para que este conceito se operacionalize, tor- transformá-la em conhecimento (seja para a ges-
na-se preciso, pois, que o sistema de gestão da tão, seja para o cidadão, seja para a Academia)
informação da ouvidoria esteja desenhado e es- por meio da elaboração de relatórios analíticos
truturado adequadamente, em consonância com de ágil, facilitado e transparente acesso e divul-
esta concepção de inovação em ouvidoria, para gação.
que a expertise técnica se coadune com o traba- É preciso mais, sempre. É necessário tornar
lho factual. organicamente viva a rede mediadora regulatória
A gestão de informação deve se apoiar em po- de atendimento, estabelecendo parcerias mutu-
líticas organizacionais que propiciem a sintonia amente empoderadoras com os atores (institui-
e o inter-relacionamento entre as unidades ou ções e instâncias governamentais dos três pode-
setores institucionais. Nesta perspectiva, a infor- res e da sociedade civil) capazes de elaborar em
mação é um importante ativo para a produção e conjunto e de fazer valer a resolução dos proble-
o compartilhamento do conhecimento nas ins- mas que as manifestações apontam e significam,
tituições. no menor tempo possível.
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O estabelecimento destas parcerias e a sua vi-
vificação dependem da atuação política dos ges-
tores e dos técnicos, imbuídos da percepção de
que a postura de busca de inovação é algo inova-
dor em si mesmo: Uma inovação que implica em
benesses imediatas para cada instância individu-
almente envolvida, para a rede articulada como
um todo fluido e para o SUS, na medida em que
se fortalecem e se legitimam e, finalmente, para o
cidadão, na medida em que tem garantido o seu
direito à Saúde.

Colaboradores Referências

FMB Fernandes, MR Moreira, JM Ribeiro, AM 1. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão
Estratégica e Participativa. Portaria Nº 8, de 25 de Maio
Ouverney, FJF Oliveira e MFA Moro trabalharam
de 2007. Regulamenta o Sistema OuvidorSUS. Diário
na concepção, na pesquisa, na metodologia e na Oficial da União 2007; 26 maio.
redação final do artigo. 2. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Gestão
Estratégica e Participativa. Departamento de Ouvi-
doria-Geral do SUS. Guia de orientações básicas para
implantação de ouvidorias do SUS. 2a ed. Brasília: MS;
2014. [acessado 2014 set 23]. Disponível em: http://
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