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00512014 537
Abstract The general objective of this research Resumo Pesquisa que teve como objetivo geral
was to assess the possible contribution of homeop- compreender as possibilidades de contribuição da
athy to the development of caregiving therapeutic homeopatia na construção de projetos terapêu-
projects in multidisciplinary workshops of perma- ticos cuidadores, em oficinas multiprofissionais
nent education in health, in the context of prima- de educação permanente em saúde, no contex-
ry health care. The chosen points of analysis were to da atenção básica. Como analisadores foram
the series of inconveniences expressed by health escolhidos os incômodos que os trabalhadores
workers with respect to their work processes and it da saúde manifestaram com relação ao seu pro-
was the emergence of the theme of health educa- cesso de trabalho e a emergência, nos primeiros
tion in the first meetings with the teams that led to encontros com as equipes, do tema da educação
the production of this article. This study discusses em saúde, que motivou a produção deste artigo.
the existential territory of “being a health profes- Discute-se o território existencial “ser profissional
sional” as understood from a concept of education de saúde” como sendo instituído a partir de uma
as a significant benchmark, and of a certain in- concepção de educação como referente significan-
terventionist mission as a transcendent value. A te, e de certa missão intervencionista como valor
progressive waning of the importance of health transcendente. Observou-se ao longo das oficinas
education was observed during the workshops, um esvaecimento da importância do tema da
sometimes even disappearing from the discus- educação em saúde, por vezes até desaparecendo
sions, as the caregiving therapeutic projects took das discussões, na medida em que os projetos te-
shape. The conclusion reached is that this waning rapêuticos cuidadores se constituíam. Conclui-se
1
Departamento de Saúde involved a process of moving towards a pact with que tal esvaecimento consistiu em um processo de
Comunitária, Universidade the health system user, eventually considered to desterritorialização no sentido de uma pactuação
Federal do Paraná. Rua be a valid interlocutor; and that health care tran- com o usuário, tido ao final como um interlocutor
Padre Camargo 280/7º,
Centro. 80060-240 scends any strictly pedagogical dimension. válido; e que o cuidado ultrapassa a dimensão es-
Curitiba PR Brasil. Key words Permanent health education, Health tritamente pedagógica.
helvosj@gmail.com education, Therapeutic project Palavras-chave Educação permanente em saúde,
2
Prática de Saúde Pública,
Faculdade de Saúde Pública, Educação em saúde, Projeto terapêutico
Universidade de São Paulo.
3
Departamento de Clínica
Médica, Faculdade de
Medicina, Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
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Slomp Junior H et al.
coordenador das oficinas, já havia atuado como Decorre desta noção de agenciamento cole-
médico neste município, em outras unidades, tivo de enunciação o conceito de território exis-
porém durante o período do estudo trabalhava tencial ou identitário, tal como definido por Félix
na equipe de gestão central da saúde. Guattari9: a concepção tradicional de sujeito, ra-
Como estratégia metodológica, as oficinas de cionalista-estruturalista, pressupõe a individua-
cada equipe foram disparadas com a problema- ção como unificadora de estados de consciência
tização das seguintes questões: o que é um caso (na ordem do Eu) e o foco da expressividade.
difícil para esta equipe?; por que este caso, e não Para tanto, lança-se mão de conjuntos discur-
outro qualquer?. A seguir iniciava-se a elaboração sivos, dentre eles: os referentes significantes, que
coletiva de um projeto terapêutico para o caso. O compõem as chamadas expressões semiológicas
som de tais encontros foi gravado, e concomitan- (família, educação, meio ambiente, religião, arte,
temente o pesquisador anotou suas observações esporte, indústria da mídia); e os valores trans-
em um diário de campo. Também foi solicitado cendentes, incluindo, por exemplo, o verdadeiro,
que, ao final do período do trabalho de campo, o bem, e o belo. Por repetição intensiva desses
os sujeitos redigissem uma narrativa relatando conjuntos discursivos e valores transcenden-
como foi, para cada um, vivenciar a experiência tes afirma-se certa normatização dos processos
da pesquisa. De todos, nove sujeitos atenderam a existenciais, ou um território existencial autor-
esta solicitação, e as impressões e considerações referenciado. Os analisadores que emergiram no
contidas nessas narrativas foram incorporadas decorrer do estudo foram escolhidos com base
como material empírico a ser processado. Em- nessa perspectiva.
pregou-se o projeto terapêutico pressupondo-se Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de
que a potência transformadora desse recurso de- Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Cle-
pende mais da condição em que o mesmo é uti- mentino Fraga Filho (UFRJ). Após a aprovação
lizado: não somente como método, instrumento ética do projeto, a participação de cada sujeito se
ou recurso, antes como dispositivo para a produ- fez após leitura e assinatura do Termo de Con-
ção do encontro e do cuidado. sentimento Livre e Esclarecido.
Além do referencial já citado na seção ante-
rior, a análise do material obtido se valeu de ou-
tros conceitos operativos do campo da micropo- Resultados
lítica. Entende-se enunciado como “atos de fala”,
considerando que o que se transmite pela lingua- Consideramos que o analisador principal ou
gem são de fato “palavras de ordem”, formadas a central, que esteve presente em todos os grupos
partir de um agenciamento coletivo de enunciação, foi o conjunto de incômodos que os trabalhado-
este compreendido como conjugação de expres- res manifestaram com relação ao seu processo de
são e de conteúdo a emergir tanto a partir da trabalho. Este foi desdobrado em dois analisado-
significância da comunicação (pressupondo a in- res operacionais, cada um composto por diversos
terpretação) como dos processos de subjetivação enunciados. Tal divisão teve tão somente cunho
(pressupondo a ação)16. Nas palavras de Deleuze e pragmático, e foi desenvolvida apenas para fins
Guattari16: Chamamos palavras de ordem não uma de análise, não se constituindo em um processo
categoria particular de enunciados explícitos (por de categorização. A seguir o “primeiro” e o “se-
exemplo, no imperativo), mas a relação de qualquer gundo” analisadores.
palavra ou de qualquer enunciado com pressupostos O primeiro analisador é o conjunto de falas
implícitos, ou seja, com atos de fala que se realizam frequentes sempre que são proporcionados espa-
no enunciado, e que podem se realizar apenas nele. ços coletivos de discussão nas equipes de saúde,
As palavras de ordem não remetem, então, somente ou ainda se aciona dispositivos de apoio ou su-
aos comandos, mas a todos os atos que estão liga- pervisão junto às mesmas. Neste bloco também
dos aos enunciados por uma ‘obrigação social’. No foram agrupados os enunciados organizados en-
mesmo texto os autores delimitam a perspectiva quanto demarcação de certo território identitá-
utilizada nesta pesquisa16: Não basta considerar o rio que chamaríamos ser profissional de saúde, ou
significado, ou mesmo o referente, visto que as pró- seja, o referente significante ou conjunto de pres-
prias noções de significação e de referência relacio- supostos e convicções que demarca tudo aquilo
nam-se ainda a uma estrutura de expressão que se que identificaria esse trabalhador enquanto ator
supõe autônoma e constante. [...] O conteúdo não é em si no campo da saúde. O primeiro deles é o
um significado nem a expressão de um significante, conjunto de sentimentos de impotência, fragili-
mas ambos são as variáveis do agenciamento. dade, angústia ou tristeza que se manifestam na
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trabalho colocando-os em análise, gerando assim ros de nosso sistema de saúde. Admitamos tam-
autoanálise e autogestão17. Portanto, nessa ma- bém que aportes externos à equipe são por vezes
triz não se opera um apoio na externalidade de necessários, especialmente no que toca à falta de
quem traz para as equipes de saúde soluções ou pessoas e recursos, como também no que toca às
métodos a serem aplicados, como alguns traba- tecnologias leve-duras e duras; porém até mesmo
lhadores chegaram a demandar em um primeiro as evidentes fragilidades da cadeia de cuidados
momento, durante as primeiras oficinas, mas sim disponível podem ser enfrentadas, ao menos em
um apoio das afecções, uma mediação-facilitação parte, a partir de uma construção coletiva de no-
em que se celebra a multiplicidade de existências, vos fluxos e, principalmente, da constituição de
mais do que se as discrimina ou se tenta somente uma equipe efetiva.
corrigi-las ao substituir representações de risco Um enunciado que possibilitou discussões
por representações mais adequadas a uma ordem bastante produtivas foi a noção de intervencionis-
preventivista. mo imediato e radical sobre os problemas de saúde,
Com efeito, os analisadores deste estudo ad- que quase todos os sujeitos verbalizaram, em al-
vieram desse incômodo que os dispositivos e tec- gum momento. É interessante o que se enuncia
nologias empregados engendraram: uma inten- quando se questiona, como por exemplo: O que
sificação das relações no próprio cotidiano das é “resolver” efetivamente um problema? O que é
equipes. As reuniões deste estudo eram realizadas “agir” para resolver um problema? Tal ação efeti-
em meio à rotina das equipes na unidade básica va e “objetiva” contemplaria somente tecnologias
de saúde, em meio aos mais variados atravessa- duras e leve-duras? O tema da institucionalização,
mentos a que essa mesma rotina era submetida por exemplo, que surgiu em casos relacionados à
com a instauração da pesquisa, e que ao mesmo saúde mental e a cuidados domiciliares, incitou
tempo impingia à mesma, o que afetava intensa- um reposicionamento do agir em saúde, especial-
mente as discussões e a própria produção obtida: mente no que toca ao cuidado, já que provocou
quem analisa também se põe em análise. a reflexão quanto a um projeto ético-político que
Vale destacar o seguinte enunciado relaciona- ultrapassa o ato de tentar, simplesmente, “erradi-
do ao primeiro analisador: a operação do projeto car” rapidamente um problema. Obviamente que
terapêutico em matriz de EPS como intensificação aqui não se está relativizando o valor de inter-
do caso, gerando desconforto ao invés de solucionar venções necessárias em casos de urgência-emer-
a expectativa inicial. Observe-se que não se trata gência, por exemplo, no entanto cabe a pergun-
aqui exatamente do mesmo desconforto presente ta: cuidar ou obedecer a uma palavra de ordem?
no analisador central do estudo, ou o é, porém Somente outro agenciamento coletivo possibilita
levado ao limite, pois o processo exigiu bastante autoanálise e reposicionamento das implicações,
de cada participante, fazendo-o parte da cons- o que se confirma possível na matriz de EPS13,17.
trução dos caminhos produtivos no sentido da Porém o principal objeto deste artigo foi jus-
transformação de seu cotidiano. Com esse ana- tamente o fato de que certa temática emergiu
lisador emergiram também enunciados que per- com intensidade no processo inicial da pesquisa,
passam vários aspectos do trabalho em equipe a da EES, fato que levou à escolha de se delimitar
na atenção básica, e que foram problematizados um segundo bloco de enunciados (ou segundo
nos coletivos: desde a delimitação do espaço de analisador) e uma nova questão: o que teria leva-
trabalho do profissional na equipe (as diversas do as equipes a valorizar de tal maneira a suposta
atribuições no contexto da intervenção terapêu- necessidade de técnicas eficazes de EES, quando
tica, e os limites interprofissionais de responsabi- da construção de um projeto terapêutico?
lização pelo caso), passando pelas relações com Vejamos. A EES, também conhecida como
o usuário, que por vezes é de difícil vinculação, e “educação sanitária”, tendo sido considerada um
até mesmo ausência delas quando sequer certos ramo ou método da medicina preventiva18, pode
usuários são percebidos como tal, pela equipe. ser entendida como o processo educativo de cons-
Também enunciados que apontam as delicade- trução de conhecimentos em saúde que visa à apro-
zas em torno da necessária abordagem familiar, priação temática pela população19; ou um modo
que, entretanto, traz consigo indiscutível potên- de fazer as pessoas do povo mudarem seus hábitos
cia de construção do cuidado. Os desconfortos para assimilarem práticas higiênicas e recomenda-
abordados aqui culminam com a intensidade dos ções médicas que evitariam o desenvolvimento de
sentimentos de impotência, fragilidade, angústia um conjunto de doenças20, a exemplo das pales-
ou tristeza frente ao sofrimento em geral. Sem es- tras para a comunidade, tidas como repasse de
quecer, é claro, dos vazios estruturais corriquei- normas e orientações de higiene e boas condutas20.
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mesmo a perdas consideráveis24. Com efeito, o ir além da missão de ensinar alguém a viver, e o
trabalho de facilitação de coletivos no âmbito da caminho para tal poderia ser indicado, no caso
EPS é uma operação intensiva de tecnologias le- das equipes de saúde da família, pelo modo como
ves e, como tal, pode tanto produzir ferramentas se tira proveito de dispositivos como o projeto
para a potencialização do cuidado no cotidiano terapêutico. Urge provocar a desterritorialização
das equipes, como também desfazer trabalhos com prudência e com o norte de um projeto éti-
que presentemente garantem algum resultado co-estético-político que não negocia a defesa de
assistencial, sem oferecer outras possibilidades de toda e qualquer vida. Mas sempre que se fizer ne-
fortalecimento do cuidado. Nesse sentido, o já ci- cessário engendrá-la, sim, para ir além do sujei-
tado balizamento ético-político torna-se crucial. to instituído a partir de uma certa concepção de
Obviamente que ninguém defenderia a ocul- educação como referente significante, e de uma
tação de informações sobre saúde-doença, hoje certa missão intervencionista como valor trans-
acessíveis em vários meios de informação inter- cendente, visando mudanças efetivas no sentido
nos ou externos ao setor saúde, entretanto este do fortalecimento do cuidado.
estudo nos leva a propor, ao menos quando se
trata de potencializar o cuidado e, especialmen-
te em coletivos produtores de autoanálise, um Considerações finais
maior incentivo à operação compartilhada do
dispositivo dos projetos terapêuticos cuidadores. Os autores concluem que, ao se garantir espaços
Se tomarmos como pressuposto que toda coletivos para a construção de projetos terapêu-
ação pedagógica parte de uma intencionalida- ticos, a partir de um engajamento ético-político
de, a de ensinar, e que no caso estaria vinculada usuário-centrado, expõe-se os desconfortos pre-
ao território identitário acima delineado, não é sentes no cotidiano do trabalho e se os coloca em
difícil inferir que os movimentos de autoanálise análise. Um dos principais desconfortos deste
engendrados pela EPS passam tanto “por dentro” estudo foi a demanda pela EES, que, no entanto,
como “por fora” dessa dimensão pedagógica: por perdeu centralidade no decorrer das oficinas. Tal
dentro, na condição de uma pedagogia da impli- mudança, que não se limitou a uma dimensão
cação, já que deve colocar no centro do processo estritamente pedagógica, e que teria sido dispa-
pedagógico a implicação ético-estético-política rada mediante a operação do projeto terapêutico
do trabalhador no seu agir em ato11,25; e por fora, compartilhado como dispositivo, foi compreen-
se admitirmos que nem toda mudança resultan- dida como um processo de desterritorialização
te da experimentação em ato coaduna com uma de certa concepção de educação vinculada a uma
intencionalidade prévia, ou mesmo se esgota no missão intervencionista, considerados como que
campo da aprendizagem representacional. As- instituídos para o profissional de saúde em ge-
sim, no que diz respeito ao debate que se trava ral. Como consequência, as equipes passaram a
quanto à chamada EES, este estudo nos indica ter no usuário um interlocutor válido com quem
que a construção de uma dimensão efetivamente há que se estabelecer pactuações, antes mesmo de
cuidadora extravasa – e muito – qualquer dimen- posicioná-lo como objeto de um processo edu-
são estritamente pedagógica. cativo. As conclusões desse estudo limitam-se à
Novos estudos poderão aprofundar essa in- amplitude de realização do mesmo e às condi-
vestigação, entretanto tendemos a concluir que ções em que foi realizado; novos estudos poderão
não se trata de insistirmos somente na ampliação aprofundar a análise aqui desenvolvida.
da dimensão pedagógica da EES, mas transpô-la,
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H Slomp Junior participou da concepção do pro- 1. Nicácio MFS. Utopia da realidade: contribuições da de-
sinstitucionalização para a invenção de serviços de saúde
jeto, realizou o trabalho de campo da pesquisa e
mental [tese]. Campinas: Unicamp; 2003.
sua análise, e elaborou a redação final do artigo. 2. Feuerwerker LCM. A cadeia do cuidado em saúde. In:
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e orientou a redação final do artigo. MGPLand 3. Merhy EE. A perda da dimensão cuidadora na produ-
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revisou e orientou a redação final do artigo.
de intervenção no seu modo de trabalhar a assistência.
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Os autores agradecem às suas famílias e aos cole-
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dicina da Universidade Federal do Rio de Janei- lhada. São Paulo: Hucitec; 2008. p. 283-297.
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ro, pelas contribuições nos debates realizados ao
básica. São Paulo: Hucitec; 2005.
longo da elaboração desta pesquisa e da redação 8. Rodigues HBC, Leitão MHS, Barros RDB, organizado-
deste artigo, e em especial ao colega Luciano Go- res. Grupos e instituições em análise. 3ª ed. Rio de Janei-
mes pela revisão técnica durante os debates. ro: Record, Rosa dos Tempos; 2002.
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546
Slomp Junior H et al.