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PITIÁ, Ana Celeste de Araújo; SANTOS, Manoel Antônio.

Acompanhamento terapêutico: a construção de uma


estratégia clínica. São Paulo: Vetor, 2005.

A s mudanças no contexto histórico


da humanidade têm mostrado que o
sucesso tecnológico, a intensa busca por
terapêutica, promoção, prevenção e clínica
em saúde mental.
Estudiosos, analisando a antropologia
inovação e a competição por resultados da saúde mental mostram, entre muitos
abriram espaço para a pesquisa aplicada. A outros fatores, que o investimento na
pesquisa aplicada avança as fronteiras do compreensão do “outro”, do “diferente”
conhecimento, mas também possibilita está coadunado com a complexidade e a
novas aplicações na prática, tal como é o diversidade de sistemas da sociedade
caso da pesquisa em saúde. atual. Assim, a loucura, objeto de investigação
A lógica do investidor em pesquisa na como categoria social, nem sempre
área da saúde está voltada para a relevância está no centro, apesar da sua enorme
social e sanitária de seus resultados. A lógica relevância social.
do pesquisador na área da saúde é unir o O trabalho de Pitiá e Santos mostra que
cotidiano da população, dos trabalhadores e este paradigma pode estar se ampliando
dos serviços nem sempre compatíveis com os quando não só os profissionais decidem, mas
recursos e com os procedimentos de produção decidem junto com o maior interessado,
e reprodução do conhecimento. Dessa forma, que é o doente. Além disso, valorizam a
a pesquisa em saúde no Brasil é intersetorial, participação da família e dos responsáveis
dependente dos órgãos de fomento, das por recursos humanos nas empresas e
universidades e dos gestores em saúde. instituições sociais onde se inserem esses
A produção de conhecimentos científicos indivíduos. Quando todos os segmentos
e tecnológicos tem características diferentes participam e têm objetivos comuns, as
da produção de serviços e ações de saúde. probabilidades de sucesso são maiores.
Entretanto, o ponto de intercessão é o Muitas pessoas acometidas por
conhecimento resultando em melhorias problemas de saúde podem ter afetadas
para a saúde e para a qualidade de vida da sua capacidade de continuar no trabalho,
população. Esses resultados devem dar no estudo ou mesmo de manter uma
elementos para a formação científica e estrutura familiar e cuidar de si mesmo. O
profissionalizante dos trabalhadores, bem acompanhante terapêutico converte-se em
como a difusão das informações para a gestão um aliado importante no processo de
dos serviços, sempre visando o benefício para manutenção de vínculos sociais e na
a população. participação ativa do indivíduo em seu
A relevância social da pesquisa em tratamento e na qualidade de vida.
saúde nem sempre é evidente, como é O tipo de ajuda oferecido pelo
o caso das novas formas de interação acompanhante terapêutico depende das

Psychê — Ano X — nº 18 — São Paulo — set/2006 — p. 183-184


184 | Resenha

necessidades da pessoa com problemas específico e sua contribuição científica


psicossociais. É importante para a constituem-se em algo novo. Pitiá e Santos
autoconfiança e para a independência do apresentam, com essa pesquisa, a construção
individuo. O vinculo com o acompanhante de uma técnica terapêutica e sua aplicação
terapêutico é importante também para que na prática cotidiana.
a família conheça mais sobre o problema, Na construção dessa proposta, analisam
as possibilidades de melhora, sobre os a instituição psiquiátrica desde sua concepção
tratamentos, a importância de não isolar o manicomial até os novos modelos de atenção,
indivíduo e de ajudá-lo a manter-se ativo passando por todas as fases do movimento
e participativo. da reforma psiquiátrica.
Acompanhamento terapêutico focalizado Ainda como suporte para a construção
no corpo é um trabalho inédito, com base nas da clínica do acompanhamento terapêutico,
idéias de Reich e nas propostas de Basaglia, os autores debruçam-se sobre os conceitos
Rotelli e demais adeptos do movimento Reicheanos, considerando o movimento de
da reforma psiquiátrica que combatem o dois corpos que interagem no social,
isolamento e a exclusão, e que propõem uma envolvidos em uma relação terapêutica.
ética de respeito ao ser que adoece. Esse referencial permite avançar o
Esse livro propõe uma nova estratégia ato terapêutico para além das palavras,
com base na possibilidade da não cronificação pois a ressocialização da pessoa não inclui
da doença e na melhora da qualidade de apenas a escuta de tal angústia, mas o
vida da pessoa durante e depois do episódio retorno ou a continuidade do movimento
agudo da doença. Com isso, reduz as em seu contexto social.
conseqüências somáticas e comportamentais Quando Pitiá e Santos apresentam e
adversas, fomenta o apoio familiar e social, analisam as vivências da prática de condução
especialmente nos aspectos de trabalho, desse processo de acompanhamento
vivências e relações sociais. terapêutico, o leitor pode entender a lógica
O trabalho do enfermeiro (acompanhante do cuidado, por meio dessa técnica, pois
terapêutico) busca estimular a independência. oferecem os elementos para a sistematização
Parece óbvio, mas não é. É oposto à lógica e reprodução do cuidado.
manicomial, que se pautava na exclusão O acompanhamento terapêutico é
social e na dependência terapêutica e um trabalho árduo, que exige preparo do
institucional. profissional, desprendimento, interesse
A manutenção do indivíduo (mesmo genuíno em trabalhar a independência e
adoecido) em seu trabalho (enquanto busca a liberdade assistida, bem como exige
a melhora dos seus sintomas) proporciona capacidade de conviver com o sofrimento e
muitos benefícios, como aumento da auto- acreditar no potencial saudável do outro.
estima, ganhos econômicos, interação com
colegas de trabalho e com a comunidade Antonia Regina Ferreira Furegato
onde vive, e sem dúvida, evita recaídas,
agudização do quadro e reinternações. Professora Titular do Departamento de Enfermagem
Psiquiátrica e Ciências Humanas
Nada do que foi destacado é novidade. (Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP).
Entretanto, sua aplicação na prática, sua
análise com base em um referencial teórico e-mail: furegato@eerp.usp.br

Psychê — Ano X — nº 18 — São Paulo — set/2006 — p. 183-184

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