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Paradigmas e Trajetórias Tecnológicas
perspectiva teórica, os autores discutiam se o progresso técnico era deter- digma das tecnologias da informação.
minado pelo lado da oferta, principalmente através da dinâmica de ino-
vações determinada pelo avanço do conhecimento científico e pelas ati- l. O Conceito de Paradigmas
vidades de P&D industriais (technology-push); ou pelo lado da demanda, e de Trajetórias Tecnológicas
através das preferências indicadas pêlos consumidores (demand-pull).
A novidade introduzida pêlos autores neo-schumpeterianos foi mos- Ao discutir a atividade inovadora, Dosi (1988b,p. 222)
trar que esta divisão entre oferta e demanda era faladosa, uma vez que, na a define como um conjunto de processos de busca, descoberta, experi-
visão destes autores, o progresso técnico resulta do desenvolvimento de mentação, desenvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, no-
inovações que dependem não apenas da natureza do setor em que as vos processos e novas técnicas organizacionais. A atividade inovadora
inovações são geradas ou adotadas como também de fatores institudo- envolve um alto grau de incerteza, dependendo não apenas de atividades
nais. Dado um determinado fluxo de inovações, sua adoção irá depender de P&D como também da experiência adquirida e acumulada pelas pes-
do ambiente competitivo da empresa, que é um ambiente seletivo, uma soas e organizações. Assim, a adoção e a difusão de tecnologias é um
vez que a empresa irá decidir a respeito da adoção de inovações, tendo em processo condicionado pela percepção dos agentes económicos das pos-
vista a taxa de lucros praticada no ramo industrial no qual ela se situa, das síveis alternativas tecnológicas e de seu potencial de desenvolvimento.
condições do investimento e das condições de imitação das inovações. Conforme foi observado por Freeman (1984), as inovações podem ser
Além disso, características institucionais — tais como o financiamento incrementais ou radicais. As inovações incrementais são aquelas que in-
às aüvidades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a estrutura da indús- traduzem aperfeiçoamentos em produtos ou processos existentes. As ino-
fria, afetam as condições de geração e de adoção de inovações. Considera- vações radicais são aquelas que introduzem novos produtos, novos pro-
se assim a existência um processo defeedback constante na atividade cessas e novas formas de organização da produção.
inovadora, o qual anula a divisão de seus determinantes em fatores de Segundo Dosi, a tecnologia é um conjunto de conhecimentos práti-
Na abordagem neo-schumpeteriana o progresso técnico é, portanto, produtivos concretos e às relações entre produtores e usuários dos bens e
considerado como um elemento que afeta o processo de crescimento serviços. Os problemas teóricos envolveriam know-how, métodos, proce-
económico, ao introduzir transformações nos sistemas socioeconômi- dimentos, experiências de sucesso e de fracasso, além da infra-estrutura
cos que alteram as estratégias produtivas das empresas. Essas transforma- física referente aos equipamentos. O paradigma tecnológico, por sua vez, é
coes são condicionadas tanto por aspectos internos, inerentes ao avanço definido como um "modelo" ou um "padrão de soluções de um conjun-
específico do conhecimento tecnológico adotado, gerando trajetórias e to de problemas de ordem técnica, selecionado a partir de princípios
paradigmas tecnológicos; quanto por aspectos externos, que configuram derivados do conhecimento científico e das práticas produtivas (Dosi
o entorno económico, social e político do progresso técnico, constituin- 1982, p. 152).
do paradigmas tecno-econômicos de produção. Esta definição parte de uma analogia com o conceito de paradigma
A primeira seção deste capítulo apresenta de forma mais detalhada os científico" proposto porïhomas Kuhn em 1962. Em sua obra, A Estrutu-
conceitos de paradigmas e de trajetórias tecnológicas desenvolvido pêlos ra das Revoluções Científicas, analisou a emergência de uma nova teoria
autores neo-schumpeterianos. A segunda aborda o conceito de paradig- ou descoberta com padrões completamente opostos à "ciência normal .
ma tecnoeconômico introduzido por Christopher Freeman & Carlota A "ciência normal" é a prática da ciência através de um determinado
Perez. E a terceira apresenta, a título de ilustração, a constituição do para- conjunto de regras e padrões tácitos definido como paradigma científico.
surgimento de um problema científico que não pode ser resolvido pêlos Winter (1977) destacam em seu texto que o objetivo de desenvolver esses
instmmentos existentes — resultaria numa revolução científica. conceitos é fundamentar uma teoria que explique as diferenças intra-
Enquanto que o conceito de paradigma científico refere-se à produção setoriais no crescimento da produtividade, visando à proposição de polí-
de conhecimento científico, o conceito de paradigma tecnológico está ticas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
relacionado com a produção de conhecimento tecnológico. Assim, o
paradigma tecnológico inclui uma série de escolhas (trade-offs) técnicas 2. O Conceito de Paradigma Tecnoeconômico
e económicas, que serão feitas pelas empresas de acordo com as caracte-
nsticas do setor e do ambiente institucional onde elas se situam. Os autores neo-schumpeterianos são também chama-
O paradigma tecnológico representa uma heurística seletiva, ou um dos de evoludonários, porque na sua visão o processo inovador resulta de
conjunto de prescrições, que definem as direções das mudanças tecnoló- escolhas condicionadas pelo ambiente competitivo. Como será visto no
gicas a serem seguidas e aquelas a serem negligenciadas. Como foi obser- próximo capítulo deste livro, esses autores consideram que firmas de
vadoporDosi (1982), o paradigma tecnológico pode ser configurado diferentes ramos industriais podem ser vistas como organismos em dife-
tanto por um "objeto exemplar" (como um circuito integrado) que passa rentes ambientes ou nichos. Da mesma forma que na natureza, o código
a ser adotado, quanto por um "conjunto heuristico na medida em que genético mais adequado às condições do ambiente acaba se tornando
inclui procedimentos para a solução de problemas específicos. A especi- predominante, num processo competitivo as firmas adotam determina-
ficidade dos problemas gera determinadas escolhas entre as possíveis dos procedimentos e rotinas visando a organização das suas atividades,
alternativas de desenvolvimento tecnológico vislumbradas. Essas esco- que acabarão sendo imitados por outras firmas e tomando-se o procedi-
lhas, ao estarem contidas num determinado arcabouço técnico-produti- mento ou a rotina predominante. O paradigma tecnológico seria assim o
vo, conformam o que Dosi (1982) denomina de trajetórias tecnológicas: conjunto de procedimentos e rotinas predominantes. O conceito de tra-
uma atividade "normal" de solução de problemas técnicos, recorrente jetória tecnológica, ao ser definido como a direção tornada pelo desen-
dos padrões produtivos determinados pelo paradigma tecnológico. volvimento tecnológico, dadas as escolhas constantes do paradigma, su-
Dito de outra forma, como foi observado por Nelson & Winter (1977), gere que as firmas têm um processo de desenvolvimento tecnológico que
a trajetória tecnológica é a direção tornada pelo desenvolvimento tecno- é condicionado pelas escolhas passadas que elas fizeram. As firmas se-
lógico uma vez que as firmas escolheram determinadas tecnologias vi- riam assim dependentes de sua trajetória (ou estariam numa situação de
sando à obtenção de lucros. Trajetórias que se caracterizam por um po- path dependence, conforme capítulo anterior deste livro).
tente conjunto de procedimentos seriam consideradas, por esses autores Segundo foi observado por Dantas et al. (2002, p. 31) e também por
como trajetórias "naturais". Este seria o caso, por exemplo, da busca por Pessali & Fernandez no próximo capítulo deste livro, a contribuição da
economias de escala e pela crescente mecanização da produção, que ca- teoria neo-schumpeteriana ou evolucionária para a teoria da firma con-
racterizaram a dinâmica da inovação no século XX. De fato, essas são temporânea foi a de mostrar que a empresa é um agente que acumula ca-
trajetórias tecnológicas características do período fordista, cuja crise le- pacidades organizacionais. As escolhas da firma portanto não seriam base-
vou vários autores, entre os quais os autores neo-schumpeterianos, a se adas numa racionalidade maximizadora conforme é proposto pela teoria
debruçar sobre a questão da importância do progresso técnico e da inova- económica convencional, mas sim em rotinas que coordenam a sua ati-
cão no desenvolvimento económico. vidade interna, baseadas no conhecimento adquirido pela empresa ao
Períodos Descrição Indústrias-chave Fatores-chave Organização fidelidade de seus clientes. Finalmente, neste novo modelo o papel do
industrial
Governo torna-se diferente do modelo fordista.
1770-1840 Mecanização Têxtil, química, Algodão e ferro Pequenas empresas A medida que o processo de globalização se acelera, os fluxos de capi-
metalmecãnica, locais
tais e de tecnologia se deslocam com mais rapidez, reforçando a impor-
mentos voltados a esse tipo de tecnologia. Fonte: perez^C. Cambio técnico, restruciuración compeiiliva y reforma institucional en los países en
desarrollo. ElTrimestre Económico, vol. 61, 1992, p.38.
Um paradigma tecnoeconômico pode ser caracterizado por um ciclo
de expansão e de contração de investimentos, através de quatro períodos
A Figura 12.1 indica que os conhecimentos na última fase de um
sucessivos (Figural2.1): i) difusão inicial, quando surgem as inovações
paradigma tecnoeconômico e na fase inicial de um novo paradigma es-
radicais em produtos e processos, proporcionando múltiplas oportunida-
tão livremente disponíveis. Isto porque nesta fase as inovações associadas
dês de novos investimentos e o surgimento de novas indústrias e de novos
ao velho paradigma já se difundiram por toda a economia e as inovações
sistemas tecnológicos; ii) crescimento rápido (prematuro), quando as
associadas ao novo paradigma ainda estão sendo geradas. À medida que as
novas indústrias vão se firmando e explorando inovações sucessivas; iii)
inovações associadas ao novo paradigma se difundem, os agentes econô-
crescimento mais lento (tardio), quando o crescimento das novas indús-
micos vão se apropriando dos ganhos associados a essas inovações, me-
trias começa a desacelerar-se e o paradigma se difunde para os setores
diante a acumulação de conhecimento tácito, e protegendo estes ganhos
menos receptivos; iv) fase de maturação, ou última fase do ciclo de vida
recorrendo a medidas de proteção intelectual. Assim, o conhecimento vai
do paradigma, na qual os mercados começam a saturar-se, os produtos e
sendo privaüzado ao longo das fases do paradigma. Os países em desenvol-
processos se padronizam, o conjunto de produtos chegam a um ponto de
vimento têm portanto oportunidades de desenvolvimento tecnológico ace-
esgotamento e as inovações incrementais nos processos trazem pouco
lerado na fase inicial de um novo paradigma e na última de um anúgo, pois
aumento de produtividade. Nesta última fase, a experiência acumulada
nestas fases há maior disponibilidade de conhecimentos.
em cada indústria e no mercado é tal que os novos produtos alcançando