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A BIOLOGIA E A MICROBIOLOGIA

A Biologia é uma ciência de natureza muito peculiar que a diferencia


profundamente das outras ciências exactas, em especial das ciências físicas e
químicas.
Uma das mais importantes características da biologia, da qual resultam
tantas das suas diferenças, que a opõem à física e à química, consiste na
circunstância de não haver dois individuos iguais, duas populações ou duas
espécies iguais, dois ecossistemas idênticos. A individualização impera nos
sistemas biológicos. Esta variabilidade enorme e universal dos sistemas vivos
afasta a biologia das ciências físicas, onde os objectos e os fenómenos são, sob
idênticas condições, invariáveis. São tipos invariáveis, e não, como na biologia,
indivíduos, cada um com diferentes características. Outra característica que
distingue a biologia das ciências físicas respeita à muito maior complexidade dos
seres vivos relativamente aos objectos de que se ocupa o físico ou o químico, à
maneira como se dispõem os materiais que os compõem, organização, e ao
caracter eminentemente histórico dos seres vivos, em oposição à natureza em
geral não histórica, ou menos histórica das ciências físicas e químicas. Outros
fenómenos são exclusivamente biológicos, tais como a hereditariedade, a
ontogenia, a selecção natural, a adaptação, etc., os quais não têm equivalentes no
mundo dos objectos e processos que o físico ou o químico estuda, nem podem ser
exclusivamente explicados no âmbito das disciplinas que cultiva.
Os seres vivos são seres que recebem, guardam e organizam informações
recebidas. São capazes, em maior ou menor grau, de "perceber" situações, de se
adaptarem ao ambiente, exibindo condutas apropriadas às necessidades de
sobrevivência e reprodução, comportamentos que se dirigem para atingirem certas
finalidades, em sentidos que se desenvolveram durante a evolução, inscrevendo-
se na sua substância hereditária como programas mais ou menos fixos de acção,
de ajustamento ao meio e aos desafios que as circunstâncias põem. Poder-se-à
dizer que possuem um certo grau de inteligência, no sentido de que aprendem
prontamente um problema e respondem com a solução adequada.

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A DESCOBERTA DOS MICRORGANISMOS

A fase decisiva para a biologia surge com a invensão das lentes ampliadoras
que, combinadas na lupa e no microscópio, forneceram, a partir do Século XVII, um
meio de observação de consequências tão revolucionárias que podemos
considerar este facto como o acontecimento histórico talvez mais importante para a
biologia.
A invenção do microscópio pelo holandês Zacharias Jansen em 1590
permite ao homem conhecer um novo mundo de seres e de processos,
extraordinariamente rico, que lhe estava até aí completamente vedado. Com lentes
simples e a construção de lupas e do microscópio composto, aperfeiçoado
sucessivamente, desde Robert Hook (1635-1703) até aos nossos dias, tornou-se
possível reconhecer a existência não só de um mundo imenso de microrganismos,
como também veio permitir estudar a organização e estrutura íntima do corpo dos
seres microscópicos. Antes da invenção do microscópio, o mundo dos fenómenos
da vida era só aquele que a vista desarmada permitia ver. A esse mundo do visível
veio, pouco a pouco, associar-se o mundo do invisível que suscitou a criação de
conceitos e de teorias sobre esse universo. Surge assim a Microbiologia.
No século XVII surgem diversos biólogos microscopistas. Além de Hook,
merecem menção van Leewenhoek, Malpighi, Swammerdan, além de outros.
Entre os pioneiros dos conhecimentos dos seres microscópicos destaca-se
van Leewenhoek, mercador holandês, que viveu em Delf de 1632 a 1723.
Utilizando microscópios, na realidade lupas, por ele construídos, observou e
desenhou bactérias, protozoários, leveduras, células vegetais, etc. A ampliação era
já significativa, pois ia desde 50 a 300 vezes. O primeiro desenho de bactérias é
daquele microbiologista. Estes microrganismos eram designados por
"animálculos".
Refira-se, no entanto, que mesmo antes da existência do microscópio já se
suspeitava da existência destes seres vivos. Destacam-se, entre outros, o filósofo
romano Lucrécius (98 – 55 a.c.) e o físico G. Fracastoro (1478-1553) que
sugeriam, na altura, que havia doenças provocadas por seres vivos invisíveis.

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O CONFLITO DA GERAÇÃO ESPONTÂNEA

Durante a idade média e o ínicio da era científica acreditou-se que os seres


vivos tinham a sua origem em matéria morta ou em decomposição - geração
espontânea. Mesmo o grande Aristóteles (384-322 a.c.) pensou que alguns dos
invertebrados mais simples provinham de uma geração espontânea.
Esta teoria entrou em declínio acentuado quando Francesco Redi, médico e
biologista italiano (1626-1697) realizou uma série de experiências com carne para
mostrar que não havia geração espontânea. Redi colocou carne em dois
recipientes deixando um aberto e cobrindo o outro com gaze fina evitando assim a
entrada de moscas. No recipiente aberto as moscas puseram os seus ovos sobre a
carne e passados dias apareceram larvas. No outro a carne não produziu larvas
devido aos ovos das moscas ficarem depositados em cima da gaze.
Experiências similares feitas por outros cientístas ajudaram a desacreditar a
teoria da geração espontânea, principalmente para seres vivos de maiores
dimensões.
Louis Joblot em 1710 observou que uma infusão de feno em água durante
alguns dias dava origem a "animálculos" (bactérias e protozoários). Joblot ferveu a
infusão e dividiu-a em duas porções. Colocou uma num recipiente cuidadosamente
limpo e tapou-o, e a outra num recipiente aberto. Verificou que só no segundo
recipiente apareceram microrganismos.
Experiências semelhantes foram feitas por John Needham (1713-1781)
levando a resultados contrários aos de Joblot. Os microrganismos apareceram
tanto no recipiente aberto como no fechado o que levou este cientista a continuar a
defender a teoria da geração espontânea. Alguns anos mais tarde, Lazzaro
Spallanzani (1729-1799) publicou os resultados de uma série de experiências que
estavam em desacordo com as de Needham. Aquele cientista mostrou que se um
caldo nutritivo for submetido a um aquecimento suficientemente prolongado, 45
minutos, e posteriormente não estiver nem em contacto com o ar nem com o pó
não haverá formação de vida. Por sua vez, Needham, respondeu que um
aquecimento prolongado destroi a "força vital" da matéria orgânica que ele dizia
ser necessária à geração espontânea. Spallanzani sugeriu também que o ar era
um elemento fundamental para o crescimento dos "animálculos" e que o próprio ar
continha microrganismos.
Seguiram-se as experiências de Schwann (1810-1882), de Schröder e von
Dusch para demostrarem que uma solução nutriente esteril poderia manter-se
esteril, por muito tempo, mesmo que lhe fosse introduzido ar, desde que este

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passasse através de um tubo aquecido ao rubro ou de algodão esteril. A retenção
de microrganismos no algodão foi mais tarde provada por Pasteur. Foram as
experiências de Schröder e von Dusch que deram origem à utilização em
microbiologia, das ainda actuais, rolhas de algodão em tubos e frascos.
Em 1859, o naturalista francês Félix Ponchet publicou uma volumosa obra,
contendo uma grande quantidade de resultados experimentais, todos favoráveis à
teoria que defendia a geração espontânea. Nesta época, a Academia das Ciências
de Paris decidiu oferecer um prémio a quem demonstra-se definitivamente a
existência ou não da geração espontânea.
Foi Louis Pasteur (1822 – 1895) que, em 1862, demostrou de maneira
irrefutável, com a ajuda das suas célebres experiências, que os microrganismos
estão presentes no ar ambiente e nas poeiras que se respiram, mas também nas
mãos ou mesmo nos objectos que são utilizados nas experiências. Ele referiu que
todas as "gerações espontâneas" de microrganismos resultam, na realidade, da
contaminação dos meios de cultura por falta de cuidados de assépcia.
A Figura 1 representa um esquema elucidativo das experiências de Pasteur
que, além de ter resolvido a controvérsia da geração espontânea mostrou também
como se guardavam soluções estéreis.
Posteriormente, em 1877, o físico inglês John Tyndall (1820–1893) e o
botânico alemão F. Cohn (1828–1898), embora trabalhando independentemente,
descobriram, na mesma altura, a existência de bactérias resistentes ao calor, isto
é, bactérias esporuladas.
No Século XIX desenvolveram-se conceitos e surgiram duas teorias
importantes: a teoria celular e a teoria da evolução. Schleiden e sobretudo
Schwann, em 1839, afirmaram que todos os seres vivos eram constituídos por
células. Virchow, em 1858, foi mais longe e reconheceu o facto fundamental de
cada célula como unidade biológica resultar sempre de uma célula preexistente,
facto que exprimiu pela expressão que ficou famosa "Omnis cellula e cellula". Esta
afirmação apareceu numa época em que já se verificava um declínio acentuado do
conceito de geração espontânea.

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FIGURA 1 - Experiência de Pasteur

1 - Balão de colo longo com líquido nutritivo; 2 - O colo do balão é, por aquecimento, alongado e curvado
(colo de cisne); 3 - O líquido é submetido à ebulição durante algum tempo. 4 - As poeiras contendo
microrganismos são retidas pelas gotas de água na extremidade do tubo e o líquido mantem-se esteril
durante muito tempo; 5 - Se o colo de cisne for partido, o líquido nutritivo é rapidamente invadido por
microrganismos.

Pouco a pouco avançou-se no conhecimento das formas e estruturas


celulares e o papel dos componentes da célula, nomeadamente a função do
núcleo, dos cromossomas, de várias inclusões do citoplasma, etc. Comparou-se a
célula a uma microfábrica que é simultaneamente comparada a um
microcomputador, provido de todas as informações para realizar multiplas e
delicadas funções. Reconheceu-se que os cromossomas são os suportes dos
factores hereditários, unidades materiais a que se deu o nome de genes, termo
criado por Johannsen, em 1909. Mas a biologia sem a química cedo estagnaria.
Sem ela não haveria fisiologia. Os fenómenos vitais traduzem-se por um quimismo
complicado, e na organização dos seres vivos entram diversos elementos e
numerosas substâncias, muitas delas de grande complexidade, além de outras
serem produzidas no próprio seio do organismo, quer indespensáveis ao seu
próprio funcionamento, quer como produtos a serem eliminados. A bioquímica
passou a denominar neste século no campo da dimensão microscópica e
molecular.

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Os princípios da biologia podem ser demonstrados através do estudo da
microbiologia, pois os microrganismos têm muitas características que os tornam
instrumentos ideais para a pesquisa dos fenómenos biológicos. Os microrganismos
fornecem sistemas específicos para a investigação das reacções fisiológicas,
genéticas e bioquímicas, que são a base da vida e os processos metabólicos
seguem os padrões que ocorrem nos animais e vegetais superiores.
Além disso, estes seres vivos, devido às suas pequenas dimensões, podem
multiplicar-se em espaços exiguos, tais como tubos de ensaio ou frascos de
pequenas dimensões e podem ser produzidos em grandes quantidades. Alguns
deles multiplicam-se tão rapidamente, podendo apresentar tempos de geração de
cerca de 45 minutos ou menos. Estas características permitem utilizar os
microrganismos como base de estudo do metabolismo dos seres superiores.

O DESENVOLVIMENTO DE MÉTODOS MICROBIOLÓGICOS

Depois da descoberta dos microrganismos punha-se o problema do


isolamento de espécies ou grupos diferentes. Havia que desenvolver métodos.
Como se sabe, na natureza, os microrganismos raramente ocorrem em
cultura pura, isto é, só uma espécie isolada. Foi muito difícil, na época de Pasteur
e seus colaboradores isolar, a partir de culturas mistas, espécies diferentes de
microrganismos. Era um passo essencial para o estudo da morfologia e fisiologia
dos microrganismos.
Foi Robert Koch (1843-1910), médico rural na Alemanha, que utilizou meios
de cultura sólidos para isolar bactérias. Ainda hoje se utiliza esta técnica para
isolar a maior parte dos microrganismos a partir de uma cultura mista.
Outro problema que surgiu foi a dificuldade de observar algumas bactérias
ao microscópio devido à sua mobilidade, transparência e falta de cor. Houve
necessidade de fixar e corar os microrganismos para uma melhor observação das
suas características. As células são mais facilmente visíveis após a coloração e
evidenciam melhor algumas características que permitem diferenciar células de
diferentes espécies ou mesmo da mesma espécie.
Assim Koch e os seus contemporâneos começaram a utilizar corantes
naturais e posteriormente corantes químicos. O primeiro corante químico a ser
utilizado com muito sucesso foi o violeta de metilo em 1875. Embora modificado
ainda hoje é muito utilizado em bacteriologia.

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Posteriormente apareceram os corantes fluorescentes, tais como auramina
que eram aplicados aos microrganismos particularmente difíceis de observar em
condições normais. É a chamada microscopia de fluorescência.
Em 1884, Gram utilizou uma solução de violeta de metilo, uma solução de
iodo e alcool para corar bactérias. A coloração foi rápida mas só algumas bactérias
fixavam a cor violeta. As bactérias que retinham o corante foram designadas por
Gram-positivas e as que perdiam, foram designadas por Gram-negativas. Esta
técnica de coloração, modificada, ainda hoje é das mais utilizadas em
microbiologia.
A coloração é um meio auxiliar muito útil para observar melhor certas
estruturas internas e externas e para produzir reacções físicas e químicas que vão
ajudar à identificação e classificação de muitos microrganismos.

A DESCOBERTA DOS EFEITOS MICROBIOLÓGICOS NA MATÉRIA ORGÂNICA


E INORGÂNICA

Embora Schwann e os seus colaboradores, em 1837, tivessem atribuido às


leveduras o processo da fermentação alcoólica, os químicos da época estavam
convencidos que este fenómeno era resultado de uma instabilidade química. Só
mais tarde Pasteur demonstrou, definitivamente, que todas as fermentações eram
devidas à actividade específica de leveduras e bactérias e publicou vários artigos
sobre este assunto entre 1857-1860. Este sucesso conduziu ao estudo da
produção e conservação dos vinhos através do desenvolvimento da pasteurização.
Pasteur estudou durante mais 20 anos os processos da fermentação e verificou
que havia microrganismos fermentativos anaeróbios estritos e facultativos.
O desenvolvimento da microbiologia levou alguns cientistas a estudar os
microrganismos sob o ponto de vista ecológico, particularmente os microrganismos
do solo envolvidos nos ciclos do carbono, azoto e enxofre e do meio aquático.
No que se refere à microbiologia do solo, o microbiologista russo Sergei
Winogradsky (1856-1953) descobriu que havia bactérias que podiam obter energia
através do ferro, do enxofre e da amónia e que muitas bactérias podiam utilizar o
CO2 para sintetizar a sua matéria orgânica, tal como as plantas verdes. Este
cientista isolou também bactérias anaeróbicas que fixavam o azoto ao solo. O seu
contemporâneo M. Beijerinck (1851-1931) isolou bactérias aeróbias que fixavam o
azoto, Azotobacter. Estes dois cientistas desenvolveram técnicas de culturas de

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enriquecimento e o uso de meios selectivos que muito contribuiram para o
desenvolvimento da microbiologia.

O DESENVOLVIMENTO DA MICROBIOLOGIA NO SÉCULO XX

Durante a primeira parte deste século, a microbiologia desenvolveu-se


independentemente das outras disciplinas da biologia ou, pelo menos,
parcialmente. Muitos biologistas estavam interessados em estudar a estrutura da
célula e as suas funções, outros a ecologia das plantas e animais, reprodução e
desenvolvimento de organismos, a natureza da hereditariedade e o mecanismo da
evolução. Os microbiologistas pelo contrário estavam mais interessados em
estudar os agentes responsáveis pelas infecções, a imunologia e o metabolismo
das bactérias.
Posteriormente, durante os anos 40 a microbiologia começou a ser utilizada
em estudos de genética e bioquímica devido às características dos
microrganismos. São seres vivos simples, crescem rapidamente e podem ser
produzidos em grandes quantidades.
Em 1941, G. Beadle e E. Tatum estudaram a relação entre genes e enzimas
usando mutantes do bolor do pão Neurospora.
Em 1943, S. Luria e M. Delbrück usaram mutantes de bactérias para mostrar
que as mutações genéticas eram espontâneas e não provocadas pelo meio
ambiente.
Em 1944 três investigadores O. Avery, C. MacLeod e M. McCarty provaram
que o ADN era o material genético carregado de informação.
As interacções entre microbiologia, genética e bioquímica rapidamente
conduziram ao desenvolvimento da genética molecular.
Mais recentemente a microbiologia foi o maior contributo para o
desenvolvimento da biologia molecular. Os microbiologistas têm apostado
fortemente no estudo do código genético e nos mecanismos do ADN, ARN e
síntese proteica. Os microrganismos têm sido utilizados em muitos estudos sobre a
regulação da expressão do gene e no controlo da actividade enzimática.
Na década de 70, novas descobertas em microbiologia levaram ao
desenvolvimento da engenharia genética.
Um dos índices da importância da microbiologia do século XX é o número de
prémios Nobel atribuidos a trabalhos de fisiologia ou medicina. Cerca de 1/3 dos

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prémios têm sido atribuidos a cientistas que trabalham naquelas áreas mas no
campo microbiológico.

SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO

A classificação é o arranjo dos seres vivos em grupos ou taxa baseados na


semalhança e evolução entre eles. Nomenclatura é o ramo da taxonomia ligada
com a designação dos nomes dos grupos taxonómicos de acordo com regras
estabelecidas. Identificação é o processo que permite determinar a que taxon
pertence o ser vivo. Muitos taxonomistas definem a sistemática em termos
genéricos, tais como, o estudo científico dos organismos com o principal objectivo
de os caracterizare agrupar de uma maneira ordenada. A sistemática envolve
várias disciplinas, tais como, morfologia, ecologia, epidemiologia, bioquímica,
biologia,molecular e fisiologia.
Refira-se, no entanto, que a taxonomia microbiana está em constante
alteração devido à utilização das novas técnicas moleculares.
Uma vez reunidas as características relevantes dos microrganismos isolados
pode formar-se um sitema de classificação designado por “Classificação natural”.
Esta classificação reune os seres vivos em grupos que apresentam muitas
características comuns e refletem, tanto quanto possível, a natureza biológica
desses seres vivos. Linnaeus desenvolveu, nos meados do séc.XVII, a primeira
classificação natural baseada, essencialmente, nas características anatómicas.
No início da biologia todos os seres vivos foram classificados como plantas
ou como animais (Figura 2).

FIGURA 2 - Critério dualista de classificação dos seres vivos

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Era um sistema simplista que que já na época não tinha tido a concordância
de todos os biólogos. Actualmente, pensa-se que os seres vivos podem ser
divididos em 3 grandes domínios: Archaea, Bacteria (Eubacteria) e Eucarya.
Um dos aspectos mais fascinantes e atrativos da microbiologia é a sua
extraordinária diversidade. No entanto, todas as células vivas são basicamente
semelhantes. São constituídas por um protoplasma, complexo orgânico coloidal
constituido, principalmente, de proteinas, lípidos e ácidos nucleicos. O conjunto é
envolvido por membranas limitantes ou parede celular e todos contêm um núcleo
ou uma substância nuclear equivalente (Figura 3).
Assim, dentro da microbiologia apareceram microrganismos semelhantes a
vegetais, outros a animais e um terceiro grupo com características comuns dos
animais e dos vegetais. Este facto levou os biologistas a proporem um terceiro
reino onde fossem incluidos aqueles microrganismos.
Foi o zoólogo alemão E. H. Haeckel em 1866 o primeiro a propor uma nova
classificação para os seres vivos. O reino das plantas, dos animais e dos protistas.
Os protistas eram constituidos unicamente, por seres unicelulares onde
estavam incluidas as bactérias, as algas, os fungos e os protozoários, excluindo os
virus que não são organismos celulares.

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Com os progressos dos conhecimentos em biologia particularmente no que
se refere à ultra-estrutura celular, os microrganismos foram divididos em duas
categorias: procariotas e eucariotas.
Os microrganismos procariotas eram constituidos pelas bactérias e algas
azul-verde e os microrganismos eucariotas pelos protozoários, fungos e outras
algas. Com a admissão dos 3 grandes domínios, os procariotas dividem-se em dois
grupos: Archaeobacteria e Bacteria ou Eubacteria.
Não esquecer que as células animais e vegetais são também eucariotas.
Os virus, isolados entre os microrganismos são deixados de lado deste esquema
de organização celular. Os termos protistas inferiores e protista superiores são, por
vezes, usados para designar os microrganismos procariotas e eucariotas
respectivamente.
As células procariotas (vem do grego pro, antes e Karyon, núcleo) são
organismos muito simples com um núcleo não delimitado por uma membrana que
se encontra no seio do citoplasma. O citoplasma contém um grande número de
ribossomas que, nestas células, são muito mais pequenos do que nas células
eucariotas (Figura 4).
Muitos microrganismos procariotas possuem estruturas que lhe permitem
moverem-se e podem apresentar formas muito variadas. São microrganismos muito
mais pequenos do que os eucariotas mas mesmo que o seu comprimento seja
igual ou superior aos eucariotas, o seu volume é sempre menor.
Embora a maior parte dos procariotas sejam heterotróficos, existe um
pequeno número que podem realizar a fotossíntese graças a uma espécie
particular de clorofila bacteriana (Figura 5).

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FIGURA 3 - Desenhos esquemáticos de diferentes microrganismos

FIGURA 4 - Representação esquemática da organização estrutural de uma célula


bacteriana

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FIGURA 5 - Bactérias fotoautotróficas (Rhodospirillum rubrum)

a) Contraste de fase (x 600)


b) Microscópio electrónico (x 1000.000)

As células eucariotas (vem do grego eu, verdadeiro e Karyon núcleo)


apresentam um núcleo individualizado por uma membrana. São células muito mais
complexas e maiores do que as procariotas (Figura 6).
Como resultado do progresso dos conhecimentos científicos surgiram outros
sistemas de classificação. Seguiu-se um com quatro reinos: Mychota ou Monera,
Protista, Plantae e Animalia. Este sistema de classificação apresentada por
Copeland, em 1956, teve pouca aceitação.
Seguiu-se outro sistema de classificação, o sistema dos cinco reinos,
proposto por Whittaker, em 1969 (Figura 7). Este sistema baseia-se em relações
evolutivas e é compatível com estudos bioquímicos, genéticos e ultra-estruturais,
os quais sugerem que a endosimbiose (viver junto, um no interior do outro)
hereditária levou até à célula eucariota, a partir de uma variedade de unidades
procariotas, desenvolvendo-se desde um ancestral procariota comum.
Este sistema baseia-se em, pelo menos, três grandes critérios; tipo de célula
procariota ou eucariota, nível de organização (células isoladas, organizadas em
colónias ou multicelular) e tipo de nutrição (fotossíntese, absorção e ingestão).

- O reino Monera ou Procaryotae inclui todos os seres vivos procariotas


(bactérias e algas azul-verdes)
- O reino Protista é o menos homogéneo e o mais difícil de definir. Os
Protistas são eucariotas com organização unicelular que se pode apresentar em
células isoladas ou formando colónias. A nutrição pode ser por ingestão, absorção

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ou fotossíntese. Todas as formas apresentam reprodução assexual, muitos
apresentam verdadeira reprodução sexual com meiose e cariogamia. As células
podem ter mobilidade por meio de cílios, flagelos e outros meios. Incluem
protozoários, microalgas e alguns dos fungos mais simples.
- O reino Fungi inclui os fungos superiores com células eucariotas e nutrição
por absorção. Inclui bolores e leveduras.
- O reino Animalia é multicelular com células eucariotas e nutrição por
ingestão
- O reino Plantae é também multicelular com células eucariotas e nutrição do
tipo fotoautotrófico.

FIGURA 6 - Representação esquemática de uma célula eucariota e da sua


ultraestrutura

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FIGURA 7 - Sistema de classificação dos 5 reinos de Whittaker (1969)

Posteriormente foi apresentada a versão de Whittaker modificada (Fig. 8).


Nesta versão os seres vivos são colocados, também, em cinco reinos
baseados, pelo menos, em 3 critérios: tipo de célula (procariota ou eucariota); nivel
de organização (células isoladas, em colónias ou multicelular) e tipo de nutrição.

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FIGURA 8 - Sistema de classificação de Whittaker modificado

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Esta classificação diverge da anterior no reino dos Protistas. Inclui neste
reino os microrganismos eucariotas unicelulares ou formando colónias mas só de
células iguais. As leveduras estão incluidas aqui como se pode ver na Figura 8.
Estudos posteriores sobre o RNA ribossomal (rRNA) e outras propriedades
moleculares dos procariotas indicam que há dois grupos diferentes destes
microrganismos: o das eubacteria e o das archaeobacteria. Este facto levou ao
aparecimento de outro sistema de classificação alternativo com 6 reinos. Neste
sistema o reino Monera ou Procaryotae está dividido em dois reinos, Eubacteria e
Archaeobacteria (Fig.9).

FIGURA 9 – Sistema de classificação de 6 reinos

Mais tarde, Cavalier-Smith propôs uma nova classificação com 8 reinos,


baseando-se na estrutura celular e organização genética, além de características
ultraestruturais e outras características moleculares, assim como, o rRNA. As
bactérias foram divididas em 2 reinos (Eubacteria e Archeobacteria) e os eucariota
em 6 reinos, isto é, mais dois novos reinos; o reino Archezoa, constituído pelos

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eucariotas mais primitivos e unicelulares e o reino dos Chromistas constituido,
principalmente, por organismos fotossintéticos, tais como diatomáceas, algas
castanhas, criptogâmicas e oomycetes (Fig.10). Neste sistema de classificação os
protistas não constituem um reino separado mas representam um nível de
organização muito diversificado.

FIGURA 10 – Sistema de classificação de Cavalier-Smith com 8 reinos

As diferenças a nível molecular entre as eubacteria, archaeobacteria e


células eucariota é tão grande que já houve microbiologistas que preposeram
dividir os seres vivos em três reinos: bacteria (a verdadeira bactéria ou eubacteria);
archaea (archaeobacteria) e eucarya (todos os organismos eucarióticos).
Embora os virus não estejam incluidos nestes reinos eles são estudados
pelos microbiologistas.
Vamos de uma maneira sumária caracterizar alguns grupos de
microrganismos referidos neste texto.

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As algas são organismos relativamente simples. Os tipos mais primitivos
são unicelulares, outros são constituídos por agregados de células similares, com
pouca ou nenhuma diferenciação de estrutura ou função. Outras algas, como as
grandes algas marinhas castanhas, têm uma estrutura complexa, com tipos de
células especializados para funções particulares. Sem considerar as dimensões ou
a complexidade, todas as células das algas contêm clorofila e são capazes de
efectuar a fotossíntese. Esses organismos são encontrados, mais frequentemente,
em meio marinho ou em solos húmidos (Figuras 11 e 12).

FIGURA 11 - Representação esquemática da organização de uma alga flagelada


(Chlamydomonas sp.)

FIGURA 12 - Exemplos de algas unicelulares (Diatomáceas) e pluricelulares


(Sargassum)

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Os protozoários são protistas eucarióticos de uma única célula, que se
diferenciam de acordo com as suas características morfológicas, nutritivas e
fisiológicas. O seu papel na natureza é variado, mas os protozoários mais bem
conhecidos são aqueles que causam doenças no homem e nos animais. (Figuras
13, 14 e 15).

FIGURA 13 - Exemplos de protozoários amebóides

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FIGURA 14 - Exemplos de protozoários flagelados

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FIGURA 15 - Exemplos de protozoários ciliados

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De acordo com a classificação de Whittaker todos os fungos pertencem ao
reino Fungi.
Os fungos são microrganismos eucarióticos com reprodução assexuada,
podendo também apresentar reprodução sexuada, e nutrição por absorção.Não
apresentam clorofila.
Os fungos podem, de grosso modo, ser divididos em fungos filamentosos ou
bolores e fungos não filamentosos ou leveduras.
Os bolores são estruturas micelianas, isto é, formadas por hifas, uni ou
multinucleadas, que vão constituir o micélio. Apresentam dimensões e morfologia
muito variadas (Figura 16).

FIGURA 16 - Exemplos de bolores

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As leveduras são fungos unicelulares cujas células presentam forma e
dimensões muito variadas mas sempre maiores do que as bactérias. Normalmente
não formam micélio verdadeiro mas podem formar pseudomicélio. O processo de
reprodução mais frequente é assexuado, por gemulação ou fissão, podendo também
apresentar reprodução sexuada (Figura 17).

FIGURA 17 - Exemplos de células de leveduras

As bactérias são microrganismos procariotas, unicelulares podendo apresentar


nutrição por absorção, fotoheterotrófica ou fotoautotrófica e metabolismo aeróbico,
anaeróbico ou aeróbico facultativo. A sua reprodução é assexuada podendo ocorrer
combinações genéticas. Podem ser imóveis ou móveis por meio de cílios ou flagelos.
Apresentam formas muito variadas mas as mais frequentes são em forma de coccus
ou de bastonete (Figura 18).

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FIGURA 18 - Exemplos de células de bactérias (coccus e bastonetes)

A APLICAÇÃO DA MICROBIOLOGIA

Os microrganismos são omnipresentes no nosso planetae têm um papel


fundamental nos diferentes aspectos da nossa vida e da nossa actividade. A
microbiologia é a ciência que estuda estes seres vivos, é constituída por
variadíssimas especialidades com grande impacto na medicina, na agricultura, na
alimentação, na ecologia, na genética, na bioquímica e, muitos outros.
A microbiologia tem aspectos básicos e aplicados. Há microbiologistas que se
dedicam ao estudo dos próprios microrganismos como, por exemplo, os virulogistas,
os bacteriologistas, os ficologistas ou algologistas, os micologistas e os
protozoologistas. Outros estam interessados na morfologia microbiana ou no estudo
de processos funcionais particulares e podem trabalhar no campo da citologia,
fisiologia e taxonomia microbiana. Vários microbiologistas trabalham em várias
disciplinas dentro da mesma área devido à interligação existente entre as diferentes
disciplinas. Por exemplo, um microbiologista que trabahe em clínica deve ter um bom

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conhecimento de taxonomia, genética, imunologia e fisiologia para, assim, poder
responder melhor no âmbito dos patogénicos.
Refira-se que a clínica médica é dos campos mais importantes devido ao seu
relacionamento com a saúde publica. Como se sabe, muitos microrganismos são
patogénicos e, entre as doenças de que são responsáveis, há algumas que podem
ser transmitidas pelos alimentos (o butilismo, a salmonelose, ).
Outro aspecto é o seu interesse biotecnológico integrado na microbiologia
industrial que contribuiu para tomar consciência do papel dos microrganismos na
nossa economia devido à sua importante contribuição nos sectores da agronomia,
das industrias alimentares e biológicas, da saúde, da química fina, da energia e da
protecção ambiental.
A aplicação biotecnológica dos microrganismos apoia-se fundamentalmente
em algumas das suas propriedades. Qualitativamente, estas propriedades são
devidas às estruturas genética e enzimática específicas dos microrganismos que lhe
conferem propriedades de acidificação, aromatização, textura, produção de
metabolitos naturais, entre outros. Também a sua morfologia e estrutura conferem-lhe
um poder de síntese excepcional como consequência das suas pequenas dimensões
e rapidez de crescimento. Este facto permite obter concentrações celulares elevadas
em muito pouco tempo. Estas características são reforçadas pela capacidade de se
poderem obter rapidamente estirpes seleccionadas e mutantes mais adequados aos
processos tecnológicos. Também a engenharia genética aplicada aos
microrganismos aumenta quase sem limites as prespectivas de transformação para
uma maior rentabilização.
As potencialidades dos microrganismos tem levado as indústrias alimentares e
biológicas a utilizá-los como agentes de produção de metabolitos e como agentes de
transformação para a obtenção de variadíssimos produtos.
Refira-se, no entanto, que a técnica de manipulação dos microrganismos é
antiquíssima, mas foi só neste século que ela atingiu uma tal dimensão e poder que
são perfeitamente legítimas as preocupações que resultam do seu domínio e
aplicações.

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Citação de René Dubos

A microbiologia é uma ciência tâo vasta e extraordinária que permite
aos microbiologistas estarem envolvidos em actividades tâo diferentes como,
o   estudo   da   estrutura   do   gene,   o   control   de   doenças   e   em   processos
industrais baseados na grande capacidade, destes seres vivos, decomporem
e   sintetizarem   moléculas   orgânicas   complexas.   A   microbiologia   é   uma   das
profissôes   mais   compensadoras   devido   a   dar,   aos   seus   profissionais,   a
oportunidade de estar em contacto com todas as outras ciências naturais,
facto   que   contribui   de   diferentes   maneiras   para   o   melhoramento   da
humanidade.

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