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PROJETO DO PRODUTO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

Nilton Luiz Menegon


Departamento de Engenharia de Produção/ UFSCar.
menegon@power.ufscar.br

Ronaldo Soares de Andrade


Escola de Engenharia e COPPE/UFRJ
ronaldo2@pep.ufrj.br

ABSTRACT
A discussion of the connection of product development process with the activities of
production engineering envisaging the teaching of production engineers. The usefulness of
a framemework for product development as a reference for teaching and practice is
commented.

Area: Engenharia do Produto


Sub-area: Projeto do Produto
Key words: product development, engineering design, production engineering teaching.

1. Introdução
A engenharia de Produção no Brasil passa no momento por um processo de
discussão em torno de sua base tecnológica e de perfil profissional. Independentemente dos
rumos desta discussão, desde já pode-se identificar a importância que a atividade de
concepção dos dispositivos técnicos, sejam artefatos de consumo ou de produção, assume
na profissão.

Neste trabalho objetiva-se contextualizar a questão do projeto frente às novas


condições de concorrência, indicando caminhos a serem seguidos na abordagem do tema
de projeto no ensino de engenharia de produção.

2. Justificativa
A abertura econômica em diversos países com subseqüente unificação de mercados
regionais; as rápidas mudanças tecnológicas; o aumento da facilidade e da velocidade de
acesso à informações e a personalização e maior segmentação de mercados; que
caracterizam a realidade sócio-econômica em nosso tempo, determinam para as empresas a
necessidade da produção de produtos word class. Para tanto, as empresas tem adotados
estratégias tecnológicas e organizacionais que buscam fundamentalmente a flexibilidade
dos sistemas produtivos. No campo organizacional, consolida-se o conceito de network
manufacturing (D’Amours et al., 1995), caracterizado pela estruturação de pequenas
empresas em rede com capacidade de produzir uma variedade de produtos eficientemente.

Dentro deste contexto a atividade de desenvolvimento do produto e o projeto do


produto tem se configurado como um dos elementos chave no estabelecimento da
competitividade industrial. É no lançamento de novos produtos que as empresas expõem
sua real capacidade competitiva. Desenvolvimento de produto e projeto do produto são
tratados ou como sinônimos ou como se o segundo constituisse um subconjunto do
primeiro. A primeira denominação é mais abrangente e mais adequada no contexto da
Engenharia de Produção uma vez que se refere ao processo que vai desde a identificação
de necessidades ao lançamento do produto, evidentemente passando pelas etapas de projeto
do produto e da produção.

No Brasil, apesar de distintas dinâmicas inovadoras nos diversos setores industriais,


percebe-se uma assimilação da importância de tratar o desenvolvimento de produto como
instrumento de alavancagem de competitividade. Em termos gerais o país viveu até o final
dos anos 80 sob uma política industrial e tecnológica caracterizada pela substituição de
importações. Assim os produtos aqui fabricados, protegidos por barreiras tarifárias, não
sofreram com a mesma intensidade, as pressões advindas do acirramento da competição
nos mercados que provocaram a necessidade de constante melhoria e inovação. Como
assinala Coutinho (1996), “... as empresas industriais brasileiras, com poucas exceções,
não desenvolveram capacitação inovativa própria. O esforço tecnológico acumulado ao
longo do processo de substituição de importações limitou-se àquele necessário à produção
propriamente dita.”, pag. 52.

Para se ter uma idéia da defasagem do país, pode-se tomar como base os dados
referentes à Propriedade Industrial, que refletem o esforço das empresas brasileiras em
Pesquisa & Desenvolvimento (P&D). No ano de 1992 verificou-se uma relação de 6/1 nos
depósitos de pedidos de Patente de Invenção entre os não residentes e residentes no país e
de 12/1 nos pedidos aprovados. Ainda, em termos dos números globais de pedidos de
patentes encaminhados no mesmo ano, os dados da OMPI (Organização Mundial de
Propriedade Industrial) mostram 385000 pedidos encaminhados no Japão, 187000 nos
EUA, 115000 na Alemanha, 82000 na França e apenas 14000 no Brasil. A tabela 1
apresenta um levantamento feito por Margareth Maio da Rocha em um total de 552
pedidos depositados no INPI no período de 1979/1995 que aguardavam a aprovação da
Nova Lei de Propriedade Industrial, que entrou em vigor em maio de 1997, para serem
examinados. Fica claro portanto, a pouca ênfase dada pelas empresas brasileiras para a
atividade de desenvolvimento e projeto de produtos, no passado recente.
País Incidência
Estados Unidos da América 37,2%
Suíça 11,1%
Brasil 10,5%
Inglaterra 8,4%
Japão 7,7%
Alemanha 4,6%
França 4,4%
Holanda 4,2%
Dinamarca 2,5%
Outros* 9,4%

* Canadá, Finlândia, Hungria, Austrália, Noruega,


Israel, Suécia, Áustria, África do Sul, Espanha e
Bélgica.
Total 100%

Tabela 1.1. Distribuição de Pedidos de Patente no Brasil na Área da Biotecnologia (por país de origem)
O relacionamento entre P&D, Projeto de Produto e Patentes é evidenciado quando
são correlacionados dados de investimentos em ciência e tecnologia (Coutinho, op cit.) e o
número de patentes obtidas pelo países membros da OECD (Organization for Economic
Cooperation Development). De uma forma geral um novo produto incorpora uma parte
reusada e outra inovativa (Andrade&Clausing, 1997) que proporciona a diferenciação
necessária para prevalecer no ambiente de negócios. A capacidade de inovar, relaciona-se
diretamente aos investimentos em P&D e estes, refletem-se em número de privilégios de
patentes obtidos.

Apesar do quadro desfavorável apresentado em relação ao desenvolvimento de


produtos, as rápidas transformações em termos de política econômica e industrial, pelas
quais o país tem passado nestes últimos anos tem colocado na ordem do dia para as
empresas a necessidade de reformulação das suas estratégias de produto, em termos
tecnológicos e organizacionais.

As diferentes realidades intra e inter setores industriais tem demonstrado


capacidades distintas de assimilação e incorporação dos novos paradigmas na atividade de
desenvolvimento e projeto do produto. As grandes companhias nacionais e multinacionais
rapidamente tem assimilado as mudanças organizacionais exigidas pela realidade
internacional. O setor automobilístico brasileiro é um forte exemplo. Os últimos
desenvolvimentos deste setor, bem como as novas plantas industriais previstas para o país,
estão em consonância com as estratégias de produto e de processos produtivos adotados
internacionalmente pelo setor.

Num outro grupo, estão as empresas de menor porte, que tem sofrido de maneira
mais concreta os efeitos da abertura do mercado brasileiro aos produtos internacionais. No
geral, pode-se apontar nestas indústrias debilidades internas, associadas à incapacidades
gerenciais e tecnológicas, determinadas pela inexistência de um ambiente competitivo no
mercado brasileiro durante um longo período de tempo. Destacam-se então as estruturas
organizacionais por função, pouca padronização e formalização nos processos produtivos,
ineficiência de planejamento e controle da produção, inexistência de uma cultura de
projeto de produtos e ausência de investimentos e Pesquisa & Desenvolvimento.

Ainda, interferem fatores externos às empresas, particularmente a deficiência da


política industrial do país (Beluzzo, 1997), cujo principal efeito é a inexistência de esforços
no campo da padronização e normalização. O Programa Brasileiro de Qualidade e
Produtividade (PBQP) aponta tímidamente para a questão, estabelecendo como meta o
aumento de normas técnicas de 8 mil para 10 mil até o ano 2000 (Gazeta Mercantil,
19/05/1998).

Contudo as demandas sobre a atividade de desenvolvimento de produtos tem obtido


ressonância em diversas esferas. Cresce o número de publicações e traduções sobre o
assunto bem com o de pesquisadores que se interessam pelo tema: são criados Parques
Tecnológicos e Incubadoras Industriais que frequentemente apresentam uma estrutura
consorciada entre a iniciativa privada, estado e universidades; e, iniciativas como o
Programa Brasileiro de Design (PBD), buscam incentivar, promover e proteger a
inovação. Embora o termo design seja no Brasil fortemente associado às atividades
relacionadas com o Desenho Industrial, enquanto no exterior e termo seja associado ao que
denominamos Projeto, ações como o Seminário Materiais&Design realizado na UFSCar
em outubro de 1997, conseguem transpor enfoques restritos e promover a integração entre
profissionais dos vários campos da engenharia, desenho industrial e arquitetura.

Através das atividades de pesquisa dos autores e de participação como membro de


grupos como Ergo&Acão e SimuCad do DEP/UFSCar e Engendra da COPPE/UFRJ, tem-
se percebido uma crescente demanda por profissionais na área de projetos. Entretanto é
necessário buscar dados mais objetivos para estabelecer indicadores para a questão do
desenvolvimento de produtos, como o crescimento de investimento em P&D, pedidos de
patente e contratos de transferência de tecnologia.

3. Modelos de Projeto e Engenharia de Produção


Considerando que os produtos constituem o centro dos negócios, no contexto da
formação de profissionais em engenharia de produção, a questão que nos colocamos é:
qual abordagem a ser adotada no ensino de projeto do produto? A resposta não é evidente.
As contribuições podem ser encontradas nos campos da estratégia, marketing,
administração, qualidade e projeto, dentre outras. A engenharia de produção tangencia
discussões num amplo espectro de disciplinas com diferentes níveis de aprofundamento e
enfoque.

Para elucidarmos a questão, devemos observar que o engenheiro de produção


assumirá cedo ou tarde, em sua atividade profissional, funções de gerência e concepção
dos processos industriais com o significado apresentado por Tachizawa e Scaico (1997,
pag. 94): integração de estruturas funcionais verticais a processos horizontais e tendo como
características a integração de clientes, produtos e fluxo de trabalho; explicitação do
trabalho transpondo fronteiras funcionais; e relacionamentos entre cliente e fornecedor, por
meio dos quais são gerados produtos/serviços.

Assim tal engenheiro deve estar preparado para compreender a natureza das
atividades que possa a vir gerenciar. Este enfoque nos coloca dentro do campo da
Projetação, ou seja, com centro na ação de projetar. Isto nos remete também para o campo
da ergonomia. Sem dúvida, aspectos como o trabalho em grupo, trabalho cooperativo ou
problemas não estruturados, constituem o dia a dia de uma equipe de projeto.

Não obstante, nosso foco estar sobre a atividade dos projetistas, faz-se necessário
buscar modelos mais amplos que integrem o projeto do produto e a atividade dos agentes
relacionados, ao contexto dos negócios.

A busca de modelos não constitui interesse de cunho estritamente acadêmico. Em


última instância, um modelo teórico só nos é útil quando possibilitar uma melhor
compreensão e a transformação da realidade. Nos interessa uma modelo que possa ser
assimilado pela indústria, indicando qual a abordagem a ser adotada na transposição das
estruturas organizacionais que resultem na eficiência e eficácia do processo de projeto e
produção de novos produtos. Consideramos três elementos relevantes para a apreciação de
um modelo de desenvolvimento de produto:

1. Existem nas atividades de Pesquisa & Desenvolvimento e Projeto do Produto,


aspectos intangíveis, com comportamentos imprevisíveis, que reforçam a
importância da cultura de desenvolvimento de produtos. São fundamentais para
afirmação desta cultura nas empresas, atividades pragmáticas de laboratório que
resultem em saber fazer. Parece impossível ser competitivo sem que haja esforços
significativos em P&D voltados para o aperfeiçoamento de produtos e
processos.(atividade).
2. ambiente exige também sistemas produtivos flexíveis com alto grau de integração
das funções gerenciais e produtivas. Ao mesmo tempo que se acumulam tendências
no sentido de normalização e padronização de produtos e processos, intensificam-
se tendências de aprendizado contínuo e trabalho criativo. (gestão).
3. Em termos de competitividade, as tendências apontam para a necessidade de
empresas focadas em competências específicas, reduzindo o esforço sobre ou
mesmo abandonando áreas de competências não estratégicas (estratégia).
O modelo do Total Design (Pugh
1986), figura 1, busca responder às
questões nos três campos assinalados e foi
proposto para estabelecer uma base
comum entre projetistas, procurando
representar a natureza das várias restrições
relevantes para o projeto de qualquer
produto. A parte mais externa do template
representa as diversas áreas funcionais da
empresa. São elas que irão se relacionar de
uma forma mais intensa com o contexto
do negócio. Elas irão estabelecer restrições
estratégicas ao projeto. O círculo
intermediário representa o conjunto das
especificações. Pugh utiliza-se da imagem
de um malabarista circense para explicar o
PDS. Ele diz que em uma equipe de
projeto, cada um dos participantes terá sob
sua responsabilidade um certo número de
pratos. A meta é mantê-los girando do
Figura 1: Extraída de Pugh, 1990.
início ao fim do projeto. Caso um caia, o
efeito é o mesmo que se todos caissem.

Na região central do template estão representadas as atividades que compõem o


cerne do projeto. Elas envolvem: Mercado, Especificações, Conceito, Design, Manufatura
e Vendas. Apesar de representá-las de modo sequencial, na realidade o processo é
interativo, envolvendo idas e vindas até que um produto de sucesso seja obtido.

A importância de um modelo que responda as questões no campo da estratégia,


gestão e atividade é poder integrar o arcabouço de métodos e técnicas que vêem sendo
difundidas no campo do projeto do produto. Este conjunto de métodos e técnicas deve
fazer sentido para quem os aprende e precisa utilizá-lo.

Recentemente vem se verificando a consolidação de vários métodos e técnicas


aplicadas ao desenvolvimento do produto. Metodologias organizacionais, como a
Engenharia Simultânea, caracterizada pela transposição das estruturas administrativas
funcionais para a administração por processos, através de equipes multifuncionais
realizando atividades de projeto e produção paralelamente. Metodologias de projeto
conceitual, como o EQFD (Clausing, 1994), que enfatiza a definição conceitual do
produto, concentrando as alterações de engenharia nas fases iniciais do processo de
projeto, evitando zonas de caos e buscando planos de estabilidade nas fases de produção e
lançamento do produto. Métodos estatísticos, como confiabilidade, Análise do Efeito e do
Modo de Falha – FEMEA e o Planejamento de Experimentos/Método Taguchi, que
buscam fundamentalmente a robustez da tecnologia aplicada. Técnicas diversas, como
Projeto Para Manufatura e CAE/CAD/CAM, que possibilitam a integração das atividades
de projeto e redução no lead time.

4. Ensino de Projeto de Produto


A adoção de um modelo teórico por si só, não garante o ensino de projeto do produto,
ele apenas estabelece uma estrutura, um caminho a ser seguido. Como ensinar a percorrer
este caminho, ou melhor, como ensinar projeto do produto?. Pugh(1991, pag. viii), no
prefácio do livro Total Design aponta esta dificuldade: “Design em si é uma atividade,
não uma matéria no sentido tradicional, como matemática e física”. Ao mesmo tempo,
apresenta uma resposta para a questão: “Você o leitor, será apresentado a um arcabouço
dentro da qual você pode praticar o design com crescente abrangência. Ao mesmo tempo,
você vai ser ajudado a colocar dentro deste arcabouço, os mais tradicionais tópicos de
engenharia”. A leitura que fazemos é de que se devem observar alguns aspectos básicos
para o ensino de projeto do produto no contexto da engenharia de produção.

1. Não se pode falar de aprendizado de projeto do produto sem praticá-lo. Deve-se


percorrer o processo do estudo da necessidade até a materialização do produto.
2. Utilizar um modelo formal de processo de projeto como arcabouço de
relacionamentos a ser seguido objetiva orientar as atividades, compor grupos,
dividir tarefas, enfim, fornece a estrutura para o projeto.
3. Introduzir métodos e técnicas diversas, sem se amarrar a metodologias específicas.
O escopo de cada projeto pode orientar na escolha do repertório metodológico
adequado.
4. Buscar a aproximação das equipes aprendizes em projeto à atividade de projetistas.
Esta aproximação envolve tanto a execução das atividades de projeto, como a busca
de relacionamentos com projetistas que podem ajudar nas tomadas de decisões e
possibilita compreender como eles fazem as coisas.

Antes de encerrar a questão em torno da abordagem do tema, deve-se ressaltar que


os projetos não são feitos como são ensinados. As inúmeras abordagens que representam o
processo de projeto como uma conjunto de problemas que são resolvidos de maneira
sistemática e estruturada podem induzir esta visão. Os problemas de projeto são em sua
maioria complexos e resolvidos de formas totalmente alheias aos métodos e técnicas
utilizados. Portanto, estas ferramentas devem constituir o saber fundamental daqueles
envolvidos com o processo de projeto, a fim de fazer uso das mesmas nas situações que às
requeiram.

5. Conclusão
Este trabalho tratou de justificar a importância e a relevância do Projeto de Produto
e de Processo no contexto da Engenharia de Produção, bem como discutiu a abordagem a
ser adotada no tratamento do tema.
Enfatiza-se nesta conclusão a necessidade de centrarmos o foco sobre o estudo e a
prática da atividade dos engenheiros de produção projetistas, buscando capacitar os
profissionais da área na compreensão e difusão da cultura de projeto.

Neste sentido, os métodos cumprem o papel fundamental de fornecer uma estrutura


para a projetação, desde que, sejam amplos o suficiente para representar as distintas esferas
que envolvem os dispositivos técnicos e os seus contextos.

6. Bibliografia
Andrade R.S., Clausing D., (1997). Strategic Integration of Products, Technologies and
Core Competencies, ICED 97, Tampere, August, 19-21.
Belluzzo, L.G., (1998). Política Industrial, Folha de São Paulo, Caderno de Economia, de
Maio de 1998.
Coutinho, L., (1996), Globalização e Capacitação Tecnológica nos Países de
Industrialização Tardia: Lições para o Brasil. Revista Gestão & Produção, Volume
3, n.1, Abril de 1996, pag. 49 a 69.
Clausing, D., (1994). Total Quality Development, ASME PRESS, New York.
D’Amours, S., Montreuil, B., Soumis, F., Lefrançois, P. e Ramudhin, A., (1995), Advances
on Networked Manufacturing, Anais do XV ENEGEP, pag. 1631 a 1635.
Pugh, S. & Morley, I. E., (1986). The Organisation of Design: An Interdisciplinary
Approach to the Study of People, Process, and Contexts, from Proceeding of ICED’86, in
Creating Innovative Product Using Total Design, Cap. 25, D. Clausing & R.S. Andrade
(Orgs). Editora Addison-Wesley, 1996.
Tachizawa, T. & Scaico O., (1997). Organização Flexível,Editora Atlas, 1997;

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