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José Carlos Pinto da Costa

O PROCEDIMENTO CIENTÍFICO
PASSO A PASSO

2011
Não há nenhuma coisa visível e corporal que não
signifique algo de incorpóreo e inteligível

Escoto Erígena

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ÍNDICE

1 - INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 4

2 - FASE DE RUPTURA EPISTEMOLÓGICA: O PLANEAMENTO DO ESTUDO ............ 7

2.1. O Projecto ....................................................................................................................... 7


2.2. A pergunta de partida ...................................................................................................... 9
2.3. A exploração ................................................................................................................. 11
2.4. A elaboração da problemática ....................................................................................... 20

3 - FASE DE CONSTRUÇÃO: A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE .............. 25

3.1. Os dois momentos fundamentais da construção do modelo de análise..................... 27

4 – FASE DE VERIFICAÇÃO................................................................................................. 41

4.1. Da unidade de estudo à unidade de observação: a selecção dos campos e das pessoas 42
4.2. Observar como? ............................................................................................................ 54
4.3. A análise...................................................................................................................... 138
4.4. A redacção .................................................................................................................. 148
4.5. As conclusões.............................................................................................................. 149

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 151

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1 - INTRODUÇÃO

Quando alguém quer fazer uma investigação científica deve ter em conta um conjunto de
acções cuja inevitabilidade provoca logo um nervoso miudinho. Não se pense que este
sentimento é próprio dos iniciados em questões de investigação; qualquer novo projecto de
investigação põe o investigador perante um novo conjunto de acções, que inclui momentos de
crise, ansiedade, incapacidade, etc.

Quando alguém quiser encetar uma investigação científica tem, logo à partida, perante si, um
dos principais momentos de crise de qualquer investigação: o próprio momento que antecede
a investigação científica. A tal ponto o investigador (ou futuro investigador) duvida da sua
posição de manuseador de dados obtidos de forma científica que pergunta a si próprio: Como?
Como fazer uma investigação científica? O que é que eu devo ter em conta quando quero
fazer uma investigação científica?

As questões que assaltam o investigador constituem, por si só, obstáculos epistemológicos no


verdadeiro sentido bachelardiano. Com estas dúvidas procuram-se respostas sobre o próprio
modo de conhecer a realidade de forma científica. A questão fundamental revela-se mais
como uma dúvida no verdadeiro sentido filosófico e revela-se como uma espécie de modelo
de descrição da atitude para o conhecimento. “Conhecer de forma científica” define-se como
um processo dinâmico que resulta das consequências que derivam da prática, que, por sua
vez, se apresenta na forma de um hábito, adquirido e transmitido de forma cultural e
biologicamente possível. Mais do que um resultado de um processo experimental, o
conhecimento, de modo científico, sobre um objecto, pressupõe a atribuição de um valor
heurístico a este mesmo objecto científico. Isto faz com que os critérios de valorização dos
objectos existentes na realidade se associem por via da referência a um objecto específico de
entre os outros possíveis, formando-se modelos de descrição dos objectos de estudo limitados
por esses próprios conjuntos de critérios de valorização dos objectos. Assim sendo, o objecto
é visto conforme o olhar que o investigador usa, olhar, este, afecto a um quadro de referência
mental cuja matriz de concepção deriva de um modo particular de observar o mundo. Cada

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disciplina científica é apenas um espelho de entre os que constituem a imensa bola de
espelhos que é a mente humana.

Independentemente de o objecto do nosso estudo ser observado por um prisma ou por outro,
ou até que uns observem o que não se vê e outros observem o que todos pensam ver, o que
define uma investigação como científica é o respeito que o estudioso tem sobre as regras que
caracterizam as acções que no conjunto formam o procedimento científico. Este procedimento
científico estrutura, por assim dizer, a atitude científica para o conhecimento, sobre a qual os
filósofos clássicos falavam.

Percorrer o procedimento científico é o mínimo que o investigador deve fazer para que o seu
trabalho possa ser considerado científico, pois ele estipula os critérios a ter em conta na
investigação sobre determinado objecto. De um modo simples, o procedimento científico é o
conjunto de acções levadas a cabo pelo investigador quando quer fazer uma investigação
científica. Por força do pendor antropológico deste trabalho, apresentar-se-á aqui o
procedimento científico inspirado em Raymond Quivy e Luc Campenhoudt (1998) e seguido
pela antropologia e pelas ciências sociais em geral, servindo muito bem algumas
problemáticas abertas por outras ciências, incluindo aí as ciências da saúde. De acordo com
aqueles autores, o procedimento científico faseia-se em sete etapas: a pergunta de partida; a
exploração; a problemática; a construção do modelo de análise; a observação; a análise dos
dados; e as conclusões ou considerações finais.

Este trabalho tem, portanto, como finalidade suprir algumas necessidades relacionadas com a
investigação científica e que suscitam o surgimento das tais questões postas no início desta
introdução. Pretende-se contribuir para uma maior elucidação sobre o que é a investigação
científica e sobre como é que ela se faz, desde a concepção de uma ideia de investigação até à
redacção do relatório final e à apresentação dos resultados. Devido à natureza do próprio tema
que estamos a estudar, a melhor maneira de contribuirmos para aquela elucidação é despender
a maior atenção aos aspectos fundamentais do procedimento científico.

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Por “investigação científica”, entende-se o processo formal e sistemático de desenvolvimento
do método científico cujo objectivo é descobrir respostas para problemas mediante o emprego
de procedimentos científicos. A investigação científica social e humana é o processo que,
utilizando a metodologia científica, permite a obtenção de novos conhecimentos no campo da
realidade social. Por seu turno, a realidade social envolve todos os aspectos relativos ao
homem, nos seus múltiplos relacionamentos com os outros homens e com as instituições
sociais.

A investigação científica tem duas modalidades: a investigação intelectual, conhecida como


investigação essencial ou pura, baseia-se no desejo de conhecer pela simples satisfação do
conhecer; a investigação prática, conhecida por pesquisa aplicada, baseia-se no desejo de
conhecer para agir.

De modo geral, a metodologia científica envolve cinco actividades: o planeamento do estudo


(realização do projecto), a colecta dos dados, a análise dos dados, a interpretação dos dados e
a a divulgação dos resultados (redacção do relatório).

O problema do conhecimento científico coloca-se da mesma forma para os fenómenos sociais


e para os fenómenos naturais: em ambos os casos, há hipóteses teóricas que devem ser
confrontadas com dados de observação ou de experimentação. Para esta confrontação er
possível. É necessário desenvolver métodos. Estes, são as formas particulares do
procedimento científico. São caminhos a seguir mediante uma série de operações, regras e
procedimentos fixados de antemão de uma maneira voluntária e reflexiva, para alcançar um
determinado fim, que pode ser material ou conceptual.

Para Quivy e Campenhouldt, a metodologia científica percorre-se em três momentos


principais, aos quais correspondem sete etapas de realização (ver Tabela 1).

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Tabela 1 – Momentos epistemológicos e etapas do procedimento científico segundo Quivy e Campenhouldt

Momentos epistemológicos Etapas do procedimento científico


Etapa 1: A pergunta de partida
Etapa 2: A exploração
Ruptura epistemológica
As leituras As entrevistas exploratórias

Etapa 3: A problemática
Construção Etapa 4: A construção do modelo de análise
Etapa 5: A observação
Verificação Etapa 6: A análise dos dados
Etapa 7: As conclusões

2 - FASE DE RUPTURA EPISTEMOLÓGICA: O PLANEAMENTO DO ESTUDO

O planeamento do estudo pressupõe a sistematização dos passos a percorrer durante a


investigação. Estes passos são sistematizados num projecto.

2.1. O Projecto

O projecto é um documento introdutório cuja finalidade é organizar o procedimento científico


e orientar o estudo dentro de parâmetros tidos como fundamentais para o desenvolvimento
desse mesmo procedimento. A estrutura a respeitar no anteprojecto poderá ser a seguinte:

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a) Capa do trabalho

Símbolo
Escola

Título

Disciplina:
Docente:
Discentes:

Local e data

Silves 2004

b) Estrutura interna do projecto

No projecto devem constar os pontos essenciais a ter em conta durante a investigação. Assim,
a sua estrutura interna percorrerá uma lógica de exposição que será seguida depois no trabalho
em si. De forma muito superficial, a estrutura do projecto deve organizar-se em três partes
maiores (introdução, desenvolvimento e conclusão), constituídas com os respectivos pontos.

1. Introdução

a) Objectivos
b) Conceitos-chave
c) Métodos
d) Calendarização

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2. Desenvolvimento

a) Exploração
b) Apresentação da unidade de estudo
c) Processo de integração na unidade de estudo
d) Resultados esperados

3. Conclusão

a) Originalidade do trabalho
b) Reflexão sobre o valor do estudo

2.2. A pergunta de partida

A pergunta de partida reflecte o problema da pesquisa. Este deve ser uma qualquer questão
não resolvida e que é objecto de discussão, em qualquer domínio do conhecimento científico.

Na elaboração da pergunta de partida deve-se ter em conta que ela norteará todo o trabalho de
investigação e será revisitada sempre que for necessário. No final do estudo, uma resposta
deve ser alcançada que permita responder, com rigor científico, à questão colocada no início.

Para formular a pergunta de partida existem algumas regras. Assim, a pergunta de partida…

a) … deve ser formulada como uma pergunta;


b) … deve ser clara;
c) … deve ser precisa;
d) … deve ser delimitada (exequível);
e) … deve ser unívoca e concisa;
f) … não deve conter juízos de valor (pertinência);
g) … deve poder ser observada e experimentada;

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h) … não deve referir-se a casos únicos, isolados;
i) … deve evitar abordar questões já resolvidas.

 Uma boa forma de actuar para formular a pergunta de partida é “enunciar o


projecto de investigação na forma de uma pergunta de partida, através da qual, o
investigador tenta exprimir o mais exactamente possível o que procura saber,
elucidar e compreender melhor” (Quivy e Campenhouldt: 32).

 A clareza e precisão da pergunta de partida revela-se na sua precisão, que deve ser
tal que o sentido da mesma não deva ser confuso. “Uma pergunta precisa não é (…)
o contrário de uma pergunta ampla ou muito aberta, mas sim de uma pergunta vaga
ou imprecisa”; “para poder ser tratada, uma pergunta de partida terá de ser unívoca
e tão concisa quanto possível.” (36).

 A exequibilidade da pergunta de partida reflecte-se no facto de “Ao formular uma


pergunta de partida, um investigador deve[r] assegurar-se de que os seus
conhecimentos, mas também os seus recursos em tempo, dinheiro e meios
logísticos, lhe permitirão obter elementos de resposta válidos.” (37).

 A pertinência da pergunta de partida significa que a mesma não contém


imprecisões ou confusões entre a análise e o juízo de valor.

 A pergunta de partida deve poder ser observada e experimentada. Uma boa


pergunta de partida visará um melhor conhecimento acerca dos fenómenos
estudados e não se baseia exclusivamente na descrição desses mesmos fenómenos.

 A pergunta de partida deve considerar os casos de estudo enquanto casos


relacionados com outros casos e enquanto objecto de estudo presente não apenas no
local onde se desenrola o procedimento científico. A pergunta de partida é,
simultaneamente específica, enquanto estudo de caso, e geral, enquanto contributo
para o debate sobre o problema estudado num âmbito academicamente mais
alargado.

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 Finalmente, a pergunta de partida deve ter em conta que deve encerrar uma
preocupação científica ainda por resolver, deve, portanto, ser original.

A pergunta de partida deve ser trabalhada sempre que o investigador o achar necessário e
pode mesmo ser reformulada sucessivamente, de modo a adaptar-se ao máximo ao caso que
se pretende estudar e ao problema que rege o procedimento científico. No fundo, “estas boas
perguntas de partida são, portanto, aquelas através das quais o investigador tenta destacar os
processos sociais, económicos, políticos ou culturais que permitem compreender melhor os
fenómenos e os acontecimentos observáveis e interpretá-los mais acertadamente. Estas
perguntas requerem respostas em termos de estratégias, de modos de funcionamento, de
relações e de conflitos sociais, de relações de poder, de invenção, exemplos clássicos de
pontos de vista, entre muitos outros pertinentes para a análise em ciências sociais.” (43-44).

2.3. A exploração

A fase exploratória tem como principal função contribuir para que o investigador tome
conhecimento da realidade de estudo e das implicações teóricas que esse mesmo estudo terá.
Nesta fase, o investigador fará as leituras sobre o tema em estudo, evitando dispersar-se e
exagerar nas referências analisadas. Nesta fase da exploração, quer-se que o investigador
seleccione as referências, leia essas referências, resuma as leituras e compare informações
sobre o mesmo aspecto dadas por vários autores.

Simultaneamente à leitura, o investigador fará entrevistas exploratórias, utilizando sobretudo


o questionário semi-directivo, de forma a prevenir-se caso haja informações previamente não
consideradas e que sejam fornecidas pelos inquiridos. Nesta fase da exploração, o
investigador deve preparar-se para a investigação, encontrar o fio condutor da investigação,
escutar com atenção as informações veiculadas pelos informantes e descodificar os
discursos que lhe foram fornecidos, fazendo um primeiro tratamento de dados.

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Após terem sido feitas as leituras exploratórias, que terão como critério essencial procurar um
enquadramento teórico sobre o problema que se estuda, recorrendo-se, para isso, à chamada
tradição teórica (ou aquilo que há escrito sobre o assunto), o investigador, ainda num plano
inicial da investigação, recorre a entrevistas exploratórias sobretudo através de um
instrumento de diagnóstico do problema no campo: o inquérito extensivo, caracterizado pela
sua natureza preparatória e pela superficialidade.

Esteja-se em que momento se estiver na investigação, o problema da subjectividade do


investigador está sempre presente. Assim, logo à partida, o investigador procurará orientar a
sua análise para um campo problemático que esteja dentro da sua formação ou especialização,
negligenciando outros elementos presentes e que poderiam revelar-se como fundamentais
para a compreensão do problema. Esta escolha do tema é sempre subjectiva.

Além da subjectividade que se encontra na escolha do problema, dá-se o caso de o


investigador ir para o campo com ideias pré-concebidas e/ou juízos de valor sobre aquilo que
vai estudar, facto que exige um trabalho prévio de destrinça entre o objecto e o sujeito da
investigação. Quando o investigador não possui uma ideia clara sobre o que vai estudar, o
normal é cair num “vício” comum: a serendipity, isto é, a adaptação, por parte do
investigador, ao campo, podendo mesmo alterar a ideia inicial da sua investigação de forma
radical.

Estes problemas podem agudizar-se através da observação participante, que é o método


fundamental da antropologia mas que acarreta consigo alguns riscos bastante difíceis de
evitar, tais como: a alteração da realidade social através da sua presença estranha, o uso de
termos científicos e/ou palavras de origem académica ou intelectual para explicar e/ou
traduzir as palavras dos nativos, a ilusão do conhecimento porque se está fisicamente dentro
da realidade, etc. Todos estes perigos podem ser evitados se o investigador tiver o cuidado de
fazer um exame de consciência antes de entrar no campo de forma a expulsar todos os
pressupostos de que parte na investigação e que tenham tido origem em ideias mais ou menos
próprias ou antecipadamente adquiridas. Por outro lado, a participação do investigador na
realidade que estuda deve pautar-se pela discrição e pela escolha de uma posição que se situe
a meio caminho entre a ausência de actividade e o exagero de actividade.

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Os problemas de subjectividade que acabámos de enunciar são sobretudo minimizados por via
do trabalho de campo. Este, devido a ser um trabalho intensivo, tem que ser feito num período
alargado de tempo (geralmente um ano de permanência no campo), o que ajuda a devastar
qualquer impureza que tenha surgido por força de análises feitas com a cabeça quente e
impede que se entendam todos os depoimentos como verdadeiros, pois que o tempo
encarregar-se-á de confirmar ou infirmar as informações dadas pelas populações.

2.3.1. As leituras exploratórias

Para fazer investigação social não basta estudar os métodos e as técnicas. Como Quivy e
Campenhoudt avisam, os investigadores “(…) terão também de explorar as teorias, de ler e
reler as investigações exemplares (…) e de adquirir o hábito de reflectir antes de se
precipitarem sobre o terreno ou sobre os dados, ainda que seja com as técnicas de análise mais
sofisticas.” (id.: 50). Na fase exploratória, as operações de leitura visam a qualidade da
problematização e, as entrevistas ajudam a ter um contacto com a realidade vivida pelos
actores sociais.

É através da leitura que se alcança o alargamento de horizontes da formação teórica do


investigador, de acordo com a sua visão das coisas. Ela permite colocar boas perguntas,
adivinhar o que os outros não vêem e produzir ideias que o investigador nunca teria se
se contentasse com os poucos conhecimentos teóricos adquiridos no passado.

Além disso, qualquer assunto que se pretende investigar já foi abordado por outros
investigadores, pelo que todo o trabalho de investigação se inscreve num continuum e pode
ser situado em relação a correntes de pensamento que o precedem e influenciam. É
fundamental para o investigador tomar conhecimento de trabalhos anteriores que se
preocupam com objectos temáticos comparáveis; estes trabalhos podem mostrar o que está
próximo ou o que distingue o seu objecto dessas correntes de pensamento.

As leituras permitem também situar o nosso trabalho face a quadros conceptuais


reconhecidos, a fim de podermos conferir uma validade externa ao mesmo.

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Antes de escolher as leituras é importante insistir desde início na exigência de situar
claramente o trabalho em relação a quadros conceptuais reconhecidos.

2.3.1.1. A escolha e a organização das leituras

As leituras não são escolhidas nem feitas aleatoriamente. Esta fase da investigação é
fundamental para o investigador, pois é a sua primeira incursão no campo semântico do
problema que escolheu. Além disso, ele irá encontrar questões já debatidas e que não
implicam o retratamento.

a) Os critérios de escolha

 1º Princípio – ligações com a pergunta de partida: começar pela pergunta de partida.

 2º Princípio – dimensão razoável do programa de leitura: evitar sobrecarregar o


programa, seleccionar as leituras, orientar mais para as obras que apresentam uma
reflexão de síntese sobre o problema ou para artigos.

 3º Princípio – elementos de análise e de interpretação: escolher artigos não apenas


descritivos, mas analíticos e interpretativos.

 4º Princípio – abordagens diversificadas: escolher textos que tenham abordagens


diversificadas do fenómeno estudado.

 5º Princípio – reflexões: oferecer-se, a intervalos regulares, períodos de tempo


consagrados à reflexão pessoal e às trocas de pontos de vista com colegas ou pessoas
experientes. Um espírito atulhado nunca é criativo.

b) Onde encontrar os textos

 Pedir conselhos a especialistas;

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 Não negligenciar documentos;
 Reconhecer a importância das revistas especializadas;
 Procurar repertórios especializados;
 Considerar a bibliografia presente no final dos livros;
 Ler índices e sumários;
 Informar-se sobre os métodos de consulta nas bibliotecas e arquivos.

2.3.1.2. Estratégias de leitura

Existem algumas técnicas de leitura que facilitam a organização e compreensão da


informação. Atentemos nos seguintes conselhos:

a) A grelha de leitura

A grelha de leitura corrobora o princípio segundo o qual, quando temos em vista uma
investigação, nunca devemos ler nenhum documento ou nenhuma obra sem tirar
apontamentos. Fazer uma grelha de leitura não é mais do que ler de forma sistemática e
objectiva, onde imperem o rigor e a precisão. Através da grelha de leitura é possível ler
em profundidade e de forma ordenada. Quivy e Campenhoult propõem um método de
leitura que se divide em cinco fases de concretização:

1. Dividir uma folha de papel em duas colunas: dois terços à esquerda, um terço à direita.
Intitular a coluna da esquerda “Ideias-conteúdo” e a da direita “Tópicos para a estrutura do
texto”:

Tabela 2 – Exemplo de grelha de leitura


Ideias-conteúdo Tópicos para a estrutura do
texto

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2. Ler o texto secção por secção (uma secção é um parágrafo ou um conjunto de frases que
constituem um todo coerente).

3. Após a leitura de cada secção, escrever na coluna da esquerda a ideia principal do texto
original (dar a cada ideia um número que corresponde à secção respectiva).

4. Reler a coluna da esquerda de modo a apreender as suas articulações e a discernir a


estrutura global do pensamento do autor: as suas ideias mestras, as etapas do raciocínio e a
complementaridade entre as partes.

5. São essas articulações que devem aparecer na coluna da direita, em frente das ideias
reunidas na esquerda. Aqui, o importante não é usar as ideias do autor, mas que se tenha
apreendido as ideias importantes e a sua estrutura.

Carlos Azevedo propõe o método de Juan Lasterra (“Estrategias para estudiar”. Madrid:
Editorial Alhambra, 1989, pp. 35-83) que divide, igualmente, a leitura em cinco fases:

1. A Leitura global ou pré-leitura – faz-se com rapidez (leitura diagonal) com o


objectivo de se captar o essencial do conteúdo. No final devemos ser capazes de
responder à questão: de que trata o texto?;

2. Leitura selectiva – Procura num documento de um assunto muito concreto (leitura de


pesquisa). Não se faz uma leitura global do texto mas apenas das partes que nos
interessam. Exige que, previamente, tenhamos definido o que queremos perguntar e
saber;

3. Leitura compreensiva – Permite-nos entender completamente o conteúdo do


documento. É Uma leitura lenta, profunda. A captação do conteúdo poderá ser ajudada
com sublinhados, esquemas, resumos, fichas de leitura, etc.;

4. Leitura crítica – Pretende-se submeter o texto a uma análise profunda para testar a
validade das afirmações nele contidas. Exige um trabalho lento e profundo, com pausas

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e reflexões. A leitura crítica é um poderoso instrumento para desenvolver as
capacidades intelectuais de cada um e para uma iniciação aos procedimentos básicos da
investigação científica;

5. Leitura reflexiva – Este tipo de leitura desperta em nós novas ideias, novos projectos.
É um momento de meditação e produção de reflexões pessoais.

b) O resumo

A elaboração do resumo consiste em destacar as principais ideias e articulações, de modo a


fazer surgir a unidade de pensamento do autor. O método de realização de um resumo deveria
percorrer a mesma sequência lógica do método de leitura. Como Quivy e Campenhoudt
referem, “Graças ao resumo, poderá comparar muito mais facilmente dois textos diferentes e
salientar as suas convergências e as suas divergências.” (id.: 66).

O resumo parte da grelha de leitura (da coluna da esquerda) e procura estruturar as ideias
fundamentais do texto, atingindo-se a unidade do pensamento do autor e a coerência do seu
raciocínio. Resumir é reconstruir essa unidade, acentuando as ideias mais importantes e
mostrando as principais ligações que o autor estabelece entre elas. Para este passo importa
recorrer-se à coluna direita da grelha de leitura. Com base nesse recurso, podemos distinguir
imediatamente as secções do texto onde se encontram as ideias centrais e as secundárias, os
dados ilustrativos e os desenvolvimentos da argumentação.

O resumo deve ser redigido de forma clara, a fim de que, quem não tenha lido o texto, possa
ficar com uma boa ideia global do mesmo. Este esforço de clareza é importante. Trata-se de
um exercício e um teste de compreensão, já que se os outros não compreendem, é porque
ainda não está muito claro.

2.3.2. As entrevistas exploratórias

Juntamente com as leituras exploratórias, as entrevistas exploratórias constituem uma parte


essencial da problemática. A fórmula é simples: Leitura + Entrevistas = Problemática.

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Quivy e Campenhoudt referem que “As leituras ajudam a fazer o balanço dos
conhecimentos relativos ao problema de partida; as entrevistas contribuem para
descobrir os aspectos a ter em conta e alargam ou rectificam o campo de investigação
das leituras (…) As leituras dão um enquadramento às entrevistas exploratórias e estas
esclarecem-nos quanto à pertinência desse enquadramento. A entrevista exploratória
visa economizar perdas inúteis de energia e de tempo na leitura, na construção de
hipóteses e na observação.” (id.: 69). A função da entrevista é revelar determinados
aspectos do fenómeno estudado em que o investigador não teria espontaneamente
pensado por si mesmo e, assim, completar as pistas de trabalho sugeridas pelas suas
leituras.

A entrevista exploratória deve ser aberta (não-directiva) e flexível, com perguntas pouco
numerosas e precisas. Através da entrevista encontram-se pistas de reflexão, ideias e
hipóteses de trabalho, serve, portanto, para abrir o espírito, para ouvir.

A entrevista exploratória pode ser realizada a:

a) Docentes, investigadores especializados e peritos no domínio da investigação implicado na


pergunta de partida;
b) Testemunhas privilegiadas;
c) Público ao qual o estudo diz respeito.

2.3.2.1. A não-directividade

As entrevistas exploratórias devem permitir ao entrevistado orientar as suas respostas de


acordo com o seu conhecimento e informação disponível. Para se fazer uma boa entrevista
exploratória deve-se ter em optar pela não-directividade. Para que este aspecto seja
facilitado, Quivy e Campenhoudt apontam cinco dicas:

1. O entrevistador deve esforçar-se por fazer o menor número possível de perguntas;

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2. O entrevistador deve esforçar-se por formular as suas intervenções da forma mais aberta
possível, não impondo categorias mentais ao entrevistado;

3. O entrevistador deve abster-se de se implicar no conteúdo da entrevista;

4. É preciso fazer com que a entrevista se desenrole num ambiente e num contexto
adequados;

5. É indispensável gravar a entrevista. Deve-se evitar tomar notas.

Para bem encaminhar estas entrevistas, o investigador deve fixar com antecedência os termos
sobre os quais deseja que o seu interlocutor exprima, o mais livremente possível, a riqueza da
sua experiência ou o fundo do seu pensamento e dos seus sentimentos.

Após a realização das entrevistas convém ouvir repetidamente as gravações, umas após
outras, anotar as pistas e as ideias, pôr em evidência as contradições internas e as divergências
de pontos de vista e reflectir sobre o que podem revelar.

Além da análise do discurso enquanto informação, o entrevistador deverá fazer a análise do


discurso enquanto processo, onde ele poderá estudar o conjunto de esforços tidos pelo
entrevistado e tentar revelar as suas doutrinas, atitudes, paixões e representações (análise de
conteúdo).

2.3.3. Os métodos exploratório complementares

Além das leituras e das entrevistas exploratórias, esta fase exploratória da investigação pode
incluir um conjunto de métodos complementares de aquisição de informações. Um dos
métodos mais utilizados é a observação participante, que pode fornecer informações
preciosas dobre o problema, a tal ponto que, após a sua aplicação, poderá ser necessário
reformular a pergunta de partida.

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2.4. A elaboração da problemática

A Problemática é, segundo Quivy e Campenhoudt, “(…) a abordagem ou a perspectiva


teórica que decidimos adoptar para tratarmos o problema formulado pela pergunta de partida.
É uma maneira de interrogar os fenómenos estudados. Constitui uma etapa-charneira da
investigação, entre a ruptura e a construção.” (89)

A Problemática elabora-se em dois momentos: o balanço da fase exploratória e a


problematização propriamente dita.

2.4.1. Balanço da fase exploratória

Começa por se fazer o balanço das diversas abordagens do problema e de elucidar as suas
características de base essenciais (estas informações são retiradas das leituras que se fizeram
em obras que reflectem sobre o mesmo problema que estamos a tratar).

A partir desta elucidação, é possível escolher e definir melhor o nosso próprio ponto de vista,
já com conhecimento de causa, e situá-lo no campo teórico da disciplina ou ciência de que
depende esse mesmo ponto de vista.

A elucidação deve situar ou localizar os limites da nossa abordagem e dispor os pontos de


referência.

Jaen-Marie Berthelot (“L’intelligence du social”. Paris : PUF, 1990), apresenta uma tipologia
dos esquemas de inteligibilidade da realidade social, a partir dos quais se escolhem os
modelos de abordagem dos problemas sociais :

a) esquema causal – um fenómeno é concebido como função de outro fenómeno que lhe
é logicamente anterior;
b) esquema funcional – as exigências de funcionamento do sistema social exigem que o
fenómeno estudado cumpra uma ou mais funções úteis a esse sistema;

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c) esquema estrutural – um sistema está sob a dependência de outro sistema que é mais
fundamental;
d) esquema hermenêutico – um fenómeno ou um comportamento é a expressão de um
sentido que é necessário elucidar;
e) esquema actancial – o fenómeno estudado é o resultado do comportamento dos
actores implicados; (e)
f) esquema dialéctico – a realidade é atravessada por contradições que requerem a sua
superação para que ela esteja sempre em devir.

De acordo com Quivy e Campenhoudt, “Cada um destes esquemas constitui, com efeito, um
modo de explicação no sentido amplo do termo, quer dizer, uma maneira de estabelecer uma
relação entre um fenómeno social e outra coisa: um ou mais fenómenos, um sistema do qual
ele depende, um contexto, uma tendência, um sentido que ele oculta, estratégias ou um
sistema de acção, um jogo dialéctico no qual é apanhado…, resumindo, uma maneira de “o
fazer sair do seu imediatismo e do isolamento que implica” (…) É este relacionamento que
torna o fenómeno inteligível.” (98)

Assim, elaborar uma problemática equivale a definir, conjuntamente, três elementos:

1 – O que pretendemos explicar;


2 – Aquilo com o qual o relacionaremos;
3 – O tipo de relação que perspectivamos entre os dois primeiros elementos.

2.4.2. Escolha e construção da problemática

Para escolhermos uma problemática, devemos escolher uma orientação teórica, uma relação
com o objecto de estudo, o que implica a inscrição num esquema de inteligibilidade (…). Esta
decisão não pode ser tomada em abstracto; deve relacionar-se com a pergunta de partida e o
seu objecto. Este objecto de análise é histórica e socialmente situado. A problematização
consistirá então em formular o projecto de investigação, articulando duas dimensões que se
constituem mutuamente nele: uma perspectiva teórica e um objecto de investigação concreto,
ou ainda, indissociavelmente, um olhar e o objecto desse olhar.

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Conceber uma problemática é igualmente explicitar o quadro conceptual da nossa
investigação, quer dizer, descrever o quadro teórico em que se inscreve a metodologia pessoal
do investigador, precisar os conceitos fundamentais e as relações que eles têm entre si,
construir um esquema conceptual adaptado ao objecto de investigação.

Existem duas maneiras de construir esse esquema conceptual:

1 – conservar o quadro teórico existente, adaptado ao problema estudado e cujos


conceitos e ideias principais tenham sido bem apreendidos;
2 – tomar como ponto de referência várias abordagens teóricas diferentes (para
investigadores experientes).

Explicitar a problemática é também a ocasião de reformular a pergunta de partida.

_ A problemática só chega ao fim com a construção do modelo de análise (4ª etapa);


_ A construção distingue-se da problemática pelo seu carácter operacional;
_ A construção deve servir de guia à observação.

Resumindo…

a) O que é problemática?

É a abordagem ou perspectiva teórica que se decide adoptar para tratar o problema colocado
pela pergunta de partida e que responde à questão: “como vou abordar este fenómeno?”

b) Como se concebe a problemática?

Fazendo-se o balanço das problemáticas possíveis levantadas na fase exploratória e


escolhendo e explicitando o próprio problema. Finalmente, reformula-se, caso seja necessário,
a pergunta de partida.

22
2.5. Da problemática ao modelo de análise

Na última fase da construção da problemática devemos ter em conta alguns procedimentos


que podem acrescentar a essa mesma construção um 3º momento de elaboração.

Este momento é o da explicitação da problemática. Mais do que elucidar os possíveis


leitores sobre os caminhos que nós adoptámos, este momento serve para nós nos situarmos
definitivamente no seio do problema e para desfazermos qualquer ambiguidade que ainda
reste sobre a sua natureza e forma.

Antes de se avançar para a construção do modelo de análise, e por uma questão de


organização das nossas ideias e de escolha das linhas orientadoras do estudo, devemos
explicitar a problemática. Esta explicitação deve ter sempre como referência a pergunta de
partida, que poderá ser reformulada. Em termos esquemáticos, percorremos uma espécie de
alternância entre momentos de avanço e de recuo dentro do momento da ruptura
epistemológica. Para adoptar o conceito de Quivy e Campenhoudt, o procedimento deve
processar-se em espiral, como o diagrama deixa pressupor:

PERGUNTA DE PARTIDA

EXPLORAÇÃO

PROBLEMÁTICA

Este vai-vem permite-nos aperfeiçoar o modelo de análise de forma a que este reflicta
equilibradamente a relação entre os enunciados explicativos e os enunciados empíricos,
respeitando-se a fórmula de Karl Popper:

23
T p = e

Em que:

T – Sistema conceptual organizado

p - Conjunto de enunciados explicativos (hipóteses e modelos de análise)

e - Classe de enunciados empíricos (verificações observadas e as relações empíricas cuja chave é


fornecida pelos enunciados explicativos)

Segundo Popper, a problemática é um sistema conceptual organizado que apenas difere do


modelo de análise pela sua natureza construtivista, isto é, pelo seu carácter organizador do
raciocínio. O que importa reter da sua fórmula é sobretudo a adequação que terá que existir
entre a construção teórica dos pressupostos de análise (noções, perspectivas variadas,
hipóteses) e a realidade (empiricamente apreendida).

Em última análise, portanto, a problemática consiste em:

1 – elaborar uma nova forma de ver o problema;


2 – propor uma resposta original à pergunta de partida.

O primeiro ponto considera as diferentes abordagens que já se fizeram sobre o problema que
queremos estudar (adquiridas através das leituras exploratórias), enquanto o segundo deriva
já de uma abordagem nossa sobre esse mesmo problema. Qualquer objecto de estudo é
passível de ser entendido e estudado segundo várias perspectivas. Não é função do nosso
trabalho estabelecer uma concordância entre essas perspectivas, mas sim criticá-las e procurar
os pontos em que elas são cientificamente débeis, pontos, esses, que serão a nossa plataforma
de apoio para encetarmos uma abordagem diferente, original.

24
No conjunto dos dois pontos, este 3º momento serve para precisarmos o modo pessoal que
utilizamos para pôr o problema em estudo. Para estabelecermos o modo como vemos o
problema, é necessário, por vezes, recorrer a leituras complementares, de maneira a que os
conceitos-chave que vamos utilizar se tornem claros. De um modo simplista, explicitar a
problemática é descrever o quadro teórico ou conceptual em que o investigador se filia,
sendo, para isso, necessário, que ele:

i. precise os conceitos fundamentais e as articulações que eles têm entre si (e)


ii. desenhe a estrutura conceptual em que se vão fundar a proposições que se
elaboraram para responder à pergunta de partida.

Este trabalho é muito importante, pois que é aqui que se esboça o plano sobre o qual vai
assentar a construção do modelo de análise e que se desenham as grandes linhas da
construção, nomeadamente a hipótese principal.

Assim, a problemática reflecte o quadro teórico pessoal a partir do qual se precisa a pergunta
de partida e se compõe os vectores da respectiva resposta. A problemática é a esfera teórica
que, na investigação, precede e justifica o modelo de análise e as hipóteses que serão testadas.
A sua decomposição em momentos diferenciados deve-se à procura da clareza necessária. Ela
só está concluída com a construção do modelo de análise. A construção do modelo de análise
(fase de construção) articula a fase da ruptura epistemológica com a fase da verificação.

3 - FASE DE CONSTRUÇÃO: A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE

Qual a função do Modelo de Análise? O objectivo da construção do modelo de análise é fazer


com que as nossas ideias assumam uma forma conceptual que as torne exequíveis, i.e., que
elas se mostrem capazes de fundamentar o trabalho de recolha e análise dos dados
provenientes da observação. Trata-se de traduzir ideias teóricas, ou conceitos, em noções
operacionais no âmbito da observação no terreno.

25
A construção do modelo de análise pressupõe que o assunto que vamos estudar esteja já
problematizado e que a pergunta de partida esteja já definida com rigor e de forma definitiva.

A partir da problematização, estamos então em condições de passar para o papel, de forma


sistematizada, as relações existentes entre os conceitos-chave que vamos utilizar e o
enquadramento teórico que essas relações devem ter em referência com a pergunta de partida.
A elaboração desse trabalho de reflexão prévia facilitará a visão das implicações que a nossa
abordagem terá no conjunto das discussões (ou problemáticas) possíveis sobre o assunto e
mostrará em que medida a nossa problemática é diferente das que estão presentes na tradição
teórica que utilizámos aquando da fase exploratória (leituras, especialmente). A vantagem de
encararmos com rigor as possibilidades que a nossa problemática tem no todo da discussão
sobre o problema em estudo revela-se nos passos seguintes, nomeadamente, na fase da
construção do modelo de análise. Este é tanto mais objectivo e frutífero quanto mais rigorosa
tiver sido a problematização do assunto em estudo.

O modelo de análise constrói-se partindo-se, como vimos, dos conceitos adoptados como
fundamentais para discorrer sobre o problema que estudamos e, partindo das relações que eles
têm entre si, passamos para o momento da elaboração das hipóteses (que são as respostas
hipotéticas à pergunta de partida).

Assim, um dado que o investigador deve ter em consciência é que o modelo de análise não se
distingue, em natureza, da problemática. O que faz com que tenhamos de dar atenção especial
a cada uma das fases referidas de forma específica é o facto de que o modelo de análise é o
prolongamento operativo da reflexão problematizante. A título de exemplo, é como se a
problemática constituísse a caixa de velocidades de um carro e o modelo de análise a
embraiagem; uma sem a outra não têm razão de ser e só em conjunto é que elas transformam
em movimento a energia libertada pelo motor.

26
3.1.Os dois momentos fundamentais da construção do modelo de análise

De um modo sintético, para construirmos o modelo de análise, devemos fazer um trabalho


dividido em dois momentos principais: a conceptualização (construção dos conceitos) e a
elaboração de hipóteses (proposições que exprimem a intuição do investigador sobre o
fenómeno). No primeiro momento reflecte-se sobre a validade dos conceitos que escolhemos
a partir das tais problemáticas possíveis que encontrámos aquando da fase exploratória (esta é
uma dimensão fundamental da construção do modelo de análise); no segundo, apresentam-se
as hipóteses, na forma de proposições de resposta às perguntas postas pelo investigador. O
que distingue um momento de outro é o facto de este último (a embraiagem), ser já uma
potência para a prática da investigação, fazendo a articulação entre o gabinete e o terreno, pois
que as hipóteses (ou proposições) estarão sujeitas a avaliação, avaliação esta que se faz por
intermédio da sua medição através de indicadores (elementos objectivos que representam a
forma pela qual o problema se manifesta na realidade). O modelo de análise deriva de um
trabalho teórico de articulação entre os conceitos e as hipóteses, constituindo-se, desse modo,
como um quadro de análise coerente e unificado.

3.1.1. A conceptualização (construção dos conceitos-chave)

A conceptualização é uma construção abstracta que pretende traduzir a realidade em palavras


cientificamente validadas. Esta construção deve ser selectiva, depurando as ideias que o
investigador tem, de forma a reflectir unicamente o sentido do que é essencial abordar no
problema que ele pretende estudar. O conceito é constituído por dimensões variáveis,
adquiridas através dos indicadores. Estes, sendo as partes manifestas (ou visíveis) dos
conceitos, permitem-nos identificar os limites de aplicação e de sentido destes. Por exemplo, a
doença da anemia pode ser diagnosticada através de sintomas visíveis (indicadores da
doença). Assim, o conceito “anemia” pode ser determinado do seguinte modo:

27
Falta de ferro

Palidez Anemia Cansaço

Hipotensão

As variáveis são características apreensíveis que se atingem através do discernimento,


quer mental quer perceptivo, em determinado objecto de estudo e que podem ser
categorizadas em várias classes.

Pode dizer-se, por exemplo, que o cancro do pulmão está relacionado com o hábito de fumar.
Isto quer dizer que as variáveis cancro do pulmão e hábito de fumar têm algo em comum.

O termo variável provém da matemática e supõe uma lógica quantitativa. Por esta razão,
podemos entender que uma variável é a constatação da existência de uma lógica de correlação
e de ordenamento dos aspectos de um fenómeno que constitua um objecto de estudo e ajudam
a vê-lo de um modo sistematizado.

Exemplos:

O género é uma variável, pois contém duas categorias: masculino e feminino;


A idade varia ao longo de uma escala bastante abrangente e manifesta-se de acordo com
valores numéricos;
O estado civil varia entre solteiro, casado, divorciado e viúvo;
O nível escolar varia entre analfabeto, portador do grau do ensino primário, etc;

28
Como vemos, os fenómenos sociais não são absolutos, eles não se justificam por si só, mas
sim de acordo com múltiplos factores. Podemos relacionar, por exemplo, o género, idade, o
estado civil e o nível de escolaridade numa única proposição. Este tipo de proposições,
quando tomado com objectivos científicos pode constituir uma hipótese complexa.

Assim, podemos considerar que, para determinado estudo, os indivíduos do sexo


feminino, com mais de 50 anos de idade, com um grau de escolaridade baixo e casadas
podem ter maiores probabilidades de contrair o cancro do útero. Esta proposição, tomada
em termos científicos exige que se ponha à prova a sua validade, id est, que seja passível de
ser confirmada (ou infirmada) cientificamente.

As variáveis podem ainda ser classificadas mediante diversos critérios. Devido a esta
contingência elas podem ser:

a) Quantitativas – susceptíveis de serem medidas numericamente (ex.: número de


indivíduos com Sida; quantidade de centros de saúde em determinada região;
quantidade de especialidades médicas existentes em determinado hospital,...)

b) Qualitativas – não susceptíveis de medição numérica (ex.: sexo; origem étnica,...)

c) Contínuas – variáveis cujos valores podem ser fraccionados dentro de um


determinado intervalo (ex.: intervalo etário do 15 aos 29 anos = 15, 16, 17,..., 29;
intervalos de peso; intervalos de estatura; etc.)

d) Independentes – (designadas por variáveis X) – são as bases dos factores, i.e., os


elementos que explicam as variáveis dependentes.

e) Dependentes – (designadas por variáveis Y) – são explicadas em função das


variáveis independentes. (ex.: o cancro do pulmão (Y) é mais frequente nas pessoas
que têm o hábito de fumar (X), dito de outro modo, esta proposição significa que o
hábito de fumar aumenta a probabilidade de se contrair o cancro do pulmão).

29
f) Ordenáveis – são variáveis susceptíveis de valorização (qualitativas) de acordo com
uma escala (ex.: classe social, nível de conforto, etc.)

g) Não ordenáveis – são variáveis que só podem ser classificadas em categorias sem
qualquer diferenciação qualitativa (ex.: sexo, idade, estado civil, etc.)

A operacionalização das variáveis consiste em confrontá-las com os factos empiricamente


verificados com o objectivo de obterem respostas que sejam consideradas importantes e que
venham a emprestar significado a todo o procedimento científico. Por outras palavras, as
variáveis, que são também conceitos (e que por isso são sujeitas ao trabalho de
conceptualização), devem obter uma correspondência no terreno que possibilite a sua
maneabilidade ou mensuração. Este princípio relaciona-se com aquele que dizia que todas as
hipóteses científicas devem ser passíveis de serem refutadas empiricamente.

Assim, para que uma variável seja operacionalizada, ela deve ser sujeita a um trabalho
reflexivo que percorra duas fases:

1. Definição teórica e enumeração das suas dimensões;

2. Definição empírica, fazendo-se referência aos seus indicadores ou elementos que


indicam o seu valor de forma prática.

A selecção dos indicadores pode ser de difícil decisão. Muitas das vezes, uma variável tem
vários indicadores e torna-se difícil escolher qual é o que melhor apresenta a variável no
terreno. Para que esta escolha seja bem feita deve-se ter em conta o valor que o próprio campo
atribui a cada um dos indicadores considerados e optar-se por aquele que melhor corresponda
à valorização atribuída pelo campo (psicometria).

Pode também acontecer que os indicadores que são entendidos (tanto por nós como pelo
campo) como os mais apropriados para se estudar determinado problema não sejam passíveis
de mensuração, o que exige que se considerem como instrumentos de análise outros
indicadores, menos apropriados, mas passíveis de serem mensurados.

30
Segundo Quivy e Campenhoudt (op. cit.: 122) existem duas maneiras de se construir um
conceito. Cada uma delas corresponde a um nível diferente de conceptualização. Uma é
indutiva e produz conceitos operatórios isolados; a outra é dedutiva e cria conceitos
sistemáticos. Esta distinção foi feita inicialmente por Bourdieu, Chamboredon e Passeron,
(op. cit.).

3.1.1.1.O conceito operatório isolado (ou simples)

O conceito operatório isolado é, segundo os autores citados, “(...) construído empiricamente, a


partir de observações directas ou de informações reunidas por outros.” (citado em Quivy e
Campenhoudt, id.: 123) podemos encontrar aqui uma conceptualização do conceito de
“religião” elaborada por Glock:

DIMENSÕES INDICADORES
APARIÇÃO
EXPERIENCIAL COMUNICAÇÃO
INTERVENÇÃO
CRENÇA EM DEUS
IDEOLÓGICA CRENÇA NO DIABO
CRENÇA NO INFERNO
CRENÇA NA TRINDADE
ORAÇÃO
RITUALISTA MISSA
SACRAMENTOS
PEREGRINAÇÃO
PERDOAR
CONSEQUENCIAL SER HONESTO COM O FISCO
ETC.

Cada uma das dimensões deve ser entendida como uma variável, pois que varia na sua forma
de indicação.

31
3.1.1.2.O conceito sistémico

A grande diferença entre o conceito operatório isolado e o conceito sistémico é que aquele é
caracterizado pelo rigor analítico e indutivo, enquanto este é caracterizado pelo rigor
sintético e dedutivo.

Como a designação deixa adivinhar, o conceito sistémico assenta a lógica das relações
entre os elementos de um sistema. Como Quivy e Campenhoudt referem, “O conceito
sistémico não é induzido pela experiência; é construído por raciocínio abstracto – dedução,
analogia, oposição, implicação, etc. – ainda que se inspire forçosamente no comportamento
dos objectos reais e nos conhecimentos anteriormente adquiridos acerca dos objectos. Na
maior parte dos casos, este trabalho abstracto articula-se com um outro quadro de pensamento
mais geral, a que chamamos paradigma.” (ibid.: 125)

Os autores dão o exemplo do conceito de “actor social”, que se enquadra no paradigma da


sociologia da acção. Segundo este paradigma, “actor social” é um conceito bidimensional,
cujas dimensões são, por um lado, a capacidade de cooperação dos indivíduos em projectos
de abrangência social e, por outro, a vicissitude de gerir a sua produção de acções num
contexto de iminente conflito de relações.

a) A dimensão cooperação: componentes e indicadores

A dimensão “cooperação” do conceito “actor social” considera o facto de qualquer relação


social implicar um troca caracterizada por uma certa duração, mas também por uma
desigualdade entre as partes, existindo uma troca social durável entre o indivíduos, que
assenta em regras formais e informais que constrangem a liberdade dos indivíduos.

Os componentes da “cooperação” podem ser:

1 – os recursos (sugerem indicadores vários);


2 – a pertinência dos recursos (utilidade / valor do recurso);

32
3 – o reconhecimento do valor de troca;
4 – a integração nas normas ou o respeito pelas regras do jogo;
5 – o grau de implicação ou de investimento na acção colectiva.

Por sua vez, a dimensão conflito deve ser concebida como o processo pelo qual cada actor
tenta melhorar a sua posição e o seu domínio sobre o que está em jogo, ao mesmo tempo que
assegura a cooperação necessária. Segundo Crozier e Friedberg, as regras formais, que o actor
social tenta contornar, são a “codificação parcial, provisória e contingente das regras do
jogo”. Assim, de acordo com estes autores, a dimensão do conflito pode ter três componentes
principais:

1. Parcial: porque as regras não podem prever tudo e os actores sociais fazem
sempre questão de guardar uma margem de liberdade, evitando fechar-se num
sistema demasiado constrangedor;
2. Provisória: porque os trunfos, circunstâncias e situações podem mudar e
modificar a relação de força entre os parceiros;
3. Contingente: porque as regras estão estreitamente dependentes daquilo que as
precede, bem como das percepções e antecipações que cada uma das partes
elabora em relação à outra.

Segundo Quivy e Campenhoudt, “Quer se trate do conceito operatório isolado, quer do


conceito sistémico, a construção [do modelo de análise] implica necessariamente a elaboração
de dimensões, componentes e indicadores. (...) Alguns conceitos podem ter apenas uma
dimensão ou uma componente (ex.: velhice).”

O conceito operatório isolado é um conceito induzido. É duplamente vulnerável pelo facto


de ser construído empiricamente (a partir da percepção). Em contrapartida, o conceito
sistémico é um conceito deduzido. Começamos por raciocinar a partir de paradigmas
desenvolvidos pelos grandes autores e cuja eficácia já pôde ser testada empiricamente (ele
rompe, a priori com as pré-noções).

33
Em termos figurativos, as formas de ver a realidade oscilam entre os três processos de
conceptualização mais utilizados por nós quando olhamos para a realidade. Assim, de modo
representado:

PRÉ-NOÇÕES CONCEITO OPERATÓRIO ISOLADO CONCEITO SISTÉMICO

- CIENTÍFICO (SENSO COMUM) + CIENTÍFICO (LÓGICA)

Independentemente de se optar pelo método indutivo ou pelo dedutivo, a construção do


modelo de análise, e da consequente conceptualização, quer dos conceitos-chave quer das
hipóteses, pressupõe uma operação de selecção do real, pelo que, qualitativamente, não se
pode distinguir uma e outra opção de forma inequívoca.

3.1.2. A Elaboração das hipóteses

As hipóteses estão sempre presentes em qualquer trabalho de investigação científica.


Como referem Quivy e Campenhoudt, “(...) não há observação ou experimentação que não
assente em hipóteses. Quando não são explícitas, são implícitas ou, pior, inconscientes.” (id.:
135)

As hipóteses, são proposições que prevêem uma relação entre dois termos, que, segundo os
casos, podem ser conceitos ou fenómenos. Elas são provisórias, pressupostos que devem ser
verificados. Além disso, elas assumem duas formas maiores:

1ª forma – “A hipótese apresenta-se como a antecipação de uma relação entre um fenómeno


e um conceito capaz de o explicar”;

2ª forma – “A hipótese apresenta-se como a antecipação de uma relação entre dois conceitos
ou, o que é o mesmo, entre os dois tipos de fenómenos que designam.” (id.: 136)

34
As hipóteses estão intimamente relacionadas com o modelo de análise que se constrói e
que constitui a matriz de estudo do problema que escolhemos. Assim, construir “(...) uma
hipótese não consiste simplesmente em imaginar uma relação entre duas variáveis ou dois
termos isolados. Essa operação deve inscrever-se na lógica teórica da problemática. (...) Por
isso é difícil falar de hipóteses sem tratar ao mesmo temo do modelo implicado pela
problemática.” (ibid.: 138)

Além disso:

a) Problemática, modelo, conceitos e hipóteses são indissociáveis;

b) O modelo não é mais do que um sistema de hipóteses articuladas logicamente entre


si;

c) Ora, como a hipótese é a precisão de uma relação entre conceitos...

d) ... Então, o modelo de análise é também um conjunto de conceitos logicamente


articulados entre si por relações presumidas. Por conseguinte, o que se disse a
propósito da construção dos conceitos (conceptualização) é também aplicável às
hipóteses e aos modelos.

e) Sendo assim, a construção das hipóteses e dos modelos “(...) assenta, seja num
processo indutivo semelhante ao do conceito operatório isolado, seja num raciocínio
do tipo dedutivo análogo ao do conceito sistemático.” (id.: 138)

O processo de construção das hipóteses (indutiva ou dedutivamente) está, devido ao que se


disse anteriormente, relacionado com a construção do modelo de análise. Assim, os caminhos
(cf. métodos) utilizados no estudo podem distinguir-se em:

35
a) Método hipotético-indutivo, que produz conceitos operatórios, hipóteses empíricas
e resulta num modelo de teórico mimético.

b) Método hipotético-dedutivo, que constrói conceitos sistémicos, hipóteses deduzidas


e resulta num modelo teórico no verdadeiro sentido do termo.

Podemos resumir, esquematicamente, as implicações dos diferentes métodos de observação


da realidade da seguinte forma:

modos de abordagem do real conceitos hipótese modelo


hipotético e dedutivo sistémico teórica ou deduzida teórico
hipotético e indutivo operatório empírica ou induzida mimético
senso comum pré-noções sem interesse e perigosa sem objecto

Para Pierre Bourdieu, o modelo teórico é o único que, por efeito da construção, possui um
poder explicativo. O modelo mimético é puramente descritivo e a sua qualidade científica
depende da distância que estabelece em relação às pré-noções.

As hipóteses devem ser formuladas partindo-se da ideia de que elas são enunciados teóricos
não verificados, mas prováveis, e que se referem a variáveis ou a possíveis relações entre
elas. Elas são sugestões de respostas ao problema que está em estudo (tentativas que, porque
derivam de um esforço intuitivo, não assentam em dados obtidos a partir da realidade
objectiva). Sendo sugestões de respostas aos problemas, elas podem ser validadas ou
refutadas, consoante as respostas que o campo der.

As hipóteses desempenham um papel importante na investigação: a) assentam numa reflexão


teórica e num proto-conhecimento do fenómeno que constitui o objecto de estudo
(conhecimento adquirido na fase exploratória); b) são pressupostos sobre as manifestações do
problema; c) concedem ao trabalho de investigação uma linha orientadora que complementa
a pergunta de partida; d) ajudam o investigador a considerar apenas os dados que são
pertinentes para a investigação, ajudando-o a distinguir o essencial da investigação do
acessório; e) constituem o plano da parte teórica da investigação que é confrontado

36
directamente com a observação ou experimentação (elas permitem fazerem-se idas e voltas
do modelo teórico para o campo e vice-versa).

As hipóteses estão directamente relacionadas com a pergunta de partida e devem ser testadas
através da observação dos dados.

Quando formulamos as hipóteses temos que ter em conta as suas características, que
sintetizam o que foi dito acima. Assim, devemos considerar que as hipóteses:

a) Têm duas origens possíveis;


b) A sua elaboração deve obedecer a um conjunto de condições de fiabilidade;
c) Têm dois tipos; (e)
d) Formulam-se tendo-se em conta algumas relações que elas têm com o objecto de
estudo.

 Quanto às origens, as hipóteses podem derivar da simples observação dos factos


(origem intuitiva). Esta observação constitui-se como um passo fundamental para a
elaboração das hipóteses, todavia, devemos estar conscientes de que esta observação é
sempre imperfeita, pois que não se baseou em nenhum processo sistemático e aturado
de compreensão do problema. Esta contingência obriga-nos a lembrarmo-nos que as
hipóteses são apenas possíveis respostas, não são respostas acabadas e não satisfazem
a curiosidade científica que esteve na origem da investigação. Por outro lado, as
hipóteses podem basear-se em estudos anteriores (leituras exploratórias). Se, por
acaso, as hipóteses que adquirimos por esta via se vierem a confirmar como válidas,
estamos perante a constatação de uma regularidade (ou seja, estamos a verificar o
mesmo comportamento no nosso estudo que já outros estudos confirmaram
anteriormente.

 As condições de fiabilidade das hipóteses derivam da aplicação de várias regras que


vão avaliar a sua pertinência. Assim,

37
1. As hipóteses devem ser claras e facilmente compreendidas, evitando-se a utilização
de palavras complexas e excessivamente técnicas;

2. As noções escolhidas devem ser aplicadas com rigor, evitando-se a ambiguidade;

3. As hipóteses devem ser verificáveis através da observação;

4. Devem fazer referência à realidade e evitar julgamentos baseados em valorizações


subjectivas feitas pelo investigador;

5. Devem ser simples, mas com valor explicativo (pertinência);

6. Devem estar de acordo com as técnicas que se irão aplicar para as testar;

7. Devem estar relacionadas com uma teoria, ajudando a generalizar os resultados;

8. Devem constituir respostas prováveis ao problema que está a ser investigado.

 Tipos de hipóteses

As hipóteses dividem-se em dois tipos: as gerais (ou principais) e as particulares (ou


complementares).

O primeiro tipo contém relações fundamentais entre as variáveis essenciais a ter em conta
na investigação; o segundo tipo constitui o conjunto de hipóteses especiais que derivam das
principais e que se relacionam com elas.

 Formulação

A formulação das hipóteses pode fazer-se de cinco maneiras diferentes:

38
1. Por oposição (exemplo: “as pessoas mais idosas têm menos força física do que as
mais jovens”);

2. Por paralelismo (exemplo: “quanto mais comportamentos de risco se tiverem


maiores probabilidades se tem de contrair doenças”);

3. Por relação causal (exemplo: “a descalcificação dos ossos origina a osteoporose”);

4. Por interrogação (exemplo: “Será que a falta de descanso provoca perturbações


psíquicas?”);

5. Por recapitulação (exemplo: “A anemia é provocada por: a) alimentação


deficiente; b) problemas sanguíneos; c) hemorragias”).

As hipóteses que atingem maior complexidade são aquelas que se baseiam em relações entre
variáveis. Estas são características apreensíveis (que se atingem através do discernimento,
quer seja mental ou perceptivo) em determinado objecto de estudo e que podem ser
categorizadas em várias classes.

3.2.A construção do modelo de análise: resumo

Em suma, o Modelo de Análise é o conjunto de conceitos e de hipóteses logicamente


articulados entre si. Ele serve para os conjugar com o intuito de cobrir os vários aspectos do
problema em estudo.

O modelo de análise deve:

a) constituir um sistema de relações;


b) ser racional e logicamente concebido.

39
Uma peculiaridade de qualquer modelo teórico é que ele comporta, simultaneamente,
elementos de estruturação dedutiva e indutiva.

Em termos sistemáticos, pode-se representar a oposição entre o método hipotético-dedutivo e


o método hipotético-indutivo da seguinte forma:

Método hipotético-dedutivo Método hipotético-indutivo


 A construção parte de um postulado ou conceito  A construção parte da observação
como modelo de interpretação do fenómeno  O indicador é de natureza empírica
estudado  A partir dele constróem-se novos conceitos,
 Este modelo gera, através de um trabalho lógico, novas hipóteses e, consequentemente, o modelo
hipóteses, conceitos e indicadores para os quais se que será submetido ao teste dos factos
terão de procurar correspondentes no real
(Fonte: Quivy e Campenhoudt, 1998, pp. 139-144).

Podemos ainda considerar a complementaridade entre os dois tipos de métodos, como vemos
abaixo:

MODELO

HIPÓTESES

CONCEITOS

DIMENSÕES
MÉTODO MÉTODO
HIPOTÉTICO- HIPOTÉTICO-
INDUTIVO COMPONENTES DEDUTIVO

INDICADORES

(Fonte: Quivy e Campenhoudt, 1998, pp. 139-144).

40
Depois de termos visto que o modelo de análise constitui a dimensão operatória da
problemática, resta concluirmos o estudo da construção da quarta etapa do procedimento
científico:

a) Assim, de acordo com os autores acima citados… “O modelo de análise é o


prolongamento natural da problemática, articulando de forma operacional os marcos
e as pistas que serão finalmente retidos para orientar o trabalho de observação e de
análise.” (id.: 150). Ele é composto por conceitos e hipóteses estreitamente
articulados entre si para, em conjunto, formarem um quadro de análise coerente.

b) A conceptualização, ou construção de conceitos, é uma construção abstracta que


visa dar conta do real. Mas refere-se a partes do real, pelo que se trata de uma
construção-selecção. A construção de um conceito consiste em definir as dimensões
que o constituem e, em seguida, precisar os seus indicadores, graças aos quais estas
dimensões podem ser medidas.

c) Por sua vez, uma hipótese é uma proposição que prevê uma relação entre dois
termos que, segundo os casos, podem ser conceitos ou fenómenos. É uma proposição
provisória, uma suposição que deve ser verificada. Por isso mesmo, ela deve ser
refutável (ou ser objecto de verificação empírica).

4 – FASE DE VERIFICAÇÃO

Nesta etapa, o modelo de análise vai ser confrontado com os factos existentes na realidade
social. A etapa da observação é, por isso, uma etapa intermediária, situada entre a construção
dos conceitos e das hipóteses e o exame dos dados utilizados para testar estas últimas.

41
Como dizem Quivy e Campenhoudt, a observação “(…) engloba o conjunto da operações
através das quais o modelo de análise (constituído por hipóteses e por conceitos) é submetido
ao teste dos factos e confrontado com dados observáveis.” (op.cit.: 155)

4.1. Da unidade de estudo à unidade de observação: a selecção dos campos e das pessoas

Além da delimitação conceptual do estudo, deve-se proceder a uma delimitação objectiva do


mesmo. Assim, é necessário circunscrever o campo de análises empíricas no espaço,
geográfico e social, e no tempo. Para que esta delimitação objectiva tenha êxito, é necessário
interiorizarmos o objecto do nosso estudo. Este objecto de estudo pode ser facilmente
delimitável ou não.

Quando o objecto do nosso estudo é um fenómeno ou um acontecimento particular, o campo


de análise é delimitado por esse mesmo objecto de estudo. Assim, se nós quisermos estudar o
doente que sofre de Alzheimer, o campo de análise é o doente que sofre de Alzheimer.
Todavia, além de delimitarmos o campo de análise com base no objecto de estudo, também é
necessário que delimitemos o espaço geográfico em que ele se encontra e o tempo que durará
a observação. O doente que sofre de Alzheimer deve ser estudado em determinado local,
durante determinado período de tempo. De facto, o local e o tempo fazem com que tenhamos
que incluir no nosso estudo outros indivíduos e/ou elementos que fazem parte do campo de
análise mas que não são objecto de estudo por si só. Assim, se fizermos um estudo sobre o
doente que sofre de Alzheimer no Hospital X durante a semana que vai de 1 a 8 de Março,
estamos, simultaneamente, a limitar o campo de análise e a considerar a existência desses tais
indivíduos e/ou elementos que não podem ser contornados quando fizermos a investigação
(como por exemplo, os médicos, os enfermeiros, as condições e/ou tecnologias utilizadas no
tratamento, as implicações da doença no meio familiar, etc.).

Enquanto que, no estudo de um fenómeno ou de um acontecimento particular (modalidade de


análise mais implicada nas investigações etnográficas e etnológicas), o investigador tem a
tarefa facilitada pela definição concreta do seu objecto de estudo (e tudo o que rodeia o
mesmo não aumenta, de forma substancial, o campo de análise), no caso de o objecto de

42
estudo se reportar a reflexões mais abrangentes que investiguem sobre processos sociais de
âmbito comparativo (modalidade de análise mais implicada nas investigações antropológicas),
o investigador tem que definir o seu campo de análise de acordo com a abrangência da
problemática implicada no seu modelo de análise e reflectida pelas hipóteses. Sendo assim, o
investigador deve limitar o seu campo de análise não apenas com o âmbito de aplicação das
hipóteses que escolheu para o seu estudo, mas também de acordo com as possibilidades que
ele próprio tem para poder levar a cabo a sua investigação, tais como, a sua capacidade de
análise (aptidões), os prazos de que dispõe, os recursos que tem ao seu alcance, os contactos e
informações que possui sobre o campo. Estas limitações fazem com que a maior parte dos
estudos deste tipo sejam feitos próximo da área em que o investigador reside, podendo este
fazer estudos comparativos, mas recorrendo a estudos de campo feitos por outros
investigadores noutras partes do mundo.

Estas considerações remetem para a necessidade de se definirem os critérios de selecção da


unidade de estudo e da amostra.

Para que o trabalho de observação seja bem executado, é necessário responder-se a três
perguntas fundamentais: observar o quê?; observar em quem?; e observar como? As duas
primeiras questões remetem para a necessidade de se definirem os critérios de selecção tanto
da unidade de estudo como da amostra (a qual se refere ou a acontecimentos ou a
informantes). Por esta razão, alongarei cada uma destas questões começando pela
identificação do “quê” e do “quem”.

Para que o investigador possa testar as suas hipóteses, ele necessita de observar os dados, que
são definidos pelos indicadores dos conceitos utilizados para a construção do modelo de
análise. Quando o investigador decompôs os conceitos, ele fez um trabalho inicial de
operacionalização das variáveis a ter em conta na análise, e que constituíram, no seu conjunto,
as hipóteses (tanto as variáveis implicadas na formulação das hipóteses gerais, como nas que
estão implicadas nas hipóteses complementares).

A necessidade de retornar ao modelo da análise para relembrar os indicadores e as dimensões


das variáveis contidas nas hipóteses justifica-se pela razão de o investigador tentar limitar a

43
quantidade de dados que vai tentar obter através da observação. Os dados que são pertinentes
para a investigação, por referirem os indicadores apontados no modelo de análise, tornam,
assim, a observação mais fácil e menos dispendiosa em tempo e esforço. Para que isto seja
possível, o modelo de análise deve ser claro, preciso e explícito, pois, se assim for, a
observação e a investigação em geral, não se desvia do que foi definido pela pergunta de
partida, mantendo-se a continuidade do processo de investigação e o seu bom
encaminhamento.

a) A selecção dos locais onde vai decorrer a investigação

A selecção dos espaços deve ter em conta sobretudo a facilidade de acesso aos mesmos.
Normalmente, o investigador escolhe o espaço onde sabe que pode desenvolver a sua
investigação e onde poderá encontrar pessoas que cooperem com ele. Este critério de
conveniência na escolha do campo nunca é desprezado pelo investigador, quanto mais não
seja porque existem limites de outra natureza (não apenas teórica) que fazem com que se
escolha um campo em detrimento de outro (como no caso das questões financeiras ou da
determinação da concessão de bolsas de investigação com base na obrigatoriedade de se
realizar a investigação em determinado local previamente escolhido pela instituição que a
concede).

A escolha do campo implica, por sua vez, que se negligenciem outros campos possíveis,
como, por exemplo no caso dos hospitais, tal como lembram Strauss et al. (1964). Quando
estes autores fizeram trabalho de campo num hospital, eles tiveram que seleccionar, dentro
desse campo, aquele que mais especificamente se dirigia à sua investigação (como vemos, a
teoria e o campo são não apenas complementares, mas também interdependentes). A selecção
de determinada enfermaria dentro do hospital trouxe vantagens importantes para o seu estudo,
pois só assim puderam constatar que cada uma das enfermarias tinha uma “vida diferente”.
Tal como avança Burgess, o estudo feito num local específico, como o que os autores acima
fizeram, “(…) permite ao investigador concentrar-se no ritmo social, no tipo de
acontecimentos e comportamentos esperados, assim como nas crises que ocorrem. Contudo,
sustentam [Strauss et al.] que um certo número de locais deve ser seleccionado para estudo,
de modo que se possa obter uma larga perspectiva da instituição. Nestes termos, os

44
investigadores que seleccionam um simples local necessitam considerar as redes sociais e os
aglomerados de situações que são envolvidos (Spradley, 1980).” (Op. Cit.: 64-5) Como
defende Spradley, e Burgess sublinha, “Exactamente como as situações sociais estão unidas
pelos locais físicos onde se inserem, também se encontram ligadas pelo facto de as mesmas
pessoas participarem em diferentes locais.” (ibid.)

Segundo Spradley, a escolha do campo deve ser feita com base em cinco critérios:

1. A simplicidade (deve-se escolher um local que permita ao investigador deslocar-se do


estudo de situações simples para o de situações mais complexas);
2. A acessibilidade (a maior ou menor facilidade com que se entra no local);
3. A não intrusão (situações que não impliquem o investigador num papel de intruso);
4. A permissividade (situações que permitam ao investigador entrada livre, limitada ou
restrita);
5. A participação (possibilidade de o investigador participar em acções que decorrem no
local).

b) A selecção dos tempos em que vai decorrer a investigação

A selecção dos tempos da investigação torna-se importante sobretudo quando fazemos o


nosso trabalho no seio de uma instituição. É particularmente importante ter-se em conta este
aspecto quando fazemos trabalho de campo em hospitais. Como sabemos, neste tipo de
instituições, as actividades (ou situações sociais) decorrem segundo um horário pré-
estabelecido, que varia com as horas e com os turnos. Estas rotinas associadas a séries
temporais, tais como a hora das visitas, a hora das refeições, a hora da medicamentação, as
horas das reuniões, as horas das rondas, as horas de mudança de turno, etc. Estas rotinas
pautam o dia de forma rítmica. Estes ritmos são muito importantes para o investigador
descobrir a lógica de funcionamento do local. Neste caso, o investigador deve decidir se vai
fazer uma observação contínua ou irregular. Ele pode escolher um fase temporal que se
adeque melhor ao objecto de estudo do seu trabalho (ele pode estudar, por exemplo, as
relações entre os doentes e as visitas, para isso, ele apenas precisa de estar presente durante

45
essa hora). Se o investigador optar por fazer uma observação contínua, ele deve regular o seu
horário e estabelecê-lo no próprio Diário de Campo, marcando as horas consoante os
indicadores que ele considerar como relevantes para o estudo. Porém, quer se trate de uma
investigação contínua ou irregular (segmentada), é aconselhável que o investigador aponte
todos os momentos que se considerem relevantes. Uma organização temporal deste tipo
permite, como lembra Burgess, que se estude a relação enfermeiro-doente (Op. Cit.: 68).

c) A selecção dos acontecimentos/comportamentos

A unidade de estudo fornece recursos fundamentais para o desenvolvimento da investigação,


mas também tem limitações (no sentido em que a unidade de estudo apenas apresenta um
fragmento da totalidade da realidade social e cujo comportamento tem de ser enquadrado
numa teoria de investigação, para que os indicadores que o constituem possam ser estudados
de forma científica).

Neste ponto, veremos como a unidade de estudo se apresenta como um campo onde essa
tensão entre os recursos que fornece e as limitações que impõe se verifica. O investigador terá
de ter isto em conta quando vai fazer o seu estudo. No final, ele deve ter tomado consciência
dos constrangimentos que dão origem a essa tensão. Como a realidade social é contraditória, o
investigador deve estar precavido para o facto de não acreditar piamente naquilo que lhe é
dito (nem naquilo que se faz). A destrinça entre a realidade “real” e a realidade “observada”
não é possível de fazer com pouco tempo de trabalho de campo; ela só pode ser feita quando o
efeito de saturação adquirido por via da observação participante continuada e prolongada for
atingido. Mesmo assim, o investigador deve ter sempre na sua consciência o facto de aquilo
que foi observado não poder servir para se retirar uma lei geral sobre a realidade social (pois
que esta não é totalmente visível nem é possível de discernir a partir da extrapolação de um
caso concreto para toda a realidade social.

Além dos problemas das limitações impostas pela especificidade do campo no todo da
realidade social e pela inadequação entre o “dito” e o “feito”, o investigador ainda tem que
considerar que as selecções que fez do espaço e do tempo da observação restringem ainda
mais o alcance das conclusões do seu estudo.

46
Como vimos, quando seleccionamos o campo, definindo os espaços de observação e os
tempos em que a mesma se vai desenrolar, temos que ter em conta dois elementos que estão
relacionados com essa selecção: a selecção dos acontecimentos (que representam a ponte
entre a teoria e a realidade social) e a selecção dos informantes (que nos fornecerão as
informações que enquadram a teoria na realidade social e vice-versa).

Os acontecimentos revelam-se sobretudo como comportamentos das pessoas que estão a ser
observadas. Estes comportamentos podem ser estudados tendo-se como pontos de partida uma
observação do mesmos de modo estruturado ou de um modo não estruturado (Burgess, Op.
Cit.: 76).

Robert Burgess lembra que Schatzman e Strauss (1973) tinham já elaborado uma
classificação dos tipos de comportamentos a ser observados pelo investigador. Segundo estes
autores, esses comportamentos podem ser (adaptação nossa):

a) Comportamentos de rotina (acontecimentos que se verificam no dia-a-dia);


b) Comportamentos especiais (acontecimentos fortuitos mas previsíveis);
c) Comportamentos de crise (acontecimentos excepcionais, acidentais).

Como se pode adivinhar, os acontecimentos de rotina são os mais visíveis, que, devido a
isso, podem induzir-nos em erro, pois consideramos que, por se tratarem de acontecimentos
vulgares, não encerram neles nenhuma informação especial que mereça ser relatada. Este erro
é muito frequente. Como os comportamentos não saem do ordinário, temos tendência para os
menosprezar, esquecendo-nos de que são eles que fornecem a maior quantidade de
indicadores sobre a estrutura que enforma esses mesmos comportamentos. Além disso, como
nós vivemos segundo rotinas, tomamos algumas informações e comportamentos como sendo
evidentes, não lhes dando o valor devido, até porque essas rotinas reflectem os objectivos
(nem que seja implícitos) que devem ser atingidos numa qualquer realidade social e/ou
instituição. Por outras palavras, os acontecimentos rotineiros reflectem a eficiência (ou não)
do controlo sobre as situações, o que é um dado importante.

47
Os comportamentos especiais são aqueles que articulam a realidade vivida todos os dias com
a realidade simbólica que agrega um conjunto de valores de vivência em comunidade. Isto é,
os acontecimentos especiais são aqueles que acontecem ciclicamente e que são previsíveis.
Assim, as datas comemorativas representam a unidade simbólica entre os agentes sociais e
procuram agregar os comportamentos aludindo para um conjunto de valores que identifica os
grupos sociais. Por exemplo, o ano académico é pautado por ritmos de comemoração que
aludem para certos princípios de conformidade com a “vida académica”: o início do ano
lectivo, a recepção aos caloiros, a praxe, a semana académica, etc.

Todos estes acontecimentos remetem para um conjunto de acontecimentos que revelam a


partilha por certos ideais de vivência comum (valores). A sociedade em geral vive as suas
comemorações segundo um princípio de previsibilidade relativa dos comportamentos. Por
exemplo, prevê-se que, no Natal, se ofereçam presentes (como símbolo do valor da
fraternidade); que no dia 25 de Abril, se comemore a liberdade, etc. Todos estes
acontecimentos representam marcas da vivência em sociedade e apelam, muitas das vezes,
para o desempenho de actividades especiais, tais como a recolha de alimentos, a visita a
hospitais, os ajuntamentos populacionais, etc.

Já os comportamentos de crise remetem para comportamentos imprevisíveis e reflectem o


modo não só como as instituições lidam com a imprevisibilidade, mas também, e sobretudo,
para a manifestação das características humanas menos culturalizadas. Por exemplo, perante o
acontecimento de um sismo, não se pode prever quais as consequências que daí advirão,
causando, por isso, o medo e o terror. Quando acontece uma situação dessas, poderemos
observar a forma como a humanidade tenta contornar os problemas causados pela natureza;
além disso, poderemos ver como uma instituição específica lida com esse acontecimento. Na
tentativa de poder controlar o terror perante a imprevisibilidade, é possível ver, a cada passo,
simulações sobre situações de catástrofe. Estas simulações têm um aspecto que é interessante
de ser considerado: elas pretendem regular os comportamentos sociais de modo a torná-los
previsíveis. Isto deve-se a uma questão muito importante: a sobrevivência. Como esta é
procurada de uma forma egoísta (para utilizar o conceito de Gabriel Pereira Bastos), todas as
pessoas tentarão, por seus próprios meios sobreviver, o que atira para segundo plano a ideia

48
de ordem social. Aqui, as interpretações sobre os acontecimentos são sobretudo de índole
subjectiva, pois que nenhum regulamento poderá impedir alguém de salvar a sua vida.

Este aspecto foi lembrado por Turner (1971, 1974), como lembra Burgess. As situações
dramáticas (Turner denomina as situações de crise social como dramas) dão origem a
mudanças nos comportamentos de rotina e mesmo nos acontecimentos especiais. O drama
social apresenta-se, nessas situações, como a unidade de estudo principal. Lembremo-nos que
estes acontecimentos de crise não são apenas os que estão relacionados com as catástrofes
naturais; eles dão-se em qualquer situação adversa ou de emergência (como, por exemplo, um
acidente de viação, a queda de um Governo, etc.). Turner lembra que o drama social é…

“(…) não a apresentação de um enunciado alegadamente objectivo de uma série de


acontecimentos; diz antes respeito às diferentes interpretações atribuídas a estes
acontecimentos e ao modo pelo qual eles exprimem desvios ou comutações matizadas na
balança do poder ou agitam interesses divergentes dentro de preocupações comuns.” (Turner,
1971: 352; citado por Burgess, 1997: 77).

Vimos que a escolha do campo está directamente relacionada com a definição do objecto de
estudo. Todavia há que fazer uma distinção entre a população que constitui o campo e a
amostra que escolhemos para representar o mesmo.

d) A selecção dos informantes

A selecção da amostra pode não respeitar os princípios da amostragem impostos pela técnica
do inquérito. Muitas das vezes, o acontecimento sobrepõe-se a essa peculiaridade e é
necessário obter um conjunto de informações que não são possíveis de atingir pela via do
inquérito. Ademais, o problema exige, muitas das vezes, que se seleccionem alguns
informantes que se destacam no seio do grupo social em estudo. Acontece, porém, que a
selecção desses informantes privilegiados pode não ser feita pela sabedoria que eles têm,
mas sim por outros critérios, como, por exemplo, a facilidade de acesso que nos dão à
informação, o conhecimento que temos deles e o conhecimento que o investigador tem do
campo. Não se procura aqui atingir a representatividade, mas sim a intensidade, facilidade e

49
qualidade das informações veiculadas pelos informantes. Burgess refere o trabalho de Ball
(1984) em que ele escolheu para o seu estudo “cinco informantes que não eram nem
representativos, nem típicos, nem atípicos, entre os professores” de uma escola de ensino
técnico. “Contudo, eram pessoas a quem chegou a conhecer bem e com quem pôde discutir
situações.” Margaret Mead (1953) “argumenta que a selecção de um informante exige que o
investigador tenha conhecimento da situação que vai ser estudada, de forma a avaliar a
posição das pessoas num dado contexto e o seu conhecimento desse contexto.” (Op. Cit.: 79-
80).

Como Mead adianta, a “qualidade valor dos informantes depende não tanto do número de
casos como da própria especificidade do informante, por forma a que ela possa ser avaliada
correctamente em termos de um número muito amplo de variáveis – idade, sexo, ordem de
nascimento, posição familiar, experiência de vida, tendências temperamentais (por exemplo,
optimismo, hábitos de exagero, etc.), posição religiosa e política, posição precisa na relação
com o investigador, relações que se configuram com qualquer outro informante, e por aí fora.
Dentro deste extenso grau de especificação, cada informante é estudado como um exemplar
perfeito, uma representação orgânica de toda a sua experiência cultural (Mead, 1953: 645-6;
citada por Burgess, Op. Cit.: 80).

Burgess conclui que a “selecção das pessoas nas pesquisas de terreno é, por conseguinte, uma
coisa diferente dos processos de selecção associados à amostragem estatística num inquérito
por questionário. Porque na investigação de terreno os informantes são seleccionados pelo seu
conhecimento de um contexto particular que pode complementar as observações do
investigador e apontar para outras investigações que necessitam de ser feitas por forma a
compreender contextos sociais, estruturas sociais e processos sociais. (…) É esta “diferente
espécie de amostragem” que tem sido adoptada pelos investigadores que estudam no terreno
as suas próprias culturas, de modo a construir questões qualitativas que dizem respeito àquilo
que acontece e às implicações do que acontece nas relações sociais.” (Op. Cit.: 81).

A população escolhida para o estudo considera não apenas as pessoas que fazem parte do
grupo social que escolhemos mas também conjuntos de grupos sociais (ou organizações) e
outros objectos sociais, seja qual for a sua natureza. Assim, para podermos estudar

50
determinado problema não nos cingimos a abordar os indivíduos que vivem esse problema,
mas também estudamos documentos ou conjuntos de dados mais ou menos dispersos. Todas
estas unidades constituem a população. Enquanto isso, se o conjunto de indivíduos que
formam uma população tem, grosso modo, características semelhantes, podemos escolher
apenas uma parte da população e desenvolver aí a investigação. Trata-se da amostra.

Como referem Quivy e Campenhoudt, depois de se ter circunscrito o campo do estudo, o


investigador tem três possibilidades: ou recolhe dados e faz incidir as suas análises sobre a
totalidade da população coberta por esse campo; ou a limita a uma amostra representativa
desta população; ou estuda apenas alguns componentes muito típicos, ainda que não
estritamente representativos, dessa população. Esta escolha percorre um caminho de
especialização da observação, passando-se da unidade de estudo à unidade de observação. A
unidade de observação acaba por ser o objecto específico do estudo, enquanto que a unidade
de estudo é todo o contexto que enforma a unidade de observação. Conforme for a
necessidade que a investigação propõe através das suas hipóteses, assim deve ser escolhida a
unidade de observação. Por exemplo, se alguém estudar o doente com gripe, esse alguém não
vai estudar todos os doentes com gripe, pois tal escolha implicaria um trabalho impossível de
realizar devido à demasiada abrangência do campo escolhido, que teria que ser tão amplo
como o problema. Neste caso, o investigador iria escolher uma amostra representativa do
doente com gripe.

A definição da amostra torna-se imprescindível sempre que a população for muito


grande e quando é necessário obter uma imagem global do problema, extensível,
portanto a toda uma população.

A escolha de amostras dentro de populações não é um caminho muito percorrido pelas


investigações antropológicas pois que, no caso da antropologia, interessam todas as pessoas, o
que equivale a dizer que também interessa um único indivíduo. Não interessa à antropologia
estabelecer uniformidades no seio dos grupos sociais, ela está mais votada para a observação
das particularidades (e todas as pessoas são diferentes). Quando a antropologia estuda o
particular em referência ao todo humano, ela pretende apenas retirar regularidades a partir
dessas particularidades, tendo sempre em conta que não está a obter conclusões

51
uniformizadoras dos comportamentos das culturas humanas, mas sim apresentações
particulares sobre a similaridade existente em todas as culturas humanas, que é a sua
existência enquanto pertencentes ao género Homo.

O tipo de amostragem comummente conhecido é o que é desenvolvido pela sociologia quando


pretende retirar conclusões sobre determinado aspecto vivido por todos os indivíduos de um
determinado grupo social, utilizando como técnica preferencial o inquérito (como no caso das
sondagens). Como facilmente percebemos, aqui opta-se por uma investigação do tipo
quantitativo, não muito seguida pela antropologia, a não ser em casos de caracterização de
populações ou de levantamento de frequências e distribuições de dados sobre comportamentos
concretos.

A selecção da amostra em antropologia entende-se como a especificação e limitação do


campo.

A necessidade de amostragem em antropologia prende-se, portanto com a necessidade de se


especificar objectivamente o problema de estudo, mais do que uma selecção numérica,
assiste-se aqui a uma selecção problemática. Como refere Burgess, é…

“(…) a abordagem das situações reais que põe ao investigador de terreno problemas de
selecção e de controlo dos dados que são obtidos. Os investigadores têm, por conseguinte, de
estar constantemente a seleccionar locais, períodos de tempo, acontecimentos e pessoas para
estudar. O resultado é que enquanto alguns elementos da situação e dados segmentos da
população estão envolvidos num estudo, outros são excluídos. É este conjunto de actividades
que envolvem princípios de selecção que faz com que o investigador de terreno
sistematicamente se confronte com a necessidade de amostragem.” (Op. Cit.: 57).

E, continua Burgess, “não é nunca possível para o investigador estudar todas as pessoas e
todos os acontecimentos numa dada situação social. Apesar de um investigador ter acesso, em
geral, a um dado campo de pesquisa, isso pode não significar automaticamente que tenha
acesso a todas as pessoas e a todos os acontecimentos de um dado lugar de investigação. (…)
Além disso, pode bem haver restrições de tempo e de dinheiro, com o resultado de que

52
processos de amostragem se tornem essenciais. Os acontecimentos, situações e pessoas que
um investigador decide observar dependem habitualmente dos interesses teóricos e
substantivos de que resultarão diferentes estratégias de amostragem.” (id.: 58).

Burgess propõe que se utilizem duas estratégias principais para se definirem as amostras em
trabalho de campo (Ibid.: 59): a amostragem intencional e casuística e a amostragem em bola
de neve.

Na amostragem intencional, os informantes podem ser seleccionados para o estudo de


acordo com um certo número de critérios estabelecidos pelo investigador, tais como o seu
estatuto (idade, sexo e ocupação) ou experiência prévia que lhes confere um nível especial de
conhecimentos. O investigador, por conseguinte, exige dos indivíduos que têm diferentes
qualificações como informantes, um pormenorizado conhecimento do universo. Entretanto, a
amostragem casuística é usada para referir o processo pelo qual os investigadores de terreno
encontram informantes que lhes proporcionem dados de campo. Neste caso o investigador
selecciona os indivíduos com os quais é possível cooperar. (id.).

Por sua vez, na selecção de amostragem em bola de neve, o investigador conhece o campo e
relaciona-se com alguns dos indivíduos implicados no problema de estudo aos quais é pedido
que nos ponham em contacto com os seus amigos, desenvolvendo-se uma cadeia de
sucessivos contactos que irão representar a amostra que queremos estudar.

Além destas proposta feita por Burgess, podemos também considerar a estratégia de
amostragem designada por amostragem teórica. Como lembra Burgess (Id.: 60), este
conceito foi elaborado por Glaser e Strauss (1967) e consiste, segundo as próprias palavras
dos autores em elaborar um “(…) processo de colheita de dados geradores de teoria pelo qual
o analista, simultaneamente, colhe, codifica e analisa os seus dados e decide que dados
necessita posteriormente colher, por forma a desenvolver a teoria tal como ela emerge. (1967:
45, citados por Burgess).

Alguns autores consideram esta estratégia de amostragem a mais frutífera em trabalho de


campo. Ela consiste, no fundo, em articular a teoria com a realidade social. Como refere

53
Burgess, nestas “circunstâncias a colheita de dados é controlada pela teoria emergente e o
investigador tem de considerar: que grupos e subgrupos são usados na colheita de dados?
Com que objectivos teóricos são os grupos e subgrupos usados? A amostragem teórica
envolve, por conseguinte, investigadores que observam grupos tendo em vista ampliar,
modificar, desenvolver e verificar a teoria.” (ibid.)

Howard Becker (1970c) foi um dos principais teorizadores sobre a aplicação das técnicas de
amostragem em trabalho de campo antropológico. Ele lembra que os limites, os locais e as
unidades de estudo só conhecidas pelo investigador de um modo fragmentário. Além disso,
ele põe em causa a eficiência da aplicação da abordagem matemática da amostragem na sua
aplicação em estudos sociológicos, defendendo que as técnicas de amostragem devem basear-
se nas características sociológicas de determinado campo, não podendo ser formais e
aplicadas indiscriminadamente. Para tentar solucionar a ineficácia da aplicação das técnicas
de amostragem matemáticas no trabalho de campo, ele propõe algumas ideias.

“Em primeiro lugar, indica que o acesso através do desempenho de um dado papel na vida
privada pode dar oportunidades de amostragem em bola de neve. Cita a este propósito o seu
próprio trabalho sobre os utilizadores de marijuana (Becker, 1963), que começou utilizando
os contactos que tinha feito enquanto tocava música de dança. (…) Ao estudar a desviância,
uma segunda estratégia recomendada por Becker para ter acesso a uma amostra alargada é
estudar os desviantes que estão encarcerados. (…) Em terceiro lugar, é possível utilizar a
amostra aleatória da população para estudar determinadas actividades, mas, como Becker
indica, isto é um método particularmente dispendioso, já que algumas actividades de
desviância, como o uso da heroína e do incesto, podem não estar suficientemente
representadas numa amostra aleatória da população (…)” (Burgess, id.: 61-2).

4.2. Observar como?

A palavra método deriva das raízes gregas metá (até, ao fim de) e odos (caminho). O método
é, portanto, o caminho para atingir o fim, e refere-se aos distintos procedimentos que o
homem emprega para entender ou explicar algo. Pode-se definir como o caminho a seguir

54
mediante uma série de operações, regras e procedimentos fixados de antemão de uma forma
voluntária e reflexiva, para alcançar um determinado fim que pode ser material ou conceptual.
Um método é um guia, um caminho, um modo de aproximação e não um conjunto de
certezas. Nenhum método é um caminho infalível e pode mesmo ser necessário mudar de
método para que exista progresso científico. Se se utilizasse sempre o mesmo método, o
conhecimento científico pararia.

O termo metodologia emprega-se para designar o estudo dos métodos, isto é, a sua descrição,
explicação e justificação. A metodologia constitui o conjunto dos procedimentos e
instrumentos que se utilizam para encontrar caminhos para a realidade.

A metodologia deve:

 Estabelecer os limites precisos nos quais se move o problema de estudo;


 Clarificar os termos e noções empregues;
 Identificar a técnica de investigação mais correcta para abordar o problema de estudo;
 Sistematizar as linhas de estudo;
 Formalizar o raciocínio.

Tal como os métodos, as técnicas de investigação são respostas sobre como se fazer para se
conseguir atingir o objectivo ou os resultados propostos (esperados). As técnicas de
investigação têm um carácter prático e operativo, são os procedimentos específicos através
dos quais se reúnem e ordenam os dados. O método diferencia-se das técnicas pelo seu
carácter mais global. As técnicas englobam-se dentro dos métodos e, portanto, um método
comporta a utilização de diferentes técnicas de investigação.

4.2.1. A atitude metodológica

Existem dois tipos fundamentais de métodos e técnicas: o quantitativo e o qualitativo. O


primeiro relaciona-se com o procedimento hipotético-dedutivo, enquanto o segundo se
relaciona com o procedimento hipotético-indutivo. Além das diferenças enunciadas

55
anteriormente, estes dois procedimentos variam na forma de elaborar as hipóteses. No
primeiro caso, as hipóteses são afirmativas e são definidas no momento de elaboração das
técnicas de colheita de dados; no segundo caso, as hipóteses são interrogativas e são
elaboradas depois de se levantarem os dados.

Um aspecto que salta à vista quando se estudam as diferenças entre os métodos qualitativos e
os quantitativos é o facto de eles se apresentarem como auto-exclusivos, isto é, são vistos
como opostos. Costuma dizer-se que os métodos quantitativos usam números e os métodos
qualitativos usam palavras. Podemos ver que cada uma das abordagens metodológicas
apresenta uma visão particular sobre os problemas sociais:

Método
Características Qualitativo Quantitativo
Objecto de investigação Captação e reconstrução do sentido Descrever os factos sociais
Linguagem Conceptual e metafórico Inquéritos e números
Método para adquirir a informação Flexível e desestruturado Estruturado
Procedimento Sobretudo indutivo Sobretudo dedutivo
Orientação Holística e concretizadora Particularista e generalizadora

Os métodos qualitativos têm o objectivo concreto de compreender o que é que ocorre na


realidade. Procuram os significados atribuídos pelos protagonistas da investigação. As
técnicas que utilizam orientam-se pela recolha esmerada de dados, com observações lentas,
notas de campo, etc. O qualitativo procura o significado nos factos que se investigam. Outras
características são: estudam os fenómenos sociais no meio onde se produzem, exploram o
significado que o actor lhes atribui, utilizam a observação e a entrevista aberta, usam
linguagem simbólica.

Bericat (1998), no seu artigo sobre a integração de ambos os métodos, põe a descoberto a
debilidade da maior parte das classificações. Bericat propõe um conjunto de seis dimensões
que incluem as decisões mais importantes na hora de definir a orientação metodológica de
uma investigação social:

56
MÉTODO QUANTITATIVO MÉTODO QUALITATIVO
Sincronia Diacronia
Extensividade Intensividade
Objectividade Subjectividade
Análise Síntese
Dedução Indução
Reactividade Neutralidade

O Método qualitativo é indicado para as investigações que dizem respeito aos processos dos
fenómenos sociais. Estes métodos analisam com profundidade o fenómeno, observam a partir
da subjectividade dos sujeitos em causa, não descompõem a realidade social, operam por
indução, dando importância ao contacto com o meio social e estudam a realidade na sua
constituição espontânea (neutralidade).

O Método quantitativo utiliza-se quando se consideram investigações para captar a estrutura


estática da realidade, com representatividade e para explicar essa estrutura. As investigações
que utilizam os métodos quantitativos adaptam-se aos protocolos estabelecidos, o seu
objectivo é confirmar a hipótese de partida e tratam de operar em condições controladas para
garantir a sua fiabilidade.

4.2.1.1. As dimensões dos métodos qualitativos e dos métodos quantitativos

a) Sincronia / Diacronia

É importante definir se o objectivo da investigação é obter uma visão estática, que reflectirá o
que sucede num momento determinado, ou se o que se pretende é conhecer os factos sociais
numa temporalidade.

b) Extensividade / Intensividade

O investigador está obrigado a delimitar o objecto de estudo, não apenas por uma questão de
racionalização dos recursos, mas sobretudo porque é impossível estudar a totalidade social.

57
Quanto maior for a extensão do objecto de estudo menor tenderá a ser a intensividade com
que o mesmo será estudado. Logicamente, o estudo profundo de um objecto requer uma
redução da sua amplitude.

c) Objectividade / Subjectividade

O problema da subjectividade e da objectividade em ciências sociais deve ser entendido de


acordo com dois critérios distintos: a realidade e a verdade.

O critério de realidade alude para o facto de que no homem existe uma realidade interior. A
realidade subjectiva emerge em grande medida da interacção social e seria legítimo que a
subjectividade fosse um objecto da investigação social.

Por outro lado, e em relação com a verdade, teremos de ter em conta que a realidade social
exige que se conheçam as actividades das pessoas, grupos, etc.

É importante distinguir entre a análise da conduta que se realiza pelo próprio sujeito (o
qualitativo, o que pretende é ver através dos olhos do próprio agente) e a análise da sua
conduta feito pelo exterior.

Os inquéritos investigam através da palavra estruturada, sob a perspectiva do investigador,


mas tal não quer dizer que evite a subjectividade (falácia do objectivismo).

No estudo das ciências sociais, em que o observador e o observado partilham uma linguagem
comum, em que o observado também se observa a si mesmo, a dicotomia
objectividade/subjectividade é irrelevante, tanto no caso da investigação qualitativa como da
investigação quantitativa.

d) Análise / Síntese

A análise pode definir-se como um modo de captar a realidade que opera por meio de uma
prévia decomposição para estudar as suas partes.

58
A metodologia sintética opera por composição das partes, relacionando estas entre si e
estudando a sua natureza em virtude da sua integração no todo, dando-lhe, assim, sentido e
essência.

Partindo da perspectiva analítica, o investigador decompõe os fenómenos sociais procurando


não a sua essência íntegra, mas sim qualidades específicas ou características puras que se lhe
possam atribuir. Por exemplo, sob esta perspectiva, a natureza de um simples pau não tem
resposta, tampouco podemos falar do seu comprimento, peso, etc. A definição do fenómeno
realiza-se mediante agregação dos seus atributos. Sob a perspectiva qualitativa, essa
agregação não constituiria uma verdadeira síntese.

e) Dedução / Indução

O processo de uma investigação pode ocorrer em dois sentidos: partir de ideias que devem
confrontar-se com dados (dedução, mais própria do quantitativo), ou observar realidades
empíricas que infiram ideias (indução, mais própria do qualitativo).

Na realidade, esta dicotomia não é tão clara, já que em todas as investigações nos movemos
das ideias aos dados e dos dados às ideias.

f) Reactividade / Neutralidade

A reactividade faz referência às modificações que os próprios instrumentos de medida causam


nos fenómenos medidos e observados.

A reactividade existe não apenas quando o investigador opera com a realidade, mas também
quando a observa.

59
Há técnicas que provocam uma maior reactividade que outras, ou, o que é o mesmo, há
algumas mais neutrais que outras. A observação oculta é um exemplo claro de técnica neutral,
as pessoas mudam de conduta ao sentir-se observadas.

4.2.2. Organização da investigação

A investigação antropológica desenvolve-se em três fases principais: a etnográfica (que


adquire os dados sobre os quais incidem as análises e os resultados finais), a etnológica (que
trabalha, num primeiro momento de síntese, esses dados) e a antropológica (que, através de
uma análise comparativa, enquadra esse primeiro momento de síntese num estudo agregado
que decorre da consideração dessa mesma síntese com outras já encontradas noutros campos
de estudo).

Em todo este processo, a fase etnográfica ocupa um lugar proeminente. Ela consiste em
confrontar o investigador com o objecto de estudo e vice-versa. A sua originalidade consiste
na utilização de um olhar antropológico (numa perspectiva de universalidade do que é
observado) sobre as coisas que todos vêem de forma particular. Em última análise, a
investigação etnográfica percorre todo o processo de investigação antropológica; este não
pode existir sem aquela, pois que é necessária a existência de dados para se obter uma síntese
(sobre esses mesmos dados). Portanto, a etnografia apresenta-se também como um processo,
faseado e progressivo (desde a indagação inicial à síntese final).

O processo etnográfico movimenta, assim, todo o desenrolar de um estudo antropológico; ele


começa com a escolha do objecto de estudo, prolonga-se na selecção das teorias consideradas
pertinentes, na problematização e nos métodos e técnicas de observação.

Assim, podemos considerar que:

a) O processo etnográfico percorre toda a investigação; (ou que)


b) O processo etnográfico é uma parte do procedimento antropológico da antropologia.

60
Embora pareçam chocar, estas considerações podem ter ambas o seu quinhão de verdade.
Com efeito, a) a investigação antropológica recai sobre os dados adquiridos no campo, pelo
que toda a investigação antropológica tem a sua razão de ser nessa fase etnográfica; por outro
lado, b) esta fase etnográfica, propriamente dita (enquanto fase de aquisição dos dados no
campo) acaba quando finalizamos o trabalho de campo e regressamos ao gabinete para os
estudar e sintetizar (começo da fase etnológica e antropológica).

De forma integrada, podemos então dizer que a fase etnográfica se distingue das outras fases
de investigação antropológica (etnológica e antropológica propriamente dita) no sentido em
que se limita à parte da investigação prática, não reflexiva, portanto; mas, continua nas fases
etnológica e antropológica porque ela vai guiar todo o processo de investigação subsequente,
i.e., ela é que determinou, de modo definitivo, as indagações que o investigador seleccionou
para suportar todo o trabalho de investigação a que se propôs.

Como foi referido acima, o processo de investigação etnográfica consiste, de um modo


simplificado, na utilização de um olhar antropológico, em que o investigador pretende ver o
Outro sem ter consciência de si (da contingência de ser, também ele, um ser cultural). Este
“combate” ao etnocentrismo pauta todo o processo de investigação antropológica e começa
por determinar o êxito do próprio trabalho de campo. Isto significa que o investigador, além
de ser um instrumento de investigação, ele é também uma parte fundamental desse processo.
As suas observações, e consequentes análises e síntese, reflectirão a sua forma de pensar, a
sua perspectiva preferida sobre o mundo e o seu grau de especialização científica.

De forma sistematizada, o olhar antropológico consiste no respeito de algumas regras


antropológicas, tais como:

1 – O investigador deve procurar combater os seus preconceitos e estereótipos. Ele deve


estudar os fenómenos tal qual como eles ocorrem, ou seja, deve tentar vê-los como
as pessoas que os constroem os vêem, pondo-se, assim, no lugar do Outro;

2 – Ele deve manter-se distante do objecto, evitando que a sua integração no campo,
sendo muito apertada, deturpe a sua maneira de ver os fenómenos (o olhar

61
distanciado, de Lévi-Strauss). Este estranhamento consiste em ver o familiar como
exótico.

3 – Ele deve também tentar articular os fenómenos que constituem o seu objecto de
estudo com o contexto onde eles ocorrem e que lhes dão razão de ser (holismo).

4 – Finalmente, o investigador deve guiar a sua observação através de uma teoria social,
i.e., ele deve problematizar o objecto de estudo e enquadrá-lo numa discussão de
pretensões científicas, não se remetendo à apresentação de crónicas sobre o que vê,
sem fazer delas assunto de reflexão que ajudem a fazer progredir o conhecimento
científico dessa área particular da realidade social.

As grandes vantagens da investigação etnográfica derivam sobretudo da possibilidade que ela


tem de fornecer os modos pelos quais os processos sociais se desenrolam no campo. Estes
devem ser investigados no contexto da sua formação, no quotidiano, e devem ter tido origem
em várias fontes de informação que se constituem o próprio tecido social. O processo
etnográfico deve derivar da consciência da participação num espaço e num tempo diferentes
daqueles que caracterizam a vida ordinária do investigador. Ele, através do trabalho de
campo, acede a um espaço e a um tempo etnográficos, tratados de forma diferente da que é
dada à sua vida quotidiana.

A investigação etnográfica assenta no pressuposto epistemológico da observação participante


e cristaliza-se no Diário de Campo. Através desta investigação de base, podemos ansiar fazer
uma “Análise Cultural” de dada sociedade. Esta análise cultural parte, portanto, de uma
descrição (ou graphia), e esta, por sua vez, deve caracterizar-se por:

a) ser interpretativa (interpreta o fluxo do discurso social);


b) salvar o “dito” da extinção (manter o continuum etnológico);
c) fixar o “dito” em formas pesquisáveis (fazer um relatório); (e)
d) ser microscópica (intentar de descobrir o sentido dos fenómenos sociais)

62
Todavia, quanto mais profunda for a interpretação, menos completa ela é, pelo que uma
investigação etnográfica é inesgotável, i.e., o seu carácter holístico encontra-se sempre
limitado pela própria capacidade de observação do etnógrafo.

Mas, fazer a interpretação etnográfica exige que, previamente, o investigador tenha


consciência destes limites, pois só assim é que ele pode levar a cabo a sua empresa sem sentir
que o seu trabalho é sempre incompleto. Na verdade, a interpretação das culturas, como
Clifford Geertz definiu, deve regular-se por duas características fundamentais, a saber:

1 – A necessidade da teoria se conservar próxima do terreno (a chamada inferência clínica) de


modo a ver as práticas significantes como actos simbólicos (não como sintomas),
possibilitando assim fazer-se uma análise do discurso social (não uma terapia);

2 – Essa teoria deve evitar o profetismo, deve, sim, permitir uma análise futura da
interpretação agora feita.

Para que estes pressupostos epistemológicos sejam passíveis de ser seguidos, é fundamental
que se faça um plano da investigação etnográfica, organizado por fases devidamente
articuláveis mas não misturadas.

Assim, o investigador, antes de ir para o campo, deve prever todos os passos que determinam
o encaminhamento da sua análise e que vão determinar o êxito do seu trabalho. A seguir,
apresenta-se o caminho que o investigador deve percorrer no conjunto de todos os pontos que
constituem a investigação. Em cada um dos pontos, far-se-á uma pequena chamada de
atenção, para que não se exceda nem se fique aquém do que é necessário fazer.

a) Esboço flexível da investigação.

Na pesquisa antropológica, a elaboração das hipóteses e dos outros aspectos da investigação


não estão determinados de antemão, pelo que o caminho da investigação deve respeitar o que
se encontrar no campo. Até esse ponto, o investigador não sabe ao certo o que vai encontrar e
o que é passível de constituir objecto de estudo. Além disso, a investigação etnográfica

63
baseia-se no trabalho de campo, pelo que o esboço da investigação não determina o que se vai
passar a seguir. Todavia, este esboço tem a preciosa função de enquadrar as ideias do próprio
investigador num contexto teórico de estudo: em princípio, ele já sabe o que vai estudar e
como o vai fazer.

b) Levantamento do problema.

Neste ponto da investigação, o investigador define o ponto de partida do seu estudo. É aqui
que se faz a relação entre conceitos (conceito operatório isolado e conceito sistémico). O
primeiro tipo de conceito releva de questões substantivas, que são importantes do ponto de
vista empírico; o segundo assenta em questões de ordem epistemológica, questões essas que
são teóricas e formais. Em princípio, quando levantamos um problema tentamos relacionar
estes dois tipos de conceitos ou questões. Os conceitos que usamos para formular a pergunta
de partida podem, portanto, ter tido origem quer em problemas apresentados pela realidade
social, quer pelas teorias sociológicas, quer ainda por uma relação entre a realidade e as
teorias.

c) Escolha do campo

Quando escolhemos o tema do nosso estudo, estamos, de alguma forma, a escolher o campo
onde vamos fazer esse mesmo estudo. Numa investigação etnográfica, o tema e o campo estão
relacionados; além disso, eles dependem um do outro, reciprocamente, pois que não podemos
estudar seja o que for sem relacionarmos o problema em estudo com o contexto onde ele se
verifica e evolui. A melhor forma de escolhermos um campo é ter como critérios de escolha a
facilidade de acesso ao mesmo (aceitação no campo) e a relevância da informação que aí
vamos encontrar.

d) Acesso ao campo

Além da pertinência do tipo de informação a encontrar no campo (naquilo que essa


informação pode contribuir para estudar o tema que escolhemos), a acessibilidade é um factor
importantíssimo na hora de tomarmos contacto com o campo. A acessibilidade ao campo

64
pode mesmo condicionar todo o desenrolar da investigação. Assim, podemos entender que os
campos a escolher na investigação etnográfica se dividem em mais acessíveis e em menos
acessíveis. Os campos do primeiro tipo são sobretudo públicos, tais como, parques, bares,
ruas, etc., e não oferecem, à partida, dificuldades de acesso. Em contrapartida, os campos do
segundo tipo são sobretudos privados, como por exemplo, os hospitais, cadeias, etc., e exigem
que se negoceie com a autoridade que rege esses mesmos campos.

e) Modos de fazer a observação

Além das formas maiores da observação (participante e não participante), podemos classificar
esta observação em dois outros tipos (que não colidem com aqueles): a observação aberta e a
observação encoberta. No primeiro tipo, o investigador apresenta-se ao campo como
investigador e espera ser integrado. Existe aqui uma espécie de negociação dos papéis, o que
pode levar a que os observados omitam informações, pois sabem que está ali um investigador.
No segundo tipo, o investigador não se apresenta enquanto tal; ele participa também nas
actividades do grupo mas ninguém sabe que ele é investigador. Este tipo de observação
acarreta dificuldades sobretudo de ordem ética (pois que, por princípio, o investigador deve
comunicar as suas intenções junto dos grupos que estuda), além disso, o maior problema é
conseguir manter o secretismo sobre a sua presença no local.

f) A entrada no campo

A entrada no campo é um dos momentos mais difíceis da investigação etnográfica. O


investigador não deve forçar esta entrada, deixando que a investigação decorra gradualmente,
respeitando os ritmos de aceitação por parte dos grupos sociais que ele quer estudar. Além
desta prevenção, o investigador deve estar consciente de que vai alterar o quotidiano do
grupo, retirando daí as devidas implicações para o seu trabalho. Ele deve manter uma posição
intermédia em relação às problemáticas que se desenrolam no campo, evitando intervir em
conflitos e aceitando as normas que regem o grupo. Ao longo da permanência no campo, o
investigador deve fazer por merecer a confiança do grupo social, mantendo a humildade e
aceitando a maneira pela qual o grupo vê o mundo. A confiança deve-se conquistar, mas não
forçando. A melhor maneira de ganhar essa confiança é dar a conhecer aos informantes a

65
razão da sua estadia ali: a legitimidade do seu trabalho, os encarregados pelo mesmo e as
razões da escolha desse grupo social em detrimento de outro. À medida que se vai integrando,
o investigador deve procurar os informantes privilegiados, que sejam reconhecidos pelo grupo
onde estão e que facultem informações importantes para o desenrolar da investigação.

g) A recolha e o registo da informação

O investigador deve optar pela observação participante como técnica fundamental de pesquisa
no campo. Ele deve considerar-se apenas um indivíduo, que não tem qualquer tipo de
privilégios em relação aos demais. Por isso, ele deve não apenas observar, mas também
contribuir com o seu esforço para a prossecução das práticas que o grupo desenvolve. O
Diário de Campo aparece como o suporte privilegiado de registo das informações. Aqui, o
investigador aponta as suas notas, as descrições concretas do que vê e o contexto onde o que
vê tem lugar. Complementarmente, o etnógrafo usa a entrevista, as gravações de som e de
imagem, além de outras técnicas (como o inquérito e a consulta documental). O melhor
momento para se tirarem as notas é quando o fenómeno ocorre (muitas das vezes é impossível
que tal aconteça e, quando mais tarde vamos tentar recordar o que vimos para o registar, é
bem possível que tenhamos esquecido certos pormenores importantes). Além deste
constrangimento à boa observação, o observador deve registar os dados que sabe que
aconteceram no sentido em que o grupo social os entende, evitando tirar conclusões
precipitadas que derivam apenas da sua condição de observador e desconhecedor do sentido
do que acontece. No intuito de se maximizar o registo, o investigador deve anotar:

1 – O espaço físico (lugar onde ocorreram os fenómenos) Onde?;


2 – Os participantes (as pessoas envolvidas nessa ocorrência) Quem?;
3 – O que se faz (razão pela qual se faz o que se faz) O quê?;
4 – O comportamento social (como se faz o que se faz) Como?;
5 – Durante quanto tempo ocorre o fenómeno (duração do que se faz) Durante quanto tempo?;
6 – Frequência do fenómeno (quantas vezes se faz o que se faz) Quantas vezes?; (e)
7 – As impressões que se tiveram (sentido que o investigador dá ao que se faz) O que senti?.

66
h) A análise dos dados

A análise percorre todo o desenvolvimento da investigação e deve fazer-se em todos os


momentos que o investigador tem livres, pois o passo seguinte da investigação será
determinado pelas considerações que se fazem sobre aquilo que se registou. Assim, a análise
deve fazer-se de acordo com o seguinte processo:

1. Leitura das notas de campo (este trabalho é facilitado pela frequência com que se
lêem essas notas, que deve ser diária);
2. Organização das notas de campo (esta organização deve fazer-se também
diariamente e de acordo com a temporalidade e diferenciação espacial do ocorrido
no campo); (e)
3. Retirar as informações significativas para o nosso estudo, isolando-as das
informações que não são importantes (este trabalho deve ser cuidadoso, pois as
restantes notas não se devem destruir, pois podem revelar-se, ao longo do tempo da
investigação, muito importantes).

i) Manutenção do controlo sobre a investigação

Após considerar os elementos que registou no seu diário de campo, o investigador deve
decidir sobre a utilização ou não de outros instrumentos auxiliares à observação participante,
tais como a realização de entrevista, de inquéritos ou leitura e análise de documentos; ele não
pode descurar nenhum tipo de informação que se revele interessante para o desenvolvimento
da sua problemática sobre o tema de estudo que escolheu.

Embora utilize outros instrumentos de obtenção de informação, o investigador não deve nunca
abandonar o seu papel de investigador, mantendo a devida distância em relação ao grupo
social que estuda. Ele deve manter a sua atitude de descrição do que vê.

67
4.2.3. O trabalho de campo

Como sabemos, a etnografia constitui o processo metodológico global que caracteriza a


investigação antropológica. Mas, a etnografia não consiste apenas em realizações de
entrevistas, observações, ou análises de conteúdo; ela consiste também em realizar operações
quantitativas e qualitativas com o intuito de fornecer interpretações sobre a cultura. Para isso,
estabeleceram-se, como primados epistemológicos:

1 – A observação participante, estabelecida por Bronislaw Malinowski como o estudo


centrado na estrutura social que enforma as actividades dos indivíduos, que vivem
constrangidos pelas sanções incluídas nessa estrutura;

2 – A interpretação hermenêutica, defendida como primado epistemológico por James


Clifford e que se centra na acção, nos agentes (indivíduos) que incorporam os ditames da
estrutura; (e)

3 – O discurso dialogal (ou dialógico), também apresentado por James Clifford como um
ponto fundamental da investigação etnográfica e que significa que o processo de investigação
antropológica se constitui em torno de uma “realidade negociada” ou, por mimetismo com o
objecto, onde, o que resulta é, na verdade, uma “realidade regateada”. Este aspecto da
construção da realidade social tanto pelo investigador como pelo investigado deriva do facto
de se considerar que as informações fornecidas pelos informantes são sempre pontos de vista
sobre a realidade (Rosen, 1984). A discrepância entre a “realidade verdadeira” e a “realidade
adquirida” pela investigação assenta na dicotomia referida por Raul Iturra entre o Fazer e o
Dizer.

Quando o antropólogo “faz” trabalho de campo, deve ter em conta que a informação
resultante desse trabalho, além de derivar daquela discrepância entre o “fazer” e o “dizer”,
também resulta de clivagens presentes no interior do próprio investigador, pois que ele é,
segundo Maria Cardeira da Silva, um cientista (porque tenta objectivar uma realidade); um
homem (porque partilha a sua humanidade com o objecto de estudo social); e um autor
(porque recria a realidade social através da escrita).

68
O facto de considerarmos, no procedimento científico, todas estas dimensões, faz com que
tenhamos que concordar com o que diz Rabinow (1977: 139), quando informa que “o trabalho
de campo é um processo de construção intersubjectiva dos modos liminares de comunicação”.

Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1973 [1968]) estabelecem as razões devido às quais o


trabalho de campo adquire o estatuto de primado epistemológico nas ciências sociais
(especialmente na antropologia). Segundo os autores, esse primado deve-se:

a) à maneira como a estratégia metodológica de campo lida com os problemas da


interferência;

b) ao “efeito de redundância” – recolha de informação sobre múltiplas dimensões do


social, fornecendo a possibilidade da permanente confrontação recíproca e da
respectiva análise integrada;

c) procura “efeitos de saturação” – recolha de informação a partir de um número


suficientemente vasto de observações, de conversas ou entrevistas informais e de
outros procedimentos, com vista a que, a partir de certa altura, a informação empírica
comece a não trazer nada de significativamente novo acerca do tema ou problema em
estudo; (e)

d) permite fazer a associação dos dados obtidos à recolha desses mesmos dados,
confrontando os informantes com as informações, estabelecendo-se um plano de
negociação do real através do qual é possível, a partir desta inter-subjectividade,
relevar elementos objectivos da realidade social.

Para que o trabalho de campo tenha êxito, o investigador deve ir para o campo, já de um
modo definitivo, conhecendo as implicações da aplicação do método no seu trabalho
particular. Assim, ele deve dividir o trabalho de campo em quatro fases essenciais, que

69
representam quatro diferentes actos de pesquisa, a saber: a planificação da pesquisa, a recolha
da informação, o registo da informação e a análise da informação.

Segundo Firmino da Costa, “(…) desde o momento da planificação, a metodologia da


pesquisa – e em particular a preparação dos instrumentos e dos procedimentos da investigação
de campo – precisa ser pensada em correlação com uma teoria do objecto, com uma teoria do
investigador enquanto sujeito social e com uma teoria das relações entre ambos no decurso do
processo de pesquisa.” (1986: 143).

Este trabalho reflexivo deve ser feito previamente e toca directamente no conceito do papel do
investigador no campo, que será explicado mais à frente.

O procedimento metodológico do trabalho de campo não surgiu por acaso. Ele surgiu porque,
inicialmente, a antropologia procurou encontrar as razões que fizeram com que as nossas
sociedades europeias viessem a ter a configuração que conhecemos. Para tentar explicar esta
configuração, os antropólogos (ou, melhor dizendo, os precursores da antropologia), tais
como, Seligman, Haddon, Pitt-Rivers, Lafiteau, Tylor e Frazer, faziam especulações, em
gabinete, sobre informações indirectamente recolhidos do seio das sociedades ditas primitivas
(onde poderiam estar as explicações para a configuração das sociedades europeias). A questão
que se punha então era: Como é que nós éramos quando não éramos o que hoje somos? (cf.
Iturra, 1986: 150).

Como informa Iturra, quando foi estudar os Massim, “(…) Malinowski (1913; 1922), com a
mala de hipóteses na mão, descobre uma racionalidade tão diferente da suposta pelos
antropólogos de gabinete que não pôde deixar de assinalar que se sabia mesmo pouco acerca
dos nativos (…). É então que define o ofício do etnógrafo e a necessidade do trabalho de
campo com observação participante.” (idem: 151).

O problema que aqui se levantava era o da racionalidade, que divergia de cultura para cultura
e que não poderia ser simplesmente deduzida a partir de comunicações pontuais e impessoais.
Como ficou comprovado pelos trabalhos de Malinowski, e que Iturra resume, “o nativo é um
ente emotivo incapaz de perceber a totalidade da sua sociedade e do seu agir, uma vez que

70
não tem outros elementos a não ser as metáforas para sobre ela se debruçar; e as metáforas e
os rituais não são bem o real. A sua palavra não é suficiente. É preciso reconstruir a
construção lógica por meio de outros instrumentos que, no seu conjunto, façam o documento.
Estes instrumentos são fabricados a partir da participação na vida, tal como ela decorre na
passagem do tempo, por parte do investigador, e são finalmente a ponte que traz à lógica do
cientista as formas e os conteúdos da lógica e do agir nativo. [Ora], o facto histórico de
estudar relações sociais de povos com técnicas diferentes de reprodução do conhecimento
criou a necessidade de participar na vida deles, observando continuadamente o terreno. [por
isso], a observação participante no trabalho de campo visa, por um lado, construir o
documento e, por outro, acumular informação sobre o mesmo povo para contextualizar
melhor o seu comportamento e, também, para que se possa adquirir saber através da
comparação das formas culturais.” (ibid: 152).

A observação participante pressupõe o trabalho de campo e este não existe sem aquela. A
grande vantagem do trabalho de campo e da observação participante é mesmo a contribuição
que estes procedimentos dão para se discernir a diferença entre o dizer e o fazer e para
descobrir as razões dessa diferença. Como continua Iturra, “para compreender a realidade que
estuda, [o observador] começa pelo “dizer”, cuja prova de verdade se fará pelo contraste com
o “fazer”. (id.: 155) As contradições entre o “dizer” e o “fazer” não são estranhas na realidade
social, elas são até os pontos de partida da construção da realidade social pelos agentes
envolvidos. Mas, para descobrir estas contradições e, a partir daí, reflectir sobre os critérios de
racionalidade de uma sociedade concreta, o investigador não pode apenas suportar a sua
investigação naquilo que é dito, ele deve observar e participar essa e nessa sociedade e, só
assim, poderá discernir sobre as modalidades de construção da realidade social concreta e, só
depois é que pode discorrer sobre a racionalidade na qual se baseia essa construção.

Para que esta confrontação seja possível, Malinowski toca precisamente na razão de ser da
investigação etnográfica. Para que esta seja possível é necessário delimitar muito bem o
problema do estudo; o ideal metodológico, segundo Malinowski, seria que se estudasse “(…)
uma pequena sociedade homogénea, quase fechada às influências exteriores, mas onde o
antropólogo pudesse, contudo, penetrar, para dela vir a ser, à força de paciência e humildade,
o orgulhoso intérprete.” (Sperber,1992: 14). Todavia, na falta de sociedades “homogéneas e

71
quase fechadas às influências exteriores”, deve-se limitar o problema de tal forma a que se
procure explorar um tema específico dentro da variedade possível que caracteriza as
sociedades actuais.

O método do trabalho de campo, originalmente aplicado às sociedades ditas primitivas, foi,


mais tarde, adoptado pela sociologia para estudar as sociedades ditas avançadas,
especialmente por via da sua aplicação nas sociedades rurais europeias pelos antropólogos. A
sociologia renomeou o método como pesquisa de terreno (Costa, 1986; Burgess, 1997).

Além destas duas designações, outras podem ser aproximadas do conceito de “Trabalho de
Campo”, tais como “estudo de caso”, “estudo de comunidade”, “análise intensiva”, “método
qualitativo”, “etnografia” e “observação participante”.

Independentemente dessa multiplicidade de designações, o “trabalho de campo” caracteriza-


se pela “presença prolongada do investigador nos contextos sociais em estudo e contacto
directo com as pessoas e as situações” (Costa, 1997: 129). Sinteticamente, o trabalho de
campo é todo o conjunto de procedimentos técnicos de recolha de informação empírica.”
(idem).

Historicamente, a pesquisa de terreno teve as suas raízes nos preceitos elaborados por Robert
Park, representante da Escola sociológica de Chicago e começou por ser definida como um
método que combina técnicas em que a observação directa, a entrevista não estruturada e a
utilização de documentos pessoais tiveram um lugar preponderante. A Escola de Chicago
bebeu do primado epistemológico do trabalho de campo estabelecido pela antropologia,
especialmente derivado dos preceitos metodológicos emitidos por Boas e Malinowski, e
encetou a aplicação deste método (ou composto metodológico) em meios rurais e urbanos nas
sociedades ditas avançadas (“estudos de comunidade”).

No método de trabalho de campo, o investigador é o instrumento principal da pesquisa; ele


estrutura a pesquisa e serve mesmo como elemento agregador e preponderante no que diz
respeito à aplicação do método e à sua boa prossecução. A investigação centra-se na sua
capacidade para observar a realidade, por isso ele tem um papel que concentra todos as

72
contingências epistemológicas que estão presentes na investigação. Ele deve fazer a
observação dos locais, objectos e símbolos, pessoas, actividades, comportamentos,
interacções verbais, maneiras de fazer, de estar e de dizer, observa as situações, os ritmos, os
acontecimentos e participa no quotidiano. O investigador procura, frequentemente,
“informantes privilegiados”; procura cartas, registos de actividades e outros documentos
pessoais. Faz isto de forma continuada, demorada, por vezes ao longo de vários anos. (Costa,
idem: 132).

O suporte de registo dos dados e observações é, por excelência, o Diário de Campo. Neste
“inventário da sociedade”, o investigador regista, de forma sistemática, observações e
informações; reflexões teóricas e metodológicas; e impressões e estados de espírito. Além de
operar com as técnicas que derivam da observação participante, “não é incomum que às
técnicas nucleares de pesquisa de terreno se associem, complementarmente, outras técnicas,
como questionários, entrevistas estruturadas, análises de estatísticas de doutros documentos.”
(idem).

Ao exercer a sua pesquisa, o investigador vai interferindo na realidade. A esta contingência


chama-se transferência. A transferência pode verificar-se a vários níveis: o investigador
introduz no terreno uma série de novas relações sociais. Como refere Firmino da Costa, “à
medida que se vai prolongando, o trabalho de campo vai não só reorganizando as relações
entre observador e observados como reorganizando também, em certa medida, o próprio
tecido social em análise. Na interacção social não se pode não comunicar (…) e, num quadro
social qualquer, não se pode igualmente deixar de estabelecer relações sociais. A interferência
não é (…) simplesmente, um obstáculo ao conhecimento sociológico mas também um veículo
desse conhecimento. Não o ignorar é uma condição de objectividade.” (1986: 135) Na
verdade, “ao inserir-se num determinado contexto social e ao nele prolongar a sua presença,
[o investigador] constrói ali uma identidade e ali estabelece um conjunto de papéis sociais. É
um processo central do trabalho de campo. As possibilidades de construir uma identidade
social perante membros dum determinado quadro social, e as características dessa identidade,
viabilizam ou inviabilizam a pesquisa, condicionam-na em diversos aspectos. Os papéis
sociais que o pesquisador vai estabelecendo delimitam-lhe os terrenos permitidos e os

73
interditos, condicionam-lhe em boa medida a amplitude, as direcções e os contornos da
investigação.” (ibid.: 144-5)

Conforme faz supor a expressão “olhar distanciado” introduzido por Lévi-Strauss, o


investigador de campo oscila entre a familiarização e o distanciamento. Como refere Roberto
da Mata, o trabalho de campo tem uma dupla tarefa: questionar o exótico transformando-o em
familiar e questionar o familiar tornando-o exótico.

Embora, amiúde, se confunda a observação participante com o trabalho de campo, este é um


corpus metodológico que assenta no facto de o etnógrafo se situar numa posição relativa em
referência ao objecto de estudo que não influencie o comportamento deste. A posição que o
etnógrafo ocupa quando realiza o trabalho de campo varia de acordo com o objecto que ele
estuda: este pode exigir uma maior ou menor proximidade por parte daquele. Esta posição
relativa é simbolizada por aquilo a que Claude Lévi-Strauss definia como “olhar distanciado”.
Do mesmo modo, é necessário que o investigador evite ser etnocêntrico e que faça juízos de
valor (ou opine). Para Gaston Bachelard, a visão científica coloca-se precisamente no pólo
oposto da opinião.

O trabalho de campo é interactivo, flexível, com idas e voltas desde o projecto até à colheita
dos dados.

Como alerta Raul Iturra, “Faz-se normalmente referência ao trabalho de campo e à


observação participante como se fossem o mesmo assunto. A diferença é simples: a
observação participante é o envolvimento directo que o investigador de campo tem com um
grupo social que estuda dentro dos parâmetros das próprias normas do grupo; o trabalho de
campo é um processo que envolve mais aspectos da conduta social, dentro dos quais o
comportamento manifesto é observado. O trabalho de campo procura, no conjunto da
informação sobre o presente e o passado, contextualizar as relações sociais que observa; a
observação participante é pontual, o trabalho de campo é envolvente.” (1986: 149).

O trabalho de campo é o processo de procurar o conhecimento através de vários outros


procedimentos, entre os quais está a observação participante.

74
A observação participante é o envolvimento que despe o investigador do seu conhecimento
cultural próprio, enquanto veste o do grupo investigado; é o exercício que tenta ultrapassar o
etnocentrismo cultural espontâneo com que cada ser humano define o seu estar-na-vida.

A observação participante tem sido vista como a forma original que a antropologia tem ao seu
dispor para obter informações, mas, esta não é a única técnica utilizada para isso. Com efeito,
o etnógrafo utiliza outras técnicas qualitativas complementares a essa para recolher os dados,
tais como a entrevista, o inquérito, os grupos de discussão. A diversidade metodológica
utilizada no trabalho de campo justifica-se no contexto do percurso global da investigação
etnográfica.

4.2.3.1.Os papéis desempenhados no terreno

No seu livro “Levantamento Cultural: exemplo e sugestões”, Júlio de Sousa Martins alerta
para o facto de que “quando se chega ao momento de entrar em acção, deverá começar-se por
estabelecer contacto com uma entidade local, pública ou particular, com a qual trocaremos
impressões sobre a finalidade do nosso trabalho, recolhendo sugestões e opiniões que poderão
vir a revelar-se bastante úteis, procurando desde logo recolher nomes e endereços de pessoas a
contactar sobre o tema que nos interessa e que, por sua vez, nos deverão conduzir a outras. É,
também, importante, conseguir-se a colaboração benévola de alguém que, fazendo parte da
comunidade a contactar e gozando nela de boa reputação, auxilie a estabelecer aquele mínimo
de relacionamento que é não só desejável como indispensável, para “quebra do gelo” inicial e
proporcionar uma comunicação fácil e fluente. De facto, o nosso trabalho de campo depende,
essencialmente, de dois factores: a preparação prévia e a nossa capacidade de estabelecer
diálogo.” (1987: 13).

Mas, como devemos estabelecer esse diálogo? Sousa Martins responde: “para o
estabelecimento do diálogo há que atender a determinados pormenores, que à primeira
impressão alguns poderiam considerar despropositados, mas que o não são realmente. E isto
tem a ver, por exemplo, com a maneira como trajarmos e com o vocabulário que usarmos –
pois tanto num caso como no outro esses aspectos poderão constituir uma barreira que se

75
torna difícil de transpor no momento oportuno. Tanto o modo de vestir como de falar deverão,
na verdade, proporcionar aproximação e não afastamento. Isto é: sem exagerarmos, tanto num
pormenor como no outro devemos passar naturalmente despercebidos, integrando-nos com
facilidade na “paisagem sócio-económico-cultural” que investigarmos”. (id.)

Estes apontamentos são muito importantes. Eles reflectem sobre a noção de integração no
campo, que se faz desde o início, desde que contactamos com ele a fim de obter autorização
para realizar a observação. A este tipo de procedimentos acrescentam-se outros que se
definem por papéis do investigador no interior da unidade de estudo. Para que estes papéis
sirvam o fundamental da investigação, que é fazer um levantamento de um caso concreto que
constitua a realidade social, é necessário partirmos de uma observação directa do fenómeno (o
principal método de obtenção de dados etnográficos). Todavia, casos há em que esse tipo de
observação não é possível, devido a razões de vária ordem e que o investigador não consegue
evitar. A maneira pela qual ele tenta contornar os obstáculos que encontra no terreno é a sua
posição no seio deste. Os papéis que ele desempenhar determinam o êxito da sua
investigação, pelo que ele deve respeitar o caminho que o próprio campo lhe impuser.
Consoante forem essas imposições, o investigador deve adoptar uma posição que possa, de
algum modo, manter a investigação. Robert Burgess (in “A Pesquisa de Terreno”: 87) faz
alusão a algumas tipologias dos papéis desempenhados pelo investigador no campo. Aqui,
apresentarei as tipologias propostas por Gold (1958), por Janes (1961) e por Olesen e
Whittaker (1967).

4.2.3.1.1. Tipologia dos papéis ideal-típicos desempenhados no terreno (Gold)

a) O participante;
b) O observador-participante;
c) O participante-observador;
d) O observador.

76
a) O participante

Esconde a dimensão de observador no papel que desempenha, daí resultando o envolvimento


numa observação oculta (espião/infiltração). Schwartz e Schwartz (1955) tinham denominado
este papel como o de participante passivo.

Problemas:
1 – Os investigadores podem alterar o comportamento do grupo em que entraram;
2 – Os investigadores podem ficar limitados pelo papel que assumem;
3 – Os investigadores podem desempenhar o seu papel tão eficientemente (tornando-se
nativos), que deixam de colher informações ou registar as informações que fazem.

Soluções:
Para superar estes problemas, recomenda-se a realização de intervalos frequentes no trabalho
de campo para poderem registar, reflectir sobre e analisar os dados que obtiveram.

b) O observador-participante

Participa e observa simultaneamente, desenvolvendo relações com os informantes. Segundo


Roy, citado por Burgess, “A principal distinção entre os dois subtipos parece residir na
questão da ocultação do papel de investigador. O observador-participante não só não faz
segredo da sua investigação, como divulga mesmo que a investigação é o seu centro de
interesse mais destacado. Ele está ali para observar.” Isto é, “(…) o observador-participante
não está limitado, ele é livre de andar por onde quiser ao sabor dos interesses das pesquisas;
ele pode mover-se com toda a liberdade.” (Roy, 1970: 217).

Problemas:
1 – Problema na articulação da recolha de dados numa área de conflito social (os
investigadores podem encontrar-se numa das facções do conflito e são, por isso, vistos como
“inimigos” pela facção contrária);

77
2 – Existe sempre o problema do enviesamento da informação por força da maior ou menor
adopção de certas regras ou de certos campos nos quais se divide o campo geral do estudo;
3 – Dificuldade em se saber em que medida um investigador efectivamente participa.

Vantagem:
A observação-participante permite que “o investigador penetre nas situações sociais de modo
a estabelecer relações com informantes de forma a que alguma compreensão do mundo deles
possa ser conseguida.” (Burgess, op. cit.: 89).

c) O participante-observador

Papel desempenhado em situações em que o contacto com informantes é breve, formal e


abertamente classificado como observação. “Nesta situação, o papel do observador é tornado
público e há menos possibilidade de que o investigador se torne nativo.” (id., ibid.)

Problemas:
1 – Este papel é menos satisfatório porque a brevidade das relações resulta em problemas de
enviesamento que decorrem justamente da brevidade dos contactos estabelecidos.
2 – Encontros tão breves significam que o investigador terá dificuldades de acesso ao
significado que os participantes atribuem às situações sociais.

d) O observador

É identificado com situações de reconhecimento “caídas do céu”, nas quais o observador não
mantém qualquer interacção com o informante.

Problemas:
1 – O evitamento de tornar-se nativo traz o problema do etnocentrismo, pois o investigador
pode rejeitar as perspectivas do informante sem mesmo ter chegado a conhecê-las.

78
4.2.3.1.2. Tipologia dos papéis desempenhados no trabalho de campo (Janes)

De acordo com Janes, os papéis desempenhados pelo investigador no campo desenvolvem-se


processualmente e segundo um conjunto de cinco fases. Assim, o investigador é,
sucessivamente (Burgess, id.: 92):

1 – Recém-chegado;
2 – Aceite provisoriamente;
3 – Aceite definitivamente;
4 – Aceite pessoalmente; e
5 – Migrante eminente.

Como podemos deduzir, os papéis do investigador no campo são determinados pelo próprio
campo. Aqui, o investigador desempenha os papéis conforme decorrer a atitude que o campo
tem perante ele. Ao longo deste processo, as funções (leia-se, papéis) desempenhadas pelo
investigador vão sendo lentamente conquistadas. Enquanto recém-chegado, ele tem que
introduzir-se na realidade social, percorrendo, grosso modo, o caminho que Júlio de Sousa
Martins apresentou no seu “Levantamento Cultural”. Na fase de aceitação provisória, o
investigador deve tentar estabelecer uma relação de confiança, participando das preocupações
que invadem o campo e fazendo como vê fazer. Só depois desta cooperação inicial é que ele é
aceite definitivamente e vai ser identificado no campo, fase em que ele desenvolve a maior
parte das suas acções de pesquisa, pois que já “se sente à vontade”. Durante esta fase, o
investigador vai podendo discernir quais são os informantes privilegiados e estes já não terão
receio em informá-lo sem retraimentos. Nesta fase de aceitação social, podem acontecer
situações de colaboração que excedem mesmo as que se pretendem com a investigação, tais
como o surgimento de convites para participar em comemorações, em jantares, bem como
propostas de ajuda caso surjam problemas sobretudo de ordem logística. Finalmente, o
investigador, estando já na fase final do trabalho de campo, prepara-se para abandonar o
mesmo, tornando-se, aos olhos do grupo social que estudou como uma parte do mesmo, sendo
então considerado como uma espécie de “filho que abandona a casa”. Além desta perspectiva
do campo, o investigador, pelos seus próprios olhos, poderá sentir que criou laços de amizade
que perdurarão, podendo mesmo sentir-se angustiado com a iminência de deixar o campo.

79
4.2.3.1.3. Tipologia da construção dos papéis do investigador (Olesen e Whittaker)

De acordo com Olesen e Whittaker, no decurso de um projecto de investigação social, os


papéis são estabelecidos na base de trocas que têm um lugar entre o investigador e o
investigado. O resultado é um processo de construção de papéis que passa por quatro fases:

1 – Encontros superficiais;
2 – Oferecimento e convite;
3 – Selecção e modificação;
4 – Estabilização e sustentação.

Na primeira fase, o investigador está num plano mais teórico do que prático na sua
investigação, pelo que pode acontecer que os papéis desempenhados no campo sejam
articulados com outros que ele desempenha, quer eles sejam desempenhados no âmbito da sua
formação académica, quer sejam mesmo desempenhados no âmbito da sua vida pessoal. Ao
longo da investigação, o investigador vai, lenta e gradualmente, definindo a sua posição no
campo, pois só agora pode sentir que está verdadeiramente contextualizado e que pode definir
em concreto quem ele é no meio do campo. Na terceira fase, o investigador faz então a
selecção dos casos mais significativos que encontra na realidade social e que serão aqueles a
que ele dará mais atenção, seleccionando também os papéis que mais se adequam à aquisição
das informações no campo. Ele vai distinguir entre papéis de investigação viáveis e papéis
reais, reflectindo sobre a eficiência da sua posição no campo. Finalmente, o investigador, após
ter discernido efectivamente a sua posição no campo, vai poder fazer um balanço entre os
papéis de investigação e os papéis reais vividos. Nesta fase ele determinou, com certeza, as
fronteiras entre o ser e o dever ser. Ele começa a comportar-se ou como simples participante,
ou como observador-participante. O investigador vai estar sujeito a vivências de ordem social
que não são rígidas nem formais e que não exigem, por si só, uma posição de analista, por
isso, ele deve saber quando as informações são tidas como necessárias para a investigação ou
quando elas são apenas relações sociais normais sem implicações no todo da investigação.

80
De acordo com Robert Burgess existe uma complementaridade de papéis exercidos pelo
investigador aquando do trabalho de campo, pelo que as tipologias apresentadas têm apenas a
função de aludir para situações específicas perante as quais o investigador vai estar presente.
Assim sendo, e de acordo com as suas próprias palavras, o “(…) investigador de terreno pode
(…) achar que estes diferentes papéis são usados em diferentes fases da pesquisa ao longo de
um dado período de tempo, ou que, para o que interessa, esses papéis podem ser usados em
diferentes momentos no decurso da pesquisa.” (op. cit.: 91). Por outras palavras, o
investigador pode considerar que o trabalho de campo se faz em fases perfeitamente
definíveis ou que, por outro lado, essas fases não são mais do que momentos do mesmo
período de tempo, pois que a investigação não se encontra partilhada, mas sim unificada.

4.2.3.2.Factores sociais que influenciam a escolha dos papéis desempenhados na


investigação

Os papéis desempenhados pelo investigador no trabalho de campo dependem de múltiplos


factores que podem mesmo definir o caminho geral desse trabalho e o resultado final da
investigação. Como refere Burgess, “Os papéis desempenhados no âmbito de uma
investigação são constantemente negociados e renegociados com os diversos informantes ao
longo de um projecto de investigação (op. cit.: 92). Isto significa que o caminho da
investigação depende mesmo da capacidade de negociação do investigador. Ele deve ter
sempre em referência o problema do seu estudo e deve encaminhar a sua participação no
campo no sentido de encontrar caminhos para o estudo desse mesmo problema.

A capacidade de negociação dos papéis depende de alguns factores sociais que formaram o
investigador e dos quais ele não pode fugir. “A experiência, a idade, o sexo e a etnia
influenciam o papel do investigador, as relações pré-estabelecidas e o próprio processo de
pesquisa. [Ou seja,] a diversidade de papéis que os investigadores podem assumir e as
relações que estão estabelecidas estão estreitamente ligadas às características pessoais.” (id.).
Estas características pessoais referem-se sobretudo ao investigador, mas também não
podemos omitir as que se referem ao investigado. Todavia, para nós interessam sobretudo
aquelas que derivam do investigador pois que, em última instância, é ele que determina o

81
caminho que a investigação irá percorrer, podendo sempre reorientar a sua acção no campo de
acordo com os obstáculos que este lhe pode pôr.

Vejamos então, em que medida os factores sociais que formaram o investigador podem
influenciar a sua prestação.

a) A Experiência

Conforme dizia Dawe (1973), referenciado por Burgess, qualquer afirmação com significado
subjectivo incorpora elementos da experiência do investigador, bem como da experiência
daqueles que são estudados. Sendo assim, a experiência do investigador é decisiva na
produção da informação. A natureza social do investigador faz com que, no final, não apenas
o trabalho redigido pelo investigador, mas também (e sobretudo) o seu próprio Diário de
Campo sejam espelhos da sua formação pessoal (e, em segundo plano, dos investigados).

b) A Idade

No âmbito das ciências sociais, a idade é muito importante enquanto condicionante da


investigação. Primeiramente, a acumulação de conhecimentos (tanto teóricos como práticos)
aumenta com a idade, e, secundariamente, existem campos de estudo que podem ser
autênticas provas de esforço para investigadores mais idosos. Além disso, no caso concreto do
estudo de populações idosas, é muito importante que se possam reconhecer os problemas
pelos quais essas populações passam, o que, obviamente, só está ao alcance dos
investigadores com mais idade. No caso de estudos realizados em hospitais, junto de doentes
idosos, ou no caso de estudos que incidam em doenças mais sentidas pelos idosos (Alzheimer,
Parkinson, etc.) os investigadores jovens terão maiores dificuldades em compreender a razão
de determinadas situações ou comportamentos.

c) O Sexo

Existem casos concretos em que o sexo do investigador determina o êxito da investigação.


Além de existirem problemáticas que são mais do âmbito feminino ou do masculino, também

82
há sociedades em que estes dois mundos são de tal forma compartimentados que é impossível
ao investigador de outro sexo entrar no campo e aí desenvolver a sua investigação. Além
disso, no caso de problemáticas mais específicas de determinado sexo, existe sempre o
problema da falta de compreensão sobre um assunto impossível de ser vivido por outro sexo e
até o problema do preconceito, que pode fazer com que a investigação simplesmente se torne
impossível. Como defendia Wax (1979), em qualquer cultura existem problemas sobre os
quais os sexos fazem segredo quando deparados com investigadores que não partilhem da
mesma condição. Assim, qualquer estudo global (leia-se, holístico) sobre dada sociedade deve
ser feito por equipas de investigação compostas por elementos de ambos os sexos. Do mesmo
modo, como referem Frankenberg (1976) e Morgan (1981), a escolha dos temas de estudo
varia de acordo com o sexo do investigador. Assim, por exemplo, em antropologia, as
antropólogas incidem o seu estudo predominantemente em questões relacionadas com o
género e com a posição da mulher na sociedade, ou ainda com estudos sobre a menstruação, o
parto, a vida familiar, o poder político e as mulheres, as prisões femininas, etc; enquanto isso,
os antropólogos estudam mais as questões do carisma político, da vida pública, das técnicas,
da hominização, etc. A estas tendências, estes autores chamaram “etnografia machista”.

d) A Etnia

Finalmente, existe um outro constrangimento à investigação ao qual não se pode fugir: a etnia
a que o investigador pertence. Nalguns casos, as pesquisas etnográficas reflectem
preocupações históricas e étnicas, como quando o investigador pretende, através da sua
investigação compreender determinada questão sobre a sua cultura e que não pôde, por outra
forma, atingir uma resposta. No caso dos países mais pobres, os investigadores pretenderão
estudar as causas do sub-desenvolvimento, ou as origens étnicas do seu povo, ou a
escravatura, etc.

Ao nível da investigação antropológica, que é universal por definição, tem-se a tendência a


estudar problemas humanos globais tendo-se como referência a própria cultura do
investigador. Da mesma forma, o investigador procurará sempre compreender-se a si próprio
através das investigações levadas a cabo noutros campos que não o seu. Aqui revela-se uma

83
espécie de etnocentrismo e uma procura das origens da sua própria cultura (estudando-se os
mitos de origem, o folclore, as tradições orais, etc.)

Seja como for, o investigador, quando parte para uma investigação, deve ter em conta estas
vicissitudes que a investigação reflecte. Em última instância, ele procura sempre respostas
para as perguntas que ele traz dentro de si há muito tempo.

Embora estas considerações sejam verdadeiras, não podemos entender estes constrangimentos
como uma espécie de subjectividade, que viciará todo o processo de investigação. Pelo
contrário, tê-las presentes no início de qualquer projecto de investigação alerta para o seu
perigo e mantém o investigador num plano mais ou menos distante em relação às suas
implicações de ordem epistemológica. O objectivo essencial da formação ao nível
epistemológico e metodológico é situar o investigador num plano de cientificidade em que
possa considerar os perigos que a investigação implica, mas que também a tornam científica
ao remeter para esses mesmos perigos. Em suma, embora existam todas estas chamadas de
atenção, a ciência só pode ser feita por homens e mulheres que vivem na sua condição
humana…

4.2.4. A selecção das técnicas

A observação deve ser construída pelo investigador. Enquanto instrumento principal da


investigação, ele deve fazer um trabalho racional de escolha dos métodos de observação mais
eficazes em cada caso particular. Assim, o investigador deve elaborar os instrumentos de
observação que maiores informações lhe podem dar sobre o problema que quer estudar, e que
lhe permitam testar convenientemente as hipóteses.

Na selecção dos instrumentos de recolha de dados interferem três acções fundamentais:

1 – a concepção do instrumento de observação (entrevista, inquérito, etc.);


2 – o teste do instrumento de observação (aplicar a técnica na amostra definida);
3 – a colheita dos dados (executar o instrumento de observação).

84
No intuito de se adquirir um bom conjunto de informações, é necessário que o investigador
tenha um papel flexível no seio da unidade de estudo. Consoante for este papel, assim
variarão as técnicas de obtenção de dados adoptadas, que, por sua vez, se apresentam,
principalmente, em três formas principais:

a) A entrevista;
b) O inquérito; e
c) A análise de conteúdo do espaço, das relações e da linguagem.

A aplicação de cada uma destas técnicas varia, então, com o tipo de papel que o investigador
tem na unidade de estudo e elas são aplicadas de modo diferencial conforme o tipo de dados
que o investigador pretenda recolher. A primeira pretende obter informações específicas sobre
determinado assunto que poucas pessoas podem fornecer; a segunda utiliza-se mais para obter
frequências de acontecimentos e sua distribuição e a terceira aplica-se quando se tenta
descobrir sentidos ocultos no espaço (ecologia social), nas relações (proxemia) e na
linguagem (tais como repetições de mensagens e/ou palavras, gestos, atitudes, etc.).

Na pesquisa etnográfica, o diário de campo assume a função de matriz da observação, a qual


integra informações de vária ordem que estruturam toda a investigação, como as notas
metodológicas ou teóricas. A centralidade deste instrumento confere-lhe ainda o estatuto de
técnica de registo de dados, porque também serve de suporte ao registo de notas substantivas.
Nos parágrafos seguintes veremos como estes aspectos são fundamentais na fase de
implementação do projecto.

No método do trabalho de campo usam-se várias técnicas, mas a observação é a mais


importante. É precisamente esta técnica que caracteriza o trabalho de campo como “(…) a arte
de obter respostas sem fazer perguntas.” (Costa, 1986: 138).

Como vimos, a observação está relacionada com o tipo de participação do investigador no


meio social que estuda.

85
Podemos dividir a observação em dois tipos maiores: a observação directa e a observação
indirecta. A primeira é feita directamente pelo investigador, sem recorrer a qualquer tipo de
filtro da realidade, utilizando apenas a sua capacidade perceptiva; a segunda é realizada a
partir de observações feitas pelos agentes sociais que compõem o grupo social em estudo,
pelo que o investigador está já a obter um interpretação da realidade feita pelo informante.

Neste ponto do estudo importa-nos de sobremaneira a observação directa, pois que é através
dela que o investigador adquire a maior parte das informações (devido, essencialmente, ao
facto de ser ele o orientador da investigação ou, como se disse, o instrumento principal do
método do trabalho de campo).

A observação directa é o “(…) conjunto de técnicas de observação visual e auditiva, não


envolvendo interacções verbais específicas com o observador, e supondo frequentemente o
anonimato deste (…)” (Costa, id.: 136).

Um dos tipos de observação directa é a observação participante, técnica fundamental de


pesquisa e que, muitas das vezes, é confundida com o próprio método do trabalho de campo
em si. Como indica Firmino da Costa, a observação participante é “o método do estudo de
caso pelo trabalho de campo, nesse sentido, é particularmente adequado à investigação, não
duma faceta isolada, mas dum tecido espesso de dimensões articuladas do social. A unidade
social em observação não pode ser demasiado extensa e o período de observação não pode ser
demasiado curto uma vez que o que se pretende é uma recolha intensiva de informação acerca
dum vasto leque de práticas e de representações sociais, com o objectivo tanto de as descrever
como de alcançar a caracterização local das estruturas e dos processos sociais que organizam
e dinamizam esse quadro social.” (id.: 137) E continua, “(…) a estadia prolongada no terreno
possibilita que, a uma observação, digamos, em primeiro grau, das acções e das verbalizações
das pessoas se adicione uma observação, digamos, em segundo grau, do próprio processo de
relacionamento, ao longo do tempo, dessas pessoas com o investigador.” (ibid.: 139).

Em suma, “(…) a observação participante dá os melhores resultados na obtenção de


informações sobre comportamentos, discursos e acontecimentos observáveis mas que passam
desapercebidos à consciência explícita dos actores sociais. Mas pode ser em parte substituída,

86
com as devidas precauções, por entrevistas a informantes privilegiados, em casos em que o
investigador não está presente ou não tem acesso a certos locais, actividades ou
acontecimentos. Já onde a entrevista é mais eficiente é na obtenção de normas e status
institucionalizados, de conhecimento geral e facilmente verbalizáveis. A observação directa
participante pode também obter estas informações, mas de maneira fragmentada e morosa.
Por outro lado, a entrevista a um informante privilegiado com um grande conhecimento dum
assunto específico pode substituir um censo por questionário ou por contagem directa.” (id.:
141)

Como vemos, o trabalho de campo caracteriza-se por uma oscilação entre várias técnicas de
obtenção de informações. Cada uma delas tem as suas vantagens, o investigador é que deve
decidir quando deve optar por uma ou por outra, consoante os problemas que vai encontrando
ao longo do seu estudo.

Morris Zelditch (citado por Firmino da Costa, op. cit.: 140) divide as técnicas a utilizar no
trabalho de campo de acordo com as vantagens que cada uma delas tem para a obtenção
dessas informações específicas. De acordo com ele, a cada tipo de informação corresponde
seu tipo especial de técnica de pesquisa. Em sentido resumido, ele acha que:

a) a observação directa participante e continuada, a conversa e as entrevistas informais


são particularmente úteis para captar acontecimentos, práticas e narrativas;

b) a entrevista formal é dirigida especialmente para a recolha de normas e classificações


de estatutos sociais;

c) os questionários, contagens e amostragens são aconselháveis para a obtenção de


informações sobre distribuições e frequências de indicadores ou fenómenos
manifestos.

87
4.2.4.1.O registo dos dados fornecidos pela observação

O Diário de Campo é um instrumento fundamental para se obterem dados etnográficos e para


estudar os problemas sociais em geral. Podemos anotar três tipos principais de dados no
Diário de Campo: os dados substantivos (retirados directamente da realidade), os dados
metodológicos (que consistem em reflexões sobre o melhor caminho a percorrer consoante os
problemas que surjam no campo) e os dados de análise (que reflectem sobre a questão de
partida e remetem para a construção de novas hipóteses, que podem ser consideradas no
estudo).

As técnicas a usar para o registo dos dados são construídas pelo investigador e não há
nenhuma forma que determine, com obrigação, a melhor forma de o fazer. A excepção a esta
falta de obrigação reflecte-se na necessidade, inerente ao trabalho de campo antropológico, de
usarmos o Diário de Campo como suporte fundamental de registo de dados.

A variedade com que podemos ver a realidade resulta, portanto, numa variedade de formatos
de registo que devem constituir o Diário de Campo. Estes formatos são então adequados à
realidade e são constituídos, em termos formais, por indicadores e conceitos que começam a
ter que ser considerados a partir do momento em que nos inteiramos da realidade que estamos
a estudar.

Neste ponto iremos ver quais são as implicações de quatro tipos de técnicas usadas no Diário
de Campo para se registar a realidade social. Veremos primeiro o modelo mais simples de
Diários de Campo, passando, em seguida para o modelo aplicado por Humphreys, pelo
aplicado por Burgess e, finalmente, estudaremos a folha de observação aplicada por Stacey no
estudo do caso específico da interacção enfermeiro-doente (que poderá constituir uma pista
preciosa para os estudantes da área de saúde poderem registar a realidade especial deste tipo
de interacções).

88
4.2.4.1.1. O modelo geral de registo em Diário de Campo

Este modelo apresenta os pontos essenciais de registo que se devem ter em conta quando
fazemos trabalho de campo. A sua maior vantagem é ser generalista e poder ser aplicado em
qualquer situação de investigação no terreno, por isso mesmo ele é reconhecido pelos
cientistas sociais quando aplicado, não podendo ser recusado, pois que toca nos pontos
principais a ter em conta nessa mesma investigação.

LOCAL:

PARTICIPANTES PRINCIPAIS:

DIA: HORA INÍCIO: HORA TÉRMINO:

NÚMERO DE PARTICIPANTES:

OBJECTIVOS DA RESULTADOS ESPERADOS:


ACTIVIDADE:

RESULTADOS OBTIDOS:

1. Principais facilitadores da actividade

2. Principais obstáculos da actividade

Acordos / conclusões que observa:

OBSERVAÇÕES:

89
O seu carácter generalista, além de permitir a sua aplicação em qualquer terreno e para
qualquer estudo, independentemente do seu objecto, torna-o bastante flexível, pois pode ser
adaptado pelo investigador, caso exista alguma contingência que não foi prevista
antecipadamente. Uma outra vantagem de ser generalista é que este modelo não pode ser
apelidado de reducionista, já que permite incluir todas as situações sociais possíveis.

4.2.4.1.2. A Folha de Observação sistemática (o exemplo do estudo de Humphreys)

O modelo geral é fundamental para se obterem informações de carácter geral, mas peca por
falta de especialização em determinados contextos e/ou situações em que é necessária uma
visão sistemática mais aprofundada. Quando acontece que o investigador se depara com uma
situação no campo que é fundamental para a sua investigação e que não exige um
enquadramento geral num problema mais amplo, ele normalmente constrói a sua própria
técnica de obtenção de dados. Este aspecto é muito recorrente em antropologia, pois que,
mesmo que os problemas a estudar sejam universais, há sempre a necessidade de tornar a
observação mais especializada, devido a várias razões, entre as quais encontra-se a
necessidade de se adaptar o Diário de Campo a uma perspectiva especial (que pode derivar da
forma como o investigador vê o problema, das limitações metodológicas que esse problema
exige e mesmo da necessidade de se sistematizar um problema cujo sentido seja mais difícil
de encontrar).

Este tipo de técnica tem muitas vantagens. Além da que se já referiu (a especialização),
permite fazer uma observação sistemática (de aplicação continuada) sobre determinado
aspecto especial da realidade, podendo, por isso, contribuir para um maior aprofundamento
sobre dada situação e/ou comportamento. Uma outra vantagem, muito importante, é que
possibilita que os dados qualitativos que se apresentam ao investigador na forma de corpos,
acções, comportamentos organizados e outras performances sociais em geral, possam ser
esmiuçados ao ponto de ser mais fácil atingir o “efeito de saturação”. Este aspecto torna-se
mais fácil de traduzir para linguagem científica quando se usam, logo desde a observação,
formas de codificação dos dados (símbolos) que facilitarão, partindo já do terreno, a análise
posterior e a visualização de padrões de comportamentos e de identificação de
acontecimentos, atalhando, deste modo o trabalho de investigação, pois que permitem que se

90
percorra o caminho da observação para a análise dos dados, percurso inverso ao que é feito
pelo modelo de análise, que parte do problema para a observação. Humphreys estudou a
dinâmica social das relações homossexuais, e recorreu à codificação também como meio de
defender o anonimato dos actores intervenientes através do registo encriptado daquilo que via.

Quando o investigador constrói uma técnica deste tipo já está a fazer, de algum modo, uma
análise prévia dos dados, traduzindo os indicadores empíricos em termos com valor científico.
Esta técnica é utilizada quando se querem encontrar padrões de comportamento e é própria de
trabalhos do tipo estruturalista, que procuram atingir o sentido daquilo que se vê. Através da
tradução dos indicadores sociais em valores simbólicos, pode-se estabelecer proposições do

91
tipo matemático, reduzindo-se a informação a espécies de fórmulas, tal como são utilizadas
em antropologia, principalmente nos estudos feitos em linguística e no parentesco. Um
exemplo de fórmulas adquiridas através desta técnica pode ser visto na tipologia dos sistemas
de parentesco de Murdock (1949). Nesta tipologia estão apresentados os cinco principais
sistemas de parentesco de todas as sociedades humanas. Como podemos constatar, o nível de
sintetização é extremo, pois tamanha variedade de sistemas familiares foram reduzidos a
cinco tipos fundamentais:

1. Sistema terminológico de parentesco Esquimó:


G  [ // = X ]

2. Sistema terminológico de parentesco Iroquês:


[ G = // ]  X

3. Sistema terminológico Omaha:


Xm
[ G = // ] ≠
Xp

4. Sistema terminológico de parentesco Crow:


Xp
[ G = // ] =
Xm

5. Sistema terminológico de parentesco Sudanês:


G ≠ // ≠ Xp ≠ Xm

Este tipo de síntese só é possível de atingir após muitos anos de observação, nas mais variadas
culturas humanas e recorrendo-se a uma técnica de codificação que tente representar ao
máximo o sentido das manifestações humanas. Estas estruturas de parentesco encerram em si
o sentido de todas as relações familiares que dada cultura apresenta (e que derivam de três
relações maiores: a aliança, a filiação e a germanidade). De forma esquemática, todos os

92
arranjos possíveis destas três relações de parentesco fundamentais adquirem esta forma
extremamente densa de sentido e visualmente leve:

Homem

Mulher

Aliança

Germanidade

Filiação

4.2.4.1.3. As representações gráficas (Burgess)

Quando estudou o mundo escolar nos E.U.A., Burgess utilizou, entre outras técnicas de
registo de dados que constituíram o seu Diário de Campo, a técnica da representação gráfica.
Através desta técnica ele pôde estudar os hábitos das pessoas e descobriu que os professores,
quando estavam na sua sala durante o intervalo das aulas, mantinham os seus lugares cativos.
Além disso, ele pôde constatar que a sua localização no interior da sala respeitava um padrão
que traduzia a posição relativa de poder entre os docentes. Um desenho da sala mostrou, por
exemplo, que a classe directora da escola se situava ao pé dos quadros de informações para o
pessoal, o que denotava uma certa lógica de emanação das directrizes a partir do lugar onde
eles estavam, ao mesmo tempo que representava a sua aproximação às funções
administrativas e de gestão. Em contrapartida, a secção mais lúdica (mesas de café) eram
ocupadas pelos professores que tinham menos tempo na escola e que tinham menos
experiência nas questões de organização da instituição, chegando estes mesmo a distribuir-se
por áreas de formação e por sexos. A grande vantagem desta técnica radica-se na facilidade
com que ela encontra um padrão de organização do pessoal dentro de um espaço fechado, o
que remete, por dedução, para a questão das posições sociais a nível interno, tal como Pierre
Bourdieu oportunamente defendeu.

93
(Fonte: Burgess, 1997: 185)

4.2.4.1.4. O modelo utilizado por Stacey

Quando Stacey realizou trabalho de campo num hospital e estudou a relação enfermeiro-
doente, construiu uma folha de observação que reflectia os indicadores que queria fazer
ressaltar. Como podemos ver abaixo, Stacey organizou o Diário de Campo recorrendo a uma
Folha de Observação sistemática (à imagem da técnica aplicada por Humphreys), mas não
teve a preocupação de estabelecer uma simbologia para representar os acontecimentos, pois
que o objectivo era sobretudo anotar as reacções de uma criança ao contexto geral da
enfermaria em que se encontrava. Todos os aspectos que o autor considerou relevantes para o
seu estudo foram sistematizados nesta grelha e foram sujeitos a uma observação intensiva que
mais tarde foi traduzida em texto.

94
A grande vantagem desta técnica assenta na possibilidade de se fazer uma observação
sistemática e bem balizada, quer no espaço e no tempo, quer em termos de problemática. Ao
estabelecer os indicadores que constituem a grelha, Stacey delimitou simultaneamente o seu
objecto de estudo e evitou, desse modo, dispersões.

Tal como Stacey, Burgess também recorreu aos apontamentos escritos, fazendo uma
descrição exaustiva das suas observações percorrendo o tempo pormenorizadamente. A
técnica da escrita em texto corrido é sempre utilizada em trabalho de campo e fornece o
contexto geral da aplicação das técnicas especiais que cada investigador constrói. Texto e
técnicas especiais são, portanto, as duas faces da mesma moeda quando se procede ao
trabalho de campo.

Como lembra Burgess, a “pesquisa de terreno envolve simultaneamente a colheita e a análise


de dados. Ao colher dados o investigador de terreno produz uma série de notas, retira
anotações de jornais e diários, faz transcrições de entrevistas e fotografias. Há também uma
grande variedade de material documental sobre o qual o investigador pode trabalhar e do qual

95
decorre a análise de dados e a elaboração de relatórios escritos. (…) Algumas das questões-
chave que necessitam de ser esclarecidas nesta área [métodos de investigação de campo]
incluem: como são feitas as notas de trabalho de campo? Quando devem ser feitas? Como são
codificadas, indexadas e arquivadas? Como se organizam os materiais com o propósito de os
analisar? Como devem ser relatados? (op. cit.: 181). O ponto seguinte pretende fornecer
algumas respostas.

4.2.4.1.5. Tipos de notas

Podemos ver que o trabalho de campo implica que se tenham em conta variados aspectos que
tocam em toda a investigação, desde a aquisição dos dados (e consequente revisão da
problemática), passando pelo seu tratamento e culminando da redacção do relatório. Wright
Mills (1959) defende que o Diário de Campo é um suporte de registo de dados obrigatório,
pois permite, para além de todas as vantagens que tem em termos de suporte de registos,
articular o papel de investigador com as perspectivas pessoais que ele tem sobre a realidade.
Como ele indica, “o investigador, enquanto trabalhador intelectual tentará associar aquilo que
está a fazer intelectualmente com a própria experiência pessoal. Não haverá o receio de usar a
experiência e de a associar aos trabalhos em curso.” (Mills, 1959: 196; citado por Burgess, id.
ibid.).

O Diário de Campo será então, de acordo com as palavras de Burgess, um arquivo de ideias.
Todavia, a função do Diário de Campo não se resume à de arquivo. Ele é, antes de mais, um
instrumento de investigação e um plano de execução do projecto inicialmente definido.
Devido a estas características, o Diário de Campo fornece (ou deve fornecer) respostas às
questões fundamentais a nível operativo, tais como: Quando? O quê? Quem? Onde? Como
bem lembra Burgess, “Uma tal lista de questões exige que se tirem notas acerca de lugares,
acontecimentos, actividades, pessoas, conversações. Contudo, não é possível registar tudo o
que ocorre numa situação e, por consequência, os investigadores ver-se-ão obrigados a tomar
uma série de decisões acerca do que incluir no estudo em função dos seus interesses
substantivos e teóricos.” (op. cit.: 182). Com base nesta perspectiva, pode-se considerar que o
Diário de Campo deve conter registos de várias índoles, permitindo que a investigação se faça
não apenas seguindo uma lógica de absorção de informações recolhidas no campo, mas

96
também seguindo uma lógica de aperfeiçoamento da perspectiva do investigador, tanto ao
nível metodológico como ao nível reflexivo e mesmo analítico.

Assim, de acordo com Burgess, no Diário de Campo devem constar notas substantivas,
metodológicas e analíticas.

a) Notas substantivas

Segundo Burgess, “as notas de campo substantivas consistem num registo contínuo de
situações, acontecimentos e conversas nas quais o investigador participa. Constituem um
registo de observações e entrevistas que são obtidas pelo investigador e do conteúdo de
documentos. Nalguns casos, estas notas são registadas sistematicamente usando secções e
categorias preestabelecidas para acontecimentos e situações particulares. Noutros casos,
questões substantivas e conceptuais podem influenciar a selecção de materiais e são
registados. Tal como o investigador selecciona as observações que são feitas e as entrevistas
que se realizam, também alguma escolha deve ter lugar quando se registam as notas de campo
substantivas.” (ibid.).

As notas substantivas devem tirar-se sempre que possível, articulando-se o discurso falado
com a representação gráfica do acontecimento ou do plano no qual a situação tem lugar.
Como vimos, esta representação ajuda a sistematizar os dados e permite que o investigador
clarifique possíveis pontos de tensão e/ou de consenso existente no campo. Muitas das
situações, sendo desta forma codificadas, atingem um ponto de demonstração que não é
possível atingir por via da palavra. Além disso, pode-se partir destas representações para se
obterem fórmulas dos acontecimentos, a partir das quais podemos “manusear” a realidade,
reflectindo sobre as implicações que determinada alteração no campo social poderá acarretar.
Os trabalhos estruturalistas baseiam-se precisamente nesta capacidade de codificação da
realidade em símbolos, permitindo descobrir mais facilmente as diferenças e as semelhanças
entre as culturas em determinado aspecto da realidade social.

Obviamente, este trabalho de registo de notas substantivas não é feito levemente. Não é
possível encontrar essas implicações no próprio terreno, mas é imprescindível que se tirem as

97
notas necessárias no próprio terreno para que se possa, mais tarde, construir um cenário geral
das situações que se observaram. Muitas informações podem ser encontradas desta forma, as
quais, inicialmente, não estavam na consciência do investigador. Este trabalho de paciência
poderá mesmo funcionar como um atalho para se descobrirem as estruturas que regulam
aquilo que é observável.

No ponto anterior, vimos alguns exemplos das técnicas utilizadas para registar dados no
Diário de Campo. As técnicas utilizadas por Humphreys e por Burgess representam muito
bem como as notas substantivas são tomadas no Diário de Campo. No primeiro caso, Laud
Humphreys (1970) apresenta a sua folha de observação, mostrando os símbolos e termos que
utilizou quando estudou o comportamento dos homossexuais nos lavabos públicos dos E.U.A.
Ao longo da sua observação, ele utilizou esta folha de forma sistemática, de modo a poder
retirar conclusões sobre o comportamento dos homossexuais ao longo do tempo, sem, todavia,
menosprezar o que se passava no contexto social geral que circundava os lavabos públicos.
No segundo caso, é apresentada uma representação gráfica da sala dos professores da Escola
Bishop McGregor, feita por Robert Burgess (1983). Como ele próprio diz, “no meu próprio
trabalho achei que era essencial tomar sistematicamente notas substantivas, mas não elaborei
folhas de registo nas quais anotasse esses dados. As notas eram predominantemente
descritivas e tinham como objectivo proporcionar um retrato detalhado das várias situações
em que eu em envolvia. As notas de campo incluíam descrições físicas, descrições de
situações e de informantes, detalhes de conversações e relatos de acontecimentos.” (op. cit.:
183).

Além desta técnica, Burgess registava todos os passos que achava importantes para
desenvolver a sua problemática (“a maneira pela qual a assembleia matinal era usada para
reforçar as normas e os valores dos membros seniores da escola”). Ele elaborava longos
relatórios sobre o que se dizia nas assembleias matinais da escola e registava-os em texto
corrido (ver Burgess, op. cit.: 186-7), técnica de registo que, segundo o autor, permitiu
“examinar as categorias que eram usadas pelos professores presentes nas assembleias
matinais, a terminologia que era empregue e os assuntos tratados” (id.: 187).

98
b) Notas metodológicas

Como refere Burgess, “estas notas consistem em reflexões pessoais sobre a (…) actividade de
campo. Algumas delas abordam problemas, impressões, sentimentos e intuições bem como
alguns dos processos e procedimentos associados com a pesquisa de terreno. O objectivo
principal destas notas é a reflexão. Aqui, os investigadores podem equacionar os seus
métodos e especular sobre as maneiras pelas quais estes métodos podem ser adoptados,
adaptados e desenvolvidos em contextos particulares.” (id.: 188).

E conclui: “a elaboração de um conjunto de notas metodológicas permitirá ao investigador ser


reflexivo e comprometer-se nalguma forma de auto-análise durante o processo de pesquisa,
um procedimento que tem sido seguido por alguns antropólogos sociais (cf. Malinowski,
1967; Spindler, 1970) e deve ser recomendado a todos quantos se empenham na pesquisa de
terreno.” (id.: 189).

O registo de notas metodológicas permite ao investigador definir o seu próprio papel no


interior do campo, ao mesmo tempo que o orienta em termos teóricos e permite encontrar
novos elementos operativos que possam descobrir novas formas de ver o problema e de
melhorar a sua interpretação. Este tipo de informação deve ser articulada com os outros tipos
de notas, de modo a que, no seu conjunto, sirvam o propósito de gerar mais e melhor
conhecimento, não apenas acerca do problema, mas também acerca do próprio investigador.
Pois, como referia Ernst Cassirer (1995), o objectivo último da ciência é o auto-
conhecimento.

c) Notas de análise

As notas de análise são semelhantes às notas metodológicas, mas menos operativas. Elas têm
a função de resolver questões relacionadas com a problemática da investigação, remetendo
directamente para a reformulação das hipóteses aí apresentadas. São também uma espécie de
fase preliminar à análise dos dados recolhidos no terreno e podem ser preciosas quando nos
sentarmos à secretária e encetarmos a análise dos dados de modo definitivo. De facto, o
investigador, ao longo do trabalho de campo, vai reunindo um conjunto de ideias sobre o

99
problema cujo estudo propôs e que está cristalizado na pergunta de partida da investigação
que está a desenvolver. Aqui faz-se um trabalho prévio de articulação entre as hipóteses de
trabalho (que também vão surgindo ao longo do processo de observação da realidade) e a
realidade. Glaser e Strauss (1967) aconselham a que se registem estas notas de análise
sempre, pois que servirão, posteriormente, para constituir o núcleo das análises preliminares.
Estes autores defendem mesmo que as notas de análise sejam tomadas separadamente do
Diário de Campo, remetendo, contudo, para o mesmo e para os elementos substantivos que aí
estão presentes e que confirmam esta primeira fase analítica. Burgess acrescenta que “tais
apontamentos podem incluir resumos redigidos no final do dia de trabalho de terreno, nos
quais o investigador indica aspectos emergentes e conceitos que podem ser desenvolvidos
juntamente com reflexões preliminares acerca do enquadramento analítico. Se estes resumos
são regularmente produzidos no decurso do período de pesquisa, isso significa que o
investigador terá temas estabelecidos antes de o índice completo estar preparado.” (op. cit.:
190)

Sucintamente, para muitos investigadores, a colheita de dados e o trabalho de campo trabalho


de em par. Os investigadores partem para o campo para colher directamente os dados através
da observação. O processo de aquisição dos dados tem dois aspectos principais: tomar nota
dos progressos do projecto e prosseguir com a colheita dos dados. Para registar os progressos
e reflectir sobre eles durante esta etapa é imprescindível tomar notas, independentemente da
forma que se adopte para tal. As notas podem referir-se ao plano de investigação, à maneira
em que esse plano muda na prática, às reacções do investigador, às suas leituras, ao que
pensa, às coisas importantes que as pessoas disseram e ao que se vai descobrindo.

O Diário de Campo é uma maneira ideal de se anotar o que se faz, o que se pensa, o que se
experimenta e o que se sente durante o desenvolvimento da monografia. De facto, o Diário de
Campo goza de uma considerável liberdade e flexibilidade ao mesmo tempo que permite
registar os progressos da investigação.

100
4.2.4.2.As entrevistas

O homem é um ser muito complexo. Estudar um comportamento humano confronta sempre o


investigador com o indivíduo, e não apenas com os grupos. A imensa riqueza dos factos
sociais reflecte-se na multiplicidade das visões do mundo, das opiniões sobre a realidade e,
essa multiplicidade justifica que se atomizem os métodos de obtenção de dados sobre
comportamentos sociais. Um indivíduo formula uma vida sempre com referência ao seu
passado, que é único. A sua experiência é sempre digna de registo. Através de uma entrevista
aprofundada, como por exemplo, a história de vida, iríamos ver uma realidade diferente de
indivíduo para indivíduo, por isso a entrevista é uma das técnicas mais importantes do
trabalho de campo antropológico.

O objecto de estudo antropológico é sempre o homem, que está representado em cada


indivíduo. Este indivíduo, por sua vez, vive num meio físico e social, onde as suas acções
adquirem sentido. É neste contexto social e histórico que a sua realidade deve ser entendida.
Em acordo com Windelband, Wilhelm Dilthey (1883) defendia a distinção epistemológica
entre ciências nomotéticas e ciências ideográficas. Estas, ocupando-se do espírito humano,
baseiam as suas teorias na compreensão, o que deu origem a um interesse, por parte dos
investigadores das ciências sociais, para as histórias de vida que, segundo Dilthey, revelavam
o sentido das práticas dos seres sociais. A Escola de Frankfurt, inspirada na epistemologia de
Adorno (1972), levantou a questão sobre se esse tipo de método não poderia ser usado para
formular testes de personalidade que pudessem revelar intenções ocultas dos sujeitos. A
intromissão da entrevista, enquanto método científico, deve-se à sua extrema flexibilidade e à
capacidade com que ela pode ser formulada de modo totalmente rígido (inquérito) ou
totalmente livre (história de vida).

Conhecer o homem através de entrevistas afigura-se, porém, impossível, pois seria necessário
entrevistar todos os indivíduos para se ter uma ideia de homem. Num plano mais abrangente
que a história de vida, são feitos estudos de opinião, que procuram abranger amostras
representativas de opiniões sobre determinado tema da realidade. Estas entrevistas mais
temáticas são os inquéritos.

101
Entrevistar, como diz o termo, é trocar pontos de vista; por isso é sempre necessário ter em
mente uma planificação das entrevistas. Seja numa fase exploratória, seja numa fase mais
avançada, ou até, final, é necessário saber-se o que se quer saber.

Danielle Ruquoy (2005: 86-7) caracteriza a entrevista de acordo com as atitudes que o
entrevistador tem quando a faz. As entrevistas podem ser:

 “Uma relação verbal entre o investigador e a pessoa interrogada: essa relação pode
ser directa (frente a frente) ou indirecta (por telefone, por exemplo);

 Uma entrevista provocada pelo investigador: neste aspecto, a situação de entrevista


comporta uma parte de artificialismo, distinguindo-se do modo habitual de
comunicação que aqueles que, integrando-se na população estudada, realizam
observação directa procuram preservar;

 Uma entrevista para fins de investigação: distingue-se da entrevista terapêutica ou de


apoio, cujo objectivo é levar a pessoa que se exprime a resolver o seu problema;

 Uma entrevista baseada na utilização de um guia de entrevista: para colocar o


entrevistado em condições de se exprimir, seguindo o curso do seu pensamento; em
contrapartida, o método por questionário supõe que o investigador já conhece a forma
como a questão tratada é apreendida pelo público visado, de modo a não formular
questões inoperantes;

 Uma entrevista numa perspectiva intensiva, em que se trata sobretudo de conhecer em


profundidade as reacções da pessoa a detectar processos (por exemplo, as diferentes
etapas que conduzem à marginalização). Um estudo extensivo, incidindo sobre um
grande número de indivíduos e destinado a medir frequências, não é realizável por
meio de uma entrevista.”

102
4.2.4.2.1. Tipos de entrevistas e momento de aplicação

A entrevista pode ser entendida como um tipo de inquérito. Todavia, o inquérito também pode
ser visto como uma entrevista. A diferença fundamental entre a entrevista e o inquérito é que
este fornece menos liberdade ao entrevistado para poder optar por um ponto de vista
particular, enquanto que a entrevista pode ser não directiva, sem qualquer forma rígida de
aplicação. Madelaine Grawitz apresenta um diagrama onde se pode ver a diferença entre seis
tipos de entrevistas:

1 2 3 4 5 6
(Fonte: Carmo e Ferreira, 1998)

Além de variarem de acordo com o grau de liberdade dado ao entrevistado (a que


correspondem atitudes diferenciadas por parte do entrevistador), as entrevistas variam
conforme a abrangência dos seus objectivos operativos.

Carmo e Ferreira apresentam esta tipologia das entrevistas, agrupando os 6 tipos em três
variantes principais:

103
Variantes Tipos
1 – Entrevista clínica
Entrevistas dominantemente informais
2 – Entrevista em profundidade
3 – Entrevista livre
Entrevistas mistas
4 – Entrevista centrada
5 – Entrevista com perguntas abertas
Entrevistas dominantemente formais
6 – Entrevista com perguntas fechadas

“A entrevista clínica (tipo 1), como o nome indica, é utilizada habitualmente em contextos
terapêuticos, caracterizando-se por uma liberdade quase total dada ao entrevistado na sua
resposta e na grande abundância e profundidade de informações que são partilhadas.” (op.
cit.: 130). Esta “entrevista clínica” é semelhante à chamada livre associação, o método de a
psicanálise obter os dados, que são emitidos pelo entrevistado de forma livre e aparentemente
sem sentido e sem continuidade.

“A entrevista em profundidade (tipo 2), típica de situações de aconselhamento como as que


se realizam utilizando o método de Serviço Social de Casos ou as que decorrem em situações
de aconselhamento vocacional, apresenta ainda um grau de liberdade no diálogo e
profundidade na forma da abordagem temática por parte do entrevistado, ainda que inferior à
clínica.” (idem).

“Num grau intermédio de informalidade, encontram-se a entrevista livre (tipo 3) e a


entrevista centrada (tipo 4). Ambas são características dos estudos exploratórios, diferindo
entre si pelo nível de estruturação em torno das temáticas específicas que são tratadas.

Características dominantemente formais têm as entrevistas estruturadas com perguntas abertas


(tipo 5) ou fechadas (tipo 6). Nestas últimas, típicas em situação de sondagem, feitas a
populações de muito grande dimensão, o grau de liberdade do respondente é claramente
reduzido bem como a profundidade da informação obtida.” (ibid.).

Ruquoy (2005: 87) refere que existem quatro graus de liberdade numa relação de entrevista e
que resultam em quatro tipos principais de entrevista:

104
 Entrevista Directiva (Inquérito) – dirigida a um grupo concreto de pessoas e utilizando
perguntas padronizadas e é constituído por perguntas do tipo fechado ou aberto, que
obedecem a uma lógica de organização preestabelecida;

 Relato de Vida (História de vida) – combina a abordagem biográfica com uma


temática relacionada com o objecto de estudo;

 Entrevista Não Directiva (Livre) – entrevista não dirigida, apenas articulada em volta
de um tema geral.

 Entrevista Semi-Directiva – por um lado, “(…) permitimos que o próprio entrevistado


estruture o seu pensamento em torno do objecto perspectivado, e daí o aspecto
parcialmente “não-directivo”, por outro, porém, a definição do objecto de estudo
elimina do campo de interesse diversas considerações para as quais os entrevistado se
deixa naturalmente arrastar.

Este último grau de liberdade, colocado entre a entrevista não directiva e a directiva, é, de
acordo com Ruquoy, o grau de liberdade da entrevista cuja relação entre o entrevistador e o
entrevistado melhor serve os interesses das investigações sociais em geral, pois que, a
continuar este tipo de entrevista no nosso trabalho de campo, estaríamos, afinal, a fazer
observação indirecta da realidade (a não ser que estivéssemos a fazer histórias de vida).

A autora continua referindo que o tipo de papel que o entrevistador tiver variará consoante a
fase em que se encontre a sua investigação. Isto quer dizer que a entrevista deve ter a
apresentação que for mais eficaz naquele momento da investigação. Assim, em termos
cronológicos, os tipos de entrevistas apresentar-se-iam de modo sequencial. Ruquoy relaciona
cada tipo de entrevista com cada um dos três momentos metodológicos em que se desenvolve
a investigação. Por seu turno, Ghiglione e Matalon (1992) estabelecem essa relação com
quatro momentos metodológicos, acrescentando o momento de teste do instrumento (ver
tabelas seguintes).

105
Tipo de entrevista
Momentos metodológicos Não-Directiva Semi-Directiva Directiva
Exploração X
Aprofundamento X X
Verificação X X
(Fonte: Ruquoy, 2005)

Tipo de entrevista
Momentos metodológicos Não-Directiva Semi-Directiva Directiva
Controlo X
Verificação X X
Aprofundamento X X
Exploração X
(Fonte: Ghiglione e Matalon, 1992)

Independentemente de se tratarem de entrevistas directivas e focadas, semi-directivas ou


livres, há sempre factores a ter-se em conta quando fazemos entrevistas.

A técnica da entrevista implica desde logo o estabelecimento de um protocolo com o campo.


É preciso que tenhamos autorização para fazer perguntas. Como se disse anteriormente, a
observação participante é a técnica que permite obter respostas sem fazer perguntas. Há casos
em que as entrevistas podem ser formas de não fazer perguntas, mas, no final, estamos sempre
a indagar sobre alguma coisa; estamos sempre a intrometer a nossa curiosidade no meio da
realidade social.

Para se fazerem entrevistas, dizia-se, é preciso ter algumas cautelas. Além da entrevista se
basear numa interacção social entre duas ou mais pessoas, da qual resulta a comunicação de
significados, a entrevista tem também no plano concreto, no campo, duas visões em
problematização: por um lado, o entrevistado mostra a sua visão particular sobre um
determinado assunto, por outro, o entrevistador tenta recolher, interpretar e compreender essa
visão particular.

106
Tem que se ter em conta, sobretudo duas dimensões relacionadas com a entrevista: por um
lado, que se trata de uma relação interpessoal entrevistador-entrevistado; por outro, que a
entrevista consiste num processo técnico de recolha de informação.

4.2.4.2.2. Aspectos fundamentais da organização e formulação da entrevista

Carmo e Ferreira (1998) apresentam um plano possível para se organizar uma entrevista
dividido entre a fase prévia, a realização da entrevista e a fase posterior:

a) Antes da realização da entrevista

 Definir o objectivo
 Construir o guia de entrevista
 Escolher os entrevistados
 Preparar as pessoas a serem entrevistadas
 Marcar a data, a hora e o local
 Preparar os entrevistadores (formação técnica)

b) Durante a realização da entrevista

 Explicar quem somos e o que queremos


 Obter e manter a confiança
 Saber escutar
 Dar tempo para “aquecer” a relação
 Manter o controlo com diplomacia
 Utilizar perguntas de aquecimento e focagem
 Enquadrar as perguntas melindrosas
 Evitar perguntas indutoras

107
c) Após a realização da entrevista

 Registar as observações sobre o comportamento do entrevistado


 Registar as observações sobre o ambiente em que decorreu a entrevista

Quando optamos por recorrer à entrevista, devemos ter em conta que há elementos que
dificultam a sua realização. Do mesmo modo, há elementos que o entrevistador pode
potenciar com o intuito de facilitar a comunicação. Os factores que funcionam como
obstáculos ao desenvolvimento de uma entrevista são sobretudo a disponibilidade temporal,
isto é, a interferência no trabalho, a intimidade, tocar em temas sensíveis como o sexo, que é
algo muito pessoal, difícil, ou é um episódio traumático, ou algo que recorda um
acontecimento desagradável, ou o medo de se darem informações consideradas importantes a
nível pessoal. Os principais factores que favorecem a entrevista são: a cortesia, a possibilidade
de, através da investigação, se poder melhorar alguma coisa acerca do problema, o
reconhecimento e mesmo algum tipo de recompensa.

a) A relação interpessoal entrevistador-entrevistado

O entrevistador deve, como vimos quando falamos do olhar antropológico, integrar-se no


campo com humildade e segurança, de modo a ir construindo a sua identidade dentro do
campo. A entrevista pode ser um modo de atalhar certos aspectos da problemática e um meio
de economizar tempo de campo. Todavia, como a entrevista pode assumir várias formas,
também implica vários tipos de interacções entre entrevistador e entrevistado. O essencial é
que o entrevistador transmita confiança. O entrevistador deve apresentar-se sem rodeios e
explicitar os objectivos da sua presença. A entrevista é um momento de debate que resulta da
troca de ideias entre o investigador e o objecto de estudo. Pode-se descobrir muitas coisas
sobre o nosso assunto se tivermos em conta a aplicação de maior ou menor flexibilidade nas
perguntas que fazemos. Estas tanto podem ser apenas estímulos ao desenrolar da exposição do
entrevistado, como podem ir directamente ao âmago daquilo que queremos saber. A entrevista
pode, através de uma maior ou menor liberdade da interacção entre o entrevistador e o

108
entrevistado, fornecer um meio precioso para explorar o campo e para recolher informações
mais especializadas, mais pormenorizadas, sobre determinado fenómeno.

b) O processo técnico

A posição do entrevistador é, em princípio, a de um conhecedor sobre o assunto que está a


debater com o entrevistado. Esta sua experiência sobre o tema é muito importante, senão
mesmo fundamental. A experiência do entrevistador vai fazer com que alguns efeitos
constrangedores presentes na entrevista, tais como o filme ou a fotografia, passem
despercebidos. A acuidade das observações do entrevistador varia também conforme o seu
maior ou menor conhecimento sobre o problema que tem em investigação. Antes de fazer a
entrevista, o entrevistador deve fazer uma preparação, seleccionando os entrevistados mais
capazes e dispostos a dar informações relevantes, elaborando um guia de entrevista e escolher
o espaço e o tempo adequados.

A escolha dos entrevistados segue algumas técnicas de amostragem, tais como as da bola de
neve, mas, no conjunto, o entrevistador encontra no campo três tipos de participantes que
podem constituir a amostra não probabilística para o estudo, ou seja, são potenciais
entrevistados:

o O participante-chave: aquele que é sobretudo um informante e dá informações sobre o


contexto em que se vive no local que se estuda;
o O participante-especial: aquele que tem informações relevantes sobre o problema;
o O participante-representativo: pessoas que têm também informação importante.

O número de entrevistas será tanto maior quanto mais difícil for obter o efeito de saturação.
No caso sobretudo da história de vida, o efeito de saturação é uma condição necessária para se
considerar uma entrevista terminada.

Quando o entrevistador escolhe os entrevistados, ele deve apresentar-se, como já se tinha dito,
e deve pedir abertamente aos entrevistados a sua colaboração, explicando-lhes porque é que

109
os escolheu a eles, garantindo-lhe ao mesmo tempo confidencialidade, usando nomes
diferentes e mantendo o anonimato. Vejamos agora como se organiza a entrevista.

c) A realização da entrevista

A entrevista deve ser preparada e, no conjunto das acções que implica, deve fasear-se em três
momentos principais:

1 – Na fase inicial, começa-se com perguntas que não são dadas a controvérsias, perguntas
gerais, abertas, evitando-se a formulação de perguntas que requeiram um “sim” ou um “não”
como resposta.

2 – Na fase intermédia, vai-se tentar obter a informação passando do plano mais geral para o
mais concreto, passando do impessoal ao pessoal, do informativo ao interpretativo. Nesta fase
vão-se fazendo resumos dos procedimentos, à medida que a entrevista avance.

3 – Na fase final, vão-se fazer as perguntas mais concretas, tentando testar a veracidade das
respostas. Quando se acaba a entrevista, deve-se agradecer a colaboração e fazer com que os
informantes sintam que a sua participação foi importante. Há sempre um dado por outro que
ainda se vai registando nesta fase.

Danielle Ruquoy identificou os seguintes “momentos-chave” da entrevista:

 “Os preliminares. Antes de começar a entrevista, o entrevistador deve pôr o


interlocutor à vontade e vencer as suas últimas apreensões. (…) Globalmente, trata-se
de agir de modo que o entrevistado se sinta associado à investigação e compreenda
que o seu ponto de vista é importante.”

 “O início da entrevista. O entrevistador escolhe uma questão introdutória. (…) Esta


questão tanto pode aflorar o tema central do estudo (“a questão inicial”) como dizer
respeito a aspectos relativos à situação do entrevistado (por exemplo, pedir
pormenores sobre a função exercida pelo interessado, se essas informações forem úteis

110
para a compreensão de respostas posteriores ou se o entrevistado ficar assim mais bem
preparado para abordar as questões de fundo).”

 “O corpo da entrevista. Convém distinguir as modalidades de intervenção segundo a


sua incidência sobre o conteúdo ou a forma. Como vimos, a entrevista semi-directiva
está submetida a duas exigências: a pertinência relativamente ao objecto de estudo e a
apreensão o mais fiel possível do modo de pensamento do entrevistado. A primeira
exigência é apoiada pela utilização do guia de entrevista, através de intervenções
puramente incitativas, destinadas a não quebrar a continuidade do discurso do sujeito.
(…) No campo assim delimitado pelo objecto de estudo e pelo guia de entrevista, o
entrevistador deve evitar induzir qualquer tipo de estruturação ou valorização de
determinados pontos de vista.”

 “O fim da entrevista. Pode ser aproveitado para perguntar ao entrevistado se, em seu
entender, não foi omitido nada de importante. Ao mesmo tempo é bom recolher as
impressões sobre o próprio modo como a entrevista decorreu.”

Como podemos ver, a entrevista será feita em referência ao objecto de estudo do trabalho. O
investigador é o protagonista do procedimento científico, ele formula a entrevista na forma de
conceitos-chave que têm que ser explorados pelo entrevistado, só que utilizando palavras
diferentes das que usa depois na problematização e sintetização dos dados.

O guião de entrevista não é mais do que um conjunto de pontos que estão todos relacionados
na problemática da investigação. Estes pontos são articulados pelo investigador com o
propósito de se obter uma perspectiva particular sobre determinado problema. Sendo assim, o
processo da entrevista – e a sua própria formulação – é, no fundo, um trabalho elaborado pelo
investigador, pelo que este pode sempre alterar a ordem dos pontos da sua entrevista,
valorizar uns e ignorar outros, etc. O investigador pode, assim, a qualquer momento, intervir
na forma e no conteúdo da entrevista.

111
4.2.4.2.3. Registo, análise e interpretação dos dados da entrevista

As entrevistas são instrumentos preciosos de obtenção de dados. Elas abrem caminho a um


conjunto de informações que de outro modo não poderia ser atingido. Todavia, para registar,
analisar e interpretar dados de uma entrevista, seja qual for o grau de liberdade que a
caracteriza, é necessário ter-se conta outros instrumentos. No caso das entrevistas de natureza
probabilística, utilizam-se métodos de codificação dos dados em símbolos, normalmente
numéricos e emprega-se uma metodologia de análise estatística; no caso das entrevistas de
natureza não probabilística, o procedimento de registo, análise e interpretação dos dados
obedece às regras que vamos ver neste ponto.

Ao longo da sua actividade, o entrevistador vai aplicando algumas técnicas. Vimos já os tipos
de intervenções que o entrevistador faz na entrevista, tanto ao nível da forma como do
conteúdo. Todas essas intervenções têm como objectivo ampliar a eficácia da entrevista,
optimizando as suas possibilidades. O entrevistador deve procurar favorecer sempre o
discurso continuado, controlando as suas intervenções, tanto verbais como não verbais.

O registo da entrevista deve ser feito preferencialmente recorrendo-se à ajuda de suportes de


registo digitais, pois convém registar os testemunhos directos dados pelos entrevistados. A
câmara de vídeo e o gravador áudio são dois aparelhos cuja ajuda é preciosa, todavia, o seu
uso deve depender do estabelecimento prévio de um protocolo sobre a presença dos aparelhos
na entrevista. Quando se recorre ao seu uso deve-se também ter em conta que a sua presença
pode, mesmo quando aceite, ser motivo de constrangimento para o entrevistado.

Quando o uso de aparelhos de registo que signifiquem o acrescento de uma presença física na
relação entrevistador-entrevistado não for possível, o entrevistador tem que recorrer ao registo
único no papel, não pode é deixar de tomar notas sobre o que é dito e como é dito.

Devemos ter sempre em conta que a realização da entrevista tanto pode ser curta e de
aplicação ampla (inquérito), sendo focalizada, como se pode prolongar por vários dias
(história de vida). Conforme for a exigência de uma ou de outra técnica, assim será a
necessidade de esgotar o problema ou não. O efeito de saturação que a entrevista com

112
objectivos de análise não probabilística quer atingir só é possível de ser atingido pelo
prolongamento temporal da entrevista. Para este efeito, como foi referido, o entrevistador
pode acrescentar a sua entrevista a um diário de campo, onde possa registar tudo o que possa
ser importante para a investigação, tal como comentários, anedotas, expressões não verbais,
etc.

O registo da entrevista deve, portanto, fazer-se com base em duas raízes principais: o guião de
entrevista e o objecto de estudo. A função da entrevista é fornecer dados para que a teoria e o
campo sejam conformes e a regularidade dos comportamentos sociais possa comprovar a
regularidade que a teoria da investigação organiza entre os conceitos que utiliza no seu
modelo de análise.

Se bem seleccionada e aplicada, a metodologia de registo dos dados obtidos através das
entrevistas facilitará a análise subsequente.

A análise dos dados fornecidos pelas entrevistas depende da natureza destas: se são
probabilísticas, ou não probabilísticas. A análise de dados em entrevistas de natureza
probabilística é feita através de métodos de cálculo estatístico, procurando-se obter as
regularidades sobre determinados factos sociais reduzindo todas as diferenças e variedades a
problemas comuns (variáveis) que resultam em respostas maioritariamente tendenciosas para
uma facção das opiniões (este tipo de análise não é objecto de exposição neste manual). No
caso da análise de dados em entrevistas de natureza não probabilística, o tratamento das
informações começa muito antes da formulação da entrevista, pois, como vimos, o guião da
entrevista reúne um conjunto de articulações conceptuais que exige que se veja uma
investigação como um todo maior do que a entrevista ou, por outras palavras, a entrevista
deve ser uma técnica auxiliar no trabalho de campo.

Quando se formula uma entrevista e quando se está a aplicá-la, o problema encerrado na


pergunta de partida deve estar sempre presente, pois todo o desenvolvimento estrutural do
jogo de trocas entre o entrevistador e o entrevistado deve ir de encontro ao que se pretende
saber com a entrevista. A entrevista é uma técnica que permite atalhar tempo e permite reunir
uma importante quantidade de elementos que pode ser muito úteis para a investigação. Por

113
isso, temos que fazer um plano constante das necessidades que o nosso trabalho tem e que
foram impostas pelo próprio campo. A entrevista deve seguir o primado da observação
participante, contribuindo para elucidar tanto o problema como o contexto em que ele se
forma e existe.

Posto isto, tal como acontece com os dados fornecidos pela observação participante, os dados
fornecidos pelas entrevistas devem ser transcritos e deve-lhe ser dado um tratamento quase
imediatamente após a sua audição ou registo. Ao transcrever os dados fornecidos pela
entrevista, o entrevistador pretende compreender a forma como o entrevistado vê o mundo e
como constrói a realidade. Depois de ter ouvido e escutado, o investigador deve agora fixar a
informação ao registá-la na forma de palavra e imagem (unidades de registo) aos quais é
acrescentado um contexto de realização (unidades de contexto). Os dados fornecidos pelas
entrevistas podem ser tornados em conceitos gerais (conceitos operatórios simples) que
podem ser acrescentados e articulados com os conceitos sistémicos que utilizámos na nossa
pesquisa.

Para analisar os dados fornecidos percorre-se um procedimento. Christian Maroy (2005)


propõe um procedimento em três etapas:

1. o trabalho de descoberta, ou seja, a imersão no material e o aperfeiçoamento de uma


grelha de análise. Convém:

 Mergulhar no material;
 Definir categorias gerais de análise derivadas exclusivamente do material ou da
problemática, ou de ambos;
 Melhorar a grelha de análise: ajustar e redefinir as categorias;
 Realizar um primeiro trabalho de interpretação do material (formular hipóteses
interpretativas).

2. o trabalho de codificação e de comparação sistemática. É necessário:

 Aperfeiçoar uma grelha de análise definitiva;

114
 Codificar o conjunto do material significativo;
 Atribuir uma configuração e uma organização aos dados;
 Efectuar, paralelamente, um trabalho de interpretação.

3. discussão e trabalho de validação das hipóteses.

Neste procedimento, as etapas mais extensas e que constituem o corpo analítico do nosso
trabalho são a 1 e a 2.

A primeira fase da análise é feita com base na tentativa e no erro, e é feita muitas vezes num
período paralelo ao da exploração. Entramos em contacto com o campo, encontramos alguns
conceitos e indicadores interessantes para acrescentar ao nosso modelo teórico e vamos
construir e aplicar uma grelha de análise, executando a técnica no terreno. Depois de termos
aplicado essa grelha, vamos retocando a nossa problemática, avançando já com hipóteses
interpretativas.

Segundo Maroy (2005: 129 e segs.), para desenvolvermos uma grelha de análise devemos
articular várias pistas, tais como:

a) “Reler várias vezes o material, em particular as entrevistas escolhidas como base para
o primeiro trabalho de análise. Com efeito, o esboço da grelha é efectuado muitas
vezes com base nas duas ou três entrevistas que serviram de teste. Será preferível
escolher entrevistas particularmente ricas (quer dizer, bem conseguidas do ponto de
vista da recolha) e contrastadas, quer do ponto de vista do conteúdo, quer por se tratar
de pessoas ou situações objectivamente diferenciadas pelo procedimento de
amostragem. Nunca será demais aconselhar a reler, em diversos momentos da análise,
o material disponível, a fim de fazer surgir o que pode ser o início de comparações.
(…)

b) Questionar as perspectivas, as significações produzidas pelas pessoas contactadas.


Na medida em que as investigações amplamente indutivas se centram frequentemente

115
na descoberta de significações associadas às práticas e que tentam apreender o modo
como os actores atribuem sentido às situações. (…)

c) Estar atento e anotar qualquer aspecto saliente do material, identificar as passagens


“significativas”. São as que parecem contrastar, distinguir-se relativamente a outros
materiais, ou ainda ser paradoxais, tendo em conta o contexto. Podem ser actividade,
temas de conversa, preocupações, sentimentos dos actores, a maneira como estes se
definem, o vocabulário “indígena”, etc. (…)

d) Estar atento ao aperfeiçoamento dos conceitos a fim de nomear as realidades


descritas na entrevista. Serão quer termos locais (utilizados pelos entrevistados […]),
quer noções que permitem aproximar, sob um termo englobante, as primeiras
observações. (…) Estarão na base de categorias constitutivas da futura grelha de
análise. Com efeito, que é uma categoria? É um conceito que permite nomear uma
realidade presente no material recolhido. O trabalho de análise consistirá em precisar o
seu conteúdo. (…)

e) Efectuar um trabalho de selecção e de comparação dos materiais de acordo com as


primeiras categorias destacadas, a fim de as testar, afinar, ver se “encaixam” nos
dados. Isto para eliminar as categorias que se afiguram inaplicáveis, excessivamente
abstractas, construídas, não suficientemente “utilizáveis”. Portanto, o trabalho de
desenvolvimento de um instrumento de redução e de interpretação do material
consistirá em comparar as “ocorrências” quando algumas passagens de entrevistas se
inscrevem numa categoria emergente. (…)

f) Efectuar uma primeira síntese teórica. Opera-se logo que várias passagens de
entrevistas tenham sido retomadas sob a mesma categoria, de modo que as primeiras
propostas interpretativas sejam apresentadas sistematicamente. (…)

g) Chegar a formular o fio condutor de toda a análise empírica posterior. Será um dos
primeiros resultados do trabalho de comparação, que visa desenvolver indutivamente
categorias comparativas. Por outras palavras, é necessário, no caso de uma

116
problemática muito aberta e indutiva, ser capaz, no fim desta fase, de explicitar melhor
a questão central da análise.

O fio condutor e a grelha de análise podem ser definidos com a ajuda de:

a) Folhas-resumos. Feitas depois de cada entrevista. Nesta folha resumo encontram-se,


normalmente, indicadores sobre a fase de recolha de dados, pois que se fazem
simultaneamente. Neste folha-resumo devem constar informações relativas aos temas
abordados e/ou dados novos que emergem do material, as questões-hipótese que
sugerem, “A folha resumo será útil sob muitos pontos de vista: fazer o ponto sobre os
dados recolhidos, vincar os aspectos marcantes, as questões que provoca, e sobretudo
anotar as consequências possíveis sobre as condições de realização das entrevistas”;

b) Comentários analíticos. “Paralelamente ao trabalho de leitura e de descoberta do


material, anota-se num diário de investigação e/ou nas margens dos materiais tudo o
que sobressai do trabalho acima proposto: ideias, temas emergentes, categorias ou
conceitos, propostas. Os comentários analíticos poderão, além disso, incluir
comentários sobre a qualidade do material, as relações entre vários excertos da
entrevista, etc.;

c) Uma síntese sob forma de memorando que faça o ponto da análise. Este memorando
deve visar uma explicitação das principais propostas provenientes da análise. A este
propósito, é possível falar de uma nota teórica intermediária.” (id.: 135).

Depois da Etapa 1, e de termos definido a grelha de análise, que vai reflectir tudo aquilo que
se que saber e que não difere muito do índice que vai orientar todo o trabalho, temos que
codificar os dados e realizar uma comparação sistémica. Como lembra, Maroy, “Esta fase
ocorre no fim do período de observação. Consiste numa comparação sistemática do material
recolhido, o que implica, como é óbvio, que a grelha de análise tenha assumido uma forma
suficientemente elaborada. Todo o material pertinente é codificado segundo uma grelha de
codificação coerente, quase definitiva, e o tratamento é mais sistemático. A partir desta

117
codificação, dispomos de uma classificação de diversos excertos de entrevistas, cuja origem é
especificada (por exemplo, entrevista n. 5, p. 7, linha ou parágrafo 3). Cada excerto é
codificado, isto é, atribuído a uma ou mais categorias da grelha de análise. Isto pode ser feito
simplesmente pela anotação, à margem da entrevista, do tipo de aspecto da grelha a que este
excerto se refere: por exemplo, formas de transmissão, organização anterior da produção,
etc.”

A codificação dos dados vai facilitar que se façam análises comparativas tanto horizontais
como verticais. A comparação horizontal é a aproximação das diferentes grelhas de análise
que cada entrevista utilizou (ou comparação de várias monografias); a comparação vertical é a
aproximação das diversas categorias de uma mesma grelha de análise. No final, a grelha
poderá integrar ambos os tipos de comparações, isto é, entre os vários informantes e entre os
vários temas focados, que agora são tratados como categorias de análise, ou unidades de
singificação, sendo possível relevar o fundo problemático que padroniza as diferentes
opiniões (ver Tabela).

Categorias (unidades de significação)


Informantes
Categoria A Categoria B Categoria C

Este trabalho de comparação é muito importante para se poderem obter visões holísticas sobre
os problemas. Através da comparação sistemática pretende-se reduzir os dados de entrevistas
e depois apresentá-los sob uma forma que facilite a comparação a um nível mais geral. A
visão holista da realidade aconselha que se apliquem diagramas e esquemas que demonstrem
a conjugação existente entre as partes da grelha de análise. A utilização de gráficos e de

118
esquemas tem a grande vantagem de reduzir a realidade e de a ilustrarmos de uma forma
simples e facilmente perceptível. Miles e Huberman (citados por Maroy, id.) defendem que se
deve representar por gráficos e esquemas os resultados das análises, de modo a podermos ver
facilmente as relações existentes entre os contextos e o tipo que essas relações assumem. Os
autores indicam que as vantagens da esquematização são sobretudo visíveis em três casos
particulares:

 “Um gráfico que apresente o contexto de um acontecimento ou de uma situação


analisada;

 O gráfico de evolução dos acontecimentos: trata-se de relacionar acontecimentos, o


estado de uma ou duas variáveis e o tempo;

 A rede causal: trata-se de apresentar, sob forma de gráfico, as principais variáveis


dependentes ou independentes de um estudo.

As propostas que foram sendo formuladas nas fases 1 e 2 “poderão ser submetidas a um
trabalho de validação mais sistemático, que terá a vantagem de desembocar em propostas
mais finas.” (Maroy, id.). Este trabalho de validação de proposições que derivam da grelha de
análise deve ser feito sempre, mesmo que pareça que não é necessário, e deve constituir uma
etapa diferente no processo de análise dos dados. Com este depuramento das proposições,
procura-se evitar o enviesamento da realidade por força de conclusões ou atalhos tomados
irreflectidamente. Huberman e de Miles (id.: 147-9) alertam para três tipos de enviesamento
da realidade principais:

1. “O enviesamento totalizador (holistic fallacy): consiste em “sobreinterpretar” os


dados, em interpretá-los de forma mais organizada e congruente do que aquilo que são
na realidade;

119
2. O enviesamento endígena: significa perder a própria visão do que se passa num local
observado, sendo progressivamente “cooptado” pelos indivíduos desse local, cujas
evidências e situações “naturais” vão sendo gradualmente partilhadas;

3. O enviesamento elitista: consiste em atribuir excessiva importância àquilo que as


pessoas mais informadas, mas também mais acima, forneceram como informação em
detrimento da que as pessoas mais marginais, de menor estatuto, teriam podido dar.”

Maroy propõe, para se evitarem estes enviesamentos e os seus perigos, que se utilize um
conjunto de “(…) tácticas de investigação, que garantam a qualidade dos dados, por um lado,
e para validar o mais possível as hipóteses, as propostas ou mesmo os modelos explicativos
propostos, por outro.” (id.). Assim, no plano da análise dos dados, o
investigador/entrevistador deverá:

Assegurar-se da qualidade dos dados, recorrendo a três procedimentos: 1) zelar pela


fiabilidade dos dados, 2) assegurar-se da validade factual de uma informação, e 3) ponderar os
dados em função da sua qualidade.

A fiabilidade dos dados está relacionada com os procedimentos tidos pelo investigador e que
provocaram enviesamentos da realidade. Para se evitar esses enviesamentos, Christian Maroy
propõe que se apliquem as seguintes técnicas:

a) Minimizar os efeitos do investigador sobre o campo, seguindo as seguintes


propostas:

o “Permanecer o mais possível no campo; passar uma parte do tempo a adaptar-


se ao “campo”, à sua “cultura” própria (isso só é possível no caso da
observação participante);

o Utilizar métodos “discretos”: B. Glaser e A. Strauss chamam a estas técnicas


“escutar à porta”. Com efeito, trata-se de aproveitar, no momento da recolha,

120
qualquer informação recolhida sem que tenha realmente sido suscitada pelo
investigador;

o Assegurar-se de que o seu mandato é claro para os informadores: quem é,


porquê, o que estuda, o que vai fazer com isso;

o Cooptar um informador, pedir que esteja atento à sua influência sobre o campo
(isto também é possível no caso da observação participante);

o Fazer entrevistas “fora do local”, fora do campo do inquérito propriamente


dito.” (op. cit.: 150)

b) Minimizar os efeitos do campo sobre o investigador, seguindo as seguintes


propostas:

o “Evitar o enviesamento elitista, entrevistando pessoas que não estejam


directamente ligadas ao problema tratado;

o Evitar ser “cooptado” pelo campo, passando algum tempo fora dele;

o Incluir na amostra os dissidentes, os isolados, para não captar exclusivamente a


corrente dominante;

o Triangular os dados;

o Se se sentir “levado” por um informador, interrogar porque razão o faz;

o Mostrar as suas notas de campo a outro investigador, que verá rapidamente se


se deixou cooptar pelos elementos do campo observado;

o Conservar a sua problemática em mente para evitar ser arrastado por


acontecimentos espectaculares.”

121
Para assegurar a validade factual da informação importa “triangular” os dados recolhidos. “A
triangulação é um modus operandi para obter uma confirmação de um dado que consiste em
multiplicar as fontes e os métodos de recolha (por exemplo, cruzar testemunhos sobre os
mesmos factos, ou melhor, testemunhos e dados factuais). É particularmente útil quando se
visa obter informações factuais sobre uma realidade, e não apenas representações construídas
de um ou de outro actor.” (Maroy, op. cit.: 151) “A solução ideal é obter indicadores
independentes de uma mesma realidade, recolhidos em fontes diferentes por métodos
diferentes. Em suma, trabalha-se um pouco como um detective, que tem de constituir uma
prova a partir de uma série de testemunhos, de indícios materiais, de análise dos empregos do
tempo… A diferença entre um inquérito policial e um inquérito sociológico depende
sobretudo do facto de este último procurar e obter muitas vezes mais colaboração por parte
dos entrevistados.” (id.)

Para ponderar as propostas avançadas um função da “qualidade” dos materiais recolhidos,


Maroy alerta para o facto de algumas informações são melhores do que outras simplesmente
porque o informador também informa melhor. Um informador bom aumenta a qualidade dos
dados. A qualidade dos dados deve ser, portanto, uma preocupação que acompanha o
investigador no campo e depende dos tipos de contactos que haja ao seu dispor.

Importa, portanto, que se validem as hipóteses com base na qualidade dos dados que temos ao
nosso dispor. No fundo, os dados vão testar as hipóteses explicativas. Mas como? Maroy
avança com algumas técnicas, tais como:

o Proceder a um trabalho comparativo. Esta fase, trabalhada a partir das


categorias da grelha de análise, vai contribuir para o surgimento de novas
hipóteses explicativas;

o Investigar activamente contra-exemplos, casos negativos que parecem


invalidar as propostas que formularam;

122
o Procurar o significado das excepções ou dos casos extremos: esta táctica
aproxima-se da anterior. Ao analisarmos as excepções ou os casos extremos,
temos grandes hipóteses de melhorarmos a compreensão dos casos modais;

o Testar ou pesquisar explicações alternativas: se avançámos uma proposta


relativamente satisfatória, não será, todavia, inútil testar hipóteses alternativas.
Com efeito, é raro estarmos em presença de fenómenos com um único factor
explicativo. É possível pôr em evidência outros factores. Desta maneira, prova-
se por vezes o impacto destes factores;

o Fornecer um feedback às pessoas do campo: devolvendo às pessoas do campo


um primeiro feedback das análises feitas, temos a possibilidade de testarmos
algumas hipóteses que surgiram.

O procedimento de análise das entrevistas não difere muito do procedimento de análise dos
dados obtidos através da observação. Também aqui, é necessário construir uma grelha de
análise, codificação os dados e compará-los de forma sistemática com o intuito de formalizar
os meios de validação (ou levantamento) das hipótese. Como vimos quando falámos do diário
de campo (onde se registam as observações), recorre-se a códigos e esquemas para se salientar
as relações entre os elementos descritos e o valor dessas relações (negativo, positivo ou
neutro). Porém, a usual grande quantidade de dados obtidos durante o trabalho de campo
obriga o investigador a desenvolver uma grelha de análise que permita realizar uma
triangulação de todas as informações dentro do mesmo conjunto de categorias que serviram
de fundamento teórico para o problema entre todos os informantes que forneceram essas
informações. Como em tudo o mais, a experiência do investigador é reveladora da qualidade
da análise que ele realiza e, quando os materiais a analisar são volumosos, essa experiência
pode ser preponderante para o investigador desenvolver uma análise simultaneamente criativa
e crítica.

123
4.2.4.2.4. Potencialidades e limitações da entrevista

As entrevistas devem ser tomadas como métodos complementares da observação participante


e devem respeitar o que a problemática da investigação definiu como útil de se estudar. Pela
sua natureza técnica, a entrevista fornece-nos informações preciosas sobre o campo e mesmo
sobre os conceitos que usamos para o estudar, mas também omite muitas outras,
especialmente se for feita de maneira formal com perguntas focalizadas.

Destacam-se como principais potencialidades da entrevista as seguintes:

 Capta muita informação tanto em profundidade como em detalhes e permite a


compreensão global dos pontos de vista do entrevistado.

 Pode ser utilizada como complemento da técnica da observação, já que permite


captar sentidos que não podem ser observados.

 É especialmente útil na fase exploratória da investigação, pois fornece informação


válida para formular hipóteses e para fazer o esboço da investigação.

 Pode ser empregada na fase final da investigação quantitativa.

Por sua vez, as principais limitações da entrevista são as seguintes:

 O tempo. É uma técnica que requer muito tempo de aplicação.

 Como com outras técnicas, comparte os problemas de fiabilidade, reactividade e


validade.

 Não permite observar o cenário objecto da investigação, retalhando-o e


seleccionando partes.

124
4.2.4.3.O questionário

Alguns autores, entre os quais Carmo e Ferreira, entendem que todos os procedimentos de
aquisição de informações que recorrem a guias de registo são inquéritos. O que se passa é que
a inquirição é feita de dois tipos: por entrevista, como já vimos, e por questionário.

As entrevistas dominantemente formais (tanto com perguntas fechadas, tipo 6, como com
abertas, tipo 5) são denominadas inquéritos por questionário. As outras, tanto as entrevistas
mistas como as dominantemente informais, são denominados inquéritos por entrevista.

A diferença fundamental entre os dois tipos de inquérito é a mesma que existe entre os tipos
de entrevistas que se encontram nos pólos (as entrevistas clínicas e em profundidade e as
entrevistas com perguntas abertas e fechadas; as entrevistas com perguntas directivas e as que
têm perguntas não directivas). Conforme se pode dizer que uma entrevista é uma forma de
inquérito, pois inquire, também se pode dizer que um inquérito é um tipo de entrevista, pois
baseia-se numa troca de informações, numa interacção social.

À parte estes preciosismos de designação, vamos agora ver quais são as características do
inquérito.

4.2.4.3.1. As características do inquérito por questionário

A característica que distingue o inquérito por questionário do inquérito por entrevista é o facto
de aquela interacção social ser muito fictícia, pois é efémera e impede uma igualdade de
elementos transmitidos entre os interlocutores. Quando se aplica um inquérito, o investigador
obtém mais informação do que o entrevistado. Este apenas poderá saber o nome do
investigador no seu cartão de identificação, e pouco mais. Há, nos casos de aplicação de
inquéritos, um tipo especial de interacção entre o entrevistador e o entrevistado: a interacção
indirecta.

A interacção indirecta faz-se quando uma das partes interage através de um meio que não a
sua presença: o objectivo da investigação é normalmente interventivo, pelo que, não é tanto o

125
investigador que interage com os investigados, mas sim estes que interagem com os
problemas levantados pelo investigador. Todo o sentido da sua colaboração está dirigido para
as problemáticas levantada pelas perguntas, e não para o investigador em si.

Para que um questionário seja bem elaborado, é essencial fazer-se uma boa construção das
perguntas (Carmo e Ferreira, 1998).

4.2.4.3.2. Cuidados na construção de um questionário

a) Cuidados quanto à formulação das perguntas

De acordo com Carmo e Ferreira (id., 137 e segs.), um questionário deve ter quatro tipos de
perguntas:

o Perguntas de identificação “(…)destinam-se a identificar o inquirido, quer através do


nome, quer através da sua pertença a dados grupos sociais, tais como de idade, género,
profissão, habilitações literárias, etc.);

o Perguntas de informação “(…) têm por objectivo colher dados sobre factos e opiniões
do inquirido (…);

o Perguntas de descanso, “(…) servem para intencionalmente introduzir uma pausa e


mudar de assunto, ou para introduzir perguntas que ofereçam maior dificuldade);

o Perguntas de controlo, “(…) destinadas a verificar a veracidade de outras perguntas


insertas noutra parte do questionário).”

Para obter medições sobre as atitudes e opiniões do inquirido, o investigador pode optar pela
aplicação de uma Escala de Atitudes. Estas têm a intenção de saber como reagem os
indivíduos em relação a proposições que se lhes apresente. Como tal, estas proposições são
afirmações e, por isso, não têm como objectivo obter respostas dicotómicas do tipo “Sim-
Não”. A utilização de escalas de atitudes tem duas grandes vantagens: por um lado, permitem

126
tratar quantitativamente características qualitativas, por outro, permitem medir as intensidades
das atitudes dos respondentes.

De entre as escalas de atitudes mais aplicadas, distinguem-se a Escala de Likert e a Escala de


Diferenciais Semânticos, de Osgood et al. (1957).

A primeira “(…) consiste na apresentação de uma série de proposições, devendo o inquirido


indicar uma das cinco proposições, tais como “concorda totalmente”, “concorda”, “sem
opinião”, “discorda”, discorda totalmente”. As respostas são seguidamente cotadas,
respectivamente com as cotações de -2, -1, 0, 1, 2, ou com pontuações de 1 a 5.” (Carmo e
Ferreira, op. cit.: 143), dentro de um diagrama como este:

1 2 3 4 5

Totalmente Totalmente
de acordo em desacordo

O inquirido marca uma cruz na casa que escolher e que é valorizada pelo inquiridor.

A segunda “(…) consiste na apresentação de diversos pares de adjectivos bipolares


(antónimos) separados de uma linha geralmente dividida em 7 ou 5 partes. O indivíduo deverá
colocar uma cruz no intervalo correspondente à sua atitude relativamente a um determinado
tópico.” (id.). Por exemplo:

Interessante ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ Aborrecida


Útil ___ ___ ____ ___ ___ ___ __ Inútil

127
É dada uma cotação a cada par de adjectivos (ex: de 6, no caso de assinalar o intervalo mais
próximo do adjectivo positivo. Faz-se o somatório das cotações para ter uma apreciação
quantitativa relativa à atitude do inquirido face ao tópico considerado.” (ibidem).

Os autores apresentam ainda um plano que alerta para toda uma série de cuidados que
devemos ter quando queremos construir um inquérito por questionário. Para que este seja bem
construído é preciso ter cuidados especiais quanto à formulação das perguntas e quanto à
apresentação do questionário.

A formulação das perguntas deve seguir os princípios gerais apresentados anteriormente; a


apresentação do questionário vai merecer uma maior atenção a partir de agora. O objectivo
principal desta prudência quanto à realização dos questionários de inquérito é o facto de que é
necessário elucidar o mais possível o entrevistado. Visto que o contacto é breve, e que não há
tempo para a apresentação oral do inquérito, nem a explicação de certos pormenores
relacionados com ele, é necessário que se contribua para que o questionário traga o maior
número de respostas respondidas, afinal, é nas respostas que está encerrada a informação e os
dados da investigação. Para que os inquiridos contribuam da melhor forma, e não haja
respostas em branco, o inquiridor tem que ter certos cuidados. Vejamos agora que cuidados
ele deve ter para evitar a “desistência” dos inquiridos.

A apresentação formal e física do questionário é muito mais importante do que aquilo que se
possa pensar. A apresentação do inquérito legitima e responsabiliza os dados que puderem ser
adquiridos através dele.

Segundo Carmo e Ferreira (id.: 144), a apresentação do questionário deve ter em conta:

a) “A apresentação do investigador: deve conter elementos indispensáveis para o


credibilizar aos olhos do inquirido.

128
b) A apresentação do tema, por sua vez, deve ser feita de forma clara e simples,
mostrando o valor acrescentado que o inquirido pode trazer à investigação com as
respostas que forneça.

c) As instruções devem ser precisas, claras e curtas: quando são ambíguas ou demasiado
complicadas tornam-se contraproducentes, como nos diz a nossa experiência de
cidadão quando temos, por exemplo, de preencher certos impressos que constituem
autênticas charadas.

d) Sempre que enviado pelo correio, o questionário deve ser acompanhado de um


envelope selado ou com resposta paga. A qualidade e a cor do papel devem ser
adequadas ao público-alvo. A qualidade do papel deve ser suficientemente boa, para
que as perguntas possam ser impressas no verso e reverso da folha.

e) A sua disposição gráfica deve ser tão clara quanto possível e adequada ao público-
alvo. Por exemplo, não é conveniente usar quadros de duas entradas num formulário
para ser preenchido por uma população que não está familiarizada com esse tipo de
suporte de informação. A mancha gráfica deve ser aberta e visualmente atractiva.

f) O formulário deve ser alvo de rigorosa revisão gráfica evitando gralhas ortográficas e
erros sintácticos que naturalmente fazem baixar a credibilidade do inquérito aos olhos
do respondente.

g) O número de folhas deve ser reduzido ao mínimo, para evitar reacções prévias
negativas por parte do inquirido. É inconveniente informá-lo do tempo médio previsto
para a resposta.

Em suma, a construção de um formulário deve obedecer a dois critérios: clareza e rigor na


apresentação e comodidade para o respondente.” O quadro seguinte sintetiza os cuidados a ter
na elaboração do questionário.

129
QUANTO ÀS PERGUNTAS:
 Reduzidas q.b.
 Tanto quanto possível fechadas
 Compreensíveis para os respondentes
 Não ambíguas
 Evitar indiscrições gratuitas
 Confirmar-se mutuamente
 Abrangerem todos os pontos a questionar
 Relevantes relativamente à experiência do inquirido

QUANTO À APRESENTAÇÃO DO QUESTIONÁRIO


 Apresentação do investigador
 Apresentação do tema
 Instruções precisas quanto ao seu preenchimento
 Envelope selado para resposta
 Qualidade e cor do papel
 Disposição gráfica
 Quadros
 Número de folhas

Quando se opta pela utilização da técnica do inquérito, seja ele por entrevista ou por
questionário, deve-se ter em conta as vantagens e desvantagens de cada tipo de inquérito.
Carmo e Ferreira (1998) compararam alguns aspectos positivos e negativos tanto do inquérito
por entrevista como pelo inquérito por questionário (ver Quadro seguinte):

TÉCNICA PRÓS CONTRAS


o Flexibilidade quanto ao tempo de duração,
adaptação a novas situações e a diversos tipos o Requer maior especialização do
Inquérito por de entrevistados investigador
entrevista o Profundidade (permite observar o entrevistado e o Custa mais caro
colher informações íntimas ou de tipo o Gasta mais tempo
confidencial).
o Sistematização o Dificuldades de concepção
Inquérito por o Maior simplicidade de análise o Não é aplicável a toda a
questionário o Maior rapidez na recolha e análise de dados população
o Mais barato o Elevada taxa de não respostas

130
4.2.4.4.O material biográfico: histórias e documentos pessoais

O método da história de vida pode confundir-se com a entrevista biográfica, livre e não
directiva. Todavia, fazer uma história de vida é fazer mais do que uma entrevista, é relatar de
todas as formas pertinentes, um conjunto de dados de proveniências diversas, que têm que se
colhidos com outras técnicas que excedem o procedimento da entrevista. Fazer uma história
de vida é inquirir alguém sobre o seu passado, mas inquirir num sentido aberto, livre, onde o
inquirido possa acrescentar algo de informal à informação.

A história de vida justifica a sua pertinência enquanto técnica pela necessidade que há de
registar a vida das pessoas, e essa vida apresenta-se sobretudo na forma de memórias,
traduzidas em palavras e imagens que é necessário fixar. A esmagadora maior parte da
informação da vida de alguém está na forma não material, é transmitida por via oral. Esta
peculiaridade da cultura que se transmite por via oral cedo exigiu a implementação de um
método que cristalizasse o sentido. Quando este é captado através de uma história de vida
podemos obter inúmeras informações de proveniências diversas e que reflectem experiências
de vidas dos inquiridos que remetem para escalas de significação mais amplas, estendendo-se
ao nível regional, nacional e internacional. Este aspecto faz com que as histórias de vida
sejam consideradas instrumentos preciosos para investigar a questão da imigração e da
mobilidade humana em geral. Através da história de vida podemos captar informações sobre
os contextos da saída das populações dos seus lugares de origem e sobre a estrutura de sentido
que a cultura popular dá ao acontecimento da mudança de país. Como referem Garrido e
Olmos (1998: 2), as histórias de vida são “reproduções da palavra falada, testemunhos que
formam parte do presente e têm grande importância para o futuro.”

A necessidade de utilizar a técnica da história de vida de forma sistemática foi revelada pela
vantagem que a técnica tinha para captar os padrões tradicionais da cultura que eram
transmitidos por via oral. O estudo das redes de parentesco e de aliança passaram a ser motivo
de atenção por parte dos antropólogos. Depois desta fase, a técnica da história de vida foi
posta em segundo plano pela antropologia, não pela sua inoperância, mas talvez porque esta
técnica é contrária às metodologias positivistas, baseia-se em deduções e induções que não

131
são muitas das vezes sequer considerados objectos de estudo. Depois da antropologia
“abandonar” a história de vida, ela foi ressuscitada pela sociologia e foi aplicada em projectos
de assimilação cultural nos EUA, servindo para se conhecerem os imigrantes, como forma de
os orientar na cultura que os acolhia. Na Europa surgiram também trabalhos onde a história de
vida foi utilizada, especialmente para se falar de novos indivíduos gerados pela idade
industrial e que eram um pouco vistos como marginais, ou como minorias, tais como o
emigrante, o operário, o pastor, o indígena, etc.

Os trabalhos românticos sobressaíram novamente e a história de vida demonstrou que há um


imenso universo de sentido que é necessário estudar e registar, mesmo que o método a aplicar
não seja positivista. O romancista Flaubert foi mesmo o que primeiro se interessou de forma
especial pelas histórias de vida, dando origem a um movimento conhecido mais tarde por
Neo-realismo, cuja filosofia enaltecia as figuras do anti-herói, do anónimo, do desconhecido.

A legitimidade da história de vida enquanto técnica e a justificação da sua pertinência é bem


apresentadas por Garrido e Olmos, quando dizem que:

“A história oral como processo descritivo e narrativo é tão antiga como a própria história, de
modo que em sociedades ágrafas era a transmissão oral a forma de perpetuar os
acontecimentos, conhecimentos e saberes. Neste âmbito, as histórias de vida prolongam o
processo de comunicação e o desenvolvimento da linguagem para reproduzir uma esfera
importante da cultura do informante e o seu aspecto simbólico e interpretativo, a partir do
qual se reproduz a visão e versão dos fenómenos pelos próprios actores sociais.” Por isso,
tanto a história oral como a história de vida são “espaços de contacto e influência
interdisciplinar (que permitem, através da oralidade, trazer interpretações qualitativas de
processos e fenómenos histórico-sociais” (Aceves 1994: 144). De maneira que a história de
vida não se apresenta como uma técnica exclusiva da história ou da antropologia, também
muito válida para outras áreas das ciências sociais, como a sociologia ou a psicologia social
(Pujadas 1992).” (Garrido e Olmos, 1998:3 trad. nossa).

A história de vida foi introduzida na sociologia através da Escola de Chicago. Thomas,


Znaniecki e Rock fizeram histórias de vida e trabalhos sobre os camponeses polacos,

132
valorizando a posição do actor social e relevando o carácter interpretativo dos seus
depoimentos. Esta ênfase no actor fundou o núcleo da teoria interaccionista simbólica, o
principal produto da Escola de Chicago.

Garrido e Olmos avançam com uma definição de “história de vida” que é bastante completa:

“(…) quanto ao conceito de “história de vida”, como técnica etnográfica, é necessário realizar
algumas precisões: por “história” entendemos a história em minúsculas, de “personagens sem
importância”: não se refere às façanhas de heróis e grandes conquistadores, homens de
ciência, políticos ou banqueiros famosos; mas ao contrário, é o reflexo de uma vida simples,
sem fama nem glória. Quanto ao termo “vida”, também se diferencia das biografias que
narram os escritores ou as memórias que descrevem pessoas de relevância política, histórica
ou social; é sobretudo um relato contado em primeira pessoa por um protagonista qualquer, de
“um homem da rua”; mas que tenha que ter uma certa fluidez de expressão e tenha uma boa
memória.” (id.).

Para fazer uma história de vida é necessário ter cuidados a dois níveis: ao da preparação
técnica e ao da preparação teórica.

A preparação técnica implica a selecção e estabelecimento do contacto, a pesquisa


documental e as entrevistas exploratórias. Garrido e Olmos lembram que o investigador dever
guardar uma “distância cínica”, como Berg (1990) chamou ao facto de o investigador manter
uma expressão de presença que se regula pela neutralidade: nem apatia, nem empatia, como
forma de se evitar que o relato degenere em história imaginária, onde possa interferir
informação fictícia.

Todavia, o investigador não se limita a estar ali, ele tem a função de estimular e motivar a
conversa. O desejo de falar, por parte do informante, deve ser mantido e continuado.

Como referem Garrido e Olmos (op. cit.: 6), “um bom investigador que trabalhe com esta
técnica tem que ter presente vários aspectos: um, que, por se tratar de uma autobiografia, deve
existir uma identidade entre o narrador e o narrado; dois, tem de criar-se um ambiente

133
relaxado e que estimule a vontade de falar e a comunicação; três, procurará, reconduzindo-a,
se for preciso, que a narração não seja exclusiva da vida do informante, mas também que a
introduza no seu contexto espácio-temporal: que descreva lugares, outros personagens, factos
históricos, etc., tal como os percebeu naquela altura.”

Para registar os dados fornecidos pela técnica da história de vida, é preciso sobretudo usar um
meio de gravação de voz, embora o ideal seja mesmo a gravação em vídeo, que regista, além
dos sons, atitudes, posturas, gestos, comportamentos, expressões, enfim, a expressão corporal
e a comunicação não verbal em geral. Esta comunicação não verbal é de imensa importância,
pois reflecte o que o actor está a sentir no momento em que diz o que se ouve. Um outro
suporte fundamental, como não poderia deixar de ser, é o diário de campo, um pequeno
caderno onde possamos tirar registos mais alargados, não apenas centrados no informante,
mas que abrange toda a investigação. O manancial de informações que se adquire com o
método da história de vida é registado e depois é necessário tratar os dados, o tratamento dos
dados começa com a transcrição do que foi gravado, com todas a peculiaridades do discurso
que o informante empregou, primando-se pela autenticidade da informação e da tradução da
mesma através das palavras.

A preparação teórica consiste em fazer-se um esboço do que se quer encontrar na história de


vida, para se poder distinguir a informação nuclear da acessória em relação à problemática da
investigação.

Antes de mais, o investigador deve definir se a biografia é directa ou indirecta. A biografia


directa caracteriza-se pelo registo dos relatos pelo próprio que constitui assunto de biografia; a
biografia indirecta inclui um intermediário. Este tipo de história de vida é o escolhido pela
antropologia, ademais, porque o processo de registo da história de vida para fins científicos,
não fictícios, deve ser feito no quadro de uma investigação.

Ao se decidir pela história de vida indirecta, o investigador vai escolher a forma de abordar a
informação: ou faz uma entrevista temática, focada num determinado assunto da vida da
pessoa (o que implica maior directividade e, por consequência, a presença de orientações do
discurso), ou uma entrevista exaustiva, não focalizada, que abrange toda a vida do indivíduo.

134
Esta escolha está relacionada directamente com o problema que queremos levantar no nosso
estudo, por isso é importante que se faça esta preparação teórica.

Além destas regras, a técnica da história de vida funciona como uma entrevista semi-directiva.
A directividade imprimida na entrevista pressupõe alguma familiaridade com o campo e com
os assuntos que se vão debater. Também aqui é necessária uma preparação teórica. Tem que
se ter em conta que o conhecimento, arrumado na memória, não se manifesta por datas. A
história de vida não é uma entrevista com uma forma cronológica, é necessário ter muita
paciência para imbricar as informações que nos vão sendo dadas de modo fragmentado. O
investigador deve ter sempre presente que há uma realidade implícita e uma realidade
explícita.

Com esta preparação teórica, o investigador está a encaixar definitivamente o resultado da


técnica da história de vida no todo da sua investigação. Pode acontecer com a história de vida
o que acontece com as outras técnicas: pode ser uma técnica auxiliar de observação; mas a
história de vida é talvez a única técnica que permite abarcar todas as dimensões do real e
fornecer um registo bastante detalhado de fenómenos e de contextos, objectivo que mais
nenhuma técnica pode atingir. Estamos, portanto, no plano da análise das histórias de vida.

Em resumo, para se fazer uma boa história de vida é necessário, sobretudo:

a) Escutar o informador entrevistado (escuta activa, atenta – uma presença interactiva),


facilitando o diálogo, ampliando-o, desenvolvendo-o sem nunca travar o fluxo de
informação;

b) Reler o texto escrito com o informador para testar as informações, a sua veracidade,
possíveis dúvidas, para que o próprio informador seja crítico das suas próprias
informações;

c) Abrir o texto noutras direcções, utilizando, por exemplo a entrada de outras pessoas na
história;

135
d) Recolher outras informações por outras vias: objectos, documentos, espaços,
observações.

A função deste trabalho não é fixar o conhecimento de certo indivíduo, é fornecer indicadores
sobre o contexto de formação desse conhecimento. Por outras palavras, não é a singularidade
da vida daquele indivíduo que importa registar, mas sim a forma como a história passou por
aquele indivíduo.

É precisamente na fase da análise que o método da história de vida adquire maior


complexidade. A análise começa mesmo antes de surgir a preparação técnica da história de
vida, ela começa na preparação teórica, pois é aí que já se fazem formulações de hipóteses e
de proposições que definem os conceitos mais importantes a explorar na entrevista e na
história de vida em geral. A preparação teórica é, portanto, um modo de atalhar entre a
construção da forma da história de vida e a análise da prévia dos resultados obtidos pelas
hipóteses que o modelo de análise da investigação articula.

Depois do enquadramento da história de vida no modelo de análise da nossa investigação,


vamos agora ver como é que se continua com a análise das histórias de vida. Além das
questões que importa ter presentes quando se realiza outros tipos de entrevista, fazer uma
história de vida implica também que se saibam os temas sobre os quais vamos querer maior
exploração por parte do nosso informante.

Depois de registarmos as informações vamos ver que as mesmas constituem apenas cerca de
um terço da matéria bruta adquirida pela entrevista. Depois de termos as informações, somos
nós, investigadores, que vamos ter que dar um fio condutor às informações. Um fio condutor
sintético, lógico, sequencial e mais leve do que o texto bruto. Mexer no conteúdo da
informação deve ser uma acção bem justificada, pois toda a informação, à partida, tem sentido
onde está.

Como se disse, a análise das informações, em princípio, já foi começada no trabalho de


campo e está registada no diário de campo. Aí, o investigador já deixou previamente margens

136
para escrever as suas anotações, que são já indicadores para análise. A identificação prévia
dos registos é outro procedimento importante, bem como a exaustividade com que os dados
foram registados, desde palavras, interjeições, atitudes, gestos, expressões, etc. Os gestos,
sobretudo, devem ser registados, pois eles comunicam, mesmo sem palavras, são autónomos
comunicativos.

Passar os dados da história de vida da oralidade para a escrita não é fácil; deve fazer-se de
modo prudente e tendo-se em conta que não se está a fazer uma simples tradução, está
também a fazer-se uma montagem prévia da informação, arrumando-a no seu compartimento
próprio.

A história de vida divide as suas maiores atenções para dois níveis de informações: os factos e
as experiências. Quando se faz uma entrevista prolongada corre-se o risco de se irem criando
resistências ao exterior. O informante receia que algum medo recalcado seja descoberto pelo
investigador e arranja defesas para evitar que o investigador lhe entre no íntimo. O
investigador deve ter em conta que os relatos feitos pelo informante não são mais do que
socializações de informações que estavam individualizadas.

François Laplantine (1992 [1986]) utilizou a técnica da entrevista com doentes, enfermeiros e
médicos e procurou saber o que é que o doente sabia sobre a sua doença, como é que ele
interpreta o discurso oficial, da medicina, procurou saber igualmente o que podia através dos
discursos paralelos e dos documentos à volta da doença.

Como se deve adivinhar, a análise das histórias de vida mobiliza um conjunto de métodos que
podem ser a análise documental e de imagem, passando pela análise do discurso e pela análise
de conteúdo. Todas elas requerem uma atitude interpretativa (hermenêutica) que assista ao
valor qualitativo das representações gráficas e linguísticas. Antes de mais, o investigador deve
percorrer os mesmos passos que utilizou na sistematização dos dados obtidos pela observação
e pelas entrevistas em geral. Num segundo plano, tendo discernido as categorias de análise
através da leitura atenta do material, que permitiu revelar os padrões escondidos, o
investigador deve partir do texto para o contexto. Este movimento obriga a que se integre a
informação com as forças sociais que as motivaram: trata-se da análise do discurso, a qual

137
procura na ausência do texto aquilo que é sugerido por ele, isto é, vai procurar o sentido
socio-histórico das informações que o entrevistado forneceu. Para esse efeito, o investigador
poderá ter que investigar outros documentos de cariz histórico, recorrendo a arquivos
(pessoais, distritais, etc.) ou outros espólios (como, por exemplo, colecções pessoais). Trata-se
de um processo muito demorado e requer mestria. A análise de conteúdo é essencialmente
quantitativa. Através dela, dá-se relevo à frequência das categorias linguísticas (análise
categorial) comunicadas pelo informante em determinada categoria de análise. Essa
frequência revelará a estrutura do pensamento que suportou as declarações obtidas (análise
estrutural). Na análise das histórias de vida podem esgotar-se todas as possibilidades
metodológicas da análise do conteúdo. Estas possibilidades são apresentadas no ponto
seguinte.

4.3.A Análise

As três operações da análise das informações propostas por Quivy e Campenhoudt têm como
função “(…) interpretar os factos inesperados e rever ou afinar as hipóteses para que, nas
conclusões, o investigador contribua para a discussão das implicações do seu estudo no
presente e para o futuro.” (2005: 211). Inicialmente com a aparência de um processo, a
investigação encaminha-se agora para o retorno ao princípio, e ao levantamento do problema.
A investigação transforma-se num ciclo.

As três fases da análise dos dados propiciam esse regresso ao início, à altura em que se pôs o
problema, atentemos nelas: 1) preparação dos dados (descrever e agregar); 2) análise das
relações entre as variáveis; 3) comparação dos resultados observados com os resultados
esperados e a interpretação das diferenças.

Através da análise dos dados tomamos presente cada vez mais as hipóteses que pusemos à
partida, testando-as e confirmando-as ou infirmando-as. No fundo, teremos que voltar a pegar
no plano inicial da investigação, ver o que mudou, porquê e fazer um relatório disso tudo.
Esquematicamente, veríamos um percurso como este:

138
Plano de investigação
ou operacionalização

Hipótese e Observações
conceptualização

Análise das
informações

(Fonte: Quivy e Campenhoudt, 2005: 236)

Nós encontramo-nos da etapa da análise das informações. Estamos a chegar da etapa da


observação (a 5ª etapa de Quivy e Campenhoudt), estamos a analisar os materiais que
recolhemos no campo (6ª etapa) e estamos a reflectir sobre o problema posto inicialmente (1ª
etapa, a da elaboração da pergunta de partida) e construído na 4ª etapa (construção do modelo
de análise).

Na etapa da análise, o método da análise de conteúdo adquire especial destaque. Vale a pena
reflectir sobre o que dizem Quivy e Campenhoudt (id.: 226 e segs.) a propósito dele:
“contrariamente à linguística, a análise de conteúdo em ciências sociais não tem como
objectivo compreender o funcionamento da linguagem enquanto tal. Se os mais diversos
aspectos formais do discurso podem ser tidos em conta e, por vezes, examinados com uma
minúcia e uma paciência de santo, é sempre para obter um conhecimento relativo a um
objecto exterior a eles mesmos. Os aspectos formais da comunicação são então considerados
indicadores da actividade cognitiva do locutor, dos significados sociais ou políticos do seu
discurso ou do uso social que faz da comunicação. (...) Melhor do que qualquer outro método
de trabalho, a análise de conteúdo (ou, pelo menos, algumas das suas variantes) permite,

139
quando incide sobre um material rico e penetrante, satisfazer harmoniosamente as exigências
do rigor metodológico e da profundidade inventiva, que nem sempre são facilmente
conciliáveis.”

4.3.1. Análise de Conteúdo

Carmo e Ferreira (1998) apresentaram a definição de Berelson (1952, 1968) de “análise de


conteúdo”. Para este autor, ela é “uma técnica de investigação que permite fazer uma
descrição objectiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações,
tendo por objectivo a sua interpretação.” Carmo e Ferreira pormenorizam:

Objectiva – porque a análise deve ser efectuada de acordo com determinadas regras, obedecer
a instruções suficientemente claras e precisas para que investigadores diferentes, trabalhando
sobre o mesmo conteúdo, possam obter os mesmos resultados. Isto pressupõe que eles
cheguem a acordo sobre os aspectos a analisar, as categorias a estabelecer e a utilizar e a
definição operacional de cada uma dessas categorias.

Sistemática – porque a totalidade do conteúdo deve ser ordenada e integrada em categorias


previamente escolhidas em função dos objectivos que o investigador atingir.

Quantitativa – uma vez que na maior parte das vezes é calculada a frequência dos elementos
considerados significativos.

A análise de conteúdo não se cinge, todavia, ao que está escrito, ela debruça-se sobre as
condições em que o documento se produziu e extrapola para o contexto sócio-histórico do
surgimento do conteúdo (embora em menor importância que a análise do discurso). Esta
associação entre os aspectos literais e os aspectos sociológicos é uma característica das
análises de conteúdo. Como defendem Grawitz (1993) e Bardin (1977), a finalidade da análise
de conteúdo não é apenas descrever o conteúdo das mensagens, é também, e principalmente, a
inferência. Moscovici (1968) e Pecheux (1975) relevaram a importância da análise de
conteúdo. De acordo com Ghiglione e Matalon (1992: 180 e segs.), houve quatro razões

140
principais que levaram à adopção de metodologias de análise de conteúdo ao longo da
história:

1. Um primeiro tipo de procura do método da análise de conteúdo fez-se por motivos


ideológicos e políticos, para se analisarem as mensagens da propaganda dos regimes
políticos e dos partidos. No âmbito da análise dos discursos, especialmente os
ideológicos, é interessante quantificar as qualidades presentes nos slogans.

2. “Um outro tipo de procura, de natureza clínica, foi a pesquisa de traços psicológicos
dos indivíduos através dos seus escritos, representações, etc. (…) Numa óptica
terapêutica, a análise de conteúdo ajudaria a construir um melhor diagnóstico e,
eventualmente, poderia servir de instrumento terapêutico. Esta procura, de longe a
mais importante, parte do postulado segundo o qual um dos equivalentes
comportamentais dos problemas psíquicos reside nas perturbações do processo de
comunicação. Numa outra óptica, ela poderá servir para predizer o comportamento de
indivíduos numa determinada circunstância e face a um determinado objecto, ideia ou
situação.” (op. cit.: 181).

3. “Um terceiro tipo de procura deveu-se ao aparecimento conjugado de trabalho em


grupo e da psicoterapia de grupo, eles próprios ligados, no primeiro caso ao fracasso
do trabalho individual para resolver problemas complexos (…), no segundo caso ao
aparecimento de uma corrente baseada nas teorias de Moren.”

4. “Paralelamente e de forma “lógica”, emergiu uma outra procura, a da análise da


tomada de decisão em circunstâncias determinadas. Na mesma ordem de ideias, as
procuras económicas (estudos de motivação) ou industriais (análise de entrevistas ao
pessoal visando modificar uma estrutura) viam o seu número aumentar.” (idem: 182)

Sistematizando, as três grandes causas da manutenção do método de análise de conteúdo


como um dos mais usados são políticas, económicas e terapêuticas (ver Quadro seguinte).

141
A análise de conteúdo traz muitas vantagens a nível analítico e permite descobrir frequências
ao nível do discurso que revelam efeitos interessantes no âmbito social, quer seja familiar,
profissional, ideológico, etc. Através da análise de conteúdo pode-se reduzir uma variedade de
indicadores e de fenómenos a invariáveis numéricos e cristalizá-los na forma de fórmulas e de
esquemas operativos.

Principais aplicações da análise de conteúdo


Análise de propaganda; estudo de processos de influência social; estudos globais
de sociedades em função do need of achievement , ou do critério inner/other
1. Político-sociais directions; análise de textos visando a elaboração de um parecer técnico (por
ex., determinar se determinado jornal difunde propaganda inimiga); estudos
visando a tomada de decisões em política externa.
Estudos de motivação; estudos estruturais nas empresas; análise do
funcionamento de grupos na resolução de um problema; análise da tomada de
decisões (em situação normal, em situação de urgência, etc.); análise da
2. Económico
circulação de informações no interior de uma estrutura; análise de funções;
análise de comportamentos de consumo; análise de percepção da publicidade,
etc.
Análise da personalidade (personnal structure analysis); análise das ideologias.
Análises específicas que dão lugar a medidas: DRQ (Disconfort Relief Quotient)
para testar a relação entre as palavras desconforto e conforto num discurso e
seguir a sua evolução; o PNAvQ (Positive Negative Ambivalente Quotient)
3. Terapêutico
próximo do DRQ; o TTR (Type Token Ratio) que mede a variedade do
vocabulário; o AV (Adjective Verb) que mede o número de adjectivos por n
verbos (medida utilizada no estabelecimento da distinção esquizofrénicos-
normais), as desordens do discurso, a ansiedade, a hostilidade, etc.

O ponto de vista de Quivy e Campenhoudt sobre a análise de conteúdo é mais abrangente do


que os dos autores anteriores. Eles começam desde logo por dividir duas grandes variantes
dos métodos de análise de conteúdo (variância essa que se faz pela predominância de letras ou
de números na análise):

a) Métodos de análise de conteúdo quantitativos, “(…) são extensivos (análise de um


grande número de informações sumárias) e teriam como informação de base a
frequência do aparecimento de certas características de conteúdo ou de correlação
entre elas.”

b) Métodos de análise de conteúdo qualitativos, “(…) são intensivos (análise de um


pequeno número de informações complexas e pormenorizadas) e teriam como

142
informação de base a presença ou ausência de uma característica ou o modo segundo o
qual os elementos do “discurso” estão articulados uns com os outros.”.

Embora haja a tendência de usar um procedimento ou outro para fazer os trabalhos de


investigação, as duas variantes combinam-se na maior parte das vezes no mesmo trabalho.

Laurence Bardin (1977) foi quem mais se empenhou em classificar a variedade de métodos de
análise de conteúdo, que resultava da extrema flexibilidade inventiva que os vários analistas
emprestavam aos princípios da análise de conteúdo. Ela distingue três grandes categorias de
métodos de análise de conteúdo:

1. As análises temáticas

São análises que tentam principalmente revelar as representações sociais ou os juízos dos
locutores a partir de um exame de certos elementos constitutivos do discurso. As análises
temáticas subdividem-se em:

a) Análises categoriais: O tipo de análise mais antigo e mais corrente. Consiste em


calcular e comparar as frequências de certas características previamente agrupadas em
categorias significativas. Baseiam-se na hipótese segundo a qual uma característica é
tanto mais frequentemente citada quanto mais importante for para o locutor.

b) Análises da avaliação: Incide sobre os juízos formulados pelo locutor. É calculada a


frequência dos diferentes juízos (ou avaliações), mas também a sua direcção (juízo
positivo ou negativo) e a sua intensidade.

2. As análises formais

São as análises que incidem principalmente sobre as formas e encadeamento do discurso. As


análises formais subdividem-se em:

143
a) Análise da expressão: Incide sobre a forma da comunicação, cujas características
(vocabulário, tamanho das frases, ordem das palavras, hesitações…) facultam uma
informação sobre o estado de espírito do locutor e suas tendências ideológicas.

b) Análise da enunciação: Incide sobre o discurso concebido como um processo cuja


dinâmica própria é, em si mesma, reveladora. O investigador está então atento a dados
como o desenvolvimento geral do discurso, a ordem das suas sequências, as
repetições, as quebras de ritmo, etc.

3. As análises estruturais

São as que põem a tónica sobre a maneira como os elementos da mensagem estão dispostos.
Tentam revelar aspectos subjacentes e implícitos da mensagem. As análises estruturais
subdividem-se em:

a) Análise de co-ocorrência: Examina as associações de temas nas sequências da


comunicação. Parte-se do princípio que as co-ocorrências entre temas informam o
investigador acerca de estruturas mentais e ideológicas ou acerca de preocupações
latentes.

b) Análise estrutural propriamente dita: Tem como objectivo revelar os princípios que
organizam os elementos do discurso, independentemente do próprio conteúdo destes
elementos. As diferentes variantes da análise estrutural tentam elaborar um modelo
operatório abstracto, construído pelo investigador, para estruturar o discurso e torná-lo
inteligível.” (id.: 229)

Além das aplicabilidades possíveis do método de análise de conteúdo já referidas, ele é


especialmente desenhado para:

o Analisar ideologias, sistemas de valores, representações e aspirações sociais, vias de


transformação dessas ideias;

144
o Examinar a lógica de funcionamento das organizações, graças aos documentos que
elas produzem;
o Estudar produções culturais e artísticas;
o Analisar os processos de difusão e de socialização;
o Analisar as estratégias, das regras que estão em jogo num conflito, dos componentes
de uma situação problemática, das interpretações de um acontecimento, das reacções
latentes a uma decisão, do impacto de uma medida…;
o Reconstruir realidades passadas não materiais: mentalidades, sensibilidades, etc.

As principais vantagens que o método de análise de conteúdo tem, de acordo ainda com
Quivy e Campenhoudt, são as seguintes:

a) Todos os métodos de análise de conteúdo são adequados ao estudo do não dito, do


implícito;

b) Eles obrigam o investigador a distanciar-se de si e da realidade;


c) Têm como objecto uma comunicação reproduzida num suporte material (geralmente
um documento escrito), permitem um controlo posterior do trabalho de investigação;
d) A forma sistemática e metódica pela qual alguns métodos de análise de conteúdo são
construídos permite a profundidade e a criatividade do investigador.

Todavia, os autores identificam limites e problemas colocados ao método da análise de


conteúdo:

a) A análise categorial é demasiado simplista;


b) A análise avaliativa é pesada e laboriosa;
c) Cada método tomado como exclusivo é insuficiente.

145
De acordo com Ghiglione e Matalon (2005:183), numa situação de inquérito, a análise de
conteúdo pode servir para atingir vários objectivos da investigação, tais como:

o “Analisar as características do texto enquanto tal (“plano horizontal”).


o Analisar as causas e antecedentes da mensagem (“plano vertical”).
o Analisar os efeitos da comunicação.

A primeira abordagem dá lugar a três comparações:

o Entre documentos de uma mesma fonte;


o Entre documentos de fontes diferentes;
o Entre documentos e categorias externas, por exemplo, conceitos psicanalíticos.”

A segunda remete para Osgood (1959) que sustenta que, neste caso, se procuram “as leis das
relações entre os acontecimentos referenciados nas mensagens e os processos sociais
mediatizados pelo indivíduo que as produz.” Esta abordagem conduz-nos à identificação das
condições de produção dos textos e a evitar a acentuação sobre o indivíduo produtor
(considerado como uma entidade independente de todos os procedimentos sociais).”
(Ghiglione e Matalon, 2005: 183)

“A terceira abordagem remete-nos para as análises sobre o campo da influência social e pode
ser formulada da seguinte maneira:

o consideremos um indivíduo A, cujas características comportamentais o levam a


produzir uma mensagem X relativamente a um objecto Y,
o consideremos um indivíduo B, cujas características comportamentais o conduzem a
produzir uma mensagem X’ destinada a A, relativamente ao mesmo objecto Y,
o : se, depois de ter ouvido a mensagem de B, A produz uma mensagem apresentando as
características da mensagem X’, então a mensagem poderá ser referida ao
comportamento de B.” (idem: 184).

146
A análise de conteúdo serve-se do seu conhecimento sobre as palavras e sobre a forma como
elas se podem arranjar (e como esses arranjos podem ser categorizados e tipificar pessoas)
para definir perfis óptimos de comportamento tanto de estruturas como de pessoas.

A análise de conteúdo requer muito treino e, sobretudo, muito à-vontade na operacionalidade


da técnica, para lhe poder retirar todos o potencial. A análise de discurso é sobretudo
importante para analisar entrevistas e histórias de vida. Como lembra Jorge Vala, “Em muitos
destes estudos, o investigador não dispõe de hipóteses de partida, reúne dados de forma
controlada e sistemática que depois organiza e classifica. A análise de conteúdo é a técnica
privilegiada para tratar, neste caso, o material recolhido. Ela poderá mostrar, por exemplo, a
importância relativa atribuída pelos sujeitos a temas como a vida familiar, a vida económica, a
vida profissional, a vida religiosa, etc.” (1986: 105).

Jorge Vala apresenta um esquema que representa como o método da análise de conteúdo
interfere directamente com a metodologia de investigação que está a ser desenvolvida:

De acordo com este autor, quando se procede “à análise de conteúdo de um texto, um


documento, uma entrevista ou qualquer outro material, o investigador formula uma série de
perguntas que podemos sistematizar da seguinte forma:

o Com que frequência ocorrem determinados objectos (o que acontece e o que é


importante);

147
o Quais as características ou atributos que são associados aos diferentes objectos (o que
é avaliado e como);
o Qual a associação ou dissociação entre os objectos (a estrutura de relações entre os
objectos.” (id.).

Simultaneamente, o investigador deve seguir um número mínimo de operações, como:

o “Fazer a delimitação dos objectivos e definição de um quadro de referência teórico


orientador da pesquisa;
o Constituir um corpus;
o Definir categorias;
o Definir unidades de análise.

A estas operações juntamos outra:


_ A quantificação.

Finalmente, qualquer plano de análise de conteúdo pressupõe a elaboração de um conjunto de


procedimentos que permitam assegurar a sua fidedignidade e validade.” (1986: 108-9).

4.3.2. Triangulação

A triangulação consiste no cruzamento de diversos métodos ao longo da investigação. Ela


pode ser feita entre informações de têm origem em vários informantes e que foram adquiridas
através de vários métodos. Quando o trabalho é realizado por equipas de investigadores, deve-
se fazer, também, uma triangulação das observações de todos, a fim de se chegar a um
conjunto coerente de informações relevantes para o estudo do tema.

4.4. Redacção

A redacção do trabalho só se faz quando a observação se deu por acabada e quando a análise
está feita. Esta é já uma fase posterior à investigação. Por isso mesmo, o investigador, quando

148
redige o relatório científico, já deve estar fora do campo e deve já ter ordenado os dados e
outros materiais. A estrutura de redacção deste relatório deve respeitar a lógica de uma
estrutura proposta pela instituição no âmbito da qual se realizou a investigação. Quando se
trate de investigações independentes, a estrutura deve seguir a lógica internacional IMRAD.
Em que: I (Introdução), M (Materiais e Métodos), R (Resultados), A (Análise dos resultados),
D (Discussão). As conclusões serão o sexto ponto. No caso de redacção de artigos científicos,
é comum retirar-se o “A”, incluindo-se na Discussão os aspectos mais relevantes da Análise.

A apresentação faz-se na 1ª pessoa do plural ou do singular. Quando se está a proceder à


montagem do texto, que se faz precisamente como na arte cinematográfica, tem que se ter em
conta que o resultado terá que ser um texto contínuo mas que não altera nem desvirtua a
narração. Esta montagem tem como principais objectivos tornar a comunicação mais eficaz,
economizar espaço e esforço e transmitir com fidelidade o que foi descoberto.

4.5. As Conclusões

Quivy e Campenhoudt lembram que “A conclusão de um trabalho de investigação social


compreenderá geralmente três partes: primeiro, uma retrospectiva das grandes linhas do
procedimento que foi seguido; depois, uma apresentação pormenorizada dos contributos para
o conhecimento originados pelo trabalho e, finalmente, considerações de ordem prática.” (op.
cit.: 243).

a) Retrospectiva das grandes linhas do procedimento

Pontos a incluir (segundo Quivy e Campenhoudt):

o Apresentação da pergunta de partida na sua última formulação;


o Apresentação das características principais do modelo de análise e, em particular, das
hipóteses de pesquisa;
o Apresentação do campo da observação, dos métodos utilizados e das observações
efectuadas;

149
o Comparação entre os resultados hipoteticamente esperados e os observados, bem
como uma retrospectiva das principais interpretações das suas diferenças.

b) Novos contributos para os conhecimentos

Um trabalho de investigação produz dois tipos de conhecimentos: novos conhecimentos


relativos ao objecto de análise e novos conhecimentos teóricos.

c) Novos conhecimentos relativos ao objecto de análise

Incidem sobre o fenómeno estudado enquanto tal. Trata-se de mostrar em que é que a
investigação permitiu conhecer melhor este objecto. Pretende-se respostas paras as questões:

o O que sei a mais sobre o objecto de análise?


o O que sei de novo sobre este objecto?

d) Novos conhecimentos teóricos

Esta parte da conclusão consiste em apresentar-se uma avaliação sobre o próprio trabalho
teórico, reflectindo-se sobre a pertinência da problemática empregue e sobre a
operacionalização do modelo de análise construído e escolhido para a investigação. Além
disso, importa que se faça uma avaliação sobre os progressos teóricos alcançados pelo
trabalho.

e) Perspectivas práticas

Como referem Quivy e Campenhoudt, “(…) as perspectivas práticas de uma investigação em


ciências sociais dependem principalmente da sua capacidade de definir os desafios normativos
de uma situação ou de um problema, bem como as margens de manobra dos actores
relativamente aos constrangimentos e, portanto, a sua responsabilidade.” (op. cit.: 248)

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