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Clara Codd

CONFIE EM VOCÊ MESMO PARA VIVER

Tradução
E. P.

Título do original inglês


Trust Yourself To Life

Edição original de The Theosophical


Publishing House, Adyar, Madras, Índia
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DEDICATÓRIA

Aquela Imortal Beleza que é o Amor.

"Ó Mundo, como Deus o fez! tudo é beleza,

E conhecer isso é amar, e amor é reverência

O que mais pode ser dito ou procurado?"

Robert Browning

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SUMÁRIO

Capítulo I – O que é “Deus”?


Capítulo II – O que é o homem?
Capítulo III – A vida evolui em ciclos
Capítulo IV – Os verdadeiros mandamentos de Deus
Capítulo V – O segredo do pecado e do sofrimento
Capítulo VI – “Não se lamente de nada; nunca se arrependa”
Capítulo VII – Comecemos a partir de gora
Capítulo VIII – A morte é nossa amiga
Capítulo IX – Amor, humano e divino
Capítulo X – As asas da alma
Capítulo XI – O lugar da beleza na vida
Capítulo XII – A nova religião surgindo no mundo

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PREFÁCIO

Durante sua ativa e longa vida, Clara Codd trouxe inspiração, deleite e algo mais a
todos os que a conheceram. Esse algo mais era uma qualidade de espírito particularmente
bela. Seu infinito bom humor e perspicácia habilitaram-na admiravelmente para o papel de
conferencista internacional. Ela era bastante hábil na arte de fazer amigos, fossem eles
jovens ou velhos, por onde quer que passasse, e transmitia sua sabedoria com
desenvoltura, como tudo o que fazia, sem o menor indício de superioridade. Nos primeiros
anos de juventude, lutou pela verdade e pela justiça, e dedicou-se ao movimento em favor
do Sufrágio Feminino. Mais tarde, consagrou suas consideráveis energias ao movimento
teosófico. Mas seu senso de limite e seus sentimentos bons e sadios sempre evitaram o
fanatismo. Afortunadamente, suas obras sobreviveram, preservando a qualidade especial
que estava implícita em sua presença.
Lidando perfeitamente com questões levantadas por toda pessoa que reflete e medita,
Confie em você mesmo para viver representa a essência refinada de anos de uma existência
sábia e meditativa, e é um testemunho da destemida fé na vida da própria autora.

Bridget Paget

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Capítulo I

O QUE É “DEUS”?

Lembro-me de que quando era jovem, se alguém dissesse que não acreditava em Deus
era tido como muito perverso. Mas, na verdade, o que essa pessoa estava querendo dizer
era que ela não podia aceitar aquela "imagem" comum de Deus. Como qualquer criança, e
como a maioria das pessoas, eu imaginava Deus como sendo um velho senhor, lá no alto
dos céus, de quem eu tinha medo e certamente não gostava. Na parede do meu quarto de
criança havia uma moldura com a seguinte frase: "Deus está me vendo". Nossas amas e
governantas explicavam que Deus nos observava o tempo todo e ficava atento a todas as
nossas pequenas faltas. E eu vivia bem feliz até que um dia minha mãe disse a nossa jovem
governanta: "Acho que as crianças deveriam aprender alguma coisa sobre religião." Então a
Srta. Fife nos chamou: "Venham crianças." Retirou uma grande Bíblia duma prateleira e nos
leu a passagem da crucificação. “Que conto de fadas horrível!", exclamei, quando ela
terminou. E ela me respondeu: "Você é uma . menina perversa. Tudo isso é verdade."
Foi aí que comecei a ouvir falar sobre o céu que estava em algum lugar lá no alto, e
sobre o inferno, em algum lugar "lá bem embaixo", O inferno aterrorizou-me e tirou-me
toda a alegria de viver. Por alguma razão, que espero os psicólogos possam explicar, eu
tinha certeza de que meu pai e minha mãe iriam para esse inferno. Eu não conseguia
dormir à noite, pensando em seus terríveis destinos e no que eu poderia fazer para salvá-
los.
Depois, à medida que fui crescendo, meus temores foram diminuindo e tornei-me
mais audaciosa e menos crédula. Um dia, quando tinha mais ou menos quinze anos, de
repente, resolvi jogar fora aquele Deus pavoroso e declarei-me uma ateísta. Mas ninguém
deu muita importância a esse fato. As coisas começaram a se esclarecer quando, ao dar
uma olhada numa loja de livros usados, na pequena cidade interiorana em que eu
morava, deparei-me com uma pequena brochura intitulada O Morto Vivo. Comprei-a por
seis pence. Continha algumas fotografias de espíritos. Fiquei entusiasmada. "Pelo menos
vivemos após a morte!" - Pensei comigo mesma. Nessa mesma época, meu professor de
música recebeu a visita da filha de um fabricante de pianos. Ela tornou -se minha amiga e
me convidou para passar um tempo com ela, em Londres. Era uma espírita fervorosa e
levou-me, então, a muitas sessões e reuniões.
Mas nunca achei o espiritismo uma grande ajuda. A maioria dos mortos parecia passar
todo seu tempo junto a um vivo dizendo algo como: "Diga a Maria que estou feliz."
Pouco tempo depois, meu pai morreu. Fomos todos morar na Suíça, na cidade histórica
de Genebra. Foi lá, na casa do Cônsul russo, o Conde Prozor, que encontrei o coronel Henry
Olcott, de quem já ouvira falar muitas vezes, e ouvi-o descrever sua vida com Madame H. P.
Blavatsky e os cinco Adeptos com quem se encontrara no corpo físico. Este foi o início de
uma nova vida para mim. Talvez deva contar uma pequena estória interessante. Eu
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costumava contribuir para a renda da família lecionando inglês. Um dia, atendi ao anúncio
da filha de um estalajadeiro do alto das montanhas do Jura, que pretendia aprender inglês.
Permaneci lá por uns três meses. As vinhas cobriam os sopés das montanhas, e, quando
chegou a época da colheita das uvas, homens vieram das proximidades de Savoy para
trabalhar. Eles dormiam com as vacas. Disseram-me que dormir com vacas curava
tuberculose. Nas montanhas não havia médicos, as mulheres experientes que colhiam
ervas de manhã bem cedo, antes que o orvalho desaparecesse, receitavam-nas para os
doentes. Algumas dessas mulheres eram clarividentes e tinham olhares estranhos.
Naquele tempo, sem nunca ter ido à escola, e não possuindo, portanto, nenhuma
habilitação, eu estava sempre pensando numa maneira melhor de ganhar a vida. Então,
ouvi falar de uma jovem camponesa, famosa por dizer às pessoas o que elas poderiam
fazer. Uma manhã, fui visitá-la e encontrei-a preparando o jantar. Enquanto sua mãe
tomava conta da cozinha, a jovem, levando-me para um quarto interno, entrou em transe
e segurou minha mão. "Uma criada, não; nem cozinheira, nem vendedora", ela
murmurou. De repente, ela disse: "Sim, estou vendo você!" "O que você está vendo?",
perguntei. E ela respondeu: "Vejo-a numa plataforma com centenas de pessoas diante de
você." "E o que estou fazendo?", perguntei. "Sou uma atriz?" "Não, não, você não é uma
atriz", respondeu. "Então, o que estou fazendo?", perguntei novamente. "Não posso lhe
dizer, mas isto soa para mim como a música de Richard Wagner", disse ela. Isso aconteceu
vários meses antes de que eu ouvisse falar exatamente sobre Teosofia.
Deve haver milhares de pessoas criadas como eu, com uma ideia terrificante da
Divindade. Dizem que Deus é Amor, mas que, ao mesmo tempo, condena à tortura eterna
criaturas que Ele mesmo criou. Não é de se admirar que exista agora uma revolta crescente
contra esse incrível terror. Como disse o Bispo de Woolwich, Dr. John Robinson, "nossa
imagem de Deus tem que desaparecer".
Mas as pessoas dirão: "Deve existir alguém que tenha criado todo este Universo; ele
não pode ter surgido do nada." E elas citarão o texto onde é dito que o homem foi feito à
imagem e semelhança de Deus, referindo-se com isto aos nossos corpos físicos. Daí, todas
as nossas imagens serem criadas, a partir de algum tipo de descrição; não percebemos
que a maioria delas são símbolos e que não devemos tomá-las por realidade. Assim como
uma criança pensa em Deus como sendo um velho senhor lá nos céus, é difícil para o
homem pensar no criador do Universo em outros termos que não os humanos. As antigas
escrituras da Índia encaram esta dificuldade questionando se a ideia metafísica ou a
personificada está mais perto da verdade. Arjuna pergunta ao Senhor Sri Krishna quem é o
mais recomendado: aquele que cultua o Oculto ou aquele que cultua a Divindade numa
forma personificada. E o Senhor responde que a dificuldade daqueles cujas mentes se
inclinam, para o Oculto é maior, "pois o caminho do Oculto é difícil de ser atingido por
quem está encarnado". É difícil, para muitos. visualizar Deus em outros termos que não
os humanos. Como disse Voltaire: "No princípio, Deus criou o homem à Sua própria
imagem, e o homem, desde então, tem-Lhe retribuído essa homenagem."
Mas existe somente uma vida em todo o Universo, em cada forma, e até mesmo em
cada átomo. Essa vida é una e indivisível. Ela nunca morre, mas encarna diversas vezes em
inumeráveis formas que vão se modificando e deixando de existir e sempre reencarnando
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em formas melhores e mais elevadas. Essa mudança rítmica e incessante é chamada
evolução. O que é essa Vida Uma, visível em toda a parte? O professor Radhakrishnan dá a
resposta: “Deus é Vida. O reconhecimento desse fato é consciência espiritual.” Vida é Deus!
Ou nas palavras d’A Doutrina Secreta de H. P. Blavatsky: existe "um PRINCÍPIO Onipresente.
Eterno, Infinito e Imutável sobre o qual se faz impossível qualquer especulação, já que
transcende o poder da concepção humana, e que qualquer expressão ou comparação só
pode minimizá-lo". Ou citando O Idílio do lótus branco? de Mabel Collins; "O princípio vital
está presente em nosso ser e, mesmo sem ele, é imortal e eternamente benéfico. Não é
ouvido, visto ou sentido, mas é percebido pelo homem que busca percepção."
Em A Doutrina Secreta, a autora diz também que o espírito do homem é uma centelha
dessa Vida plena e afirma: "A identidade fundamental de todas as Almas com a Suprema-
Alma Universal, sendo esta última um aspecto da Raiz Desconhecida, e a peregrinação
obrigatória para cada . Alma - uma centelha da anterior - através do Ciclo de Encarnação ou
Necessidade, de acordo com a Lei Cíclica e Kármica." É por isso que todo filho do homem é
também, e para sempre, Filho do Altíssimo. Essa é uma herança que ninguém lhe pode
tirar.
Assim, uma nova concepção de Divindade está surgindo no mundo e, com ela, um novo
testemunho de fé, que podemos chamar de uma nova religião, a Religião da própria Vida. A
partir daí, surgem muitas implicações repletas de esperança e luz para os homens.
Aquela velha ideia de uma Divindade personificada provou ser desastrosa, como afirma
o grande Adepto Maha Chohan, quando escreve: "O mundo em geral, e especialmente a
Cristandade, mantido por 2.000 anos num regime de um Deus personificado, assim como
os sistemas político sociais, também baseados nessa ideia, provaram agora ser um
fracasso."
Mas por toda parte há Vida e ela é Una. H. P. B. denomina as formas que a Vida encarna
de "princípio da limitação". Essa vida plena é muito vasta para que nosso pequeno intelecto
possa compreender. Mas é evidente que existe uma Unidade, um Princípio de Vida intenso.
A vida está em toda a nossa volta. dentro de nós e em várias camadas de consciência. E é
sempre a mesma – Una, Única. Não podemos dizer o que a faz desenvolver, o que a faz
expandir ou diminuir, criar ou destruir. Sabemos apenas duas coisas sobre ela: que se
desenvolve numa forma cíclica, e que é governada pela Lei imutável, a lei que não conhece
alterações, "ontem, hoje e sempre". É a Vontade eterna do Universo apontando para algum
acontecimento longínquo para o qual toda a criação está se movendo. Na terminologia
religiosa, a chamamos Vontade de Deus. Coloquemos tudo numa forma esquemática:

1. Vida é Deus.
2. A Vida é universal. Na Vida "vivemos, movemo-nos e temos nosso ser".
3. A Vida evolui, e o faz de uma forma cíclica, como nos disseram os antigos gregos.
4. A Vida evolui sob o reinado da Lei imutável: os verdadeiros "mandamentos de
Deus".

Vida é Deus. Convém lembrar que sempre que vemos uma flor desabrochando, uma
linda árvore expandindo seus galhos, a maré subindo e descendo, estamos observando a
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vida divina em ação. Não podemos conhecer Deus até que consigamos fundir nossa
pequena consciência humana com a consciência imortal, plena, e também com a vida à
nossa volta.
Gostaria de acrescentar algumas palavras do Mestre D. K. sobre a Vida: "A Vida não
pode ser descrita em palavras, nem na sua mais perfeita expressão ... Enquanto o homem
estiver encarnado, não poderá perceber o que é a vida."

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Capítulo II

O QUE É O HOMEM?

"O que é o homem, para te lembrares dele?", cantava Davi, o Salmista. Shakespeare,
o bardo imortal, diz algo semelhante. Os antigos chamavam o homem de Microcosmo,
encarnando e simbolizando todas as forças e potências do Universo, o Macrocosmo. Sim, o
homem é esta coisa maravilhosa, até mesmo no simbolismo de seus órgãos e membros, e
na trindade de sua composição psicológica. Nós pensamos, sentimos e agimos. Para que
ideal esses três se direcionam? O pensamento aspira à sabedoria, o grande poder criativo
no homem é o amor, e a ação desenvolve a capacidade; ou poder. Assim é que se refletem
no homem a primacial Sabedoria, o Amor e a Força do Universo, origem de todas as
Trindades teológicas. Todos os dogmas teológicos são símbolos cristalizados e tendem,
enfim, a manter o homem prisioneiro. John Ruskin contou-nos que grande parte do
conhecimento antigo concentrava-se na derivação das palavras. Se observarmos a palavra
"símbolo" descobriremos que ela vem do grego, significando "figura ou sinal que
representa e contém em si algo muito maior". Um símbolo é como um indicador
apontando para alguma verdade demasiado vasta para ser contida numa palavra ou numa
ideia. O símbolo nunca é a coisa em si mesma, nem deve ser tomado como tal.
O homem não é apenas um corpo físico visível; é muito mais do que isso. A teologia
diz que ele tem uma alma, ou melhor, que ele é uma alma que, por algum tempo, está
tendo um corpo como uma experiência. Isto é perfeitamente evidente para todos aqueles
que possuem visão psíquica pois para essa visão mais sutil existem mundos dentro de
mundos com formas materiais cada vez mais refinadas - o que significa uma vibração mais
rápida - circundando e interpenetrando as formas mais grosseiras como o nosso mundo
físico. Convém lembrar que a palavra da Bíblia que se traduz por "alma" é a palavra grega
psyche, de onde se originam as palavras "ciência psíquica" e "psicologia". Ambas são áreas
modernas de conhecimento: uma, explorando o circundante mundo interno da alma, do
ponto de vista de sua existência objetiva, e a outra, classificando seus poderes de
consciência.
Assim, o homem é uma alma e tem um corpo É a alma que pensa e sente, e essas
vibrações estabelecem imediatamente uma vibração complementar - ainda que de baixa
voltagem - nas células do cérebro e do sistema nervoso do corpo.É a alma ou a
contraparte psíquica que realmente pensa e sente, como nos disse Sêneca. Seu desejo de
entrar em contato com o mundo exterior desenvolveu os órgãos dos sentidos. "A alma
desejou ver, por isso os olhos; ela desejou ouvir, por isso os ouvidos", etc., dizem as
escrituras hindus.
O corpo do homem, como sugere sua derivação anglo-saxônia, é o que H. P. B. chamou
de casa onde moramos temporariamente. Essa moradia temporária tem dois conjuntos de
nervos: um nos traz os contatos com o exterior, de onde formamos as ideias e os conceitos
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mentais, são os nervos sensoriais; e o outro, os nervos motores, através dos quais agimos
segundo nosso ambiente. O pensamento não se origina no cérebro que é apenas seu
mecanismo de transmissão. É como o teclado do piano para o músico. Não há música no
piano; ela está na alma do músico. Mas ele precisa do piano para expressar o que sente e é
limitado pela capacidade de transmissão do piano. Como um transformador elétrico, o
cérebro amortece e diminui as vibrações rápidas do sentimento e do pensamento. Depois
da morre, sem o cérebro, seremos capazes de pensar mais rapidamente e sentir mais
intensamente. A alma não está fora do homem, mas sim, permeando e interpenetrando
seu corpo físico, assim como as esferas a que ela pertence, permeiam e interpenetram
todo o universo físico. Essas esferas são invisíveis aos olhos físicos, os quais estão
acostumados a responder somente a um certo limite de vibrações físicas. Os impulsos de
ondas psíquicas são muito rápidos para os olhos físicos, mas podem ser captados por
certos centros "ocultos" no lado mais refinado - "etérico” - do corpo físico.
Esses "centros" correspondem, mais ou menos, aos principais plexos nervosos no
corpo. Despertos e ativos, eles revelam, para aquele que pode ver, os mundos invisíveis de
matéria mais refinada, que podem, então, ser explorados e investigados. Quando isso é
feito, pode-se ver que os sentimentos expressam-se em cores devido a uma determinada
rapidez de vibração. Daí, a incorporação desse fato a provérbios comuns, tais como em
frases do tipo: "ficar roxo de ódio", "verde de inveja",* etc. Isto faz pensar num mundo
ainda mais útil, onde o poder criativo da imaginação ou a capacidade "criadora de
imagens", fornece formas e figuras. O pensamento é o construtor de formas. Através
desse poder lembramos de acontecimentos e pessoas, e também podemos criar imagens
do que pode acontecer no futuro. Essa capacidade "criadora de imagens" deve ser usada e
seu controle sempre mantido, pois, do contrário, pode tornar-se uma força devastadora
como no caso de um malade imaginaire, ou de uma pessoa superansiosa. A mente é, então,
a construtora de formas, e o sentimento é o poder motor, como se vê claramente na
derivação da palavra "emoção". O sentimento impele à ação; a mente mostra como.
"Penso, logo existo", disse o filósofo Descartes. A mente é também a base do ser, do
"eu", "isto sou eu", "isto não sou eu", etc. As escrituras indianas denominam essa
capacidade de Ahamkara. Ela nos dá um senso de identidade pessoal, mas, quando
descontrolada, é a raiz do egoísmo, da ambição do orgulho. Também nos faz querer coisas
para nós mesmos, invejar outras pessoas, desejar ser "o melhor", etc. Todos nós temos
essa capacidade. Por muitas vidas, como diz H. P. B., ela forma uma proteção necessária
para a evolução, como a casca do ovo ao redor do pintinho, impelindo o homem a se
esforçar. O propósito disso é estabelecer um centro firme capaz de romper, a qualquer
momento, a carapaça circundante e unificar-se com a vida universal, mantendo ainda o
centro individual de consciência - tornando-se, como coloca H. P. B., um Centro eterno
sem perifíria, como o próprio Universo.
Esse centro imperecível, na Vida Universal, é mais profundo âmago do ser, em cada um
de nós, É o eterno "Filho de Deus" em todos nós; às vezes, o chamamos "O Eu Supremo".
Isto é algo que todo "filho do homem" possui e que nunca lhe poderá ser tirado. Nós
permanecemos inconscientes disso por muitas vidas, embora, de um modo crescente,
surjam impulsos provenientes dessa fonte interior, como no caso da inspiração súbita, da
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coragem desconhecida, da compaixão, etc. Esse centro profundo em nós é chamado por
São Paulo, na Vida Universal.de "Cristo em você, a esperança de glória". São Pedro
descreve o homem como sendo triplo: tem um corpo, uma alma ou contraparte psíquica e
um ser espiritual. Esse centro espiritual em nós é a "Palavra de Deus” que nunca deixará de
existir. "Céu e Terra desaparecerão" e o corpo e o eu psíquico podem desaparecer, "mas
Minhas Palavras" (o homem espiritual em todos nós) "não deixarão de existir". Se a Vida
não tivesse pensado em nós e nos falado, nunca teríamos chegado a existir.
Existem os planos intervenientes da Natureza que podemos chamar de Céu e Terra. A
Terra física é o plano mais baixo e o mais denso, o que significa ser aquele que possui as
vibrações mais lentas. É o mundo dos problemas e do Sofrimento. A Sra. Blavatsky diz que a
ciência oculta não conhece "inferno" ou lugar de punição que não seja o planeta do
homem. Posso compreender isso muito bem. Mas este mundo infeliz tornar-se-á, um dia,
outro céu, quando a Sua Vontade for finalmente feita na Terra, assim como o é no céu.
Krishnamurti nos diz que se pudermos olhar para a vida sem nenhuma reação de
aprovação ou desaprovação, ou qualquer avaliação, simplesmente observando como
funcionam nossas mentes, um dia elas se tornarão naturalmente tranquilas e, então, a
consciência universal, a bem-aventurança e a verdade acontecerão. A essa altura, a
jornada evolucionária do homem estará terminada, e a Alma Suprema já terá encontrado
um outro canal único de expressão.
"Aproxime-se de Deus, e Ele se aproximará de você", disse São Jaime. Só em pensar
nisso, deixando nossos pensamentos voarem em direção a essa Vida maravilhosa e plena
e, tentando percebê-la em qualquer coisa viva (não há matéria "morta" em nenhum lugar
do Universo), isso trará uma resposta. Pois, como nos diz novamente H. P. B., essa Imensa
Vida está sempre querendo derramar-se em seus representantes aqui, mas não pode fazer
isso até que os pequenos eus tenham aprendido a venerar e adorar. Nós temos que dar o
primeiro passo e "Deus" responderá. Pois todo filho do homem é também o filho de Deus.
O Senhor Cristo citou o Rei Davi quando disse: "Vocês são deuses.” Não existe "pecado",
somente falta de maturidade. Voltaremos a falar sobre isso em outro capítulo.
Convém lembrar que a Vida é sagrada, pura, e imaculada. Não gosto de fazer
distinções entre as diferentes formas de Vida. Ou tudo é sagrado, ou nada é sagrado.
Lembro-me de uma reunião em Varanasi, Índia, há muitos anos, quando, numa atmosfera
extraordinária, pareceu-me ver o mundo como o veem os Homens Perfeitos. Não havia
senso de diferença; tudo era igualmente importante e igualmente querido.
Quando, por uma vez, um homem alcança conscientemente essa Vida Imortal, ele se
torna um centro radiante desta Vida maravilhosa para todos os seus semelhantes - na
verdade - para todas as coisas vivas . E não existe nada que não seja "vivo", nem tão pouco
algo que seja "matéria morta".
Portanto, o que é o homem? Um corpo aprisionado - e, por fim, expressando - o Filho
de, Deus, o fluxo imortal da própria Vida. Ele é um ser maravilhoso para ser tratado com
carinho, ajudado e compreendido em qualquer eventualidade e em todas as ocasiões.

 No original inglês: being in the blues (estar triste, deprimido) (NT)


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Capítulo III

A VIDA EVOLUI EM CICLOS

Você já notou o fato universal, de que a vida move-se de uma maneira cíclica, sempre
retornando ao mesmo ponto, mas num nível mais elevado? E já conheceu noite que não
fosse seguida por uma manhã? Ou um inverno que não fosse seguido por uma primavera?
Uma noite de descanso e assimilação segue sempre um dia de atividade. Da mesma forma
que aquilo que fazemos hoje é o resultado dos dias de ontem e a causa do que acontecerá
amanhã, assim, também, uma vida e seus acontecimentos e circunstâncias são o resultado
de todas as vidas anteriores e o prognóstico dos eventos futuros. São Clemente de
Alexandria escreveu exatamente isso. "Toda alma vem ao mundo fortificada pelas vitórias
ou enfraquecida pelas derrotas de suas vidas anteriores. Seu lugar no mundo como um
receptáculo de honra ou desonra é determinado pelos seus méritos ou deméritos anterires.
Seu trabalho neste mundo determina seu lugar no mundo seguinte." Algumas vezes, a alma
não fica enfraquecida pelos defeitos, e, sim, fortalecida por superá-los.
Toda a Natureza segue a mesma lei. Durante o inverno a vida nas flores e árvores parece
imobilizar-se mas ela está lá esperando mais uma vez pela primavera. A mesma sequencia
pode ser vista na vida de um homem. Assim como há a manhã, a tarde e a noite de um dia,
e a primavera, o verão, o outono e o inverno de um ano, também há a juventude. a
maturidade e a velhice no curto período da vida de um homem. Da mesma forma que ele
volta restabelecido após uma noite de descanso, assim também ele volta, cheio de
vitalidade jovem, num corpo novo e vital. Sendo o momento propício num outro dia de
experiência e desenvolvimento amanhece para ele no corpo jovem e novo, trazendo
consigo uma nova mente e um novo coração, que contêm as sementes de tudo o que ele
pensou e sentiu durante o longo passado. Um bebê não é uma nova criação. Como o
Mestre K. H. escreveu para o sr. Sinnett: "A. P. Sinnett não é absolutamente uma nova
invenção."
Por que um bebê vem a nós? Porque o conhecemos e amamos no passado; então ele
vem para receber os nossos cuidados, enquanto seu corpo é jovem e indefeso. O amor é
uma força de atração muito grande e forma vínculos que jamais são rompidos. O ódio
também, infelizmente! Mas é muito raro um vínculo familiar ser formado a partir do ódio.
A única coisa em nós que não é nova, por ser imortal e estar em eterno desenvolvimento, é
o nosso ser espiritual. H. P. B. diz que as Hostes Angelicais põem o Ser Imortal em contato
com o novo corpo no momento anterior ao nascimento, chamado "vivificação". E o vínculo
então formado atrai a personalidade, depois da morte, para aquele plano maravilhoso
chamado Devachan, a "Casa dos Deuses", o mundo dos Céus. Depois de um longo período
de descanso e realização ali, o ego divino olha novamente em direção à Terra, e retorna
para um corpo novo e fresco, e para uma mente e um coração também novos e frescos, os
quais são um resultado dos antigos. Os vínculos formados com outros egos jamais podem
ser rompidos e nos levam a encontrá-los por várias outras vezes.
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O maior ciclo de todos é a jornada imortal do espírito no homem, que se realiza a partir
da "pleroma" divina como uma possibilidade inconsciente nascente, para voltar a ser um
"Filho de Deus" plenamente consciente e desenvolvido. Este Ciclo maior é chamado nas
escrituras indianas de Caminho de Ida, Pravritti Marga, e Caminho de Volta, Nivritti Marga.
Essa jornada era chamada, por Platão, os Grandes Arcos. Todos nós estamos nesse grande
caminho. Alguns estão bem mais próximos do Caminho de Volta do que outros. No
primeiro volume dA Doutrina Secreta, o discípulo diz ao Guru: "Sinto Uma Chama, ó
Gurudeva, e incontáveis faíscas unidas brilhando naquele lugar." Essas "faíscas" são nossos
seres espirituais, que nunca deixaram o 'Jardim do Éden", ou seja, os reinos espirituais
interiores, mas que mandaram um representante limitado para colher os frutos desses
mundos de experiência. C. W. Leadbeater costumava dizer que é como estender um braço
e depois encolhê-lo. E o braço pensa que é tudo! Esse estender e contrair nós chamamos
"vida". O homem eterno em nós faz isso por muitas vezes. Por quê? Porque o potencial
divino procura o contato com os planos materiais, de modo a desenvolver veículos de
consciência em todos os planos da Natureza.
É esse desejo do potencial divino em nós, de estabelecer contato com a matéria e com
os mundos materiais, de conquistá-los e compreendê-los, que o leva a se manifestar. As
"faíscas" são inconscientes, nascentes, mas ao mandar seus representantes para a matéria,
aqui na Terra, lentamente vão desenvolvendo uma autoconsciência e uma automotivação
e, um dia, tornam-se "Deuses" conscientes, dotados dos poderes daquela Vida e
Consciência de onde vieram. Assim, um "Filho de Deus" nasce daquele que parecia ser
apenas um "Filho do Homem". O retorno ao Lar, diz H. P. B. é efetuado "primeiramente por
um impulso natural, e depois, por esforços auto-induzidos e auto projetados, controlados
pelo seu Karma". E em As Cartas de Mahatma nos é dito que os Adeptos "não são feitos;
eles se tornam". Todos nós somos Adeptos incipientes.
No Caminho de Ida, como já disse, o homem espiritual desenvolve veículos de
consciência em todos os planos da Natureza. Cada um desses veículos tem sua vez para
atuar, e assim, desenvolve-se. No Caminho de Volta a própria natureza divina começa a
despertar, e assume o comando. Esse é o “nascimento do Cristo” em nós, a esperança de
glória". O desenvolvimento e a purificação gradual do corpo e da alma aspirantes preparam
o caminho para o nascimento da consciência espiritual no homem. Esse é sempre nosso
supremo destino. Como coloca Sto. Agostinho: "Nós fomos criados para Ti, e nossas almas
não ficam em paz enquanto não encontram seu descanso em Ti."
Os grandes segmentos nas escrituras cristãs são chamados de A Queda (na matéria) e a
Redenção (no espírito). A estória do Jardim do Éden é uma alegoria muito antiga da
evolução do homem. É muito mais antiga que as escrituras cristãs, ou mesmo as judaicas,
pois a imagem de um homem e uma mulher, com uma árvore e uma serpente foi
encontrada em pedras e joias nas ruínas da antiga Caldéia. A serpente é um antigo símbolo
do produto de uma evolução anterior, um Iniciado, "Naga", serpente. Cristo não disse a
Seus discípulos para se tornarem "tão sábios como as serpentes"? Foi assim que o potencial
divino foi levado para fora do Jardim do Éden e exposto ao jogo "dos pares opostos", como
se diria no Oriente; ou persuadido a comer da árvore do conhecimento do Bem e do Mal,
como seria expresso no Ocidente.
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Você já notou um outro fato importante - o incessante jogo dos Pares Opostos? Existe
alguma coisa que não tenha o seu oposto? . E o que esse jogo significa para o homem? Ele
desenvolve gradualmente uma autoconsciência e uma automotivação. Por quê? Assim ele
pode saber como escolher o Bem e evitar o Mal, diz a Bíblia. O par de opostos decisivo é o
do "Bem" e do "Mal", mas Deus e o ego espiritual estão além de ambos.
Portanto, esse grande ciclo de ida e de volta do espírito no homem tem um
maravilhoso e esplêndido propósito. Ele vai ignorante e não desenvolvido. Ele volta um
Deus em sabedoria e poder, compreendendo todos os planos da Natureza, e capaz de agir
em todos eles. Na estória do Jardim de Éden havia uma outra árvore, protegida por um
Querubim com uma espada chamejante. O Querubim simboliza a Consciência Suprema (em
Luz no caminho é chamado "o Guerreiro interior") e a espada sempre simboliza a vontade.
Quando for chegada a hora, o ego "inferior" se tornará um com o Ego "superior" e possuirá,
então, a consciência da imortalidade.
Muitos me perguntam se nosso livre-arbítrio é inerentemente dual. Nosso livre-arbítrio
é, em primeiro lugar, exercitado aqui para adquirir coisas para o pequeno ego. Mas, através
disso, nos desenvolvemos. Quando nasce a consciência espiritual, sua pequena vontade
une-se à Vontade Única, a vontade do Universo. Nas palavras de Alfred Tennyson:

Nossos desejos são nossos, não sabemos como,


Nossos desejos são nossos para que os tornemos Teus.

Cristo denomina a natureza suprema no homem de "o anjo" num homem que “sempre
está contemplando a face de meu pai nos Céus.". Algumas vezes, Ele se refere a essa
Consciência Suprema como “a pérola de grande valor" que está escondida profundamente
e que tem que ser procurada a qualquer preço.
A diferença entre a alma que cai ou desce para a matéria, e a alma que retornou é a
mesma que existe entre um bebê recém-nascido e um homem que completou seu
crescimento. Talvez possamos perguntar por que temos que atingir nosso completo
desenvolvimento com tanto sofrimento e dificuldade? Mas essa é uma lei universal da
Natureza. Toda forma de vida tem um início infinitesimal, e o maravilhoso disso é que
nessa minúscula origem estão contidas todas as esperanças e o potencial daquilo que se
revelará mais tarde. Quem, ao olhar para uma bolota de carvalho, poderia imaginar - se
não soubesse - que dali sairia o futuro gigante da floresta? E quem imaginaria, ao olhar
para um homem comum, que ali está se criando um futuro deus?

15
Capítulo IV

OS VERDADEDEIROS MANDAMENTOS DE DEUS

São Clemente de Alexandria disse que havia três maneiras de se considerar as


afirmações dogmáticas a respeito da vida. Se você fosse ignorante, tomaria essas
afirmações ao pé da letra, mas, mesmo assim, elas o ajudariam a viver bem. Sendo você
mais instruído, poderá reconhecer seus significados alegóricos, e sendo ainda inclinado ao
misticismo, reconhecerá seus significados místicos.
Hoje em dia, certamente, ninguém acredita que o Criador tenha realmente aparecido
a Moisés e lhe entregado os Dez Mandamentos, os quais são praticamente os mesmos em
todas as grandes religiões. Santo Agostinho disse: "Aquilo que atualmente é chamado de
religião cristã já existia entre os antigos. e nunca deixou de existir desde a origem da raça
humana até o aparecimento do próprio Cristo. Começou-se. então. a se denominar cristã a
verdadeira religião que já existia anteriormente."
Não é bastante claro o que são os "mandamentos de Deus"? São as Leis imutáveis da
Natureza, "onde não há variações nem a menor sombra de desvios"; "são as mesmas
ontem, hoje e sempre". H. P. B. disse que elas eram "a marca da Mente Divina sobre a
matéria". E, assim como a Vida está em toda parte, as Leis da Natureza também são
universais. Gosto das palavras do Salmista: "Para onde irei, a fim de ficar longe do Teu
Espírito? E para onde fugirei da Tua Presença? Se subo ao céu Tu lá estás; se me prostrar
nos infernos, neles Te encontras presente. Se eu tomar as asas da aurora, e habitar nas
extremidades do mar, ainda lá me guiará a Tua mão e me tomará a Tua direita." (Salm.
138.)
E Lord Tennyson escreve com uma visão profética:

Nossos pequenos mundos têm seu tempo,


Têm seu tempo e se acabam.
Eles são apenas réstias da luz de Teu Esplendor
E Tu, ó Senhor, és muito mais que eles.
O homem está se tornando cada vez mais consciente das leis. A ciência tem nos
mostrado o domínio da lei física imutável. E esse é apenas um passo para se perceber que
essa lei imutável também reina nos mundos psíquico e espiritual, tendo um resultado
duplo. Se um pensamento ou ação estão em harmonia com a unidade fundamental de vida,
ou seja, se são realizados para o bem, progresso e felicidade de toda a vida, sempre
resultam em felicidade e progresso para aquele que pensou ou agiu. Se, ao contrário,
prejudicam alguma parte dessa vida fundamental, resultam em sofrimento para o executor.
Por essa razão H. P. B. denominou o sofrimento "professor, despertador de consciência".
Falarei sobre isso em outro capítulo, mas é fácil ver que, embora não gostemos e evitemos
16
o sofrimento e as dificuldades, sem eles, o mundo seria bem desinteressante e todos nós
seríamos meros robôs, e não Filhos do Altíssimo em evolução.
A ciência chama as leis universais e seus resultados de "semelhantes e contrários". A
religião chama-os de justiça de Deus. Se semeamos felicidade e proteção, felicidade e
proteção virão a nós. Se semeamos, pois, miséria e egoísmo, miséria e egoísmo virão
também a nós como consequência. Nem sempre na mesma vida; algumas vezes, depois de
muito tempo. Os Senhores do Karma (ou Anjos do Registro, como são chamados no
cristianismo), geralmente mantêm certos resultados afastados de um homem até que ele
se torne suficientemente forte para que, ao invés de ser esmagado, seja purificado pelo
retorno. É aí que a vida se mostra, algumas vezes, um cirurgião celeste.
A Natureza, que é Deus, nos governa com absoluta igualdade. Muitas vezes
perguntamos: "O que fizemos para merecer isso?" Pois é sempre mais conveniente
lograrmos o melhora de cada situação. O Mestre K. H. escreveu uma vez que "sempre
logramos o melhor, mesmo do pior". Tudo está reunido no que se chama a Regra de Ouro:
"Faça aos outros tudo aquilo que desejaria lhe fosse feito, pois esta é a lei dos profetas."
Buda disse algo semelhante: "O sofrimento segue imediatamente o mau procedimento,
assim como as rodas da carroça seguem as patas traseiras do boi." Essa é a Lei universal da
qual nunca se pode escapar. "Não vos enganeis", escreveu São Paulo, "de Deus não se
zomba; pois aquilo que o homem semear isso também colherá." Mas, então, ele terá
aprendido e se desenvolvido com sua colheita.
Qualquer bem que ele tenha feito, ser-Ihe-á devolvido em alguma vida futura. "Lança o
teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás." (Ecles. 11: 1.) Quando
chegar o fim da vida ficaremos contentes em lembrar do bem e da alegria que espalhamos
à nossa volta, e tristes em lembrar das ocasiões em que falhamos por preguiça, ignorância
ou má -vontade.
O Mestre K. H. escreveu uma vez para um aspirante que a maior felicidade na vida era
lembrar que nunca causáramos mágoa ou tristeza a nenhum ser vivo. Tornamo-nos nobres
e divinos quando obedecemos a Lei; tornamo-nos pequenos e incômodos, ou pior, quando
fugimos dela. A principal causa da desobediência é o egoísmo, é querer desfrutar de
alguma coisa ou tê-la só para nós. Por isso, o caminho para a felicidade e paz eternas é a
destruição desse ego e de todas as suas necessidades, desejos e anseios. Quando a paz é
finalmente alcançada, a compreensão nasce na alma do homem. "Tu conservarás em paz
aquele cuja mente está firme em ti." (Isa. 26: 3.)
Não devemos nos condenar por sermos egoístas e querermos coisas para nós mesmos.
Como já mencionei, H. P. B. diz que isso é uma proteção necessária para a alma jovem e
imatura, como a casca do ovo ao redor do pintinho. Assim, um forte centro de
individualidade é estabelecido até chegar o dia em que a casca poderá ser quebrada,
permanecendo ainda o centro, mesmo sem a periferia.
Para alguns, pode parecer um tanto desesperador que essa lei imutável tenha que
reinar; mas é aí que repousa nossa eterna segurança e desenvolvimento. Podemos colocar
desta forma: Deus não muda de ideia. Onde estaríamos se Ele o fizesse? Não existem
apenas leis físicas, tais como os princípios de saúde, mas leis psicológicas também. A
felicidade é um estado emocional e tem um efeito muito benéfico sobre a contraparte
17
física. A infelicidade destrói a saúde, a menos que o sofredor seja suficientemente forte
para suportá-la e aprender com ela.
A mente tem suas leis também. Isso é exemplificado no conhecido texto dos
Provérbios: "Como um homem sente em seu coração, assim ele o é." O poeta Wordswonh
diz algo semelhante: " ... o poder digressivo da mente assim constrói o ser que somos." A
humanidade está começando a perceber o tremendo efeito da mente sobre a matéria.
Pensar em coisas belas e verdadeiras é tornar-se um pouco semelhante a elas. Se vivemos o
tempo todo ferindo e fazendo o mal, tornamo-nos pequenos, infelizes, mesquinhos,
limitados. Todos nós cometemos erros, mas falarei sobre isso em outro capítulo.

18
Capítulo V

O SEGREDO DO PECADO E DO SOFRIMENTO

O homem sempre cogitou sobre o problema do mal e do pecado. Ele se pergunta como
o mal e o sofrimento podem existir, se Deus é Amor e todo-poderoso. Penso que a resposta
esteja na verdade de que esse "Deus", e também o espírito imortal do homem, que é parte
d'Ele, não é nem bom nem mau, mas transcende ambos. Não existe um representante
supremo do Bem e do Mal. Existe apenas uma Vida eterna, onipresente que está
desenvolvendo incontáveis representantes Seus, sob o reinado da lei imutável. Essas
"centelhas" da Vida Imortal, esses nascentes Filhos de Deus, nossos "egos mais elevados",
nunca deixaram o Supremo reino espiritual, o 'Jardim do Édén", como já disse, mas
mandaram um representante deles, limitado num corpo e numa alma, para que se
desenvolvam veículos de consciência em planos inferiores do ser. O Katha Upanishad diz:
"Aquele que nasce penetra nos sentidos externos, por isso o Jiva (o espírito imortal no
homem) procura o eu exterior, não o interior." O Bhagavad-Gitã diz o mesmo: "Uma parte
do meu próprio Eu, transformada no mundo da vida, num espírito imortal, reúne a sua
volta os sentidos, dos quais a mente é o sexto, disfarçado em matéria."
Essa autoconsciência nasce através do jogo incessante dos "pares opostos", Bem e Mal,
alegria e sofrimento, sucesso e fracasso, etc. H. P. B. coloca isso em palavras adoráveis: "A
harmonia é a lei da vida, a desarmonia a sua sombra; por isso surge o sofrimento, o
professor, o despertador da consciência. Através da alegria e da tristeza, do sofrimento e
do prazer, a alma chega a um conhecimento de si mesma; então começa o trabalho de
aprendizado das leis da vida, para que as desarmonias possam ser resolvidas e a harmonia
restaurada. Os olhos da sabedoria são como as profundezas do oceano, não há alegria nem
tristeza neles. Por isso, a alma do ocultista tem que ser muito mais forte que a alegria e
muito maior que a tristeza.”
O Mestre K. H. diz que "o Mal não existe por si. A Natureza é destituída de bondade e
maldade: ela apenas segue leis imutáveis ... O verdadeiro mal provém da inteligência
humana - o produto do egoísmo e da ganância do homem. A origem de todo o mal está na
ação humana no homem cuja inteligência o faz o único agente livre na Natureza.” H. P. B.
diz que a mente que não está iluminada pela natureza espiritual é o verdadeiro demônio
dentro do homem.
Por que o homem possui o livre-arbítrio? Para que ele possa aprender, através do jogo
dos pares opostos e suas inevitáveis reações, como escolher o Bem e evitar o Mal - enfim,
tornar-se auto consciente, um, "Filho de Deus" auto determinado, ao invés de um potencial
nascente.
O que é, então, o pecado com seu inevitável sofrimento concomitante? "O homem
nasce em aflição, assim como as faíscas das brasas se levantam para voar." (Jó 5: 7.) Muitas
pessoas têm se preocupado com a existência do pecado. Lady Julian de Norwich, a adorável
santa, "perguntou a Deus sobre o pecado", e Ele mostrou-lhe que não havia pecado, e que
19
para cada pena sofrida aqui na Terra, "mais glórias" teremos no céu.
Encontrei a resposta no Dicionário bíblico do Dr. Hasting. Ele escreve: "Três formas
cognatas no Hebreu, sem distinção de significados, expressam o pecado como sendo algo
feito sem propósito, sem intenção, e corresponde ao grego e a seus cognatos no Novo
Testamento. A etimologia não sugere uma pessoa contra a qual o pecado é cometido; e
este não implica necessariamente um mau procedimento intencional. A palavra
"iniquidade", traduzida literalmente, quer dizer perversão ou distorção, e indica mais uma
qualidade de ação do que um ato em si. Novamente no Novo Testamento, as duas palavras
gregas traduzidas como pecado pressupõem a existência de uma lei." Por isso, o mau
procedimento é o resultado da ignorância, um passo em falso. O Cristianismo ensina que
todos nós nascemos com a mancha do pecado devido ao ato de Eva.
As escrituras indianas, mais misericordiosas, dizem que o homem nasce com Avidya,
sem o verdadeiro conhecimento. Não há pecado, apenas falta de maturidade. Por causa
dessa falta de desenvolvimento o homem pratica ações erradas, desvia-se um pouco do
verdadeiro caminho para casa, faz uma transgressão, ao invés de progressão.
A causa desses erros é o desejo de beneficiar o pequeno ego, o centro de Ahamkara,
egoísmo, contra os interesses do todo, esse espírito de vida unido que é nossa única e
verdadeira vida. Mas, como diz H. P. B., esse sentimento do eu, do meu, do nosso, é uma
proteção necessária para a alma imatura, até chegar o momento em que essa proteção
possa ser destruída com segurança. Por isso a raiz do "pecado" é o egoísmo.
Como a Natureza lida com isso? Através da reação que significa tristeza, desgraça, dor.
Toda ação do homem traz sua recompensa. Se ela é favorável ao progresso do espírito de
vida unido, traz oportunidade e alegria; se for contra essa vontade de realização, causa
sofrimento e tristeza. Assim, o cirurgião celeste impede o crescimento maligno.
Talvez ninguém tenha sofrido mais na vida do que o poeta Keats. Ele escreveu numa
cana a um amigo: "Você não vê o quanto é necessário um mundo de sofrimentos e
dificuldades para se formar uma inteligência e torná-la uma alma?" Os antigos celtas diziam
que um homem que sofria muito "estava construindo sua alma". A alma no homem se
desenvolve como as flores, pela ação do Sol e da chuva. Os raios de Sol da alegria e do
sucesso fazem o homem desabrochar e expandir-se; a chuva de lágrimas amacia o solo
duro e nutri a planta. Assim age a tristeza, se o homem não se tornar amargo. Todos nós
gostaríamos de construir um mundo sem sofrimentos e dificuldades. Mas então, que
espécie de seres humanos nos tornaríamos? Não seríamos seres autoconscientes,
autodeterminados, responsáveis, mas meros robôs.
Esse é o jogo imutável da grande Lei da Ação e Reação, dos iguais e opostos, que no
Oriente é chamado de Karma. Significa nossa realização e nossa emancipação finais. São
Paulo chamou-o de lei do pecado e da morte, e disse que a Lei do Espírito de Vida (que
governa o conhecimento do homem espiritual) deixa livre da lei do pecado e da morte.
Assim, todo pecado carrega sua própria cura. "A tua malícia te arguira, e a tua apostasia te
castigará." (Jer. 2:19.) Nem sempre reconheceremos que a derivação da palavra
"misericórdia" significa recompensa. "Tua, ó Senhor, é a graça; porque retribuirás a cada
um segundo as suas obras." (Salm. 62:12.)
São Paulo é bastante explícito quanto à grande Lei. Já citei suas palavras: "Não vos
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enganeis; de Deus (A Força de Vida) não se zomba. Porque aquilo que o homem semear,
isso também colherá." (Gál. 6:7.) Ele sabia que as consequências do pecado são curativas, o
que fica evidente em outros de seus dizeres. "Pois quando estávamos encarnados, os
impulsos dos pecados, que faziam parte da lei, agiam em nossos membros de forma a fazer
nascer o fruto para que pudesse morrer... O que diremos então? A lei é pecado? Deus não
permite. Não, não conheci pecado que não fosse conforme à lei; ... Por conseguinte a lei é
sagrada ... e justa e boa ... pecado, aquilo que se pode parecer pecado, transformando a
morte em mim, naquilo que é bom."
Fica claro que o homem atinge a maturidade espiritual, através dessas reações
opostas, nas famosas palavras de São Paulo concernentes a Cristo. "Embora fosse Filho de
Deus (e conhecesse tudo), aprendeu (por experiência própria) a obediência pelas coisas
que sofreu; e, consumado (em perfeição), ele tornou-se o autor da salvação eterna para
todos aqueles que lhe obedecem." (Heb. 5: 8, 9.) Dizendo de outra forma, o homem que
peca dá um passo fora do caminho que leva à luz, e a Vida o traz de volta dizendo: "Meu
filho, volte, retome o caminho." Pois, como disse o Mestre K. H., o único arrependimento
válido é a resolução de não fazer a mesma coisa novamente. "A vereda dos justos, como luz
que resplandece, vai adiante e cresce até o dia pleno." (Provérbios 4: 18.)
A ideia de que o sofrimento é o Professor já ocorreu a muitos. Ovídio escreveu: "Tenha
paciência e persista; esse sofrimento tornar-se-á, pouco a pouco, um bem para você." E o
poeta Tennyson escreveu:

A vida não é como um minério sem valor,


Mas sim como um ferro arrancado do centro das trevas,
E altamente aquecido com temores ardentes,
E mergulhado em banhos de lágrimas sibilantes,
Para ser moldado e usado.

São Paulo - para citá-lo mais uma vez·- exortou seu povo: "Levantai as vossas mãos
cansadas, e os vossos joelhos vacilantes, e dirigi os vossos passos pelo caminho direito, para
que o que manqueja (na fé) não se desvie, inteiramente, antes seja sanado." (Heb. 12: 12.)
O homem de compreensão não pode criticar ou condenar nenhum pecador, pois ele
sabe que "o pecado e a vergonha do mundo são também seu pecado e vergonha; você é
uma parte disso, seu Karma é inextricavelmente entrelaçado com o grande Karma" (C. P.).
Ele sabe que o pecado é apenas falta de maturidade
Consideremos agora algumas formas de sofrimento e suas possíveis mensagens para
nossas almas.
Ambição frustrada. Nossas conquistas não deveriam ser só para nós mesmos, mas
para o benefício de outros também. Portanto, deveríamos ter o poder de "cair e nos
reerguermos novamente com ferramentas já usadas".
Amor negado ou perdido. Uma das coisas que mais magoa é a perda de uma presença
querida e confortadora. Lembro-me de uma vez em que a Dra. Annie Besant disse-me:
"Quando a pessoa que você mais ama não estiver aqui e você ficar feliz do mesmo jeito,
então você terá aprendido a amar.”
21
A falta de oportunidade nos dá a chance aprender a ter paciência e compreensão, e a
vontade de aproveitar e agir quando aparecer uma oportunidade. Robert Browning
escreveu uma vez:

Nunca haverá um bem perdido,


Pois o que foi, será como antes.

Desentendimentos. Talvez aqueles que tenhamos compreendido mal já não estejam


mais vivos. Mas sempre podemos entrar em contato com eles quando livres de nosso
corpo, durante a noite. Nunca estarão fora do alcance de nosso pensamento afetuoso.
Limitações físicas. Conheci cena vez uma mulher cuja vida era totalmente dedicada à
caça. Um dia, uma queda de cavalo causou-lhe uma semiparalisia que a condenou a ficar
numa cama, o resto de sua vida. Então ela me disse: "Sabe, eu era apenas um corpo
esplêndido. Deitada aqui, aprendi a ser uma alma."
Ver o sofrimento alheio. Isto é muito difícil de suportar, mas podemos ser um alívio
apenas com nossa presença carinhosa. "Ninguém pode, de nenhuma maneira, remir seu
irmão, ou dar a Deus resgate dele." (Salm. 49:7.)
Fracasso e vergonha. Estes são muito difíceis de suportar, mas podem, no mínimo,
destruir nosso egoísmo e orgulho.
Deixemos que a Vida nos tome pela mão, e não temamos, pois Vida é Deus. Vida
significa nossa redenção final e nossa bem-aventurança. Devo citar novamente as adoráveis
palavras de São Paulo: "Estou convencido de que nem a vida nem a morte, nem anjos nem
poderes supremos nem coisas presentes ou futuras nenhuma altura ou profundidade,
nenhuma outra criatura será capaz de nos separar do amor de Deus."
O Mestre K. H. diz que a capacidade de suportar a má sorte com firmeza serena
transforma-se em proveito espiritual. E ele disse ao Sr. Judge: "Confie-se à vida, e deixe que
a fé, que é um conhecimento inato da alma, carregue-o através de sua vida como um
pássaro voa através dos ares, confiantemente." Robert Browning também coloca isso em
versos incomparáveis:

Aquele que nunca voltou atrás,


mas sempre caminhou seguro para frente,
Nunca temeu os maus tempos,
nunca julgou. mesmo que o justo fosse
derrotado e o injusto triunfasse.
Sabe que caímos para nos erguermos,
somos enganados para melhor lutarmos,
Dormimos para acordar.

22
Capítulo VI

"NÃO SE LAMENTE DE NADA; NUNCA SE ARREPENDA"

Certa vez o Mestre M, escreveu para o Sr. Judge: "Não se lamente de nada; nunca se
arrependa, mas corte todas as dúvidas com a espada do conhecimento." H. P. B. disse que
o remorso surgiu a partir do senso de personalidade. Os problemas, da vida, para serem
entendidos, mesmo que vagamente, devem ser olhados de um ponto de vista mais amplo.
Eles têm suas raízes na noite dos tempos, e não podem ser julgados apenas no momento
presente. O homem não é um ser criado recentemente, arbitrariamente dotado. É uma-
criatura em processo de evolução, uma unidade de consciência em constante progresso,
em constate desabrochar. São vagos os prenúncios de glória de onde ele veio, e ainda não
se pode saber o que ele será.
O homem não está separado do Universo que o circunda; os dois estão intimamente
ligados. O problema do indivíduo é o problema do mundo, e ao solucionar o seu próprio
mistério, o homem soluciona o mistério do Universo, que é o solo de seu desenvolvimento
e evolução.
Do interior do Pai, a vida Eterna, nós, o potencial divino, surgimos há muito tempo, e
"caímos" nesses planos inferiores de experiência para que, através de lento desabrochar e
do desenvolvimento possamos conhecer nossas potencialidades e aprender a nos
expressarmos, totalmente nelas. Assim, nós deixamos o “Jardim do Éden" para aqui
comermos o pão amargo da experiência de vida.
Todos temos Adão e Eva dentro de nós. Adão, "terra", é o visível, o eu físico; Eva é a
alma mais intuitiva, As Hierarquias Criativas. Simbolizadas pela serpente, atraíram as
unidades divinas de consciência para o "ciclo de necessidade", para iniciar sua tremenda
evolução. Essas unidades de consciência deveriam atingir a autoconsciência, e para isso
deveriam enfrentar o jogo dos "pares opostos", como é chamado no Oriente, e que é uma
condição necessária para a evolução da autoconsciência.
Pois sem a experiência da noite, não conheceríamos o dia; sem a experiência da
infelicidade não conheceríamos a felicidade; sem a experiência do mal, não conheceríamos
onde realmente está o bem. As escrituras indianas antigas, mais metafísicas que as do
Ocidente, simbolizavam essa verdade, na estória da perturbação das águas do espaço pelos
Devas, as forças da Luz e os poderes das Trevas. Eles movem-se em direções opostas,
porém como o ciclo do tempo e espaço gira, as direções são as mesmas.
A vida é um círculo contínuo de escolhas. Muitas vezes fazemos escolhas insensatas.
mas isso é devido a não termos ainda experiência suficiente. Aprendemos a obedecer à Lei
através das reações da vida, que chamamos de sofrimento e dor, pois a Grande Lei é a Vida
Divina em ação.
Quando um homem escolhe aquilo que ajuda a vontade evolutiva, a alegria vem junto
com a escolha iluminada. O resultado é um fortalecimento da ligação entre o homem e
Deus. Mas quando um homem escolhe aquilo que é só para si mesmo, sem considerar o

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progresso e o bem de todos, aí então a miséria e a escuridão o seguirão de perto. Quando
iniciamos o grande caminho da evolução, cometemos, devido à ignorância, muitas ações
antissociais, colocamos muitos obstáculos no caminho de nossos irmãos. Toda mágoa
causada pelo ódio ou negligência no passado volta no presente como limitação e
sofrimento. Mas a grande verdade a ser compreendida é que essa é a cura da cegueira
original. Sofrimento e desconforto são sempre uma evidência do trabalho das forças
curativas da Natureza física e psiquicamente. H. P. B. tem algumas palavras sábias a esse
respeito. Ela diz: "A tristeza não é um mal." "Aquilo que parece sofrimento e empecilho são,
na verdade, muitas vezes, esforços misteriosos da Natureza para ajudá-lo em seu trabalho,
se você souber usá-los corretamente." São os sofrimentos da vida, que nos fazem crescer;
não são castigos, mas instruções.
Por isso, não diga que por causa de tal coisa no passado, agora isso me acontece no
presente. Diga, por causa do que serei no futuro, isso me acontece no presente. Esse era,
evidentemente, o ponto de vista de Cristo quando Seus discípulos Lhe perguntaram, a
respeito do homem que nascera cego, se ele ou seus pais haviam pecado no passado para
levar a esse resultado. E Cristo respondeu que não era um castigo,·mas "obra de Deus
manifestando-se nele".
Devemos ver o sofrimento de uma maneira correta para que possamos perder o medo
dele. Se pudéssemos fazer isso perfeitamente, desenvolveríamos muito depressa. É por isso
que o maior desapego possível, denominado Vairagya no Oriente, é procurado pelo homem
que está tentando alcançar a meta da vida, chamada no Oriente de liberação, e no Ocidente
de salvação. Mas do que somos salvou liberados, senão da ignorância de nossos pequenos
egos e o consequente sofrimento? "Quando todos os elos da alma são rompidos", diz o
Katha Upanishad, "então esse mortal assume a imortalidade". A alma do homem é como um
rio fluindo para o mar, a Vida Divina, que é, ao mesmo tempo, a origem e a meta de seu ser.
Existe algum rio que não alcance o mar, um dia? E ele nunca vai direto ao mar. Faz seu
próprio caminho, que lhe é peculiar, e suas curvas e vagueações fazem a infinita variedade
de vida e experiência. E apesar de não ir direto, ele é sempre contínuo. Às vezes ele corre
através de bosques frescos e verdejantes, mas não deseja permanecer ali, ao contrário de
nós, que sempre nos agarramos ao que nos dá felicidade. O poeta e artista Blake escreveu
certa vez: "Aquele que beija uma alegria que voa, vive no amanhecer da Eternidade."
Algumas vezes o rio chega num deserto, mas não se recusa a atravessá-lo. Os
sofrimentos do homem não são um navio que naufraga, mas um botão de flor que se abre.
As alegrias são nossas asas; as tristezas nossas esporas. Às vezes parece que os bons
recebem uma parte maior de sofrimento e os maus florescem como loureiros. Isto e devido
aos Anjos do Registro protegerem um homem de uma lição multo dura. Deus não permitirá
que sejais tentados além do que podem as vossas forças (I Cor. 10: 13,) Se uma reação
resultante volta de uma só vez, podemos ser esmagados. Por isso, muitas vezes ela vem
tempos depois, quando o homem já amadureceu e, como o ouro purificado na fornalha, ele
é refinado, e não destruído. Isso é especialmente notado num homem para quem se
aproxima à Iniciação, pois nesse caminho ele tem que pagar todas as dívidas que restaram
do passado, de forma a ficar livre para um serviço maior.
Conta-se que uma certa Maharani perguntou a Buda como poderia, numa vida futura,
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ficar cercada por amigos amáveis e generosos. O Abençoado respondeu: "Nessa vida, ó
Rainha, você deve aprender a doar com ambas as mãos." Cristo tem palavras semelhantes:
"Dai e dar-se-vos-á; no seio vos será lançada uma medida boa, e cheia, e recalcada, e
acogulada. Porque com a mesma medida com que medirdes, será medido para vós." Uma
vez um homem disse a Buda que não podia ter uma vida espiritual porque era doente. Buda
respondeu-lhe: "Mas sua alma não está doente."
Nunca procure a vingança, pois ela está nas mãos da vida. ''A vingança é minha." Essa
vingança é completamente desinteressante. Nunca deveria ocorrer conosco. Algumas
vezes, a hipocrisia, que leva um homem a se envolver em ações e usos de palavras falsas,
volta em forma de repreensões imerecidas e incompreensão por parte de outros. Quando
um impulso cego ou uma crueldade egoísta mutila um outro ser humano, quem o fez
sofrerá de alguma deformidade ou doença terrível, no futuro. Com o desabrochar de sua
natureza interna, essa pessoa pode transcender a antiga cegueira de seu coração, mas,
ainda assim, seu antigo pecado o descobrirá, mostrando a tremenda verdade de que toda
a vida é divina, dada por Deus, e que o corpo de um homem é o templo sagrado do
Espírito superior.
A crueldade mais refinada, a tortura deliberada da mente e do coração de outra
pessoa, voltará a seu perpetrador na forma de um espírito abatido, um coração solitário. E
ele não escapará de maneira alguma dessa prisão feita por ele mesmo, até que pague o
último centavo.
O que são as oportunidades negadas, senão o outro lado das oportunidades que se
deixou escapar em outros tempos? Que a frustração nos ensine, no final, como transformar
a preguiça em força de vontade.É a dádiva do sofrimento que, sozinha, pode clarear a
verdadeira visão da alma, Observe a vida passada, e veja se isto não é verdade. Não
aprendemos muitas coisas maravilhosas através de nossos sofrimentos? Não são os
melhores, os mais bravos, os mais sábios, muitas vezes, os que mais sofreram? A Dra.
Besant disse-me, certa vez: "Ao relembrar minha vida passada, com certeza, eu abdicaria de
boa-vontade de todas minhas alegrias, mas não de minhas tristezas, pois com elas aprendi
muito mais."
Mas é quando o manto negro da suprema vergonha cobre um homem que a Vida
Eterna torna-se mais maravilhosa, mais totalmente generosa. É aí que a Vida nos ensina
que a beleza e a integridade não são só para nosso próprio proveito, e que não é nossa,
nem mesmo a felicidade que possamos ter sendo puros, amáveis e verdadeiros, mas sim
é a Sua luz iluminando, através de nós, os lugares escuros da Terra. É com o orgulho
ferido que aprendemos a ter a pureza da alma que não recua diante de nenhuma
"infâmia, e a ternura do espírito que nos permite ver, da mesma forma, o pecador e o
santo. Assim, a Vida, a Bela, sempre nos dá o poder de subirmos novamente os degraus
dos seres há muito desaparecidos para alcançar coisas superiores e mais bonitas.
Um dia todo o sofrimento e todo o mal desaparecerão. Sua função para nós terá
cessado para sempre. O Mal não é senão a ausência do Bem que ainda está por vir, e o
sofrimento, o caminho por onde nasce a glória; Todos os homens pertencem à bem-
aventurança, à graça e ao encanto. A flor, que é a alma de cada homem, cresce no jardim
da Vida, e a mais sombria tristeza, os mais terríveis sofrimentos e males não podem, com o
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correr do tempo, impedir o florescimento final. Fiquemos contentes em sofrer pela
recompensa da sabedoria e compaixão que coroa o sofrimento bravamente suportado. Se
quisermos conhecer a verdadeira natureza da Vida, é necessário apenas isto: força para
suportar a opressão dos outros e compreensão para ser compassivo e tolerante.
A dor e o sofrimento são os embaixadores da Vida, são Seus mensageiros. Os filósofos,
para quem não sabe, dizem que o sofrimento é a punição pelo pecado, o vingador infalível
colado aos calcanhares do mau procedimento. Mas quando é que eles souberam realmente
alguma coisa? O artista sabe mais que o filósofo." E quem sabe mais Que todos é aquele
que ama, e é no mais humilde coração onde o amor se faz presente que reside também a
semente da mais perfeita sabedoria.
Se o amor for preservado no sofrimento, depois de algum tempo nascerá uma
sabedoria verdadeira. Aquele que sofre e ainda assim ama sabe que o sofrimento é o maior
regenerador. Porque os olhos da alma não são visíveis no plano aparente das coisas, os
passos hesitam, e aqueles que nunca olham para o interior das coisas só veem o pecado, e
chamam a escuridão que os segue de castigo. Mas àquele que tem amor em seu coração vê
tudo isso de uma outra maneira. A Vida, a Bela, mostrar-lhe-á como o sofrimento limpa os
olhos embaçados, como suas mãos afastam os véus que encobrem o Filho de Deus. Haverá
um contato que amparará as mãos, antes trêmulas, em direção ao Infinito. Asas brancas
envolverão o filho amado ainda cego. Para o coração ferido virá a cura e a paz. De suas
profundezas surgirá uma Voz, uma Voz que contém a glória do amanhecer da criação,
mesmo sem a presença do som. E todos os homens escutam-na, mas não com seus ouvidos
ou mentes. É a Beleza de quando Ele fala como o som das águas, de mundos distantes.
"Filho meu", diz a Voz. "a vida toda é uma canção, mesmo quando escondida no
sofrimento. A tristeza é o caminho por onde se talha a União."
Então, talvez, o pequeno coração humano renunciará à aflição que não é mais sua,
mas que será transformada em amor liberado para o auxílio de todos os homens.

26
Capítulo VII

COMECEMOS A PARTIR DE AGORA

Não faz muito tempo, encontrei um poemeto primoroso, "Canção do Crepúsculo", que
tinha apenas três estrofes . Citarei a primeira:

Comecemos a partir de agora.


O tempo não volta –
Carreguemos o apreendido
Já que não é possível esquecer.
A ponte, que ficou para trás, caiu.

O primeiro verso deste poema é sempre verdadeiro, em todos os momentos da vida.


Temos que continuar a partir de onde estamos. Pode ser que tenhamos perdido tempo no
meio do caminho, ou tomado atalhos duvidosos. Não podemos senão recomeçar
exatamente de onde estamos.
Conheço pessoas que adiam o início de um grande empreendimento, tal como a
tentativa de trilhar o Caminho, dizendo que esperarão até que se tornem mais
importantes, espertas e sábias. Mas, quando os primeiros chamados chegam às nossas
almas, anunciando que há um caminho para casa, este é o momento de iniciar. Não somos
suficientemente bons, dizemos, nem suficientemente puros e inteligentes. Mas só
podemos iniciar a longa jornada da maneira que somos. "sem nenhuma apelação", como
diz o antigo hino.
Há uma bela estrofe da antiga Índia: ",puro ou impuro, o que quer que eu possa ser,
meditando no Puro. tornar-me-ei puro," Só podemos começar como somos, devemos
começar de onde estamos.
Alguns poderão pensar que estão muito velhos, que a vida já quase se acabou para
eles. Que ideia errada! Na vida do Espírito não há idade, nem espaço ou tempo, como os
entendemos. Existe uma grande verdade na velha história do ladrão na cruz, que, no
último momento antes de morrer, entrou no paraíso com seu Senhor. O último
pensamento deu uma direção à sua alma ao deixar o corpo. A mesma coisa é verdadeira
no que diz respeito ao último pensamento Que temos antes, de dormir.
Um último ano de vida, mesmo os últimos meses, pode dar uma direção, começar um
caminho que vai além dos confins da morte e continuar na próxima encarnação. O
pensamento de todos os velhos deveria se dirigir aos céus, mas muitas vezes eles
retornam para a vida que passou rapidamente. As recordações são bastante marcantes
nos velhos. Se são recordações que contêm amor, piedade, alegria, amizade, beleza, está
bem; mas olhe para frente também,. As glórias do céu estão chegando. Antes da morte, a
27
Alma desce para observar e compreender a vida. Devemos levar conosco um fio de ouro
de Ariadne, ao atravessarmos o portão da morte, o fio de uma esperança dourada, de
resolução, mesmo que seja apenas um começo.
Também deve ser assim com todos os problemas da vida. Podemos nos sentir
inadequadamente preparados, mas o Tempo não espera até que encontremos a sabedoria,
o auxílio, a decisão. O que quer que sejamos, onde quer que estejamos, devemos começar a
partir de agora. E podemos continuar corajosamente, aceitando os resultados que sanarão
nossa falta de sabedoria e capacidade, e mantendo sempre uma grande fé e confiança, uma
confiança na vida que é Deus em ação, uma fé na graça que é finalmente e eternamente o
vencedor. O fio de ouro, nosso próprio Sutratma, multas vezes nos conduzirá de volta ao
nosso eu divino e feliz, e um dia, esse fio de ouro nos levará para fora da escuridão dessa
caverna dos mundos, para a luz que brilha eternamente.

28
Capítulo VIII

A MORTE É NOSSA AMIGA

O Mestre K. H. disse exatamente isso. Todos nós temos que, um dia, deixar de existir
no plano físico. Algumas vezes, um homem deseja completar uma grande obra antes que a
morte o chame. Se não consegue, ele a completará na próxima vida. O corpo não é
realmente a pessoa em si, mas é ele que nos coloca em contato com esse maravilhoso
mundo de experiência. Você já notou que algumas pessoas nascem sábias, dóceis e
afetuosas? Esse.é o fruto de muitos dias passados na escola da vida e o resultado de muito
sofrimento. A alma do homem vem para a escola na vida e o corpo é seu uniforme escolar.
Não abuse dele, mas trate-o corretamente, e então ele lhe servirá bem.
O Mestre usa essa comparação: "o cavalo no qual você monta". Pois o corpo tem uma
vaga consciência elementar que lhe é própria, separada da nossa, que o faz sair do caminho
de um carro que se aproxima, ou puxar o cobertor se faz frio à noite.
Todos nós nos desprendemos do corpo quando dormimos e quando morremos, que é
apenas dormir pela última vez e não voltar. Então passamos para o mundo da alma e do
espírito. A vida depois da morte é, para todos nós, uma espécie de sono, onde vivemos
belos "sonhos", encontrando novamente todos que amamos, e realizando tudo que sempre
desejamos fazer. É o tempo de descanso para nossas almas depois das experiências da vida.
Voltaremos um dia, renovados por esse "tempo de sono", com mais poder e experiência
para encarar a vida novamente. E o mundo que sempre desejamos e esperamos que se
torne realidade, um mundo muito mais feliz do que este que, como já disse, é a escola da
alma.
Não tenha medo da morre. Temos que sair à luz do Sol para encontrar nossos
melhores sonhos e realizá-los. Encontre a morre com um sorriso: ela é realmente nossa
amiga. Confie-se à Vida, e à Vida do outro lado também. Nós viemos deste outro lado, e
voltamos a ele depois da morte. A "paixão predominante vive na morre". Veja qual é a sua
paixão predominante. Faça dela uma bela e encantadora imagem e aspiração. Ela o
conduzirá através do portão da morte.
Não nos "lembramos" de nossas outras vidas porque o cérebro que habita este corpo
não viveu antes. Como ele pode lembrar daquilo de que não participou? Os Iogues podem
projetar reflexos dos eus passados em seus cérebros, porque transcenderam a consciência
física. Nós não lembramos facilmente daquilo que nos acontece fora do corpo, a noite, a
não ser que sejamos “paranormais", mas isso aparece como sonhos vívidos, numa forma
mais ou menos simbólica.
Lamentamos a perda daqueles que amamos, que se foram antes de nós, mas nunca
podemos perder aquilo que nos pertence. O que é nosso sempre volta. Deixe que se vá.
Nunca se apegue a nada, pois o vício da possessividade mata a felicidade e o amor. O poeta
William Blake escreveu:

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Aquele que retém uma alegria
Destrói as asas da vida
Aquele que beija uma alegria que voa,
Vive no amanhecer da Eternidade

Lembro-me de um incidente muito interessante que ocorreu quando o grande navio


Titanic bateu num iceberg e afundou. Um milionário e sua esposa estavam a bordo, e
quando os botes foram lançados à água, as mulheres e as crianças foram chamadas
primeiro. O marido queria que sua esposa fosse, mas ela recusou-se, dizendo: "Não; vivo
com você há mais de quarenta anos; não o deixarei agora." E ela morreu junto com ele.
Epíteto tinha uma bela maneira de confortar seus amigos que perderam pessoas queridas.
Ele disse a um homem que lamentava a perda de uma filha amada: "Ah! meu amigo.
compreenda Que você devolveu sua filha aos amados deuses,"
Mas alguém poderá perguntar: "Não há céu e inferno?" Ambos são condições
temporárias. A própria derivação das palavras nos mostra seu verdadeiro significado. A
palavra "inferno" significa um buraco escuro, uma limitação, uma prisão. Os alfaiates
medievais chamavam o buraco na parede, perto de onde eles se sentavam para trabalhar, e
onde guardavam seus retalhos, de inferno.* No Antigo Testamento, a palavra hebraica é
traduzida trinta e uma vezes como Inferno e trinta e quatro vezes como buraco fundo ou
cova. No Novo Testamento aparece muitas vezes a palavra grega, significando apenas "o
que não é visível", Hades. Outra palavra traduzida no Novo Testamento como "Inferno" é a
palavra Gehenna, que é o nome de um vale do lado de fora dos muros de Jerusalém, onde
todo o lixo era jogado e consumido numa fogueira de enxofre. Inferno significa mais ou
menos aquilo que é separado. isolado.
E "Céu" significa exatamente o oposto, extensão ilimitável, um estado de felicidade
suprema, construído pelos ideais e aspirações do subconsciente. Os gregos chamavam-no
de Campos Elísios. C. W. Leadbeater descreve-o como "um mar de cores e luzes vivas. onde
a simples existência é uma glória”. E Wordsworth em seu poema Laodamia descreve-o em
termos semelhantes:

Ele falava de amor, de um amor que os espíritos sentem


Em mundos que mantinham seu curso uniforme e puro;
Sem medos para vencer - sem discórdias para harmonizar –
O passado extinto e o futuro certo;
Falava, como uma testemunha, de um segundo nascimento
Para tudo que há de mais perfeito sobre a Terra.
De tudo que há de mais belo, lá representado
Em rios mais transparentes, de radiante beleza,
Um espaço celeste mais amplo, um ar mais divino,
E campos envoltos em raios purpúreos.
Regiões em que o Sol irradia a luz do dia mais brilhante
Que a Terra não é digna de ver.

* No original em inglês: "helan" ou "hell" [inferno]; "hole' [buraco] (NT)


30
Capítulo IX

AMOR, HUMANO E DIVINO

Em inglês, existe apenas uma palavra para expressar todas as formas de amor. Em
francês, existem mais, e na antiga Grécia existiam quatro:

1. Eros, amor sexual, de onde provém a palavra "erótico".


2. Storge, amor parental ou fraternal, compaixão humana.
3. Philae, afeição intelectual, de um filósofo ou filantropo.
4. Agape, amor espiritual, benevolência, devoção, enlevo.

No Tibete, havia sete tipos, sendo o primeiro mera atração, como limalha de ferro
atraída por um ímã. O segundo, dividido meio a meio: "Eu o amarei, se você me amar." Mas
o último aproxima-se da forma de amor mostrada pelos deuses ou seja, amar desejando
apenas o melhor para a pessoa amada, e segundo as condições dela.
Há alguns anos apareceu um artigo em Seleções do Reader's Digest intitulado "A
Ciência Descobre o Amor Verdadeiro". “Os psiquiatras", dizia o artigo, "concluíram que a
grande maioria das doenças mentais são causadas por falta de amor. Os sociólogos
descobriram no amor a resposta para a delinquência, e os criminologistas, a resposta para
o crime. Os médicos também descobriram que a promiscuidade sexual ocorre
principalmente naqueles que sofreram muito por falta de amor. Médicos em Chicago
mostraram uma alta porcentagem de baixo grau de desenvolvimento em órfãos. ‘O amor
materno' fornece as plumas que revestem o ninho humano. Uma criança privada de amor
sofre até mesmo em seu desenvolvimento físico."
A sra. Maria Montessori era de opinião de que não é prudente, nem mesmo sensato,
tirar os bebês de suas mães. Dessa maneira, eles sofrem daquilo que se chama "choque do
nascimento". Nenhum animal deixa sua cria por mais do que alguns momentos. O bebê
deve permanecer dentro da "aura" da mãe quase o tempo todo.
O que é então o amor? Não é aquilo que é comumente mostrado nos filmes e nos
romances. O Dr. Araham Stone, de Nova Iorque, diz: O amor é o melhor remédio, mas a
maioria das pessoas, mesmo aquelas que pensam ser felizes no casamento, não sabem o
que é o amor."
Comecemos por decidir o que o amor não é.
1. Amor não é possessividade. Não é fazer da outra pessoa uma cópia de nós
mesmos. O Dr. Harry Overstreet diz: "O amor por uma pessoa não implica a posse dessa
pessoa. Significa conceder. de boa-vontade, o total direito a seu ser único." Lembro-me de
uma vez, na América, em que uma mulher veio me dizer que tivera uma grande amiga, mas
que a deixara porque os ideais dela não correspondiam aos seus. "Mas, minha cara
senhora," disse eu, "que arrogância de sua parte! Por que ela deveria corresponder aos
31
seus ideais? Se ela vive de acordo com os dela é o bastante."
2. Não é dependência. Existe uma verdadeira e uma falsa "veneração".
3. Não é abnegação, embora o amor possa requerê-la. Freud achava que a abnegação
em demasia tem como base o ressentimento, até mesmo o ódio.
4. Admiração não é amor. Um médico escreveu: "Um homem pode pensar que ama
sua esposa por ela ser bela, talentosa e competente. Isso não é amor. É uma auto-
aprovação. Popularidade não é necessariamente amor. Uma pessoa torna-se popular se ela
preenche uma necessidade popular." Até mesmo o poeta escreveu:

Nós vivemos por admiração, esperança e amor,


E, da mesma maneira com que estão sabiamente bem colocados,
Nós nos elevamos na dignidade do próprio ser.
Exatamente! O que se procura é uma satisfação do Ego.

5. Não é sexualidade. H. P. B. chamou o amor sexual de "egoísmo a dois". Mas o amor


pode glorificar e exaltar a sexualidade. Muitos casamentos baseados apenas numa atração
sexual mostram-se casamentos entre estranhos. O que deve ser feito, então? Aprender a
fazer do estranho, um amigo. Se, com o passar dos anos, um casamento não se transforma
numa verdadeira amizade, está fadado ao desastre.
Krishnamurti diz sinceramente: "Onde existe amor, o sexo não é um problema. E a falta
de amor que o transforma num problema. Quando você ama realmente alguém, você
divide intensamente com ele ou ela tudo que tem ... Amar é ser- ... " puro. É somente para
os bem poucos que amam, que a relação de casamento tem significado e é indestrutível. O
amor não é uma sensação ou pensamento. Quando o amor realmente acontecer, você
saberá o que é amar, E quando souber ama um, saberá amar o todo..., Somente quando o
amor existe é que todos os nossos problemas podem ser resolvidos e então, conheceremos
sua bênção e felicidade.”
Dr. Carl Jung diz o mesmo: "Se alguém age·a partir do amor e no espírito de amor,
então está servindo a um deus."
6. Amor materno não é necessariamente amor, especialmente se a possessividade está
presente. Mas o verdadeiro amor materno é um maravilhoso poder. "Os psicólogos de
crianças, depois de muitas discussões sobre alimentação em horário certo versus
alimentação pedida, palmada versus não palmada, chegaram à conclusão de que isso não
faz muita diferença, desde que a criança seja amada." Dr. William Menninger diz: "A melhor
coisa que os pais podem fazer é ensinar seus filhos a amar... Mas a única maneira de
ensinar é através do exemplo. As crianças têm que receber amor, para que mais tarde
possam transmiti-lo. Nós não amamos as crianças só por protegê-las e alimentá-las. O
animal faz o mesmo por seus filhotes. Este é o teste: Até que ponto tratamos nossos filhos
como pessoas? Quanto respeitamos sua individualidade, ao invés de sufocá-los e possuí-
los?
Todas as crianças requerem não apenas amor, mas também coisas que as interessem
32
na vida. Nesse ponto, as crianças mais pobres estão em melhor situação. Elas podem
ajudar a mãe nos trabalhos domésticos. Uma criança rica é muitas vezes sufocada com
brinquedos. Lembro-me do filhinho de um casal muito rico com que passei uns tempos,
chegando perto de mim, uma tarde, chorando e queixando-se: "Ah! tia Clara, diga-me o
que posso fazer!" Eu tinha visto um criado limpando as janelas, e disse: "Vá ajudar o John a
limpar as janelas." E ele foi e passou uma tarde feliz e gloriosa. Santha Rama Rau diz que as
mães orientais são, algumas vezes, melhores que as ocidentais, pois permitem que as
crianças ajudem nas tarefas diárias, mais frequentemente.
7. Não depende dos atributos da pessoa amada. Algumas vezes, o homem mais
dissoluto e perverso é profundamente amado, por sorte dele.
8. Ciúme não é prova de amor. É uma prova de amor-próprio. Tristeza e mágoa
excessivas também são, muitas vezes, uma evidência de amor próprio.
Já citei Starr Daily em outros livros mas, mesmo com o risco de citação excessiva, tenho
que colocar novamente o que ele diz sobre o amor verdadeiro:
"Existe uma emoção egoísta que machuca. Tem sido, muitas vezes, chamada de amor.
Mas é apenas uma imitação do verdadeiro. Assim como a ciência. a arte e as invenções não
desejam reformar ninguém, o amor também não. Por não querer reformar os outros, ele os
transforma. Um amigo é um amante. Ele não critica, não procura defeitos ou condena. Ele
liberta, e aquilo que liberta, ele tem. Você não pode ter aquilo que não doar. Você não
pode libertar-se daquilo que prende. Prender é pertencer ao que está preso, uma
escravidão. O que você liberta lhe pertence. Você não pertence a ele, pois você pertence ao
amor. Tudo o que é inferior ao amor envolve e oprime: pressiona, pune e machuca. O amor
é a Realidade, o Libertador, o taumaturgo. Fazendo os outros felizes, você lhes proporciona
um antegosto do céu na Terra."
O que é o amor verdadeiro? Cristo disse aos seus discípulos: “Trago-vos um novo
mandamento: Amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei."Esse amor ele mostrou na
maneira como perdoou a Pedro que, por ignóbil medo, negou-o três vezes. E Ele perguntou
três vezes a Pedro: "Pedro, filho de Jonas, amas-me?" E na terceira vez, Pedro, sentindo a
agonia do remorso, disse: "Senhor, tu conheces tudo; tu sabes que eu te amo."
E Jesus respondeu: "Apascenta as minhas ovelhas."
Dr. Overstreet diz: "Se aquilo que chamamos de amor em relação a uma ou a algumas
pessoas não cria em nós uma capacidade maior de benevolência e afeição para com muitas,
então podemos duvidar de que realmente experimentamos
O amor verdadeiro é uma força curativa. Conheci dois médicos, um na Austrália e outro
na América, que faziam verdadeiros milagres de cura de pessoas com doenças mentais. Um
deles costumava deitar-se ao lado de pacientes que sofriam de melancolia, durante várias
horas, e, de uma maneira constante e serena. irradiava amor e afeição sobre eles. A
porcentagem de curas era notável. O grande homeopata, Hahnemann, curou, certa vez, um
famoso general que ficara louco, da mesma maneira. Isso me faz lembrar as palavras de um
viciado em drogas a um repórter: "Sabe de uma coisa? Os únicos viciados que conseguem
se curar são aqueles que têm um pouco de amor em suas vidas. Alguém que os queira bem,
alguém que lhes faça carinho. Não ligue para o que os médicos dizem, meu irmão; só há
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uma coisa em todo este enorme e nojento mundo que é mais forte que a ânsia por drogas -
é a ânsia por amor."
Sentimentalismo não é amor. Tenho horror ao sentimentalismo, pois percebi que ele
é basicamente egoísta. O amor perfeito não faz exigências, não impõe obrigações,. não
tenta melhorar ou criticar, mas sempre espera o melhor, é fiel e imutável, não importando
o que aconteça. (“O amor não e amor se ele se modifica quando encontra uma
modificação" - Shakespeare), e, portanto. é uma forca que salva e redime. Sir Francis Bacon
escreveu: "Um .amigo é aquele com quem nossas tristezas são divididas e nossas alegrias
nas multiplicadas.” A mais magnífica descrição de amor verdadeiro é a bem conhecida
descrição de caridade, na Epístola de São Paulo aos Coríntios, a qual Henry Drummond
chamou de "espectro de amor".
A palavra "caridade" vem do latim carus - caro, querido. O homem caridoso é aquele
para o qual todas as coisas são caras, queridas.
Mas muitas vezes o amor tem que ser aprendido; nem sempre ele vem naturalmente.
Dr. Erich. Fromm diz que "essa capacidade tem que ser cultivada. Ela não vem
naturalmente, como muitos acreditam". Dr. Alexis Carrel diz o mesmo. Talvez seja essa a
grande lição da vida.
E voltemos à questão do que é Agape ou Amor Divino. Quem mais poderá dizer,
senão aquele que o experimentou? O homem tem consciência de Deus, então Krishnamurti
diz: "Não se pode falar sobre o amor; ele é um estado de ser."
Encerrarei este capítulo com uma magnífica descrição de amor verdadeiro, que se
compara à descrição de São Paulo. ,Ela está n'A imitação de Cristo de Thomas a Kempis.

O amor está sempre vigilante e nunca dorme.


Quando exausto, não se cansa,
Quando amedrontado, não se inquieta.
Quando correto, não se reprime.
Mas como uma chama vívida e uma tocha ardente, ele cresce
Sempre para o alto, e, com firmeza, tudo transpõe
Quem quer que tenha amado, conhece o grito desta voz.

34
Capítulo X

AS ASAS DA ALMA

Consideremos novamente a definição do homem dada por São Paulo - "corpo, alma e
espírito". O corpo é a casa onde moramos enquanto frequentamos a Escola da Vida. A
alma é a nossa parte que pensa e sente, e que, depois da morte, o continua fazendo, de
uma forma muito mais vívida. Então o que é nosso ser espiritual? É uma centelha do
eterno, Chama Divina que nunca deixou a Fonte de onde veio. O corpo e a alma são partes
desse ser que ele manda para a Terra. Quando atingimos um certo grau de
desenvolvimento. podemos despenar a consciência desse ser eterno em nós, e nos
unificarmos com ele.
Como isso é feito? Pela aspiração, pela "prece" compreendida corretamente; e pela
compreensão de que isso pode ser alcançado e de que esse ser eterno é o nosso
verdadeiro eu. Ele é fonte de toda a sabedoria, amor e força em nós, e também, da bem-
aventurança perpétua, pois, como Cristo nos disse, o Reino dos Céus está dentro de nós.
O que é a consciência espiritual? Não é ser devoto, nem mediúnico. A Dra. Besant
define-a como a percepção intuitiva da unidade de toda a vida. Eu disse que é a fonte de
bem-aventurança eterna. Todos nós desejamos a felicidade. Este é um reflexo muito
distante do conhecimento de que a felicidade suprema é o nosso verdadeiro eu. Mas ela
não é encontrada exatamente aqui, onde há somente sombras da beleza real. Por isso, H.
P. B. nos diz para não procurarmos a felicidade aqui. Ela diz: "A felicidade não é conseguida
na Terra. Aqui temos apenas um escuro hall de entrada, e só quando abrirmos a porta para
o salão propriamente dito, para a sala de recepções da vida, é que veremos a luz. Seja no
Céu, no Nirvana ou no Swarga, dá no mesmo; os nomes não importam. Como para o
Princípio Divino tudo é Uno, e há apenas uma Luz, não importa de quantas maneiras isso
possa ser entendido pela ignorância terrestre. Esperemos pacientemente pelo dia de nosso
melhor e unicamente verdadeiro nascimento."
O esplendor da sabedoria e da bem aventurança, que é uma união consciente com a
própria Vida, espera por todos nós. Nós o buscamos através de uma contínua aspiração,
daquela subida silenciosa do coração aos céus que Plotino chama do "voo do só para o Só".
Alguém disse: "A Prece é o desejo da alma, manifestado ou oculto.”
O homem tem duas asas com as quais ele pode voar para o céu: sua mente e seu
coração. Mas elas são como as asas de um pássaro preso numa gaiola. Ele pode desejar e
esperar, mas não pode voar e, então, para de cantar. Por isso, devemos quebrar as grades
da gaiola, de nosso egoísmo, desejos e ambições pessoais, um por um, e ensiná-lo a voar.
Ele pode voar quando a asa de sua mente está repleta de belos e verdadeiros pensamentos
e concepções, e a asa de seu coração está repleta de um sentimento de abnegação puro e
ardente.
Você já viu uma pequena cotovia alçar voo? Ela pode voar mais alto do que quase
qualquer outro pássaro, derramando seu coraçãozinho em melodias. E se você ainda
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conseguir distingui-la, poderá ver que, quando está bem lá no alto, ela paira suas asas sobre
o ar. Assim, também, possam nossas almas voar cada vez mais alto, até alcançar esse
"silêncio dos céus", que significa estarem as asas firmes e serenas: o primeiro estágio do
estado místico. Esse é o significado real de prece, a ascensão do coração da Vida. E a Vida
flui e vem preencher o pequeno coração humano com alegria e beleza radiantes que levam
felicidade a todos os que o circundam.
Reparem, ainda, em mais uma coisa do pequeno pássaro. Sua cabeça está sempre
levantada na direção em que está voando. Esse é um símbolo da vontade humana, a
intenção que aponta firmemente para o alto.
Procure manter sua mente repleta de belos pensamentos e ideais. São Paulo disse
isso a seu povo:”Quanto ao mais, irmãos," escreveu aos Filipenses, "tudo o que é
verdadeiro, honesto, justo, puro e amável, e, tudo o que é de bom nome; qualquer virtude,
qualquer coisa digna de louvor, seja isto o objeto dos vossos pensamentos “Pois um
homem é aquilo que ele sente em seu coração, e assim será. Quem procura sempre
encontra, Se pedirmos de coração, de todo o nosso coração, com veemência e aspiração
ardente, certamente nos será dado.
Por fim, bata na porta e ela se lhe abrirá. Isso tem um efeito que abençoa e ajuda todas
as outras vidas.
E para finalizar este capítulo não posso deixar de citar a famosa Oração de São
Francisco, o mais amado de todos os santos cristãos:

Senhor, fazei-me instrumento de Vossa


Onde haja ódio, consenti que eu semeie amor
Perdão, onde haja injúria;
Fé, onde haja dúvida;
Esperança, onde haja desespero;
Luz, onde haja escuridão;
Alegria, onde haja tristeza.

Ó Divino Mestre!
Permiti que eu não procure
Tanto ser consolado quanto consolar;
Ser compreendido, quanto compreender;
Ser amado, quanto amar;
Porque é dando que recebemos;
Perdoando, que somos perdoados.
E, é morrendo que nascemos
Para a Vida Eterna.

É através do amor que chegamos ao Âmago do próprio Amor.

36
Capítulo XI

O LUGAR DA BELEZA NA VIDA

Muitas pessoas tentaram definir a beleza. Wordsworth descreveu-a como "uma


multiplicidade de partes simétricas unificadas num todo integrado". Coleridge diz algo
semelhante: "A antiga definição de beleza, na Escola Romana, era ‘multiplicidade em
unidade', e não há dúvida de que este é o princípio de beleza."
Plotino, no entanto, diz que isso não explica a beleza pura, como a do brilho do Sol e
das estrelas. Ele diz: "A opinião geral é que uma certa proporção de partes num todo, com a
adição da cor, gera a beleza que é o objeto da visão, e que apenas na proporção e na
moderação está a beleza de tudo... Então, partindo-se dessa definição, as belas cores e a luz
do Sol, por serem puras e não formarem sua beleza a partir de uma proporção, deverão ser
excluídas das regiões de beleza ... Dessa maneira, os mais puros sons musicais serão
estranhos à beleza, posto que numa música perfeitamente bela, cada nota deve ser tão
bela quanto necessária à existência do todo."
Os gregos buscavam a unidade essencial. Para eles a beleza não residia na forma, que
era apenas uma epifania, mas na incomensurável ideia, e por fim, na vida que a tudo
permeia. Plotino diz: "Beleza, para a maioria, consiste em objetos visíveis; mas ela também
é recebida através dos ouvidos, pela composição habilidosa de palavras, e pela proporção
consonante de sons; pois em todas. as formas de harmonia a beleza é encontrada. Se, da
mente, nos elevamos às regiões da alma, lá percebemos estudos e ofícios, ações e hábitos,
ciências e virtudes em proporções de beleza muito maiores. Mas se existe, além disso, uma
beleza ainda maior, só poderemos ver conforme prosseguirmos com a investigação.
Existem três estágios para a percepção de beleza: o sensitivo, o idealista e o espiritual.
Cada um é atingido através da compreensão e transcendência do estágio inferior. Nos
ensinamentos da sacerdotisa Diotima a Sócrates, ela diz: "A verdadeira norma para se ir ou
ser conduzido por outro, em direção às coisas do amor, é começar pelas belezas da Terra e
subir, tendo como finalidade uma outra beleza, usando essas daqui apenas como degraus;
e subindo de uma para duas, e de duas para todas as formas belas, alcançamos boas
experiências, e com elas adquirimos boas noções, até que dessas noções chega-se à noção
de beleza absoluta, e, por fim, conhece-se qual a essência da beleza."
A Beleza Eterna é a Vida Eterna. Diz ainda o amado Plotino: "Remontemos, então, ao
bem em si, que toda alma deseja, e no qual encontra-se o mais completo repouso ...
Aqueles que penetram no santuário desses mistérios sagrados ... tendo por si mesmos
deixado de lado tudo que seja alheio a Deus, observam o único princípio do Universo,
sincero, simples e puro, do qual todas as coisas dependem, e, para cujas perfeições
transcendentes, os olhos de todas as naturezas inteligentes estão dirigidos, como a própria
origem do ser, da vida e da inteligência.

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"É perfeitamente puro em si mesmo, não está preso a nenhum vínculo corpóreo, não
existindo no céu, nem na Terra, não sendo representado nem pela mais bela forma que a
imaginação possa conceber; pois todas elas são adventícias e mescladas, meras belezas
secundárias, derivadas da própria Beleza."
A sacerdotisa Diotima diz: "Mas o que aconteceria se o homem tivesse olhos para
descobrir a verdadeira beleza - refiro-me à Beleza Divina pura, clara e genuína, que não se
turva com as poluições da mortalidade e de todas as cores e utilidades da vida humana - e
olhasse nessa direção mantendo um diálogo com a verdadeira beleza, simples e divina?
Lembre que apenas nessa comunhão, observando a beleza com os olhos do espírito. ele
será capaz de cria não imagens de beleza, mas realidades (pois ele não mantém senão uma
imagem da realidade), e criando e sustentando a verdadeira virtude, torna-se o amigo de
Deus e imortal, se é que ele pode ser imortal.”
A Beleza é um eterno Princípio Divino, e sempre evoca o Amor: A segunda Pessoa da
Trindade hindu é Vishnu, o deus do Amor, e sua shakti, ou esposa, é a deusa Lakshmi, a
deusa da felicidade e do júbilo. Isso também é um poder criativo. Quando Deus, como
Narciso, viu sua imagem espelhada nas águas do espaço, apaixonou-se por ela e criou o
Universo.
Diotima diz que o homem ama o belo que pode ser seu. Quando ela perguntou a
Sócrates o que se ganha em possuir beleza, ele não pôde, responder; então ela trocou a
palavra beleza por "bondade". Aí ele soube que a posse do Bem traz felicidade, e que os
homens desejam sua posse eterna por desejarem um nascimento em beleza ou do corpo ou
da alma. A força e a graça nos homens, diz Diotima, cria corpos desejando imortalidade.
Mas, as almas prenhes criam poetas, artistas, inventores. "Quem", pergunta ela, "que ao
pensar em Homero e Hesíodo e também em outros grandes poetas, não gostaria de ter
filhos que não fossem apenas comuns?"
Desejo é a ânsia cósmica pela Unidade. Plotino diz: "Na verdade, tudo que é desejável
é uma espécie de Bem, já que tende para esse desejo." Por isso, existe um desejo universal
pela felicidade, pois é a Beleza chamando.
Existem algumas belas palavras na Canção das Canções do Rei Salomão: "Minha
amada falava, dirigindo-se a mim, 'Levante-se meu amor, meu belo e parta. Pois veja! O
inverno passou, a chuva já se foi. As flores já estão surgindo na Terra; o tempo do canto dos
pássaros chegou:".
Angus era o deus Eros dos Celtas, e sua morada era a Tir-na-og, a terra da Juventude
Eterna.
Qual é o nosso caminho para essa suprema Beleza? Thomas Taylor diz: "Mas aqui é
necessário observar que nossa ascensão a essa região de Beleza deve ser feita através de
avanços graduais, pois, devido a nossa associação com a matéria, é impossível passar
diretamente, sem um veículo, para uma tal perfeição transcendente; devemos proceder de
maneira similar àqueles que passam da escuridão para a luz muito forte, avançando de
lugares moderadamente iluminados para os mais luminosos." Isso nos lembra a alegoria de
Platão, dos homens fitando as sombras nas paredes da caverna, os quais, ao virarem suas
faces para a luz, ficaram imediatamente cegos .
Plotino diz o mesmo, que a beleza prístina de nossos eus eternos tornou-se
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encoberta e poluída por seu contato com a matéria, e que, para nos tornarmos capazes
de perceber a verdadeira beleza, temos que aprender a nos despojarmos dessa impureza,
por etapas, já que “é necessário que o que percebe e a coisa percebida sejam iguais um
ao outro, antes que a verdadeira visão possa acontecer... Por isso, cada um tem que se
tornar divino e belo como os deuses, antes que possa contemplar um deus e a própria
beleza."
Somente o puro pode ver o Puro. Ele diz que vemos aquilo a que podemos
corresponder. "Assim, para o homem bom, a virtude que resplandece na juventude é bela
porque consonante à verdadeira virtude que repousa no fundo da alma."
O Caminho é uma ascensão em resposta. E este é o método nas palavras de Plotino:
"Agora é o momento de deixar para trás todos os objetos dos sentidos, para contemplar, de
uma certa altura, uma beleza de uma ordem muito mais elevada; uma beleza não visível
aos olhos corpóreos, mas só manifestada aos olhos mais brilhantes da alma, independentes
de qualquer apoio corporal."
O aspirante já compreendeu que todas as coias belas são estágios da manifestação de
beleza, e tenta amá-las e servi-las. Diotima diz que um homem deve começar desde jovem a
reconhecer e admirar a beleza. Então, amar apenas uma bela forma e, a partir daí, criar
belos pensamentos. Depois, vendo que a Beleza em toda parte é uma só, ele se tornará um
amante de todas as formas belas. Então, ele amará a beleza de espírito, e ficará feliz em
amar e servir a quem a possui Finalmente, em vez de ser como um servo que ama uma
pessoa ou instituição, ele contemplará e inclinar-se-á ao vasto mar de beleza, criando
muitos pensamentos belos e nobres, num infinito amor à sabedoria; até que, por fim, lhe é
revelada a visão de uma ciência única, a ciência da beleza em toda parte.
"Teus olhos verão o Rei em Sua Beleza e a terra que está a grande distância."
Plotino diz que quem quer que veja essa beleza deve aprender a não identificá-la como
as formas corpóreas mais belas, e, convencido de que elas não são mais do que imagens,
vestígios e sombras de beleza ("o grande, o sublime, o belo; eles são as sombras de Deus na
terra” - Joseph Mazzini), deve voar ansioso em direção à beleza original de onde. veio,
dizendo: "Partamos para longe daqui, e voemos para a terra deleitável de nosso pai." Ele
recomenda um método de meditação que consiste em recordar intimamente os
pensamentos e tentar perceber o Belo dentro de nós mesmos. Devemos nos despojar de
tudo que não é belo até percebermos a luz verdadeira que é imensurável e esplêndida.
Agora, não precisamos mais de guia, pois temos que fixar firmemente nossa visão mental,
já que somente com os olhos da mente tão imensa Beleza pode ser percebida.
Plotino alerta-nos para o fato de que, se nosso olho mental não está completamente
purificado, mas ainda infestado de vis inquietações, tornar-se-á imediatamente
obscurecido e incapaz de intuir, pois o que percebe e o percebido devem ser iguais entre si,
antes que a verdadeira visão possa acontecer. Então, ele perceberá que todas as coisas são
belas porque uma parte do Belo sobrevém e as ilumina.
Nós podemos ver porque Deus plantou Sua imagem dentro de nós. Como diz Proclo:
"O criador do Universo deixou em todos os seres impressões de Sua própria excelência
perfeita ... e através dessa marca mística que corresponde à Sua natureza, eles se tornam
unidos à sua origem. despojando-se de sua própria essência, e apressando-se em se
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tornarem apenas a Sua impressão."
Aqui novamente o Amor é atraído pela Beleza, e União é Bem-aventurança. "Com que
amor ardente", exclama Plotino, "com que fortes desejos aquele que goza essa visão
arrebatadora será inflamado enquanto anseia veementemente por unificar-se com essa
suprema beleza ... Qual deve ser a condição desse ser que vê o próprio Belo?" "Uma vez
vista a beleza," disse Diotima, "todas as outras belezas se desvanecem."
Deveríamos cultivar a resposta à beleza em nós mesmos. Assim, nunca seríamos
cruéis. Certa vez conheci um homem que não tinha ouvido para a música. Ele ia
religiosamente a concertos e tentava "ouvir". Ele tornou-se um dos mais refinados
apreciadores de música que já encontrei. A beleza em nossa alma resulta em graça e
benevolência. Citando Plotino novamente: "O corpo participa,da beleza da alma que, como
algo divino, e parte do belo, faz com que tudo que ela domine e onde interfira, torne-se
belo, tanto quanto admita sua capacidade natural. Pois tal beleza, que é suprema em
dignidade e excelência, não pode deixar de tornar seus devotos belos e amáveis."
A evidência de beleza na alma é o amor, a alegria, a fé e a paciência. Às margens do
Iliso, Sócrates, depois de falar ao jovem Fedro sobre as carruagens da alma, orou: "Amado
Pã, e todas as divindades que assolam este lugar, dê-me beleza interior de alma, e possa o
homem exterior unificar-se com o interior."
O amor pela Beleza é essencialmente religioso. Dr. Alexis Carrell diz: "O amor pela
beleza leva ao misticismo. A canção transforma-se facilmente em oração." Diz também: "Os
sacerdotes racionalizaram a religião. Destruíram sua base mística. Mas eles não
conseguiram atrair o homem moderno." Um grande teólogo alemão diz que a base da
verdadeira religião é o sentido do Sagrado, do Miraculoso. Essa é a essência da nova
religião que está surgindo no mundo; a Religião da Própria Vida, sagrada, maravilhosa, bela
e íntegra. Nós também podemos ver o Rei em Sua Beleza, mas os olhos com os quais
podemos vê-Lo não são os olhos da Terra, mas os olhos manifestos da intuição espiritual,
como expressou Platão: "Vendo o Belo com os únicos olhos com que se pode ver."
Deixe-me citar mais uma vez a bela sacerdotisa Diotima: "Aquele que até agora foi
instruído no amor, e que aprendeu a ver o belo na devida ordem e sucessão, quando
estiver chegando ao fim, perceberá, de repente, uma natureza de beleza magnífica (e isto,
Sócrates, é a causa final de todas as nossas antigas fadigas) - uma natureza que, em
primeiro lugar, é eterna, não se desenvolve nem degenera, não aumenta nem diminui; em
segundo, não é justa de um ponto de vista e é abominável de outro, ou ao mesmo tempo,
ou em outra relação, nem é justa num lugar, num outro tempo ,ou numa outra relação.
ímproba, como se fosse boa para uns e má para outros: ou na semelhança de um rosto ou
mãos ou qualquer outra parte do corpo, ou em qualquer forma de linguagem ou
conhecimento, ou existindo em qualquer outro ser, como por exemplo num animal, no céu,
na Terra, ou em qualquer outro lugar; mas a Beleza absoluta, isolada, simples e eterna, que
sem restrições ou mudanças, é concedida às belezas crescentes e perecíveis de todas as
outras coisas.
"Aquele que, dessa ascensão sob a influência do verdadeiro amor, começa a perceber
essa Beleza, não está muito longe do fim."
Quando eu estava em Adyar, na Índia, costumava ouvir os pescadores cantarem
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sempre a mesma canção. Um dia alguém me fez uma tradução livre daquela canção.

"Oh, minha Bela, entra em meu coração.


O que é a canção sem o cantor?
E o que é o cantor sem ti?
Oh, minha Bela, entra em meu coração,
E deixa que se solte a tua canção."

Há bem poucas palavras minhas neste capítulo. Deixei que meus amados antigos
gregos falassem por mim, pois suas palavras são muito mais belas.

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Capítulo XII

A NOVA RELIGIÃO SURGINDO NO MUNDO

Há uma nova forma de religião surgindo no mundo. Chamo-a de Religião da Vida. Há


muitos anos, o Mestre M. disse que havia uma onda de misticismo invadindo a Europa;
agora ela está se difundindo pelo mundo inteiro. É surpreendente o número de associações
ocultas e místicas que estão, o tempo todo, aparecendo por toda parte. Várias delas se
reúnem anualmente em Londres. Acho que Paul Brunton iniciou isso, e posso enumerar
pelo menos vinte sociedades de "meditação" já em funcionamento.
Há pouco tempo, perguntei a vários correspondentes se eles alguma vez tiveram
experiência daquilo que Dr. Bucke chama de "Consciência Cósmica." Fiquei surpresa com o
resultado; recebi um grande número de respostas, tentando descrever essa experiência
que é indescritível. Aqui está uma bem representativa: "Uma vez experimentei a
Consciência Cósmica. Meu marido e eu estávamos voltando para casa, depois de uma
reunião teosófica, e atravessávamos um bosque, quando de repente eu senti que me
unificara com tudo que estava à minha volta - o bosque, as árvores, os animaizinhos, as
pessoas que moravam por ali, as duas pessoas que estavam no carro conosco e todo o
mundo. Isso aconteceu repentinamente e foi sumindo gradativamente, depois de mais ou
menos meia hora, embora eu tentasse mantê-lo o maior tempo possível. Foi uma
experiência maravilhosa e sempre penso nela, esperando que aconteça novamente, mas
nunca mais aconteceu, desde então." Outras cartas são semelhantes a essa. Todas dizem
que a experiência aconteceu repentina e inesperadamente. "O Reino de Deus não vem
com aparência exterior." (Luc. 17:20.) Lembro-me de um grande amigo contando-me que,
para ele, a experiência aconteceu repentinamente, quando estava numa loja.
Evidentemente isso não olha hora nem pessoas. "O vento assopra onde quer; e ouves a sua
voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do
Espírito (João 3.:8.)
Tudo é muito profético. Não estamos muito longe da vinda da primeira raça
verdadeiramente espiritual que vai habitar a Terra. O Reino do Espírito inicia-se. E com ele
virá não somente a unidade de todas as fés, mas também a unidade de todos os reinos e o
fim das guerras e da pobreza.
Todo homem tem, no seu mais profundo âmago, uma centelha imortal da Beleza e do
Conhecimento Divino. Esse "Cristo interior, esperança de Glória", como o denominou São
Paulo, é o único que pode "salvá-lo", afirma H. P. B. Mas salvá-lo de quê? Apenas de sua
própria ignorância e consequente egoísmo. E por que, podemos perguntar, uma pobre
pessoa tem que atravessar um período tão longo de cegueira e sofrimento? Esta é a lei da
evolução. Tudo começa de um ponto infinitesimal. Uma criança nasce completamente
desenvolvida? Mas nesse minúsculo início está contido todo o potencial e toda esperança
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daquilo que mais tarde será revelado.
Assim, tudo estará bem no final. Uma adorável santa medieval, Lady julian de Norwich
tinha aquilo que se chama de "diálogos interiores", nos quais os místicos parecem falar com
Deus. Ela estava muito preocupada com o problema do pecado no mundo. "Um dia", ela
escreveu, "perguntei a Deus a respeito do pecado, e Deus mostrou-me que não havia
pecado, mas que, por cada pena sofrida aqui, teríamos mais glórias no futuro." Aquele, que
acredita no supremo triunfo da graça e da felicidade está mais perto da verdade do que
aquele que está oprimido pelos sofrimentos da vida.
Os poetas estão mais próximos da verdade que os filósofos. Lembremos os famosos
versos de Robert Browning:

A verdade está dentro de nós mesmos, ela não tem origem nas
Coisas exteriores, por mais que você acredite.
Existe um centro íntimo em nós
Onde reside a verdade em plenitude, e. saber
Consiste mais em encontrar uma saída
Por onde o esplendor aprisionado possa escapar,
Do que criar uma entrada para- uma luz
Que se supõe esteja fora.

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