Você está na página 1de 252

Maril Crabtree

Penas Sagradas
O poder mágico de uma pena pode
alterar sua visão do mundo

TRADUÇÃO
Paula A n d r a d e

2003
Título original: Sacred Feathers
Copyright © 2002 by Maril Crabtree
Licença editorial para a Editora Nova Cultural Ltda.
Todos os direitos reservados.

Coordenação editorial
Janice Flórido

Editores
Eliel S. Cunha
Fernanda Cardoso

Editoras de arte
Ana Suely S. Dobón
Mônica Maldonado

Arte da capa
Fernanda do Val

Revisão
Levon Yacubian

Editoração eletrônica
Dany Editora Ltda.

EDITORA N O V A CULTURAL LTDA.


Direitos exclusivos da edição em língua portuguesa no Brasil
adquiridos por Editora Nova Cultural Ltda.,
que se reserva a propriedade desta tradução.

EDITORA BEST SELLER


uma divisão da Editora Nova Cultural Ltda.
9
Rua Paes Leme, 524 - 1 0 andar
CEP 05424-010 - São Paulo - SP
www.editorabestseller.com.br

2003

Impressão e acabamento:
RR Donnelley América Latina
Fone: (55 11) 4166-3500
Este livro é d e d i c a d o a:

Virgínia Lenore Briana Crabtree, minha sogra, cuja vida me


inspira e apoia tanto quanto meus amados pais o fazem.
í

índice

Agradecimentos 11

Prólogo 13

Introdução 15

PARTE UM
O Mistério das Penas: Mensagens Místicas do Espírito

Você Pode Fazer Isso! — Maril Crabtree 21


As Penas — Einda Hogan 23
Uma Questão de Estilo — Dra. Rachel Naomi Remen 28
Ser uma Pena — Mark Nepo 32
A Pena como "Alimento" para o Pensamento —
CaroleLouie 33
Meditação — Locais onde Encontrar Penas 35
Dançaremos Novamente — Janet Cunningham 36
Canção Indígena Americana — Autor desconhecido 38
O Presente da Águia — Josie Asa de Corvo 39
Uma Pena com um Coração — Reverendo Fern Moreland... 43
Peça e lhe Será Dado — Victoria Rose Impallomeni 46
Ritual — Manifestação das Penas 49
Um Presente Especial — Penny Wigglesworth 50
Siga as Penas — Carolyn Elizabeth 53
Meu Nome Era Falcão Asa Dourada — Orazio J. Salati 56
Alma de Pena — Jeanne Scoville 58

7
Galgando as Penas — Marü Crabtree 60
Uma Mensagem do Pena Branca — Debra Hooper 61
Meditação — Atraindo a Energia da Pena 63
Canção da Pena — Kenneth Ray Stubbs 65
Aprendendo com os Corvos — Greg Eric "Saltador"
Hultman 67
Você Já Está no Caminho — Kellie Jo Dunlap 74
Asas em Meus Pés — Pena Estelar 77
Meditação — Visão da Vida 80

PARTE DOIS
O Poder das Penas: Mensagens de Cura e Transformação

Penas e Sonhos: Uma Entrevista com uma Analista


Junguiana — Maril Crabtree 85
Espírito da Pena — Denise Linn 89
Professoras em Sonhos — Gina Ogden 92
Do Coração da Águia — Maril Crabtree 94
Ritual — Curando com Penas — Don Alberto Taxo 97
O Poder da Águia — Bobby Rae Sullivan 98
Faróis da Noite — Eleanor K. Sommer 101
Um Espírito, uma Pena — Hazel Achor 105
Jornada da Pena — Anna Belle Fore 107
Uma Pena para Norma — Vickie Thompson 109
Ritual — Uma Bênção Residencial com Penas 114
União de Energia — Toby Evans 115
Espírito Mensageiro — Will Davis 122
Apoderando-me de Meu Poder — Carol Rydell 124
Uma Pequena Pena Branca — Cate M. Cummings 130
Meditação — As Cores das Penas e o que Elas Significam ... 132
Espírito da Coruja — Raven Lamoreux-Dodd 133
Penas e Bonecas — Vicki Wagoner 137
Penas Dançarinas — Cervo Hesitante 139

8
A Terra É uma Mãe Perfeita — Rod Skenandore,
"Chefe Alce" 142
Música do Falcão — Maril Crabtree 146
Falcão Guardião — Amy Belanger 147
Meditação — Um Passeio na Floresta 149

PARTE TRÊS
Luz por Meio da Pena: Mensagens de Liberdade,
Entrega e Desprendimento

Penas e Graça — Maril Crabtree 153


Doar — Terrill Petri 156
Anjos a Meus Pés — Vicki Wagoner 158
Um Fardo Tão Leve Quanto uma Pena — Robert Gass 160
Pena de Pica-Pau — Paul W. Anderson 163
Meditação — Presentes e Sinais das Penas 168
Pássaro Preto, Pássaro Branco — Laura Giess 170
Caçador de Penas — Mark E. Tannenbaum 172
Um Espírito de Liberdade — Terry Podgornik 175
Um Coração — Li-Young Lee 177
Você Não Precisa Lutar — Lee Lessard-Tapager 178
Ritual — Abundância de Pena, Abundância de Vida 180
Cinqüenta Coisas para Fazer com as Penas — Mary-Lane
Kamberg 182
Qual É o Seu Fator Pena? — Virgínia Lore 185
Sonhos de Falcão — Judith Christy 189
Meu Leque da Liberdade — Elissa Al-Chokhachy 190
A Insustentável Leveza das Penas — Deborah Shouse 193
Meditação — Fantasias de Penas 195
Convite — Kenneth Ray Stubbs 196
Asas da Liberdade — Nancy Gifford ("Mumtaz") 197
Ninho de Penas — Pam Owens 199
A Pena Mágica de Lynda — Nancy Sena 200
Desprenda-se, Voe Livremente — Ron Yeomans 201
Meditação — Um Punhado de Penas 203

9
PARTE QUATRO
Onde Há uma Pena, Há um Caminho!
Mensagens de Amor, Força e Coragem

Lembre-se de Quem Você É — Maril Crabtree 207


Penas Bíblicas 209
Pena Herdada — Carolyn Lewis King 212
Pena Mágica — Robert M. "Bob" Anderson 215
Ritual — Respire com a Pena 218
Uma Dádiva de Amor — Aweisle Epstein 219
Penas e Pedras — Maril Crabtree 221
Corvo Curador — Gaylen Ariel 222
A História do Cisne — Antoinette Botsford 224
Anjo da Estrada — Kara Ciei Black 226
Espaço Interior — Mary-Lane Kamberg 229
Uma Pena de Cada Vez — Kimball C. Brooks 230
Meditação — Um Presente Inesperado 232
A Cura da Águia — Maya Trace Borhani 234
Se os Pássaros Podem Voar... — Marty Peach 237
Chefe Minipena — Phillip G. Crabtree 239
O que Me Prende à Terra Está Oculto — Mark Nepo 242
A Coragem da Águia — Gerald Wagner 243
In Memoriam — K. M. Jordan 245
O Presente de Sofia — Sheelagh G. Manheim 248
Meditação — Cuidando das Penas — Olhos de Pássaro 250
Nas Asas da Compaixão — Maril Crabtree 252
Agradecimentos

Eu gostaria de agradecer a m e u m a r i d o , J i m , cujo apoio t e m


sido u m a p r e s e n ç a curativa e constante; a m i n h a filha V i r -
gínia, m i n h a n o r a Tiffany, m e u filho J i m , m i n h a irmã S a n d y ,
e Gloria, que foi u m a fonte de apoio e encorajamento; a m e u s
sócios em vida, Bill Grover, Judith Cristy e B o b M a n n , que
me a c o m p a n h a r a m em todos os estágios e fases desse e m -
preendimento; a m i n h a querida a m i g a D e b o r a h S h o u s e , que
me p r o p o r c i o n o u apoio, conselhos e sabedoria; p a r a c o m -
pletar os n o m e s citados acima, a m e u s sócios espirituais, R o n
Zoglin, R o b e r t B r u m e t , Stan L e u t u n g , Roberta V o g e l , H e l e n
e R o n Y e o m a n s , Patti C a w t h o n , W a r r e n e C h e r y l V a r n e y ,
Sharil Baxter e Paulla Levitch; a m i n h a editora, Claire G e r u s ,
que foi u m a guia durante todo o p r o c e s s o de p r o d u ç ã o des-
te livro; a m e u s parceiros n a p o l i t a n o s Liz, Sissel, P a u l i n e ,
N a n c y , B a r b a r a e P e g g y , e todos os m e m b r o s do G r u p o de
Escritores de K a n s a s City, que me incentivaram durante as
turbulências deste trabalho; a M a r k Carr, Cate C u m m i n g s ,
D e n i s e Linn, Victoria M o r a n e Saphira, a q u e m d e v o o re-
c o n h e c i m e n t o pelo estímulo e apoio manifestados desde o
primeiro m o m e n t o ; e a todos aqueles que contribuíram c o m
s u a s histórias s a g r a d a s p a r a este livro, m u i t o s d o s q u a i s
agora são queridos a m i g o s d e v i d o ao que partilharam.

11
Prólogo

Alguns anos atrás, eu c a m i n h a v a pelas ruas de A s p e n , C o -


lorado, sentindo-me deprimida apesar do sol radiante. Ha-
via a c a b a d o de encerrar três anos de atividade c o m o dire-
tora de uma o r g a n i z a ç ã o s e m fins lucrativos, t r a b a l h a n d o
catorze horas p o r dia a fim de ajudar pessoas necessitadas.
T o m a d a pelo estresse e p o r todas as e m o ç õ e s negativas que
v o c ê possaimaginar, eu m e sentia um trapo. O futuro pare-
cia uma e n o r m e muralha, tão intransponível quanto as m o n -
tanhas que m e r o d e a v a m . E u entrava e m p â n i c o c a d a v e z
que p e n s a v a em que iria fazer.
Por m a i s d e quatro décadas, obtive " s u c e s s o " e m e m p r e -
e n d i m e n t o após e m p r e e n d i m e n t o . D e v i d o à n e c e s s i d a d e de
ser reconhecida, e u m e e s m e r a v a e m tudo. Especializei-me
em carreiras e segui em frente: primeiro, c o m o professora;
depois, tive filhos; em seguida, formei-me em Direito; tra-
balhei n u m a firma d e advocacia; m o n t e i m e u escritório pró-
prio; trabalhei c o m os pobres. N a d a satisfazia m i n h a inquie-
tação interna. N a d a me oferecia " p r o v a s " suficientes de que
eu era um ser h u m a n o de valor. O que restava?
Q u a n d o parei a fim de tomar fôlego, após ter subido u m a
colina, algo desviou m i n h a atenção para m e u s pés. L o g o a
m i n h a frente jazia u m a pena imensa e brilhante. N ã o havia
pássaros ao redor. Somente a p e n a e eu. O u v i u m a v o z inte-
rior dizendo: "Pegue-a. É para você. V o c ê não está sozinha".
A pena era macia, sedosa e preta. Seria m i n h a imaginação
que a fazia cintilar internamente? Eu a peguei e a segurei c o m
as duas mãos. Em algum lugar dentro de m i m , a v o z soou

13
ainda mais clara: " V o c ê é amada. É u m a parte integral desta
vasta cadeia de interconexões. N ã o está sozinha".
Continuei a segurar a p e n a c o m reverência. Um misto de
g r a t i d ã o e alegria me i n v a d i u . A q u e l e l i n d o m e n s a g e i r o
n e g r o d o c é u m e dizia q u e e u n ã o e s t a v a n u m u n i v e r s o
vazio. M a i s tarde, aprendi que em muitas tradições antigas
a p e n a preta é um sinal de sabedoria mística, recebido n u m a
iniciação espiritual. Tais p e n a s (de corvos, por e x e m p l o ) são
freqüentemente utilizadas p o r figuras x a m â n i c a s . A enor-
m e p e n a preta que m e esperava e m A s p e n p r o v e u m i n h a
iniciação à sabedoria do universo.
G u a r d e i a q u e l a p e n a preta. C a d a v e z q u e a p e g o , sua
poderosa m e n s a g e m me toca: Você não está sozinha. Estamos
com você; tudo na vida faz parte de você. Voe com o vento!

14
Introdução

Sou uma ena no céu cintilante


V

Sou o cavalo azul que corre pela planície


Sou o peixe que nada, brilhante, na água...
Como vê, estou vivo, estou vivo.

— N. Scott Momaday,
A Deliciosa Canção de Tsoai-Talee

P e n a s ! Penas m á g i c a s , místicas e incríveis! Penas de todos


os formatos, t a m a n h o s , variedades e cores. Ao l o n g o da his-
tória, a s p e n a s t ê m s e a p r e s e n t a d o c o m o s í m b o l o s p a r a
x a m ã s e padres, c o m o símbolos de realeza para reis e c h e -
fes, c o m o símbolos de cura ou c o m o símbolos sagrados em
culturas tão antigas quanto as eras egípcia, asiática e céltica.
Essas culturas p o s s u í a m habilidades para se c o m u n i c a r c o m
a natureza por m e i o de c a m i n h o s que foram ignorados ou
esquecidos e m n o s s a época atual.
P o r é m , as p e n a s são m a i s q u e históricas. Para muitos, elas
r e p r e s e n t a m sinais místicos, m e n s a g e n s ou oportunidades.
S ã o fragmentos de sincronicidade na fluida m i s c e l â n e a dos
significados universais. As p e n a s s u r g e m em lugares ines-
perados c o m o u m a garantia d o bem-estar, c o m o u m sinal
reconfortante da abundância no universo e c o m o m e n s a g e i -
ros inconfundíveis de esperança e encorajamento. S u a gra-
ça efêmera as torna perfeitos emissários da liberdade espi-
ritual e emocional.

15
N o s últimos três anos, tenho coletado histórias verídicas
de pessoas cujas vidas se transformaram p o r causa das p e -
nas: p e n a s c o m o m e n s a g e i r o s sagrados, c o m o c o n d u t o r e s
p a r a o esclarecimento, c o m o precursores da v e r d a d e inte-
rior ou c o m o gentis l e m b r a n ç a s do s i n c r o n i s m o e da abun-
dância do universo. Essas histórias são relatos p o d e r o s o s de
c o m o as penas e n s i n a m , g u i a m e i n s p i r a m a todos nós. Elas
oferecem e x e m p l o s reais de c o m o o universo fala para n ó s
por m e i o de um objeto " c o m u m " m a s místico — u m a pena.
De que m a n e i r a u m a p e n a — um objeto i n a n i m a d o —
fala a n ó s ? C o m o p o d e m o s receber m e n s a g e n s de u m a par-
te da asa de um pássaro? O que há nas p e n a s — opostas à
borra de café ou às flores silvestres — que as qualifica c o m o
precursores da v e r d a d e universal?
V i v e m o s n u m c o s m o s holográfico, o n d e u m a p a r t e d o
t o d o reflete e s s e t o d o . Q u a n d o u m a p e n a a b a n d o n a u m
pássaro e cai na terra, ela traz consigo toda a energia que a
vinculava ao ser vivo. De u m a perspectiva c ó s m i c a , a p e n a
t a m b é m carrega, tal qual trazemos c o n o s c o , a energia uni-
versal q u e n o m e a m o s de várias formas: " D e u s " , ao "Espíri-
to", "força de v i d a divina". Por que, então, n ã o aceitar que
a p e n a cai em nossas vidas para nos trazer, diretamente, u m a
m e n s a g e m dessa força de vida?
Q u a n d o , entre centenas d e p e s s o a s , vejo u m a p e n a n u m
lugar i n e s p e r a d o , sei que ela foi e n d e r e ç a d a a m i m . N e m
t o d a s as p e n a s são " e s p e c i a i s " , t a m p o u c o o são t o d a s as
pedras ou todos os cristais. M a s o potencial p a r a a c o n e x ã o
está lá. Preciso apenas escutar a partir daquele espaço aber-
to dentro de m i m , o qual anseia p o r v o a r c a d a v e z m a i s alto.
Só tenho de aceitar que, c o m o disse um contador de histó-
rias, "há p o d e r e s simples, estranhos e r e a i s " que me afetam.
As p e n a s t a m b é m são significados simbólicos universais,
r e c o n h e c i d a s p o r tribos e tradições do m u n d o . Elas n o s fa-

16
I a m de v ô o , de liberdade, de ultrapassar limites, de c o l o -
car-se " a c i m a de t u d o " , da n e c e s s i d a d e de se soltar e rela-
xar. E m m u i t a s c u l t u r a s , a s p e n a s c a r r e g a m o r a ç õ e s aos
deuses e conferem poderes extraordinários em batalhas.
M a i s que tudo, as penas n o s c h e g a m c o m o dádivas. Elas
v ê m do céu, do m a r , das árvores, da relva, e até m e s m o —
c o m o ilustram essas histórias — de lugares n u n c a habita-
d o s por aves. E l a s n o s c h e g a m inesperadamente, m a s c o m
u m propósito. S u a s m e n s a g e n s p o d e m ser espantosas, re-
confortantes ou repentinas, m a s são s e m p r e u m a oportuni-
d a d e para v e r — p a r a encontrar respostas a questões q u e
n e m sequer s a b í a m o s que p e r g u n t á v a m o s .
O que é, então, u m a pena? É u m a parte do corpo de um
pássaro e é u m a parte de nós. Ela existe em si m e s m a para
servir seu objetivo primário no c o s m o s , e existe em aliança
c o m cada u m dos aspectos d o c o s m o s . Tal qual q u a n d o le-
v a m o s m e n s a g e n s inspiradoras aos outros, e n q u a n t o sim-
p l e s m e n t e p r e e n c h e m o s n o s s a s v i d a s , as penas t r a z e m es-
sas m e n s a g e n s a n ó s . Elas n o s l e m b r a m de q u e c a m i n h a -
m o s n u m m u n d o transbordante d e significados.
Este livro c o n t é m m i n h a s histórias a respeito das p e n a s e
das experiências d e outros. E m c a d a u m a , h á u m b r o t o d e
s a b e d o r i a o u v e r d a d e , obtido p o r m e i o d o e n c o n t r o c o m
u m a pena. Essas histórias são ofertadas c o m o presentes para
sua própria j o r n a d a e c o m o e v i d ê n c i a de que o universo fala
c o n o s c o de várias maneiras.
V o c ê t a m b é m encontrará sugestões de c o m o explorar as
conexões em sua v i d a p o r m e i o das atraentes penas, que po-
d e m ser usadas n u m a variedade d e cerimônias, m e d i t a ç õ e s
e rituais.

As penas nos ensinarão muitas coisas, se estivermos


p r o n t o s p a r a aprender. L i n d a H o g a n , cuja m i r a c u l o s a his-

17
tória está i n c l u í d a n e s t e livro, l e m b r a - n o s d e q u e h á " a l g o
v i v o n u m a p e n a . E l a c o n h e c e o interior d a s n u v e n s . C a r -
rega n o s s a s n e c e s s i d a d e s , n o s s o s desejos e as histórias de
nosso sofrimento".
As histórias das p e n a s que v o c ê ler aqui confirmarão que
elas c u r a m nossas feridas, levam-nos a u m a n o v a liberda-
de, ajudam-nos a n o s entregar ao jubiloso universo e c r i a m
u m a p o d e r o s a c o n e x ã o c o m tudo que está além d o intelec-
to racional. As p e n a s n o s c a r r e g a m aos lugares m a i s ínti-
m o s da alma, o n d e e n c o n t r a m o s nossas próprias asas para
alçar v ô o s a i n d a m a i s o u s a d o s .

18
Parte U m

O Mistério das Penas: Mensagens


Místicas do Espírito
Você Pode Fazer Isso!
Maril Crabtree

Meus p é s estão p e g a n d o fogo. O asfalto da rodovia se es-


tende, s e m fim, a m i n h a frente. Está quente — não, m a i s do
que quente: é o c a l o r e s c a l d a n t e de um dia de a g o s t o no
Missouri. O ú n i c o v e n t o , quente e sufocante, parece ter saí-
do de u m a fornalha.
E s t o u a n d a n d o há m u i t o t e m p o , d e s d e c e d o , e são três
horas da tarde, o m o m e n t o m a i s quente do dia. E n x u g o o
s u o r de m e u r o s t o e sinto o filtro s o l a r e s c o r r e r em m e u
queixo. M e u s cabelos estão molhados e grudados sob o
c h a p é u de b r i m . M e u s quadris estão doloridos e cada osso
e m ú s c u l o de m e u corpo implora p o r descanso.
C o n h e ç o e s s a dor. Já fiz isso antes. T o d o s os anos, entre
6 e 9 de a g o s t o , eu e a l g u m a s p e s s o a s r e a l i z a m o s um tra-
j e t o d e 9 5 q u i l ô m e t r o s p e l a r o d o v i a , o n d e c a d a p a s s o re-
presenta u m j a p o n ê s m o r t o e m H i r o x i m a e N a g a s á q u i . Este
ano, s o m o s vinte a c a m i n h a r , um p e q u e n o g r u p o de pere-
grinos da p a z , l e m b r a n d o o a n i v e r s á r i o d a q u e l a tragédia
terrível, um m u n d o de dor e sofrimento m u i t o m a i o r q u e
m e u m u n d o c o r p ó r e o , u m m u n d o e m guerra. T e r m i n a m o s
a q u e l a g u e r r a só p a r a iniciar outra: a g u e r r a pela " d e f e s a "
nuclear, pela " s e g u r a n ç a " contra as armas nucleares. A
c a d a ano, eu a t r a v e s s o a m e s m a r e g i ã o do M i s s o u r i , ainda
m a r c a d a p o r silos d e m í s s e i s , p a r a m e l e m b r a r d e q u e te-
n h o u m a e s c o l h a , u m a escolha r e l a c i o n a d a a m i n h a v i d a e
ao q u e p o s s o fazer p e l a p a z .

21
M a s agora estou prestes a desistir. A colina m a i s longa
de toda a j o r n a d a está l o g o à frente e há ainda um quilôme-
tro e m e i o a percorrer antes de chegar ao topo, o n d e toma-
rei a á g u a a b e n ç o a d a e terei dez m i n u t o s para descansar.
C a m i n h o atrás de todos; n ã o ouso parar antes de atingir o
t o p o da subida. M a s n ã o vejo c o m o o farei. M e u s olhos ar-
d e m por causa do suor e do cansaço.
Então, vejo a pena: grande, intata e perfeitamente bran-
ca, a c e n a n d o para m i m n a g r a m a d o a c o s t a m e n t o . P o r q u e
o vento, causado pela p a s s a g e m dos gigantescos c a m i n h õ e s
na rodovia, n ã o a l e v o u e m b o r a ? N u n c a saberei, m a s a p e n a
persiste, a c e n a n d o p a r a m i m e dizendo, c o m o se gritasse em
m e u s ouvidos: " V o c ê p o d e fazer isso!"
E d o u risada, s a b e n d o q u e posso. Sinto a energia da p e n a
p e n e t r a n d o e m m e u c o r p o , c o m o s e ela m e d e s s e asas d e
pura luz. Q u a s e corro o último quilômetro até a colina, rin-
do de encantamento. Sou um pássaro voando e batendo
m i n h a s asas c o m alegria, n ã o exausta, m a s sim extasiada.
A q u e l a colina n u n c a m a i s será um desafio intransponível.
O u t r o p e n s a m e n t o flui em m i n h a consciência. Se p o s s o
v o a r até a q u e l a colina, p o s s o fazer q u a l q u e r coisa! T e n h o
apenas de recorrer à ilimitada energia do universo que s e m -
pre n o s rodeia e me sentir instantaneamente renovada. D u -
rante todo o dia seguinte, a l e m b r a n ç a d a q u e l a pena bran-
ca surge em m i n h a m e n t e e alimenta m e u s m ú s c u l o s fati-
g a d o s devido aos quilômetros finais de n o s s a c a m i n h a d a .
Q u a n d o voltei para casa, tentei identificar o tipo de pás-
saro que deixara aquela pena no meio dos campos do
Missouri. N i n g u é m p ô d e m e dizer. Estaria e u tendo aluci-
n a ç õ e s ? N ã o importava. Eu sabia que a energia que recebi
não era alucinação, e sabia que poderia subir qualquer coli-
na no sentido literal ou figurado... c o m a p e q u e n a ajuda de
m e u s a m i g o s alados.

22
As Penas
Linda Hogan

Durante anos, eu rezei por u m a p e n a de águia. Queria u m a


p e n a d e u m p á s s a r o vivo. U m a águia m o r t a n ã o m e ofere-
ceria n a d a d o q u e e u esperava. U m p á s s a r o m o r t o e m n o m e
do p o d e r h u m a n o é, na v e r d a d e , u m a p e r d a para o m u n d o ,
e n ã o um g a n h o .
M i n h a p r i m e i r a p e n a de á g u i a , lustrosa e i n o c e n t e , foi
dada a m i m por um curandeiro tradicional, o qual fui ver
q u a n d o e s t a v a d o e n t e . Ele me c o n t o u u m a história a res-
peito das penas. Q u a n d o criança, s e u lar fora i n c e n d i a d o .
T u d o que s o b r e v i v e u ao fogo foram as penas de águia. Elas
p e r m a n e c e r a m entre as ruínas de sua casa, p a i r a n d o sobre
as cinzas e a água. A p e n a que ele me d e u era u m a das so-
breviventes. Eu ainda a m a n t e n h o guardada n u m a caixa de
cedro e m m i n h a casa.
M o r o n u m a r e g i ã o m o n t a n h o s a . N ã o é raro v e r águias
d o u r a d a s no desfiladeiro, a c i m a de nós. Certa m a n h ã , após
anos r e z a n d o p o r u m a p e n a , sonhei q u e estava dentro d e
u m t e m p l o . E r a u m local s a g r a d o . H a v i a outras p e s s o a s ,
apreciando as p a r e d e s o r n a m e n t a d a s , os ícones de ouro, os
santos v e n e r a d o s , m a s m i n h a a t e n ç ã o voltou-se p a r a o teto.
Era rosa e esférico, cravejado de folhas e galhos d e s e n h a -
dos e m ouro.
— O l h e m p a r a c i m a — eu disse aos outros. — O l h e m .
A i n d a s o n h a n d o , pronunciei essas palavras e m v o z alta,
e o s o m de m i n h a v o z me a c o r d o u . Desperta, o b e d e c i m e u

23
c o m a n d o e olhei p a r a cima, o n d e vi a j a n e l a aberta de m e u
quarto. No m e s m o instante, uma imensa águia dourada
v o o u em direção à janela; estava tão p r ó x i m a que p u d e v e r
seus olhos n e g r o s me fitarem, m o m e n t o s antes de ela p e g a r
u m a corrente de ar e alçar v ô o até o telhado da casa. L e v a n -
tei-me e corri para fora, descalça, a fim de verificar a o n d e o
pássaro estava indo.
Se eu lhe dissesse que a águia tinha desaparecido e que
h a v i a s o m e n t e u m a p e n a n a rua q u a n d o saí, v o c ê p r o v a -
v e l m e n t e n ã o acreditaria. T a m b é m sei q u a n t o t e m p o l e v a
p a r a u m a p e n a cair n o c h ã o , s e carregada pela corrente d e
ar. S e m p r e e s p e r e i u m a p e n a d e á g u i a . C o b r i d i s t â n c i a s ,
o l h a n d o p a r a cima, m a s n u n c a n e n h u m a p e n a caiu. Ela sim-
p l e s m e n t e planava até s u m i r de vista. M a s no dia de m e u
s o n h o , u m a p e n a e s t a v a lá. No chão, a á g u i a deixara s e u
presente b r a n c o e c o m as pontas negras.
Sei q u e há u m a e x p l i c a ç ã o física para isso, u m a lei natu-
ral acerca da leveza e do ar. Esse evento contradiz a lógica.
C o m o explicar a pena, o pássaro na j a n e l a , m i n h a v o z me
a c o r d a n d o , c o m o se outra p e s s o a m a i s sábia e atenta m o -
rasse e m m i m ? S ó c o n s i g o p e n s a r que e x i s t e outra força,
m a i s profunda que a física, trabalhando; algo que v e m de
um m u n d o o n d e luz e trovão, sol e n u v e n s v i v e m . N e m sei
dizer p o r q u e tantos de n ó s e s q u e c e m o s o mistério da natu-
reza e do espírito, e n q u a n t o por centenas de anos tais coi-
sas a c o n t e c e r a m e foram registradas p o r n o s s o s ancestrais.
Q u a n d o m i n h a neta, Vivian, veio a o m u n d o , e u m e en-
contrava na sala de parto para recebê-la e cortar o c o r d ã o
umbÜical, a ligação entre ela e a m ã e , sua origem. A s s i m
que o c o r d ã o secou e caiu, nós o g u a r d a m o s n u m p o t e até
que eu pudesse costurar um saco umbilical para acolher
aquela primeira ligação, a fim de m a n t e r m i n h a neta conos-
co, segura e b e m .

24
U m dia, alguns m e s e s depois, m e u s pais v i e r a m n o s visi-
tar. C o m o s e m p r e , a p r e s e n ç a de m e u pai n o s r e m e t i a a
nossa identidade e origem. Portanto, p u s e m o s o b e r ç o na
sala. M i n h a filha, T â n i a , v e s t i u sua r o u p a t r a d i c i o n a l d e
contas e pérolas. E, de repente, c o m u m a expressão de hor-
ror, ela e x c l a m o u :
— S u m i u ! — Tânia correu em direção ao pote que conti-
n h a o cordão do b e b ê .
Ela estava certa. O cordão, o b e m m a i s valioso de nossa
casa, h a v i a s u m i d o . Por causa do p e s o e do formato do pote,
e d e v i d o a sua p o s i ç ã o na estante, seria i m p o s s í v e l q u e o
vento o tivesse levado. T a m p o u c o um animal p o d e r i a tê-lo
pego.
D u r a n t e toda aquela noite, procurei sob as cadeiras, nos
c a n t o s e nas g a v e t a s , v a s c u l h e i a casa toda, e m b a i x o dos
m ó v e i s , nas prateleiras, até que, enfim, n ã o restou um só
lugar para verificar.
Várias v e z e s em m e i o à b u s c a , abri a caixa de cedro que
continha tabaco, m i l h o , artemísia e m i n h a primeira p e n a de
águia, aquela q u e sobrevivera ao incêndio. N o v a m e n t e , eu
v o l t a v a à c a i x a , e s t r a n h a n d o m e u c o m p o r t a m e n t o . Eu a
abria, p e r g u n t a n d o - m e p o r que me via tão c o m p e l i d a a exa-
minar seu conteúdo. É u m a caixa pequena sem n e n h u m
esconderijo p a r a um cordão umbilical e, no entanto, eu sem-
pre retornava a ela. A b r i a a caixa, olhava o c o n t e ú d o e a
fechava.
N o m e i o d e s s a procura, u m a m i g o d e o r i g e m indígena
telefonou a fim de n o s convidar para um a c a m p a m e n t o em
Montana.
— A i n d a b e m que v o c ê ligou — eu disse a ele. — Perdi o
cordão umbilical de m i n h a neta. — Contei-lhe q u ã o m a l me
sentia e que talvez o cordão quisesse estar em outro lugar,
c o m o n a reserva e m D a k o t a d o Sul, o n d e j a z i a m a s origens

25
d e m i n h a filha. O u p o d i a ser u m sinal d e que e u negligen-
ciara m i n h a vida espiritual, o que acontece c o m freqüência
q u a n d o trabalho, v i v o e ensino n u m m u n d o de c o n h e c i m e n -
tos diferentes.
Ele m e disse que u m a cerimônia poderia funcionar. D e s -
liguei o telefone e fui preparar o rito. L o g o depois, subi u m a
colina s o b o luar, em direção a um a g l o m e r a d o de árvores,
o n d e realizei a oferenda. A m i n h a volta h a v i a o canto dos
insetos, um falcão c o m seu c h a m a d o a g u d o e s e u farfalhar
de asas.
Q u a n d o voltei, dirigi-me mais u m a v e z à caixa de cedro.
D e s s a v e z , a pena, outro objeto de valor p a r a m i m , h a v i a
s u m i d o . N ã o entendi c o m o aconteceu. S i m , eu abria a caixa
i n ú m e r a s vezes, m a s a p e n a n u n c a saía do lugar.
C o l o q u e i - m e de quatro, olhei sob as cadeiras e avistei a
p e n a d e águia, que a p o n t a v a e m direção a o cordão umbili-
cal, q u e agora achava-se tão m i s t e r i o s a m e n t e no local que
eu h a v i a v a s c u l h a d o diversas vezes.
Foi a p e n a que me l e v o u ao cordão umbilical do b e b ê . A
p e n a , o e l e m e n t o do pássaro, tão p r e p a r a d a para v o a r c o m
o v e n t o , era um fragmento de todo um v ô o . Ela percorrera
distâncias, elevara-se e caíra sob o sol.

T a l v e z haja e v e n t o s e c o i s a s q u e f u n c i o n e m c o m o u m
portal para o m u n d o místico, o m u n d o do p o v o primitivo,
u m a volta à criação do universo e aos primeiros fragmen-
tos de terra, o primeiro sopro de ser h u m a n o no início de
um t e m p o . N o s s o s anciãos acreditam q u e é verdade, q u e é
p o s s í v e l v o a r até o princípio de tudo e, ao fazê-lo, encon-
trar u m a razão sagrada, diferente da r a z ã o c o m u m , que está
ligada às forças da natureza. N e s s e tipo de p e n s a m e n t o , tal
qual na p e n a , o p o d e r do céu, do trovão, do sol e de tantas
outras alianças forma u m p e n s a m e n t o a i n d a m a i s arcaico

26
que o t e m p o , e m e n o s primitivo que o presente. O u t r o s ten-
taram, durante séculos, entender o m u n d o p o r m e i o da ciên-
cia e do intelecto, m a s ainda n ã o c o m p r e e n d e m os animais,
a terra infinita ou m e s m o suas próprias m e n t e s e c o m p o r -
tamento. Q u a n t o m a i s v a s c u l h a m o m u n d o , m a i s perto che-
g a m do espiritual, das origens m á g i c a s da criação.
H á ainda u m lugar, u m e s p a ç o entre m u n d o s , citado pe-
los c o n h e c i m e n t o s tribais de centenas de anos. N e s s e lugar,
existem v ô o s silenciosos à m a r g e m das lutas h u m a n a s e de
nossos desenhos. À s vezes, q u a n d o estamos m u i t o quietos,
d a m o s um p a s s o em direção a esse mistério, o lugar do es-
pírito. E, é preciso lembrar, o mistério por sua própria na-
tureza n ã o gosta de ser c o n h e c i d o .
Há algo v i v o na pena. S e u p o d e r talvez esteja no s o n h o
do céu, nas correntes de ar e no silêncio de sua criação. Ela
c o n h e c e o interior das n u v e n s . C a r r e g a n o s s a s n e c e s s i d a -
des, nossos desejos e as histórias de n o s s o sofrimento. Ela
se eleva e cai no e s p a ç o e l e m e n t a r , u m a parte do m u n d o
elaborado o n d e o p e i x e n a d a contra a gravidade, o n d e as
enguias tornam-se tão prateadas quanto a lua.
C o m o a p e n a c h e g o u à estrada e m p o e i r a d a o n d e m o r o ?
C o m o ultrapassou as correntes de ar? C o m o a p e n a sobre-
viveu ao fogo? N u n c a saberei. T a m p o u c o saberei q u e v o z
falou através de m i m no sonho. Só sei que e x i s t e m poderes
simples, estranhos e reais.

27
Uma Questão de Estile
Dra. Rachel Naomi Remen

N ã o s o m e n t e p o d e m o s t e s t e m u n h a r o Mistério, c o m o tam-
b é m , de forma profunda, s o m o s o M i s t é r i o . N o s s a s vidas
p o d e m n ã o estar limitadas pela nossa história, e p o d e m o s
ir m a i s longe do que o u s a m o s sonhar. Se a V i d a em si n ã o
é totalmente definida pela ciência, talvez sejamos m a i s do
que a ciência acreditaria sermos.
Q u a n d o A h i r o veio m e ver, ele e s t a v a n a fase t e r m i n a l
d e u m c â n c e r d e próstata. Viera preparar-se p a r a m o r r e r .
Era japonês, um belo h o m e m que vivera c o m integridade
e certa e l e g â n c i a . S u a v i d a fora a família e o t r a b a l h o . D e s -
de o início, ele e s t a b e l e c e r a n o s s o s e n c o n t r o s e e n c a r r e g a -
ra-se deles. D i s s e - m e q u e queria c o n v i d a r para n o s s a s ses-
sões a q u e l e s que t i n h a m a b e n ç o a d o s u a v i d a , u m d e c a d a
v e z , c o m o intuito de agradecer-lhes p o r t u d o que lhe h a -
viam dado.
T a l p r o g r a m a ç ã o n ã o é i n c o m u m nesse m o m e n t o de vida,
m a s a l g u n s daqueles q u e ele planejou c o n v i d a r m e p e g a -
r a m de surpresa. Pensei que A h i r o convidaria a esposa, os
filhos e a l g u n s a m i g o s m a i s íntimos. C o n t u d o , d e n t r e as
pessoas que a m a v a , havia vários concorrentes profissionais.
Ao escutar as histórias dessas pessoas, eu as consideraria
i n i m i g a s de Ahiro. No entanto, ele sentia um profundo res-
peito p o r elas e acreditava que o h a v i a m e s t i m u l a d o a obter
um excelente nível profissional, o qual j a m a i s atingiria s e m
tais concorrentes. Q u e r i a agradecer-lhes.

28
E, então, começamos. Na metade da programação, quando
discutíamos o encontro que tivéramos c o m um de seus filhos,
Ahiro, de repente, parou no meio da frase e olhou para m i m .
— R a c h e l — ele disse —, s o u um h o m e m culto. D e v o
acreditar q u e a m o r t e é o fim. E v o c ê , c o m o u m a m u l h e r
culta, certamente acredita que a m o r t e seja o fim. N ã o é?
M a i s u m a v e z p e g a de surpresa, eu o olhei. Ele sorria para
m i m , m a s s e u olhar refletia s e r i e d a d e . Pela p r i m e i r a v e z ,
p e r g u n t e i - m e s e n o s s o s e n c o n t r o s t i n h a m u m significado
m a i s profundo do que i m a g i n á v a m o s .
— Eu c o s t u m a v a p e n s a r q u e a m o r t e era o fim — respon-
di devagar. — M a s agora s i m p l e s m e n t e n ã o sei. A m o r t e
me parece ser o último mistério que dá significado e valor
à vida. N ã o sei se a m o r t e é o fim.
Ele ficou surpreso.
— Ora, v o c ê n ã o acredita n u m céu p o v o a d o de anjinhos.
— Ahiro me e n c a r o u e franziu o cenho. — Ou acredita?
— N ã o sei — eu lhe disse. H o u v e u m a p a u s a . Um bri-
lho distinto cintilou n o s olhos de A h i r o , e tive a nítida sen-
sação de que tínhamos entrado n u m nível de percepção
u m d o outro q u e e u m a l p o d i a entender. E n t ã o , ele sorriu
e esqueceu o assunto.
Continuamos a nos encontrar semanalmente c o m os
m e m b r o s d e sua lista. M a s , e m cada u m a das sessões, ele
trazia à tona o a s s u n t o q u a n d o eu m e n o s esperava, c o m o
se, p e g a n d o - m e de surpresa, p u d e s s e descobrir em que eu
realmente acreditava acerca da morte. Contei-lhe histórias
e experiências. Ele me falou de suas extensas leituras. C o -
mecei a ansiar p o r tais discussões. E r a m estimulantes, fer-
vorosas, c o m freqüência e n g r a ç a d a s e às vezes profundas.
C a d a v e z que ouvia seus a r g u m e n t o s b e m elaborados a res-
peito da finitude, eu lhe dizia:
— A i n d a n ã o sei. — Creio que ele ficava frustrado. E in-
trigado.

29
D u r a n t e n o s s o p e n ú l t i m o e n c o n t r o , ele m a i s u m a v e z
levantou o tema. Ao escutar n o v a m e n t e m e u " e u n ã o sei",
A h i r o c o m e ç o u a rir.
— Rachel, sou um h o m e m instruído. Tenho de acreditar
q u e a m o r t e seja o fim. M a s , caso n ã o seja, voltarei na for-
ma de u m a grande garça b r a n c a e lhe darei um sinal de que
p e r d i e s s a discussão.
E, então, aquele h o m e m alto e elegante se levantou. C o m
as duas m ã o s nas costas e erguendo u m a das pernas, esti-
cou o p e s c o ç o e, por um m e r o instante, tornou-se um gran-
de p á s s a r o b r a n c o . A m b o s r i m o s a valer.
— A p a r e c e r na forma de u m a grande garça b r a n c a me
parece um tanto óbvio — eu lhe disse. — L e m b r a - s e daque-
les p r o g r a m a s de televisão, em que os a n i m a d o r e s faziam
u m estardalhaço q u a n d o a l g u é m dizia algo interessante?
— L e m b r o — ele respondeu, rindo. — N ã o é m e u estilo.
S o u mais minimalista.
— T a l v e z v o c ê encontre outro jeito — comentei.
A h i r o m e olhou por u m m o m e n t o considerável.
— Farei algo que v o c ê r e c o n h e ç a — ele disse, repentina-
m e n t e sério.
A p ó s alguns m e s e s , esse h o m e m incrível faleceu. P o u c o
t e m p o depois, e u m e encontrava n o prédio T r a n s a m é r i c a ,
u m a estrutura piramidal no centro financeiro de S ã o Fran-
cisco, esperando um elevador que me levaria a um c o m p r o -
m i s s o . A altura do p r é d i o tornava os elevadores lentos. Tais
m o m e n t o s dão às pessoas a oportunidade de estar consigo
mesmas. Naquele breve instante, pensei em Ahiro e no
quanto sentia falta de nossas conversas. L e m b r e i - m e de u m a
das extraordinárias facetas q u e descobri nele e que h o m e m
encantador ele fora.
Enfim, u m dos elevadores chegou. E s t a v a vazio. Então,
c o m a l e m b r a n ç a repleta de i m a g e n s desse relacionamento,
eu entrei. As portas se fecharam e o elevador m o v e u - s e de
forma tão abrupta q u e quase p e r d i o equilíbrio. O l h e i p a r a
o c h ã o a fim de recuperar o apoio d o s pés e, no piso do ele-
vador, havia u m a única e perfeita p e n a branca.
E m m i n h a m e n t e , e u continuava m i n h a s discussões c o m
A h i r o . C o m o s e m p r e , ele apresentou a solução de m a n e i r a
i n e s p e r a d a , e c e r t a m e n t e a p r o f u n d o u o n í v e l do d i á l o g o .
A i n d a n ã o sei se há vida após a m o r t e , m a s talvez n ã o seja
essa a questão.
O importante é q u e o Mistério acontece e n o s oferece a
o p o r t u n i d a d e de p e n s a r juntos e reivindicar u m a s e n s a ç ã o
de arrebatamento e vida. As penas que caem em nossas
v i d a s n ã o oferecem p r o v a s ou certezas. Elas apenas n o s l e m -
b r a m q u e d e v e m o s ficar atentos e escutar, p o r q u e o m i s t é -
rio do c o r a ç ã o da vida p o d e lhe falar a qualquer h o r a .

31
Ser u m a Pena
Mark Nepo

Ele se sentou quieto,


enquanto seu pai caía no silêncio.
Às vezes, seu pai
olhava a distância e
o formato dos olhos
modificava-se, e ele sabia
que o pai trazia consigo coisas que acontecem
onde ninguém pode falar.

Foi então que a pena


apareceu. Ele tentou adivinhar
se era de um falcão ou de um corvo ou
talvez de uma garça, mas seu pai
disse: "Não importa de que voador
ela veio. O que importa
é que ela nos leva
e nos traz à vida superior e à vida inferior".

Seu pai segurou a pena


como se fosse dele.
"Ela nos leva ao céu
e ao solo até que
ambos estejamos em casa".

Seu pai colocou a pena


nas mãos dele.
"Qualquer coisa que nos liga ao superior e
ao inferior é tal qual uma pena.
A quietude é uma pena.
A dor é uma pena.
A amizade é uma pena.
As coisas que acontecem
onde ninguém pode falar
são tal qual uma pena. Você
é uma pena".

32
A Pena como "Alimento
para o Pensamento
Carole Louie

Tenho colecionado p e n a s desde q u e m i n h a filha era crian-


ça. Q u a n d o í a m o s juntas à praia, ela trazia u m a " p e n a de
p r e s e n t e p a r a a m a m ã e " . Eu sabia i n t u i t i v a m e n t e q u e as
penas e r a m importantes, m a s s o m e n t e depois de c o m e ç a r a
estudar metafísica, percebi que as p e n a s que d e s p e r t a m a
nossa atenção p o d e m ser " p r e c u r s o r e s " do m u n d o espiri-
tual. A g o r a , c a d a v e z que u m a p e n a aparece, eu a s e g u r o
em rninha m ã o e escuto a m e n s a g e m que ela me traz.
Um dia, e n q u a n t o tirava pratos congelados do freezer, vi
u m a pena v e r d e e brilhante presa ao pacote. Era um v e r d e
vivo, b e m natural. N u n c a havia visto n a d a parecido e fiquei
chocada.
Segurei a p e n a e a escutei. Ela dizia que n ã o falaria c o m i -
go diretamente e que eu devia pedir ajuda.
Pedir ajuda n ã o é algo que sei fazer, m a s m i n h a curiosi-
d a d e em relação à m e n s a g e m que aquela misteriosa p e n a
v e r d e teria para m i m sobrepujou m i n h a relutância.
N a q u e l a noite, levei a pena a m e u grupo de m e d i t a ç ã o e
contei-lhes a história. Passei a p e n a aos outros, pedindo-lhes
q u e a s e g u r a s s e m e t e n t a s s e m escutar a l g u m a m e n s a g e m
endereçada a m i m .
À m e d i d a q u e a pena passava de m ã o em m ã o , todos me
d e r a m u m fragmento d a m e n s a g e m . U m a m u l h e r disse q u e

33
a p e n a era um aporte — u m a manifestação física do m u n d o
espiritual, transportada p o r forças angelicais. T e n d i a con-
cordar c o m ela, já que n ã o tinha outra explicação para o fato
de tê-la encontrado dentro do freezer.
D e p o i s de receber todas as m e n s a g e n s , concluí que a p e n a
viera me dizer que o a m o r estava a c a m i n h o e que u m a parte
de m i m estivera m u i t o t e m p o " c o n g e l a d a " , e que agora era
h o r a d e "derretê-la". A o curar a q u e l a parte c o n g e l a d a d e
m i m , m a i s a m o r entraria e m m i n h a vida.
C o m p r e e n d i a m e n s a g e m e concentrei-me em m i n h a cura.
P o u c o t e m p o depois, c o n h e c i u m h o m e m que m e propor-
c i o n o u mais a m o r do q u e eu j a m a i s recebi! A pena c h a m o u
m i n h a atenção a fim de q u e eu me preparasse para apren-
der, e o a m o r foi o professor.

34
Meditação
LOCAIS ONDE ENCONTRAR PENAS

Vá a um lugar sossegado, dentro ou fora de casa. Se quiser, ouça


uma música suave. Após alguns momentos de total quietude, pe-
gue lápis e papel. Faça uma lista de locais onde você pode encon-
trar uma pena. Compare sua lista com a seguinte, a qual mostra
onde as penas dessas histórias verídicas foram encontradas:

• Na rodovia
• Atrás de latas de lixo
• Em quintais (e jardins também!)
• Em acampamentos (até em seu saco de dormir!)
• Em apanhadores de sonhos
• Em sonhos
• Em elevadores
• Nas flores
• Nas caixas do correio
• Em prédios de escritórios
• No campo
• Em parques ou playgrounds
• Em sua geladeira ou freezer
• Nos legumes
• Na mata
• No zoológico
• Nas praias
• Nas estradas
• No capo de seu carro (olhe também dentro do carro)
• Numa trilha da montanha
• Nas ruas
• Sob os faróis
• Sob árvores e arbustos

Locais onde as penas podem encontrá-lo:


QUALQUER LUGAR!

35
Dançaremos Novament
Janet Curmingham

A experiência de obter u m a pena surge do nada, c o m o um


símbolo de encorajamento para a l é m do p e n s a m e n t o racio-
nal. P o r é m , essa experiência aconteceu em m i n h a presença
e foi t e s t e m u n h a d a por várias pessoas.
Eu trabalhava como hipnoterapeuta com um grupo de
sete mulheres, as quais p o s s u í a m l e m b r a n ç a s similares de
e s t a r e m j u n t a s n u m a tribo i n d í g e n a a m e r i c a n a e m outra
encarnação. As l e m b r a n ç a s de suas vidas p a s s a d a s h a v i a m
emergido p o r m e i o de m e d i t a ç ã o , m e m ó r i a espontânea, te-
rapia de vidas passadas, trabalho corporal e arte. A l g u m a s
das m u l h e r e s t i n h a m l e m b r a n ç a s de um m a s s a c r e total da
tribo a que pertenciam. D e s c o b r i r a m que o chefe da tribo,
Á g u i a de Prata, aprisionara-se na escuridão: ele fora tortu-
rado e forçado a t e s t e m u n h a r o enforcamento e esquarteja-
m e n t o de sua c o m p a n h e i r a e de sua filha.
N u m a noite de inverno, as mulheres se encontraram em
m e u consultório para u m a regressão em grupo, durante a qual
tentariam desenterrar mais do que suas vidas naquela
encarnação e discernir o objetivo de estarem juntas nesta vida.
Elas posicionaram as cadeiras em círculo, e eu suavemente
levei-as de volta à outra vida, c o m o índias americanas.
Um p o u c o antes de a sessão terminar, u m a delas sentiu a
energia do chefe e canalizou sua m e n s a g e m ao grupo:

Vocês realizaram uma importante missão. Ao reviver o


sofrimento, limparam a alma de lembranças aprisionadas que
{

tinham de ser libertadas, tal qual eu precisei fazer. Algumas


lembranças — o amor, a convivência, os momentos felizes
— podem agora ser revividas. Alimentem-nas. Descartem a
amargura, a dor, e sigam em frente. Tenho muito orgulho
de meu povo. Dançaremos novamente. Renovaremos a Mãe
Terra.

O silêncio invadiu a sala. Todas nós tínhamos sentido u m a


energia extraordinária e n q u a n t o a m u l h e r falava. Por fim,
após continuar a discussão, o grupo c o m e ç o u a se preparar
para ir embora. De repente, u m a m u l h e r exclamou:
— O l h e m ! U m a p e n a . — Ela a p o n t o u o centro de n o s s o
círculo. Sobre o carpete da sala havia u m a p e q u e n a p e n a
cinza.
— Q u e m a trouxe? — eu perguntei.
T o d a s se e n t r e o l h a r a m e ficaram em silêncio. N i n g u é m
havia trazido aquela pena. A regressão ocorrera n u m a sala
fechada e s e m janelas.
— A l g u é m d e v e tê-la trazido — insisti.
As mulheres c o n t i n u a r a m e se perguntar a q u e m perten-
cia a pena. M a s n e n h u m a delas a trouxera. P o r fim, elas ca-
m i n h a r a m devagar em direção à porta, p o n d e r a n d o acerca
da inesperada aparição. Então, c o m o se em resposta a n o s -
sas dúvidas, u m a outra p e n a apareceu no centro da sala!
N ã o p r e c i s á v a m o s d e m a i s garantias. D e alguma m a n e i -
ra, s a b í a m o s , o chefe Á g u i a de Prata atravessara o t e m p o , o
e s p a ç o e o d e s c o n h e c i d o para n o s dar a q u e l e sinal. E tal
e x p e r i ê n c i a c o n t i n u a a ser um sinal p a r a m i m da estreita
ligação entre nossa " r e a l i d a d e " e outros m u n d o s ocultos.

37
Canção Indígena A m e r i c a n
Autor Desconhecido

Gritando pela noite


com suas grandes asas
rodopiando na escuridão;
escuto a Águia
puxando o manto negro
do céu do leste.

38
O Presente da Águia
Josie Asa de Corvo

E n q u a n t o m o r a v a n o Arizona, e u p a s s a v a incontáveis h o -
ras v a g a n d o pelas dunas coloridas do Deserto Pintado e pe-
las p l a n í c i e s de Dinetah (terra n a v a j o ) . F o i d u r a n t e u m a
dessas c a m i n h a d a s q u e encontrei u m a linda asa de corvo,
tal qual u m a afirmação ao n o m e q u e eu adotara.
Inspirada pela riqueza de m a r a v i l h a s e poderosas paisa-
g e n s do A r i z o n a , c o m e c e i a c o n v i d a r pessoas de todas as
partes d o m u n d o p a r a conhecer retiros d e u m a s e m a n a das
Visões do Deserto. Levei-as a alguns desses locais p o d e r o -
sos, conduzi cerimônias e deixei os participantes se b a n h a r
na energia sutil do deserto. Lá, experienciaram curas, visões,
m o m e n t o s milagrosos de revelação e presságios, e um pro-
fundo a g r a d e c i m e n t o ao poder da M ã e Terra.
Ao final de um recente retiro das V i s õ e s do Deserto, n u m a
noite cristalina, n ó s n o s sentamos ao redor da fogueira c o m
u m a m u l h e r Dineh (navajo), que me auxiliou durante mui-
tos anos, e e s c u t a m o s sua história. E l a é neta de u m a res-
peitável feiticeira que a criou e q u e está lentamente prepa-
rando-se p a r a deixar este m u n d o , u m fato que entristece
m i n h a amiga. Ela c o n t o u u m a série d e eventos ocorridos e m
sua vida — um p e r í o d o tumultuado e, às vezes, assustador
que c o m p ô s a j o r n a d a x a m â n i c a de seu espírito.
Q u a n d o terminou a fascinante história, ela se virou para
m i m , c o m seus o l h o s negros e brilhantes, e declarou que,
devido a tudo que passara durante seu período de iniciação,

39
ela agora se havia tornado u m a "duas águias". M a i s que isso,
a primeira "duas águias". Ela, então, adentrou a noite, en-
quanto permaneci perto da fogueira, tentando assimilar aque-
la declaração e discernir o que significava. S e m respostas, fitei
o céu estrelado, ponderei acerca dos mistérios do Espírito e
de minhas iniciações xamânicas igualmente intensas, e, en-
fim, eu me recolhi ao conforto de m e u saco de dormir.
D e p o i s que o retiro terminou, c o m e c e i a v i a g e m de volta
a m i n h a casa, p a r a n d o aqui e ali para usufruir de alguns
dos magníficos parques, o s quais n ã o h a v i a visitado. U m
deles era o M o n u m e n t o Nacional dos Arcos, em Utah, um
g r a n d e playground o n d e antigos gigantes t i n h a m f o r m a d o
n u m e r o s o s arcos de pedra maciça durante suas brincadeiras.
Era um dia quente e ensolarado. O calor intenso origina-
va gotas de suor por m e u corpo, à m e d i d a que eu subia a
trilha q u e levava a o A r c o D e l i c a d o . F i n a l m e n t e , a p ó s m e
perguntar quantas h o r a s m a i s o trajeto duraria, eu contor-
nei a trilha e lá estava ele!
O A r c o D e l i c a d o se erguia na e x t r e m i d a d e de um gigan-
tesco anfiteatro de pedra. P a r a além do arco, havia um pre-
cipício de c e n t e n a s de m e t r o s e m o n t a n h a s , cujos c u m e s
e s t a v a m cobertos de neve, sussurrando seus segredos atra-
vés da distância. V e n c i m e u m e d o de alturas e contornei,
c u i d a d o s a m e n t e , a extremidade do arco. Passei pela multi-
dão de turistas c o m suas c â m e r a s e c h e g u e i ao centro do
A r c o Delicado.
Fiquei ali p o r certo tempo, a b s o r v e n d o o p o d e r evidente
do lugar. Então, sentei-me para c o n t e m p l a r a fantástica b e -
leza da vista. M e u coração e espírito se regozijaram. Eu que-
ria apenas me levantar e cantar m e u encantamento por aque-
la m a r a v i l h o s a criação. Hesitei; havia tantas pessoas ao re-
dor que n ã o conseguia obter coragem.
M a s o Espírito tinha outros planos. M o m e n t o s depois, um
corvo surgiu do n a d a e v o o u tão perto que consegui escu-

40
tar o roçar das p e n a s ao vento. Ele me c h a m o u de tal forma
que me vi i m p e l i d a a entoar as c a n ç õ e s sagradas das tradi-
ç õ e s n a t i v a s d a q u e l a terra. C o m o e u p o d e r i a n e g a r m e u
nome?
L e v a n t e i - m e e c a m i n h e i até o centro do arco. E n c h i m e u s
p u l m õ e s e c o m e c e i a cantar do c o r a ç ã o , da barriga, das en-
tranhas, do espírito. M i n h a v o z e c o o u pelos desfiladeiros e
m i n h a alegria p o r estar viva e presente n a q u e l e lugar m a g -
nífico e x p l o d i u e m s o n o r i d a d e . T o d a s a s e x p e r i ê n c i a s d o
ú l t i m o retiro e s t a v a m lá t a m b é m : os rostos b r i l h a n t e s do
grupo após a s u a d a cerimônia, os olhos repletos de misté-
rio, o uivo dos coiotes nas profundezas da noite. T u d o isso
e m u i t o m a i s fluíam de dentro de m i m e extravasava c o m o
u m a c o m e m o r a ç ã o d o Espírito.
Depois de cantar quatro vezes a canção — quatro é um
n ú m e r o de equilíbrio e h a r m o n i a —, saí do centro do arco,
n o t a n d o que m u i t o s turistas t i n h a m estado quietos e i m ó -
veis durante a c a n ç ã o . Peguei m i n h a garrafa de água, des-
pejei um p o u c o do líquido na lateral do arco c o m o oferen-
da e entoei u m a oração silenciosa a fim de que s e m p r e hou-
vesse água p a r a o p o v o , as criaturas e as plantas.
Cerca de trinta s e g u n d o s após despejar a água, p e q u e n a s
gotas de c h u v a c o m e ç a r a m a cair do c é u azul e límpido! A
c h u v a leve e refrescante c o n t i n u o u a me molhar, e n q u a n t o
eu descia a m o n t a n h a . Q u a n d o c h e g u e i a m e u c a r r o , ela
parou, e m a i s u m a v e z agradeci a b ê n ç ã o e a forma c o m o
esta tornou m i n h a c a m i n h a d a tão prazerosa.
Q u a n d o voltei à rodovia para prosseguir minha viagem,
as primeiras cores do entardecer p i n t a v a m as rochas de am-
bos os lados da estrada. Sentia-me aquecida por aquelas co-
res e pelo amor por aquela terra, à medida que dirigia.
De repente, m i n h a atenção voltou-se para a lateral da ro-
dovia, o n d e avistei, de relance, algo se debatendo. Parte de

41
m i m s o u b e i m e d i a t a m e n t e o que era, e a outra parte n ã o
p o d i a acreditar. Parei no a c o s t a m e n t o e voltei até o local.
Q u a n d o cheguei, abri a porta do carro e, c o m o coração em
disparada, aproximei-me.
Ela estava lá, c o m suas p e n a s m o v e n d o - s e à brisa da tar-
de. E r a u m a águia j o v e m , q u e p a r e c i a ter finalizado s e u
último v ô o . No m e s m o instante, eu s o u b e o que acontecera
— vi a i m a g e m claramente em m i n h a m e n t e . Ela devia es-
tar c a ç a n d o e, q u a n d o a t r a v e s s o u a r o d o v i a atrás de s u a
presa, t r o m b o u n u m c a m i n h ã o que p a s s a v a e caiu na terra.
E r a u m a n i m a l j o v e m e , l o g o , n ã o s o u b e r a desviar-se d o
tráfego. Trazida do céu c o m o a chuva repentina, a águia jazia
a m e u s pés.
Ofereci tabaco e u m a breve cerimônia para a jornada do
espírito da águia. Então, s a b e n d o q u e n ã o poderia deixar
aquele corpo à m e r c ê dos veículos e dos abutres, eu o tomei
n o s braços. P o r um m o m e n t o , a águia era c o m o u m a crian-
ça que o céu me enviara para cuidar.
T ã o logo a a c o m o d e i no b a n c o traseiro do carro, c o m e c e i
a dirigir e a rezar p e d i n d o ajuda para saber o que deveria
fazer c o m a águia. O espírito dela era u m a presença tangí-
vel atrás de m i m . Cantei para ele e h o m e n a g e e i seu caráter
c a ç a d o r e sua força, c h o r a n d o e s e n t i n d o - m e capturada p e l o
seu poder.
T o r n o u - s e claro o que deveria ser feito. Vi seus olhos n e -
gros e brilhantes e escutei sua voz me d i z e n d o que ela era
"duas águias". Retornei à terra navajo e a entreguei à pri-
m e i r a "duas á g u i a s " c o m o um presente à neta da feiticeira,
a sua avó, por t u d o q u e ela transmitiu, e ao Dineh, o P o v o .

42
Uma Pena com um Coração
Reverendo Fern Moreland

Q u a n d o estudava mediunidade e sacerdócio, uma das pri-


meiras palavras que ouvi foi aporte. O que essa palavra sig-
nificava? Significava, simplesmente, mover um objeto de um
lugar a outro com o auxílio de meios visíveis ou invisíveis.
Alguns mágicos fazem isso com truques, mas minha expe-
riência com esse tipo de aporte veio do reino espiritual.
Eu saía do banco, localizado no agitado centro da cida-
de, quando algo me fez olhar para cima. Parei no meio do
caminho e vi um pequeno objeto branco caindo do céu em
minha direção. Olhei para além dos prédios, enquanto o
objeto descia, flutuando, até tombar a meus pés. Abaixei-
me e o peguei, surpreso ao notar que se tratava de uma pena
de andorinha-do-mar.
Outros a meu redor olhavam para cima, imaginando que
pássaro estaria voando, mas não havia nada no céu — so-
mente aquela única pena. Eu sabia que não era uma pena
de pombo por causa de seu formato. A "andorinha-do-mar"
era o que me vinha à mente. O rio Missouri estava ao norte
da cidade, mas eu nunca tinha visto uma andorinha-do-mar
ou escutado falar sobre a presença de uma delas na região.
De onde viera aquela pena?
Continuei a ponderar ao dirigir para casa e nos dias que
se seguiram, quando mostrava a pena a outras pessoas. Elas
também nunca tinham visto uma pena como aquela. Por fim,
coloquei a pena numa touca indígena que tenho em meu
carro.

43
M a i s tarde, c o m p a r e c i a um e n c o n t r o da S o c i e d a d e de
P e s q u i s a Psíquica. D e p o i s d o e v e n t o , u m h o m e m a p r o x i -
m o u - s e de m e u carro, a p o n t o u a p e n a e p e r g u n t o u - m e o n d e
eu a encontrara. Relatei m i n h a experiência. Ele me olhou,
cético. Q u a n d o l h e p e r g u n t e i q u e m ele era, disse-me s e u
n o m e e me falou que era um ornitólogo.
— Essa p e n a de andorinha-do-mar só p o d e ter v i n d o da
região de Salt L a k e — ele explicou.
— V e r d a d e ? — repliquei.
— V e r d a d e — ele repetiu.
N a q u e l e m o m e n t o , eu b a n q u e i o cético. M a s a p e n a era
real, b r a n c a e linda. Q u e m a enviara até m i m ? A resposta
surgiu p o u c o t e m p o depois, quando, pela primeira v e z , u m
espírito guia falou c o m i g o , n u m a v o z m a s c u l i n a e profun-
da, identificando-se c o m o u m a v o z profética. Eu o batizei
de o G r a n d e P e n a Branca.
A p r i m e i r a v e z em que escutei a v o z em m i n h a m e n t e ,
pensei: "Fern, v o c ê d e v e estar l o u c o " .
— N ã o , Fern, v o c ê n ã o está louco — a v o z me assegurou.
D e s d e esse dia, t e n h o e s c u t a d o a v o z do G r a n d e P e n a
B r a n c a e a r e c o n h e ç o c o m o um c o n d u t o r para D e u s , ou o
T o d o - P o d e r o s o , ou qualquer t e r m o q u e v o c ê prefira.
O G r a n d e P e n a B r a n c a t e m senso de h u m o r . Um e x e m -
plo de u m a de suas brincadeiras a c o n t e c e u q u a n d o eu de-
volvia u m livro n a biblioteca. N a q u e l a é p o c a , e u tinha u m a
p e r u a T o y o t a e u s a v a o b a n c o traseiro p a r a guardar m a p a s ,
u m guarda-chuva o u qualquer coisa d e q u e precisasse. Fui
à b i b l i o t e c a , d e p o s i t e i o livro no b a l c ã o e voltei à p e r u a .
Q u a n d o m e a p r o x i m e i d o veículo, notei q u e tudo que esta-
va sobre o b a n c o h a v i a sido j o g a d o no chão.
Q u e m teria feito a q u i l o ? Eu s e m p r e t r a n c a v a o c a r r o e
aquele dia n ã o foi u m a e x c e ç ã o . U m a p o r u m a , verifiquei
as portas, e todas e s t a v a m trancadas. Irritado e intrigado,

44
destranquei a porta e coloquei tudo no b a n c o traseiro. A s -
sim que terminei, algo atraiu m i n h a atenção para o console
entre os dois b a n c o s dianteiros. Lá, h a v i a u m a pena, a qual,
m a i s tarde, identifiquei c o m o s e n d o de codorna.
A s cores d a p e n a e r a m a s m i n h a s favoritas: v e r m e l h o ,
ferrugem, m a r r o m e preto. Sua p o n t a possuía o formato de
um coração. C o m e c e i a chorar. U m a das maiores m e n s a g e n s
do G r a n d e P e n a B r a n c a era o aporte de vários tipos de c o -
rações: b o t õ e s em forma de coração, penas, b ó t o n s , folhas
j o g a d a s n a calçada e m que e u c a m i n h a v a .
Quando nos encontramos em sintonia c o m o Espírito,
p r o g r e d i m o s rapidamente. N ã o duvido que falo c o m D e u s
e que D e u s fala c o m i g o p o r m e i o das penas e de m e u espí-
rito guia. N ã o seria D e u s o espírito residente em todas as
coisas vivas? T o d a vez que u m a p e n a aparece e m m e u ca-
m i n h o , é D e u s dizendo:
— Fern, acredite no coração. T u d o vai dar certo.

45
Peça e lhe Será Dado
Victoria Rose Impallomeni

Pássaros de uma pena irão se reunir.


— Robert Burton, The Anatomy of Melancholy

S o u d e o r i g e m indígena, d a região d e K e y West. N o s últi-


m o s vinte anos, escolhi ensinar ciência da flora m a r i n h a a
p e s s o a s que q u e r e m aprender mais sobre n o s s a ligação c o m
a natureza estando na natureza. S o u capitã de um pesquei-
ro e levo pessoas aos m a n g u e s — a selva de D e u s — para
ver pássaros, peixes e outras espécies selvagens em seu
a m b i e n t e natural. Essa área é o lar de dúzias de espécies de
garças, andorinhas, pelicanos, águias-pescadoras, falcões e
corvos-marinhos.
P e r c o r r e m o s u m l o n g o trajeto d e s d e m i n h a i n f â n c i a ,
q u a n d o era permitido atirar em pássaros e m e u pai costu-
m a v a praticar tiro ao alvo em corvos-marinhos. G r a ç a s às
leis que p r o t e g e m essas ilhas e recifes de corais de constan-
tes ruídos, poluição, v a z a m e n t o s de óleo e jet-skis, a área
p o d e ser um refúgio pacífico para todas as espécies raras.
Q u a n d o me abro p a r a me c o n e c t a r à n a t u r e z a , coisas in-
críveis a c o n t e c e m . S i n t o u m a l i g a ç ã o e s p e c i a l c o m o s p á s -
s a r o s , e m e u c o m p r o m i s s o é e n s i n a r às p e s s o a s c o m o a
h u m a n i d a d e o s afeta. L u t e i p o r leis q u e o s p r o t e g e s s e m .
M e u n o m e espiritual é M u l h e r G a r ç a B r a n c a . C o m freqüên-
cia, p e ç o — e r e c e b o — p e n a s de m e u s a m i g o s alados, m a s

46
n a q u e l e dia e m p a r t i c u l a r m e senti a b e n ç o a d a p e l o q u e
aconteceu.
D u a s freiras católicas h a v i a m m a r c a d o u m passeio c o m i -
go. E r a m a m a n t e s da n a t u r e z a e e s t a v a m a n i m a d a s p a r a
passar um dia na água, v e n d o de perto o que só h a v i a m visto
em livros. I m a g i n e i o que elas p e n s a r i a m de m i n h a s cren-
ças espirituais, as quais e r a m mais sintonizadas às divas da
terra e à natureza q u e a qualquer outra religião formal.
A s s i m que d e i x a m o s o porto, levei-as à primeira parada,
u m a p e q u e n a colônia q u e serve de poleiro a magníficas fra-
gatas q u e p a s s e i a m na área. O n o m e desses pássaros se deve
ao fato de que n a v e g a m c o m o as velhas fragatas. V o c ê p o d e
vê-los v o a n d o e m locais quentes, m a s n ã o o s v ê p o u s a r c o m
m u i t a freqüência. As fragatas estariam m o r t a s se estivessem
na água, p o r q u e p r e c i s a m do vento sob suas asas para de-
colar. Elas p l a n a m durante o v ô o ; portanto, t ê m de p e r m a -
necer no ar.
N ó s n o s a p r o x i m a m o s da ilha. E r a o auge da é p o c a de
a c a s a l a m e n t o . D i r e c i o n e i o b a r c o a c i m a da c o r r e n t e e do
v e n t o , e desliguei o m o t o r para que p u d é s s e m o s n a v e g a r
pela ilha em paz. Coloquei u m a música linda — valsas
vienenses, p o r q u e esses pássaros p a r e c e m valsar no ar.
As fêmeas, de peito b r a n c o e c a b e ç a preta, e s t i c a v a m o
p e s c o ç o e m direção a o vento. O s m a c h o s , totalmente pre-
tos, exceto pela p a p a d a v e r m e l h a que inflam para atrair as
fêmeas, b r i g a v a m para estar perto delas. Q u a n d o as fraga-
tas-machos alçaram v ô o , elas n o s presentearam c o m u m balé
intricado. O cortejo foi sensual e erótico, algo difícil de re-
parar a m e n o s que v o c ê p e r m a n e ç a quieto e observando.
E n c a n t a d a s , a s s i s t i m o s à cena até que p e r c e b i que n o s
a p r o x i m á v a m o s d e m a i s da ilha. Relutante, liguei o m o t o r
para afastar o barco. O barulho assustou várias fragatas e
elas v o a r a m b e m a c i m a d e nós.

47
Olhei para c i m a e disse:
— S e a l g u m a d e v o c ê s t e m u m a p e n a p a r a m e dar, e u
ficaria agradecida.
U m a fragata d e s c e u , p u x o u u m a e n o r m e p e n a p r e t a e
soltou-a. Boquiabertas, v i m o s a p e n a rodopiar no ar e cair
no barco. As freiras ficaram atônitas.
Em silêncio, agradeci à fragata. Era c o m o se u m a m a g i a
r e a l e s t i v e s s e a c o n t e c e n d o . P e r g u n t e i - m e c o m o a s freiras
interpretariam aquele evento. N ã o levei m u i t o t e m p o para
descobrir.
— Foi c o m o se o Criador entendesse sua m e n s a g e m por
m e i o do pássaro — disse u m a delas, e a outra assentiu, con-
cordando.
Tal explicação c h e g o u m u i t o perto da minha.

48
Ritual
MANIFESTAÇÃO DAS PENAS

Procure um local calmo, onde você possa se concentrar. Se tiver


uma pena, segure-a na mão. Se puder estar ao ar livre, suba numa
colina ou numa montanha. Leve a pena com você.

• Durante a meditação, peça ajuda e orientação para o que preci-


sar saber nesse momento de sua vida. De que qualidade você mais
precisa? O que poderia ajudá-lo em seu caminho espiritual?
• Leia a lista de penas coloridas e seus significados mais adiante
neste livro. Veja se o que lhe ocorreu durante a meditação com-
bina com algumas das qualidades listadas.
• Mais uma vez em meditação, crie a intenção de que uma pena
irá até você como forma de confirmação à dádiva que você
pediu. Visualize-se segurando uma pena daquela cor, todo o
seu ser banhado pelo brilho da cor que está segurando.
Quando a meditação terminar, agradeça as graças que receber,
incluindo uma bênção a todas as penas que forem a você em quais-
quer formas (desenhos de penas, pássaros voando e t c ) .

Nos dias que se seguirem, esteja atento à presença ou à ausên-


cia da qualidade que você pediu, e à cor que a simboliza. A cada
vez, renove sua intenção por uma pena.
Quando sua pena vier, não se esqueça de agradecer!

49
Um Presente Especial
Penny Wigglesworth

Já o u v i m o s dizer várias v e z e s q u e as pessoas a p a r e c e m em


n o s s a s vidas p o r a l g u m a razão. T a m b é m j á e s c u t a m o s que
não existem coincidências. As duas declarações tornaram-se
verdades para m i m depois de ter conhecido Seth Bailey.
C o m o voluntária n u m a clínica para doentes graves, c o -
nheci Seth q u a n d o ele tinha dezesseis anos de idade. A o s
três anos, ele r e c e b e u o diagnóstico de leucemia, e, aos sete
anos, submeteu-se a um transplante de medula. C o m o resul-
tado da radiação e da quimioterapia, ele desenvolveu sérios
p r o b l e m a s n o s rins e n o s p u l m õ e s . S u a m ã e o l e v o u ao
r e n o m a d o Hospital Infantil de Pittsburgh, na esperança de
que ele fosse qualificado para um transplante de pulmão. Os
médicos de Seth lhe disseram que, se ele ganhasse no míni-
mo sete quüos, tornar-se-ia um candidato ao transplante.
N ã o seria u m a tarefa fácil; a d o e n ç a o deixara m u i t o abai-
xo do peso " n o r m a l " para sua idade. Q u a n d o v o l t o u à clí-
nica, Seth se sentiu deprimido e isolado.
Falávamos sobre esperanças e sonhos. Contei-lhe m e u
desejo de m o n t a r u m a p e q u e n a e m p r e s a caseira e organi-
zar oficinas para confeccionar "ursinhos", que iriam ao
mundo das doenças graves, distribuindo mensagens de
amor, c o m p a i x ã o e esperança.
Seth a d o r o u a idéia e, c o m seu coração e alma, p a s s o u a
me ajudar a desenvolver n o s s a e m p r e s a s e m fins lucrativos.
Ele n o s auxiliou c o m o c o m p u t a d o r , e tinha u m a idéia n o v a

50
a cada minuto. C o m p a r e c i a às oficinas três v e z e s por s e m a -
na, o n d e c o s t u r á v a m o s b o n é s e blusas para os ursinhos e
púnhamos moedas com a mensagem " E m Deus Nós Con-
f i a m o s " n o s bolsos dos ursinhos. N o s s o objetivo era encon-
trar lares para os ursos em hospitais infantis e abrigos para
doentes em toda a nação.
Seth não mais se achava deprimido ou isolado. Havia
encontrado u m n o v o significado para sua vida. H a v i a des-
coberto um m o t i v o para viver e c o m e ç o u a ganhar peso. N ó s
o e l e g e m o s vice-presidente da n o v a e m p r e s a e, logo depois,
ele entrou na lista para transplantes de p u l m ã o . T o d o s n ó s
tínhamos esperança de que ele se recuperaria.
No entanto, p o u c o após seu d é c i m o sétimo aniversário,
Seth c o m e ç o u a enfraquecer. Foi internado no hospital. M e u
lindo e corajoso a m i g o d e i x o u esta vida, gentilmente ani-
n h a d o n o s braços d a m ã e .
Ela me telefonou para contar a triste notícia. Q u a n d o saí
de casa naquela m a n h ã , olhei para b a i x o e avistei, caída no
chão, a m a i s linda pena. N u n c a tinha visto u m a p e n a da-
quele tipo e, no m e s m o instante, eu soube que era um pre-
sente de Seth. As lágrimas r o l a v a m q u a n d o peguei a pena,
pois esta me lembraria para s e m p r e d a q u e l a alma preciosa
que eu tanto a m a v a .
No dia seguinte, sua m ã e veio a m i n h a casa. C a m i n h a -
m o s pelo jardim, partilhando histórias sobre Seth e a m a r a -
vilhosa contribuição que ele realizara n o s últimos m e s e s de
sua vida. Contei-lhe s o b r e a pena. E n q u a n t o a n d á v a m o s ,
o l h a m o s para b a i x o e v i m o s outra pena — igual à que eu
encontrara no dia anterior, m a s m e n o r . N ó s n o s entreolha-
m o s e sorrimos. Seth oferecia outro presente, dessa v e z à
m ã e . N u n c a tinha visto aquele tipo de pena, e jamais vi outra
semelhante.

51
C i n c o anos depois, m i n h a p e n a ainda se encontra no bolso
do p r i m e i r o ursinho. Ela me l e m b r a Seth e s e u riso, cora-
g e m , a m o r e alegria. Seth s e m p r e estará em n o s s o s corações,
g u i a n d o - n o s e n o s e n v i a n d o s e u a m o r p o r m e i o d o s ursi-
n h o s que distribuirmos.

52
Siga as Penas
Carolyn Elizabeth

Havia sido u m a p r i m a v e r a difícil. E s c a p e i de e n c h e n t e s e


c h u v a s torrenciais no M e i o - O e s t e , e r u m e i à E u r o p a n u m a
p e r e g r i n a ç ã o para v e r M ã e M e e r a , u m a j o v e m índia v e n e -
r a d a c o m o a e n c a r n a ç ã o da M ã e D i v i n a . Eu tinha planeja-
do e s s a v i a g e m d u r a n t e dois a n o s e e s t a v a a n s i o s a p a r a
r e c e b e r o darshan, a b ê n ç ã o especial de graça e luz, c o n f e -
rida aos s e g u i d o r e s d e M ã e M e e r a por m e i o d o p o d e r d e
seu olhar.
E u m e h o s p e d e i n u m a p e n s ã o e m Dornburg, A l e m a n h a .
Foi uma agradável caminhada à casa de M ã e Meera em
Thalheim. À noite, a M ã e recebia b u s c a d o r e s do m u n d o in-
teiro; em silêncio, p a r t i l h á v a m o s a a d m i r a ç ã o por sua lu-
m i n o s a presença. D u r a n t e o dia, eu tinha u m a a b u n d â n c i a
de t e m p o livre para explorar os vilarejos ao redor e as flo-
restas entre eles.
Na primeira s e m a n a , me familiarizei c o m as trilhas entre
as árvores de D o r n b u r g . Fiquei encantada c o m a natureza
acessível daquela parte da A l e m a n h a .
A c a m i n h o da casa de M ã e M e e r a , notei o denso a g l o m e -
rado de árvores entre D o r n b u r g e T h a l h e i m , e reconheci a
floresta que eu v i r a no livro de A n d r e w H a r v e y , Hidden
Jounney [Jornada Secreta]. Eu sabia q u e a M ã e apreciava ca-
m i n h a d a s m e d i t a t i v a s p e l a floresta, e c o n s i d e r a v a a q u e l a

53
m a t a c o m o seu santuário particular. A floresta representa-
va um solo sagrado e me senti compelida a entrar.
L o g o descobri que as trilhas n ã o e r a m tão d e m a r c a d a s
quanto as das outras florestas que conheci. Ao explorar o
território d e s c o n h e c i d o , v a g u e i p e l o e s p a ç o v e r d e j a n t e e
apreciei o silêncio e a solidão daquele belo santuário, per-
d e n d o a n o ç ã o de t e m p o e direção.
F i n a l m e n t e , percebi q u e era hora de voltar, caso contrá-
rio eu p e r d e r i a o darshan. O l h e i ao r e d o r e n ã o c o n s e g u i
encontrar a trilha pela qual eu passara. P r e o c u p a d a , escolhi
u m a direção que n ã o d e u e m lugar n e n h u m . Optei por ou-
tra, e outra, todas em v ã o .
Entrei e m pânico!
M i n h a p r e o c u p a ç ã o transformou-se e m m e d o irracional:
e u m e perderia n a e s c u r i d ã o para s e m p r e . N ã o sabia q u e
c a m i n h o t o m a r . P o r fim, p a r e i de p r o c u r a r e sentei n u m
tronco de árvore. L á g r i m a s c o m e ç a r a m a rolar em m e u ros-
to. Estava c o m frio, a p a v o r a d a e sozinha. N ã o sabia o q u e
fazer. Fechei os olhos e rezei por ajuda.
Em seguida, senti o calor do sol em m e u corpo. A a t m o s -
fera era encantada e u m a natureza mística se revelou. A luz
p e n e t r a v a entre as árvores e u m a p o d e r o s a sensação de es-
p e r a n ç a me invadiu. Olhei para baixo e avistei u m a p e n a a
m e u s pés. A o pegá-la, achei q u e devia caminhar.
A luz me direcionava e n q u a n t o as p e n a s c o n t i n u a v a m a
aparecer no solo para encorajar m e u trajeto. C a d a v e z que
eu c h e g a v a a u m a bifurcação, u m a p e n a surgia para me in-
dicar a escolha certa. O q u e era u m a terrível experiência tor-
nou-se u m a divertida exploração. E u m e sentia c o m o J o ã o
e M a r i a à procura do c a m i n h o de casa.
U m a por u m a , sete p e n a s me g u i a r a m para fora da flo-
resta. C a d a u m a delas tinha sua própria b e l e z a e particula-

54
ridade e a p o n t a v a o c a m i n h o de u m a forma inconfundível.
No áarshan daquela noite, eu sabia que já havia recebido a
graça de D e u s no m e i o das árvores.
Voltei para casa c o m aquelas sete p e n a s lindas. Elas con-
t i n u a m a me l e m b r a r da Presença e das oferendas que p o -
d e m ser encontradas, se eu estiver aberta para recebê-las.

55
Meu Nome Era
Falcão Asa Dourada
Orazio J. Salati

Sempre tive u m a certa afinidade por p e n a s e u m a identifi-


cação com as coisas dos índios americanos, embora eu te-
n h a n a s c i d o na Itália. Q u a n d o eu e m e u s a m i g o s de infân-
cia b r i n c á v a m o s de "caubóis e índios", eu s e m p r e escolhia
ser u m índio — apesar de acabar "morto" pelos caubóis.
Depois que cheguei à América, minha fascinação por
p e n a s a u m e n t o u . S e m p r e que eu avistava p e n a s , eu as pe-
gava p a r a apreciar suas cores, sua c o m p o s i ç ã o única. Q u a n -
do c o m e c e i a pintar, a d o r a v a p r o c u r a r p e n a s em objetos
v e l h o s e danificados. P a r a m i m , e r a m ainda m a i s interes-
santes se n ã o fossem perfeitas. Pintei c o m partes de p e n a s e
incluí p e n a s em a l g u m a s de m i n h a s pinturas.
U m dia, u m a m i g o , que c a m i n h a v a pela floresta, encon-
trou u m a p e n a de falcão e me d e u de presente. M a i s u m a
vez, senti u m a sensação estranha, c o m o se eu tivesse u m a
forte ligação c o m o falcão.
No final, descobri a razão de tais sensações. Por m e i o de
regressão hipnótica, l e m b r e i que eu fazia parte de u m a tri-
bo de índios americanos q u e havia sido massacrada. O n o m e
dado a m i m n a q u e l a v i d a era Falcão A s a D o u r a d a . O falcão
era um p á s s a r o espiritual, e nossa tribo u s a v a p e n a s de fal-
cão para fins o r n a m e n t a i s e espirituais.

56

kJ
C o m o um artista nesta vida, em c a d a tela que p i n t o há a
i m a g e m de u m a pena. Ela é tão i m p o r t a n t e quanto m i n h a
assinatura. É m i n h a l i g a ç ã o c o m F a l c ã o A s a D o u r a d a —
m i n h a l e m b r a n ç a pessoal de que as p e n a s n ã o são apenas
b e l e z a s , m a s t ê m o p o d e r de falar a t r a v é s do t e m p o , do
e s p a ç o e dos presentes de outros.

57
r-

Alma de Pena
Jeanne Scoville

Cresci n u m a linda fazenda e m W i s c o n s i n . M e u s pais tive-


r a m u m a profunda influência sobre m i m e m relação a o ca-
ráter sacro d a natureza. M i n h a m ã e , c o m freqüência, leva-
va-nos à floresta para colher a m o r a s ou n o z e s . A p r e n d i a
montar em tenra idade e me sentia à vontade na mata. Era
p a r t i c u l a r m e n t e sensível às criaturas selvagens. Elas e r a m
c o m o u m a família. Q u a n d o olho para trás, vejo que partilhá-
v a m o s u m a espécie de telepatia natural que p e r m a n e c e c o -
m i g o até hoje. Representaram u m a fonte de segurança quan-
do precisei me centrar em m e i o à pressa da modernidade.
J á adulta, u m lugar que m e p e r m i t e esse equilíbrio p e s -
soal no m u n d o natural é o W y o m i n g . F a ç o p e r e g r i n a ç õ e s
p a r a l á s e m p r e q u e posso. C e r t o ano, e u m e senti fortemen-
te inclinada a visitar a Devils T o w e r , u m a m o n t a n h a sagra-
da dos índios a m e r i c a n o s a nordeste de W y o m i n g .
M e u c o m p a n h e i r o e e u n o s a p r o x i m a m o s d a torre e m
estado de reverência, tal q u a l fazemos ao entrar n u m a cate-
dral ou em outro local santo. P e d i u m a b ê n ç ã o dos espíritos
antes de a d e n t r a r a trilha q u e r o d e a v a a D e v i l s T o w e r e
c o m e ç a r m i n h a j o r n a d a reflexiva.
A o c i r c u n d a r a m o n t a n h a , escutei u m ruído n o arbusto
m a i s p r ó x i m o . Investigando o s o m , enveredei p o r u m a cla-
reira, o n d e m e deparei c o m u m falcão m a t a n d o u m coelho.
No m e s m o instante, o u v i a seguinte m e n s a g e m do falcão:
" P o d e r á entrar, se n ã o j u l g a r " .

58
M e u coração aceitou e continuei a me aproximar. E s c u -
tei: " P r o s s i g a p o r m a i s n o v e m e t r o s " , e n t ã o , " m a i s t r ê s
m e t r o s " , até que me vi a quatro m e t r o s do falcão e do coe-
lho. C o m p r e e n d i q u e h a v i a um a c o r d o entre eles acerca do
q u e acontecia. Entrei n u m estado alterado de consciência e
encarei o s olhos d o falcão por u m t e m p o que m e p a r e c e u
u m a eternidade.
Senti o p o d e r profundo e majestoso do falcão fluir atra-
v é s de m i m . E n t ã o , escutei: " D e v e ir agora. Q u a n d o se apro-
x i m a r d a trilha, h a v e r á u m presente m e u para v o c ê " .
Eu r e s p e i t o s a m e n t e me virei e atravessei a clareira. Ao
final, olhei p a r a b a i x o e e n c o n t r e i três p e n a s do falcão a
m e u s pés.
" S ã o m e u s presentes para v o c ê " , ouvi. "Ofereça u m a das
p e n a s aos espíritos ancestrais deste lugar, outra a seu c o m -
p a n h e i r o e a ú l t i m a p a r a você. A g o r a vá!"
Honrei o pedido e passei o resto do dia em total beatitude.
M i n h a p e n a d e falcão agora p e r m a n e c e n o altar e m m e u
quarto. É u m a l e m b r a n ç a das b ê n ç ã o s e e n s i n a m e n t o s q u e
recebi de m e u i r m ã o falcão. S e u v a l o r n ã o t e m preço; é o
tesouro mais s a g r a d o e um lembrete do G r a n d e Mistério de
toda a Criação.

59
Galgando as Penas
Maril Crabtree

Penas caem das asas

ou de dedos alados

roçando pensamentos

enquanto passam.

60

1L J
Uma Mensagem do Pena Branca
Debra Hooper

Vários a n o s atrás, u n s a m i g o s e eu c o m p a r e c e m o s a u m
e v e n t o para observar u m a artista p a r a n o r m a l d e m o n s t r a r
seu trabalho, o qual e n v o l v i a desenhar q u a d r o s de seres do
m u n d o espiritual. Ela era capaz de "ver ao r e d o r " de seus
temas. Havia cerca de sessenta pessoas e M a r i e selecionou
quatro ou cinco c o m as quais ela gostaria de se conectar.
Por sorte, fui u m a das escolhidas.
Ela h a v i a d e s e n h a d o alguns retratos de parentes já fale-
cidos q u a n d o olhou para m i m e disse:
— Há um g u i a c o m v o c ê . Ele é m o r e n o e t e m c a b e l o s
compridos... p o d e ser um chinês!
M a r i e c o m e ç o u a r a s c u n h a r em tons pastel o h o m e m q u e
d e s c r e v e r a e, m i n u t o s d e p o i s , e n t r e g o u o d e s e n h o a m i m .
L e m b r o - m e d e ter p e n s a d o : " E l e n ã o s e p a r e c e c o m u m
chinês!". N a q u e l a é p o c a , e u iniciava m i n h a j o r n a d a espi-
ritual e n ã o fazia idéia do que e r a m guias e p a r a que ser-
v i a m . L e v e i o d e s e n h o p a r a casa, g u a r d e i - o n u m a g a v e t a
e o esqueci.
Três anos se p a s s a r a m . C o m e c e i a participar de um gru-
po espiritual de amigos. Enquanto explorávamos novas
p e r c e p ç õ e s de n o s s a j o r n a d a , o t e m a d o s guias surgiu. T e n -
tei me conectar c o m m e u guia espiritual; e m b o r a o sentisse
a m e u redor, tive dificuldades de obter s e u n o m e .
Ao l o n g o dos m e s e s , u m a i m a g e m c o m e ç o u a surgir, e
tive certeza de que possuía um guia indígena. Eu o vi clara-

61
mente, e, em seguida, vários m e m b r o s do grupo t a m b é m o
viram, mas cada vez que perguntava seu nome, nada se
revelava. E r a m u i t o frustrante.
Um ano depois, penas brancas c o m e ç a r a m a aparecer onde
quer que eu estivesse. F l u t u a v a m em direção a m e u carro
quando eu dirigia. Eu as achava à porta de casa, no jardim,
na garagem. N ã o sabia o que fazer c o m aquela invasão de
penas até que n u m a noite, enquanto eu meditava, a i m a g e m
nítida de um livro aberto apareceu diante de m i m e sobre a
página flutuava (você entendeu!) u m a p e n a branca.
N o dia seguinte, n ã o sei p o r q u e m i n h a m e n t e a p a g o u o s
detalhes, m a s me l e m b r e i de que a p e n a h a v i a escrito no
livro o n o m e de m e u guia. A n u n c i e i o fato ao grupo, e eles
me p e d i r a m p a r a descrevê-lo. Tentei a duras p e n a s fazê-lo,
q u a n d o , de repente, l e m b r e i - m e do d e s e n h o . Corri à gave-
ta, o n d e eu o g u a r d a r a a n o s atrás. E m b o r a o retrato fosse a
óleo e tivesse ficado no fundo da gaveta, ainda continuava
perfeito em todos os sentidos — n e n h u m a dobra n e m m a r -
cas a m a r e l a d a s . E u n ã o p o d i a esperar m e l h o r s e m e l h a n ç a
c o m o h o m e m que eu tentava descrever.
A confirmação de s e u n o m e veio m a i s tarde, q u a n d o fo-
m o s conhecer outra artista paranormal e sua amiga. Esta pra-
ticava psicografia. Ela me disse que h a v i a um índio ameri-
c a n o c o m i g o e que ele u s a v a u m a única p e n a b r a n c a em sua
touca. E n t r o u em profundo estado meditativo e c o m e ç o u a
psicografar. A i n d a tenho o papel. Ele diz: " S o u o P e n a B r a n -
ca. A m o v o c ê " .
D e s d e então, t e n h o várias conversas c o m o P e n a Branca.
Ele é a p e s s o a que cuida de m i m ; trabalha m u i t o c o m i g o .
Eu t a m b é m o r e c e b o de t e m p o s em t e m p o s , e ele oferece
e n s i n a m e n t o s m a r a v i l h o s o s e fundamentais a todos nós.
A g o r a , toda v e z que u m a p e n a b r a n c a surge a m i n h a fren-
te, sorrio e digo " o l á " .

62
Meditação
ATRAINDO A ENERGIA DA PENA

As penas podem inspirar seu coração, iluminar sua casa ou seu


trabalho e ajudá-lo a voar através do dia. Se você deseja mais desta
energia em sua vida, experimente utilizar as penas das seguintes
maneiras:

• Aplicando os princípios do feng shui. Se um relacionamento ne-


cessita de asas novas, coloque um buquê de penas nessa área;
ou coloque penas em sua área de trabalho, caso sua carreira pre-
cise de um empurrão. A energia da pena pode ser usada em
qualquer área ao criar novos inícios ou movimentos quando há
estagnação.
• Usando as penas para criar um foco. Selecione sete penas, uma para
cada dia da semana, e coloque-as em seu altar ou em qualquer
lugar com energia espiritual. Em estado meditativo, pegue cada
uma das penas e deixe que ela lhe "diga" que qualidade repre-
senta para você: amor, coragem, fortalecimento, compaixão, li-
berdade, entrega e assim por diante. A cada manhã, selecione
a pena com a qualidade na que você mais precisa se concentrar
naquele dia (ou deixe que ela escolha por você), e leve-a consi-
go ao longo do dia. Tal qual o sino que badala periodicamente
nos monasterios budistas e centros de retiros para lembrar o
momento presente, um olhar para a pena serve como um lem-
brete para retornar ao foco do dia.
• Criando uma pena móbile. As penas podem ajudá-lo a recordar
uma lembrança querida ou podem ser a ligação com um lugar
favorito. Se encontrar várias penas durante as férias ou num
outro local especial, crie um móbile simples com palitos e fio
de náilon. Pendure-o em um lugar no qual a brisa possa man-
ter as penas em movimento ou no batente de uma porta, onde
a entrada e a saída das pessoas serão suficientes para movimen-
tar as penas.
• Usando as penas como presentes. Inclua penas em cartões ou car-
tas; guarde-as em cestas de vime ou em outro objeto natural;

63
grude uma pena na tampa de uma caixa de presente; assim,
quando a tampa for aberta, a pena será a primeira coisa que a
pessoa verá. Se pretende dar um livro de presente, uma pena
pode ser um ótimo marcador de páginas. Carregue uma pena
com você como um presente inesperado para alguém que você
venha a encontrar durante o dia e que possa precisar de ener-
gia extra.
• Ficando atento a outras possibilidades de penas. Uma mulher tem a
figura de uma pena impressa em seus cartões de visitas, por-
que ela queria algo que transmitisse uma imagem positiva às
pessoas.
"Invariavelmente", ela diz, "as pessoas me perguntam o que
significa a pena. Não tenho uma resposta pronta. Uso minha
intuição para responder o que cada pessoa precisa ouvir acerca
daquela pena. Com freqüência, a conversa acaba tendendo para
um nível mais profundo.

64
Canção da Pena
Kenneth Ray Stubbs

N a D a n ç a d o S o l i n d í g e n a , o t a m b o r s e m p r e representa
um papel importante em cena. Várias pessoas o tocam,
c a n t a n d o j u n t a s , e n q u a n t o b a t u c a m o r i t m o de c a n ç õ e s an-
tigas. O t a m b o r é o c a t a l i s a d o r da d a n ç a , oferece u m a b a -
tida específica e e n e r g é t i c a p a r a q u e os d a n ç a r i n o s e r g a m
as p e r n a s m a i s alto a fim de se fundirem ao c e r v o , ao b ú -
falo, à águia.
D u r a n t e u m a recente D a n ç a do Sol, observei a dança pros-
seguir, canção após c a n ç ã o , canto após canto, a cadência do
t a m b o r l e v a n d o - m e a um estado de transe. De repente, o
t a m b o r ficou em silêncio. Eu me vi e s c u t a n d o o vento em
vez das batidas ritmadas.
N a q u e l e silêncio, vi u m a p e n a a m a r r a d a a um dos pos-
tes, g i r a n d o , flutuando, d a n ç a n d o c o m o v e n t o . Escutei a
batida da p e n a — tão quieta c o m p a r a d a ao t a m b o r e, no en-
tanto, c a r r e g a n d o sua p o d e r o s a m e n s a g e m , as energias, e
c a n t a n d o a canção do v e n t o . M i n h a m e n t e retornou à é p o -
ca em q u e eu via falcões suspensos entre as n u v e n s , c o m -
p l e t a m e n t e imóveis, exceto pelas p o u c a s p e n a s que dança-
vam ao vento.
N a q u e l e m o m e n t o místico, o b s e r v a n d o a p e n a solitária
flutuando no poste, p u d e sentir a voz do v e n t o falando c o m
a v o z da pena. Senti o p o d e r i m e n s o e infalível dos espíri-
tos dos anciãos fundindo-se ao silêncio e falando por m e i o
da pena.

65
S o u b e , n a q u e l e instante, p o r que m e fizera a p r e n d i z d e
um x a m ã C h e r o k e e p a r a a p r e n d e r a alinhar a " d o c e feitiça-
r i a " a seus e n s i n a m e n t o s . S e u p o d e r v a s t o t r a n s c e n d e as
eras, tal qual a p e n a e o v e n t o r e v e l a m m e n s a g e n s angelicais
— u m a m e n s a g e m eterna a t o d o aquele que a escutar.

66
Aprendendo com os Corvos
Greg Eric "Saltador" Hultman

Se os homens tivessem asas e penas pretas, poucos deles


seriam espertos o bastante para ser corvos.
— Reverendo Henry Beecher Ward

Lá estava ela, u m a p e n a preta acetinada e brilhante voan-


do em direção à porta de nossa casa.
E m b o r a a d o l e s c e n t e , e u a i n d a era i m a t u r o c o m o u m a
c r i a n ç a . R e c o l h i a tais t e s o u r o s p a r a i n i c i a r u m a c o l e ç ã o
imaginária d e penas s e m n e n h u m m o t i v o real. A q u e l a m a -
n h ã n ã o foi u m a e x c e ç ã o . Corri para dentro de casa e me
enfiei em n o s s o porão ú m i d o e obscuro. S e g u r a n d o a pena
na p a l m a da m ã o , acendi a l â m p a d a do abajur. Peguei o pote
n u m a prateleira, abri a t a m p a e coloquei m e u n o v o tesouro
c o m a mistura colorida que eu já havia colecionado: gaio,
pardal, pintassilgo, faisão e outros.
Encontrar u m a pena de corvo naquela m a n h ã n ã o foi u m a
ocorrência improvável. C o n t i n u a r a encontrar u m a pena de
corvo todas as m a n h ã s e no m e s m o lugar foi. Parei de guar-
dar p e n a s de c o r v o a p ó s a d é c i m a ou a d é c i m a p r i m e i r a
corrida ao porão. P o r é m , elas a p a r e c i a m regularmente, to-
das na m e s m a área.
P o u c o depois de encontrar as penas, os corvos c o m e ç a -
r a m a me acordar. A c a d a m a n h ã , entre seis e seis e meia,
eu e s c u t a v a o estridente c h a m a d o . M e s m o d u r a n t e os in-

67
v e r n o s mais rigorosos, os corvos m a n t i n h a m - s e fiéis à pró-
pria existência entre o que restava de vegetação de um par-
q u e e s c o l a r e m frente a n o s s a casa. O s c o r v o s m o r a v a m
n u m a meia dúzia de árvores que alguém plantara, anos
atrás, para o benefício das crianças.
O s corvos d o p a r q u e t i n h a m u m a vida b o a . V a s c u l h a v a m
os sacos de lixo nas ruas à procura de restos de comida. M a s ,
de a l g u m a forma, aqueles corvos me irritavam. Havia lido
em a l g u m lugar q u e eles às v e z e s se a l i m e n t a v a m de filho-
tes de pássaros em extinção. Eu m o r a v a no subúrbio e s e m -
pre explorava os c a m p o s e pradarias ao redor. Cresci conhe-
c e n d o c a l h a n d r a s , a z u l õ e s e outros h a b i t a n t e s de e s p a ç o
aberto. Para m i m , tais pássaros p o s s u í a m um pedigree m a i s
valioso que o dos famigerados corvos.
No entanto, eu escutava os corvos... s o m e n t e os corvos...
q u a n d o acordava a cada m a n h ã .
— Malditos corvos — eu r e s m u n g a v a em v o z baixa, te-
m e n d o q u e m i n h a m ã e p u d e s s e escutar. L e v a n t a v a - m e e
olhava para o parque. Lá e s t a v a m eles, tão pretos q u a n t o
carvão, pavoneando-se, v o a n d o , b a t e n d o as asas, empolei-
rando-se, b r i g a n d o e, às vezes, gritando.
Eu me arrumava para ir à escola. Saía... e à porta e n c o n -
trava outra pena. E s e m p r e as achava p r a t i c a m e n t e no m e s -
m o lugar.
Para piorar, os pássaros adquiriram u m a nova mania,
c o m o s e q u i s e s s e m m e provocar. A p ó s dois anos, c o m e c e i
a freqüentar o colegial. Eles me s e g u i a m até a escola. Eu
c a m i n h a v a cerca d e u m q u i l ô m e t r o e m e i o por u m a rota
c o m p l i c a d a devido às n u m e r o s a s ruas curvas.
Em princípio, n ã o notei; m a s , c o m o passar das semanas,
percebi que o s c o r v o s N Ã O e r a m o s m e s m o s pássaros que
v i v i a m n a q u e l a s ruas que eu percorria a c a m i n h o da esco-

68
la. Aqueles e r a m os corvos estridentes que me a c o r d a v a m
todas as m a n h ã s .
D e p o i s das férias, q u a n d o voltei à escola para cursar o
segundo colegial, os pássaros continuaram me seguindo
c o m o de hábito. Foi então que percebi que eles a d o r a v a m
caçar grilos ou outro alimento artrópode no c a m p o q u e eu
c o s t u m a v a atravessar.
Eureca! Tinha de ser isso. A respostal Satisfeito, esqueci o
p r o b l e m a das p e n a s e dos c o r v o s . O m i s t é r i o havia sido
solucionado, pensei.
A p ó s os feriados de fim de ano, retornei à escola n u m a
m a n h ã gélida, q u a n d o tudo e m C h i c a g o parecia congelar,
até m e s m o o vento. E n q u a n t o fazia m i n h a travessia mati-
nal, notei que tinha c o m p a n h i a . E m b o r a parecesse estranho,
imaginei que os corvos eram vítimas do próprio hábito.
Q u a n d o o inverno se intensificasse e os recursos alimenta-
res se tornassem m a i s escassos, eu os veria m e n o s , pensei.
Janeiro passou, depois fevereiro e m a r ç o . Os corvos e r a m
incansáveis. Eles d e i x a v a m seus poleiros e me s e g u i a m até
o colégio todas as m a n h ã s .
Procurei m e u professor de biologia, o sr. G e t z m a c h e r , e
contei-lhe o p r o b l e m a . Ele riu e disse q u e n ã o p o d i a ser
verdade.
— O que há c o m v o c ê ? Ficou louco? — ele dissera. Seria
impossível estarem me seguindo e p r o v a v e l m e n t e n ã o e r a m
os m e s m o s corvos.
M i n h a autoconfiança desapareceu. Naquela época, ques-
tionar um professor era raro, e, se v o c ê o fizesse, o resto da
classe seria penalizada. Portanto, deixei de lado a pesquisa
científica.
Eu c o s t u m a v a brincar de vigiar um ou dois pássaros, o
q u e não era difícil já q u e a ausência de folhas por causa do
i n v e r n o me permitia vê-los m o v e r e m - s e de árvore em ár-

69
vore. D o i s deles v o a v a m à frente e p o u s a v a m . O u t r a dupla
vinha atrás de m i m , c o m o guarda-costas. Às vezes, eles
p a r a v a m p a r a petiscar u m arbusto o u espantar a l g u m ou-
tro pássaro intrometido. Certa v e z , a s s u s t a r a m u m a coruja
q u e r e p o u s a v a e m seu galho. A c h o que e s t a v a m b r i n c a n d o
c o m ela, pois sabiam que s e tratava d e u m inimigo mortal
durante a noite.
No início da primavera, m e u melhor a m i g o e eu realiza-
m o s u m a j o r n a d a ritualística a u m a reserva florestal n o s li-
mites da cidade. D u r a n t e s e m a n a s , p l a n e j a m o s aquele p a s -
seio ciclístico, levando b i n ó c u l o s para observar os pássaros,
sanduíches e c â m e r a s fotográficas. Até e m p a c o t a m o s gesso
p a r a registrar o formato de p e g a d a s de animais. E, q u a n d o
p e r c o r r e m o s aqueles d o z e quilômetros, c o n s e g u i m o s final-
m e n t e n o s livrar d o s c o r v o s , p e d a l a n d o m a i s r á p i d o que
eles.
T ã o l o g o c h e g a m o s à floresta, nós n o s s e n t a m o s n u m a
e n o r m e p e d r a e m c a m p o aberto para c o m e r o s sanduíches.
Então, aconteceu. Os corvos vieram. V o a v a m sobre nós,
e n q u a n t o t e n t á v a m o s espantá-los às gargalhadas. T e n t a m o s
fotografar as peripécias dos corvos, m a s , ao revelar o filme,
a s fotos m o s t r a r a m a p e n a s p o n t o s pretos n o c é u cinzento.
M e u ressentimento a u m e n t a v a à m e d i d a q u e o ritual dos
c o r v o s c o n t i n u a v a a o longo d e m e u s anos n o colegial. N o
o u t o n o do ú l t i m o a n o , m i n h a a d o r a d a b i s a v ó m o r r e u . A
b i s a v ó N o r a h a v i a n a s c i d o a o sul d e N e b r a s k a e m 1 8 8 4 .
T i v e r a u m a v i d a l o n g a e interessante. Ela a d o r a v a c o n t a r
histórias familiares e tentara, em vão, encontrar alguém
i n t e r e s s a d o n a l i n h a g e m d a família. E u era o ú n i c o q u e
apreciava ouvi-la. Por c o n s e q ü ê n c i a , ela partilhara i n ú m e -
ras histórias c o m i g o .
Sua filha, m i n h a avó, v o v ó Fran, m o r a v a c o n o s c o na época
e sofria de câncer. L o g o a p ó s o funeral de m i n h a b i s a v ó ,
n u m a m a n h ã , e u t o m a v a o d e s j e j u m c o m v o v ó Fran. F i z
várias perguntas, s a b e n d o que ela, em b r e v e , iria partir tam-
b é m . Perguntei, então, p o r que a bisavó s e m p r e evitara fa-
lar na h e r a n ç a indígena em nosso sangue. N o r a s e m p r e se
referira aos índios a m e r i c a n o s c o m m u i t o respeito, d i z e n d o
que e m m a i s d e u m a ocasião eles t i n h a m salvo sua família
d a fome. C o n h e c e n d o a s histórias familiares c o m o e u c o -
n h e c i a , parecia e s t r a n h o que n ã o h o u v e s s e n e n h u m índio
na família que afirmasse a linhagem.
V o v ó Fran sorriu e, c o m sua v o z m e l o d i o s a , disse:
— M a s havia... — E ela c o m e ç o u a me contar. Fiquei per-
p l e x o ao saber que seu pai, m e u b i s a v ô , fora da n a ç ã o P i m a
e h a v i a sido adotado pelos b r a n c o s . P o r a l g u m m o t i v o , ele
tivera olhos azuis, portanto, p ô d e "passar".
N u n c a tinha o u v i d o falar d o s P i m a . N ã o era material d o s
filmes de H o l l y w o o d , c o m o os S i o u x , os C o m a n c h e s e os
Apaches.
— Q u e m era o p o v o Pima, v o v ó ? — perguntei.
Ela me falou de fazendeiros q u e c u l t i v a v a m algodão, fei-
jão e milho no sudeste, o n d e m e u b i s a v ô nascera. Os P i m a s
h a v i a m sido u m p o v o pacifico, apesar d o que sofreram nas
m ã o s dos b r a n c o s . Ela t a m b é m citou u m a a v ó C h e r o k e e e
outros parentes m a i s afastados.
Fiquei atônito.
— P o r que m i n h a b i s a v ó n u n c a me c o n t o u isso t u d o ? —
perguntei.
— Porque acho que ela não queria que n i n g u é m soubesse.
— M a s p o r quê?
— N ã o sei. M e d o , talvez.
Eu ainda era j o v e m d e m a i s p a r a e n t e n d e r o ódio p e l o s
" í n d i o s " tão d o m i n a n t e entre os b r a n c o s .
A q u e l e foi u m m o m e n t o tão r e l e v a n t e e m m i n h a v i d a
quanto descobrir d e o n d e v ê m o s b e b ê s o u que Papai N o e l

71
n ã o existe. M u i t a s coisas ficaram claras n a q u e l a m a n h ã : a
touca p i n t a d a à m ã o e enfeitada de p e n a s de águia que me
fora d a d a na infância; os incríveis pés chatos que eu tinha.
E n q u a n t o crescia, e u era a b o r d a d o p o r estranhos, criados
p r ó x i m o a reservas, q u e d i z i a m coisas do tipo:
— Ei, tem certeza de que n ã o é índio? V o c ê anda c o m o
um.
E h a v i a a estranha história da família de v o v ó Fran sen-
do expulsa de sua n o v a casa em N e b r a s k a por revoltados.
U m d e m e u s tios lutara n a I I G u e r r a M u n d i a l e m Guadalca¬
nal e fora apelidado de "índio B i l l " . T u d o isso veio à t o n a e
vários detalhes fizeram sentido. M i n h a a v ó faleceu u m m ê s
depois; nós a e n t e r r a m o s na noite de Natal. C h o r e i m u i t o e
p o r um l o n g o t e m p o . Ela era um espírito especial e até hoje
sinto s a u d a d e s dela.
D e p o i s disso, o s corvos n ã o m a i s m e d e i x a r a m penas.
E u logo fui p e g o p e l o r e d e m o i n h o d a v i d a , c o m traba-
lho, esposas e filhos. A p e s a r de eu j a m a i s ter esquecido os
corvos e a conversa c o m m i n h a avó, tais fatos p e r m a n e c e -
r a m guardados n u m canto de minha mente. A n o s atrás, após
u m a séria d o e n ç a , voltei a pensar n a q u e l e s corvos.
Sentado n u m a cabana ao norte das montanhas da
G e ó r g i a , descobri p o r m e i o de um curandeiro que os cor-
vos s a b i a m , antes de m i m , q u e m eu era. Foi q u a n d o apren-
di o significado d o s corvos. M u i t a s tribos indígenas ameri-
canas acreditam que o corvo seja esperto e ardiloso, o que é
v e r d a d e . Á v i d o p o r c o n h e c i m e n t o , o corvo é um animal in-
teligente que v o a até o V a z i o e volta, s e m p r e b u s c a n d o res-
postas p a r a o Mistério da V i d a e da M o r t e .
A q u e l e s corvos d e i x a v a m u m a p e n a p o r dia a fim de que
eu n u n c a me e s q u e c e s s e d o s ancestrais, a v ó s e avôs. P o r
m e i o do c a s a m e n t o entre raças e da assimilação, algo per-
m a n e c e r a diferente no c e r n e de m e u ser. D e s c o b r i q u e o

72
C o r v o é e s e m p r e foi um espírito guia para m i m . P o r causa
d i s s o , n ã o m a i s t e m o o V a z i o ; é o u t r a p a r a d a de m i n h a
p e s q u i s a pessoal.
Hoje os corvos c h e g a m a m i n h a v i d a regularmente, quan-
d o q u e r e m m e dar u m a m e n s a g e m . O u t r o dia voltei d e u m a
v i a g e m às m o n t a n h a s e a m u l h e r que cuidou de m i n h a casa,
nesse ínterim, veio me c u m p r i m e n t a r . J a m a i s conversei so-
b r e corvos c o m ela; n u n c a lhe falei de m i n h a s origens. N e m
sequer m e n c i o n e i o q u e me acontecera na G e ó r g i a — n ã o
houvera tempo.
Durante o desjejum, ela saiu na v a r a n d a e alinhou vários
a m e n d o i n s n o parapeito. M i n u t o s depois, u m c o r v o p o u -
sou, em seguida, outro e outro. Ela voltou, sorridente e ex-
plicando que eles t i n h a m c o m e ç a d o a aparecer h a v i a duas
semanas. A p ó s alguns dias, ela c o m p r o u a m e n d o i n s s e m sal
e p a s s o u a alimentá-los.
— A d i v i n h e c o m o eu os c h a m o ?
Dei de o m b r o s , s e m fazer a m e n o r idéia.
A i n d a sorrindo, ela disse:
— C o r v o s Saltadores!
— P o r que v o c ê os c h a m a a s s i m ? — perguntei.
— P o r q u e eles me disseram para fazer isso... — e v o l t o u
a seus afazeres.

73
Você Já Está no Caminho
Kellie Jo Dunlap

Às vezes, u m a m u d a n ç a é difícil de reconhecer, principal-


m e n t e q u a n d o ela está e m b a i x o de nosso nariz.
D e p o i s de passar anos e s t u d a n d o contrabaixo e tocando
em orquestras sinfônicas e concertos, eu me sentia frustra-
da. A d o r a v a tocar, m a s estava inquieta. Sentia q u e havia
m u i t o m a i s na v i d a e q u e tinha m u i t o m a i s a a p r e n d e r e
fazer.
U m a a m i g a c o n v i d o u - m e para participar d e u m a oficina
de e s t í m u l o s a h a b i l i d a d e s intuitivas por m e i o do c a m p o
energético q u e rodeia cada corpo. Era um assunto intrigan-
te. Eu já havia c o m e ç a d o a e x p e r i m e n t a r flashes de intuição
e insight em m e i o à frustração. Às vezes, um " r u m o " surgia
d o nada. R e c e n t e m e n t e , " e s c u t e i " u m a v o z m e d i z e n d o que
eu deveria explorar m e u lado artístico e prestar atenção em
m e u s sonhos. Pensei em fazer um apanhador de sonhos, o
qual, de a c o r d o c o m a lenda indígena, captura s o n h o s ruins,
p e r m i t i n d o apenas que os s o n h o s b o n s passem. M a s a idéia
p e r m a n e c e u estagnada, tal qual a m i n h a vida parecia estar.
Na oficina, o líder nos c o n d u z i u a u m a longa m e d i t a ç ã o ,
seguida d e u m exercício d e escrita, n o qual fazíamos per-
guntas e e s c r e v í a m o s qualquer resposta que viesse à m e n -
te. Fiz a p e r g u n t a que se tornara m e u martírio: Q u e cami-
n h o e u deveria seguir e m m i n h a vida?
A " r e s p o s t a " c h e g o u no m e s m o instante e eu a escrevi:
" V o c ê já está n e l e " . Só isso, n e n h u m a grande revelação, ne-

74
n h u m a resposta específica. Ao final da meditação, q u a n d o
o líder p e r g u n t o u se a l g u é m não havia r e c e b i d o u m a res-
posta, levantei a m ã o e contei-lhe o que havia recebido.
— P a r e c e - m e u m a resposta — ele disse, sorrindo.
— M a s quero u m a resposta real — queixei-me. — Algo
claro e definido, do tipo: " V o c ê poderia ser um engenheiro
espacial". — T o d o s na sala riram e c o n c o r d a r a m .
— Às vezes, o universo só lhe dá u m a peça por vez — disse
o líder. — O importante é que você reconheça que esta é, de
fato, u m a resposta, e u m a resposta positiva a sua pergunta.
Na m a n h ã seguinte, eu n a v e g a v a p e l a Internet à p r o c u r a
de p e n a s para o a p a n h a d o r de s o n h o s que estava fazendo.
Esbarrei n u m site c h a m a d o " C a m i n h o d a P e n a " e , e m se-
guida, descobri outro site de professores indígenas. Cliquei
n u m b o t ã o que dizia: " H á três p a s s o s para o C a m i n h o da
P e n a " . Q u a n d o cliquei no terceiro p a s s o , as palavras " V o c ê
já está n e l e " surgiram em letras garrafais. Senti um arrepio
na nuca. Ali e s t a v a m as m e s m a s palavras produzidas p o r
m e u inconsciente — ou m e u s guias — ou o que me fizera
escrevê-las na noite anterior.
À medida que eu ia lendo, entendi que me encontrava n u m
processo de reinterpretar m i n h a vida para incluir todos os
aspectos de m i m m e s m a e, mais precisamente, o domínio da
intuição. Tinha apenas de colocar um pé adiante do outro para
estar "no c a m i n h o " de m e u eu intuitivo e espiritual.
M e u c a m i n h o espiritual, desde então, t e m sido u m a aven-
tura. T a l qual ocorre c o m a maioria de n ó s , as penas pare-
c e m s u r g i r e m m o m e n t o s a p r o p r i a d o s . Q u a n d o fiz m e u
a p a n h a d o r de s o n h o s , usei p e n a s que colecionei ao l o n g o
d o tempo. C a d a u m a v e i o até m i m e m m o m e n t o s e m que
eu precisava de confirmação ou encorajamento para conti-
nuar o trabalho espiritual que fazia.
L o g o após t e r m i n a r m e u a p a n h a d o r d e s o n h o s , s o n h e i
que encontrava u m a tonelada de p e n a s de pato. No s o n h o ,

75
m a n d a v a m - m e colocá-las e m a p a n h a d o r e s d e sonhos. P o u -
co t e m p o depois, eu dirigia n u m a rodovia e a m i n h a frente
havia um c a m i n h ã o cuja insígnia assemelhava-se a um
apanhador de sonhos. S o b a insígnia havia os dizeres:
" C u b r a o M u n d o " . Entendi no m e s m o instante!
C o m e c e i a fazer apanhadores de sonhos p a r a os outros.
U m a a m i g a c o m p r o u m a i s d e u m a dúzia p a r a presentear
parentes no Japão. A s s i m , de certa forma, eu "cobria o
m u n d o " c o m m a r a v i l h o s o s lembretes visuais d e que deve-
m o s prestar atenção a nossos sonhos.
O q u e c o m e ç o u c o m o u m i n s t r u m e n t o p a r a m e u cami-
n h o espiritual expandiu-se p a r a incluir m u i t o s outros. A l é m
de oficinas p a r a fazer a p a n h a d o r e s de s o n h o s , e s t o u pro-
fundamente envolvida c o m trabalhos curativos.
As p e n a s ainda c h e g a m a m i m c o m o u m a garantia de que
estou no c a m i n h o certo. A m a i s recente a p a r e c e u enquanto
e u dirigia outra vez n u m a rodovia. U m a p e n a e n o r m e caiu
a m i n h a frente do lindo céu azul. Eu teria p a r a d o para p e g á -
la se n ã o fosse o c h o q u e e o fato de estar a c e m quilômetros
p o r hora, a i n d a "aturdida" p o r causa de u m a cura que acon-
tecera no dia anterior.
N ã o sou a primeira a dizer isso, m a s me p a r e c e claro que
as p e n a s se c o n e c t a m para n o s m o s t r a r o g r a n d e conheci-
m e n t o que está m u i t o p r ó x i m o de nós. Elas se c o n e c t a m ao
Pai C é u e à M ã e Terra. N u m a linguagem moderna, nós
p e r d e m o s o insight, nossa ligação c o m o eu intuitivo. Se u m a
p e n a m i s t e r i o s a m e n t e aparece n u m m o m e n t o d e ilumina-
ç ã o , q u a n d o f a z e m o s c o n t a t o c o m esse eu a d o r m e c i d o , é
u m a p o d e r o s a l e m b r a n ç a d e sabedoria d e u m t e m p o dis-
tante, q u a n d o c o n h e c í a m o s n o s s a s ligações c o m o ambien-
te e conosco.

76
Asas em Meus Pés
Pena Estelar

Minha relação c o m as penas c o m e ç o u antes que eu p e r c e -


besse. Quando jovem, eu passava horas caminhando nas
praias de C a p e C o d , c a t a n d o penas, c o n c h a s e pedras. As
c a m i n h a d a s e a b u s c a faziam parte de m e u processo de cura
emocional. Eu tinha p o t e s de vidro cheios de penas, as quais
colecionei s i m p l e s m e n t e porque a d o r a v a sua beleza.
A o s p o u c o s , fui b u s c a n d o m i n h a trajetória para o Espíri-
to p o r m e i o de m e d i t a ç ã o , ioga, c a m i n h a d a s na praia e es-
tudos metafísicos. D u r a n t e u m a das aulas, e x p l o r á v a m o s vi-
sualização dirigida c o m o forma de receber orientação. Q u a n -
do e n t r e i em m e d i t a ç ã o , p e r g u n t e i : " Q u a l é a função de
m i n h a v i d a ? " . E u e s p e r a v a obter s e n t e n ç a s claras e m m i -
nha m e n t e , p o r é m , a o invés disso, obtive u m filme. V i u m
céu estrelado c o m quatro penas b r a n c a s e n c a m i n h a n d o - s e
a o centro. E s s a s p e n a s cintilantes e s t a v a m unidas p o r u m
cordão dourado. Tratava-se d e u m a p o d e r o s a i m a g e m , rica
em s i m b o l i s m o , e q u e afirmava m i n h a trajetória c o m o ar-
tista espiritual.
Acredito que a proposta de "fazer a r t e " ou do processo
criativo visa a cura, e u m a obra finalizada é um l e m b r e t e
desse processo. Vi as p e n a s brancas de m i n h a visão c o m o
u m a pintura sagrada. Ao abrir u m a p e q u e n a galeria, cha-
m a d a Arte & A l m a , m o n t e i u m a oficina intitulada Pintan-
do de Dentro para Fora, a fim de estimular as pessoas (in-
clusive eu) a expressar e curar seu interior. P i n t á v a m o s de

77
acordo c o m a intuição, u s a n d o i m a g e n s que r e c e b í a m o s de
meditações dirigidas. Algumas de minhas pinturas pos-
s u í a m um tema indígena, e as penas apareciam c o m freqüên-
cia em m e u trabalho. A p e n a de águia, p o r e x e m p l o , é um
símbolo clássico do Espírito, pois ela tocou as n u v e n s e caiu
na terra.
P o r é m , n ã o h a v i a águias em C a p e C o d . A m i n h a volta,
os artistas p i n t a v a m gaivotas, d u n a s de areia e p a i s a g e n s
d a baía d e C a p e C o d . E u m e p r e o c u p a v a cada v e z m e n o s
c o m o aspecto comercial do trabalho artístico e cada vez m a i s
em explorar essa arte interior: m e d i t a ç ã o , escrita automáti-
ca e outras h a b ü i d a d e s psíquicas. M e u foco estava m u d a n -
do. C o m e c e i a me q u e s t i o n a r se fazia a coisa certa ou se
perdia a n o ç ã o da realidade.
U m dia, e m m i n h a confusão, decidi apelar a o Criador.
F u i à praia e disse:
— Ei, estou no caminho certo ou não? Preciso de um
sinal, algo que me dê certeza, algo que afirme minhas
crenças.
Continuei a andar, m a s n ã o vi n e m senti n a d a q u e se as-
s e m e l h a s s e a um sinal. À beira do desespero, parei n o v a -
m e n t e e abri m e u s braços p a r a o céu.
— É i m p o r t a n t e para m i m — c l a m e i em v o z alta. — P o r
favor, m o s t r e - m e que está me ouvindo... que estou
conectada. O u que d e v o m u d a r m e u c a m i n h o . — A n g u s -
tiada, n ã o vi n a d a . N ã o senti resposta.
Triste, olhei para b a i x o a fim de dar o primeiro p a s s o para
voltar. N o s m e u s pés havia u m p a r d e asas d e gaivota, u m a
e m cada pé. E r a u m sinal: asas e m m e u s pés! D e repente,
senti-me v e r d a d e i r a m e n t e vista e r e c o n h e c i d a , c o m o se o
Espírito h o u v e s s e escrito um e n o r m e SIM em m i n h a lousa
espiritual c o m aquelas asas de gaivota. O sinal me d e u c o -

78
r a g e m para prosseguir m i n h a trajetória, confiando no uni-
verso p a r a a m p a r a r m i n h a s escolhas.
D o i s anos após a v i s ã o das quatro p e n a s brancas no céu
estrelado, encontrei o h o m e m c o m o qual me casei. U m a
s e m a n a d e p o i s d e n o s c o n h e c e r m o s , ele m e a p e l i d o u d e
P e n a Estelar. Senti um arrepio: eu n ã o lhe dissera n a d a so-
bre a v i s ã o . Q u a n d o ele me c h a m o u de P e n a Estelar, foi
c o m o s e falasse a m i n h a a l m a c o m o u m m e n s a g e i r o d e m e u
n o m e espiritual.
A v i s ã o tornou-se ainda m a i s real q u a n d o u m a m u l h e r
que e u m a l conhecia p r e s e n t e o u - m e c o m quatro penas bran-
cas. Ela disse que c a m i n h a v a n u m a ilha q u a n d o sentiu u m a
forte p r e m o n i ç ã o d e q u e " e n c o n t r a r i a p e n a s p a r a P e n a
Estelar". M o m e n t o s d e p o i s , ela a c h o u q u a t r o p e n a s b r a n -
cas, as quais trouxe para m i m . Fiz um l e q u e especial c o m
elas, o qual uso em m e u trabalho curativo.
M a i s de u m a vez, as p e n a s foram sinais importantes p a r a
m i m . S ã o u m a m a n e i r a de receber a confirmação e o c o n h e -
c i m e n t o de q u e o Espírito n ã o é fruto de m i n h a i m a g i n a -
ção. As p e n a s são u m a manifestação física do Espírito que
se liga a todos nós. E l a s me ajudam a l e m b r a r de que qual-
quer coisa é possível.

79
Meditação
VISÃO DA VIDA

Corvo Lamoreux-Dodd liderou essa meditação dirigida para um


grupo de vinte pessoas. Escutamos histórias de penas e contamos
as nossas. Sentamos em círculo, cada um com sua pena, e nos
harmonizamos com os poderes do universo que nos rodeavam.
A sala tornou-se carregada de energia.
Finalizamos a meditação com uma dança e um canto, enquan-
to Corvo tocava tambor:

Escutamos o vento e o sonho


Estamos no vento e cantamos
Voamos ao vento
com nossas asas
com nossas asas
com nossas asas

• Escolha uma pena de poder ou uma que tenha significado para


você.
• Sossegado, feche os olhos e segure a pena com as duas mãos.
• Erga os braços e ponha a pena em seu primeiro chacra (abertu-
ra energética no centro de sua cabeça). Essa é a ligação com o
divino. Nos olhos de sua mente, crie um vórtice branco e
visualize-o surgindo desse chacra. Pergunte: "Qual é o cami-
nho de meu mais alto bem?, ou diga: "Por favor, mostre-me o
caminho de meu mais alto bem".
• Mova a pena para o chacra do terceiro olho (abertura energética
no centro de sua testa) e crie um vórtice lilás. É sua ligação com
o conhecimento espiritual. Mais uma vez, faça a pergunta ou
repita o pedido.
• Mova a pena para o chacra da garganta (abertura energética na
base de sua garganta) e crie um vórtice azul. Faça a mesma
pergunta.
• Mova a pena para o chacra do coração (abertura energética no
meio do peito) e crie um vórtice verde. Faça a pergunta de novo.

80
• Mova a pena para o terceiro chacra (abertura energética na área
do plexo solar) e repita o exercício com a cor amarela.
• Mova a pena para o segundo chacra (abertura energética abai-
xo do umbigo) e repita com a cor laranja.
• Mova a pena para o primeiro chacra (abertura energética na re-
gião entre as pernas) e repita com a cor vermelha.
• Por fim, deslize a pena ao longo do corpo, visualizando o arco-
íris de cores que criou, até que seus braços estejam acima da
cabeça. Levante a pena, ainda acima da cabeça, esticando os
braços em direção ao céu. Repita a pergunta mais uma vez e
agradeça o universo pela resposta que virá.

Você pode fazer essa meditação sempre que precisar de dire-


ção ou confirmação de que está em seu caminho.

81
Parte D o i s

0 Poder das Penas: Mensagens


de Cura e Transformação
Penas e Sonhos: Uma Entrevista
com uma Analista Junguiana
Maril Crabtree

As p e n a s em si são objetos concretos e tangíveis; são par-


tes da asa de um pássaro, m e t i c u l o s a m e n t e construídas para
executar o que a n a t u r e z a ditou. A despeito da cor, do ta-
m a n h o e do formato, os c o m p o n e n t e s b á s i c o s de u m a p e n a
nunca mudam.
O que significam as penas, porém, não é tangível, embora
seja mais ou menos definível, e sua simbologia pode m u d a r
de u m a circunstância para outra. O que as penas significam
pode ser tão efêmero e intangível quanto um sonho.
M a s o m u n d o dos sonhos possui estrutura própria, u m a
geografia específica, um conjunto próprio de símbolos e sig-
nificados. A interpretação dos s o n h o s existiu n o s t e m p o s
bíblicos e na época dos oráculos gregos. No m u n d o contem-
porâneo, o trabalho de psicoterapeutas, c o m o S i g m u n d
Freud, Alfred Adler, Carl J u n g e Erich F r o m m , revelou os
s o n h o s c o m o u m a a b e r t u r a p a r a a p s i q u e , e x p r e s s õ e s do
inconsciente e valiosos guias para n o s s a v i d a desperta.

Q u a n d o me reuni c o m a psicoterapeuta junguiana M a r y


Dian M o l t o n para discutir penas e sonhos, a conversa n o s
levou a esses domínios e muito mais. T o m a m o s chá e sabo-
r e a m o s fatias d e laranja n u m a c o n c h e g a n t e c o n s u l t ó r i o ,
rodeadas por livros, tapetes orientais e u m a m e s a forrada de

85
papéis. Fazia frio e n e v a v a do lado de fora; o céu cinzento
apagava qualquer evidência de pássaros naquele m o m e n t o .
— Se a l g u é m sonha c o m u m a p e n a — ela diz — eu p o -
deria associar tal fato c o m o Espírito. As p e n a s p o d e m ser
u m s í m b o l o daquilo que n o s leva a o m u n d o imaginário o u
a o m u n d o espiritual. P o d e m significar u m m e i o para encon-
trar as fantasias desse a l g u é m . P o d e m representar um sinal
do que é criado, quase literalmente, do n a d a — ou seja, fora
dos sistemas da psique pelos quais u m a idéia adquiriu u m a
forma, u m símbolo.
M a r y D i a n faz u m a p a u s a e t o m a o chá.
— N ã o há nada no m u n d o das formas q u e n ã o se origine
na fantasia. Esta cadeira, esta xícara, este b u l e de chá — ela
a p o n t a — , n e n h u m deles existiu e m forma física antes d e
ter existido em p e n s a m e n t o , em fantasia. Se as p e n a s repre-
s e n t a m e s s e v ô o da fantasia, essa c o n e x ã o c o m o d o m í n i o
d a i m a g i n a ç ã o , e n t ã o , v o c ê p o d e r i a dizer q u e , certa v e z ,
existiu u m a p e n a p a r a u m a xícara, u m a p e n a para u m bule,
u m a p e n a para tudo que v o c ê vê a n o s s a volta.
E n q u a n t o assimilo tudo isso c o m u m a fatia de laranja, ela
continua:
— É a transformação em símbolo. Há o desejo arquetípico
de voar, tal qual no mito de ícaro. Os egípcios acreditavam
que, na h o r a da m o r t e , a a l m a era p e s a d a n u m a b a l a n ç a em
contraposição a u m a pena, a p e n a representando a verda-
de. Os astecas r e v e r e n c i a v a m Q u e t z a l c o a t l , a serpente
e m p l u m a d a c o m o u m p o d e r o s o s í m b o l o d e fertilidade e
vida. C o m o vê — ela sorri, l e v a n d o a xícara aos lábios —, a
p e n a p o d e representar a transformação em a m b a s as extre-
m i d a d e s d o espectro.
M i n h a c a b e ç a está girando — ou v o a n d o — n u m estado
de total e n c a n t a m e n t o . P e n s o na famosa fénix, a ave da m i -
tologia egípcia, c o n s u m i d a pelo fogo e renascida das cin-

86
zas: o pássaro da m o r t e e da ressurreição que p o d e ser in-
terpretado c o m o u m s í m b o l o d o r e n a s c i m e n t o espiritual.
P e n s o nos deuses e n a s deusas retratados, ao longo dos sé-
culos, c o m penas o u asas o u c o m o pássaros mágicos: Zeus
transformando-se em cisne, anjos d a n ç a n d o na cabeça de
um alfinete, e a s s i m p o r diante. Sinto a confusão a que se
referiu o sensitivo E d g a r C a y c e , q u e analisou e interpretou
centenas d e s o n h o s n a primeira m e t a d e d o século X X , quan-
d o s o n h o u c o m " p e n a s voadoras".
Q u a n d o m e n c i o n o a interpretação de C a y c e a M a r y Dian,
ela concorda.
— F r e q ü e n t e m e n t e , q u a n d o s o n h a m o s c o m v ô o s , signi-
fica que nossa espiritualidade está submersa, que nossa vida
está praticamente "de pernas para o ar".
C o n v e r s a m o s s o b r e As Três Penas, o f a m o s o c o n t o dos
I r m ã o s G r i m m , no qual o velho rei, a fim de escolher seu
sucessor, i m p ô s aos três filhos a tarefa de encontrar o m a i s
lindo dos tapetes. Para evitar disputas entre eles, o rei lan-
ç o u três penas ao ar e p e d i u aos filhos q u e cada um seguis-
se u m a delas. Os dois irmãos "mais e s p e r t o s " o b s e r v a r a m
u m a das penas voar para o leste e a outra para o oeste. A
terceira flutuou um p o u c o e caiu na terra. Eles r a p i d a m e n t e
d i r i g i r a m - s e à e s q u e r d a e à direita, z o m b a n d o do i r m ã o
" t o l o " , que ficaria c o m a terceira pena.
M a s aquela p e n a apontava para baixo, em direção a u m a
toca, o n d e o tolo e n c o n t r o u a b ê n ç ã o q u e o fez g a n h a r o
reinado. S e g u n d o a análise de M a r y D i a n Molton, a solu-
ção n ã o se daria pela lógica ou pela razão, m a s sim pelas
mãos do destino.
— A s s i m é a p e n a — ela diz. — P o d e m o s pensar que o
vento sopra as p e n a s e o espírito. (...) o espírito que m o v e
as coisas ao redor da psique, que e n t e n d e a idéia da pleni-
tude do tempo, a parte da psique q u e é inarticulada, tola,

87
lenta, distante do i m e d i a t i s m o racional. E s t a é a s o l u ç ã o
mágica.
Resquícios de Forrest G u m p .
— L e m b r a - s e daquela p e q u e n a p e n a b r a n c a que flutua-
va ao redor do p e r s o n a g e m , mostrando-lhe o c a m i n h o ? —
eu pergunto. — Ou teria sido apenas o "destino"?
— O destino é outro termo difícil de se definir e, para m i m ,
está longe de ser s i m p l e s — M a r y D i a n r e s p o n d e . — No
p e n s a m e n t o j u n g u i a n o , o d e s t i n o p o d e ser e n t e n d i d o de
várias formas. U m a delas seria s i m p l e s m e n t e u m a "função
da sincronicidade".
I m a g i n o a i m u t á v e l m ã o da sincronicidade, erguendo o
caldeirão de sonhos, m e x e n d o a sopa da psique para ver que
arquétipos estão cozinhando. Penas, asas e v ô o estão entre
os símbolos m a i s arcaicos q u e incitam n o s s a ânsia de n o s
conectarmos c o m o p o d e r o s o m u n d o aéreo, l u m i n o s o e es-
piritual, n o s s o desejo de "desatar os velhos laços da terra"
e n o s transformarmos em algo irreconhecível, exceto para o
nível da a l m a ou para o q u e a a l m a simboliza.
No símbolo, afinal, encontra-se a transformação.

88
Espírito da Pena
Denise Linn

Durante m i n h a vida, tive a oportunidade de conhecer cer-


to n ú m e r o de culturas ao redor do m u n d o . Em a l g u m a s des-
sas culturas nativas, fui p r e s e n t e a d a c o m um n o m e . Trata-
se de u m a honra e o n o m e me liga ao p o v o da tribo ou à
cultura. Para o p o v o Zulu, s o u c h a m a d a de N o g u k i n i . Os
Maoris neozelandeses chamam-me de Whetu-Marama-Ote-
Rangi. Trinta anos atrás, ao estudar as tradições antigas do
H a v a í c o m um k a h u n a ( x a m ã ) , recebi o n o m e h a v a i a n o de
Maileonahunalani.
Gosto muito dos n o m e s que recebi ao longo dos anos; no
entanto, eu tinha o desejo de receber um n o m e espiritual que
refletisse m i n h a verdadeira origem indígena. Rezei para que
tal n o m e me fosse presenteado diretamente pelo Criador.
N u m a tarde quente de verão, senti a súbita necessidade
de a n d a r na floresta q u e se e s t e n d i a entre as m o n t a n h a s
Cascades, p r ó x i m o à p e q u e n a colina o n d e m o r á v a m o s . Eu
já h a v i a p a s s e a d o pela floresta várias vezes, s e m p r e encon-
trando mistério nas coisas m a i s comuns: o formato de u m a
folha caída sobre a terra ao sol do meio-dia; o s o m das cria-
turas invisíveis fazendo suas casas a m e u redor; a abundân-
cia e a q u a s e infinita v a r i e d a d e de arbustos, flores, m a t o ,
c o m todos v i v e n d o em h a r m o n i a e c o o p e r a ç ã o .
A o s u b i r n o t o p o d e u m a c o l i n a forrada d e p i n h e i r o s ,
parei s o b u m a grande árvore e fechei os olhos. H a v i a tran-
qüilidade e paz. N e m s e q u e r escutava o canto habitual dos

89
pássaros ou o z u n i d o d o s insetos. Eu r a r a m e n t e e x p e r i m e n -
tara t a m a n h a quietude. P e r m a n e c i sentada durante horas,
de olhos fechados, ciente da brisa suave q u e roçava m e u s
cabelos, e s p e r a n d o um sinal do Espírito.
D e r e p e n t e , senti u m a m u d a n ç a n o a r d a floresta. F o i
c o m o s e sutis ondulações d e energia m e p e n e t r a s s e m . R e s -
p i r a n d o fundo, l e n t a m e n t e abri os olhos. A p o u c o s m e t r o s
diante d e m i m , n u m galho, achava-se u m a g r a n d e coruja.
E l a e s t a v a tão perto q u e , se eu esticasse o b r a ç o , p o d e r i a
acariciar suas penas. Ela n ã o se m o v i a , o l h a v a diretamente
p a r a m e u s olhos. A floresta p a r e c e u desaparecer, restando
apenas aquele par de olhos enormes. Parecia que ambas
respirávamos nossa essência. Então, c o m um piscar de olhos,
a v e l h a coruja e r g u e u as asas e silenciosamente adentrou a
floresta.
A p ó s alguns instantes, os sons da m a t a retornaram, c o m o
se nada houvesse acontecido. Eu me levantei devagar e
a p r o x i m e i - m e do galho, o n d e a coruja p o u s a r a . H a v i a três
p e n a s b r a n c a s sobre ele. Eu as peguei e apreciei a textura
m a c i a e a incrível b r a n c u r a . De súbito, o u v i u m a v o z inte-
rior, dizendo:
— P o n h a as p e n a s em sua bolsa de cura agora. — As pa-
lavras m e espantaram. E u possuía u m a linda b o l s a d e pele
d e g a m o , m a s ela n ã o estava c o m i g o n a q u e l e dia. M a i s u m a
vez, escutei a voz: — P o n h a as penas em sua b o l s a de cura.
O convite p a r e c e u claro. P e d i a m - m e que eu colocasse as
p e n a s dentro d e m e u corpo. S e m t i t u b e a r , j o g u e i a s p e n a s
em m i n h a b o c a e as engoli. À m e d i d a que sentia as p e n a s
d e s c e n d o p e l a garganta, p u d e sentir m e u espírito expandir.
A v o z interior continuou:
— O a s p e c t o curativo da coruja s e g u e c o m v o c ê . Trata-se
do p o d e r de v e r a luz através da escuridão. Do m e s m o jeito
q u e inseriu as p e n a s da coruja em seu corpo, o espírito da

90
Coruja p e n e t r o u em seu ser e estará s e m p r e disponível para
você.
Gradualmente, a visão desapareceu e a voz silenciou.
Voltei à realidade da floresta, sentindo um m i s t o de leveza,
abertura, p o d e r e força, que continua a me nutrir. E hoje,
levo c o m i g o m e u N o m e Espiritual d e P e n a Branca.

91
Professoras em Sonhos
Gina Ogden

As avós v i e r a m até m i m e disseram:


S o m o s muitas.
N o s s o cabelo é b r a n c o c o m o as p e n a s
N o s s a p e l e é lisa e brilhante c o m o as rochas.
Viemos da bruma.
S o m o s a lua
S o m o s a luz
S o m o s o olho na pata do p u m a
a oração na asa da águia.

N o s s a s m ã o s são o fogo da terra


o arco-íris na rocha.
N o s s o r e m é d i o é forte.
N ó s a s e g u r a m o s c o m o um b e b ê .
N ó s a a l i m e n t a m o s c o m o l u m i n o s o carvão da verdade.

N o s s a c a n ç ã o é o pulsar do t a m b o r
O rugido em s e u coração.
Escute.
Nossas v o z e s c o r r e m c o m o á g u a sobre as rochas
a c a m i n h o do oceano.
C l a m a m o s o rugido
e m c a d a ser que s e m o v e .
S o m o s o s o p r o da vida

92
o v e n t o no trigo
o sussurro no ouvido.
Em nossas línguas t e m o s o p ã o da sabedoria.

S o m o s as avós.
S o m o s as estrelas
S o m o s a lua
Somos a bruma
S o m o s as pedras eretas.
S o m o s silenciosas c o m o a s penas.
C h e g a m o s , de repente, na noite.
Não devemos nos mover.

93
Do Coração da Águia
Maril Crabtree

Don A l b e r t o T a x o assemelha-se ao retrato de Jesus: esguio,


pele cor de oliva, cabelos escuros e c a c h e a d o s tal qual u m a
auréola natural. Ele usa r o u p a s simples e sandálias, do jeito
que as pessoas c o m u n s do E q u a d o r se v e s t e m . M a s a ener-
gia que e m a n a de sua p r e s e n ç a está l o n g e de ser c o m u m .
O u v i d i z e r q u e esse h o m e m c u r a v a c o m p e n a s e quis
conhecê-lo pessoalmente. Consegui marcar um encontro
c o m ele, no fim da tarde, a fim de conversar sobre suas curas.
M a s seu avião atrasou-se e D o n Alberto chegou poucos
m i n u t o s antes de iniciar a palestra.
Corri ao auditório. A m a i o r i a das cadeiras fora o c u p a d a
e havia um clima de expectativa no ar. Eu me encontrava
n o s fundos do i m e n s o salão q u a n d o ele c h e g o u . N ã o esta-
va p r e p a r a d a para o p o d e r que senti a s s i m q u e aquele h o -
m e m entrou. Senti-me a i n d a m a i s d e s p r e p a r a d a para o que
aconteceu q u a n d o fui apresentada a ele.
S u a intérprete me a p o n t o u e D o n Alberto aproximou-se,
sorrindo. E s t e n d i m i n h a m ã o , m a s ele s e g u r o u m e u s om-
b r o s e me a b r a ç o u . A força de algo q u e eu c h a m a r i a de
" i m e n s a c o m p a i x ã o " e n v o l v e u - m e e me invadiu. Então, ele
se v i r o u e c a m i n h o u entre a m u l t i d ã o , d e i x a n d o - m e
extasiada, c o m o s e e u tivesse p a s s e a d o p o r u m j a r d i m for-
rado de flores e plantas exóticas.
D o n A l b e r t o falou p a r a n ó s n a q u e l a noite c o m o o líder
espiritual de onze c o m u n i d a d e s latino-americanas, indica-

94
do pelo C o n s e l h o X a m â n i c o de Iachags (curadores, x a m ã s
e v i d e n t e s ) dos A n d e s E q u a t o r i a n o s . F i l h o e neto de
curadores x a m ã s , ele descobriu, em tenra idade, que seus
dons s e r i a m — e m b o r a ele j a m a i s esperasse ser n o m e a d o
"A Força da G r a n d e L u z " (o título oferecido a ele pelo C o n -
selho) — a ponte entre a A m é r i c a do Sul e a do Norte p a r a
compartilhar antigas profecias e c o n h e c i m e n t o curativo.
Suas palavras ao auditório foram simples:
— Q u a n d o a águia do norte p u d e r voar c o m o condor do
sul, o m u n d o será transformado. Águias e condores são aves
de força e sabedoria, e juntos r e p r e s e n t a m a m e n t e e o cora-
ção do m u n d o . Há m u i t o a aprender da união dos dois —
Don Alberto dissera, por m e i o de sua intérprete.
Q u e estranho, pensei. A q u e l e h o m e m , que n ã o sabia fa-
lar i n g l ê s , q u e c r e s c e r a n u m a c i d a d e p o b r e e q u e a i n d a
morava na m e s m a c o m o curandeiro, fora escolhido para fa-
lar a respeito de transformação a u m a platéia de norte-ame-
ricanos sofisticados.
Pensei n o v a m e n t e e m Jesus, seu n a s c i m e n t o n u m a m a n -
jedoura e sua vida h u m i l d e , os sinais de sabedoria precoce
q u a n d o aos d o z e anos ele falava aos m a i s velhos do m e s -
mo jeito que D o n A l b e r t o que, aos quinze anos, desafiara
os x a m ã s experientes a liberar seus segredos antigos para o
b e m do planeta.
— Q u a n d o a luz do coração da á g u i a resplandecer, ela
iluminará o m u n d o — D o n Alberto disse. — O coração sabe
sentir. P e r m i t a m que seus corações liguem-se aos elemen-
tos da natureza — o ar, a água, a terra. Q u a n d o vocês senti-
rem a conexão, estarão p r ó x i m o s do Criador.
L e m b r e i - m e das i n ú m e r a s vezes em q u e encontrei penas:
sempre na natureza, sempre me trazendo o sentimento aben-
ç o a d o do m u n d o espiritual invisível que sei existir, p o r q u e ,
nesses m o m e n t o s de c o n e x ã o , eu o sinto.

95
— P e r m i t a m que cada lugar e c a d a m o m e n t o sejam sa-
grados — ele continuou. — Simplesmente sentiam. Simples-
m e n t e permitam-se sentir.
E l e e n t o o u c a n ç õ e s x a m â n i c a s e m sua l í n g u a n a t i v a e
c o n v i d o u - n o s a a c o m p a n h á - l o c a n t a n d o ou m u r m u r a n d o
quaisquer sons que n o s v i e s s e m naquele m o m e n t o .
— N ã o se c o n c e n t r e m nas palavras — ele disse. — É um
convite ao coração. O coração de vocês sentirá as palavras e
aprenderá o ritmo.
D u r a n t e os cinco m i n u t o s seguintes, p r e e n c h e m o s a sala
c o m sons lindos, inspirados pela simplicidade de seu con-
vite. E n q u a n t o cada um cantava a partir do coração, de olhos
fechados, os sons fundiam-se n u m a florescente h a r m o n i a ,
dando um n o v o significado à expressão música das esferas.
Em seguida, ele p e g o u sua trouxa de penas e convidou nosso
líder espiritual a receber u m a cura "para o benefício de to-
dos". O ministro se a p r o x i m o u e D o n A l b e r t o direcionou
as p e n a s à aura energética que rodeava o c o r p o do minis-
tro. E n q u a n t o roçava as p e n a s ao longo do corpo dele, D o n
Alberto cantava b a i x i n h o em sua língua nativa.
As p e n a s s u b i r a m l e n t a m e n t e pela c o l u n a do ministro,
l i m p a n d o e purificando. Então, ao parar diante do coração,
D o n Alberto cantou. Ele trabalhou nos dois lados do corpo
de n o s s o líder e, finalmente, n u m a b ê n ç ã o , c o l o c o u as pe-
nas no topo da cabeça do ministro.
A e n e r g i a do c o n d o r e da águia — m e n t e e coração —
fundiu-se e conectou-se ao corpo físico, assim c o m o ao espí-
rito. N a q u e l e instante, senti a paz invadir m e u corpo, u m a
inefável sensação de bem-estar interior. Lembrei-me de u m a
velha canção infantil, c h a m a d a Cumprindo Promessas. C u m -
prindo a p r o m e t i d a união entre coração e m e n t e , senti-me
renovada e abençoada por aquele c o m p r o m i s s o global.

96
Ritual
CURANDO COM PENAS

Don Alberto Taxo

Don Alberto Taxo, por meio de sua intérprete, deu as seguintes


instruções para utilizar as penas num ritual curativo. Ao usar as
penas, você estará trazendo o elemento ar à cerimônia. Ao se co-
nectar a esse elemento, você cria uma ligação em termos de sen-
sibilidade com toda a natureza.

• Comece pedindo ao vento que passe a energia das penas à aura


da pessoa que precisa de cura.
• Use a energia das penas para remover a energia negativa do
corpo, roçando as penas da direita para a esquerda ou roçan-
do-as da esquerda para a direita, quando quiser coletar ener-
gia positiva.
• Posicionando as penas em diferentes partes do corpo, você
poderá dessa maneira afastar a energia negativa e restaurar a
energia positiva.
• Use penas grandes e largas para ajudar a tirar a energia nega-
tiva e penas menores, estreitas e coloridas para trazer energia
positiva para o corpo.
• Enquanto você acaricia suavemente a aura que rodeia o corpo,
peça às penas que protejam e purifiquem o corpo com sua ener-
gia, para trazer harmonia e equilíbrio à aura.

97
O Poder da Águia
Bobby Rae Sullivan

Fui criada n u m r a n c h o e m D a k o t a d o Sul. M i n h a m ã e s e m -


pre c o n v e r s a v a c o m i g o a respeito da águia e de quão im-
portante ela era para n o s s o p o v o , os O g a l a S i o u x . Se v o c ê
visse, p o r e x e m p l o , u m a águia durante u m a v i a g e m , signi-
ficaria q u e a j o r n a d a seria boa. Se a águia derrubasse u m a
p e n a , este seria o m e l h o r i n s t r u m e n t o de cura de todos e
v o c ê poderia usá-la p a r a ajudar a si e aos outros.
D u r a n t e m i n h a vida, m i n h a m ã e g a n h o u três p e n a s d e
águia. Ela as guardou, d i z e n d o - m e que, a l g u m dia, haveria
d e usá-las p o r u m m o t i v o especial. N u n c a dei muita i m p o r -
tância, m a s era u m sinal impressionante ver u m a p e n a cain-
do do c é u justamente sobre o lugar o n d e e s t á v a m o s , enquan-
to a águia v o a v a . M i n h a m ã e encontrou u m a das três p e n a s
perto de o n d e as águias faziam seus n i n h o s , n u m a colina
de n o s s o rancho.
A ú l t i m a veio até ela p o u c o depois de um a m i g o m o r r e r
repentinamente. T í n h a m o s a c a b a d o de voltar do enterro e
v i m o s a p e n a no m e i o da estrada, em frente à porteira do
pasto.
— T e n h o certeza de que é u m a m e n s a g e m dele — ela dis-
se, sorrindo. — Q u a n d o é r a m o s crianças e brincávamos de
procurar corvos, cada v e z q u e ele avistava u m a águia dizia-
me que um dia flutuaria nas alturas, olhando para todos aqui
e m b a i x o . D i s s e que jogaria u m a pena para a s pessoas que
gostava e, para aqueles q u e n ã o gostava, jogaria outra coisa!

98
M u i t o s anos se p a s s a r a m . C a s e i - m e e dei a m i n h a m ã e
três netas. M i n h a p r i m e i r a filha n a s c e u forte e saudável. A
segunda teve alguns p r o b l e m a s , m a s l o g o o s superou. M i -
n h a caçula, Lisa, veio ao m u n d o saudável, p o r é m , aos três
anos, d e s e n v o l v e u apoplexia devido a u m a febre e x t r e m a -
m e n t e grave.
E n q u a n t o as afecções c o n t i n u a v a m a n o após ano, eu con-
sultava médicos para descobrir o que poderia ser feito. N a d a
parecia ajudar.
Q u a n d o Lisa c o m p l e t o u sete anos, m e u m a r i d o prepara-
va-se p a r a u m a D a n ç a d o Sol. Pedi-lhe que incluísse Lisa
em suas preces. M i n h a m ã e entregou-lhe as três penas de
águia que guardara todos aqueles anos.
— Sinto que este é o m o t i v o pelo qual guardei essas p e -
nas — ela disse. — P o r favor, l e v e - a s e use-as e n q u a n t o
estiver d a n ç a n d o e r e z a n d o p o r Lisa.
P o u c o t e m p o depois, m e u irmão me l e v o u a um ritual, a
c h a m a d a " t e n d a do suor". Durante a cerimônia, eu disse ao
curandeiro que eu estava r e z a n d o p o r m i n h a filha doente.
Depois que a c e r i m ô n i a terminou, ele me p u x o u de lado.
— S u a filha já está s u b m e t i d a a u m a m e d i c i n a p o d e r o s a
por m e i o da D a n ç a do Sol. O p o d e r da águia está trabalhan-
do p o r ela e trata-se de u m a m a g i a m u i t o forte. Em seu oi-
tavo inverno, a m e n i n a estará livre desse m a l que afeta sua
mente e corpo.
F i q u e i c h o c a d a c o m tais palavras. Eu n a d a lhe dissera a
respeito d e m i n h a m ã e , das penas d e águia, d e m e u m a r i d o
ou da D a n ç a do Sol da qual ele participara para o benefício
de Lisa.
Q u a n d o m i n h a filha c o m e m o r o u seu oitavo aniversário,
ela o fez s e m a ajuda de m e d i c a ç õ e s . H a v i a quatro m e s e s
que n ã o mais sofria afecções. L e m b r e i - m e de todas as his-
tórias que m i n h a m ã e contara sobre a cura da águia e sobre

99
c o m o o p o d e r desse a n i m a l é forte q u a n d o u s a d o de m a -
neira correta.
M i n h a m ã e n ã o se s u r p r e e n d e u c o m a n o v i d a d e de que
Lisa n ã o m a i s sofria de apoplexia. Q u a n d o e n t r e g o u as p e -
nas a m e u m a r i d o , ela me disse, sentiu o p o d e r da águia se
transferir para ele.

100
Faróis da Noite
Eleanor K. Sommer

A s corujas s e m p r e r e s v a l a r a m p a r a m i n h a p s i q u e c o m o
símbolos de mistério e sabedoria. M e s m o q u a n d o criança,
eu adorava escutar os c h a m a d o s das corujas que h a b i t a v a m
as florestas ao redor de n o s s a casa em N o v a Jersey. A i n d a
hoje consigo visualizar os olhos i m e n s o s e as asas gigantes-
cas, escuto o golpe de ar q u a n d o elas a l ç a m v ô o à procura
de u m a presa. C a ç a d o r e s noturnos. E s p e c t r o s da morte. V i -
sionários precisos. A coruja vê o que outros n ã o p o d e m ver.
A coruja n e m s e m p r e traz b o a s notícias, m a s é um p o d e r o -
so símbolo de transformação.
M i n h a m o r a d a na floresta t e r m i n o u q u a n d o fui à Flórida
estudar. As corujas a p a r e c i a m p a r a m i m em raras ocasiões,
q u a n d o visitava m e u s familiares, a c a m p a v a ou quando vi-
sitava a m i g o s que m o r a v a m e m áreas m e n o s populosas.
S o m e n t e ao me m u d a r para Naples, Flórida, elas volta-
r a m a fazer parte de m i n h a vida. D o i s pinheiros p r ó x i m o s
a n o s s a c a s a e r a m o lar de um casal de corujas, q u e , no
m í n i m o , já residia ali m u i t o antes de c h e g a r m o s . O c h a m a -
do familiar e a p r e s e n ç a etérea d e s p e r t a r a m m i n h a ligação
c o m aquelas grandes aves predadoras.
N o s s a vizinhança p o s s u í a u m p e q u e n o parque. U m car-
v a l h o , a l g u m a s p a l m e i r a s e os p i n h e i r o s c o m p u n h a m o
poleiro perfeito p a r a as corujas e u m a linda vista para os
m o r a d o r e s . M e u m a r i d o e eu s e m p r e p a s s e á v a m o s pelo par-
q u e ao entardecer, e s c u t a n d o as corujas, e n q u a n t o estas se
p r e p a r a v a m p a r a a caçada noturna.

101
As caminhadas sempre nos relaxavam, especialmente
q u a n d o n o s v í a m o s e m conflito acerca d e n o s m u d a r m o s
para outra região da Flórida. A d o r á v a m o s N a p l e s , m a s a
cidade tornava-se p o v o a d a e comercial demais. A n s i á v a m o s
p e l a " v e l h a F l ó r i d a " . N o s s o p a s s e i o s , então, t o r n a r a m - s e
discussões meditativas. Para onde iríamos? D e v í a m o s ficar?
Certa noite, fiz a pergunta às estrelas e abri m e u s braços para
o céu. N a q u e l e m o m e n t o , um instante de entrega, u m a das
corujas v o o u sobre m i n h a c a b e ç a e senti sua c a u d a roçar
m e u s cabelos.
— Eis sua resposta — m e u m a r i d o e x c l a m o u .
De fato, foi u m a resposta. Transformação. U m a m u d a n -
ça. Um sinal de que era hora de fazer algo n o v o .
Na m a n h ã s e g u i n t e , m e u insight se c o n f i r m o u q u a n d o
m e u m a r i d o t r o u x e u m a p e n a d e coruja, q u e h a v i a caído
em frente a n o s s a casa.
— A c h o que é para v o c ê — ele disse.
As amigas aladas quase fugiram por causa do ruído en-
surdecedor da serra que cortou um dos pinheiros que elas
c h a m a v a m de lar. Nossa vizinha rabugenta não gostava das
pinhas que caíam em seu carro, riscando a pintura do auto-
móvel. Eu h a v i a sugerido que ela estacionasse o carro do
outro lado da casa, m a s a mulher preferiu derrubar a árvore.
E m n o s s a festa d e despedida, u m a amiga m e trouxe u m
envelope cheio de penas de coruja que ela e o m a r i d o ha-
v i a m encontrado n u m a c a m p a m e n t o . Amarrei-as a m i n h a
primeira p e n a de coruja, j u n t o c o m conchas e pedras mari-
nhas de m i n h a s praias favoritas em Naples: l e m b r a n ç a s para
eu levar c o m i g o .
A d e u s , corujas. Q u e o lar de vocês continue seguro.
A l u g a m o s u m a casa e m Gainesville, u m a c o m u n i d a d e n o
centro da Flórida, conhecida p o r suas árvores espetacula-
res e por seus quilômetros de terra virgem.

102
P r o c u r a m o s um lote para comprar. Dirigimos e dirigimos,
c o n s e g u i m o s n o s perder em estradas de terra, fomos perse-
guidos p o r cachorros e t a p e a d o s por corretores. Encontra-
m o s um p e d a ç o de terra e o c o m p r a m o s antes de passar u m a
noite n o local. Q u a n d o enfim a c a m p a m o s , f o m o s surpreen-
didos p o r u m holofote q u e p e r t e n c i a a o v i z i n h o . A l â m p a -
da do h o l o f o t e i l u m i n a v a n o s s o s c i n c o a c r e s , tal q u a l a
D i s n e y w o r l d , o f u s c a n d o as á r v o r e s e f o r m a n d o s o m b r a s
bizarras. Os majestosos c a r v a l h o s q u e t e r i a m b l o q u e a d o o
brilho artificial e n c o n t r a v a m - s e l o n g e d e m a i s para prote-
ger o e s p a ç o da casa. P i o r q u e o holofote era o silêncio da
manhã.
— V o c ê escutou? — perguntei a m e u m a r i d o , ao acordar.
— O quê?
— E x a t o — eu disse. — N ã o há pássaros!
A c o m b i n a ç ã o de luz e ausência de v i d a s e l v a g e m n o s
c o l o c o u n a estrada n o v a m e n t e .
Enfim, d e s c o b r i m o s u m a propriedade e o b t i v e m o s per-
m i s s ã o de dormir u m a noite no local antes de assinarmos
qualquer d o c u m e n t o . A q u e l e adorável lote de quatro acres
c o m u m p e q u e n o riacho custava caro d e m a i s , m a s alguns
amigos interessaram-se em dividir o custo c o m o objetivo
de r e s t a u r a r e p r e s e r v a r a q u e l a r e g i ã o . O l o t e a c h a v a - s e
p r ó x i m o a centenas de acres de u m a terra já preservada por
duas c o m u n i d a d e s , c o m regras restritas quanto ao corte de
árvores e o desenvolvimento desenfreado; n ã o esperávamos,
portanto, n e n h u m a surpresa durante nossa primeira noite.
D e p o i s que o sol se p ô s atrás dos pinheiros, u m a brisa
suave s o p r o u e m c a m p o aberto, o n d e i m a g i n a m o s construir
nossa casa. Pássaros e sapos e grilos c o m p u n h a m a canção
noturna. A q u e l a terra estava viva!
Q u a n d o o m a n t o escuro da noite cobriu as árvores, escu-
tei aquele s o m tão familiar da coruja.

103
P u d e sentir m e u m a r i d o sorrir n a escuridão.
— Você ouviu?
— Ouvi.
M a i s d e u m ano depois, finalmente n o s m u d a m o s p a r a
n o s s o m o d e s t o chalé, felizes p o r fazer parte de u m a c o m u -
n i d a d e q u e a m a v a a natureza. N o s s a s a m i g a s corujas logo
descobriram que seus vizinhos desejavam proteger o habitat.
No dia seguinte, aventurei-me n u m a m a n h ã fria de de-
z e m b r o . Inalei o perfume dos pinheiros e observei o ar sair
de minha b o c a em forma de fumaça devido ao gelo do
amanhecer.
Q u a n d o olhei para baixo, vi, a alguns centímetros de m e u s
pés, u m a p e n a . U m a p e n a d e coruja. E u m e senti transfor-
m a d a , viva e pronta para u m a n o v a aventura nas florestas.
A g o r a n ó s a s o u v i m o s c o m freqüência, p i a n d o q u a n d o
se p r e p a r a m para jantar ou gritando ao declarar seu territó-
rio. V e n d o o que n ã o v e m o s . G u i a n d o - n o s à transformação.

104
Um Espírito, uma Pena
Hazel Achor

M i n h a j o r n a d a espiritual c o m a s p e n a s c o m e ç o u m u i t o s
anos atrás na Califórnia. C e r c a de quinze de n ó s n o s encon-
trávamos semanalmente para explorar princípios espirituais,
m u i t o a l é m d o que h a v í a m o s aprendido e m nossa criação
religiosa. N ó s nos c h a m á v a m o s de "A S o c i e d a d e Ô m e g a " e
as r e u n i õ e s o c o r r i a m em n o s s a s casas. À m e d i d a q u e os
encontros a c o n t e c i a m c o m o passar dos anos, todos n o s tor-
n a m o s m u i t o amigos.
E n t ã o , u m dos m e m b r o s , C l a u d e , sofreu u m enfarte. Ele
e a esposa, que p o d i a m se c o m u n i c a r em níveis psíquicos,
c o m b i n a r a m q u e , q u a n d o m o r r e s s e , C l a u d e enviaria u m
s í m b o l o de sua p r e s e n ç a espiritual. A p ó s três dias, a e s p o s a
e o m e l h o r a m i g o , q u e t a m b é m p e r m a n e c e r a ao l a d o de
C l a u d e , v i r a m s e u espírito partir. A v i d a no p l a n o físico
havia terminado para ele.
A p e s a r de eu ter c o m p a r e c i d o ao enterro, o primeiro en-
contro d a S o c i e d a d e Ô m e g a s e m C l a u d e p a r e c e u - m e i n c o m -
pleto. P r o s s e g u i m o s , c o m esforço, a p r o g r a m a ç ã o , m a s en-
fim verbalizei o que acreditava que todos n ó s sentíamos.
— N ã o consigo parar de pensar em C l a u d e — eu disse.
— Sinto s a u d a d e s dele. Q u e r i a que h o u v e s s e um jeito de
ainda tê-lo conosco.
— Ele está c o n o s c o — sua esposa, D e l o r e s , disse c o m lá-
grimas nos olhos. — T a l v e z se m e d i t a r m o s juntos, ele pos-
sa reunir-se a nós o n d e quer que esteja.

105
Em silêncio, fizemos um círculo e r e z a m o s pelo espírito
de Claude. F o i reconfortante d a r m o s as m ã o s e nos concen-
trarmos em n o s s o velho a m i g o , desejando-lhe o b e m . Per-
m a n e c e m o s assim p o r alguns m i n u t o s e, então, cada um de
n ó s disse u m a oração e m v o z alta.
Quando terminamos, abrimos nossos olhos e olhamos
para baixo. N o centro d o círculo, h a v i a u m a p e n a e n o r m e ,
s e m e l h a n t e em t a m a n h o e m a r c a s à p e n a de u m a águia ou
de um falcão. Um olhar de surpresa e p u r a alegria ilumi-
n o u o rosto de Delores.
— E s s e é o s í m b o l o que e s c o l h e m o s antes de ele morrer...
u m a pena! — ela e x c l a m o u . — T o d a v e z que v i a j á v a m o s ,
n ó s c o l e t á v a m o s p e n a s . C l a u d e disse que s e u espírito m e
enviaria u m a p e n a para m e m o s t r a r que ele estava b e m .
Por m a i s cética que tivesse sido ao longo de m i n h a j o r -
n a d a espiritual, n a q u e l a noite tornei-me u m a " c r e n t e " n o
fato de q u e nossas almas s o b r e v i v e m p a r a a l é m do p l a n o
físico. D e s d e aquele dia, p e n a s t ê m aparecido c o m o um si-
nal d e apoio q u a n d o passo p o r u m a transição. M a s n u n c a
m a i s esquecerei a p e n a que s i m p l e s m e n t e se materializou.
Se foi m a n d a d a pelo espírito de C l a u d e ou p e l o u n i v e r s o
n ã o importa; o importante é que ela representa um milagre
da infinita interligação.

106
Jornada da Pena
Anna Belle Fore

M e u c a m i n h o c o m a s p e n a s c o m e ç o u durante u m a medi-
tação dirigida p o r Ernestine Cline, u m a artista esotérica de
Fort M y e r s , Flórida. E n q u a n t o n o s conduzia n u m a j o r n a d a
interior, Ernestine sugeriu q u e n o s i m a g i n á s s e m o s receben-
d o u m a dádiva d e u m sábio. M e u ser interior n ã o hesitou;
vi m i n h a dádiva nitidamente: u m a p e n a preta sobre um tra-
vesseiro b r a n c o .
No dia seguinte, durante m i n h a m e d i t a ç ã o em casa, foi-
m e dada outra p e n a preta. P o u c o t e m p o depois, recebi u m a
p e n a b r a n c a e u m a v e r m e l h a . Q u a l seria o significado des-
sas dádivas simbólicas?, perguntei-me. T a l significado era
um mistério para mim. Claro, eu gostava da beleza das
p e n a s , m a s não sabia o q u e fazer c o m elas q u a n d o apare-
ciam em minha meditação.
N e s s a época, u m a a m i g a querida e eu fomos à Califórnia
p a r a u m a excursão d e autodescoberta. E m n o s s a primeira
p a r a d a , saí do carro e, a m e u s pés, j a z i a u m a única p e n a
preta. N o dia seguinte, e n q u a n t o c a m i n h á v a m o s , u m a p e n a
b r a n c a surgiu em m e u c a m i n h o . Passei a me dar conta da
freqüência c o m que as p e n a s a p a r e c i a m p a r a m i m . Então,
c o m e c e i a procurar u m a p e n a vermelha!
N u m a p e q u e n a c o m u n i d a d e d a Califórnia, p a r a m o s p a r a
conhecer u m a loja de artigos indígenas. Procurei u m a p e n a
v e r m e l h a , m a s n ã o encontrei n e n h u m a . A o sair, perguntei
à lojista se ela tinha outras p e n a s . A m u l h e r d e s a p a r e c e u

107
no fundo da loja e voltou c o m um p e q u e n o saco de penas
v e r m e l h a s . A q u e l a s p e n a s e s t a v a m n a loja h a v i a u m b o m
t e m p o , ela dissera, m a s por a l g u m m o t i v o não as colocara à
venda. Claro, senti que e s t a v a m a m i n h a espera! Essas pe-
n a s c o n f i r m a r a m que m i n h a r e c e n t e decisão d e desenvol-
v e r a c a p a c i d a d e curativa seria a v o c a ç ã o m a i s acertada.
A g o r a encontro p e n a s c o m freqüência. Elas me fazem rir
e sorrir. C h e g u e i a encontrar u m a p e n a no toalete do local
o n d e trabalho. A t é então, eu estava um tanto insatisfeita no
cargo de administradora de um centro de saúde, o qual in-
cluía tirar o lixo do toalete todos os dias. Ao achar aquela
p e n a , entendi a m e n s a g e m de que eu devia " s u a v i z a r " e ver
b e l e z a e m tudo.
C a d a vez que vejo u m a pena, sei que ela representa um
farol que ilumina m e u caminho.

108
Uma Pena para Norma
Vickie Thompson

O mais provável é que o fogo da alma seja inflama-


do pelo círio do convívio e o vento da amizade nun-
ca mude uma pena!
— Dickens, A Velha Loja de Curiosidades

F a z i a m u i t o calor em San A n t o n i o e eu esperava, impacien-


temente, q u e o ar-condicionado fizesse sua parte, q u a n d o
entrei na rua principal de nossa subdivisão. Ao me virar, vi
um anúncio de v e n d a de objetos usados. Eu n u n c a tinha ido
a esse tipo de brechó, t a m p o u c o quisera, m a s algo me fez
parar diante da residência.
C a m i n h a v a pela calçada, perguntando-me por que resol-
vera olhar quinquilharias alheias, quando notei um carro c o m
a placa de Oklahoma. C o m o tinha m u d a d o meses atrás para
o Texas vindo de Oklahoma, imaginei que, se não conseguisse
um desconto, ao m e n o s eu conheceria um conterrâneo. Eu
pouco sabia quão profético seria aquele encontro.
N o r m a era u m a m u l h e r de certa forma atraente, c o m ca-
b e l o s p l a t i n a d o s , u n h a s i m e n s a s e cílios p o s t i ç o s . D e d u z i
que ela devia ter uns cinqüenta anos. Era alta, esguia, m o -
rena e agitava os braços e as m ã o s daquele jeito a n i m a d o
das pessoas que falam tanto c o m as m ã o s quanto c o m a boca.
C o n v e r s a m o s p o r apenas alguns minutos, m a s foi o sufi-
ciente para descobrir que h a v í a m o s m o r a d o n o m e s m o bair-

109
ro em O k l a h o m a City, que a m b a s é r a m o s do M i s s o u r i e que
eu precisava m u i t o de assadeiras. Fui e m b o r a c o m os bra-
ços repletos de assadeiras de cinqüenta centavos cada. N a -
quela noite, depois do trabalho, voltei à rua. D e s s a v e z , foi
só p a r a conversar. Isso ocorreu há dez anos e ainda n ã o es-
g o t a m o s todos os assuntos.
N o r m a tornou-se minha melhor amiga. O trabalho me
o b r i g o u a m u d a r p a r a Atlanta e, depois, Connecticut. N o r -
m a m u d o u - s e p a r a L a s V e g a s e , e m seguida, K a n s a s City.
M a n t i v e m o s contato p o r telefone e avião. No último outo-
n o , fiz m i n h a p r i m e i r a v i a g e m a K a n s a s City, já q u e N o r m a
tinha se m u d a d o p a r a lá. Ela estava n u m a casa n o v a e pro-
pus que fizéssemos u m a " l i m p e z a " .
L i m p e z a s são feitas p a r a e l i m i n a r o indesejado, o mofo
ou energias negativas, e t a m b é m p a r a ajudar as p e s s o a s a
construírem um vínculo especial c o m a casa. Se os ocupan-
tes e n t r a m em h a r m o n i a c o m os p a d r õ e s energéticos, o lar
p o d e d e s e n v o l v e r um a m b i e n t e especial, o qual é n o t a d o
p o r qualquer visitante. M u i t a s p e s s o a s j á fizeram c o m e n t á -
rios do tipo: " N ã o sei o que há em sua casa. Ela transmite
muita paz".
Na casa n o v a de N o r m a , r e u n i m o s todo o material de que
i r í a m o s precisar: velas, óleos de proteção, incensos de salva
e alecrim. C o l o c a m o s feijões crus n u m a lata p a r a improvi-
sar u m chocalho. C o m e ç a m o s pelo interior d a casa. N o r m a
e n t r o u em cada c ô m o d o , u s a n d o o c h o c a l h o para r o m p e r a
energia estagnada ao l o n g o das paredes e n o s cantos. Eu a
seguia c o m um incenso a fim de purificar os quartos e es-
p a n t a r qualquer energia indesejada.
Na s e g u n d a p a r t e da c e r i m ô n i a , f o m o s p a r a o exterior.
S e g u n d o m i n h a crença, cada direção está ligada a um elemen-
to: o norte é terra, o leste é ar, o sul é fogo e o oeste é água.
Primeiro, invocamos os espíritos do norte para prover prote-

110
ção. Fizemos o m e s m o em cada direção, e N o r m a deixava um
pequeno presente de agradecimento, algo que representasse
o elemento simbólico daquela direção. No norte, ela ofere-
ceu u m a pedra e no leste, um incenso. U m a vela foi dada ao
poderoso sul, e u m a concha para as águas do oeste.
E m seguida, u s a n d o óleos essenciais, salpicamos s í m b o -
los protetores em cada porta e janela, m a i s u m a v e z pedin-
do proteção p a r a a casa e seus habitantes. A l é m de N o r m a ,
a residência t a m b é m era o lar de u m a cadela c h a m a d a Tisha
e de dois gatos persas, Júlio e Sinbad.
O p a s s o seguinte foi e n v o l v e r a residência n u m círculo
de p r o t e ç ã o . C i r c u n d e i a casa três v e z e s c o m um b u l e de
chá de salva fervente p a r a purificá-la. Continuei a fazê-lo
por m a i s três vezes, cantando p a r a invocar a D e u s a e criar
u m círculo energético e m volta d a construção (sabiamente,
e s c o l h e m o s realizar as cerimônias n u m d o m i n g o de m a n h ã ,
antes que os vizinhos c o m e ç a s s e m a acordar!).
O ritual de proteção era u m a parte importante p a r a m i m .
N o r m a n u n c a percebeu q u a n t o e u m e p r e o c u p a v a c o m ela.
C o m o ela sofria de pressão alta, durante anos temi que caísse
na cozinha d e v i d o a um d e r r a m e ou enfarte. De forma irra-
cional, m e u s m e d o s n u n c a se referiam aos quartos, ou à sala,
ou ao banheiro. Era a b e n d i t a cozinha que me perturbava.
O estágio final de u m a b ê n ç ã o residencial e n v o l v e a liga-
ção do proprietário c o m a energia da casa em si. Pedi a Nor-
m a que entrasse e m c a d a c ô m o d o , a c e n d e s s e u m a vela e
" c o n v e r s a s s e " c o m o c ô m o d o . Ela diria ao local o que que-
ria dele. P o r e x e m p l o , a l g u é m p o d e pedir um s o n o repara-
dor no quarto. Pessoas que p o s s u e m trabalhos estressantes
p o d e m pedir que a sala de estar seja um local tranqüilo e
pacífico p a r a a família.
N ã o sei o q u e N o r m a p e d i u n o s c ô m o d o s . Só sei que, tão
logo ela se retirou, peguei u m a vela e fui à cozinha.

111
— N ã o ouse deixá-la m o r r e r — ordenei.
T o d a a c e r i m ô n i a l e v o u u m a h o r a e meia. S u a d a s e exaus-
tas, p r e p a r a m o s chá gelado e n o s s e n t a m o s no pátio p a r a
recarregar n o s s a s baterias. L o g o depois, v o l t a m o s p a r a den-
tro a fim de n o s lavar. A p ó s um b a n h o l o n g o e relaxante,
e n r o l e i u m a toalha e m m e u s c a b e l o s , vesti u m r o u p ã o e
atravessei o corredor em direção a m e u quarto.
Q u a n d o m e a p r o x i m e i d o armário, algo c h a m o u m i n h a
atenção. S o b r e o estofado azul de u m a cadeira, h a v i a u m a
p e q u e n a p e n a branca. Ela estava elevada, a extremidade m a l
t o c a v a o a s s e n t o , c o m o se h o u v e s s e f l u t u a d o e p o u s a d o
sobre o tecido azul.
E m p r i n c í p i o , a c h e i e s t r a n h o . E n t ã o , entendi. E r a u m a
m e n s a g e m . O s espíritos que c o n v o q u e i para proteger N o r -
m a a v i s a v a m - m e d e que tudo ficaria b e m . A g o r a e u p o d e -
ria parar de me preocupar, pois ela estaria protegida.
Fui ao quarto de N o r m a e disse:
— V e n h a aqui. Q u e r o lhe m o s t r a r u m a coisa.
Eu devia estar c o m u m a expressão esquisita, porque
N o r m a levantou-se, séria, e me seguiu. I n d i q u e i a pena.
— De o n d e ela v e i o ? — ela perguntou.
— Creio q u e veio do outro lado, a c h o que é um presente.
N o r m a n a d a dizia, e n q u a n t o o b s e r v a v a a pena. Ela de-
d u z i u que eu a colocara ali e a g u a r d a v a u m a explicação.
— N ã o , N o r m a . N ã o coloquei essa p e n a na cadeira.
— Então, de o n d e ela v e i o ? — ela i n d a g o u outra vez.
— A c h o que é u m a m e n s a g e m — eu respondi. — Creio
que é u m a m a n e i r a de eles me d i z e r e m q u e funcionou, q u e
eles nos ouviram.
N o r m a t e n t o u racionalizar, m a s foi em v ã o . Ela n ã o ti-
nha n e n h u m pássaro. As j a n e l a s e s t a v a m todas fechadas, e
eu entrara e saíra do quarto o dia todo; portanto, seria fácil
ter n o t a d o a pena.

112
Eu a observava à m e d i d a q u e ela percebia o q u e aconte-
cera. N o r m a arregalou os olhos. Eu gostaria de lembrar o
que d i s s e m o s exatamente, m a s s ó m e recordo d o sentimen-
to de exaltação e alegria. N o r m a m o n t o u um p e q u e n o altar
e c o l o c o u a pena nele.
Q u a t r o meses depois, N o r m a teve um enfarte. N ã o sei se
ela estava na cozinha; n ã o perguntei. T u d o que sei é que o
acordo se m a n t e v e . Ela estava protegida e o b t e v e u m a rápi-
d a r e c u p e r a ç ã o a p ó s u m a cirurgia q u e corrigiu u m sério
p r o b l e m a e m seu coração.
Em a l g u m a s s e m a n a s , estarei v o a n d o para K a n s a s City a
fim de visitar N o r m a . C o n v e r s a r e m o s s e m parar e iremos a
brechós. Visitaremos os filhos dela e os netos, e continuare-
m o s a conversar. B e b e r e m o s café e leremos o jornal no pá-
tio pela manhã. F a r e m o s tudo que velhas a m i g a s fazem.

E naquele momento de paz, pouco antes do amanhecer,


Irei para fora e me comunicarei com Ela
que está sempre à espreita.
Honrarei os espíritos dos elementos.
Oferecerei meu profundo agradecimento por continuar
atenta.
E usarei penas em meus cabelos.

113
Ritual
UMA BÊNÇÃO RESIDENCIAL COM PENAS

Uma bênção pode ser realizada quando você se muda para uma
casa nova ou sempre que sentir necessidade de limpar e purificar
sua residência. Em minha casa, fazemos a bênção uma vez por
ano, normalmente no equinócio de outono.

• Para sua bênção, você pode convidar amigos que tragam as


próprias penas. Eles o acompanharão, fortalecendo e reforçan-
do seus movimentos, enquanto você percorre os quartos e o pe-
rímetro da casa. Ou você pode pedir que cada um escolha um
cômodo e conduza a bênção naquele espaço.
• Se tiver uma oração especial ou um feixe de penas, use-a na
benção. Se não tiver, escolha a pena mais poderosa e passe al-
gum tempo meditando com ela, invocando a necessidade de que
ela o ajude a afastar energias negativas ou estagnadas e trazer
novas energias e proteção.
• Agradeça a sua pena, caminhe ao redor do perímetro de cada
cômodo, limpando com a pena. Dê atenção especial aos cantos,
onde a energia estagnada pode acumular.
• Pare em cada porta e janela aberta, pedindo por proteção e
bênção, e para que cada entrada seja reforçada com as energias
do Espírito.
• Finalize a cerimônia percorrendo o perímetro externo da casa,
parando em cada uma das quatro direções para honrar o am-
biente natural e o que sustenta sua casa.

Você pode deixar pequenas penas em cada cômodo, como um


meio prático de obter limpeza e renovação de energia quando
quiser.

114
União de Energias
Toby Evans

A grande coruja tornou-se m e u totem p r i m á r i o em m i n h a


primeira j o r n a d a x a m â n i c a ao m u n d o inferior. Fiquei fasci-
n a d a ante o caráter m e d i c i n a l da coruja, descrito por u m a
índia C h u m a s h , cujo n o m e era C h o q o s h Auh-ho-oh, c o m o
"o t r a n s f o r m a d o r , a q u e l e q u e vê a luz na e s c u r i d ã o " . A
coruja, ela disse, representa a m o r t e do e g o e da confusão
de tudo q u e está fora de equilíbrio. Essa energia p o d e r o s a
n e m s e m p r e é fácil de encontrar.
À q u e l a altura d e m i n h a vida, e u era co-diretora d e u m
p r o g r a m a d e educação juvenil d a igreja, c o m u m a m u l h e r
c h a m a d a D e b b i e . E s t á v a m o s envolvidas n u m g r u p o d e per-
cussão e n o s s o s objetivos espirituais n o s l e v a r a m a integrar
os e n s i n a m e n t o s da R o d a de C u r a ao currículo j u v e n i l da
U n i d a d e c o m T o d a a V i d a . Certa vez, d e s e n v o l v e m o s u m a
oficina p a r a adultos e f o m o s c o n v i d a d a s a voltar a m i n h a
terra natal para apresentá-la.
A p ó s u m a hora d e v i a g e m , v i m o s u m pássaro m o r t o n a
estrada; foram suas asas que c h a m a r a m n o s s a atenção. Ao
parar, fitamos os i m e n s o s olhos d o u r a d o s de u m a grande
coruja. O corpo estava perfeito, e s a b í a m o s que se tratava
d e u m presente que ficaríamos h o n r a d o s e m aceitar.
P e d i m o s e r e c e b e m o s a p e r m i s s ã o da Coruja para r e m o -
ver as asas. D e c i d i m o s que cada u m a de nós ficaria c o m u m a
asa. Aceitei secá-las e prepará-las q u a n d o v o l t á s s e m o s para
casa. D u r a n t e o processo, escutei u m a m e n s a g e m interior:

115
— As asas são um s í m b o l o da parceria de v o c ê s e do tra-
balho que realizam juntas. Quando esse trabalho estiver
terminado, v o c ê terá de devolver as asas à terra.
N ã o gostei da m e n s a g e m . Eu já estava a p e g a d a a m i n h a
asa e mais apegada ainda a m e u relacionamento c o m
D e b b i e . E s t á v a m o s apenas no início e a idéia de um fim n ã o
m e p a r e c e u a t r a e n t e . G u a r d e i a m e n s a g e m n o fundo d e
m i n h a m e n t e , feliz p o r esquecer q u e a escutara.
D u r a n t e os q u a t r o a n o s seguintes, D e b b i e e eu c o n t i n u a -
m o s a unir e n e r g i a s e m sessões s e m a n a i s p a r a n o s s o p r o -
grama educacional. Nossa sociedade expandiu-se a ponto
de partilhar as oficinas de cura c o m p r o f e s s o r e s e estudan-
tes de e s c o l a s p ú b l i c a s . A C o r u j a p a r e c i a estar c o n o s c o ,
v o a n d o n a s correntes de ar, l e v a n d o - n o s às áreas m a i s p r o -
fundas do t r a b a l h o interior e exterior. U s á v a m o s as asas a
n o s s a m a n e i r a , i n c l u i n d o sessões de cura e rituais pessoais.
M a s , aos p o u c o s , n o s s a s vidas c o m e ç a r a m a t o m a r r u m o s
diferentes.
Eu estava inquieta, sentindo-me distante de m i n h a terra
e arte. Parecia que m e u contrato cármico c o m a igreja havia
a c a b a d o e eu estava pronta para partir. N e s s e ínterim, a m ã e
de D e b b i e , Della, teve câncer, e D e b b i e p a s s o u os m o m e n -
tos finais ao lado dela. C o n c o r d e i em p e r m a n e c e r no pro-
g r a m a até q u e ela p u d e s s e voltar. N ã o s a b í a m o s que a m o r t e
de Della t a m b é m significaria o fim da sociedade.
A p ó s o f a l e c i m e n t o de D e l l a , a m b a s n o s r e s i g n a m o s e
D e b b i e a s s u m i u os deveres da m ã e . L e v o u o pai para casa e
tornou-se sua constante enfermeira. Eu tinha cada vez m e -
n o s contato c o m ela, e m b o r a n o s e n c o n t r á s s e m o s n o g r u p o
de percussão. N ã o falávamos sobre a dissolução da socie-
dade, apesar das evidências.
Q u a n d o a coruja vinha até m i m em jornadas xamânicas,
eu m o n t a v a em suas costas. M a s , às vezes, via-me sentada

116
sob u m a gigantesca abertura circular, observando o brilho das
estrelas, e percebia que eu estava dentro dos olhos da coruja.
C o m freqüência, quando a jornada terminava, eu voltava ao
t a m a n h o normal e olhava para trás a fim de ver m i n h a c o m -
p a n h e i r a girar sua c a b e ç a e olhar diretamente para fitar mi-
n h a alma. O brilho dourado de seus olhos transformava-se
em azul e as penas tornavam-se brancas.
A i m a g e m era semelhante a m e u gato branco, que se cha-
m a v a Arco-íris. Eu acordava no meio da noite e o via e m p o -
leirado na cabeceira da cama. Sua p e l a g e m branca tornava-
se cinza, iluminada pelo luar quando ele ansiava sair. N e s -
ses m o m e n t o s , ele sempre representava u m a coruja para m i m .
Ao final do outono, Arco-íris saiu p a r a seu habitual pas-
seio no quintal. S o m e n t e à noite percebi que ele n ã o havia
voltado. Ao chamá-lo, recebi c o m o resposta o piado de u m a
coruja. Senti u m a estranha sensação.
Na m a n h ã seguinte, descobri o que a coruja havia relata-
do. Arco-íris foi e n c o n t r a d o m o r t o na rua, atropelado p o r
um carro. Coloquei-o j u n t o à área da R o d a de C u r a de nos-
sa propriedade. Q u a n d o fui contar a A d a m , m e u filho de
onze anos, ele ficou m u i t o triste e p e d i u para faltar à aula.
Garanti que j u n t o s faríamos u m a c e r i m ô n i a para Arco-íris,
antes de enterrá-lo s o b u m a grande árvore.
A d a m sentou-se no c h ã o e chorou, apertando o corpo de
Arco-íris entre os b r a ç o s , e n q u a n t o fui b u s c a r m i n h a sálvia,
tabaco e a asa de coruja. D e p o i s que t e r m i n a m o s o ritual,
depositei o corpo do gato no b u r a c o que h a v í a m o s c a v a d o
e, de repente, escutei as instruções em m i n h a mente.
— C h e g o u o m o m e n t o de enterrar sua asa. C o l o q u e - a ao
lado do gato. A sociedade entre v o c ê s a c a b o u e é hora de
liberá-la.
E n t e n d i a m e n s a g e m c o m o o p r e n ú n c i o de outra m o r t e e
tudo em m i m resistia, apesar de eu saber que tinha de fazê-

117
lo. Foi difícil dizer a D e b b i e que m i n h a asa estava enterra-
da. N ã o c a b i a a m i m insistir p a r a q u e e n t e r r a s s e a dela.
D e b b i e conhecia as instruções e n ã o estava preparada.
V á r i o s anos se p a s s a r a m e a vida de D e b b i e foi c o n s u m i -
da pelas exigências familiares. A asa da coruja p e r m a n e c i a
g u a r d a d a n u m armário e n u n c a tinha sido usada. Enfim, ela
decidiu v e n d e r a casa e m u d a r - s e para outro E s t a d o , m a s
n ã o foi um p r o c e s s o fácil. T u d o parecia dar errado. Q u a n -
do as coisas c o m e ç a v a m a c a m i n h a r , algo acontecia.
P o u c o antes do D i a das M ã e s , liguei para D e b b i e a fim
de saber c o m o ela estava. S e u pai h a v i a se instalado n u m a
casa de repouso. Ela me p e r g u n t o u se era possível a l g u é m
adquirir o c a r m a de outra pessoa, p o r q u e tinha a nítida sen-
sação de que Della a a c o m p a n h a r a todo aquele t e m p o !
A p ó s d e s l i g a r o telefone, senti D e l l a a m e u l a d o . E l a me
d i s s e q u e , d e s d e a m o r t e , h a v i a se l i g a d o à e n e r g i a de
D e b b i e , d e v i d o à n e c e s s i d a d e de finalizar a l g u m a s q u e s -
tões c o m o m a r i d o . P o r é m , D e l l a m e garantiu que D e b b i e
consentira.
Lembrei-me de que, logo depois da morte de Della,
D e b b i e c o n t o u - m e u m sonho, n o q u a l Della lhe p e r g u n t a v a
se p o d i a ser ela. D e b b i e n ã o entendeu. Então, Della expli-
cou-lhe que seria o m e s m o q u e usar as roupas da filha p o r
a l g u m t e m p o . A l h e i a ao significado daquele pedido, D e b b i e
disse à m ã e que a ajudaria. Em seguida, notei q u e D e b b i e
h a v i a g a n h a d o p e s o e dores pelo corpo. Fisicamente, ela se
parecia cada v e z m a i s c o m Della.
Della agora indicava que o trabalho estava t e r m i n a d o e
q u e p o d i a liberar D e b b i e p a r a que esta seguisse a própria
vida. Ela n ã o se encontrava presa entre os dois m u n d o s , m a s
se apegara ao corpo de D e b b i e e sabia que precisaria de aju-
da p a r a separar-se da filha. C o n v e r s e i c o m D e b b i e e con-
c o r d a m o s e m criar u m a cerimônia p a r a auxiliar Della. M e u

118
lado racional n ã o fazia idéia de c o m o proceder, m a s acredi-
tava que as orientações surgiriam e que d e v í a m o s apenas
segui-las.
As instruções que recebi consistiam em usar um objeto que
pertencera a Della, sua c a n ç ã o favorita e t a m b é m a asa da
coruja que D e b b i e guardara. Eu tinha u m a luva que fora de
Della, que deixava em m e u ateliê, junto c o m metros de fitas
coloridas que ela certa vez usara para enfeites e costura.
No D i a das M ã e s , D e b b i e deitou-se no c h ã o do ateliê, sob
u m a escada de madeira. Ela parecia estar deitada e m b a i x o
d e u m c o m p a s s o gigante ou, u m a tenda. N o último d e g r a u
d a e s c a d a , c o l o q u e i u m a v e l a b r a n c a ; s o b ele, h a v i a u m a
tigela de flores secas. C o l o q u e i u m a vela p ú r p u r a perto da
cabeça de D e b b i e p a r a alinhá-la c o m o Espírito, e u m a vela
v e r d e aos pés dela, representando sua ligação c o m a Terra.
No topo da escada, coloquei a luva e ajeitei a asa da coruja
sobre ela.
Ao pegar as fitas, foram-me m o s t r a d a s as áreas do corpo
de D e b b i e às quais a energia espiritual de Della estava ape-
gada. A m a r r e i u m a cor em c a d a local — n o s pulsos, torno-
zelos, cintura, peito, p e s c o ç o e testa. Para c a d a ponto, eu le-
v a v a a fita ao céu, s u b i n d o a escada. Repeti o ritual várias
vezes até que todos os locais tornaram-se ligados à asa da
coruja que continuava no topo da escada. O efeito final fi-
c o u interessante.
Depois, inseri a c a n ç ã o favorita de Della no aparelho de
s o m e c o m e c e i a coagi-la a sair do c o r p o de D e b b i e . Em
princípio, n a d a aconteceu. Circulei D e b b i e , c h a m a n d o guias
e anjos e p e d i n d o assistência à Coruja. Ela seria a carrua-
g e m de Della, levando-a ao outro m u n d o por m e i o do vôo.
A p ó s alguns instantes, o espírito de Della saiu do corpo
de D e b b i e , e x c l a m a n d o :

119
— Ruth, v o c ê t e m de me ajudar!
R u t h era sua falecida irmã. L o g o , ela apareceu, a c o m p a -
n h a d a de outros ajudantes. Observei-os segurar Della p o r
todos os lados. Em conjunto, m o s t r a m o s a Della que era h o r a
de partir. D e v a g a r , ela c o m e ç o u a retirar-se do p l e x o solar
de D e b b i e . O espírito de Della seguia as fitas tal qual circui-
tos de sua p r ó p r i a e n e r g i a vital. D e l l a foi l e v a d a e s c a d a
acima, d e g r a u após degrau. O a r o m a das flores a fez parar
e me dizer q u e eu tinha de colocar as flores na c a b e ç a e n o s
pés de D e b b i e . Ela esperou que eu salpicasse as pétalas nas
áreas antes de falar n o v a m e n t e .
— Preciso de um m o m e n t o c o m a asa de coruja. — M i -
n u t o s d e p o i s , ela c o n t i n u o u : — A g o r a corte as fitas. Está
s e n d o m a i s difícil partir a g o r a do que q u a n d o morri.
A p r o x i m e i - m e de D e b b i e c o m u m a tesoura e cortei cada
fita s e n t i n d o q u e e u e s t a v a f o r t a l e c e n d o a p a s s a g e m
energética de volta para s e u corpo. C a d a fragmento de fita
teve de ser r e m o v i d o e as aberturas foram seladas n u m ní-
vel etéreo. S i m b o l i c a m e n t e , todos os circuitos de Della re-
tornaram p a r a ela, antes que me fosse permitido cuidar de
Debbie.
O corpo l â n g u i d o de D e b b i e foi d e l i c a d a m e n t e envolvi-
do p o r um lençol. O u t r o grupo de auxiliares a p a r e c e u para
ajudá-la a se recuperar. H o u v e um m o m e n t o de p u r a ener-
gia circulando dos pés à c a b e ç a de Debbie. O objetivo era
retirar qualquer resíduo de Della do p l e x o solar de Debbie.
Q u a n d o o p r o c e s s o terminou, D e b b i e e eu e m b r u l h a m o s a
asa j u n t o c o m as fitas e l e v a m o s tudo ao p ó l o Leste dos Q u a -
tro Portais Direcionais em m i n h a R o d a de Cura.
Coloquei a asa no b u r a c o que havia p r e p a r a d o e n o s des-
p e d i m o s de Della, libertando a verdadeira essência de seu
espírito.

120
A longa p a s s a g e m c o m a Coruja ensinou a m i m e a Debbie
os vários níveis da m o r t e , guiando-nos através da escuri-
dão que e n c o n t r a m o s em n ó s m e s m a s e em outros ao avis-
tar o sinal de nossa luz interior. S e r e m o s para s e m p r e gra-
tas à Coruja, que se dividiu p a r a unir nossas energias. Ao
juntar suas asas, ficamos livres para seguir n o s s o s c a m i n h o s
s e p a r a d a m e n t e , ligadas pela v e r d a d e de n o s s a plenitude.

121
Espírito Mensageirc
Will Davis

A l g u n s anos atrás, e u enfrentava u m m o m e n t o difícil e m


m i n h a vida. H a v i a terminado u m relacionamento importan-
te, o qual eu p e n s a r a q u e acabaria em c a s a m e n t o . D e s d e en-
tão, v i n h a c l a m a n d o p o r a l g u m a orientação, m a s n i n g u é m
parecia me ouvir.
Um dia, ao sair do trabalho, parei ao lado de m e u carro,
no e s t a c i o n a m e n t o , a fim de e s p e r a r m e u a m i g o , S o n n y , q u e
p e g a v a carona c o m i g o todos os dias. Eu o vi a p r o x i m a r - s e
e, então, virei-me para entrar no carro.
D e repente, avistei u m e n o r m e falcão v o a n d o n o céu. N ã o
prestei m u i t a atenção, em princípio, até q u e o falcão v i r o u
em m i n h a direção. P o u c o antes de a ave me atingir — uns
três m e t r o s — ela girou e v o l t o u a subir. N e s s e exato ins-
tante, u m a p e n a de sua asa caiu entre m e u s pés.
Fitei a p e n a c o m u m a s e n s a ç ã o de espanto. Ela estava em
perfeitas c o n d i ç õ e s e tinha um lindo formato. S o n n y correu
até m i m . N ã o c o n s e g u i a conter a agitação.
— V o c ê viu aquilo? V o c ê viu aquilo? — ele repetia.
A i n d a o l h a n d o a pena, eu repliquei:
— Foi surpreendente. O falcão veio diretamente a m i m .
N ã o sei se ele v i u alguma coisa... M a s veja a p e n a q u e ele
derrubou. É linda!
P e g u e i a p e n a , levei-a p a r a c a s a e d e i x e i - a s o b r e u m a
m e s a . M a i s t a r d e , n a q u e l a m e s m a n o i t e , tentei e n t e n d e r

122
c o m o aquela p e n a m i l a g r o s a m e n t e viera até m i m . " T a l v e z
seja u m sinal", pensei. " R e z a r e i c o m esta p e n a " .
D e p o i s d e rezar, fiz u m p e q u e n o e s c u d o c o m u m a lasca
de carvalho e amarrei a p e n a no centro dele.
No dia seguinte, c o m e c e i a me sentir melhor. Em p o u c a s
s e m a n a s , senti-me c u r a d o e pronto p a r a seguir em frente.
Então, c o n h e c i u m a p e s s o a c o m q u e m partilhar a vida, al-
g u é m q u e estava interessado em seguir o m e s m o c a m i n h o
espiritual.
A i n d a t e n h o o p e q u e n o e s c u d o c o m a p e n a no centro. Em
a l g u m a s crenças indígenas, o falcão é c o n s i d e r a d o um m e n -
sageiro. Acredito que o Criador e n v i o u - m e u m a m e n s a g e m
n a q u e l e dia, avisando-me que tudo ficaria b e m e que, ape-
sar de estar v i v e n d o um período r u i m ou negativo, há tam-
b é m coisas b o a s a receber.
Q u a n d o n ã o m e sinto b e m c o m i g o m e s m o o u e m m e u
m u n d o , o n d e quer q u e e u esteja, v i s u a l i z o a q u e l e falcão
v o a n d o e deixando u m a p e n a para m i m , e escuto n o v a m e n t e
sua m e n s a g e m .

123
Apoderando-me de Meu Poder
Carol Rydell

Q u a n d o eu tinha quatro anos de idade, não me sentia feliz


por estar neste mundo físico. Em minha confusão, tentei,
diversas vezes, fugir de meu corpo e da família com a qual
vivia.
Ao tentar fugir da confusão e da densidade, sofri três
acidentes graves no mesmo ano. O terceiro quase tirou mi-
nha vida. Eu perseguia minha irmã caçula, como fazem os
irmãos, quando ela me trancou para fora da casa. Comecei
a bater na porta, gritando para que ela me deixasse entrar.
Bati e bati em vão, até que, de repente, meu braço estourou
o vidro ao lado do batente.
Foi um ferimento grave. Depois de levar mais de 250
pontos no braço e receber oito transfusões de sangue, fiquei
algum tempo internada no setor infantil do hospital. Ao lado
de meu leito, havia uma menina dois anos mais velha. As
pessoas a visitavam sempre. Uma cascavel a tinha picado e
ela estava muito doente.
Lembro-me de não ter medo de meu ferimento, mas sim
do trauma que minha companheira de quarto estava viven-
do. O medo e a preocupação dos familiares, médicos e en-
fermeiras me apavoravam. Aquela cobra me assustava. Só
uma criatura horrível faria isso com a menina.
Passaram-se quarenta anos e eu ainda pensava naquela
cobra. Senti que já era hora de resolver esse medo. Obvia-
mente não era justificado.

124
A p ó s a n o s de estudos espirituais, aprendi q u e a cobra era
um s í m b o l o de t r a n s m u t a ç ã o , do p r o c e s s o de m o r t e e re-
n a s c i m e n t o . U m a cobra troca a própria pele, transitando en-
tre a vida e a m o r t e , tal qual a b a n d o n a m o s n o s s a s partes
envelhecidas p a r a n a s c e r n o v a m e n t e , c o m e ç a r u m n o v o ci-
clo de vida.
A o refletir acerca d e m e u m e d o d e cobra, percebi que e u
temia repelir partes d e m i m m e s m a que n ã o m a i s m e ser-
v i a m . E s t a v a n a h o r a d e trocar d e pele. P o u c o d e p o i s d e
m i n h a s reflexões, o universo graciosamente me presenteou
c o m u m a oportunidade.
E s t a v a a c a m i n h o de u m a consulta médica. E r a um lindo
dia de primavera. Eu adorava dirigir pelo p a r q u e para obser-
var os gansos no lago e qualquer vida s e l v a g e m que pudes-
se surgir. Q u a n d o fiz u m a curva, avistei u m a cobra na bei-
ra da rua. Parecia morta. T ã o logo a vi, s o u b e q u e era para
m i m . Ansiosa, parei e olhei para ela, m a s , m e s m o s a b e n d o
que estava morta, fiquei apavorada.
— L e v e a c o b r a p a r a c a s a — escutei u m a v o z interior
dizer. N ã o p u d e acreditar no que ouvia, m a s era real.
— Isso é loucura — m e u eu p r a g m á t i c o replicou. — V o c ê
n ã o t e m d e recolher u m a cobra m o r t a q u e e n c o n t r o u n a rua.
Resolvi ir ao consultório m é d i c o a fim de n ã o me atrasar
para a consulta. Se a c o b r a fosse r e a l m e n t e m i n h a , ela esta-
ria a m i n h a espera q u a n d o eu voltasse.
A s s i m q u e o m é d i c o saiu da sala de e x a m e , eu p e d i à
assistente um par de luvas cirúrgicas, cuja caixa encontra-
va-se p e n d u r a d a à parede.
— Claro, m a s para que precisa delas? — ela perguntou.
— E s t o u t r a b a l h a n d o n u m p r o j e t o — r e s p o n d i . — Só
preciso d e u m par.
Ela me deixou pegar as luvas, agradeci-lhe e fui embora.
Sentia-me ridícula.

125
Q u a n d o passei pelo parque outra v e z , sabia que a cobra
estaria a m i n h a espera. N u n c a pensei em fazer outro trajeto
a fim de n ã o enfrentar o dilema. Ao me a p r o x i m a r da cur-
v a , lá estava ela. C o n t i n u a v a na m e s m a posição.
A c o b r a e n c o n t r a v a - s e e m ó t i m a s c o n d i ç õ e s . N e m sei
c o m o ela morrera, p o r q u e n ã o havia n e n h u m ferimento apa-
rente. Tal fato c o n f i r m o u o s e n t i m e n t o de que eu devia l e v á -
la p a r a casa.
Saí do carro devagar, ainda r e c e a n d o q u e a cobra pudes-
s e r e s s u s c i t a r e m e picar. O u t r o s v e í c u l o s p a s s a v a m p o r
m i m , tentando adivinhar o que acontecia. Q u a n d o c h e g u e i
m a i s perto da cobra, ela p a r e c e u ainda m a i o r do que antes.
D e v i a ter um m e t r o de c o m p r i m e n t o e era preta. C o m o eu
a levaria para casa? A b r i o porta-malas do carro, achei u m a
sacola de s u p e r m e r c a d o e coloquei as luvas cirúrgicas.
N ã o podia fazê-lo. M e u coração batia rápido demais,
m e u s j o e l h o s t r e m i a m e m i n h a r e s p i r a ç ã o e s t a v a ofegan-
te. D i s s e a m i m m e s m a q u e eu tinha de fazê-lo. E s t a v a na
h o r a d e enfrentar a q u e l e m e d o d e u m a v e z p o r todas. N o -
v a m e n t e , v a s c u l h e i m e u carro, p r o c u r a n d o algo q u e pu-
d e s s e me ajudar. Um t a c o de golfe — era a ferramenta q u e
eu precisava.
" A g o r a está s e n d o m e s m o r i d í c u l a " , m i n h a v o z crítica
ralhou. "O porta-malas está aberto; suas m ã o s estão cober-
tas p o r luvas cirúrgicas; v o c ê segura um taco de golfe e um
saco plástico. O que as pessoas v ã o p e n s a r ? " .
N ã o me importei. P e s q u e i a cobra c o m m i n h a "ferramenta
e s p e c i a l " e coloquei-a no saco. E n t ã o , guardei-a no porta-
malas. E u m a l conseguia respirar.
C o m e c e i a tremer, e n q u a n t o dirigia. N u n c a me senti tão
idiota. Ao c h e g a r em c a s a , usei o taco de golfe p a r a retirar
o s a c o do p o r t a - m a l a s e levei-o até os fundos. J o g u e i a c o -
b r a e m m e u c a n t e i r o d e flores e e s t i q u e i - a a o l o n g o d o s

126
cristais b r a n c o s q u e b o r d e j a v a m o c a n t e i r o . Q u a n d o m e
levantei para admirar meu presente do universo, ainda
senti c e r t o m e d o , m a s t a m b é m h a v i a a d m i r a ç ã o , o r g u l h o
e realização.
Corri para a cozinha a fim de telefonar a u m a amiga e con-
tar-lhe a experiência. D e z minutos depois, voltei ao j a r d i m e
quase desmaiei. Próximo à cabeça da cobra havia um lindo
gaio-azul c o m as asas abertas. Ele t a m b é m estava morto.
Gaios-azuis s e m p r e e n t r a v a m e m m i n h a vida q u a n d o e u
precisava r e c o n h e c e r , h o n r a r o u utilizar p r o p r i a m e n t e m e u
poder. A p r e s e n ç a do pássaro era um sinal de q u e eu havia
p a s s a d o p o r u m a p o d e r o s a experiência simbólica a o enfren-
tar m e u m e d o .
N o r m a l m e n t e , eu pegaria as duas criaturas e as enterra-
ria, m a s me vi a d m i r a n d o a m b a s . O dia tornou-se noite, e
eu ainda n ã o as enterrara por m e i o de u m a cerimônia.
Na m a n h ã seguinte, o sol a q u e c e u - m e q u a n d o saí para o
deque. Eu me preparei e m o c i o n a l e espiritualmente para a
cerimônia que n ã o fizera no dia anterior. Olhei para o can-
teiro de flores. A cobra e o gaio h a v i a m desaparecido.
Entrei em pânico. Senti culpa. N ã o realizara a cerimônia
q u a n d o devia e, portanto, eles h a v i a m sido tirados de m i m .
Procurei em todos os lugares: sob o deque, ao r e d o r da casa,
no j a r d i m inteiro. T a l v e z m e u gato ou outro a n i m a l os ti-
vesse levado ao riacho q u e h a v i a perto de m i n h a proprie-
dade. A p ó s vasculhar os arredores do riacho, n ã o encontrei
a cobra e o gaio.
Resolvi fazer um enterro p a r a eles, apesar de n ã o tê-los
m a i s c o m i g o fisicamente. A g r a d e c i os presentes e os ensi-
n a m e n t o s . Ofereci água, tabaco e milho à M ã e Terra.
L o g o c e d o , na m a n h ã s e g u i n t e , tive um s o n h o . Vi que a
c o b r a e s t a v a e m b a i x o do d e q u e e p r o n t a p a r a voltar. E m -
b o r a e u t i v e s s e p r o c u r a d o n a q u e l e local, l e v a n t e i - m e , v e s -

127
ti u m a r o u p a , fui à g a r a g e m e p e g u e i o p e d a ç o de m a d e i r a
q u e h a v i a u s a d o n o dia anterior p a r a v a s c u l h a r e m b a i x o
do d e q u e .
A j o e l h e i - m e ao l a d o do d e q u e e c o m e c e i a cutucar. De
repente, senti algo pesado. Puxei-o e avistei a cobra na ex-
t r e m i d a d e d o p e d a ç o d e madeira. M i n h a c o b r a havia volta-
do. P e n s e i em quão m á g i c a era a vida.
N ã o perdi t e m p o c o m u m a cerimônia. M e u guia instruiu-
me para abrir u m a vala na terra, a c o m o d a r a cobra e cobri-
la c o m pedras. A M ã e Terra e suas criaturas c u m p r i r i a m seu
d e v e r e, após dois ou três m e s e s , eu r e m o v e r i a as vértebras
da cobra p a r a usá-las nas bijuterias e n o s objetos de arte que
eu criava. Mais u m a vez, orei e ofereci tabaco, água e milho.
E r a u m a m a n h ã g l o r i o s a , e saí p a r a m i n h a c a m i n h a d a
diária. Sentia-me grata pelo que acontecera naquela m a n h ã .
D e p o i s de andar por vinte m i n u t o s , entrei n u m a rua e, dian-
te de m i m , avistei u m a p e n a de um gaio-azul. A b a i x e i - m e e
a peguei.
Ela p o s s u í a u m a coloração magnífica, azul e preta, c o m
detalhes b r a n c o s n a ponta. N o m e s m o instante, escutei que
ela viera c o m o u m a dádiva de honra e reciprocidade. Já que
eu h o n r a r a o gaio s e m sua forma física, ele me h o n r a v a c o m
sua p r e s e n ç a . Fiquei grata p e l o presente e rezei em agrade-
c i m e n t o , antes de r e t o m a r a c a m i n h a d a .
Em seguida, no g r a m a d o a m e u lado, vi outra p e n a de
gaio. Peguei-a. E r a tão linda q u a n t o a p r i m e i r a . E l a dizia
que viera até m i m c o m o u m a dádiva de morte e renascimen-
to, um ciclo contínuo. Simbolicamente, eu havia
experienciado tal ciclo q u a n d o escolhi enfrentar o m e d o da
cobra.
C o n t i n u e i a c a m i n h a r e encontrei outra pena. E n q u a n t o
a segurava, soube que era u m a dádiva de fé e que eu n ã o
estivera sozinha durante o processo.

128
O u t r a p e n a apareceu; esta me trouxe a c o m p r e e n s ã o de
que o mundo etéreo é tão poderoso quanto o físico. Havia reali-
zado a cerimônia m e s m o s e m ter a cobra e o pássaro para
enterrar. Eles s a b i a m que t i n h a m sido honrados.
A c a d a cinco m e t r o s , u m a pena aparecia para m i m , c a d a
u m a trazendo u m a m e n s a g e m única. A última pena repre-
sentava u m a dádiva p o r eu apoderar-me de meu poder. O ve-
lho m e d o n ã o mais me dominava. D i s s e r a m - m e que o m a i s
importante a fazer no m u n d o é nos tornarmos aquilo que
s o m o s e que p o d e m o s ser.
Q u a n d o c h e g u e i em c a s a , tinha v i n t e e d u a s p e n a s ao
todo. M e u pássaro sagrado havia retornado para m i m , m a s
em outro formato. L e v e i as p e n a s ao t ú m u l o da cobra e j o -
guei todas elas, m e n o s uma, na terra.
A q u e l a única p e n a d e gaio p e r m a n e c e respeitosamente
em m i n h a escrivaninha. C a d a vez que a vejo, penso n o s pre-
ciosos p r e s e n t e s q u e a s p e n a s p o d e m oferecer. E n q u a n t o
continuo a crescer espiritual e e m o c i o n a l m e n t e , tornándo-
m e repleta d o q u e sou, tenho u m a profunda c o m p r e e n s ã o
de suas m e n s a g e n s .

129
Uma Pequena Pena Branca
Cate M. Cummings

É outubro. O l h o a carteira de motorista de m e u pai. S e g u r o


entre as m ã o s aquele p e q u e n o d o c u m e n t o e tento visuali-
zar a d i m e n s ã o d a v i d a d e u m h o m e m . M a n t e n h o e m m e n -
te, sentada na sala de espera do hospital c o m m e u marido,
que o h o m e m , m e u pai, ligado a c i n c o m á q u i n a s na U T I ,
m e r e c e mais consideração e respeito. Pelo jeito, este é m e u
infortúnio, p o r q u e n ã o v o u decretar a morte de m e u pai.
C o m o tomar essa decisão? Os m é d i c o s q u e r e m a permis-
são de retirar o tubo de respiração da traqueotomia, o tubo
de alimentação do e s t ô m a g o , o e q u i p a m e n t o de diálise que
m a n t é m os rins funcionando... e assim por diante. A equi-
pe do hospital, que desistiu de m e u pai, está me pressio-
n a n d o para liberar espaço a q u e m tenha u m a c h a n c e real de
ser "curado".
É n o v e m b r o . Às vezes, e n q u a n t o c a m i n h o pelos corredo-
res do hospital, sinto-me n u m m u n d o surrealista — deva-
n e a n d o , se v o c ê preferir, ou presa n u m pesadelo. T o d o s os
p i s o s do p r é d i o são i d ê n t i c o s — distintos s o m e n t e p e l o s
b o t õ e s do elevador q u e aperto em desespero.
N e s s a m a n h ã , m a i s u m a v e z , m e u m a r i d o e eu caminha-
m o s pelo corredor s e m fim, em direção às portas da U T I , as
quais nos s e r v e m d e barreiras. Q u a n d o n o s a p r o x i m a m o s
da porta, noto algo no chão.
N o corredor d o hospital e m frente à s portas d a U T I , nós
n o s a b a i x a m o s para p e g a r u m a p e q u e n a p e n a b r a n c a que

130
v e m o s n o chão. U m a p e n a branca! U m a p e n a n o ambiente
esterilizado do hospital?
— A c h o que é para você — m e u marido diz, por impulso.
Intrigada, seguro a p e n a em m i n h a m ã o e atravesso as
portas. Q u a n d o olho p a r a cima, percebo que n ã o e s t a m o s
no quarto andar, o n d e se e n c o n t r a a U T I . E s t a m o s no se-
g u n d o andar. Juntos, l e m o s as letras impressas no vidro da
porta — M A T E R N I D A D E . É o lugar o n d e os b e b ê s n a s c e m ,
onde a esperança nasce, o n d e u m a n o v a vida — u m a n o v a
vida! — v e m à realidade.
E m m e i o aos pedidos insistentes dos parentes para e u de-
sistir de m e u pai, da r e c o m e n d a ç ã o dele p r ó p r i o para que
eu " n ã o a p e l a s s e p a r a m e d i d a s e x t r a o r d i n á r i a s a fim de
mantê-lo v i v o " e da inexplicável falta de fé da equipe m é -
dica, p e r m a n e c i resoluta. Insisti em mantê-lo v i v o . Decidi
lutar pela vida. N ã o se trata do clichê "vida", m a s sim de
u m a expressão que n ã o p o d e m o s n o m e a r n e m ver.
A dádiva da m e n t e é u m a e n o r m e b ê n ç ã o que paira so-
bre n ó s ; e, c o m o intuito de criar u m a e x a l t a ç ã o m e n t a l ,
a c o r d a m o s , de repente, e p e r c e b e m o s que s o m o s acolhidos
pelas luvas de D e u s , tal qual p r o t e g e m o s um p e q u e n o pás-
saro o u suas penas e m n o s s a s m ã o s .
É d e z e m b r o . Em p o u c o s dias, será o Natal. M e u pai está
e m casa comigo. M A T E R N I D A D E !

131
Meditaçãc
AS CORES DAS PENAS E O QUE ELAS SIGNIFICAM

Ao longo da história, as penas têm simbolizado diferentes coisas


em diferentes culturas. No entanto, considere-se que muitas pe-
nas coloridas têm um significado universal.
Quando uma pena aparecer, repare em sua cor, sua forma, ta-
manho, tipo e origem. Abra-se para qualquer mensagem que possa
vir até você.

• Penas azuis trazem paz, proteção, sensação de bem-estar. As


penas do gaio-azul podem também alertar quanto a um pro-
blema iminente.
• Penas pretas são um símbolo de sabedoria mística advinda da
iniciação espiritual. Também podem ser um aviso em relação a
saúde debilitada, morte ou transição imediata.
• Penas marrons trazem estabilidade, dignidade e respeito.
• Penas marrons com detalhes pretos simbolizam equilíbrio en-
tre o físico e o espiritual.
• Penas verdes são um símbolo de renovação, novas direções e
crescimento.
• Penas iridescentes (com reflexos de cores brilhantes) simboli-
zam insight místico, completude, transcendência espiritual. As
penas do pavão também são um alerta em relação ao falso or-
gulho.
• Penas vermelhas trazem vitalidade e saúde. As tribos da
Polinésia e da América do Sul vêem as penas vermelhas como
símbolos da terra, do sangue e da feminilidade. A realeza usa-
va penas vermelhas em vestidos e capas; anéis de penas ver-
melhas foram utilizados como dinheiro. O grande deus asteca
Quetzalcoatl, a "serpente emplumada", tinha o bico vermelho
de um pássaro no lugar da boca.
• Penas brancas são símbolo de purificação, amor, inocência e
vida nova.
• Penas amarelas simbolizam alegria, atenção mental, prosperi-
dade, o sol e a masculinidade.

132
Espírito da Coruja
Raven Lamoreux-Dodd

As árvores de ciprestes se e l e v a v a m sobre as águas sujas


c o m o s e n t i n e l a s , v i g i a n d o as b r u m a s d o s E v e r g l a d e s . A
garça-azul c a m i n h a v a cautelosa para n ã o perturbar o j a c a -
ré. O longo b i c o v a s c u l h a v a o p â n t a n o à procura de c o m i -
da. Eu p e r m a n e c i a no b a r c o , escutando, esperando e obser-
v a n d o . U m pica-pau m e assustou. A garça ergueu-se m a -
jestosamente; então, todos nós s o s s e g a m o s de novo.
O entardecer oferecia um brilho especial à paisagem. Quan-
do senti u m a n o v a presença, virei-me p a r a ver u m a coruja
sobrevoando o deque, em minha direção. Suas asas pareciam
e n o r m e s , e p e r g u n t e i - m e c o m o ela c o n s e g u i a n a v e g a r na
densa floresta tropical. Q u a n d o fiz m e n ç ã o de me abaixar,
ela v o o u até um g a l h o e p a r o u para me contemplar. Fitei os
profundos olhos cor de chocolate, repletos de c o m p a i x ã o .
O êxtase em m e u coração era quase insuportável. O a m o r
nos olhos da coruja continha o universo inteiro. Eu queria
conhecê-la e c o m u n i c a r - l h e m e u a m o r p o r ela.
Eu me senti h o n r a d a e p r o f u n d a m e n t e grata. Inclinando-
se em m i n h a d i r e ç ã o , ela c o m e ç o u a emitir sons. Respirei
fundo para me a c a l m a r . A m e n s a g e m transmitia a p o i o e
afinidade. De repente, q u a n d o o b a r u l h o de outros h u m a -
nos emergiu, ela o l h o u na direção deles, depois voltou-se
para m i m e e m b r e n h o u - s e na m a t a s e m um ruído.
D e s d e esse dia, as corujas t ê m sido u m a presença espiri-
lual c o n s t a n t e em m i n h a v i d a . A coruja s e m p r e a p a r e c e

133
q u a n d o estou prestes a trabalhar ou q u a n d o preciso de aju-
d a o u inspiração. E m qualquer país e m que m o r o o u que
visito, a s corujas v o a m até m i m o u a p a r e c e m p a r a m i m . E m
n o s s a casa, na Inglaterra, as corujas n o s c h a m a m à noite ou
de manhã.
Talvez a m e n s a g e m m a i s consistente que recebi da coru-
ja tenha sido: "Confie em seu c o n h e c i m e n t o interior". Essa
m e n s a g e m surgiu n a noite e m que recebi u m presente ex-
traordinário de u m a coruja.
Certa noite, quando saí da reserva indígena de
M i c o s s u k e e , a l u a n o v a p o u c o e n c o r a j a v a m e u trajeto. A
rodovia parecia estreita d e m a i s n a escuridão d a noite. M i -
n h a m e n t e v a g a v a pelas experiências daquele dia, e eu me
concentrava no c a m i n h ã o à m i n h a frente que me ajudava a
dirigir. De repente, notei um m o v i m e n t o na lateral esquer-
da do c a m i n h ã o , q u a s e imperceptível d e v i d o aos faróis dos
outros veículos. E r a u m a coruja, e ela v o a v a b a i x o demais.
Fiquei horrorizada q u a n d o ela colidiu c o m o c a m i n h ã o e es-
patifou-se no a c o s t a m e n t o . D i m i n u í a v e l o c i d a d e e parei.
A i n d a trêmula, e s p e r e i que u m g r u p o d e carros passasse
antes de abrir a porta.
— G r a n d e Espírito — e v o q u e i —, p o r favor, ajude-me.
— N ã o achei u m a lanterna no carro, m a s encontrei m i n h a
m a n t a asteca.
C o m o auxílio dos faróis dos carros que p a s s a v a m , per-
corri a longa distância que me separava da coruja. O tráfe-
go desapareceu. Eu m a l p o d i a ver a faixa do a c o s t a m e n t o e
o n e v o e i r o a u m e n t a v a . C o n t i n u e i p e d i n d o ajuda e tentei
" e n x e r g a r " p o r m e i o de m e u s pés. A n d e i alguns m e t r o s e
ouvi um pio. Parei e escutei. E r a a coruja; seu l a m e n t o m o -
ribundo c a u s o u - m e arrepios.
Q u a n d o outro carro p a s s o u , olhei para m e u s p é s e avis-
tei a coruja diante de m i m . P e d i p e r m i s s ã o para tocar a ave

134
e c u i d a d o s a m e n t e a m o v i p a r a v e r se ainda vivia. O pesco-
ço estava quebrado. Acomodei-a na manta, conversando
c o m seu espírito e p e d i n d o ao G r a n d e Espírito q u e cuidas-
se da ave. A coruja piou u m a última vez. O que eu tinha de
fazer?
Senti q u e devia levá-la p a r a casa. Pressenti q u e receberia
orientações ao longo do c a m i n h o . Ofereci tabaco e voltei ao
carro. S e n t i a - m e e s t r a n h a m e n t e feliz, t e m e r o s a e confiante
ao m e s m o t e m p o .
E n q u a n t o dirigia, c o n v e r s a v a c o m a coruja e acariciava
sua cabeça. U m a v e z em casa, perguntei-me o que fazia c o m
aquela coruja e que direito eu tinha de tê-la tirado do pân-
tano. E n t ã o , das profundezas, u m a v o z disse:
— P o d e ficar c o m as asas, as garras e a l g u m a s p e n a s da
região do coração. Enterre o resto da coruja perto do local
onde fará a cerimônia. A s s i m que completar tudo isso, sa-
berá o que fazer.
Fiquei profundamente grata p o r essa oportunidade, e m -
bora n ã o s o u b e s s e c o m o proceder. Fiz um café, a p a g u e i as
luzes e me sentei c o m a coruja. Fitando o céu, c o m e c e i a me
preparar p a r a cuidar de seu b e l o corpo.
A brisa do golfo p e n e t r o u pelas janelas, i m p e l i n d o - m e a
agir. Eu sabia q u e n ã o teria m u i t o tempo, se quisesse pre-
servar as asas em p o s i ç ã o de v ô o . Possuía certa experiência
em limpar perdizes após ter m o r a d o na região de Q u e b e c .
Apesar de ter c o m i d o as perdizes c o m respeito e de ter usa-
do suas p e n a s de m o d o h o n r a d o , aquilo parecia b e m dife-
rente. Era u m a hora da m a n h ã . N ã o queria acordar n i n g u é m
só p a r a pedir conselhos; portanto, tinha de confiar no Espí-
rito e em m i m m e s m a .
T o m e i um b a n h o e fiz u m a l i m p e z a energética da coruja,
do c ô m o d o e de m i m m e s m a c o m a fumaça de sálvia. Q u a n -
do r e m o v i as asas, pedi p e r d ã o à coruja, caso eu fizesse algo

135
que a desonrasse. Retirei a c a r n e d o s ossos c o m um bisturi.
Tão logo as limpei da m e l h o r m a n e i r a que p u d e , eu as abri,
d e p o i s a s p r e n d i à s g r a d e s d o forno c o m p r e g a d o r e s d e
m a d e i r a e levei-as ao forno quente. Desliguei o forno e dei-
xei a tampa aberta. E n q u a n t o as asas s e c a v a m , peguei as gar-
ras e as p e n a s do peito, e as e m b r u l h e i n u m p a n o v e r m e l h o
p a r a protegê-las.
Olhei para o relógio e notei, perplexa, q u e e r a m seis ho-
ras da m a n h ã . Decidi ligar p a r a um a m i g o de o r i g e m indí-
g e n a e pedir-lhe um c o n s e l h o de c o m o retirar os resquícios
de carne das asas. S a b i a q u e a coruja era um c u r a d o r p o d e -
roso e sentia-me responsável por honrar sua carcaça.
Ele sugeriu q u e eu pedisse ajuda às formigas. Se eu colo-
casse as asas n u m lugar o n d e s o m e n t e as formigas pudes-
s e m alcançá-las, elas r e s o l v e r i a m o p r o b l e m a . Claro que eu
teria de ficar atenta e barrar as formigas no m o m e n t o certo.
I m a g i n a n d o a r e a ç ã o d o s v i z i n h o s , c a s o eu p e n d u r a s s e
as asas na j a n e l a , disse q u e seria impossível! P o r fim, colo-
quei as asas na varanda, já que as formigas e r a m p e q u e n a s
d e m a i s para carregá-las p e l o s degraus.
D o i s dias depois, m e u a m i g o a p a r e c e u p a r a m e ajudar.
L i m p a m o s as asas e p e d i m o s às formigas que fossem e m -
bora. Fiquei feliz ao v e r que elas n ã o p r e t e n d i a m ficar. En-
terrei a coruja n u m local sagrado, c o m oferendas de tabaco
e m i l h o , e p e d i u m a b ê n ç ã o do G r a n d e Espírito e da coruja.
D i s s e r a m - m e que eu devia usar as asas para dançar.
— D a n c e p a r a curar a si m e s m a e ajudar os outros. D a n -
ce pela j o r n a d a c o m a Coruja e veja através da escuridão. A
Coruja estará s e m p r e c o m v o c ê .
S o u p r o f u n d a m e n t e grata p e l o s presentes da Coruja do
Espírito. C a d a v e z que d a n ç o c o m as lindas asas da coruja,
l e m b r o - m e d a m e n s a g e m d e "confie e m seu c o n h e c i m e n t o
interior", e n q u a n t o continuo m i n h a j o r n a d a curativa.

136
Penas e Bonecas
Vicki Wagoner

Durante m i n h a infância, p e r m e a d a de abusos, eu adotara


duas b o n e c a s . A p e g u e i - m e a elas n u m esforço de fingir que
minha infância era " n o r m a l " . U m a das b o n e c a s era de p a n o
e e m s e u rosto havia a pintura de u m b e l o sorriso. A outra
era de plástico, c o m u m a e x p r e s s ã o solene n o s olhos e u m a
b o q u i n h a rosada. Eu as a c h a v a as b o n e c a s m a i s lindas do
mundo.
U m dia, anos depois, e n q u a n t o a r r u m a v a m e u armário,
eu as encontrei. Resolvi que era h o r a de deixá-las partir, m a s
não queria jogá-las n o lixo. E r a m parte d e m i m , p e r t e n c i a m
a m i n h a infância, p o r pior que ela tivesse sido.
P e r c e b i q u e tinha d e e n t e r r á - l a s , m a s n ã o s a b i a o n d e .
Guardei-as e m m e u carro, j u n t o c o m u m a p e q u e n a pá, sa-
b e n d o que u m dia e u receberia u m a orientação.
V á r i a s s e m a n a s se p a s s a r a m . N u m final de s e m a n a , fui a
um p a r q u e à beira da praia. Fazia anos que eu n ã o ia àque-
le parque, p o r é m senti q u e era a hora e o lugar para c o m -
pletar m i n h a missão.
Recolhi as bonecas, enrolei-as n u m a toalha, peguei a pá e
caminhei até a praia. N ã o sabia onde iria enterrá-las, mas ti-
nha certeza de que seria guiada. A n d e i por a l g u m t e m p o ,
então parei, sentei-me na areia e comecei a cavar. Ao inserir
a pá na areia, avistei u m a p e q u e n a pena branca — a confir-
m a ç ã o de que aquele era o lugar. Guardei o presente, sorri,
disse u m a prece em agradecimento e continuei a cavar.

137
Fiz um b u r a c o p e q u e n o , apenas o suficiente para conter
a s b o n e c a s . C o l o q u e i u m a c o n c h a nas m ã o s delas. P e r d o e i
m e u passado, despedi-me e agradeci a D e u s e aos anjos p o r
me dar forças para fazer aquilo. D e p o i s de tapar o b u r a c o
c o m areia, rezei m a i s u m a vez.
Decidi nadar n o golfo p a r a m e purificar c o m água salga-
da. E n q u a n t o c a m i n h a v a e m d i r e ç ã o a o m a r , olhei p a r a
b a i x o ; a m e u s pés jazia u m a e n o r m e p e n a b e g e . Peguei-a,
entoei outra p r e c e de agradecimento, guardei-a junto c o m
a p e n a b r a n c a e dirigi-me à água. S u b m e r g i t o d o o m e u eu
na á g u a do mar, liberando v e l h a s feridas, p e d i n d o purifi-
c a ç ã o e luz.
De r e p e n t e , vi p á s s a r o s v o a n d o e p o u s a n d o na á g u a a
m e u redor. Senti-me protegida e amada. Parecia que os anjos
v i n h a m até m i m n a forma d e pássaros!
E m e r g i da água, s e q u e i - m e e c o m e c e i a d e i x a r a p r a i a
q u a n d o percebi u m a p e n a m a r r o m a m e u s pés. Dessa vez,
ri a valer e, enfim, as lágrimas surgiram, lágrimas de alívio
e satisfação p o r q u e u m a outra parte de m e u p a s s a d o fora
curada.

138
Penas Dançarina*
Cervo Hesitante

Durante anos s o n h e i c o m p e n a s . Elas s u r g i a m e m m e u s


s o n h o s c o m o u m i n s t r u m e n t o d e o r i e n t a ç ã o espiritual. A s
p e n a s listradas a p a r e c e r a m p r i m e i r o . E m outro s o n h o , v i
dois espíritos a n c e s t r a i s c o m b u q u ê s d e p e n a s azuis e m
s u a s m ã o s e a t r a v e s s a n d o m e u g r a m a d o a p ó s a c h u v a da
primavera.
Um sonho continuava a se repetir. Nele, eu era um piloto
e me dirigia ao portão do aeroporto. Eu via várias penas pre-
tas, que recolhia e p u n h a em m i n h a valise. Eu dizia: — Esta
quebrou... m a s talvez ainda seja útil. — Colhia todas as pe-
nas, as quebradas e as inteiras, e as guardava na valise.
E s t a v a na hora de descobrir o significado do sonho. Fui a
Bear Butte, e m D a k o t a d o Sul, c o m dois a m i g o s . N ó s n o s
r e u n i m o s n u m a área sagrada, c o n h e c i d a e respeitada p o r
todas as tribos, e c o m e ç a m o s u m a b u s c a da visão, u m a prá-
tica que consiste em meditar isoladamente, para obter u m a
resposta. C a d a u m d e n ó s t o m o u u m c a m i n h o diferente n o s
flancos rochosos p a r a que o G r a n d e Espírito falasse a nós.
Encontrei um lugar e s c o n d i d o entre as árvores.
Eu h a v i a levado u m a m a n t a p o r q u e esperava que a tem-
peratura baixasse. M a s n ã o imaginei u m a m u d a n ç a tão ri-
gorosa. D u r a n t e a b u s c a , experienciei todos os tipos de cli-
ma, m e n o s a n e v e . A c h u v a c o m e ç o u a cair, depois trans-
formou-se e m g r a n i z o . E u m e e n c o l h i a p a r a m e a q u e c e r ,
mas, p o r vezes, t o r n a v a - m e entorpecido pelo frio. Então, vi

139
u m velho índio, o m e s m o que aparecera para m i m e m so-
n h o s e visões.
— A c o r d e ou irá m o r r e r — ele disse.
E u i m e d i a t a m e n t e abri o s olhos, m a s n ã o c o n s e g u i a pa-
rar de tremer. A c h e i que iria m o r r e r congelado. E n t ã o , a v o z
d e u m a m u l h e r gentilmente p e d i u - m e para cantar.
— V o c ê deve estar b r i n c a n d o — protestei. M a s a v o z in-
sistiu e, então, c o m e c e i a cantar. No m e s m o instante, senti
m e u corpo se aquecer e s o u b e q u e superaria a j o r n a d a s e m
congelar.
Sete dias depois, tive outro s o n h o . Eu estava n u m a torre
de p e d r a c o m um a m i g o , o l h a n d o p e l a j a n e l a . A torre se
erguia a c i m a do m u n d o inteiro, e eu observava o que acon-
tecia lá e m b a i x o . Era um lindo dia de p r i m a v e r a e eu p o d i a
ver a terra florescer. Eu usava apenas um tecido de couro
a m a r r a d o à cintura.
Virei para m e u a m i g o e disse:
— E s t á na h o r a de descer. — C o l o q u e i u m a t o u c a reple-
ta de penas pretas na cabeça. As penas, eu notei, eram
a q u e l a s q u e eu coletara no s o n h o anterior, e e s t a v a m pre-
sas a u m a faixa v e r m e l h a . D e p o i s de p ô r a t o u c a , c o m e c e i
a dançar.
E n t ã o , no s o n h o , m e u a v ô (que é de o r i g e m C h e r o k e e )
veio até m i m e m o s t r o u - m e um arco de pedra e u m a roda
d e cura t a m b é m d e pedra. N o centro, havia u m a fonte. Ele
me disse que eu tinha de recriar aquela visão e c o m p o r um
ritual s e m e l h a n t e à D a n ç a do Sol. Esta seria c h a m a d a de a
D a n ç a d a Pedra.
Entendi, finalmente, o s o n h o das p e n a s pretas. P a r a m i m ,
o p r e t o é a cor do n o r t e , a d i r e ç ã o do i n v e r n o . T o d a s as
m i n h a s ligações espirituais c o m e ç a m n o norte. M e u m ê s d e
n a s c i m e n t o é d e z e m b r o ; m e u n a s c i m e n t o espiritual aconte-
c e u no norte, no território S a s k a t c h e w a n . O n o r t e é o lugar

140
da sabedoria, da visão e do c o n h e c i m e n t o interiores. É um
lugar s e m preconceitos, o lugar o n d e v o c ê p e r d o a a si m e s -
mo e aos outros, e vive apenas o presente. É t a m b é m o sím-
b o l o do feminino, a escuridão, a volta ao útero.
O sonho me ofereceu o t e m p o necessário para despertar
m e u p o d e r curador, c o n s a g r a n d o - m e c o m a energia v e r m e -
lha (sul, m a s c u l i n o ) e a energia preta (norte, feminino).
A n o p a s s a d o , conduzi a n o n a D a n ç a da P e d r a n u m a área
florestal sagrada, dedicada a essa proposta a cada p r i m a v e -
ra. T o d o s os anos, ensino àqueles que q u e r e m dançar c o m o
receber a energia sagrada do C r i a d o r que os fortalecerá p a r a
o p r ó x i m o p a s s o de suas jornadas.
A visão onírica da dança das p e n a s pretas h a v i a sido rea-
lizada.

141
A Terra É uma Mãe Perfeita
Rod Skenandore, "Chefe Alce"

Quando todas as árvores pegam fogo e morrem e apenas


os tocos permanecem,
Saímos de nossas tocas e começamos a rezar pela chuva.
A chuva irá alimentar os leitos dos rios e fazer os brotos
crescerem
E plantaremos as sementes que a águia traz e voltaremos
a rezar pela volta da neve.
E rezaremos pela volta do papo-roxo, do alce, da cobra,
do pombo,
E rezaremos pela volta da calhandra, aquela que traz amor.

— trecho extraído de A Terra É uma Mãe


Perfeita, de Rod Skenandore, "Chefe Alce"

Como m e m b r o da tribo O n e i d a / P é s Pretos e líder espiri-


tual e curador de longa data, sei que as p e n a s são instru-
m e n t o s sagrados. Elas e x p r e s s a m n o s s a intenção. S ã o u m
dos m e i o s pelo qual o Espírito fala à q u e l e s que e s c u t a m .
C o m o a t e s t a r a m as p r o f e c i a s a n t i g a s , é h o r a de abrir as
portas entre os povos, entre os m u n d o s , e deixar que a terra
seja curada.
Q u a n d o p e ç o u m a c o n e x ã o c o m o Espírito, u m a águia
a p a r e c e . A s p e n a s d a á g u i a t ê m caído d o c é u p a r a m i m .
Q u a n d o m i n h a m u l h e r estava grávida de n o s s a filha, fomos
às m o n t a n h a s de W y o m i n g e c r u z a m o s c o m um grupo de
cavalos m a l h a d o s . P a r a m o s para admirá-los. Então, p e g u e i

142
m e u leque de p e n a s de águia no carro e c o m e c e i a abaná-
los, a b e n ç o a n d o - o s p e l o trabalho. D e repente, u m a á g u i a
surgiu a c i m a de nós. O b s e r v a m o s a ave e n q u a n t o esta cir-
culava o céu e derrubava u m a pena. C o n s e g u i agarrá-la. E r a
u m a p e n a p e q u e n a , r e p r e s e n t a n d o a criança que em b r e v e
teríamos, e t a m b é m era u m a m e n s a g e m do Espírito, dizen-
do que tudo correria b e m durante o parto.
Levei minhas penas ao tribunal a fim de ajudar a defender
o direito dos índios americauos a realizar a Dança do Sol c o m o
u m a cerimônia religiosa. Processamos o governo federal por
perseguição religiosa. Esse caso acabou resultando na Lei de
Liberdade Religiosa dos índios Norte-Americanos.
Usei minha pena de águia no tribunal de Omaha,
N e b r a s k a , o n d e dois c o m p a n h e i r o s m e u s — m e m b r o s do
M o v i m e n t o I n d í g e n a A m e r i c a n o que fundamos para defen-
der os direitos civis e políticos d o s índios — enfrentavam
u m j u l g a m e n t o p o r m a t a r agentes d o F B I n a R e s e r v a d e Pine
R i d g e . Eu o b s e r v e i em silêncio, e n q u a n t o o chefe da C I A
admitia que havia m e n t i d o a respeito da prova. Q u a n d o saí-
do tribunal, repórteres me p e r g u n t a r a m c o m o avaliava o
desenrolar do j u l g a m e n t o .
— Estará t e r m i n a d o em dois dias — repliquei. D a d a a
g r a v i d a d e do c a s o , o j u l g a m e n t o p o d e r i a durar s e m a n a s .
Portanto, m i n h a p r e m o n i ç ã o parecia espantosa. M a s os si-
nais do Espírito e r a m claros.
Dirigi até os limites da cidade. Q u a n d o cheguei ao local
certo, saí, levando m e u tabaco e m i n h a pena de águia. Orei e
realizei u m a cerimônia para meus irmãos capturados. Nesse
estado alterado, tive u m a visão: um p u n h a d o de p e n a s de
águia estava empilhado n o s pratos da balança da justiça, cra-
vada à entrada do tribunal de O m a h a . Eles e s t a v a m igual-
m e n t e equilibrados. M e n t a l m e n t e , coloquei m i n h a p e n a de
águia n u m prato que c h a m e i de prato da "verdade". E s s e

143
prato baixou, e l e v a n d o o do outro lado. Dois dias depois,
c o m o eu previra, m e u s companheiros foram liberados.
As situações m a i s desesperadoras p o d e m ser resolvidas
c o m o poder curador da pena. C o m rezas, cerimônia e a p e n a
para expressar a intenção do x a m ã , qualquer desejo p o d e
acontecer. Um e x e m p l o é a c e r i m ô n i a U w i p i , um ritual sa-
grado da tradição L a k o t a Sioux.
Um altar é criado c o m os símbolos das quatro direções e
u m a pessoa é a m a r r a d a pelos m e m b r o s . U m a m a n t a cobre
c o m p l e t a m e n t e o corpo do x a m ã . As luzes se a p a g a m e a
c e r i m ô n i a c o m e ç a . S o m e n t e o Espírito p o d e d e s a m a r r a r o
h o m e m s o b a m a n t a . S o m e n t e o Espírito tem o p o d e r de
soltar os n ó s e n o s libertar dos p r o b l e m a s que criamos para
nós mesmos.
E m certa ocasião, durante u m e c e r i m ô n i a U w i p i , n ó s n o s
r e u n i m o s n u m a sala e s p a ç o s a . C o b r i m o s a s j a n e l a s c o m
cobertores p a r a escurecer ainda m a i s o ambiente. Os outros
sentaram-se em círculo. C a n t a r a m e b a t e r a m os t a m b o r e s , à
e s p e r a da e n e r g i a espiritual. Eu a g u a r d a v a s o b a m a n t a ,
m e u s braços e pernas e s t a v a m amarrados. A escuridão era
sufocante.
De repente, escutei canções antigas de cura e m e u s m e m -
b r o s c o m e ç a r a m a se soltar, até que p u d e m o v ê - l o s livre-
mente. A m i n h a frente, surgiram as a l m a s dos sete anciãos,
sentados em semicírculo a m e u redor. Sentei c o m eles, ab-
sorvendo seu p o d e r e energia.
Eles cintilavam. No altar atrás deles, havia u m a p e n a de
águia n u m a roda, a qual fora feita p o r C r o w D o g . O b s e r v e i
a p e n a q u a n d o esta se e r g u e u s o z i n h a , r o d e a n d o a luz, e
atravessou a sala em m i n h a direção, c o m sua energia bri-
lhante.
L á g r i m a s r o l a r a m em m e u rosto. Ao esticar a m ã o , a pena
f l u t u o u e caiu e m m i n h a p a l m a . E n t ã o , escutei u m ruído

144
repentino, c o m o u m a e x p l o s ã o , e todos os cobertores caí-
r a m das janelas. Corri à j a n e l a m a i s p r ó x i m a e olhei para
fora. U m a águia v o a v a , e m b o r a tivesse colidido n o vidro
da sala.
M o m e n t o s c o m o esse para m i m c o n f i r m a m que estamos
todos conectados, e q u e as portas estão abertas entre o n o s -
so t e m p o e todos os outros tempos. E s t a m o s aqui para virar
a m a r é do tempo, e a sabedoria dos anciãos está disponível
para n o s ajudar. O fio d o u r a d o que liga todas as raças está
lá, e as p e n a s p o d e m n o s unir de diversas maneiras. A Terra
É uma Mãe Perfeita, se a e s c u t a r m o s e a p r e n d e r m o s c o m ela.

145
Música do Falcão
Maril Crabtree

Penas se espalham entre os dedos,


O Falcão cai com o vento,
espiralando como se estivesse agarrado
a um lugar sem esperança —

um rasante ousado, "fazer ou morrer",

então, erguendo-se de novo, carregado


pela esperança e pelo vento,
sibilando no ar, repleto

de um acalanto límpido.

Agora escutem enquanto os sons


da sinfonia nascem
de suas asas,
cantando e girando

ao atravessar o arpejo do céu.

146
Falcão Guardião
Amy Belanger

Em 1 9 9 0 , tive o privilégio de representar a região m o n t a -


n h o s a d e O z a r k n o C o n g r e s s o Biorregional N o r t e - A m e r i c a -
no. Essa reunião n a c i o n a l dos ambientalistas, ecologistas e
outras c o m u n i d a d e s a c o n t e c e u p a r a c o o r d e n a r e expandir
nossos esforços pela p r o t e ç ã o ambiental.
D u r a n t e três dias, n ó s c o m u n g a m o s n u m a c a m p a m e n t o
no M a i n e , discutindo de que forma n o s s o sistema alternati-
vo de valores p o d e r i a causar i m p a c t o no m u n d o . A c a d a
m a n h ã , a c o r d á v a m o s ao nascer do sol p a r a preparar pan-
quecas na cozinha do a c a m p a m e n t o , participar de aulas de
ioga na floresta ou p a s s e a r de c a n o a no lago. T o d o s os dias,
r e u n í a m o s visões variadas de ativistas ambientais, advoga-
dos dos direitos dos animais e daqueles que defendiam
c o m u n i d a d e s vítimas de lixo tóxico.
Entre as sessões, a d e n t r á v a m o s a floresta que q u e r í a m o s
proteger, realizando c a m i n h a d a s , t o m a n d o b a n h o n o lago
e d e s c o b r i n d o u m a ou o u t r a s i n g u l a r i d a d e do m u n d o . À
n o i t e , o s sulistas c a n t a v a m , e n q u a n t o o u t r o s d a n ç a v a m ,
c o n t a v a m histórias ou p r o s s e g u i a m os debates do dia.
C o m freqüência, s e n t á v a m o s à beira do lago, c o m o sol
a q u e c e n d o os pinheiros e um falcão real circulando no céu,
c o m o se dissesse: " E u os estou o b s e r v a n d o " .
N o ú l t i m o dia, s a b í a m o s que u m a p r o f u n d a m u d a n ç a
pessoal seria necessária para aqueles que desejavam causar
um i m p a c t o m í n i m o no m u n d o . N ã o s o m e n t e t í n h a m o s de

147
Maril Crabtree fa# Sapada 8
ensinar o m u n d o a cuidar da terra, c o m o t a m b é m precisá-
v a m o s m o s t r a r lições espirituais daqueles que n o s e n s i n a m
d i a n t e de a d v e r s i d a d e s . T í n h a m o s de a p r e n d e r a refazer
n o s s a l i n g u a g e m para atingir o s que n ã o c o n h e c i a m n o s s o
trabalho, curar n o s s o próprio desespero ante o q u e perdía-
m o s , e p e r m a n e c e r m o s pacíficos e c o m p l a c e n t e s contra a
oposição hostil. No último dia, cada um de n ó s sabia que
havíamos crescido como professores e que tínhamos nos
u n i d o uns aos outros tanto na m e n t e c o m o no espírito.
N a q u e l e dia frio de p r i m a v e r a e na a l e g r i a de n o s s o s
corações, n ó s nos a g r u p a m o s p a r a a cerimônia de encerra-
m e n t o à beira do lago. D u z e n t a s pessoas deram-se as m ã o s
n u m g r a n d e círculo, p a s s a n d o u m a p e n a d e falcão, c o m o
um lembrete do antigo índio a m e r i c a n o , e cada u m a aben-
çoou aquele encontro. No solo, perto do círculo, alguém
avistou outra pena. Era a p e n a de n o s s o falcão guardião, e
c o n c o r d a m o s e m aceitá-la c o m o u m presente d e despedida
de n o s s o c o m p a n h e i r o viajante.
A b a i x a m o s n o s s a s cabeças para rezar, m e d i t a r e escutar
as palavras de sabedoria de n o s s o líder, que e r g u e u a pena
a fim de agradecer ao falcão guardião, que n o s agraciara c o m
sua presença durante os três dias. De q u a n d o em q u a n d o
em nossas discussões, n ó s o v í a m o s atravessando o céu ou
q u a s e i m ó v e l entre a s n u v e n s . Ele s e t o r n o u u m s í m b o l o
para n ó s d e tudo pelo q u e trabalhávamos. Foi u m daqueles
raros m o m e n t o s em que o aperto de m ã o de u m a pessoa e
o brilho dos olhos significam: " s o m o s u m " .
E r g u e m o s n o s s a s m ã o s e o l h a m o s o céu no instante final
d o fechamento. E x c l a m a ç õ e s e c o a r a m q u a n d o testemunha-
m o s n o s s o sentinela sagrado, o falcão guardião, descrever
o formato exato de n o s s o círculo a c i m a de nós, completan-
do a b ê n ç ã o c o m um c u m p r i m e n t o inesquecível.

148
Meditaçãc
UM PASSEIO NA FLORESTA

Breitenbush, um centro de retiro no Oregon, fica no coração de


Cascades e é conhecido por suas fontes naturais de água quente.
Mas, para mim, o mais impressionante é a antiga floresta que
rodeia Breitenbush. Ao ler os folhetos de orientação, soube que
as árvores mais velhas do continente estão lá. Fiquei triste ao sa-
ber que, hoje, menos de cinco por cento da floresta americana está
intata.
Enquanto eu caminho entre as árvores gigantescas, é difícil
imaginar que essas árvores sejam "espécies ameaçadas". São
cheias de vitalidade, subindo dezenas de metros até o céu. Aque-
las que caem naturalmente têm troncos de quase três metros de
diâmetro. Algumas árvores tombaram sobre o rio para prover
acesso seguro à outra margem.
Então, caminho pelo perímetro que foi reflorestado. O contras-
te é incrível. Aqui, as árvores mais altas têm cerca de um metro e
meio. Não há sombras, somente o sol implacável e o solo esparso.
Serão necessárias décadas para que a floresta chegue perto de sua
antiga majestade.
Pergunto-me o que será de nossa terra quando os últimos cin-
co por cento se forem. A mulher que caminha comigo é uma ín-
dia do Oregon; ela me contou que as madeireiras agora têm per-
missão para cortar árvores da floresta nacional. Essas florestas,
antes preservadas, estão sendo devastadas pelas serras de forma
alarmante.
Eles derrubam as árvores que estão longe das rodovias que dão
acesso aos parques nacionais, ela diz. Portanto, os turistas não
conhecem a extensão da devastação. Ao longo da rodovia, há
árvores imensas, mas, na verdade, a floresta fica a nove quilôme-
tros do asfalto e leva tempo demais para as sementes do reflores-
tamento crescerem.
Penso em minhas penas. O que acontecerá quando todas as
árvores desaparecerem? Os pássaros já correm sérios riscos em
muitas áreas, e são forçados a procurar um novo habitat cada vez

149
que o desenvolvimento desenfreado chega a suas árvores. Além
de perdermos as árvores antigas e importantes, e de não poder-
mos mais desfrutar de sua sombra e admirá-las, não teremos igual-
mente pássaros para ver e ouvir, e outras criaturas menores. E,
sem os pássaros, não haverá penas para acrescentar beleza ao
mundo, nenhuma pena para encontrar no caminho da floresta.
Nesse momento, como se adivinhasse meus pensamentos, uma
pena aparece na trilha. Ela entoa seu aviso: "Não estejam tão cer-
tos de mim. Posso não estar aqui para seus netos".
Os sinais de um planeta em perigo estão a nosso redor, mesmo
quando procuramos somente penas. Talvez seja por isso que o
universo parece enviar mensagens sempre que pode. Só então,
saberemos que a hora de agir — por nosso futuro e pelo futuro
das próximas gerações — é agora. As penas são também uma
mensagem para proteger e amar todas as formas de vida do pla-
neta, e, assim, seus presentes continuarão aqui para todos.

• Faça uma caminhada. Tal qual na forma budista "caminhada


meditativa", ande devagar para estar ciente de cada passo.
• A cada passo, nomeie e agradeça algumas partes do planeta e
toda a sua variedade.
• Seja cuidadoso a cada novo passo a fim de ajudar a proteger nossa
terra para as gerações futuras, e peça uma bênção para seu mo-
vimento futuro nessa direção.

150
Parte X r ê s

Luz por Meio da Pena:


Mensagens de Liberdade,
Entrega e Desprendimento
Penas e Graça
Maril Crabtree

Durante u m a recente v i a g e m a S ã o Francisco, a p e s s o a que


se sentou a m e u l a d o n o avião sugeriu que e u visitasse a
Catedral d a G r a ç a . N ó s últimos anos, cidadãos d o m u n d o
inteiro v ã o a essa catedral p a r a participar de u m a experiên-
cia espiritual c o n h e c i d a c o m o " p e r c o r r e r o l a b i r i n t o " . O
m o d e l o antigo d e u m labirinto d e o n z e circuitos, encravado
no chão da Catedral de Chartres, na França, foi levado a São
Francisco pelo dr. L a u r e n Andress, um sacerdote episcopal;
trata-se de um i n s t r u m e n t o p a r a c o n t e m p l a ç ã o e reflexão
da vida espiritual.
No m o m e n t o em que eu s o u b e desse labirinto, tive a cer-
teza de q u e iria conhecê-lo. N a q u e l a tarde, fui a N o b Hill e
l o g o avistei as torres da catedral entre as ruas asfaltadas da
cidade e as casas coloridas.
Assim que me aproximei da igreja, notei um café chama-
do C u p of Grace. N ã o resisti à tentação de tomar u m a xícara
do famoso café c o m leite de S ã o Francisco. O estabelecimen-
to era convidativo, c o m algumas m e s a s diante da janela, que
oferecia vista para o pequeno parque do outro lado da rua.
N o s fundos do café, havia prateleiras de livros religiosos e CDs.
U m a música de canto gregoriano amenizava o ambiente.
O gerente do café conversou c o m i g o sobre o labirinto e
me regalou c o m histórias acerca do p o d e r que o labirinto
tinha sobre a vida das pessoas. Q u a n d o me virei p a r a sair,
senti u m a p e n a e m m e u bolso. E u a encontrara e n q u a n t o

153
p a s s e a v a pelo zoológico no final de s e m a n a anterior. P o r é m ,
e m lugar d e colocá-la j u n t o c o m m i n h a s outras penas, p o r
a l g u m a razão a deixara no bolso daquele casaco. A g o r a eu
entendia p o r quê. Retirei-a do bolso.
— Eu gostaria de lhe dar um p e q u e n o presente em troca
das coisas que partilhou c o m i g o — eu disse, oferecendo a
p e n a ao gerente. Expliquei-lhe por que as penas e r a m espe-
ciais p a r a m i m . Ele m e agradeceu.
— V o u colocá-la em m e u altar e ela me lembrará de que
preciso me doar às p e s s o a s — ele disse.
F i q u e i contente. U m presente b e m d a d o e g r a c i o s a m e n t e
recebido, e m especial p o r u m estranho, possui u m a quali-
dade sagrada e m n o s s o m u n d o t u m u l t u a d o . Trocar m i n h a
p e n a pelo t e m p o que esse h o m e m d i s p e n s o u a m i m foi gra-
tificante.
No dia seguinte, depois de ter percorrido o labirinto in-
terno c o m dúzias d e p e s s o a s que, c o m o eu, e x p e r i m e n t a -
r a m aquela forma única de oração contemplativa, voltei à
catedral p a r a percorrer o labirinto externo. Este fora esculpi-
do em p e d r a n u m a área adjacente ao café. O gerente h a v i a
m e n c i o n a d o que o labirinto ao ar livre era u m a experiência
distinta, e ele estava certo. Um h o m e m p r a t i c a n d o tai chi
n u m canto do terreno me c u m p r i m e n t o u ; ele e eu é r a m o s
os únicos que usufruíamos daquele ar matinal, j u n t o c o m
alguns p o m b o s que c i s c a v a m p o r ali.
A p ó s completar m i n h a c a m i n h a d a n o labirinto, resolvi i r
a o café p a r a agradecer n o v a m e n t e a o gerente. A o m e apro-
x i m a r d o estabelecimento, olhei p a r a b a i x o . A o lado d e u m
arbusto, jazia u m a linda p e n a b r a n c a .
S o u b e i m e d i a t a m e n t e que ela era p a r a m i m . O universo,
a o n o s a b e n ç o a r c o m abundância, p r e s e n t e a v a - m e c o m ou-
tra p e n a , a qual seria u m a preciosa l e m b r a n ç a daquele lu-
gar especial.

154
p a s s e a v a pelo zoológico no final de s e m a n a anterior. P o r é m ,
e m lugar d e colocá-la j u n t o c o m m i n h a s outras penas, p o r
a l g u m a razão a deixara no bolso daquele casaco. A g o r a eu
entendia p o r quê. Retirei-a do bolso.
— Eu gostaria de lhe dar um p e q u e n o presente em troca
das coisas que partilhou c o m i g o — eu disse, oferecendo a
p e n a ao gerente. Expliquei-lhe p o r que as penas e r a m espe-
ciais p a r a m i m . Ele m e agradeceu.
— V o u colocá-la em m e u altar e ela me lembrará de que
preciso me doar às p e s s o a s — ele disse.
F i q u e i contente. Um presente b e m d a d o e g r a c i o s a m e n t e
recebido, e m especial p o r u m estranho, possui u m a quali-
dade sagrada e m n o s s o m u n d o tumultuado. Trocar m i n h a
p e n a pelo t e m p o que esse h o m e m d i s p e n s o u a m i m foi gra-
tificante.
No dia seguinte, d e p o i s de ter percorrido o labirinto in-
terno c o m dúzias d e p e s s o a s que, c o m o eu, e x p e r i m e n t a -
r a m aquela forma ú n i c a de oração contemplativa, voltei à
catedral para percorrer o labirinto externo. Este fora esculpi-
do em p e d r a n u m a área adjacente ao café. O gerente h a v i a
m e n c i o n a d o que o labirinto ao ar livre era u m a experiência
distinta, e ele estava certo. Um h o m e m p r a t i c a n d o tai chi
n u m canto do terreno me c u m p r i m e n t o u ; ele e eu é r a m o s
os únicos que usufruíamos daquele ar matinal, j u n t o c o m
alguns p o m b o s que c i s c a v a m p o r ali.
A p ó s c o m p l e t a r m i n h a c a m i n h a d a n o labirinto, resolvi i r
ao café para agradecer n o v a m e n t e ao gerente. Ao me apro-
x i m a r d o estabelecimento, olhei para b a i x o . A o lado d e u m
arbusto, jazia u m a linda p e n a b r a n c a .
S o u b e i m e d i a t a m e n t e que ela era p a r a m i m . O universo,
a o n o s a b e n ç o a r c o m abundância, p r e s e n t e a v a - m e c o m ou-
tra p e n a , a qual seria u m a preciosa l e m b r a n ç a daquele lu-
gar especial

154
Segurei a p e n a em m i n h a s m ã o s e agradeci os m e i o s m i s -
teriosos, m a s simples, que o universo utiliza para se c o m u -
nicar. " C o m e c e aqui. C o m e c e agora", pensei, enquanto aca-
riciava a pena. "Procurarei m a i s oportunidades para ofere-
cer m i n h a s p e n a s e eu m e s m a . " Espantada, percebi q u e rea-
firmava a intenção do gerente, q u a n d o este dissera q u e a
p e n a o lembraria de doar-se mais aos outros.
A p e n a b r a n c a ainda está c o m i g o . M a s sei que encontra-
rei s e u p r ó x i m o d o n o e m breve...

155
Dom
Terrill Petri

Faz três a n o s que coleciono penas. Elas p a r e c e m estar o n d e


quer que eu vá. Por q u ê ? N ã o tenho certeza, m a s m i n h a fi-
lha, u m a m u l h e r sábia, diz q u e as penas estão relacionadas
a transição e sincronicidade.
N o s últimos anos, d e v i d o a m i n h a profissão de relações
p ú b l i c a s , p a s s e i a dirigir a V i s ã o F e m i n i n a I n t e r n a c i o n a l ,
u m a o r g a n i z a ç ã o s e m fins l u c r a t i v o s q u e t r a b a l h a c o m
m u l h e r e s da cultura indígena dos Estados U n i d o s , África e
A m é r i c a do Sul. U s o m i n h a s h a b i l i d a d e s e c o n h e c i m e n t o
para ajudar as m u l h e r e s ao r e d o r do m u n d o a iniciar o pró-
prio n e g ó c i o .
N o curso das aulas, aprendi m u i t o c o m essas m u l h e r e s
que v i v e m na simplicidade da sobrevivência, c u i d a n d o de
si m e s m a s e dos filhos, utilizando os talentos q u e p o s s u e m .
E l a s t ê m p o u c o conforto material, m a s t o r n a m - s e ricas ao
a p r e c i a r as d á d i v a s da n a t u r e z a q u e estão d i s p o n í v e i s a
t o d o s n ó s . S a b e m que suas n e c e s s i d a d e s s e r ã o a t e n d i d a s
c o m u m a certeza que s e m p r e invejei, e n q u a n t o m e debatia
p a r a angariar fundos para a organização.
N a última primavera, e n q u a n t o t r a b a l h á v a m o s n a reser-
v a Pine R i d g e c o m u m grupo d e índias, puxei u m a folha d e
u m a pilha de p a p é i s e u m a p e n a caiu. U m a das m u l h e r e s
sorriu e disse:
— É u m a p e n a de p o m b a . E s s e será seu n o m e indígena:
Pomba.
T o c a d a pelos dois presentes, a p e n a e o n o m e , guardei a
p e n a e m m i n h a carteira p a r a tê-la s e m p r e c o m i g o .
U m m ê s d e p o i s , e u viajava pela África, m a i s u m a v e z
trabalhando c o m u m grupo d e índias. U m dia, c a m i n h a m o s
até as Victoria Falis, u m a cachoeira conhecida t a m b é m c o m o
A Caldeira do Diabo. A q u e d a - d ' á g u a tinha d e z e n a s de qui-
l ô m e t r o s e p a r a m o s no topo para observar aquele espetá-
c u l o d a n a t u r e z a . U m a d a s m u l h e r e s m e d i s s e q u e fazia
parte d a antiga tradição j o g a r n a á g u a algo que v o c ê n ã o
m a i s quisesse.
" Q u e r o m e livrar d e m e u s m e d o s e c o n f l i t o s " , p e n s e i .
" T a l v e z aqui seja o lugar certo para tanto."
L e m b r e i - m e de m i n h a p e n a de p o m b a e t a m b é m lembrei-
me da tradição indígena a m e r i c a n a de "doar". Se v o c ê re-
cebe um presente do universo, é importante devolvê-lo
c o m o forma de a g r a d e c i m e n t o . Tirei a p e n a de m i n h a car-
teira. E r a h o r a de devolvê-la e deixá-la levar m e u s m e d o s .
J o g u e i a p e n a em direção à q u e d a - d ' á g u a , i m a g i n a n d o
que ela cairia no g r a m a d o l o g o a n o s s a frente. C o n t u d o , o
v e n t o a l e v o u à e x t r e m i d a d e da cachoeira. Observei-a cair
na Caldeira do Diabo. N a q u e l e instante, u m a linda b o r b o -
leta aterrissou no local em q u e eu concentrava m i n h a aten-
ção: a borboleta, o símbolo universal da transformação! Senti
u m a p a z interior, s a b e n d o que m i n h a s preces p a r a libertar-
m e dos m e d o s h a v i a m sido atendidas.
D e v o l v e r a p e n a ao u n i v e r s o foi u m a b o a m a n e i r a de
agradecer à M ã e Terra pelo cuidado e pela certeza de que
no futuro eu continuaria a ser protegida p o r ela.

157
Anjos a Meus Pés
Vicki Wagoner

Sou uma pena para cada vento que sopra.


— Shakespeare, Conto de Inverno, Ato II, Cena 3

Trabalho n u m p r é d i o de escritórios, r o d e a d o p o r quatro


avenidas de intensa circulação. P r ó x i m o dali, p o r é m , há um
lago junto ao qual c o s t u m o me sentar, ler e m e d i t a r duran-
te m i n h a h o r a de a l m o ç o . O lago é p e q u e n o m a s c a l m o , c o m
pinheiros e arbustos floridos a sua volta. A despeito do trá-
fego, consigo " m e desligar" e apreciar a beleza da água, das
n u v e n s e da v i d a s e l v a g e m q u e lá habita. Há vários tipos
de aves, a maioria patos e u m a garça-azul; há t a m b é m pei-
xes e pássaros pretos, que m e r g u l h a m no lago e r e s s u r g e m
alguns m e t r o s adiante, sacudindo-se v i g o r o s a m e n t e .
Certo dia, eu atravessava o g r a m a d o , em direção a m e u
canto à beira do lago, quando parei de repente. Poucos
m e t r o s à frente havia n o v e egretas b r a n c a s e u m a garça-azul
i m ó v e i s e o l h a n d o para a m e s m a direção. L e m b r e i - m e de
ter visto u m a cena parecida no filme Cidade dos Anjos. Os
anjos (em forma h u m a n a ) reuniam-se todas as m a n h ã s na
praia, ao nascer do sol, para agradecer ao C r i a d o r por mais
um dia. T o d o s fitavam a m e s m a direção em silêncio solene.
A cena causara certo i m p a c t o em m i m , pois transmitia se-
renidade e s a c r a m e n t o .
A g o r a as egretas e a garça v o l t a v a m a atenção para um
só p o n t o e, parecia-me, c o m a m e s m a serenidade profunda.

158
Fiquei estupefata. Foi a cena m a i s impressionante que já vi.
Elas p e r m a n e c e r a m n a q u e l a posição por alguns m i n u t o s e
depois v o a r a m .
A l m o c e i , li e meditei c o m o de hábito. O dia estava enso-
larado e lindo, c o m p o u c a s n u v e n s no céu, u m a brisa re-
frescante e u m a atmosfera m á g i c a .
Q u a n d o me levantei para voltar ao trabalho, dei alguns
passos e escutei a seguinte m e n s a g e m :
— O p r e s e n t e está a seus pés.
Olhei para baixo. Sobre a g r a m a havia n o v e p e n a s bran-
cas e u m a p e n a azulada.
A g r a d e c i a o s anjos p o r me v i s i t a r e m . A m e n s a g e m foi
clara. C o m os desafios de u m a n o v a carreira, um s e g u n d o
trabalho para completar o orçamento, um m a r i d o e dois fi-
lhos adolescentes, sinto-me sobrecarregada e desequilibra-
da, a despeito de m i n h a s tentativas de relaxar e confiar que
tudo dará certo. T e n d o a me deixar levar pela falta de fé.
P o r é m , m a i s u m a vez, os anjos encontraram m e i o s de dizer
que sou a m a d a , protegida e guiada.
Recolhi as penas e as coloquei n u m pote em m i n h a mesa.
No pote estão impressos os dizeres Liberte-se. C a d a vez que
olho p a r a elas, r e c o r d o o silêncio s e r e n o dos p á s s a r o s —
m e u s anjos disfarçados — e o m a r a v i l h o s o presente.

159
Um Fardo Tão Leve Quanto uma Pena
Robert Gass

A s f o r m a ç õ e s rochosas d e U t a h são u m d e m e u s lugares


de visão e poder. V o u ao deserto, c o m suas torres de pedra,
obeliscos e beleza prístina em b u s c a de luz e solidão.
Era o décimo dia de m e u retiro. Eu ficava n u m a cabana,
localizada n u m a fazenda, que era c o m o um porto espiritual.
Passara os primeiros dias livrando-me do estresse e da velo-
cidade da vida moderna. Q u a n d o me aquietei, pedi orienta-
ção para m e u trabalho e minha vida. Durante u m a das m e -
ditações, escutei que eu escreveria um livro e trabalharia in-
dividualmente c o m líderes no papel de guia e treinador.
No dia seguinte, saí p a r a c a m i n h a r e escalei parte de u m a
p a r e d e d e p e d r a . E u m e sentia tão a g i t a d o p o r c a u s a d e
m i n h a "tarefa" que c o m e c e i a falar c o m D e u s em v o z alta.
— D e u s , o que significam esse livro e esse trabalho? S a b e
que n ã o preciso de tudo isso. Já descobri q u e n ã o tenho de
realizar coisas importantes no m u n d o p a r a ser feliz. Aliás,
eu ficaria m u i t o feliz se diminuísse o r i t m o por a l g u m tem-
po. Se essa tarefa é importante para V o c ê , eu a farei. Do con-
trário, n ã o sei. P o r favor, ofereça-me um sinal. U m a pista
para eu saber que direção tomar.
De repente, c o m e ç o u a chover. S a b e n d o que a rocha fica-
ria escorregadia, desci r a p i d a m e n t e , e s q u e c i a conversa, o
sinal e D e u s . C e r c a de q u i n z e m i n u t o s d e p o i s , v i r e i - m e .
H a v i a u m arco-íris n o céu. U m a das pontas apontava para
a p e d r a o n d e eu estivera.
E m vez d e m e acalmar, fiquei ainda m a i s agitado.
— É um sinal. S e m dúvida que é... Ou talvez n ã o seja. Arco-
íris sempre aparecem. M a s esta é a promessa que Deus fez a
Moisés. É o sinal clássico do pacto entre Deus e o homem...
A g o r a você se acha Moisés? O sinal, schmine, é um arco-íris.
Discuti a questão até chegar à cabana.
À beira do desespero, falei c o m D e u s n o v a m e n t e .
— Sei que estou abusando. Pedi um sinal e vi um arco-
íris saindo da p e d r a o n d e eu estava. D e v i a me sentir grato,
m a s estou assustado e confuso. T e n h o dúvidas. Talvez dú-
vidas n ã o se resolvam p o r meio de sinais. M a s L h e p e ç o m a i s
u m sinal. A l g o c l a r o e p r e c i s o , c a p a z d e e s p a n t a r m e u s
m e d o s . Q u e r o que u m a pena v e n h a a m i m de forma m á g i -
ca. T a m b é m c o m p r e e n d o que talvez eu n ã o receba esse si-
nal. Se for para eu viver c o m dúvidas, que assim seja.
A essa altura, eu me liberei. Senti tranqüilidade interior.
M e s m o que o sinal n ã o aparecesse, estava preparado para
aceitar m i n h a tarefa.
N a q u e l a m a n h ã , um grupo de m u l h e r e s apareceu na fa-
zenda para u m a cerimônia. S o u b e r a m p e l o proprietário q u e
eu estava em retiro. M i n h a m ú s i c a era i m p o r t a n t e p a r a a
c o m u n i d a d e que elas r e p r e s e n t a v a m e, portanto, q u e r i a m
que eu cantasse algumas canções no cerimonial daquela
noite.
Eu devia me sentir honrado, m a s fiquei irritado. " E s t o u
e m retiro espiritual", p e n s e i . P r e t e n d i a declinar, m a s m e
lembrei de m e u p e d i d o a D e u s . Senti n a q u e l e m o m e n t o q u e
o espírito se manifestava por intermédio das mulheres. E n -
tão, aceitei o convite.
N a q u e l a noite, n ó s n o s r e u n i m o s a o redor d a fogueira
para rezar, cantar e dançar. A festa terminou. Eu guardava
meu violão q u a n d o u m a m u l h e r postou-se a m i n h a frente.
Ela me olhou e disse:

161
— Isso é para v o c ê . D i s s e r a m - m e q u e eu devia lhe dar
isso. — N a s m ã o s dela h a v i a u m a p e n a de um falcão de rabo
vermelho.
Q u a n d o toquei a pena, escutei a v o z de m e u " e u " duvi-
doso, tentando encontrar u m a justificativa racional. M a s n ã o
h a v i a n e n h u m a . Pela primeira v e z , m e u interior cético e s -
tava s e m palavras.
A p e n a está e m m e u altar c o m o u m a l e m b r a n ç a d a v o n -
tade de D e u s .

162
Pena de Pica-Pau
Paul W. Anderson

Apesar do trajeto d e d u z e n t o s e oitenta q u i l ô m e t r o s , m e u


v e l h o D o d g e p o r t o u - s e b e m n a q u e l a noite, sob o c é u es-
trelado q u e p a r e c i a s a l p i c a d o d e lantejoulas. A l t e r n a n d o
a direção c o m m i n h a m u l h e r , P a m , eu e ela p e r c o r r e m o s
os l o n g o s q u i l ô m e t r o s entre K a n s a s City e T a o s , no N o v o
México.
Q u a n d o o sol se ergueu ao lado das m o n t a n h a s S a n g u e
de Cristo e surpreendeu a planície c o m mais um dia, sabo-
r e a m o s b u r r i t o s e f e i j ã o - v e r m e l h o no café da m a n h ã em
nosso restaurante favorito. A q u e l a única refeição c o m p e n -
sou as treze h o r a s de viagem.
Por volta do meio-dia, chegamos à estalagem Velha
Taos. Tim Pé-Descalço, um dos proprietários, apareceu
para n o s receber. C o m a tradicional lentidão de T a o s , ele
nos ofereceu u m a b r e v e história e um passeio pela hacienda
de c e m anos. As p a r e d e s r o s a d a s , a e x t e n s a v a r a n d a e a
m a r a v i l h o s a v i s t a d a planície t r o u x e r a m - m e u m a s e n s a ç ã o
de tranqüilidade e bem-estar. A última instrução de T i m
foi sobre c o m o usar a b a n h e i r a q u e n t e do lado de fora de
nosso quarto.
C o m u m a toalha n o o m b r o , resolvi tomar b a n h o antes d e
Pam. E n q u a n t o explorava os arredores, parei perto de u m a
mesa c o m duas cadeiras. Atrás de u m a delas p r ó x i m a s ao
arbusto, avistei u m a p e n a preta e branca. A alta folhagem
da grama a sustentava acima da terra, c o m o se a oferecesse

163
a m i m . " P e g u e a p e n a que v o c ê pediu. É sua. Os pássaros a
d e i x a r a m para v o c ê " .
A sincronicidade, para m i m , é c o m o u m a m a n i f e s t a ç ã o
p a r a n o r m a l . T u d o p a r e c e interligado. M a i s u m a v e z , perce-
bi q u e estava no lugar e na h o r a certos. Perplexo, aceitei a
p e n a que, três m e s e s atrás, eu h a v i a p e d i d o . E, e m b o r a a
aparição daquela pena coincidisse com uma experiência
interior q u e eu tivera, o verdadeiro i m p a c t o e o e n s i n a m e n -
to p r o p o r c i o n a d o s por ela ainda e s t a v a m p o r vir.
As penas surgem em minha vida como poderosos símbolos
de vários tipos de energia, mas sempre de forma inesperada.
Ao me abaixar para recolher a pena, lembrei-me da pedra de
três meses atrás, em março, quando eu e P a m tínhamos ido a
Taos para comemorar nosso aniversário de casamento.
O p i c a - p a u me l e m b r a o kachina da tradição Z u n i , q u e
p a r e c e m palhaços c o m suas p e n a s listradas de preto e bran-
co. Esses pássaros são trapaceiros, r e p r e s e n t a m o coiote do
reino das aves, c o m cantos agradáveis q u e a c a b a m m e pe-
g a n d o distraído. Eles v i v e m e m b a n d o , a c a s a l a m - s e para
m a n t e r a espécie e, tal qual seus parentes corvos, p r e e n c h e m
o espaço a sua volta c o m um p o d e r audacioso.
Eu queria um p o u c o dessa energia, e, em m a r ç o , p e d i a
cada pica-pau que via u m s í m b o l o d e seu poder. E m prin-
cípio, desejei u m a p e n a da l o n g a cauda. À m e d i d a que o
m ê s de m a r ç o passava e n e n h u m a pena aparecia, disse aos
pássaros q u e ficaria feliz em g a n h a r qualquer u m a . As aves
p a r e c i a m rir de m i m . Na verdade, senti-me i g n o r a d o e m e u
p e d i d o foi d e s c o n s i d e r a d o . V o l t e i a K a n s a s C i t y c o m as
mãos vazias. N e n h u m a pena de pica-pau aparecera para
m i m até então, q u a n d o esta apareceu.
A p ó s os rituais de a g r a d e c i m e n t o e l i m p e z a , amarrei a
pena à flauta que eu c o m p r a r a . D u r a n t e o final de s e m a n a ,
toquei flauta p a r a os pássaros que se a p r o x i m a v a m de m i m .

164
C o m o sempre, eles i g n o r a v a m a m i m e a m i n h a música, m a s
pareciam felizes c o m o verão que substituía o inverno e c o m
os tufos de n u v e n s b r a n c a s que flutuavam no céu.
D o m i n g o era o dia de voltar para casa. E era t a m b é m o
solstício. A c o r d e i p a r a ir à garganta do Rio G r a n d e v e r o
sol nascer. Q u e r i a rezar e honrar o dia no local onde eu vira
um falcão fêmea c h o c a r dois filhotes. T a l v e z ela ainda esti-
vesse lá.
À primeira luz da m a n h ã , p e g u e i m e u t a m b o r e m i n h a
flauta, destranquei o carro e inseri a chave na ignição. Girei
,i chave para ligar o m o t o r . N a d a aconteceu. A chave n ã o se
movia. A ignição parecia congelada. Tentei tudo que sabia
para ligar o carro. C o n t i n u a v a e m p e r r a d o .
E n t ã o , desisti de ir à garganta do rio e c o m e c e i a me preo¬
cupar c o m a v o l t a p a r a c a s a . T i m a c h a v a - s e n a c o z i n h a ,
assando pães e cortando as frutas para o café da m a n h ã . Ele
sugeriu que eu telefonasse para o m e c â n i c o da região.
— B o m dia. D e s c u l p e incomodá-lo a essa hora, m a s n ã o
consigo fazer m e u carro p e g a r e preciso retornar a K a n s a s
< i t y hoje. P o d e me ajudar?
— Ah, ainda é m u i t o cedo. V o c ê disse K a n s a s City?
— S i m , K a n s a s City. E s t a m o s h o s p e d a d o s na estalagem
Velha Taos.
— E n t ã o , ligue para m i m em duas horas e eu lhe direi se
posso ir consertar s e u carro. — Dito isso, ele desligou.
Fui até T i m .
— V o c ê tem grafite? T a l v e z ele solte a ignição.
— T e n h o , sim. Está lá fora, no depósito.
— V o u pegá-lo. D i g a - m e o n d e ele está exatamente.
— N ã o . E s p e r e aqui. Eu p e g o o grafite p a r a você. — T i m
1,1 v o u as m ã o s e dirigiu-se ao depósito.
Após alguns m i n u t o s , inseri um p o u c o de grafite na ig-
nição. N a d a . Três a n o s atrás, o D o d g e fora roubado. Os la-

165
drões h a v i a m q u e b r a d o a coluna da direção e q u e i m a d o os
fios da ignição. Talvez eu p u d e s s e fazer algo s e m e l h a n t e .
M a s não queria quebrar nada e n e m sequer sabia o que
quebrar. Outra opção seria retirar a direção e, eu esperava,
e x p o r os fios. Fui falar c o m T i m .
— V o c ê tem soquetes? — expliquei a ele m e u plano.
— T e n h o . Estão no depósito.
— Q u e r que eu vá buscá-los? — perguntei.
— N ã o . Eu vou buscá-los para v o c ê .
Fiquei na varanda, observando o n o v o dia que se espa-
lhava pela planície.
— Detesto esperar — disse a m i m m e s m o . Então, tive um
insight. Era disso que se tratava. Essa era a m e n s a g e m . Apren-
der a esperar!
Os soquetes n ã o funcionaram. P a m apareceu para ver o
que estava acontecendo. Descrevi-lhe a situação.
— T u d o tem a ver c o m a capacidade de esperar — eu disse
a ela. — Detesto esperar. Tive de esperar a pena de pica-
p a u , o m e c â n i c o , o grafite, os soquetes e m e u passeio à gar-
ganta do rio. N ã o gosto de esperar.
E n q u a n t o eu falava, inseri a c h a v e na ignição m a i s u m a
vez. Girei a c h a v e e o carro pegou.
P a m riu.
— A c h o que e n t e n d e u a m e n s a g e m .
A ignição tem funcionado b e m desde então.
G u a r d a m o s as malas no carro, saímos do estacionamento
e r u m a m o s para a rua. A p ó s percorrer quinze metros de as-
falto, um e n o r m e pica-pau v o o u em frente ao carro, p o u s o u
e c o m e ç o u a andar. Ele agia c o m o se regesse u m a banda.
S e g u i m o s o p á s s a r o , e n q u a n t o e s t e atingia a estrada e
virava à esquerda, a direção que d e v í a m o s tomar. Ele e m i -
tia ruídos o t e m p o todo, c o m o se c o n v e r s a s s e c o n o s c o . E n -

166
tão, p a r o u de andar e, s e m esforço, v o o u até o fio de alta-
tensão da estrada.
Lá ele p e r m a n e c e u , quieto. C o l o q u e i a cabeça para fora
da janela.
— O b r i g a d o pela p e n a — eu disse. — Entendi a m e n s a -
g e m . — L e n t a m e n t e , o pássaro abriu as asas, sacudiu a cau-
da e alçou v ô o em direção ao c a m p o .

167
Meditação
PRESENTES E SINAIS DAS PENAS

As penas de certos pássaros foram utilizadas, em muitas culturas


antigas, para simbolizar sinais e presságios específicos. Esses si-
nais permeiam nossa linguagem: sábio como runa coruja, o pás-
saro azul da felicidade, ágil como uma águia. Embora a pena trans-
mita uma mensagem única para cada pessoa, há mensagens uni-
versais que elas também nos passam:

• Corvo — conhecimento intuitivo, sabedoria mística (o corvo


também é visto como um mensageiro da morte ou da doença
em algumas tradições. O poema de Edgar Allan Poe, O Corvo,
fala da natureza misteriosa e agourenta do pássaro).
• Águia, falcão — agilidade, força, coragem; associadas à ener-
gia masculina, o princípio yang; são pássaros sagrados em
muitas culturas, freqüentemente vistos como "mensageiros".
• Martim-pescador — felicidade, prosperidade, boa fortuna.
• Coruja — sabedoria interior, associada à energia feminina, o
princípio yin.
• Pavão — um símbolo de proteção ou clarividência; também um
símbolo do amor e do prazer sensual.
• Pomba — adaptação e sobrevivência.
• Papo-roxo — um mensageiro do bom tempo, se for visto can-
tando ao ar livre, e de que haverá chuva, se estiver escondido
entre as folhagens da árvore; também representa inocência e
"boa sorte".
• Gralha — outro precursor do bom tempo, se for vista no topo
de uma árvore, e da chuva, se for vista mais abaixo; quando
elas se reúnem, é sinal que uma tempestade está a caminho.
• Gaivotas — paz, eternidade.
• Cegonha — boa fortuna, muitos filhos.

Para essa meditação, escolha um dia, um final de semana ou


uma semana. Declare a intenção de notar que pássaros surgem a
sua volta. Anote os tipos de pássaros que você reconhecer. Pro-

168
cure o significado deles em várias fontes, como enciclopédias, li-
vros ilustrados sobre pássaros ou num bom dicionário com cita-
ções históricas e literárias.
Depois de pesquisar todos os significados, encontre um lugar
sossegado para meditar. Pergunte a sua sabedoria interior que
significados poderiam se aplicar a sua vida naquele momento. Dê
tempo à resposta. Escreva o que lhe vem à mente. Peça orienta-
ção contínua ao mundo natural e especialmente às penas.

169
Pássaro Preto,
Pássaro Branco
Laura Giess

Q u a n d o vi os pássaros pela primeira vez, eu ainda era ca-


sada e morava numa cidadezinha do Kansas. Eu trabalha-
va em Hays, e viajava noventa e seis quilômetros todos os
dias.
Meu casamento havia se deteriorado e eu estava deses-
perada, sem saber o que fazer. Deveria tentar salvá-lo ou
esperar que uma separação me trouxesse alguma luz? Tais
pensamentos permeavam minha cabeça, mas não conseguia
encontrar uma resposta.
Certa manhã, a caminho do trabalho, um pássaro branco
e um preto voaram diretamente sobre meu carro. Eles apa-
receram do nada, apenas os dois; e o evidente contraste das
cores me surpreendeu. Embora eu reparasse em pássaros,
jamais notei um par tão singular.
"Imagino quem estaria tentando se comunicar comigo",
pensei ao observar os pássaros atravessando meu campo de
visão. Tentei captar a presença de alguém, mas nada me
ocorreu. Então, esqueci o assunto.
Mas, no dia seguinte, aconteceu novamente, no mesmo
local e da mesma maneira — um pássaro branco e um pre-
to voaram acima de meu carro. Eu não os havia assustado;
não existia nenhuma explicação lógica para tal comporta-
mento.

170
N o entanto, nos dias q u e s e seguiram, e n q u a n t o m e de-
batia entre continuar c a s a d a ou me separar, eu via os pás-
saros v o a n d o : s e m p r e dois pássaros, um preto e um bran-
co, e s e m p r e no m e s m o lugar. Eu pensava: "O que é isso? O
que estão tentando me dizer?".
G r a d u a l m e n t e , percebi que o s pássaros e r a m u m s í m b o -
lo de m i n h a s e m o ç õ e s internas e do conflito que eu sentia:
parte preto, parte b r a n c o . M i n h a vida estava um turbilhão.
Tor fim, a p ó s u m m ê s , t o m e i u m a d e c i s ã o . C o m g r a n d e
dificuldade, disse a m e u m a r i d o e a m e u s dois filhos ado-
lescentes que precisava de solidão para procurar u m a solu-
ção p a r a m i n h a infelicidade. A c h e i u m a p a r t a m e n t o , n ã o
muito longe do trabalho, e, c o m m e d o e determinação,
m u d e i - m e e c o m e c e i u m a vida nova.
D e p o i s q u e m e instalei e m H a y s , v i o p á s s a r o b r a n c o
várias v e z e s , m a s n u n c a m a i s v i o p r e t o . Q u a n d o e n f i m
decidi continuar separada, sabia e m m e u coração que tinha
feito a escolha certa p o r m a i s dolorosas q u e fossem as con-
seqüências. O d e s a p a r e c i m e n t o do p á s s a r o preto e a cons-
tante aparição do b r a n c o p a r e c i a m confirmar m i n h a deci-
são. A g o r a que estou feliz, tranqüila e livre, vejo pássaros
brancos c o m freqüência!

171
Caçador de Penai
Mark E. Tannenbaum

Uma pena na mão é melhor que um pássaro voando.


— George Herbert, Jacula Prudentum

Em geral, as pessoas são colecionadoras. C o n h e ç o pessoas


que c o l e c i o n a m b o n e c a s e figurinhas de futebol. U m a v e z ,
colecionei t a m p a s de garrafa; m a i s tarde, preferi latas de
cerveja e garrafas. N ã o havia m o t i v o para eu colecionar tam-
pas e recipientes de bebida; a suposta m a n i a parecia expres-
sar o caçador dentro de m i m .
Q u a n d o m i n h a vida entrou em crise, eu descobri que o
instinto colecionador m a i s u m a vez se manifestava — n ã o
c o m o antes, m a s de certa forma mais p o d e r o s o . Só consigo
relacionar tal fato a um sussurro que l e m b r o ter escutado
q u a n d o m e u i r m ã o g ê m e o p a s s o u por m i m , dentro d o úte-
ro de m i n h a mãe: " A p r o v e i t e a j o r n a d a " . Foi um sussurro
a o v e n t o , s e m e l h a n t e a u m p á s s a r o q u e voa sobre v o c ê ;
então, n u m rápido farfalhar de asas, o sussurro acontece. É
profundo.
Era u m m o m e n t o forte e m m i n h a vida. E m e r g i a m tantas
v o z e s d a n a t u r e z a que p e n s e i e m usar tapa-ouvidos para
silenciá-las! T u d o parecia florescer, c o m o se as azaléias abris-
s e m seus b o t õ e s em m e u s olhos. Fragrâncias intoxicantes e
n o v a s sensações m e r o d e a v a m , acariciavam m i n h a m e n t e ,

172
espírito e corpo. C o m e ç a v a outra vez. O u t r a fase de caça-
dor? N ã o n o sentido d o q u e e u era, m a s e m q u e m e u m e
tornava.
O q u e me levou à fase seguinte foi Animal Speak [Fala
A n i m a l ] , u m livro escrito por T e d A n d r e w s q u e explicava
c o m o os elementos da natureza tinham seu próprio signifi-
cado. Fiquei mais ciente d o que m e rodeava. E m termos sim-
ples, era o equilíbrio q u e eu procurava.
A p ó s m u i t a leitura, d e s c o b r i q u e m i n h a ligação c o m a
natureza expressava-se, em especial, por m e i o dos pássaros.
Eles e r a m m e u totem. Eu me sentia mais alinhado, m a s falta-
va ainda a chave para abrir a porta da experiência direta.
D u r a n t e u m final d e s e m a n a e m m e a d o s d e s e t e m b r o ,
levei o livro, m e u cachorro, Yapper, e m e u e q u i p a m e n t o de
c a m p i n g ao P a r q u e S h a d e s State, em Indiana, para procu-
rar a " c h a v e " que T e d A n d r e w s havia m e n c i o n a d o . Pergun-
tei-me o que seria preciso para encontrá-la. Se ela estivesse
n a q u e l a área, eu tinha três dias para cobrir 2.000 acres!
Na m a n h ã do terceiro dia, saí para passear c o m Yapper,
seguindo u m a trilha. À q u e l a altura, eu me c o n v e n c e r a de
que n ã o havia n e n h u m a urgência de encontrar a chave. Sen-
do o último dia — e c o m o eu n ã o tinha n a d a a perder —,
pedi a c h a v e em v o z alta.
— Q u e r o encontrar u m a pena, de preferência u m a p e n a
de falcão — eu disse à floresta. Em seguida, esqueci o assun-
to. Continuei a c a m i n h a r atrás de Y a p p e r , já q u e ele sabia
o n d e ir.
D e p o i s d e u m t e m p o , u m a s o m b r a surgiu sobre m i m . F o i
c o m o s e alguém tocasse m e u ombro, sussurrando e m m e u
ouvido: "Aproveite a j o r n a d a " . Até Y a p p e r n o t o u a s o m b r a
e c o m e ç o u a latir.
O l h e i para o céu. Eles e s t a v a m lá — dois falcões v o a n d o !
Fiquei perplexo. Parei, agradeci ao Pai C é u e à M ã e T e r r a

173
pelo presente, e segui os falcões ao longo da trilha. Q u a n d o
enfim p o u s a r a m n u m a clareira, Y a p p e r e eu e s t á v a m o s s e m
fôlego.
V i alguns b a n c o s d e m a d e i r a n o local. N o t e i u m objeto
s o b r e um dos b a n c o s e me aproximei. H a v i a u m a p e n a a
m i n h a espera. Peguei-a e senti tanto sua fragilidade quanto
sua magnificência. Foi o m o m e n t o da verdade: u m a chave,
um acesso a portais n u m nível que eu n u n c a h a v i a experi-
m e n t a d o , u m n o v o equilíbrio e m m i n h a vida.
D e s d e e n t ã o , t e n h o e n c o n t r a d o m u i t a s p e n a s . N ã o são
apenas presentes da natureza; t a m b é m s i m b o l i z a m a reno-
v a ç ã o da vida. C a d a v e z q u e u m a p e n a cai, outra p e n a sur-
ge. Essa n o v a vida substituindo a velha me diz que a m o r t e
é s o m e n t e o c o m e ç o : o n d e há morte, há vida, um equilíbrio.
E, ao l o n g o do c a m i n h o , recordo o que o falcão sussur-
rou em m e u ouvido: " A p r o v e i t e a j o r n a d a " .

174
Um Espírito de Eèerdade
Terry Podgornik

Cerca d e dois anos atrás, u m a p e n a a p a r e c e u e m m e u ca-


m i n h o . Eu logo a notei. Parecia importante, m a s n ã o sabia
o que fazer c o m ela.
D e s d e então, penas t ê m aparecido c o m freqüência, qua-
se do n a d a . O m a i s c u r i o s o é que, q u a n d o me vejo n u m
a m b i e n t e urbanizado, s e m pássaros à vista, as p e n a s encon-
t r a m u m a m a n e i r a de vir até m i m . Às vezes, ao sair do tra-
b a l h o , em m e i o a edifícios, carros e pedestres apressados,
u m a p e n a flutua e cai a m e u s pés.
A s p e n a s m e c o n e c t a m a algo que vai a l é m d e m i m m e s -
ma e de m i n h a s p r e o c u p a ç õ e s c o m u n s . Q u a n d o fui à E s c ó -
cia, passei m u i t o t e m p o visitando os lugares m a i s pitores-
cos e c o m p r a n d o presentes. Um dia, e n q u a n t o eu tentava
decidir q u e lenço iria c o m p r a r , ergui o olhar e vi um j o v e m
c o m p e n a s d e falcão e m seus cabelos. N ã o n o s c o n h e c í a m o s ,
m a s sorrimos um para o outro na loja. N a q u e l e instante, par-
tilhamos u m c o m p a n h e i r i s m o secreto, b a s e a d o nas penas.
Saí sentindo-me leve, apesar das cansativas horas que pas-
sei de loja em loja.
Enfim, entendi que as p e n a s , para m i m , r e p r e s e n t a m li-
b e r d a d e espiritual. Elas me encorajam a me concentrar no
que r e a l m e n t e é importante na vida. Elas me d i z e m quan-
do é hora de me renovar, aproveitar a vida, viver o m o m e n t o
presente. É u m a m e n s a g e m simples, mas poderosa, algo que
eu preciso ouvir c o m freqüência.

175
C o n c l u í que, se as p e n a s c o n s e g u i a m chegar até m i m m e s -
mo na cidade, eu devia a elas e a m i m m e s m a um a m b i e n t e
m a i s n a t u r a l , o n d e a n e c e s s i d a d e de a p r o v e i t a r a v i d a e
apreciar a natureza me a c o m p a n h a s s e constantemente.
T e n h o de agradecer às p e n a s p o r obter t e m p o para reti-
ros pessoais, longas c a m i n h a d a s em p a r q u e s e à beira de
rios e férias em locais selvagens. A cada n o v a p e n a , fortale-
ço a capacidade de escutar m i n h a sabedoria interior.

176
U m Coração
Li-Young Lee

Veja os pássaros. Mesmo o vôo


nasce

do nada. O primeiro céu


está dentro de você, Amigo, abra-se

a cada fim do dia.


O trabalho das asas

foi sempre a liberdade, acelerando


um coração a cada coisa que cai.

177
Você Não Precisa Lutar
Lee Lessard-Tapager

Tal qual ocorre a muitas p e s s o a s , a condição de m i n h a pró-


pria saúde tornou-se u m a a v e n i d a para m u d a n ç a s de car-
reiras e para fazer coisas de q u e gosto. Sofri um ferimento
no j o e l h o que se recusava a sarar c o m os tratamentos tradi-
cionais. E x p l o r e i alternativas e no final obtive a cura p o r
m e i o da cinesiologia holística e do trabalho c o m áreas de
energia estagnada e m m e u s p a d r õ e s d e energia. A g o r a en-
sino cura holística e ajudo u m a a m p l a variedade de pessoas.
P o u c o d e p o i s d e l a r g a r m e u a n t i g o e m p r e g o e decidir
ensinar o q u e a p r e n d i por m e i o de m i n h a r e c u p e r a ç ã o , c o -
m e c e i a c o l e c i o n a r p e n a s . Q u e r i a criar u m e s p a ç o d e c u r a
p a r a m e u t r a b a l h o q u e i n c l u i r i a objetos s a g r a d o s d a n a -
tureza.
A s s i m q u e resolvi usar p e n a s e m m e u espaço, elas c o m e -
ç a r a m a surgir em m e u c a m i n h o . Fazia longas c a m i n h a d a s
e m Pine Island (na costa d o Golfo, n a Flórida), o n d e m i n h a
prática de ioga e cura h a v i a c o m e ç a d o a se formar. Foi um
d a q u e l e s p e r í o d o s em que n a d a p a r e c i a vir facilmente —
precisei lutar e trabalhar c o n s t a n t e m e n t e para adquirir es-
tabilidade financeira para m i n h a n o v a aventura.
U m dia, e u c a m i n h a v a , p e r g u n t a n d o - m e p o r q u e tudo
requeria tanto esforço, quando avistei u m a linda pena
b r a n c a n u m c h a r c o à b e i r a da estrada. O tínico p r o b l e m a
era q u e ela e s t a v a r o d e a d a de água. Eu q u e r i a a p e n a , m a s
n ã o queria entrar n a l a m a p a r a pegá-la. " S e desejo m e s m o

178
u m a p e n a c o m o esta, h a v e r á outra p a r a m i m c e d o o u tar-
de", pensei.
Continuei a c a m i n h a r e me surpreendi ao v e r um b a n d o
e n o r m e de íbis-brancos t o m a n d o sol. Q u a n d o o b a n d o al-
çou vôo, u m a única p e n a b r a n c a caiu na estrada diante de
mim.
A m e n s a g e m foi instantânea e clara.
— V o c ê n ã o precisa lutar. A c e i t e que o universo irá pro-
ver o que v o c ê necessita, q u a n d o chegar a hora.
A m e n s a g e m foi e x a t a m e n t e o que eu precisava escutar.
D e s d e então, s e m p r e q u e me vejo lutando contra o r i t m o
do u n i v e r s o , olho p a r a a p e n a b r a n c a q u e recebi n a q u e l e
dia. Ela m e l e m b r a d e q u e tudo a c o n t e c e q u a n d o t e m d e
acontecer.

179
Ritual
ABUNDÂNCIA DE PENA, ABUNDÂNCIA DE VIDA

Escolha a pena que mais o atrai ou imagine uma pena de que goste
e vá a seu lugar favorito para meditar.

• Coloque a pena a sua frente num tapete, mesa ou altar (ou em


sua mente, se a pena for imaginária), e concentre sua energia
no espaço da pena.
• De olhos fechados ou abertos, permaneça por alguns momen-
tos com a pena, meditando acerca de suas forças e qualidades
positivas. Escreva-as ao final da meditação ou durante.
• Em seguida, pense em lugares de amor, conforto e poder de
sua vida. Com que bons amigos você foi abençoado? Onde você
sente o poder interior? Que bênçãos materiais você tem? (não
minimize — lembre-se, para o desabrigado, um teto é uma
grande bênção; para o faminto, comida é definitivamente algo
ainda mais precioso!). Se quiser, desenhe ou rascunhe esses lu-
gares confortáveis e poderosos ou faça pelo menos um esboço
deles.
• Segure a pena em suas mãos. Comece pelo topo da cabeça e,
devagar, contorne um lado de seu corpo com ela, e depois o
outro. Em seguida, faça o mesmo à frente e atrás. Crie um "cam-
po" de energia que cubra seu corpo. Enquanto isso, diga (em
voz alta, se puder) as palavras "Sou abençoado com...", segui-
das das coisas que pensou.

Eis aqui alguns exemplos:


• Sou abençoado com inteligência.
• Sou abençoado com senso de humor.
• Sou abençoado com amor pela vida em si.
• Sou abençoado com uma cama confortável, muitos livros e
dinheiro para suprir minhas necessidades.

180
• Sou abençoado com amigos que gostam de mim e me aceitam.
• Sou abençoado com um lindo jardim em minha casa, onde
sinto meu próprio poder e o poder da natureza.

Não se preocupe com especificidades. Continue dizendo as


palavras "sou abençoado", enquanto cria o campo energético da
pena. Nesse ínterim, você irá se harmonizar com o campo uni-
versal de energia positiva que nos rodeia o tempo todo.

181
Cinqüenta Coisas para Fazer
eom as Penas
Mary-Lane Kamberg

N o m e u q ü i n q u a g é s i m o aniversário, u m a a m i g a m e d e u
cinqüenta penas. M i n h a carta de agradecimento a ela foi esta
lista de idéias a realizar c o m as penas:

1. Criar um n i n h o de penas.
2. Colocar uma pena em m e u boné.
3 . Fazer cócegas e m m i m m e s m a .
4. Juntar-me aos pássaros que p o s s u e m a m e s m a pena.
5. Enfeitar a l g u é m .
6 . Escrever c o m u m a pena.
7. C o l o c a r u m a p e n a e um tinteiro p e r t o de seu c o m -
p u t a d o r p a r a l e m b r á - l a da infinita a m p l i t u d e da c o -
municação.
8. D o r m i r n u m a c a m a de penas.
9. D o r m i r u s a n d o um travesseiro de p e n a s .
10. Tirar o pó c o m um e s p a n a d o r de penas.
1 1 . D e c i d i r o q u e p e s a m a i s : u m quilo d e p e n a o u u m
quilo de ferro.
12. F a z e r um enfeite de Natal.
13. Costurar u m a colcha de penas.
14. U s a r p e n a s e m m e u casaco d e inverno.
15. P r o v o c a r m i n h a i m a g i n a ç ã o .

182
16. R o ç a r o nariz de m e u m a r i d o e n q u a n t o ele está dor-
mindo.
17. Fazer cócegas n o s pés de um b e b ê .
18. F a z e r u m cocar indígena.
19. A s s o c i a r - m e à A c a d e m i a das Penas.
20. Fazer os anjos v o a r e m .
2 1 . Criar u m a fantasia de pássaro.
2 2 . Fazer u m a p a n h a d o r d e sonhos.
23. Fazer u m a m á s c a r a d e Carnaval.
24. Fazer m e u gato pensar que h á u m pássaro n a casa.
25. A m a r r a r u m a p e n a e m m e u carro, abrir m i n h a s asas
e a p r e n d e r a voar.
26. Prender penas e m m i n h a s m e c h a s .
27. Atirar c o m arco e flecha.
2 8 . Usar u m b o á d e penas.
2 9 . Fazer um leque de penas.
3 0 . Deixar u m a p e n a n o chão para que u m a criança pos-
sa encontrá-la.
3 1 . Sentir que sou u m a bela pena.
3 2 . Usar u m c h a p é u d e p l u m a s .
3 3 . Costurar u m a almofada d e p e n a s .
34. Fingir q u e s o u u m cavaleiro e m p l u m a d o .
3 5 . Fazer u m c h a p é u para entrar n a b a n d a .
3 6 . Brincar de índio.
37. Estimular m i n h a vaidade.
3 8 . Acariciar as p e n a s de a l g u é m .
3 9 . D e s a r r u m a r as penas de a l g u é m .
4 0 . Fazer um colar de penas.
4 1 . Enfeitar m i n h a colher d e pau.
4 2 . Lutar b o x e c o m a l g u é m que p e s e 50 quilos (ou seja,
que seja um "peso-pena").

183
4 3 . Pintar u m quadro.
4 4 . E n c h e r u m aquário vazio c o m p e n a s coloridas.
4 5 . F a z e r u m periscópio.
4 6 . Enfeitar u m vaso.
47. Criar u m a história p a r a c a d a pena.
4 8 . Partilhar as penas c o m a l g u é m .
4 9 . M o n t a r u m móbile.
50. Decorar m e u computador.

184
Qual É o Seu Fator Pena?
Virgínia Lore

Você c o n s e g u e falar c o m os anjos o u v o a r c o m o u m a águia?


D e s c u b r a q u e m e n s a g e m a p e n a t e m para v o c ê neste teste.

1. S e u primeiro ato consciente pela m a n h ã é:


A. Meditar p o r alguns minutos
B . Pedir u m farto café d a m a n h ã
C. L e r o jornal
D. A c o r d a r as crianças a c a m i n h o da cozinha

2 . A o andar pela rua, v o c ê repara:


A. No odor fresco da c h u v a sobre o asfalto
B . N a sorveteria e m frente
C. No veículo estacionado em local proibido
D . N o s carros que p o s s u e m assentos p a r a b e b ê s

3. S u a s férias ideais seriam:


A . N u m retiro espiritual
B . N u m luxuoso cruzeiro
C. No campo
D. Visitando a família ou a m i g o s que m o r a m l o n g e

4. Se sua televisão está ligada, v o c ê está assistindo:


A. A um p r o g r a m a de entrevistas
B. A um seriado a m e r i c a n o
C. Ao telejornal
D. A novelas

185
5. V o c ê sonha m u i t o c o m :
A. Pássaros
B. Beijos
C. Brigas
D. Fugas

6. Na adolescência, v o c ê costumava:
A. O b s e r v a r as n u v e n s
B. Cantar no coral da escola
C . Ser m e m b r o d o g r ê m i o
D . B u s c a r p r i v a c i d a d e n o banheiro

7. Se p u d e s s e ler m a i s poesia, v o c ê c o m e ç a r i a com:


A. O s i m b o l i s m o de C r u z e Sousa
B. A rica sintaxe de J o ã o Cabral de M e l o N e t o
C. O h u m o r cáustico de O s w a l d de A n d r a d e
D. A simplicidade de M a n u e l B a n d e i r a

8. V o c ê passa m u i t o t e m p o diante do c o m p u t a d o r :
A. Escrevendo
B . J o g a n d o v i d e o g a m e pela Internet
C. E n v i a n d o e-mails políticos
D. O r g a n i z a n d o as finanças da família

9. N u m a ensolarada tarde de sábado, v o c ê está:


A. No jardim, e s c u t a n d o o s o m da natureza
B. D e n t r o de u m a sala de c i n e m a , assistindo a u m a
comédia
C. N u m a passeata de protesto
D. N u m a loja de artigos domésticos

10. V o c ê preferiria viver:


A. Na Paris dos anos 70
B . N a N o v a Y o r k dos anos 2 0
C. Na S ã o Paulo dos anos 60
D. No R i o de Janeiro dos anos 50

186
Pontuação:
• Se a maioria das respostas for A: Explorador Angelical. Asso-
ciado ao e l e m e n t o ar, o d o m í n i o primário do E x p l o r a d o r
Angelical é a espiritualidade. Intuitivo e muito criativo,
o Explorador Angelical já possui um forte relacionamen-
to c o m o d e s c o n h e c i d o e é m u i t o receptivo a m e n s a g e n s
d o além. N o entanto, lembre-se d o v e l h o ditado: " N ã o
p e q u e pelo e x a g e r o " . A ruína do Explorador Angelical é
a ganância espiritual. S e u desafio é m a n t e r os pés no chão
para que ele utilize a visão espiritual de forma prática. A
m e n s a g e m da p e n a é um lembrete de que o p o d e r está
neste plano e há oportunidades de vincular-se a circuns-
tâncias físicas.
• Se a maioria for B: Dançarino. Na alameda do fogo, o ins-
tinto primário do Dançarino é a sensualidade. Em seu as-
pecto sombrio, tal característica p o d e parecer materialis-
ta ou um apego à carne. Essa pessoa d e v e ser um dança-
rino na vida real ou, ao m e n o s , trabalhar no ramo. Dan-
çarinos saudáveis, p o r é m , a p r o v e i t a m as oportunidades
de obter alegria no m u n d o físico. O D a n ç a r i n o vive a gra-
tidão sincera e o e n t u s i a s m o p o r aquilo que as p e s s o a s
a c h a m insignificante. O desafio para o Dançarino é desa-
pegar-se de detalhes materiais da v i d a diária. Q u a n d o
v o c ê encontrar u m a pena, siga seu conselho d e p e r m a -
necer "quieto e e s c u t a r " ou fique p o r alguns m o m e n t o s
refletindo antes de voltar aos afazeres normais.
• Se a maioria for C: Orador da Águia. Associado ao elemen-
to terra, o O r a d o r da Águia faz sua j o r n a d a pela v e r d a d e
e justiça. S e u instinto primário é social, especialmente vol-
tado para o bem-estar de todas as pessoas. C o m seus olhos
voltados para o horizonte, o O r a d o r da Águia n e m s e m -
pre sabe se relacionar e tende a ser crítico q u a n d o a l g u é m
desiste dos próprios ideais. Ele é regrado pela paixão p e l a

187

i
igualdade. A s p e n a s s u r g e m n o c a m i n h o d o O r a d o r d a
Á g u i a para lembrá-lo da alegria de viver o "aqui e ago-
ra", q u a n d o livre de j u l g a m e n t o s .
o Se a maioria for D: Ninho Seguro. O instinto primário do
N i n h o S e g u r o é a autopreservação em todas as suas m a -
nifestações. R e g r a d o pela água, o N i n h o S e g u r o investe
m u i t a e n e r g i a em fortalecer os r e l a c i o n a m e n t o s e c o n s -
truir seu lar. Ele n ã o é apenas especializado em jardina-
g e m , c u l i n á r i a e p a t e r n i d a d e (ou m a t e r n i d a d e ) , m a s é
t a m b é m um excelente amigo. D o t a d o de e m p a t i a e sensi-
bilidade, o N i n h o S e g u r o p o d e facilmente tornar-se m o -
roso, m a l - h u m o r a d o ou deprimido. A pena o avisa de que
é p r e c i s o c o n c e n t r a r - s e m a i s no c r e s c i m e n t o p e s s o a l e
confiar na a b u n d â n c i a do universo.

R e s u l t a d o s Mistos:
• Um par compatível é um equilíbrio forte e saudável entre
dois tipos (quatro ou mais respostas em cada categoria).
Leia as d u a s descrições e assimile as m e n s a g e n s da pena.
• U m a divisão entre os três tipos (três em cada) indica um
forte equilíbrio entre os três lados desenvolvidos de sua
personalidade. Para crescer ainda mais, leia a descrição do
tipo em que você obteve a menor pontuação e deixe a pena
ajudá-lo a desenvolver as qualidades desse aspecto.
• U m a mistura absoluta (de dois a três em c a d a um dos qua-
tro tipos) sugere que você seja um individualista c o m a
n o ç ã o de que c o n h e c e seu próprio valor e possui um con-
j u n t o ú n i c o de gostos e princípios. Ao r e c o n h e c e r isso,
permita q u e a m e n s a g e m da pena o inspire a partilhar
sua singularidade, fortalecendo os outros.

188
Sonhos de Falcão
Judith Christy

Eu o vi pela p r i m e i r a v e z em m e u s s o n h o s — u m a presen-
ça s o m b r i a e misteriosa. Q u a n d o c o m e ç o u a aparecer no pla-
no físico, eu s o u b e que devia prestar atenção ao que ele me
mostrava.
Eu estava de férias n u m a das ilhas do golfo da Flórida.
Certo dia, um falcão v o o u p o r c i m a de m i m e p o u s o u n u m a
árvore perto da casa. S e u colorido era lindo e me encantei
c o m os detalhes das penas. Observei, fascinada, q u a n d o ele
se a c o m o d o u no galho da árvore e me olhou. N o s dias que
se seguiram, eu o vi várias vezes.
Em outro dia, sentei-me no terraço p a r a meditar sob o sol.
F e c h e i os olhos e esvaziei m i n h a m e n t e de p e n s a m e n t o s . Eu
m e encontrava profundamente relaxada q u a n d o m e assus-
tei ao escutar o grito de um pássaro. U m a s o m b r a p a s s o u
sobre m i m e algo caiu em m e u colo. A b r i os olhos e vi um
p e q u e n o galho de a m o r a s sobre m i n h a s pernas — o presente
do falcão. Fiquei e m o c i o n a d a ante aquele vínculo sagrado.
D u r a n t e m i n h a s d u a s s e m a n a s d e férias, e l e a p a r e c i a
quase diariamente, pousando no parapeito do deque em
frente à cozinha. Eu o admirava pela j a n e l a e até tirei u m a
foto, que p e r m a n e c e em m e u altar.
A q u e l e adorável falcão d a Flórida tornou-se u m s í m b o l o
da liberdade p a r a m i m — u m a liberdade que permite v ô o s ,
b u s c a s e n o v o s riscos, m a s s e m p r e p e r m a n e c e ligada à ter-
ra q u e é seu apoio e santuário.

189
Meu Leque da Liberdade
Elissa Al-Chokhachy

M e u altar e local de m e d i t a ç ã o ficam em m e u quarto. É


m e u retiro, o n d e e x p e r i m e n t o o silêncio interior e m i n h a
s a g r a d a l i g a ç ã o c o m a F o n t e . S o b r e a toalha b r a n c a do al-
tar estão as m e m ó r i a s m a i s significativas de m i n h a j o r n a -
da espiritual. F o t o s de seres i l u m i n a d o s , m í s t i c o s e p r o -
fetas, c o m o a M ã e A b e n ç o a d a , G u r u m a y i , J e s u s C r i s t o e
Sai B a b a , q u e m e o f e r e c e m e s p e r a n ç a e m m o m e n t o s d e
necessidade.
Um tesouro importante que se encontra no altar é m e u
"leque da liberdade", u m a c o m p o s i ç ã o das várias p e n a s que
colecionei ao l o n g o da estrada da liberdade. Em m a r ç o de
1987, vivi u m profundo despertar espiritual. A l é m d e ter
sido a b e n ç o a d a c o m a altíssima consciência, experienciei a
unidade d e D e u s e m todos o s sentidos. Descobri que D e u s
estava em mim e em todas as coisas. Essa percepção transfor-
m o u m i n h a vida.
C o m o resultado, eu me comprometi totalmente com o
c a m i n h o espiritual. Foi, s e m dúvida, o a u g e da experiência.
Ironicamente, paralela à magnífica consciência, surgiu a
constatação de que m e u m u n d o exterior não suportava
m i n h a nova interioridade espiritual.
Os anos que se seguiram foram tumultuados, e m e u casa-
m e n t o d e dezoito anos t e r m i n o u e m divórcio. E u rezava,
pedindo força, coragem, ajuda e cura. Surpreendentemente,
o universo respondia c o m sinais de esperança e conforto.

190
N ã o me lembro do dia exato em que a p r i m e i r a p e n a da
liberdade apareceu em m e u c a m i n h o . O leque e a coleção
de p e n a s a c o n t e c e r a m naturalmente. L o g o no início da jor-
n a d a espiritual, participei d e u m intenso w o r k s h o p d e cura.
A o final, u m participante, q u e e u n ã o c o n h e c i a , ofereceu-
m e u m presente. Era algo q u e ele havia g u a r d a d o durante
anos; p o r é m , s e m explicação, sentiu-se i m p e l i d o a ofertá-lo
a mim.
E r a u m a peça sagrada d e u m a veste indígena, a m a r r a d a
por u m a tira de couro. M u i t o e m o c i o n a d a , agradeci o pre-
sente e me senti c o m o v i d a c o m sua generosidade. U m a v e z
em casa, coloquei-o em m e u altar e fiz u m a p r e c e de agra-
decimento.
Na m e s m a época, eu realizava caminhadas reflexivas para
m e centrar e equilibrar. E m geral, u m a p e n a aparecia e m
m e u trajeto. N ã o i m p o r t a v a o local. Eu p o d i a estar na flo-
resta, na praia ou na rua. Eu me via i m p e l i d a a olhar em
determinada direção e lá havia uma pena para mim. Eu
sorria, s a b e n d o que se tratava de um presente do Espírito.
C a d a p e n a representava um m a r c o e um s í m b o l o de que
me e n c o n t r a v a no c a m i n h o da liberdade. Eu recolhia a p e n a
e agradecia. Q u a n d o v o l t a v a ao altar, c o l o c a v a a p e n a na
tira de c o u r o da peça indígena. Batizei-a de "leque da liber-
dade", p o r q u e cada p e n a significava u m p a s s o e m direção
à independência, c o m p l e t u d e e autonomia... e, um dia, eu
sabia q u e iria voar.
O i t o anos após m e u despertar, libertei-me do casamento.
N ã o precisava mais fingir q u e eu era a i m a g e m do que de-
veria ser. N ã o tinha de esconder m i n h a espiritualidade no
armário. P o d i a respirar. F i n a l m e n t e estava livre para ser eu
mesma.
E m b o r a eu lute m u i t o p a r a criar três adolescentes, m i n h a
cura continua, e sinto-me m a i s livre e feliz do que nunca.

191
M i n h a espiritualidade incorporou-se a m e u trabalho de
enfermeira, e fui a b e n ç o a d a c o m um g r u p o de a m i g o s es-
pirituais. E l e s m e a j u d a r a m n o s altos e b a i x o s d e m i n h a
jornada.
A g o r a as p e n a s a p a r e c e m de vez em q u a n d o . M a s o m a i s
extraordinário é q u e em m e u cartão de visitas há u m a p e n a
impressa. I n s p i r a d a p o r u m d o s pacientes m a i s j o v e n s d a
instituição e m que trabalho, u m a criança d e u m ano, escre-
vi um livro infantil, o qual conta a história de um anjinho
q u e v e m à terra p a r a espalhar seu amor. Claro que ele é um
anjo c o m asas. M a i s u m a v e z , a s penas surgiram e m m i n h a
trilha c o m o intuito de me ajudar ao longo da j o r n a d a de
liberdade pessoal.

192
A Insustentável leveza das Penas
Deborah Shouse

Q u a n d o e u era criança, a d o r a v a o s p á s s a r o s e tinha u m


a m o r especial pelas p e n a s . Eu gostava de e x p l o r a r o gra-
m a d o , à procura de u m a surpresa azul e brilhante. D e p o i s
de ler o livro infantil A Pena do Pica-Pau, c o m e c e i a procu-
rar u m a p e n a m á g i c a q u e me traria b o a sorte, tal qual rela-
tava o conto.
C h e g u e i a ver vários pica-paus, m a s n u n c a obtive u m a
p e n a deles. N u m dia quente de verão, eu estava c o m outras
c r i a n ç a s , b r i n c a n d o d e p e g a - p e g a , q u a n d o avistei m i n h a
primeira p e n a de pica-pau. Parei para pegá-la, s e m ligar para
a z o m b a r i a das outras crianças. A conotação mística daque-
l a p e n a m e t r a n s p o r t o u . P o r c o n s e q ü ê n c i a , iniciei m i n h a
coleção de penas.
E u g u a r d a v a m i n h a c o l e ç ã o n u m a caixa d e presentes d a
Julius L e w i s . A Julius L e w i s era u m a loja de departamen-
tos elegante de M e m p h i s , e o n d e m i n h a família c o n s e g u i u
aquela caixa, eu n ã o sei.
C o m freqüência, u m a pena exótica surgia em minha cole-
ção: u m a pena de p a v ã o q u e encontrei n u m arbusto no zoo-
lógico, penas de flamingo de u m a viagem à Flórida, u m a pena
de falcão n u m terreno baldio. Eu n ã o gostava de receber penas
das pessoas; preferia encontrá-las. E nunca peguei as penas
de um pássaro morto — parecia-me desrespeito.

193
A i n d a t e n h o m i n h a c o l e ç ã o . G o s t o d e acariciar m i n h a s
p e n a s , sentir o contraste entre a p l u m a m a c i a e a p o n t a afia-
da. G o s t o das cores e do brilho.
M a s o que m a i s adoro em relação às p e n a s é sua leveza.
T e n h o u m a caixa d e p a p e l ã o c o l o r i d o , o n d e h á p e n a s d e
gaio, pardal e gaivota, e a caixa, ainda assim, parece vazia.
S o m e n t e q u a n d o e r g o a tampa, vivencio a m a g i a e o tesou-
ro q u e o p e q u e n o c o m p a r t i m e n t o c o n t é m .

194
Meditaçãc
FANTASIAS DE PENAS

As penas podem lhe oferecer a sensação do desconhecido, do


exótico, do misterioso. O toque delicado cria calafrios em seu cor-
po e ativa seus sentidos.
Passe algum tempo pensando em fantasias de penas. O que
você sempre sonhou fazer — ou sempre sonhou que fosse feito
em você — com penas?
Encontre um lugar tranqüilo para essa meditação. Depois de
ler cada idéia, feche os olhos e veja as imagens que lhe vêm à
mente. Anote as sensações que acompanham as imagens.
Após percorrer todas as idéias, volte a suas favoritas e trans-
forme-as em realidade!
Amostras de fantasias:

• Talvez você queira ter o seu próprio leque de penas.


• Imagine-se deitado numa cama coberta de penas... ou imagine-
as caindo e cobrindo seu corpo, enquanto você sente o toque
suave das penas.
• Use uma máscara de penas. Você pode comprá-la na época do
Carnaval ou criar uma.
• Vista-se com penas: jogue boas em seu pescoço, use uma roupa
bordada de penas. Complete o conjunto com brincos de pena,
uma tiara ou um chapéu de pena.
• Pendure penas no teto em diferentes alturas. Ou faça um móbüe
de penas. A mais suave brisa irá movê-las ao ritmo do ar.
• Com um parceiro ou sozinho, experimente uma massagem com
penas. Use uma pena de pavão ou outra que seja macia. Tente
vários toques: carícia, afago, estímulos...

195
Convite
Kenneth Ray Stubbs

A chama de uma vela irradia

Um dedo descansa

Uma pena de pavão acaricia

Uma manga amadurece

Uma corrente de água quente se espalha

Braços abraçam

Tornando-se um.

196
Asas da Liberdade
Nancy Gifford ("Mumtaz")

Como artista, c o m e c e i a colecionar p e n a s e asas d e pássa-


ros há muitos anos para incorporá-las a m i n h a s obras. Elas
me falam de todos os aspectos da liberdade, do político e
social ao espiritual.
Por e x e m p l o , tenho u m a obra c h a m a d a Paz, que c o n t é m
u m a antiga prótese de u m a m ã o da I Guerra M u n d i a l . E n -
tre os dedos há u m a pena de gaivota.
U m a colecionadora idosa adquiriu outra p e ç a c h a m a d a
Libertando o Espírito. T e m p o s depois, ela me telefonou para
dizer que havia sofrido um enfarte grave e estava doente.
Ela p e n d u r o u o q u a d r o na p a r e d e em frente à c a m a para
que p u d e s s e apreciá-lo constantemente.
— As asas levarão m e u espírito para o outro lado — ela
disse.
A l g u m a s s e m a n a s depois, sua filha telefonou para infor-
m a r que a m ã e havia falecido e confirmou quanto o quadro
a confortara n o s últimos dias de vida. Ao acordar todas as
m a n h ã s , a filha relatou, ela dizia:
— M i n h a s asas n ã o v o a r a m ainda!
Penas e asas p a r e c e m vir até m i m q u a n d o m a i s preciso.
Durante m i n h a lua-de-mel no Havaí, eu admirava as egretas
que p a s s e a v a m pelo c a m p o . E r a m lindas, m a s e u n ã o quis
suas asas p o r q u e isso significaria que u m a daquelas criatu-
ras elegantes teria de morrer.

197
N o dia s e g u i n t e , e n q u a n t o p a s s e á v a m o s p e l a s c o l i n a s ,
u m a egreta v o o u de e n c o n t r o ao pára-brisa do carro e m o r -
reu na hora. Eu me vi c o m p e l i d a a honrá-la e ainda tenho
fotos d o m o m e n t o e m q u e retirei s u a s asas. S e m p r e l e v o
c o m i g o u m a tesoura. Sinto que o s p á s s a r o s m e a b e n ç o a m
c o m suas asas para, d e a l g u m a forma, s e r e m úteis, e m v e z
de morrerem em vão.
M i n h a p e n a favorita é aquela que me foi dada p o r um
r a p a z c h a m a d o W o l f , u m í n d i o H u r o n e filho d e F r e d
W a h p e p a h , um a n c i ã o e s t i m a d o . Ele foi o líder espiritual
d e u m w o r k s h o p q u e participei, dois anos atrás, e m M a l i b u .
Q u a n d o me m u d e i p a r a Londres, ele me d e u a p e n a c o m o
s í m b o l o de proteção. Ela ainda está p e n d u r a d a no espelho
retrovisor de m e u carro e s e m p r e estará.
A g o r a m o r o n u m a c o m u n i d a d e p r e s e r v a d a que s e cha-
ma A u d u b o n . Um casal de águias vive a p o u c o s m e t r o s da
casa. A l i m e n t a m - s e em n o s s o lago todos os dias. A cada es-
tação, e n s i n a m o filhote a pescar e v o a r em n o s s o jardim. O
p â n t a n o ao lado do lago é o reduto de u m a egreta; durante
duas s e m a n a s na p r i m a v e r a , ela faz um estardalhaço. P á s -
saros d e todos o s tipos p e s c a m e m n o s s o lago.
Q u a n d o me sento para observá-los, os pássaros ficam
atentos a m i m e a b r e m suas asas!

198
Ninho de Penas
Pam Owens

Várias d é c a d a s atrás, u m j o v e m m é d i c o , q u e t r a b a l h a v a
n u m hospital d e Indianápolis, correu p a r a atender u m cha-
m a d o de urgência n u m a área pobre da cidade. Q u a n d o
c h e g o u , foi recebido à porta p o r dois rapazes robustos, c o m
um sotaque das m o n t a n h a s de O z a r k . Eles disseram q u e a
irmã estava d a n d o à luz. Ao examiná-la, o m é d i c o consta-
t o u que, de fato, ela encontrava-se em trabalho de parto e
n ã o podia ser r e m o v i d a . Ele p e d i u aos i r m ã o s que ferves-
s e m água, e c o m e ç o u os preparativos p a r a o parto.
E n q u a n t o o j o v e m m é d i c o a t e n d i a a futura m a m ã e , os
i r m ã o s e n t r a v a m a c a d a m i n u t o para perguntar:
— Já está na h o r a da p e n a ?
O m é d i c o n ã o fazia idéia do que significava aquilo, m a s
n ã o queria aborrecer os i r m ã o s que, claramente, q u e r i a m ter
certeza de q u e a " p e n a " aconteceria. C a d a v e z que pergun-
t a v a m , ele respondia s i m p l e s m e n t e :
— A i n d a não!
Por fim, sabendo que n ã o conseguiria segurá-los por mais
t e m p o e u m a v e z que o b e b ê estava para nascer, ele resolveu
conceder. Q u a n d o os irmãos apareceram, o m é d i c o disse:
— Está na hora.
Um dos i r m ã o s utilizou u m a p e n a p a r a roçar o nariz da
i r m ã . O b v i a m e n t e , ela e s p i r r o u e , d e a c o r d o c o m o b o m
m é d i c o , o b e b ê n a s c e u em seguida!

199
A Pena Mágica de Lynda
Nancy Sena

Minha irmã, L y n d a , é u m espírito livre. Ela acredita que o


u n i v e r s o a ajudará e, p o r t a n t o , gasta p o u c a e n e r g i a c o m
problemas.
Ela dirige um carro de s e g u n d a m ã o há quinze anos e n ã o
c o n c e b e a idéia de se separar dele. M e s m o no c l i m a tropical
da Flórida, L y n d a n u n c a usa o ar-condicionado. Ela diz q u e
não há n a d a m e l h o r ( c o m exceção de sua filha, Kelly, a q u e m
ela a m a i n c o n d i c i o n a l m e n t e ) que sentir o sol em s e u rosto e
o v e n t o n o s cabelos.
Certa noite, n ó s c o l o c á v a m o s livros e p a p é i s no carro de
L y n d a . N o t e i u m a p e n a amarela, v e r d e e a z u l no console
e m p o e i r a d o entre os dois assentos.
— P a r a que serve esta p e n a ? — perguntei.
— É do papagaio de Kelly — ela respondeu. — Aquela ave
tem u m a ligação especial comigo. Essa pena é mágica.
Vários meses depois, tive a oportunidade de olhar o inte-
rior do carro novamente. A pena continuava no m e s m o lugar.
— V o c ê c o l o u a p e n a no console? — perguntei.
— N ã o . — Ela sorriu. — Está s e m p r e c o m i g o . Eu lhe dis-
se, é u m a p e n a m á g i c a !
S e m dúvida, a despeito da ventania que invadia o carro,
a p e n a lá p e r m a n e c e u p o r m e s e s a fio.
Q u a n d o um dia ela desapareceu, L y n d a d e u de o m b r o s e
concluiu que seus p o d e r e s m á g i c o s h a v i a m sido transferi-
dos p a r a a l g u é m q u e os necessitasse.

200
Desprenda-se, Voe Livrement,
Ron Yeomans

A pena azul de Ilusões não pensou em se explicar para


mim. Apenas observei, enquanto a história se escrevia
por si só, por meu intermédio, e não fez perguntas.
— Richard Bach

Anos a t r á s , u m d e m e u s l i v r o s f a v o r i t o s era Ilusões de


Richard Bach. A história fala da capacidade de desapegar-se
de p a d r õ e s e limitações, da confiança em n ó s m e s m o s p a r a
fazer as escolhas certas e do aprendizado do amor incondi-
cional. A certa altura, Richard, o p e r s o n a g e m principal do
livro, decide atrair u m a p e n a azul, visualizando-a; trata-se
de u m a "prática" para atrair o que q u e r e m o s que aconteça
em nossas vidas.
A p e n a a p a r e c e u e d e m o n s t r o u q u e p o d e m o s estar p o -
d e r o s a m e n t e ligados ao universo, se n o s d e s p r e n d e r m o s do
que pensamos saber e d e i x a m o s as forças do universo n o s
guiar à verdade.
I n t e l e c t u a l m e n t e , e n t e n d i a m e n s a g e m de Ilusões, m a s
precisei de anos para sentir o q u e B a c h dizia e aplicá-lo a
m i n h a s circunstâncias.
V i n t e anos depois, penas azuis, de repente, a p a r e c e r a m
e m m i n h a vida. U m a m i g o m e e n v i o u u m cartão — " d o
n a d a " — c o m u m a pena azul impressa no papel. Passados
alguns dias, encontrei p e n a s de gaio-azul sobre m i n h a m e s a ,

201
c o m o s e t i v e s s e m sido colocadas ali d e propósito. N o m e s -
m o dia, recebi u m cartão-postal que descrevia u m e n c o n -
tro, cujo tópico era "Sincronicidade: M e n s a g e n s do U n i v e r -
so". No cartão havia u m a pena azul. E n t e n d i a m e n s a g e m ,
c o m p a r e c i ao encontro e iniciei u m a excitante j o r n a d a espi-
ritual.
P o r que, após tantos anos, as p e n a s azuis e n t r a r a m em
m i n h a vida?, perguntei a m i m m e s m o . O que elas aponta-
v a m ? Então, lembrei-me da história de Richard Bach. E co-
m e c e i a avaliar m i n h a vida.
P e r c e b i q u e estava preso a velhos p e n s a m e n t o s , concei-
tos e hábitos. A l g o n o v o tinha de n a s c e r . As p e n a s azuis
p e d i a m que m e desapegasse, que largasse aquilo q u e n ã o
mais me servia e continuasse a receber e dar amor incondi-
cional, s e m julgamentos. Outro livro, Conversando com Deus,
tornou-se a trilha da liberdade, a qual as p e n a s azuis me
c o n v i d a v a m a seguir.
P o r ter passado m i n h a infância n u m a m b i e n t e religioso
e repressivo, abracei o livro Conversando com Deus de m e n t e
e coração abertos. Os conceitos foram claros e diretos. A q u e -
le era um D e u s c o m o qual eu podia me identificar, que eu
p o d i a a m a r v e r d a d e i r a m e n t e e receber dele o m e s m o a m o r
e m troca.
E s t o u a p r e n d e n d o a v o a r acima das coisas que costuma-
v a m m e incomodar. S e m e vejo regredindo, sendo crítico,
logo encontro u m a p e n a azul em a l g u m lugar. Ela é tão efi-
caz quanto um farol. Traz a m e n s a g e m de q u e devo me olhar
no e s p e l h o antes de julgar os outros.
O b r i g a d o , m i n h a s a m i g a s penas, por m e lembrar d a uni-
d a d e de n o s s o universo e por serem c o m p a n h e i r a s em m i -
n h a trilha para a c o m p r e e n s ã o . M e u espírito v o a c o m vocês.

202
Meditaçãc
UM PUNHADO DE PENAS

Hoje de manhã eu caminhei pela praia. Não procurava penas,


somente caminhava. Mas as penas estavam lá, úmidas e ao longo
da costa. Não poderia ignorá-las, certo? Continuei a recolhê-las...
penas de pelicano, de gaivota e até de corvo.
Em pouco tempo, obtive um punhado de penas — o suficiente
para encher um vaso, por exemplo. Eu não sabia ao certo o que
fazer com as penas, tampouco imaginava que mensagens elas tra-
ziam do universo. Pareciam penas "comuns". Porém, nunca en-
contrei tantas de uma só vez. Meu lado ganancioso forçou-me a
guardá-las.
Continuei andando e notei uma mulher recolhendo conchas na
praia. Ela carregava uma sacola, na qual jogava as conchas. Mos-
trei-lhe minhas penas; ela me mostrou suas conchas. Então, nós
nos separamos, aumentando nossas respectivas coleções.
Um castelo de areia havia sobrevivido às marés da noite. Senti
vontade de fincar minha pena no topo das torres de areia. Afinal,
um castelo de areia é a idéia sagrada de uma criança (ou de um
adulto!), embora a areia pertença ao mar e não às mãos daquele
que o criou.
Pensei nos pássaros que possuíam essas penas. Estamos na
primavera. Eles abandonaram aquelas penas para que outras cres-
çam no lugar. Os pássaros parecem aceitar a noção de mudança e
impermanencia, com um desprendimento tão libertador quanto
seus vôos.
Uma após a outra, deixei as penas caírem de minha mão. A
maré da manhã as levaria junto com o castelo de areia. Elas em
breve voltariam à terra, tal qual ocorre a todas as coisas. Suas ir-
mãs penas também cairão um dia, quando as mais novas quise-
rem crescer.
Nesse ínterim, eu me senti leve sem as penas que, instantes
atrás, queria manter comigo. Resolvi pegar uma pena de cada vez
e deixar que outra pessoa recolha um punhado delas.

203
O que alivia seu peso e o ajuda a voar? Imagine-se preparan-
do-se para uma longa jornada nas estrelas. O que você levaria para
ajudá-lo a voar mais depressa e percorrer uma distância maior?
O que você deixaria para trás a fim de aliviar seu peso?
Feche os olhos, fique em silêncio, relaxe as mãos e faça essas
perguntas:

1. Para seu eu físico


2. Para seu eu emocional
3. Para seu eu mental
4. Para seu eu espiritual

Dê tempo para que cada uma das respostas apareça no seu


próprio ritmo.

204
Parte Quatro

Onde Há uma Pena,


Há um Caminho!
Mensagens de Amor,
Força e Coragem
Lembre-se de Quem Você É
Maril Crabtree

Voltei à praia. A praia s e m p r e foi um lugar especial para


m i m , um lugar de c o n e x ã o c o m o Espírito, um lugar de paz.
O infinito m u r m ú r i o das ondas do golfo me acalma. É um
ambiente sagrado para sentar e ouvir, deixar dúvidas e
m e d o s irem-se c o m a maré. É um local para praticar a quie-
tude, na esperança de chegar ao vazio, que é, paradoxalmen-
te, o espaço de c o m p l e t u d e .
H o j e o sol se e s c o n d e atrás das n u v e n s . A t é as o n d a s
p a r e c e m s e m ânimo; n e m transeuntes e catadores de con-
chas c a m i n h a m pela areia. Fico l o g o irrequieta. Preciso de
um sinal para saber se o universo está me ouvindo c o m a
m e s m a profundidade que eu o escuto. Em estado meditati-
v o , p e g o m e u d i á r i o e e s p e r o q u e a c a n e t a c o m e c e a se
mover. Então, ela escreve: Você saberá quando for a hora. Por
enquanto, continue sentada e escutando. Tenha fé, seja verdadei-
ra e diga não às dúvidas. Assim, você será simplesmente sincera
consigo mesma. Lembre-se de quem você é. Seu ser é lindo.
Conecte-se. Continue conectada.
F e c h o o diário e c a m i n h o l e n t a m e n t e sobre a areia. Eu
havia p e d i d o um sinal, e o sinal especial para m i m é s e m -
pre u m a b e l a p e n a em m e u c a m i n h o . M a s está v e n t a n d o —
ventando tanto q u e as pessoas desistiram da praia. Há al-
g u m a s , a l é m de m i m , q u e p e r m a n e c e m sentadas ou andan-
do contra o vento de cabeça baixa para evitar areia nos olhos.
C o m o a s p e n a s conseguirão p o u s a r c o m esse vento?

207
F i n a l m e n t e , vejo u m a p e n a desgastada e a pego. Obriga-
da, universo — v o u levá-la, m e s m o que ela n ã o faça parte
de seus p a d r õ e s prístinos! Contente, continuo a n d a n d o , c o m
a intenção de sair da praia, já que c o n s e g u i m e u sinal.
N o t o u m a caneta esferográfica fincada n a areia. Q u e es-
tranho... Talvez a caneta t a m b é m seja um sinal para eu con-
tinuar registrando m e u trajeto. A b a i x o - m e p a r a pegá-la e
reparo n a s p e q u e n a s c o n c h a s sobre a areia. L á , m e i o enter-
rada n o s grãos de areia, está u m a b e l a e e n o r m e pena. Em
seguida, vejo u m a s e g u n d a p e n a a p o u c o s centímetros da
primeira, b a l a n ç a n d o c o m o vento e a n c o r a d a p o r a l g u m a s
conchas.
— Certo. Já entendi a m e n s a g e m sobre dizer n ã o às dú-
vidas — digo ao universo.
E, de repente, ouço a réplica.
— J a m a i s duvide do que p o d e m o s p r o v e r para você. T u d o
que deseja está a seu alcance. F i q u e aberta e deixe a barrei-
ra da d ú v i d a desaparecer! Esteja certa de que trevas e dúvi-
das retornarão à luz. P e r m i t a que o aprendizado do a m o r
esteja em s e u c a m i n h o . O a m o r que v o c ê b u s c a é s e u — nas-
ceu c o m você. A m e q u e m v o c ê é e q u e m v o c ê foi. Esse é o
v e r d a d e i r o significado das p e n a s que e n v i a m o s !

208
Penas Bélicas

Do G ê n e s i s ao A p o c a l i p s e , a Bíblia é repleta de i m a g e n s
de pássaros, asas e penas. Eis aqui a l g u m a s passagens:

• Disse t a m b é m D e u s : P r o d u z a m as águas e n x a m e s de se-


res viventes, e v o e m as aves acima da terra no firmamen-
to do céu... D e u s os abençoou, dizendo: Frutificai,
multiplicai-vos e enchei as á g u a s n o s mares, e multipli-
quem-se as aves sobre a terra.
(Gên. 1:20-22)
• E s p e r o u ainda outros sete dias, e de novo soltou a p o m -
ba para fora da arca. À tarde a p o m b a voltou para ele, e
havia no seu b i c o u m a folha v e r d e de oliveira: assim sou-
be N o é que as águas t i n h a m m i n g u a d o de sobre a terra.
(Gên. 8:10-11)
• C o m o u m a á g u i a q u e desperta o s e u n i n h o , q u e adeja
sobre seus filhos, Ele estendeu as suas asas, os t o m o u , os
levou sobre suas asas. Só J e o v á o conduziu, e n ã o havia
c o m ele deus estranho.
(Deut. 32:11-12)
• A c a s o se eleva o falcão pela tua sabedoria, e estende as
suas asas para o sul? Porventura se remonta a águia ao
teu m a n d a d o , e p õ e no alto o seu ninho?
(Jó 39:26-27)
• Q u ã o preciosa é a tua benignidade, ó Deus! Os filhos dos
h o m e n s refugiam-se debaixo da s o m b r a das tuas asas.
(Salmo 36:7)

209
Disse eu: Oxalá q u e eu tivesse asas, c o m o p o m b a ! E n t ã o
voaria e descansaria.
(Salmo 55:6)
Habitarei no teu tabernáculo para sempre, buscarei refú-
gio no esconderijo das tuas asas.
(Salmo 61:4)
E m b o r a vos deiteis entre as cercas dos apriscos, sois c o m o
as asas da p o m b a , cobertas de prata, cujas p e n a s m a i o r e s
o são de ouro amarelo.
(Salmo 68:13)
Pois ele me livrará do laço do passarinheiro, e da peste
perniciosa. Cobrir-te-á c o m suas penas, e sob as suas asas
encontrarás refúgio...
(Salmo 91:3-4)
Se eu t o m a r as asas da alva, e habitar n a s extremidades
do mar; ainda lá me guiará a tua m ã o , e me susterá a tua
destra.
(Salmo 139:9-10)
O Q u e r e s p ô r o s teus o l h o s n a q u i l o q u e n ã o é ? Pois s e m
dúvida as riquezas fazem para si asas, c o m o a águia q u e
voa para o céu.
(Prov. 23:5)
P o r é m , os que e s p e r a m em J e o v á r e n o v a r ã o as suas for-
ças; subirão c o m asas c o m o águias; correrão, e n ã o se can-
sarão; andarão, e n ã o desfalecerão.
(Isaías 40:31)
o M a s para vós, os que temeis o m e u n o m e , nascerá o sol
da justiça, trazendo curas nas suas asas.
(Mal. 4:2)
o O l h a i p a r a a s aves d o c é u , q u e n ã o s e m e i a m , n e m cei-
fam, n e m ajuntam em celeiros, e v o s s o Pai celestial as
alimenta.
(Mat. 6:26)

210
• Respondeu-lhe Jesus: As raposas t ê m covis, e as aves do
c é u pousos; m a s o Filho do h o m e m n ã o tem onde recli-
n a r a cabeça.
(Mat. 8:20)
• L o g o ao sair da água, viu os céus se abrirem e o Espírito
c o m o u m a p o m b a descer sobre ele.
(Marcos 1:10)
• N ã o se v e n d e m cinco passarinhos por dois asses? E n e m
um deles está esquecido diante de Deus.
(Lucas 12:6)
• As quatro criaturas, tendo cada u m a delas seis asas, são
cheias de olhos ao redor e por dentro. N ã o t ê m d e s c a n s o
dia e noite, dizendo: Santo, santo, santo, é o S e n h o r D e u s ,
o Todo-Poderoso, o que era, o que é e o que há de vir.
(Apoc. 4:8)

211
Pena Herdade
Carolyn Lewis King

Achar u m a p e n a diante de sua casa p o d e não parecer u m


milagre, m a s o m o m e n t o e m q u e encontrei m i n h a p e n a es-
pecial ainda continua v i v o e m m i n h a m e m ó r i a .
Primeiro, v o c ê t e m de e n t e n d e r que o j a r d i m de m i n h a
c a s a , tal qual t o d o s os j a r d i n s da p e q u e n a c i d a d e de
O k l a h o m a e m que e u m o r a v a , era u m terreno árido. N a d a
crescia nesse j a r d i m . O s b o l s õ e s d e gás n o subsolo, e m b o r a
n ã o sejam consideráveis para p r o d u z i r resíduos, t o r n a m a
terra i m p r ó p r i a p a r a a m a i o r i a d a s p l a n t a s . O v e n t o de
O k l a h o m a , as c h u v a s irregulares e o clima rigoroso manti-
n h a m n o s s o j a r d i m inóspito.
O u t r a coisa q u e v o c ê p r e c i s a saber é q u e , p o r parte de
m ã e , sou m e m b r o d o C l ã d o P á s s a r o , d a tribo M u s c o g e e
C r e e k . Q u a n d o c r i a n ç a , eu v a s c u l h a v a os c é u s à p r o c u r a
d e u m a á g u i a o u u m falcão, e s p e r a n d o ser a b e n ç o a d a p o r
u m a pena. S e m p r e soube que os pássaros e suas penas
eram considerados sagrados e importantes para práticas
antigas do Clã.
M i n h a m ã e foi criada c o m o cristã. M e u pai, t a m b é m u m
M u s c o g e e C r e e k de sangue, recusou-se a aceitar o cristia-
n i s m o . Ele insistia em seguir a velha tradição — os c a m i -
n h o s e s p i r i t u a i s da n a t u r e z a e c e r i m ô n i a s r e l i g i o s a s q u e
foram transmitidas de geração a geração pela tribo. Cresci
c o m p a r e c e n d o a rituais cristãos c o m m i n h a m ã e e t a m b é m
a p r e n d e n d o acerca da natureza e das cerimônias tribais c o m

212
a família de m e u pai. M a s , e m b o r a eu respeitasse a v e l h a
tradição, n u n c a me liguei p e s s o a l m e n t e a ela.
C a s e i - m e e formei m i n h a p r ó p r i a família. M o r á v a m o s
n u m a casa, construída sobre 160 acres q u e foram doados à
família de m e u m a r i d o c e m anos atrás, q u a n d o nossa tribo
foi obrigada a mudar-se do A l a b a m a .
A porta de nossa casa está localizada a leste, na p o s i ç ã o
do n a s c e r do sol e, s e g u n d o a tradição indígena, é a direção
de n o v o s c o m e ç o s , renascimento e r e n o v a ç ã o . A cada m a -
nhã, q u a n d o eu saía de casa p a r a conduzir a perua escolar,
e n t o a v a u m a p r e c e que a família de m e u pai me ensinara.
Dirigir um veículo repleto de crianças era u m a grande res-
p o n s a b i l i d a d e , e e u s e m p r e m e sentia u m p o u c o ansiosa.
M i n h a reza era simples: que o dia seja b o m e que c h e g u e -
m o s a salvo a n o s s o destino. Os dias quentes de agosto se
p a s s a r a m , um após o outro, e jamais fiquei s a b e n d o se mi-
n h a s preces faziam a l g u m a diferença.
Certa m a n h ã , eu me sentia m a i s ansiosa que o n o r m a l ,
p o i s e s t a v a a t r a s a d a . F i z a p r e c e r a p i d a m e n t e , entrei na
p e r u a e manobrei-a, impaciente.
Foi nesse m o m e n t o q u e a p e n a surgiu, um tesouro relu-
zente no m e i o do j a r d i m árido. Em princípio, o j a r d i m era o
m e s m o de sempre, e, de repente, ele oferecia aquela linda
p e n a , um p r e s e n t e d o s céus. S e m c o n t e r a alegria, saí do
carro, peguei-a e segurei-a c o m as duas m ã o s . Ela era, p a r a
m i m , um símbolo de respeito à natureza e de contínua re-
verência às tradições tão fortes e sagradas.
Pela primeira v e z , recebi u m a m e n s a g e m direta d a q u e l e
poder. A pena me garantiu que m i n h a família — m e u s fi-
lhos e os filhos deles — teria acesso ao Espírito ao fortale-
cer nossas relações c o m a natureza.
A p e n a ainda está c o m i g o . Eu a g u a r d o n u m lugar e s p e -
cial. Ela t e m sido u s a d a para abençoar m i n h a casa e a m o -

213
rada de outros. M e u s filhos a u s a r a m em p e ç a s da escola
( m e u neto de sete anos foi o último m e m b r o da família a
usá-la na escola). A p e n a o c u p a um lugar de h o n r a no cora-
ção deles e no m e u . Ela é m a i s q u e u m a h e r a n ç a de família,
c o m o u m a jóia ou m ó v e l . A p e n a me l e m b r a de que n o s s a
família se e s t e n d e através do t e m p o e nas quatro direções,
até o n d e a vista alcança, e é tão vasta q u a n t o o coração.

214
Pena Mágica

Robert M. "Bob" Anderson

No final dos anos 8 0 , eu vivia u m a difícil crise de identi-


dade. M e u primeiro c a s a m e n t o havia terminado. E u m o r a -
va n u m a p e q u e n a cidade rural da Luisiana e tentava anga-
riar energia para r e c o m e ç a r . M i n h a v i d a profissional esta-
v a e m revolução; m i n h a vida pessoal estava u m desastre.
N a d a parecia p r o m i s s o r no horizonte, e eu sofria de u m a
g r a v e d e p r e s s ã o . Foi q u a n d o m i n h a p r i m e i r a e x p e r i ê n c i a
c o m a s p e n a s aconteceu.
Parte da rotina, a despeito da depressão, era correr qua-
tro quilômetros p o r dia. Eu percorria u m a estrada de terra,
c o m e ç a n d o p o r m i n h a casa. Antes d o exercício, s e m p r e de-
m a r c a v a a linha de partida e c h e g a d a em frente à casa. A
estrada, em geral, p e r m a n e c i a deserta. Ao longo do trajeto,
pinheiros e carvalhos b o r d e j a v a m a estrada. H a v i a t a m b é m
u m a p e q u e n a área p a n t a n o s a , onde eu via, às vezes, egretas,
garças e outras aves aquáticas.
N a q u e l e dia em particular, eu corria p o r q u e n ã o sabia o
q u e m a i s podia fazer. O ritmo constante, p o r é m , n ã o espan-
tava m e u s d e m ô n i o s . A i n d a me sentia d e p r i m i d o e perdi-
do. Lágrimas r o l a v a m sobre m e u rosto e n q u a n t o eu corria.
N e m sequer n o t a v a a b e l e z a natural da estrada. Ocasional-
m e n t e , escutava o canto de pássaros; eles p a r e c i a m z o m b a r
de m i n h a s lágrimas e de m i n h a solidão. Na m e t a d e do tra-

215
jeto, l e m b r o - m e de ter p e n s a d o : " E u gostaria de q u e algo
m á g i c o acontecesse e m m i n h a vida".
O livro de R i c h a r d B a c h , Ilusões, surgiu em m i n h a m e n t e .
Eu o tinha lido dois anos antes e a história me tocara pro-
fundamente. D e c i d i " m a g n e t i z a r " u m a p e n a azul. Seguin-
do as instruções do livro, fechei os olhos, visualizei a p e n a
em m i n h a m ã o e a cobri c o m u m a luz dourada. Em segui-
da, esvaziei a m e n t e e corri e corri e corri.
Q u a n d o terminei o exercício, sentia-me v o a n d o . Ao cru-
zar a l i n h a de " p a r t i d a / c h e g a d a " q u e m a r q u e i na terra,
quase desfaleci. H a v i a u m a pena sobre a marca!
P e r m a n e c i p a r a d o p o r alguns minutos, observando a p e n a
no solo. Q u a n d o a p e g u e i , fiquei c h o c a d o n o v a m e n t e —
n u n c a tinha visto u m a p e n a c o m o aquela. E r a d e u m azul
brilhante. O lado reverso era dourado.
Vários m e s e s depois, eu estava e n s i n a n d o caratê perto de
u m a loja de animais. No intervalo, entrei na loja e vi u m a
arara. E n t ã o , percebi que a p e n a que eu havia m a g n e t i z a d o
naquele dia pertencera a u m a arara — u m a ave que eu j a -
m a i s vira.
Sei que m u i t a s coisas p o d e m ser explicadas, m a s deixo
que v o c ê calcule a probabilidade de u m a arara derrubar u m a
p e n a azul na região rural da Luisiana j u s t a m e n t e no dia em
que resolvi m a g n e t i z a r u m a p e n a dessa cor.
V i v e m o s n u m m u n d o o n d e h á p o u c o s heróis, n e n h u m a
m a g i a , n e n h u m e n c a n t a m e n t o e, para m u i t o s , n e n h u m fu-
turo. N a q u e l e dia, a m á g i c a do u n i v e r s o a c o n t e c e u p a r a
m i m . S o m e n t e p a r a m i m . N ã o p o s s o n e g a r o fato e n u n c a o
esquecerei. A m e n s a g e m era simples: a m a g i a existe. N ã o
s e p o d e e x p l i c á - l a o u controlá-la. D o c o n t r á r i o , n ã o seria
magia; seria ciência.

216
A p e n a azul é um l e m b r e t e t a n g í v e l do que n ã o p o s s o
ver, imaginar ou entender. S o u policial e acredito em pro-
vas. A p e n a azul p a r a m i m é m á g i c a , traz b o a sorte, forças
p o s i t i v a s e e v i d ê n c i a . P e r m i t e - m e ir a um l u g a r do q u a l
necessito e me l e m b r a do que preciso saber.

217
Ritual
RESPIRE COM A PENA

Agradeço a minha amiga Saphira, que sugeriu este ritual.

• Decida que intenção você quer inserir no universo.


• Pegue uma pena (quanto maior, melhor) e limpe a ponta que
se liga ao pássaro (a parte utilizada para fazer uma caneta-tin-
teiro).
• Segure a pena pela extremidade e aproxime-a de seus lábios.
Encha o pequeno tubo com sua intenção ao assoprá-lo várias
vezes, enquanto mentaliza seu desejo. Exemplo: "Estou repleto
de coragem/amor/compreensão tal qual esta pena que está
absorvendo minha respiração".

Você também pode fazer o contrário, liberando algo que não


quer ou não precisa em sua vida, ao assoprar a extremidade da
pena. Exemplo: "Estou liberando minha r a i v a / ó d i o / m e d o ao
encher esta pena com minha respiração.
• Feche os olhos e concentre-se no que você quer, enquanto man-
tém a pena na palma da mão. Irradie sua energia para a pena,
assim como sua intenção.
• Quando sentir que a mensagem foi recebida, agradeça à pena,
que foi seu instrumento de desejo.
• Se quiser, coloque a pena num local proeminente, onde estará
visível a você para que se lembre de sua intenção. Ou você pode
colocar a pena num de seus locais favoritos e deixar que ela faça
o trabalho de lá.

218
Uma Dádiva de Amor
Aweisle Epstein

Um campo de penas por uma briga de amor.


— Luis de Gongora y Argote, Soledad, I

Tratava-se de um retiro meditativo de três meses, c o m mais


de c e m pessoas, nas colinas das Sierras da Califórnia. M e u
noivo estava presente, m a s participava de outro programa.
Depois de ele ter passado seis semanas em treinamento, ávi-
da de saudade, resolvi me juntar a ele até o final do curso.
E m b o r a suas a t i v i d a d e s fossem diferentes das m i n h a s ,
c o n s e g u í a m o s n o s encontrar durante a s refeições. E m v á -
rios m o m e n t o s , ele parecia me evitar e mostrava-se encan-
tado c o m outra m u l h e r , a qual era mais alta e mais m a g r a
q u e eu. Ela sorria c o m ardor e seus olhos b r i l h a v a m s e m -
pre que o fitavam. T i v e a impressão de que a m b o s se senta-
v a m juntos durante as refeições, e eu os via caminhar em
direção à floresta n o s intervalos.
S e , p o r acaso (ou n ã o ) , eu o encontrava sozinho, ele pare-
cia reticente — ou n ã o se m o s t r a v a d i s p o n í v e l p a r a falar
c o m i g o —, algo q u e contrastava c o m o brilho suave que ilu-
m i n a v a sua face q u a n d o ele ficava c o m ela.
Foi u m a p r o v a ç ã o para a qual eu n ã o estava preparada.
Passei a vida esperando aquele h o m e m . D e s d e o primeiro
encontro, nossas a l m a s p a r e c e r a m se atrair e se fundir n u m a
pequena nuvem branca. Estávamos no mesmo caminho

219
espiritual. D e c l a r a m o s n o s s o a m o r e fizemos planos para o
futuro, c o m o ter filhos e passar o resto da vida juntos.
E m p o u c o s dias, e u m e v i aos prantos n a privacidade d e
m e u quarto. Queria muito conversar c o m ele, mas m e u
n o i v o parecia inacessível. Q u a n t o mais eu tentava alcançá-
lo, m a i s ele se distanciava.
Na tentativa de inventar d e s c u l p a s para vê-lo, deixei o
s e g u i n t e b i l h e t e na sua porta: " P o d e me e m p r e s t a r seu I
Ching?". Ele p e d i u para que outra p e s s o a levasse o livro até
m i m . Escrevi outro bilhete: " P o d e m o s n o s ver durante meia
h o r a antes d o j a n t a r ? " . S u a resposta: " E s t o u o c u p a d o de-
m a i s c o m o curso. Entregue o livro a B o b " ( u m de seus pro-
fessores).
E n t ã o , u m dia, e n q u a n t o e u m e d i t a v a e m m e u quarto,
a l g u é m j o g o u um bilhete sob a porta. L o g o reconheci a ele-
gante caligrafia. " E u p a s s e a v a pela mata, p e d i n d o a D e u s
um sinal de S e u amor... e elas caíram a m e u s pés. A c h e i que
v o c ê apreciaria o s i m b o l i s m o " .
D e n t r o do e n v e l o p e encontrei duas penas m a c i a s , no cen-
tro das quais havia um coração negro, tal qual as p e n a s de
u m a coruja (nós n ã o sabíamos na época, m a s as corujas são
c o m p a n h e i r o s fiéis e dedicados).
Um a n o depois, n ó s n o s c a s a m o s , e já faz vinte e três anos
que e s t a m o s juntos.

220
Penas e Pedras
Maril Crabtree

Como uma pedra que afunda


Até o fundo de minha alma.
O "desvalor" lá reside.
Como uma pedra que assenta
No meio do meu coração.
O "desvalor" lá permanece.

Lá vem a pena
Flutuando em direção à pedra.
O "sagrado" clama.
Lá vem a pena
Para nutrir a pedra antiga.
O "sagrado" lá fala.

Modele a pedra com a pena:


Beleza de completude.
Modele a pedra com a pena:
Nasce o amor com ousadia.

Modele a pedra com a pena:


O verdadeiro "eu" se desvela.

221
Corvo Curador
Gaylen Ariel

Não são apenas as melhores penas que formam


os melhores pássaros.
— Esopo

E m m e a d o s d e 1990, passei u m a t e m p o r a d a nas m o n t a n h a s ,


r e c u p e r a n d o - m e de um grave acidente. A M ã e Terra jamais
falhou c o m i g o q u a n d o abri m e u coração a ela, e esse m o -
m e n t o crucial n ã o foi exceção.
Eu lia, na é p o c a , um livro s o b r e o p o d e r c u r a t i v o dos
corvos, e notei que a cada dia um grupo de corvos sobre-
v o a v a a região em que eu estava. G r a d u a l m e n t e , c o m p r e e n -
di que estaria protegida pelo corvo enquanto precisasse.
U m p o u c o antes d e e u voltar para casa, v i u m a pena d e
c o r v o em frente à r e s i d ê n c i a de m e u a m i g o , o n d e eu me
hospedava. " Q u e presente bonito... Q u e bela coincidência",
pensei. C o n t e i a m e u s a m i g o s e eles n ã o acreditaram que a
pena p u d e s s e significar a l g u m a coisa.
M a s q u a n d o n o s d i r i g i m o s a o a e r o p o r t o , dias d e p o i s ,
m u d a m o s d e opinião. U m d e m e u s a m i g o s p a r o u n o esta-
c i o n a m e n t o . P e r m a n e c i sentada, e n q u a n t o ele c a m i n h a v a
para a porta do passageiro. Em vez de me ajudar a descer
do carro, ele me p e d i u q u e abrisse a janela. Q u a n d o o fiz,
ele m e presenteou c o m u m a p e n a d e corvo q u e encontrou
ao lado da porta.

222
— O u t r a coincidência? — Ele sorriu.
— N ã o quero falar sobre isso — eu disse.
E m c a s a , m a n t i v e a s p e n a s d e c o r v o c o m i g o a fim d e
adquirir c a l m a e proteção. S e m a n a s depois, fui à caixa do
correio p a r a recolher m i n h a correspondência. Q u a n d o abri
a caixa, um corvo v o o u de dentro dela. S i m , um c o r v o vivo!
Já vi m u i t a s coisas q u e me f o g e m à c o m p r e e n s ã o , m a s
e n c o n t r a r um corvo dentro da caixa do correio foi e x c e p -
cional. Fiquei paralisada p o r alguns instantes, c o m o cora-
ç ã o em disparada. Q u a n d o , enfim, peguei a c o r r e s p o n d ê n -
cia, avistei outra pena.
D e v o acrescentar outro i n c i d e n t e c o m u m c o r v o . A p ó s
t e r m i n a r esta história, p e r c e b i que a tinta da i m p r e s s o r a
havia terminado. Saí para c o m p r a r outra.
E u o s escutei antes d e vê-los. U m a cacofonia alucinada
d e gritos m e fez olhar p a r a cima. H a v i a , n o m í n i m o , uns
sessenta c o r v o s s o b r e v o a n d o m i n h a c a b e ç a . S u r p r e e n d e n -
te, n ã o ?
S e m p r e guardarei c o m carinho m i n h a s p e n a s de corvo e
a g r a d e c e r e i p e l a p r o t e ç ã o q u e senti d u r a n t e u m p e r í o d o
difícil d e m i n h a v i d a . D e s d e e s s e dia, q u a n d o o l h o p a r a
b a i x o e vejo u m a pena, eu digo:
— O b r i g a d a pelo presente!

223
A História do Cisne
Antoinette Botsford

M e u a v ô p e r t e n c i a a o C l ã A t h a b a s k a n / B e a v e r p o r parte
de m ã e , e era um m e s t i ç o f r a n c o - c a n a d e n s e p o r parte de
pai. Foi criado c o m o um católico e sabia m u i t o p o u c o acerca
de s u a s t r a d i ç õ e s a n c e s t r a i s . C o m o a m a i o r i a d o s j o v e n s
de o r i g e m i n d í g e n a , ele se d e i x o u seduzir p e l o s espíritos
da garrafa em tenra i d a d e e s u c u m b i u às c a u s a s do a l c o o -
l i s m o antes q u e eu o c o n h e c e s s e . M a s , e n q u a n t o eu cres-
cia, fiquei m a i s e m a i s c u r i o s a em r e l a ç ã o a n o s s a o r i g e m
mestiça.
S o u b e que, tradicionalmente, o p o v o de m e u a v ô tinha
um rito especial de a m a d u r e c i m e n t o que e n v o l v i a algo que
seria traduzido c o m o " a O r d e m d o C i s n e " .
O p o d e r do cisne, de a c o r d o c o m o c o n h e c i m e n t o tribal,
era particularmente útil a h o m e n s e m u l h e r e s que realiza-
v a m sua transição entre a infância e a vida adulta. Os atri-
b u t o s do cisne c o n t r i b u í a m p a r a que fizessem essa transi-
ç ã o tornando-se m e m b r o s responsáveis da tribo: os cisnes
s ã o leais a seus c o m p a n h e i r o s , v o a m em grupo, v o l t a m sem-
pre aos m e s m o s lagos em certas épocas do ano, t r o m p e t e i a m
q u a n d o n e c e s s á r i o , m a s são silenciosos e n a d a m durante
horas em á g u a fria ( u m ritual de purificação entre m u i t o s
p o v o s indígenas).
C a d a j o v e m , s e g u n d o o q u e eu s o u b e , q u e s u p e r o u os
" o b s t á c u l o s " d e s e t o r n a r adulto, p o s s u i u m a p e n a d e cis-
ne a m a r r a d a a s e u local de d o r m i r . T a l v e z ter u m a p e n a

224
de c i s n e e ser um "filho do c i s n e " ajude as p e s s o a s a m a n -
ter um equilíbrio p a r a enfrentar a vida.
P e n s a n d o e m tudo isso, saí para c a m i n h a r , n u m a tarde
de dezembro, c o m m e u marido à beira de um lago, não
m u i t o l o n g e de nossa casa. O i t o cisnes h a v i a m c h e g a d o do
C a n a d á p a r a tornar aquele lago seu refúgio de inverno.
" S e r i a m a r a v i l h o s o ter u m a p e n a d e cisne e m h o m e n a -
g e m ao p o v o de m e u a v ô " , pensei. E ali, sobre a água gélida
do lago, u m a p e n a de cisne flutuava!
C o n t u d o , ela encontrava-se longe da m a r g e m e o dia es-
tava frio demais para se pensar em um m e r g u l h o .
— V o c ê quer aquela p e n a ? — m e u m a r i d o perguntou.
— Q u e r o , sim.
— V o u pegá-la para v o c ê .
— N ã o . V o c ê ficará d o e n t e p o r causa do frio.
— O b s e r v e — ele disse.
M e u marido p e g o u u m a pedra e a atirou na água. A pedra
caiu no lago e, claro, criou vários anéis na superfície. O im-
pacto da pedra fez a água mover-se e empurrar a p e n a até as
proximidades da m a r g e m . Ele j o g o u outra pedra, e a p e n a
aproximou-se o suficiente para que ele pudesse pegá-la.
É n e c e s s á r i o dizer q u e esta p e n a é a m a i s p r e c i o s a de
m i n h a coleção?

225
Anjo da Estradú
Kara Ciel Black

Minha a m i g a M e l i s s a e e u d e c i d i m o s v i v e r u m a g r a n d e
a v e n t u r a — u m a v i a g e m d e b i c i c l e t a d e m i n h a casa, e m
Seattle, a S ã o F r a n c i s c o . N ã o t i v e m o s n e n h u m m f o r t ú n i o
e n q u a n t o a t r a v e s s á v a m o s o E s t a d o de W a s h i n g t o n . T a n t o
as estradas q u a n t o os m o t o r i s t a s r e s p e i t a v a m os ciclistas.
P e d a l a m o s o dia todo, p a s s a n d o pelas florestas de C a s c a d e s
e a c a m p a m o s à noite.
M a s tudo m u d o u q u a n d o c h e g a m o s à Califórnia. Às v e -
zes, os motoristas t e n t a v a m n o s j o g a r para fora da rodovia
d e propósito. O s a c o s t a m e n t o s e r a m estreitos, e s b u r a c a d o s
e em declive. N o s s a aventura transformou-se em tensão e
ansiedade, e n q u a n t o n o s p r o t e g í a m o s de veículos que pa-
r e c i a m d e t e r m i n a d o s a nos atropelar.
Quando subimos u m a colina, a viagem tornou-se um
pesadelo. A t r a v e s s a m o s u m a p o n t e sobre u m rio. E u peda-
lava na frente, c o m M e l i s s a a p o u c o s metros, a i n d a lutando
para percorrer a elevação. Ao olhar a m i n h a direita, n a d a
me s e p a r a v a da queda, a n ã o ser o a c o s t a m e n t o estreito e
u m a a m u r a d a de cerca de sessenta centímetros. De repen-
te, u m c a m i n h ã o gigantesco surgiu n a estrada, p a s s o u por
n ó s e, l o g o em seguida, p a r o u no a c o s t a m e n t o . O tráfego
intenso n ã o n o s permitiria ultrapassar o c a m i n h ã o .
Em pânico, brequei a bicicleta. Sabia que tinha apenas três
escolhas: (1) virar à direita e cair no precipício, pois a a m u -
rada n ã o me ampararia; (2) colidir c o m a traseira do c a m i -

226
n h ã o , o que resultaria em graves ferimentos; (3) frear a bi-
cicleta antes que me estatelasse na traseira do c a m i n h ã o .
No último segundo, m i n h a bicicleta p a r o u a poucos centí-
metros do caminhão. No m e s m o instante, o caminhão retor-
n o u à estrada. O motorista tivera sua parcela de diversão e
n e m sequer p e r d e u t e m p o para saber s e e s t á v a m o s b e m .
E u a i n d a tremia n a bicicleta q u a n d o M e l i s s a m e alcan-
çou. Ela havia t e s t e m u n h a d o tudo e estava trêmula t a m b é m
— de raiva e m e d o . Ela se a p r o x i m o u e me abraçou, quan-
do as lágrimas de alívio e revolta finalmente surgiram.
E n t ã o , o estranho, ao qual me refiro c o m o m e u "anjo da
estrada", p a r o u no acostamento. Ele d e s c e u do carro, apres-
sado. Parecia ter visto t o d o o ocorrido.
— V o c ê s estão b e m ? — ele p e r g u n t o u , p r e o c u p a d o . Os
i n t e n s o s o l h o s c a s t a n h o s t r a n s m i t i a m afeto e os c a b e l o s
n e g r o s e s t a v a m p r e s o s n u m rabo-de-cavalo. A p e l e b r o n -
z e a d a indicava que o h o m e m p a s s a v a m u i t o t e m p o ao ar
livre, c u m p r i n d o suas tarefas.
N ó s o a s s e g u r a m o s de que e s t á v a m o s b e m , m a s ele p ô d e
ver que nos sentíamos abaladas e m o c i o n a l m e n t e , pois n ã o
p a r á v a m o s de falar.
— M o r o à beira do rio — ele disse. — G o s t a r i a m de des-
cansar um p o u c o e t o m a r u m a xícara de chá?
S e m hesitação, n ó s aceitamos. S a b í a m o s que, d e a l g u m a
forma, poderíamos confiar naquele estranho. Ele p e g o u
nossas bicicletas e colocou-as na carrocería de sua c a m i n h o -
nete. N ó s n o s s e n t a m o s n a frente e , e m p o u c o s m i n u t o s ,
d e s c e m o s o precipício até a casa, que era, c o m o ele dissera,
à b e i r a do rio.
E m b o r a p e q u e n a , a residência transmitia paz e tranqüili-
dade. Ele insistiu que d e s c a n s á s s e m o s e n q u a n t o p r e p a r a v a
o chá. S a í m o s para o terraço e a d m i r a m o s o rio e a m a t a que

227
o rodeava. A o s p o u c o s , o m e d o e a raiva d e s a p a r e c e r a m e
c o m e c e i a voltar ao n o r m a l .
A l g u m a s horas depois, r e s o l v e m o s partir.
— A n t e s de irem, quero lhes dar u m a coisa. — O h o m e m
desapareceu dentro da casa e voltou c o m um objeto em cada
m ã o . — S ã o feixes de cura. Eu m e s m o os fiz. Eles as prote-
gerão até o final da v i a g e m .
O feixe de cura era c o m p o s t o p o r três s a c o s de c o u r o ,
a m a r r a d o s c o m u m barbante. Várias p e n a s coloridas esta-
v a m p e n d u r a d a s a o feixe, c a d a u m a d e u m p á s s a r o diferen-
te. Ele n o s d i s s e q u e tirara as p e n a s de p á s s a r o s m o r t o s
q u e e n c o n t r a r a na estrada e, d e p o i s de purificá-los e aben-
çoá-los, o s h o n r a r a c o m u m enterro a d e q u a d o . Ele apon-
tou os v á r i o s tipos de p e n a s e e x p l i c o u a e n e r g i a espiri-
tual d e c a d a u m a .
As p e n a s v o a v a m c o m a brisa e, c o m o m o v i m e n t o , pare-
c i a m assegurar que os espíritos dos pássaros n o s observa-
v a m p a r a i m p e d i r que t a m b é m a c a b á s s e m o s m o r t a s n a es-
trada. R e a l i z a m o s o resto da v i a g e m em total segurança.
Ao c h e g a r em casa, p e n d u r e i o feixe de c u r a na porta,
o n d e as p e n a s m o v e m - s e c a d a vez que a l g u é m entra ou sai.
É u m a g r a c i o s a l e m b r a n ç a da h o s p i t a l i d a d e de um estra-
n h o e u m a b ê n ç ã o constante e protetora em m i n h a vida.

228
E s p a ç o Interior
Mary-Lane Kamberg

Lutando para ser comum, eu


rodopio como uma pena
numa órbita eclética
de trajetos ao banco e ao mercado
e infindáveis sessões domésticas.
Minha vida é cozinhar,
guardar objetos
em lugares abarrotados de coisas.
Encaro a parede
e em minha mente escrevo poemas
que durarão tanto quanto a memória.

229
Uma Pena de Cada Vez
Kimball C. Brooks

A "esperança" é como as penas,


que pousam na alma.
— Emily Dickinson

Era primavera e eu estava internado n u m centro de reabili-


tação para alcoólicos. Fazia u m a semana que havia chegado
e sentia-me apavorado, s o z i n h o e confuso. N ã o conseguia
conceber a possibilidade de nunca mais beber. Disseram-me
que eu tinha de m u d a r totalmente o m e u jeito de encarar a
vida. Várias vezes, escutei que eu deveria modificar minha
atitude e encontrar um Deus que me compreendesse.
H a v i a um i m e n s o lago no centro. Era o lar de várias fa-
mílias de gansos. T o d o s os dias, durante n o s s o t e m p o livre,
eu c a m i n h a v a à beira do lago e tentava entender o que me
acontecia. Eu me sentia atraído pelo lago, e m b o r a n ã o sou-
besse por quê. M e u coração estava tão carregado e cheio de
m e d o que seria incapaz de m u d a r a l g u m a coisa em m i n h a
vida.
Um dia, enquanto eu andava à beira do lago, avistei u m a
pena. A ponta da pena era preta. Gradualmente, ela tornava-
se cinza e depois, branca até chegar à outra extremidade.
D e repente, u m n o v o p e n s a m e n t o m e ocorreu: " T a l v e z
eu n ã o precise m u d a r abruptamente. C o m o a p e n a , eu p o -

230
deria passar do preto ao b r a n c o lenta e g r a d u a l m e n t e " . Pela
primeira v e z , entendi o conceito q u e eu escutara s e m parar,
a b a s e de todas as instituições de reabilitação — um dia de
c a d a v e z . Pela p r i m e i r a v e z , senti a e s p e r a n ç a de q u e eu
poderia m u d a r e aceitar a vida s e m a bebida.
A i n d a tenho a p e n a q u e encontrei. O fundamento " u m
dia de c a d a v e z " já se transformou em quinze anos, e m i -
n h a a l m a está tão em p a z q u a n t o a b a s e b r a n c a da pena.

231

L
Meditação
UM PRESENTE INESPERADO

Minha amiga Deborah e eu caminhamos juntas sempre que pos-


sível. Hoje fizemos uma daquelas caminhadas sem rumo, um
passeio em que cada passo atravessa um novo terreno, uma nova
experiência.
Enquanto andávamos, nós conversávamos. Deixamos que nos-
sas vidas se revelassem de maneira inesperada. A caminhada
transformou-se numa jornada ao desconhecido, encontrando res-
postas para perguntas que ainda não existiam e vendo tudo por
um outro prisma.
Ao final do passeio, nós nos dirigimos à casa de Deborah. Ela
tomou a frente para abrir a porta. Enquanto eu a seguia, olhei para
baixo e vi uma pena marrom na calçada.
O outro lado da pena parecia tão marrom quanto o primeiro,
mas havia diferenças. A cor era mais leve, brilhante e uniforme.
Virando a pena diversas vezes, notei dúzias de diferenças su-
tis em ambos os lados. Nunca havia parado para examinar uma
pena, como também não costumo examinar minha vida sob vá-
rias perspectivas. O mesmo, porém diferente: o surpreendente
presente do inesperado estava lá o tempo todo.
Contudo, quando o universo me mostra algo sofrido e desa-
gradável, não vejo o fato como um presente bem-vindo. Minha
reação imediata é olhar apenas um lado, aquele que se apresenta,
e sinto-me com as asas cortadas e o coração pesado.
Leva tempo — às vezes muito tempo — para observar o outro
lado, buscar os significados ocultos, encontrar os presentes secre-
tos que surgiram em minha vida. Em lugar disso, escondo minha
cabeça sob a asa e caminho cabisbaixa, esquecendo que ainda
posso voar e me elevar para outro lugar e para outra perspectiva.
Do alto da montanha, o pedrisco se sente uma rocha; do ar, o
mesmo pedrisco é quase indistinguível.
Estou aprendendo a ver o poder do desconhecido, do oculto,
de aspectos da vida que nem sempre seguem as leis da razão, da
lógica, mas vagam através de várias voltas e giros. Tudo tem um

232
outro lado. Os pássaros não poderiam voar sem os dois lados das
asas; tampouco nós poderíamos. Estou aprendendo a apreciar a
beleza de ambos os lados.

• Escolha um objeto familiar que você usa ou vê todos os dias,


seja de sua casa ou de seu jardim; algo que seja pequeno o bas-
tante para caber em sua mão. Encontre um local confortável para
se sentar com o objeto.
• Feche os olhos e imagine-se com uma visão de raios X; veja atra-
vés do objeto, notando suas diferentes cores e sob diferentes
ângulos.
• Abra os olhos e observe o objeto dessa nova perspectiva. Repa-
re em tudo que você nunca reparou: textura, odor, como você
sente as formas. Deixe que o objeto o guie a outros detalhes.
• Pense numa época de seu passado, quando algo triste ou desa-
gradável aconteceu. Da perspectiva do momento atual, que pre-
sentes inesperados emergiram?
• Agora feche os olhos e projete-se para dez anos à frente. Da
perspectiva desse "futuro", que outros presentes você vê?

233
A Cura da Águia
Maya Trace Borhani

O dia se foi, e a escuridão


Cai das asas da Noite,
Como uma pena que se desprende
De uma águia em vôo.
— Henry W. Longfellow, "O Dia se Foi"

As p e n a s c o m f r e q ü ê n c i a m a r c a m o c a m i n h o q u a n d o a
transformação está prestes a acontecer, flutuando em outros
domínios. Precursoras de l e m b r a n ç a s e intuição, s í m b o l o s
de transformação e renascimento, esses presentes a c o n t e c e m
q u a n d o o espírito se manifesta, l e m b r a n d o - m e das formas
sagradas de cura.
M o r o n u m a ilha na costa do Estado de W a s h i n g t o n , onde
e s t o u rodeada pelo m a r e por um suntuoso viveiro de pás-
saros selvagens. G a r ç a e martim-pescador, águia-pescado-
ra e c o r m o r ã o h a b i t a m as praias, o c é u e as cascatas da ilha.
C o s t u m o passar h o r a s n o topo d e u m a rocha, o b s e r v a n d o
um n i n h o de águia e c o n t e m p l a n d o o v ô o dos pais atencio-
sos. O m a r e s v e r d e a d o encontra-se logo abaixo, repleto de
vida e sustentando aquele lugar.
Certa noite, durante o verão, subi u m a m o n t a n h a sinuo-
sa a fim de atingir o círculo de pedras que jazia em seu c u m e .
T e n d o Cascades a leste, as m o n t a n h a s O l y m p i c ao sul e a
silhueta do C a n a d á a oeste, eu me encontrava no topo de

234
m e u m u n d o visível e apreciava sua soberania. M a s , dessa
v e z , eu havia feito aquela c a m i n h a d a tão familiar para me
despedir; a vida me afastava de m e u lar e do santuário q u e
aquela ilha se tornara p a r a m i m .
A n t e s de dar o último p a s s o para atingir o topo, olhei na
direção do oeste, sob o magnífico luar. U m a p e n a brilhante
chamou minha atenção. Tropeçando e escorregando nas
pedras, alcancei a p e q u e n a p e n a e peguei-a.
R i c a m e n t e decorada de b r a n c o e m a r r o m , ela possuía o
d e s e n h o de um arco em s e u centro. A q u e l a foi m i n h a pri-
m e i r a p e n a d e águia, u m símbolo d e p o d e r n u m a é p o c a d e
transição e m u d a n ç a ; um sinal para seguir em frente, con-
fiar na jornada, dar o p r ó x i m o passo. D u r a n t e toda a noite,
sob o luar de verão, a p e n a coroou o altar no pico da m o n -
tanha, o n d e dormi.
A g o r a , após a l o n g a jornada, estou de volta à ilha. M u -
d a n ç a s e transformações t ê m sido m i n h a s c o m p a n h e i r a s , e
voltei a m e u lar, s e m saber ao certo que forças misteriosas
g u i a m m i n h a vida. C a m i n h o entre o p a s s a d o e o presente,
em direção ao futuro, ao desconhecido. A terra, os elemen-
tos e a respiração da vida me c a r r e g a m .
Ao p e r c o r r e r a floresta, a c a b o p a r a n d o à b e i r a de um
despenhadeiro sobre a água. O vento do i n v e r n o estava tão
violento quanto a m a r é q u e colidia c o m as p e d r a s e o sol
que aquecia m e u rosto. Eu chegara àquele dia t e m p e s t u o s o
p a r a enterrar o que restava de um relacionamento amoroso.
Q u e r i a sentar e meditar, c o n t e m p l a r as o n d a s turbulentas,
u m a raridade naquela região de águas serenas. Continuei a
caminhar à beira do despenhadeiro, à procura de um nicho
entre as pedras que me protegeria do vento. Enfim, achei u m a
fenda onde eu poderia me aninhar e receber o calor do sol.
O ritmo constante das ondas d o m i n o u m e u p e n s a m e n t o .
Deitei-me sobre a p e d r a que me abraçava e liberei as lágri-

235
mas. Queria m e libertar dos laços que m e p r e n d i a m aos sím-
b o l o s do amor, para soltar o q u e engaiolava m i n h a capaci-
d a d e de amar.
N ã o e r a m lágrimas d e tristeza, m a s s i m d e purificação,
reconhecimento, bênção e renovação. Lembranças de um
h o m e m , d e u m a m o r que eu, d e a l g u m a forma, j a m a i s es-
q u e c e r e i ; fatos q u e a c o n t e c e r a m entre n ó s d a n ç a v a m e m
minha mente.
E u sobrevivera a o t e m p o q u e tudo cura. Senti nascer u m a
deliciosa sensação da experiência, o i m p e n e t r á v e l mistério
do p a r a d o x o , e essa dádiva da vida sobre a terra. Eu sabia
q u e a alegria era s u p r e m a , que m e s m o a p e r d a e o sofri-
m e n t o d e v i a m ser deixados de lado para adentrar a b e l e z a
para a qual n a s c e m o s .
Era hora de ir. Eu havia feito o que fora preciso. Levantei-
me para descer. A trilha seguia pela encosta, na extremidade
oposta ao desfiladeiro. M a s a l g u m a força misteriosa me com-
peliu a subir a rocha, em direção ao limite da floresta.
No pico da rocha, vi a m e u s pés u m a p e n a em m e i o ao
m u s g o . A b a i x e i - m e e peguei-a. R e c o n h e c i seu formato e sua
cor. A cura da águia, que inicialmente ajudou-me a partir,
agora era u m s í m b o l o d a soberania d e m i m m e s m a , solidá-
ria a m e u pedido. Ajoelhei-me sobre o m u s g o e chorei e ri
pela certeza de que, ao me liberar, eu n ã o iria cair, m a s sim
v o a r — ou, ao m e n o s , flutuar!
U m a v o z interior, a q u e l a q u e e s c u t e i a m e u r e d o r n o s
galhos e na brisa, disse:
— C o m a c o m p r e e n s ã o v e m a sabedoria e os tesouros da
terra para m a r c a r e m n o s s o c a m i n h o . F i q u e atenta. Note o
que está a sua volta. Veja tudo que v o c ê é e sente em c a d a
p e ç a da natureza que a rodeia. Seja única.

236
Se os Pássaros Podem Voar...
Marty Peach

Por a n o s a fio, p a r a c a m u f l a r m e u p a v o r de voar, eu i n g e -


ria várias doses de b e b i d a alcoólica antes e durante os v ô o s .
E u p r e c i s a v a ficar e n t o r p e c i d a p a r a c o n s e g u i r voar. A n t e s
de aceitar m e u a l c o o l i s m o e b u s c a r ajuda, m a t e i u m a gran-
de q u a n t i d a d e de células cerebrais tanto na terra q u a n t o
n o ar.
Permaneci abstêmia por cerca de cinco anos antes de
adquirir c o r a g e m p a r a entrar n u m avião sem beber. U m a
v e z que o álcool n ã o m a i s fazia parte de minha vida, eu ti-
n h a de v o a r sóbria e sozinha!
O m a i o r teste a c o n t e c e u q u a n d o me preparava p a r a u m a
v i a g e m à índia. C o n h e c e r aquela terra vasta e m i s t e r i o s a
s e m p r e fora m e u sonho, m a s n ã o sabia se suportaria tantas
horas de vôo. Para a u m e n t a r m e u estresse, receava deixar
m i n h a s três c a c a t u a s c o m u m a a m i g a . M i n h a "família d e
p e n a s " representara u m importante p a p e l e m m i n h a recu-
peração. Aquelas aves lindas m e h a v i a m dado horas d e ex-
trema alegria, e eu me afeiçoara a elas, tal qual as p e s s o a s
fazem c o m cachorros ou gatos.
C h o r e i a c a m i n h o do aeroporto e ao me postar na fila do
b a l c ã o de e m b a r q u e . As d ú v i d a s e o m e d o já h a v i a m se
instalado. S e n t i a - m e ansiosa e sozinha. C o m o eu agüenta-
ria aquele v ô o m o n u m e n t a l s e m a ajuda do álcool? Estava
determinada a ir, m a s ao pensar no que teria de enfrentar,
todo o m e u interior estremecia.

237
Enfim, c h e g o u m i n h a v e z de apresentar a p a s s a g e m no
balcão. Q u a n d o abri a b o l s a p a r a pegar o bilhete, u m a p e n a
cor d e p ê s s e g o c a i u . S o u b e , n o m e s m o i n s t a n t e , q u e e l a
pertencia a u m a das m i n h a s cacaruas, c h a m a d a P ê s s e g o . P o -
r é m , n ã o fazia idéia de c o m o a p e n a fora p a r a r em m i n h a
bolsa.
E n q u a n t o a pena flutuava em direção ao balcão, u m a
m a r a v i l h o s a sensação de paz e c a l m a me invadiu. Q u a n d o
a alegria substituiu o m e d o , um p e n s a m e n t o me ocorreu:
" P o s s o voar!". Eu sabia que m e u s pássaros ficariam b e m e
eu também.
O sentimento de paz p e r m a n e c e u c o m i g o durante m i n h a
estada na índia. Foi reforçado q u a n d o , na m e t a d e da via-
g e m , u m a c o m p a n h e i r a d e excursão disse:
— M a r t y , olhe para b a i x o .
A m e u s pés havia a m a i s linda pena de papagaio que já vi.
A i n d a t e n h o essas belas penas. S ã o u m p o d e r o s o lembrete
do dia-a-dia de m i n h a r e c u p e r a ç ã o e u m a certeza de que
n u n c a estou sozinha. P o r isso, sou m u i t o grata.

238
Chefe Minipena
Phillip G. Crabtree

Certa noite, depois de u m ensaio m u s i c a l , voltei para casa


e fui direto para m e u quarto, c o m o de hábito, para limpar
m e u violão. Tirei o i n s t r u m e n t o da c a i x a e p e g u e i m i n h a
camiseta velha para lustrá-lo antes d e guardar. M e u a v ô m e
dera aquela camiseta durante u m a s férias no Caribe quan-
do eu tinha n o v e anos. N e l a havia a caricatura de um pato
amarelo, usando óculos escuros. S o b r e u m a das lentes dos
óculos havia a i m a g e m da ilha da M a r t i n i c a e na outra len-
te, a de St. Martin.
Q u a n d o a c a m i s e t a d e i x o u de me servir, eu a m a n t i v e
c o m i g o devido a seu valor sentimental. D e p o i s q u e a músi-
ca e o violão se t o r n a r a m u m a parte especial de m i n h a vida,
o tecido m a c i o , p o r ter sido tantas v e z e s lavado, transfor-
m o u - s e na flanela ideal.
M e u avô, C o r b i n M e r i w e t h e r , faleceu m u i t o anos antes.
S e m p r e fomos p r ó x i m o s . As férias que tiramos j u n t o s fo-
r a m u m e x e m p l o d o s b o n s m o m e n t o s q u e tivemos, e m es-
pecial depois de eu c o m p l e t a r dezessete anos. Foi o a n o em
que m e u s pais se d i v o r c i a r a m e t a m b é m o ano em que m i -
n h a avó morreu. A m b o s p o s s u í a m o s u m grande vazio e m
n o s s a s vidas e n o s a p r o x i m a m o s a i n d a m a i s nessa época.
D e s d e então, n ó s n o s t o r n a m o s m u i t o amigos.
Q u a n d o e s t á v a m o s juntos, o s p r o b l e m a s d o m u n d o pa-
reciam pequenos. íamos freqüentemente para o campo, a
fim d e fazer c a m i n h a d a s n o m a t o , o b s e r v a r p á s s a r o s o u

239
então eu apenas sentava-me para escutar suas histórias fan-
tásticas a respeito da vida. Ele era um h o m e m b e m - h u m o -
rado, gostava de viver e s e m p r e tinha um sorriso a m o r o s o
para m e oferecer.
C o m o h á anos l i m p o m e u violão c o m essa camiseta, n ã o
é raro pensar em m e u a v ô nessas horas. N a q u e l a noite em
particular, q u a n d o vi a camiseta, parei e refleti acerca das
l e m b r a n ç a s d o s b o n s m o m e n t o s que n ó s p a s s a m o s juntos.
E u vivia certos percalços. M e u aniversário d e trinta a n o s
se a p r o x i m a v a . N a q u e l e ano, sentia-me um tanto triste. Os
p r i m e i r o s sinais da idade se t o r n a v a m evidentes; q u a n d o
eu me o l h a v a no espelho, via fios de cabelo b r a n c o aqui e
ali. Vários a m i g o s queridos e parentes h a v i a m m o r r i d o , e
eu me sentia m a i s sozinho. Pensei em m i n h a v i d a e percebi
que n ã o chegara o n d e eu queria estar.
T o d o s e s s e s p e n s a m e n t o s v i n h a m à m e n t e , e n q u a n t o eu
lustrava m e u violão c o m a c a m i s e t a v e l h a . A p ó s g u a r d a r
o violão, virei-me e notei uma pena minúscula, não mui-
to maior que a unha do dedão, caída no chão do quarto.
Q u a n d o m e a p r o x i m e i dela, fui i n v a d i d o p e l a p r e s e n ç a
de m e u avô. Era c o m o se ele estivesse no quarto, falando
comigo.
E l e sabia d e m i n h a s dores internas. N a q u e l e m o m e n t o ,
escutei sua v o z e c o a n d o dentro d e m i m , d i z e n d o - m e q u e
ele estava c o m i g o e s e m p r e estaria, e que era preciso viver
o presente, n ã o o p a s s a d o ou o futuro.
— Um dia, e s t a r e m o s j u n t o s de n o v o — ele e n t o o u den-
tro de m i m .
N a q u e l e b r e v e instante, tudo m u d o u . N ã o sei ao certo o
que h o u v e , m a s senti que podia enxergar as coisas sob ou-
tra perspectiva. O s e n t i m e n t o de solidão desapareceu e n ã o
m a i s me sentia deprimido. U m a sensação de calor e confor-
t o m e invadiu.

240
M a i s tarde, n a q u e l a m e s m a noite, v a s c u l h e i o quarto in-
teiro p a r a d e s c o b r i r de o n d e v i e r a a p e n a , m a s n a d a en-
contrei. No dia s e g u i n t e , q u a n d o m e n c i o n e i o f e n ô m e n o a
m i n h a m ã e a o telefone, ela m e c o n t o u algo q u e e u n u n c a
soubera.
— S e u a v ô foi um b r i n c a l h ã o i n v e t e r a d o — ela d i s s e .
— Q u a n d o eu era p e q u e n a , n ó s b r i n c á v a m o s de í n d i o , e
ele c h a m a v a a si m e s m o de " C h e f e M i n i p e n a " . E l e a d o r a -
va esse apelido.
D e s d e esse dia, aposentei a camiseta; ela já h a v i a c u m -
prido seu objetivo. E m b o r a a presença de m e u avô n a q u e l a
noite tivesse sido b r e v e , o i m p a c t o profundo da experiên-
cia p e r m a n e c e r á c o m i g o p a r a s e m p r e . N ã o m a i s v e j o a s
coisas c o m m e u s olhos; prefiro ver e sentir c o m m e u cora-
ção. T o d o s esses sentimentos surgiram d e u m avô a m o r o s o
e de u m a p e q u e n a p e n a angelical. A q u e l a p e n a m i n ú s c u l a
tornou-se m e u talismã p a r a me lembrar de que a vida é b o a
e de que n ã o estou sozinho.

241
O q u e Me P r e n d e à
Terra Está Oculto
Mark Nepo

Meu coração batia apressado, como o de uma garça


acuada no pântano, sem espaço para me mover. Confuso e
surpreendido pelo barulho de minha mente,
flutuei sem graça ao centro
do lago, que os humanos chamam de silêncio.

Penso, se quiser saber, que a paz


não é mais que o outro lado
das asas cansadas que pousam no lago,
enquanto o coração em suas penas
bate suavemente.

242
A Coragem da Águia
Gerald Wagner

De todas as p e n a s , a da águia é a m a i s valorizada tanto na


tradição indígena a m e r i c a n a quanto no c o s t u m e tribal con-
t e m p o r â n e o . É c o n s i d e r a d a um s í m b o l o sagrado do gran-
de pássaro e de sua força, p o d e r e resistência.
E m muitas tribos indígenas, existiu u m a tradição m u i t o
antiga c h a m a d a " c o n t a g e m d e golpes". Aproximar-se d e u m
i n i m i g o a r m a d o o suficiente p a r a tocá-lo c o m um b a s t ã o ou
c o m as m ã o s vazias, e escapar c o m v i d a era considerado um
feito ainda m a i o r que matá-lo. Isso representava um ato de
ousadia que requeria m a i s c o r a g e m do que eliminar a l g u é m
d e u m local seguro.
U m guerreiro que enfrentasse essa p r o v a c o m sucesso era
h o m e n a g e a d o e r e c o n h e c i d o p e l o s m e m b r o s da tribo p o r
m e i o das p e n a s de águia, um sinal de sua grande c o r a g e m .
A s penas d e águias e r a m usadas n o s cabelos, sendo m o t i v o
de orgulho p a r a o guerreiro. Chefes e outros líderes acu-
m u l a v a m tantas p e n a s que p o d i a m criar u m c o c a r inteiro
p a r a utilizá-lo em cerimônias e batalhas.
Essa antiga tradição hoje e m dia t e m u m significado m o -
d e r n o em várias reservas — os índios que se f o r m a m em
u n i v e r s i d a d e s são h o m e n s h o n r a d o s . O s f o r m a n d o s rece-
b e m u m a p e n a d e águia c o m o s í m b o l o d e h o n r a e c o r a g e m
p o r ter obtido os quesitos necessários p a r a um d i p l o m a uni-
versitário. T o r n o u - s e c o s t u m e a m a r r a r a p e n a na b e c a du-
rante a cerimônia de graduação.

243
Recebi m i n h a p e n a d e águia d e u m a m i g o , u m dançari-
no tradicional, que utiliza as p e n a s em rituais que aconte-
c e m há m a i s de c e m anos. S a b e r q u e a p e n a fez parte des-
sas d a n ç a s d e i x o u - m e a i n d a m a i s h o n r a d o e m r e c e b ê - l a .
D e p o i s da graduação, pendurei a p e n a na p a r e d e para me
l e m b r a r do que conquistei.
A tradição de usar p e n a s de águia e outros trajes indíge-
nas durante a g r a d u a ç ã o torna-se m a i s e l a b o r a d a a cada tí-
tulo. P e s s o a s c o m o título de m e s t r e p o d e m cobrir a b e c a
c o m penas, e os doutores em geral v e s t e m o traje indígena
tradicional.
Ethel Connally Johnson, a primeira m u l h e r de origem in-
dígena a se formar doutora pela Faculdade de Medicina V e -
terinária da U n i v e r s i d a d e do C o l o r a d o , quis h o n r a r seus
ancestrais durante a cerimônia. Várias semanas antes do even-
to, Ethel pediu permissão ao diretor da faculdade para usar
roupas indígenas durante o ato. O diretor n e g o u o pedido.
No dia do evento, Ethel vestiu a b e c a e a g u a r d o u que seu
n o m e fosse c h a m a d o . Q u a n d o se levantou, ela tirou a b e c a ,
r e v e l a n d o o traje de c o u r o de antílope, coberto c o m penas e
c o m os adereços que p e r t e n c i a m a sua família h a v i a anos.
Ao subir no palco p a r a receber o diploma, ela foi ovaciona-
da pela platéia.
S e m p r e que m e l e m b r o dela, penso n u m a m u l h e r que teve
a c o r a g e m de h o m e n a g e a r a si e a s e u p o v o — n ã o c o m o
objetivo de confrontar o p o d e r do " s i s t e m a " , m a s simples-
m e n t e p a r a h o n r a r seus ancestrais. Ela tinha a c o r a g e m da
águia.

244
In Memorian
K. M. Jordan

C o l e c i o n e i penas durante anos a fio. A l g u m a s comprei, m a s


a m a i o r i a surgiu c o m o u m a dádiva do céu. As p e n a s t ê m
u m lugar especial e m m i n h a vida. Q u a n d o criança, e u al-
m e j a v a voar. A c h o que m e u coração é de águia — s e m p r e
fui u m a pessoa d e t e r m i n a d a e um líder. A d o r o " v o a r " para
conquistar algo n o v o .
M e u irmão caçula t a m b é m tinha u m coração d e águia. Ele
a m a v a estar ao ar livre e m u d o u - s e para M o n t a n a , em m e a -
dos de 1970, p a r a trabalhar no Serviço Florestal. Passava a
m a i o r parte d o t e m p o p e r c o r r e n d o trilhas e m áreas c o m o
S c a p e g o a t Wilderness, ao norte de Helena. A d o r a v a as m o n -
t a n h a s , a vida s e l v a g e m e a solidão. T a l qual a águia, ele
possuía força e c o r a g e m extraordinárias.
A l g u n s anos atrás, m e u irmão faleceu devido a u m a
esclerodermia. Ele p a s s o u o último m ê s de vida confinado
n u m leito de hospital. Q u a n d o s e u espírito finalmente li-
b e r t o u - s e do c o n f i n a m e n t o , decidi viajar às m o n t a n h a s e
j o g a r suas cinzas o n d e ele vivera e trabalhara durante anos.
M a s eu sabia que esse ritual n ã o seria suficiente. Resolvi criar
um feixe de penas em sua h o m e n a g e m e deixá-lo no local
o n d e eu pretendia j o g a r as cinzas.
Li livros a respeito de c e r i m ô n i a s s a g r a d a s e tradições
indígenas. M a s n ã o encontrei n e n h u m a orientação. Portan-
to, p e d i ajuda p a r a criar o feixe de penas, realizar a c e r i m ô -

245
nia e cuidar dos preparativos da v i a g e m . O processo l e v o u
vários m e s e s e ofereceu-me t e m p o p a r a viver o luto.
E n q u a n t o eu recolhia os itens para h o m e n a g e á - l o , várias
pessoas d o a r a m presentes ao saber o q u e eu pretendia fa-
zer, e senti que o Espírito trabalhava p o r m e i o delas p a r a
me prover o necessário. Eu gostaria de obter u m a p e n a de
águia para o feixe, m a s , c o m o n ã o sou de o r i g e m indígena,
contentei-me c o m a s p e n a s d o nobre p e r u . S i m b o l i c a m e n -
te, amarrei as p e n a s de peru n o s cabelos de m e u irmão, to-
das apontadas p a r a b a i x o c o m o sinal de que ele fora um h o -
m e m d e honra.
Para a cerimônia em si, escolhi um lugar, que Karl m e n -
cionara muitas v e z e s , perto d e u m a c a b a n a n o lago W e b b .
Q u e i m e i sálvia, e s p a l h a n d o sua fumaça nas quatro direções
e me purifiquei. Salpiquei sal m a r i n h o no c h ã o e fiz um cír-
culo c o m grãos de milho.
A p ó s cavar u m b u r a c o p e q u e n o n o círculo, encostei n o
tronco de um pinheiro e escutei o v e n t o soprar entre as ár-
vores, sentindo-me c o m p l e t a m e n t e e m paz. Karl m e m a n -
dara muitas fotos d a q u e l a área, que era o lar dos funcioná-
rios do Serviço Florestal. O céu possuía um azul profundo,
c o m imensas n u v e n s brancas. Eu pude ver p o r que ele amara
t a n t o a q u e l e l o c a l . F e c h e i os o l h o s e i m a g i n e i - o livre da
d o e n ç a e do sofrimento, v o a n d o , enfim, c o m suas a m a d a s
águias.
E m seguida, guardei todos o s itens, u m p o r um, dentro
do feixe: as p e n a s de peru; u m a ferradura; cristais, turque-
sa, quartzo rosa e ametista; p e n a s de arara; tabaco e milho.
Rezei p a r a cada u m dos itens, p e d i n d o a o G r a n d e Espírito
que abençoasse K a r l e liberasse s e u espírito para o p r ó x i m o
grande trabalho.

246
U m a nova sensação de paz me invadiu ao terminar a
c e r i m ô n i a . C o n t i n u o s e n d o a b e n ç o a d o pelas p e n a s . C a d a
v e z que aparecem, p e n s o em Karl e sinto-me p r ó x i m o a ele.
A l g u m dia, v o a r e m o s j u n t o s n o v a m e n t e .

247
O Presente de Sofia
Sheelagh G. Manheim

Meu irmão costumava pedir perdão aos pássaros;


aquilo parecia sem sentido, mas correto; tudo é como
o oceano, tudo flutua e se toca; um distúrbio num
só lugar reverbera até o fim do mundo.
— Dostoiévski, Os Irmãos Karamazov

A s p e n a s s e m p r e t i v e r a m u m sentido profundo e m m i n h a
vida. Q u a n d o criança, eu as colecionava por causa da b e l e -
za. Eu as j o g a v a no ar, roçava m e u rosto c o m elas, encaixa-
va as pontas para formar u m a só pena, juntava-as a fim de
fazer um leque. E n c o n t r a r u m a pena era o m e s m o que des-
cobrir um tesouro e sentir-se especial.
D u r a n t e a v i d a adulta, a p ó s fazer a n á l i s e j u n g u i a n a e
me tornar u m a p s i c o t e r a p e u t a j u n g u i a n a , aprendi a ver o
m u n d o s i m b o l i c a m e n t e , e m e u a m o r pelas p e n a s a d q u i r i u
u m n o v o significado. A s p e n a s e r a m a i n d a u m p r e s e n t e
do céu, mas também se transformaram em mensagens para
minha alma.
T a l p e r c e p ç ã o tornou-se ainda mais real para m i m duran-
te um verão que passei na região de Martha's Vineyard.
A p ó s dez dias de chuva, eu fiquei deprimida. Na tarde em
que o sol finalmente apareceu, saí da casa e caminhei até a
lagoa dos patos. Aliás, estava mais que deprimida. A idéia
de entrar na lagoa e n u n c a mais emergir l e v o u - m e a andar

248
na b e i r a d a da água, c a n t a n d o um h i n o a Sofia, a deusa da
sabedoria.
Fitando a lagoa, avistei o que parecia ser um m i n ú s c u l o
catamarã, atravessando a água em minha direção. Fiquei
perplexa ao descobrir que não se tratava de um brinquedo
de criança, m a s s i m de duas penas de cisne, paralelas sobre
a á g u a e trazidas até m i m pelo vento. P e r m a n e c i quieta, c o m
o coração cheio de alegria. A possibilidade de acabar c o m
m i n h a vida havia sumido. As penas atingiram a beirada da
lagoa e, agradecida, recolhi o presente q u e Sofia me enviara.
Depois desse verão, minhas preces são atendidas por
m e i o das p e n a s q u e recebo, as quais r e p r e s e n t a m respostas
a questões de m i n h a alma. Certa é p o c a , eu explorava a no-
ç ã o de dignidade. E encontrei p e n a s de p e r u de todos os
tipos e fui agraciada c o m a p r e s e n ç a de perus selvagens. Em
o u t r o v e r ã o , e n q u a n t o m e r e c u p e r a v a d e u m a enfermida-
de, achei lindas p e n a s de galinha-d'angola. Essas galinhas
c i s c a m q u a l q u e r e l e m e n t o d a terra, b o m o u ruim: u m ato
simbólico para a l i m p e z a do corpo. E n t ã o , recebi o privilé-
gio d e v e r u m g r u p o d e g a l i n h a s - d ' a n g o l a a t r a v e s s a n d o
nosso gramado.
P e n a s de corvo e de coruja t ê m sido, em várias ocasiões,
presentes para m i n h a a l m a destinados a me ajudar a enten-
der a vida e a p r e n d e r as lições q u e me são necessárias.

249
Meditaçãc
CUIDANDO DAS PENAS — OLHOS DE PÁSSARO

Se fosse um pássaro, você estaria cuidando de suas penas cons-


tantemente: limpando-as, banhando-as e ungindo-as. Após um
longo vôo, você usaria seu bico para afofar e acariciar suas penas.
Na hora de chocar os ovos, você faria um ninho confortável para
eles. O tempo que você passaria cuidando das penas e construin-
do o ninho seria uma parte vital de sua vida como pássaro.
Empregue alguns instantes para observar o que está acontecen-
do a suas penas. Afinal, as penas são fundamentais para ajudá-lo
a voar pelo céu. As penas do peito e a penugem sob as penas o
mantêm protegido das temperaturas extremas e tornam seu ni-
nho mais macio.
Você sabe que sem as penas para voar sua vida transforma-se
numa realidade diferente. Imagine como seria não poder planar
entre as árvores, ou pousar num lugar onde você teria uma vista
excelente de tudo, ou deslizar entre as nuvens!
A mensagem para nós é clara. Precisamos cuidar dos aspectos
físico, mental, emocional e espiritual de nosso ser. Formas de lim-
peza, banho e carinho podem variar entre nós, mas, sem esses
cuidados pessoais, somos incapazes de planar ou de "nos prote-
ger do frio" com o calor espiritual que nos alimenta.

• Sente-se num lugar onde você possa escrever e pensar. Talvez


na lanchonete favorita, no banco de um parque ou em sua co-
zinha. Primeiro, pense num dia típico e numa semana típica de
sua vida e faça uma lista dos cuidados que você tem "com suas
penas". Calcule quanto tempo você costuma passar consigo
mesmo.
• Em seguida, independentemente de quantos itens pertençam à
lista, faça uma "lista de desejos" que inclua de que maneiras
você gostaria de se cuidar. Um jeito de fazer isso é imaginar algo
e observar se sua mente logo vem com o velho "mas...". Se as-
sim for, saberá que está na trilha certa. Escreva os itens a des-
peito dos protestos de sua mente.

250
• Tente realizar um desejo de sua lista por semana. Ou planeje
um dia inteiro de "prazer", e realize os desejos da lista. Se pa-
recer egoísta demais, lembre-se de que o amor-próprio e a va-
lorização pessoal são tão necessários para seu potencial quanto
as penas para os pássaros. Lembre-se também de que todos os
pássaros restauram e renovam a energia entre um vôo e outro.

Essa meditação é ainda mais divertida se for feita com um


amigo ou amiga. Vocês podem se ajudar a descobrir novas ma-
neiras de nutrir seus ninhos e cuidar de suas penas, e também se
auxiliam mutuamente durante o processo.

251
Nas Asas da Compaixão
Maril Crabtree

Às vezes, a p o n t e entre o conhecido e o desconhecido é m a i s


que u m a pena. N e s s e caso, a p o n t e representaria um pássa-
ro inteiro. S e r i a o m a i s c o m u m e o m a i s b a r u l h e n t o d o s
pássaros — a p o m b a .
Q u a n d o a vi e n c o l h i d a no m e i o da calçada, l o g o s o u b e
que estava ferida. E n q u a n t o pés apressados p a s s a v a m por
ela, sua única reação e r a m fúteis tentativas de erguer as asas.
E l a p e r m a n e c i a de o l h o s s e m i c e r r a d o s , p e i t o o f e g a n t e e
p e n a s trêmulas.
As ruas do centro da cidade e s t a v a m repletas de carros,
prédios e pessoas voltando do a l m o ç o . Eu havia sido con-
vidada para almoçar n u m clube exclusivo de m u l h e r e s de
n e g ó c i o s , e r e s p i r e i a l i v i a d a q u a n d o f e c h e i a p o r t a do
estresse, da pressão, da escada corporativa do m u n d o que
eu a b a n d o n a r a anos atrás. M i n h a tarde estava livre para eu
fazer o q u e m a i s amava: escrever.
M a s ali está aquele pássaro. E u m e a p r o x i m o d o corpo
trêmulo e me ajoelho diante dele. A q u e l a p o m b a e eu for-
m a m o s u m laço d e a l g u m tipo. S o m o s a s únicas que dimi-
n u í m o s a v e l o c i d a d e em m e i o àquela atividade frenética.
N ó s n o s o l h a m o s . N ã o vejo s a n g u e ou outros sinais de
ferimento. A s p e n a s p a r e c e m e m frangalhos. P o r q u a n t o
t e m p o ela p e r m a n e c e r a ali? Suspeito de que seja u m a das
c e n t e n a s de p o m b a s q u e v o a m n o s edifícios e c i s c a m as
m i g a l h a s j o g a d a s n o asfalto. P o d e r i a ela ter c o l i d i d o c o m

252
u m a j a n e l a e caído na calçada? T a l v e z tivesse sido atropela-
da por um carro. Estaria à beira da m o r t e ?
O q u e fazer? N u n c a e s t u d e i o r n i t o l o g i a , t a m p o u c o sei
c o m o tratar de pássaros. Volto ao clube, onde algumas
m u l h e r e s ainda estão, e anuncio:
— Há um pássaro ferido na calçada. A l g u é m sabe o que
fazer? — Certamente u m a b o a alma irá cuidar do problema.
— N ã o a toque s e m proteger suas m ã o s . Esses pássaros
t r a n s m i t e m doenças — várias replicaram.
— T a l v e z v o c ê consiga um saco de papel na cozinha.
— Por que n ã o telefona para a S o c i e d a d e Protetora dos
Animais?
R e s o l v i seguir todas as sugestões. V o u à cozinha, o n d e
u m a m u l h e r gentil me dá um saco de papel e me indica o
telefone. A S o c i e d a d e Protetora dos A n i m a i s me informa
q u e n ã o lida c o m a n i m a i s s e l v a g e n s , e m e s u g e r e o u t r o
n ú m e r o . Q u a n d o consigo completar a ligação, a atendente
me p e r g u n t a que tipo de pássaro é.
— D e v e ser u m a p o m b a , m a s n ã o t e n h o certeza. — T e n -
to m a n t e r um t o m sereno na v o z . — Isso importa?
— S i m , importa. Só c u i d a m o s de pássaros nativos deste
Estado. P o m b o s n ã o são considerados nativos.
— C o m o assim? Eles m o r a m nesta cidade. Isso n ã o os faz
nativos?
— N ã o . Há u m a distinção entre p o m b o s e outros pássa-
ros selvagens, c o m o o cardeal, o gaio, o papo-roxo e o par-
dal. P o m b o s feridos n ã o se qualificam para o cuidado e o
tratamento especiais que um cardeal receberia.
— P o r outro lado — a v o z continua —, se for um pássaro
da família dos p o m b o s , poderemos cuidar dele. Por que n ã o
o traz aqui para d a r m o s u m a olhada?

253
E l a me ensina c o m o c a p t u r a r o p á s s a r o no s a c o de pa-
pel e e x p l i c a o c a m i n h o m a i s rápido p a r a c h e g a r ao centro
de v i d a s e l v a g e m . S u s p i r o . Lá se vai m i n h a tarde p a r a es-
crever. P o r é m , aquela odisséia d o p á s s a r o a d q u i r i u u m sig-
nificado é p i c o . Sei que n ã o ficarei tranqüila até vê-lo b e m .
Se o c e n t r o de v i d a s e l v a g e m n ã o abrigar a p o m b a , eu o
farei.
P e g o o saco de papel e volto à rua. N e n h u m pássaro. Ele
desapareceu. Aflita, v a s c u l h o a área. Teria a p o m b a alcan-
ç a d o a rua e um carro a m a t a r a ? M i n h a h e s i t a ç ã o inicial
resultara e m sua morte? O u ela descobriu u m jeito d e voar?
D e s a p o n t o e alívio me i n v a d e m . M e u s esforços n ã o são
m a i s necessários e n ã o precisarei enfrentar a constrangedo-
ra tarefa de capturar um pássaro e transportá-lo. A tarde é
m i n h a n o v a m e n t e . S e m dúvida, é o u n i v e r s o me d i z e n d o
q u e d e v o correr para casa e c o m e ç a r a escrever.
Entro em m e u carro e afasto-me do centro da cidade.
Q u a n d o faço u m a curva p a r a adentrar a via expressa, vejo
um h o m e m em pé na calçada. Ele usa roupas puídas e se-
gura u m cartaz c o m o s dizeres: "Preciso d e e m p r e g o . Tra-
b a l h o p o r c o m i d a o u dinheiro".
P a r o no farol. A m i n h a volta, há pessoas bem-vestidas e
alheias aos arredores. O h o m e m abaixa os olhos, encaran-
do a rua, o n d e s e m d ú v i d a p a s s o u m a i s de um dia de sua
existência.
M i n h a a m i g a J e n n y c o s t u m a deixar barras de m a n t e i g a e
latas de salsicha em s e u carro para ocasiões c o m o essa.
— S i n t o - m e péssima, se n ã o faço n a d a — ela diz. — M a s
se eu der dinheiro, n u n c a saberei se o p e d i n t e o gastará em
c o m i d a o u bebida.
Talvez ela seja literal d e m a i s , m a s n a q u e l e m o m e n t o la-
m e n t o n ã o ter u m a lata de salsicha p a r a oferecer ao h o m e m .
T u d o q u e tenho é um saco vazio.

254
O farol abre, m a s n ã o me dirijo à via expressa. Em v e z
disso, p a r o n u m a loja de c o n v e n i ê n c i a s . C o m o s a c o v a z i o
e m m ã o s , p e r c o r r o a s prateleiras, s e l e c i o n a n d o alimentos
que não precisem de abridor de latas ou de um fogão.
Q u a n d o p e n s o n o que e u gostaria d e c o m e r s e t i v e s s e p a s -
s a d o o dia m e n d i g a n d o s e m ser vista, p e g o várias b a r r a s
de c h o c o l a t e e um p a c o t e de b a t a t a s fritas. O total das c o m -
p r a s é m í n i m o , se c o m p a r a d o ao p r e ç o do a l m o ç o q u e a c a -
b e i de usufruir.
Volto para o carro c o m o saco de p a p e l cheio e retorno ao
local o n d e vi o h o m e m .
— Por favor, faça c o m que ele esteja lá — rezo em v o z
baixa. — N ã o o faça desaparecer c o m o a p o m b a .
N u n c a m e deixei levar por pessoas que p e d e m e s m o l a s
n o s faróis ou nas calçadas. Na v e r d a d e , s e m p r e as rotulei
de seres p r e g u i ç o s o s que e n c o n t r a r a m um m e i o m a i s fácil
d e n ã o trabalhar. O u então, e u c o n s i d e r a v a essas p e s s o a s
c o m o criaturas indefesas, cujas n e c e s s i d a d e s v ã o a l é m d e
m i n h a s possibilidades. A c i m a de tudo, finjo que n ã o as vejo
para evitar q u e elas i n v a d a m m i n h a versão c o n v e n i e n t e da
realidade.
M a s o corpo trêmulo do pássaro me transformou. Se eu
d e s p e n d e s s e a l g u n s m i n u t o s d e m i n h a preciosa tarde, e u
poderia ajudar outro ser h u m a n o . N ã o resolveria s e u pro-
b l e m a , m a s talvez m e u gesto o encorajasse a continuar ten-
tando m u d a r d e vida.
O h o m e m a i n d a está lá, p a r e c e n d o — ou seria m i n h a
i m a g i n a ç ã o ? — m a i s miserável que antes. Encosto o carro e
saio, carregando o saco de alimentos.
— T o m e — digo, ao me abaixar p a r a deixar o saco ao lado
dele. — N ã o tenho u m e m p r e g o para v o c ê , m a s u m p o u c o
de c o m i d a é s e m p r e lucrativo. B o a sorte.
Eu me viro e volto ao carro.

255
— O b r i g a d o , senhora.
O u v i m e s m o aquelas palavras o u teria sido m i n h a ima-
g i n a ç ã o m a i s u m a v e z ? V o u e m b o r a rapidamente. M e u c o -
ração bate acelerado. "Talvez, em outra oportunidade",
p e n s o , "eu tenha c o r a g e m de encará-lo n o s olhos, c o n v e r -
sar c o m ele e escutá-lo."
P o r q u e n ó s , p á s s a r o s feridos, n ã o p o d e m o s e s q u e c e r
nossas p r e o c u p a ç õ e s diárias p o r um m i n u t o para dar aten-
ção ao outro?
Q u a n d o atinjo a v i a e x p r e s s a , e s t o u p e n s a n d o no q u e
p r e p a r a r e i p a r a o j a n t a r e i m a g i n o se c o n s e g u i r e i a l g u m
t e m p o para escrever antes d a refeição. E m princípio, n e m
s e q u e r p e r c e b o a m e i a d ú z i a de p á s s a r o s s o b r e o t e l h a d o
da varanda. Desligo o m o t o r e p e r m a n e ç o dentro do carro,
o b s e r v a n d o as ruidosas aves. Pergunto-me se " m i n h a " p o m -
ba está entre elas. M e u c o r a ç ã o se a q u e c e ao pressentir a
forte ligação c o m aquela p o m b a , q u a n d o o s pássaros v o a m
e m direção a o entardecer.

256
MARIL CRABTREE é escritora,
espiritualista e estudiosa
de ciências esotéricas. Seu
principal interesse são as
práticas xamânicas dos povos
indígenas norte-americanos.
Escreve poemas, ensaios
e artigos para as mais
conceituadas publicações
da área, além de ministrar
regularmente cursos e
workshops sobre esoterismo
e desenvolvimento espiritual.
RESGATE A SABEDORIA DOS ANTIGOS MESTRES E VEJA
COMO UMA SIMPLES PLUMA PODE MUDAR SUA VIDA!

Há milênios as civilizações tradicionais conhecem


o extraordinário poder da plumagem dos pássaros.
Sacerdotes, xamãs, feiticeiros, mestres e iniciados
de todo o mundo sempre souberam que penas são
objetos mágicos, guias e mensageiras da natureza
e do espírito.
Maril Crabtree lhe oferece as chaves dessa sabedoria
ancestral, aponta o caminho da magia e mostra como
utilizar a energia das penas para:
• Atrair influências positivas para todas as áreas
da sua vida: relacionamentos, trabalho, saúde etc.
• Curar a si mesmo — e aos outros — física
e espiritualmente, para superar a angústia,
a depressão e o desânimo.
• Receber e compreender as importantes mensagens
que o universo envia a você.
Reunindo depoimentos e textos reveladores de
renomados estudiosos de ciências esotéricas.
Penas Sagradas traz ainda meditações e rituais
que proporcionam e fortalecem a conexão
com o mundo espiritual, os segredos do cosmo, as
mais elevadas manifestações divinas.

AUTO-AJUDA

www.editorabestseller.com.br

Você também pode gostar