Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Penas Sagradas
O poder mágico de uma pena pode
alterar sua visão do mundo
TRADUÇÃO
Paula A n d r a d e
2003
Título original: Sacred Feathers
Copyright © 2002 by Maril Crabtree
Licença editorial para a Editora Nova Cultural Ltda.
Todos os direitos reservados.
Coordenação editorial
Janice Flórido
Editores
Eliel S. Cunha
Fernanda Cardoso
Editoras de arte
Ana Suely S. Dobón
Mônica Maldonado
Arte da capa
Fernanda do Val
Revisão
Levon Yacubian
Editoração eletrônica
Dany Editora Ltda.
2003
Impressão e acabamento:
RR Donnelley América Latina
Fone: (55 11) 4166-3500
Este livro é d e d i c a d o a:
índice
Agradecimentos 11
Prólogo 13
Introdução 15
PARTE UM
O Mistério das Penas: Mensagens Místicas do Espírito
7
Galgando as Penas — Marü Crabtree 60
Uma Mensagem do Pena Branca — Debra Hooper 61
Meditação — Atraindo a Energia da Pena 63
Canção da Pena — Kenneth Ray Stubbs 65
Aprendendo com os Corvos — Greg Eric "Saltador"
Hultman 67
Você Já Está no Caminho — Kellie Jo Dunlap 74
Asas em Meus Pés — Pena Estelar 77
Meditação — Visão da Vida 80
PARTE DOIS
O Poder das Penas: Mensagens de Cura e Transformação
8
A Terra É uma Mãe Perfeita — Rod Skenandore,
"Chefe Alce" 142
Música do Falcão — Maril Crabtree 146
Falcão Guardião — Amy Belanger 147
Meditação — Um Passeio na Floresta 149
PARTE TRÊS
Luz por Meio da Pena: Mensagens de Liberdade,
Entrega e Desprendimento
9
PARTE QUATRO
Onde Há uma Pena, Há um Caminho!
Mensagens de Amor, Força e Coragem
11
Prólogo
13
ainda mais clara: " V o c ê é amada. É u m a parte integral desta
vasta cadeia de interconexões. N ã o está sozinha".
Continuei a segurar a p e n a c o m reverência. Um misto de
g r a t i d ã o e alegria me i n v a d i u . A q u e l e l i n d o m e n s a g e i r o
n e g r o d o c é u m e dizia q u e e u n ã o e s t a v a n u m u n i v e r s o
vazio. M a i s tarde, aprendi que em muitas tradições antigas
a p e n a preta é um sinal de sabedoria mística, recebido n u m a
iniciação espiritual. Tais p e n a s (de corvos, por e x e m p l o ) são
freqüentemente utilizadas p o r figuras x a m â n i c a s . A enor-
m e p e n a preta que m e esperava e m A s p e n p r o v e u m i n h a
iniciação à sabedoria do universo.
G u a r d e i a q u e l a p e n a preta. C a d a v e z q u e a p e g o , sua
poderosa m e n s a g e m me toca: Você não está sozinha. Estamos
com você; tudo na vida faz parte de você. Voe com o vento!
14
Introdução
— N. Scott Momaday,
A Deliciosa Canção de Tsoai-Talee
15
N o s últimos três anos, tenho coletado histórias verídicas
de pessoas cujas vidas se transformaram p o r causa das p e -
nas: p e n a s c o m o m e n s a g e i r o s sagrados, c o m o c o n d u t o r e s
p a r a o esclarecimento, c o m o precursores da v e r d a d e inte-
rior ou c o m o gentis l e m b r a n ç a s do s i n c r o n i s m o e da abun-
dância do universo. Essas histórias são relatos p o d e r o s o s de
c o m o as penas e n s i n a m , g u i a m e i n s p i r a m a todos nós. Elas
oferecem e x e m p l o s reais de c o m o o universo fala para n ó s
por m e i o de um objeto " c o m u m " m a s místico — u m a pena.
De que m a n e i r a u m a p e n a — um objeto i n a n i m a d o —
fala a n ó s ? C o m o p o d e m o s receber m e n s a g e n s de u m a par-
te da asa de um pássaro? O que há nas p e n a s — opostas à
borra de café ou às flores silvestres — que as qualifica c o m o
precursores da v e r d a d e universal?
V i v e m o s n u m c o s m o s holográfico, o n d e u m a p a r t e d o
t o d o reflete e s s e t o d o . Q u a n d o u m a p e n a a b a n d o n a u m
pássaro e cai na terra, ela traz consigo toda a energia que a
vinculava ao ser vivo. De u m a perspectiva c ó s m i c a , a p e n a
t a m b é m carrega, tal qual trazemos c o n o s c o , a energia uni-
versal q u e n o m e a m o s de várias formas: " D e u s " , ao "Espíri-
to", "força de v i d a divina". Por que, então, n ã o aceitar que
a p e n a cai em nossas vidas para nos trazer, diretamente, u m a
m e n s a g e m dessa força de vida?
Q u a n d o , entre centenas d e p e s s o a s , vejo u m a p e n a n u m
lugar i n e s p e r a d o , sei que ela foi e n d e r e ç a d a a m i m . N e m
t o d a s as p e n a s são " e s p e c i a i s " , t a m p o u c o o são t o d a s as
pedras ou todos os cristais. M a s o potencial p a r a a c o n e x ã o
está lá. Preciso apenas escutar a partir daquele espaço aber-
to dentro de m i m , o qual anseia p o r v o a r c a d a v e z m a i s alto.
Só tenho de aceitar que, c o m o disse um contador de histó-
rias, "há p o d e r e s simples, estranhos e r e a i s " que me afetam.
As p e n a s t a m b é m são significados simbólicos universais,
r e c o n h e c i d a s p o r tribos e tradições do m u n d o . Elas n o s fa-
16
I a m de v ô o , de liberdade, de ultrapassar limites, de c o l o -
car-se " a c i m a de t u d o " , da n e c e s s i d a d e de se soltar e rela-
xar. E m m u i t a s c u l t u r a s , a s p e n a s c a r r e g a m o r a ç õ e s aos
deuses e conferem poderes extraordinários em batalhas.
M a i s que tudo, as penas n o s c h e g a m c o m o dádivas. Elas
v ê m do céu, do m a r , das árvores, da relva, e até m e s m o —
c o m o ilustram essas histórias — de lugares n u n c a habita-
d o s por aves. E l a s n o s c h e g a m inesperadamente, m a s c o m
u m propósito. S u a s m e n s a g e n s p o d e m ser espantosas, re-
confortantes ou repentinas, m a s são s e m p r e u m a oportuni-
d a d e para v e r — p a r a encontrar respostas a questões q u e
n e m sequer s a b í a m o s que p e r g u n t á v a m o s .
O que é, então, u m a pena? É u m a parte do corpo de um
pássaro e é u m a parte de nós. Ela existe em si m e s m a para
servir seu objetivo primário no c o s m o s , e existe em aliança
c o m cada u m dos aspectos d o c o s m o s . Tal qual q u a n d o le-
v a m o s m e n s a g e n s inspiradoras aos outros, e n q u a n t o sim-
p l e s m e n t e p r e e n c h e m o s n o s s a s v i d a s , as penas t r a z e m es-
sas m e n s a g e n s a n ó s . Elas n o s l e m b r a m de q u e c a m i n h a -
m o s n u m m u n d o transbordante d e significados.
Este livro c o n t é m m i n h a s histórias a respeito das p e n a s e
das experiências d e outros. E m c a d a u m a , h á u m b r o t o d e
s a b e d o r i a o u v e r d a d e , obtido p o r m e i o d o e n c o n t r o c o m
u m a pena. Essas histórias são ofertadas c o m o presentes para
sua própria j o r n a d a e c o m o e v i d ê n c i a de que o universo fala
c o n o s c o de várias maneiras.
V o c ê t a m b é m encontrará sugestões de c o m o explorar as
conexões em sua v i d a p o r m e i o das atraentes penas, que po-
d e m ser usadas n u m a variedade d e cerimônias, m e d i t a ç õ e s
e rituais.
17
tória está i n c l u í d a n e s t e livro, l e m b r a - n o s d e q u e h á " a l g o
v i v o n u m a p e n a . E l a c o n h e c e o interior d a s n u v e n s . C a r -
rega n o s s a s n e c e s s i d a d e s , n o s s o s desejos e as histórias de
nosso sofrimento".
As histórias das p e n a s que v o c ê ler aqui confirmarão que
elas c u r a m nossas feridas, levam-nos a u m a n o v a liberda-
de, ajudam-nos a n o s entregar ao jubiloso universo e c r i a m
u m a p o d e r o s a c o n e x ã o c o m tudo que está além d o intelec-
to racional. As p e n a s n o s c a r r e g a m aos lugares m a i s ínti-
m o s da alma, o n d e e n c o n t r a m o s nossas próprias asas para
alçar v ô o s a i n d a m a i s o u s a d o s .
18
Parte U m
21
M a s agora estou prestes a desistir. A colina m a i s longa
de toda a j o r n a d a está l o g o à frente e há ainda um quilôme-
tro e m e i o a percorrer antes de chegar ao topo, o n d e toma-
rei a á g u a a b e n ç o a d a e terei dez m i n u t o s para descansar.
C a m i n h o atrás de todos; n ã o ouso parar antes de atingir o
t o p o da subida. M a s n ã o vejo c o m o o farei. M e u s olhos ar-
d e m por causa do suor e do cansaço.
Então, vejo a pena: grande, intata e perfeitamente bran-
ca, a c e n a n d o para m i m n a g r a m a d o a c o s t a m e n t o . P o r q u e
o vento, causado pela p a s s a g e m dos gigantescos c a m i n h õ e s
na rodovia, n ã o a l e v o u e m b o r a ? N u n c a saberei, m a s a p e n a
persiste, a c e n a n d o p a r a m i m e dizendo, c o m o se gritasse em
m e u s ouvidos: " V o c ê p o d e fazer isso!"
E d o u risada, s a b e n d o q u e posso. Sinto a energia da p e n a
p e n e t r a n d o e m m e u c o r p o , c o m o s e ela m e d e s s e asas d e
pura luz. Q u a s e corro o último quilômetro até a colina, rin-
do de encantamento. Sou um pássaro voando e batendo
m i n h a s asas c o m alegria, n ã o exausta, m a s sim extasiada.
A q u e l a colina n u n c a m a i s será um desafio intransponível.
O u t r o p e n s a m e n t o flui em m i n h a consciência. Se p o s s o
v o a r até a q u e l a colina, p o s s o fazer q u a l q u e r coisa! T e n h o
apenas de recorrer à ilimitada energia do universo que s e m -
pre n o s rodeia e me sentir instantaneamente renovada. D u -
rante todo o dia seguinte, a l e m b r a n ç a d a q u e l a pena bran-
ca surge em m i n h a m e n t e e alimenta m e u s m ú s c u l o s fati-
g a d o s devido aos quilômetros finais de n o s s a c a m i n h a d a .
Q u a n d o voltei para casa, tentei identificar o tipo de pás-
saro que deixara aquela pena no meio dos campos do
Missouri. N i n g u é m p ô d e m e dizer. Estaria e u tendo aluci-
n a ç õ e s ? N ã o importava. Eu sabia que a energia que recebi
não era alucinação, e sabia que poderia subir qualquer coli-
na no sentido literal ou figurado... c o m a p e q u e n a ajuda de
m e u s a m i g o s alados.
22
As Penas
Linda Hogan
23
c o m a n d o e olhei p a r a cima, o n d e vi a j a n e l a aberta de m e u
quarto. No m e s m o instante, uma imensa águia dourada
v o o u em direção à janela; estava tão p r ó x i m a que p u d e v e r
seus olhos n e g r o s me fitarem, m o m e n t o s antes de ela p e g a r
u m a corrente de ar e alçar v ô o até o telhado da casa. L e v a n -
tei-me e corri para fora, descalça, a fim de verificar a o n d e o
pássaro estava indo.
Se eu lhe dissesse que a águia tinha desaparecido e que
h a v i a s o m e n t e u m a p e n a n a rua q u a n d o saí, v o c ê p r o v a -
v e l m e n t e n ã o acreditaria. T a m b é m sei q u a n t o t e m p o l e v a
p a r a u m a p e n a cair n o c h ã o , s e carregada pela corrente d e
ar. S e m p r e e s p e r e i u m a p e n a d e á g u i a . C o b r i d i s t â n c i a s ,
o l h a n d o p a r a cima, m a s n u n c a n e n h u m a p e n a caiu. Ela sim-
p l e s m e n t e planava até s u m i r de vista. M a s no dia de m e u
s o n h o , u m a p e n a e s t a v a lá. No chão, a á g u i a deixara s e u
presente b r a n c o e c o m as pontas negras.
Sei q u e há u m a e x p l i c a ç ã o física para isso, u m a lei natu-
ral acerca da leveza e do ar. Esse evento contradiz a lógica.
C o m o explicar a pena, o pássaro na j a n e l a , m i n h a v o z me
a c o r d a n d o , c o m o se outra p e s s o a m a i s sábia e atenta m o -
rasse e m m i m ? S ó c o n s i g o p e n s a r que e x i s t e outra força,
m a i s profunda que a física, trabalhando; algo que v e m de
um m u n d o o n d e luz e trovão, sol e n u v e n s v i v e m . N e m sei
dizer p o r q u e tantos de n ó s e s q u e c e m o s o mistério da natu-
reza e do espírito, e n q u a n t o por centenas de anos tais coi-
sas a c o n t e c e r a m e foram registradas p o r n o s s o s ancestrais.
Q u a n d o m i n h a neta, Vivian, veio a o m u n d o , e u m e en-
contrava na sala de parto para recebê-la e cortar o c o r d ã o
umbÜical, a ligação entre ela e a m ã e , sua origem. A s s i m
que o c o r d ã o secou e caiu, nós o g u a r d a m o s n u m p o t e até
que eu pudesse costurar um saco umbilical para acolher
aquela primeira ligação, a fim de m a n t e r m i n h a neta conos-
co, segura e b e m .
24
U m dia, alguns m e s e s depois, m e u s pais v i e r a m n o s visi-
tar. C o m o s e m p r e , a p r e s e n ç a de m e u pai n o s r e m e t i a a
nossa identidade e origem. Portanto, p u s e m o s o b e r ç o na
sala. M i n h a filha, T â n i a , v e s t i u sua r o u p a t r a d i c i o n a l d e
contas e pérolas. E, de repente, c o m u m a expressão de hor-
ror, ela e x c l a m o u :
— S u m i u ! — Tânia correu em direção ao pote que conti-
n h a o cordão do b e b ê .
Ela estava certa. O cordão, o b e m m a i s valioso de nossa
casa, h a v i a s u m i d o . Por causa do p e s o e do formato do pote,
e d e v i d o a sua p o s i ç ã o na estante, seria i m p o s s í v e l q u e o
vento o tivesse levado. T a m p o u c o um animal p o d e r i a tê-lo
pego.
D u r a n t e toda aquela noite, procurei sob as cadeiras, nos
c a n t o s e nas g a v e t a s , v a s c u l h e i a casa toda, e m b a i x o dos
m ó v e i s , nas prateleiras, até que, enfim, n ã o restou um só
lugar para verificar.
Várias v e z e s em m e i o à b u s c a , abri a caixa de cedro que
continha tabaco, m i l h o , artemísia e m i n h a primeira p e n a de
águia, aquela q u e sobrevivera ao incêndio. N o v a m e n t e , eu
v o l t a v a à c a i x a , e s t r a n h a n d o m e u c o m p o r t a m e n t o . Eu a
abria, p e r g u n t a n d o - m e p o r que me via tão c o m p e l i d a a exa-
minar seu conteúdo. É u m a caixa pequena sem n e n h u m
esconderijo p a r a um cordão umbilical e, no entanto, eu sem-
pre retornava a ela. A b r i a a caixa, olhava o c o n t e ú d o e a
fechava.
N o m e i o d e s s a procura, u m a m i g o d e o r i g e m indígena
telefonou a fim de n o s convidar para um a c a m p a m e n t o em
Montana.
— A i n d a b e m que v o c ê ligou — eu disse a ele. — Perdi o
cordão umbilical de m i n h a neta. — Contei-lhe q u ã o m a l me
sentia e que talvez o cordão quisesse estar em outro lugar,
c o m o n a reserva e m D a k o t a d o Sul, o n d e j a z i a m a s origens
25
d e m i n h a filha. O u p o d i a ser u m sinal d e que e u negligen-
ciara m i n h a vida espiritual, o que acontece c o m freqüência
q u a n d o trabalho, v i v o e ensino n u m m u n d o de c o n h e c i m e n -
tos diferentes.
Ele m e disse que u m a cerimônia poderia funcionar. D e s -
liguei o telefone e fui preparar o rito. L o g o depois, subi u m a
colina s o b o luar, em direção a um a g l o m e r a d o de árvores,
o n d e realizei a oferenda. A m i n h a volta h a v i a o canto dos
insetos, um falcão c o m seu c h a m a d o a g u d o e s e u farfalhar
de asas.
Q u a n d o voltei, dirigi-me mais u m a v e z à caixa de cedro.
D e s s a v e z , a pena, outro objeto de valor p a r a m i m , h a v i a
s u m i d o . N ã o entendi c o m o aconteceu. S i m , eu abria a caixa
i n ú m e r a s vezes, m a s a p e n a n u n c a saía do lugar.
C o l o q u e i - m e de quatro, olhei sob as cadeiras e avistei a
p e n a d e águia, que a p o n t a v a e m direção a o cordão umbili-
cal, q u e agora achava-se tão m i s t e r i o s a m e n t e no local que
eu h a v i a v a s c u l h a d o diversas vezes.
Foi a p e n a que me l e v o u ao cordão umbilical do b e b ê . A
p e n a , o e l e m e n t o do pássaro, tão p r e p a r a d a para v o a r c o m
o v e n t o , era um fragmento de todo um v ô o . Ela percorrera
distâncias, elevara-se e caíra sob o sol.
T a l v e z haja e v e n t o s e c o i s a s q u e f u n c i o n e m c o m o u m
portal para o m u n d o místico, o m u n d o do p o v o primitivo,
u m a volta à criação do universo e aos primeiros fragmen-
tos de terra, o primeiro sopro de ser h u m a n o no início de
um t e m p o . N o s s o s anciãos acreditam q u e é verdade, q u e é
p o s s í v e l v o a r até o princípio de tudo e, ao fazê-lo, encon-
trar u m a razão sagrada, diferente da r a z ã o c o m u m , que está
ligada às forças da natureza. N e s s e tipo de p e n s a m e n t o , tal
qual na p e n a , o p o d e r do céu, do trovão, do sol e de tantas
outras alianças forma u m p e n s a m e n t o a i n d a m a i s arcaico
26
que o t e m p o , e m e n o s primitivo que o presente. O u t r o s ten-
taram, durante séculos, entender o m u n d o p o r m e i o da ciên-
cia e do intelecto, m a s ainda n ã o c o m p r e e n d e m os animais,
a terra infinita ou m e s m o suas próprias m e n t e s e c o m p o r -
tamento. Q u a n t o m a i s v a s c u l h a m o m u n d o , m a i s perto che-
g a m do espiritual, das origens m á g i c a s da criação.
H á ainda u m lugar, u m e s p a ç o entre m u n d o s , citado pe-
los c o n h e c i m e n t o s tribais de centenas de anos. N e s s e lugar,
existem v ô o s silenciosos à m a r g e m das lutas h u m a n a s e de
nossos desenhos. À s vezes, q u a n d o estamos m u i t o quietos,
d a m o s um p a s s o em direção a esse mistério, o lugar do es-
pírito. E, é preciso lembrar, o mistério por sua própria na-
tureza n ã o gosta de ser c o n h e c i d o .
Há algo v i v o na pena. S e u p o d e r talvez esteja no s o n h o
do céu, nas correntes de ar e no silêncio de sua criação. Ela
c o n h e c e o interior das n u v e n s . C a r r e g a n o s s a s n e c e s s i d a -
des, nossos desejos e as histórias de n o s s o sofrimento. Ela
se eleva e cai no e s p a ç o e l e m e n t a r , u m a parte do m u n d o
elaborado o n d e o p e i x e n a d a contra a gravidade, o n d e as
enguias tornam-se tão prateadas quanto a lua.
C o m o a p e n a c h e g o u à estrada e m p o e i r a d a o n d e m o r o ?
C o m o ultrapassou as correntes de ar? C o m o a p e n a sobre-
viveu ao fogo? N u n c a saberei. T a m p o u c o saberei q u e v o z
falou através de m i m no sonho. Só sei que e x i s t e m poderes
simples, estranhos e reais.
27
Uma Questão de Estile
Dra. Rachel Naomi Remen
N ã o s o m e n t e p o d e m o s t e s t e m u n h a r o Mistério, c o m o tam-
b é m , de forma profunda, s o m o s o M i s t é r i o . N o s s a s vidas
p o d e m n ã o estar limitadas pela nossa história, e p o d e m o s
ir m a i s longe do que o u s a m o s sonhar. Se a V i d a em si n ã o
é totalmente definida pela ciência, talvez sejamos m a i s do
que a ciência acreditaria sermos.
Q u a n d o A h i r o veio m e ver, ele e s t a v a n a fase t e r m i n a l
d e u m c â n c e r d e próstata. Viera preparar-se p a r a m o r r e r .
Era japonês, um belo h o m e m que vivera c o m integridade
e certa e l e g â n c i a . S u a v i d a fora a família e o t r a b a l h o . D e s -
de o início, ele e s t a b e l e c e r a n o s s o s e n c o n t r o s e e n c a r r e g a -
ra-se deles. D i s s e - m e q u e queria c o n v i d a r para n o s s a s ses-
sões a q u e l e s que t i n h a m a b e n ç o a d o s u a v i d a , u m d e c a d a
v e z , c o m o intuito de agradecer-lhes p o r t u d o que lhe h a -
viam dado.
T a l p r o g r a m a ç ã o n ã o é i n c o m u m nesse m o m e n t o de vida,
m a s a l g u n s daqueles q u e ele planejou c o n v i d a r m e p e g a -
r a m de surpresa. Pensei que A h i r o convidaria a esposa, os
filhos e a l g u n s a m i g o s m a i s íntimos. C o n t u d o , d e n t r e as
pessoas que a m a v a , havia vários concorrentes profissionais.
Ao escutar as histórias dessas pessoas, eu as consideraria
i n i m i g a s de Ahiro. No entanto, ele sentia um profundo res-
peito p o r elas e acreditava que o h a v i a m e s t i m u l a d o a obter
um excelente nível profissional, o qual j a m a i s atingiria s e m
tais concorrentes. Q u e r i a agradecer-lhes.
28
E, então, começamos. Na metade da programação, quando
discutíamos o encontro que tivéramos c o m um de seus filhos,
Ahiro, de repente, parou no meio da frase e olhou para m i m .
— R a c h e l — ele disse —, s o u um h o m e m culto. D e v o
acreditar q u e a m o r t e é o fim. E v o c ê , c o m o u m a m u l h e r
culta, certamente acredita que a m o r t e seja o fim. N ã o é?
M a i s u m a v e z p e g a de surpresa, eu o olhei. Ele sorria para
m i m , m a s s e u olhar refletia s e r i e d a d e . Pela p r i m e i r a v e z ,
p e r g u n t e i - m e s e n o s s o s e n c o n t r o s t i n h a m u m significado
m a i s profundo do que i m a g i n á v a m o s .
— Eu c o s t u m a v a p e n s a r q u e a m o r t e era o fim — respon-
di devagar. — M a s agora s i m p l e s m e n t e n ã o sei. A m o r t e
me parece ser o último mistério que dá significado e valor
à vida. N ã o sei se a m o r t e é o fim.
Ele ficou surpreso.
— Ora, v o c ê n ã o acredita n u m céu p o v o a d o de anjinhos.
— Ahiro me e n c a r o u e franziu o cenho. — Ou acredita?
— N ã o sei — eu lhe disse. H o u v e u m a p a u s a . Um bri-
lho distinto cintilou n o s olhos de A h i r o , e tive a nítida sen-
sação de que tínhamos entrado n u m nível de percepção
u m d o outro q u e e u m a l p o d i a entender. E n t ã o , ele sorriu
e esqueceu o assunto.
Continuamos a nos encontrar semanalmente c o m os
m e m b r o s d e sua lista. M a s , e m cada u m a das sessões, ele
trazia à tona o a s s u n t o q u a n d o eu m e n o s esperava, c o m o
se, p e g a n d o - m e de surpresa, p u d e s s e descobrir em que eu
realmente acreditava acerca da morte. Contei-lhe histórias
e experiências. Ele me falou de suas extensas leituras. C o -
mecei a ansiar p o r tais discussões. E r a m estimulantes, fer-
vorosas, c o m freqüência e n g r a ç a d a s e às vezes profundas.
C a d a v e z que ouvia seus a r g u m e n t o s b e m elaborados a res-
peito da finitude, eu lhe dizia:
— A i n d a n ã o sei. — Creio que ele ficava frustrado. E in-
trigado.
29
D u r a n t e n o s s o p e n ú l t i m o e n c o n t r o , ele m a i s u m a v e z
levantou o tema. Ao escutar n o v a m e n t e m e u " e u n ã o sei",
A h i r o c o m e ç o u a rir.
— Rachel, sou um h o m e m instruído. Tenho de acreditar
q u e a m o r t e seja o fim. M a s , caso n ã o seja, voltarei na for-
ma de u m a grande garça b r a n c a e lhe darei um sinal de que
p e r d i e s s a discussão.
E, então, aquele h o m e m alto e elegante se levantou. C o m
as duas m ã o s nas costas e erguendo u m a das pernas, esti-
cou o p e s c o ç o e, por um m e r o instante, tornou-se um gran-
de p á s s a r o b r a n c o . A m b o s r i m o s a valer.
— A p a r e c e r na forma de u m a grande garça b r a n c a me
parece um tanto óbvio — eu lhe disse. — L e m b r a - s e daque-
les p r o g r a m a s de televisão, em que os a n i m a d o r e s faziam
u m estardalhaço q u a n d o a l g u é m dizia algo interessante?
— L e m b r o — ele respondeu, rindo. — N ã o é m e u estilo.
S o u mais minimalista.
— T a l v e z v o c ê encontre outro jeito — comentei.
A h i r o m e olhou por u m m o m e n t o considerável.
— Farei algo que v o c ê r e c o n h e ç a — ele disse, repentina-
m e n t e sério.
A p ó s alguns m e s e s , esse h o m e m incrível faleceu. P o u c o
t e m p o depois, e u m e encontrava n o prédio T r a n s a m é r i c a ,
u m a estrutura piramidal no centro financeiro de S ã o Fran-
cisco, esperando um elevador que me levaria a um c o m p r o -
m i s s o . A altura do p r é d i o tornava os elevadores lentos. Tais
m o m e n t o s dão às pessoas a oportunidade de estar consigo
mesmas. Naquele breve instante, pensei em Ahiro e no
quanto sentia falta de nossas conversas. L e m b r e i - m e de u m a
das extraordinárias facetas q u e descobri nele e que h o m e m
encantador ele fora.
Enfim, u m dos elevadores chegou. E s t a v a vazio. Então,
c o m a l e m b r a n ç a repleta de i m a g e n s desse relacionamento,
eu entrei. As portas se fecharam e o elevador m o v e u - s e de
forma tão abrupta q u e quase p e r d i o equilíbrio. O l h e i p a r a
o c h ã o a fim de recuperar o apoio d o s pés e, no piso do ele-
vador, havia u m a única e perfeita p e n a branca.
E m m i n h a m e n t e , e u continuava m i n h a s discussões c o m
A h i r o . C o m o s e m p r e , ele apresentou a solução de m a n e i r a
i n e s p e r a d a , e c e r t a m e n t e a p r o f u n d o u o n í v e l do d i á l o g o .
A i n d a n ã o sei se há vida após a m o r t e , m a s talvez n ã o seja
essa a questão.
O importante é q u e o Mistério acontece e n o s oferece a
o p o r t u n i d a d e de p e n s a r juntos e reivindicar u m a s e n s a ç ã o
de arrebatamento e vida. As penas que caem em nossas
v i d a s n ã o oferecem p r o v a s ou certezas. Elas apenas n o s l e m -
b r a m q u e d e v e m o s ficar atentos e escutar, p o r q u e o m i s t é -
rio do c o r a ç ã o da vida p o d e lhe falar a qualquer h o r a .
31
Ser u m a Pena
Mark Nepo
32
A Pena como "Alimento
para o Pensamento
Carole Louie
33
a p e n a era um aporte — u m a manifestação física do m u n d o
espiritual, transportada p o r forças angelicais. T e n d i a con-
cordar c o m ela, já que n ã o tinha outra explicação para o fato
de tê-la encontrado dentro do freezer.
D e p o i s de receber todas as m e n s a g e n s , concluí que a p e n a
viera me dizer que o a m o r estava a c a m i n h o e que u m a parte
de m i m estivera m u i t o t e m p o " c o n g e l a d a " , e que agora era
h o r a d e "derretê-la". A o curar a q u e l a parte c o n g e l a d a d e
m i m , m a i s a m o r entraria e m m i n h a vida.
C o m p r e e n d i a m e n s a g e m e concentrei-me em m i n h a cura.
P o u c o t e m p o depois, c o n h e c i u m h o m e m que m e propor-
c i o n o u mais a m o r do q u e eu j a m a i s recebi! A pena c h a m o u
m i n h a atenção a fim de q u e eu me preparasse para apren-
der, e o a m o r foi o professor.
34
Meditação
LOCAIS ONDE ENCONTRAR PENAS
• Na rodovia
• Atrás de latas de lixo
• Em quintais (e jardins também!)
• Em acampamentos (até em seu saco de dormir!)
• Em apanhadores de sonhos
• Em sonhos
• Em elevadores
• Nas flores
• Nas caixas do correio
• Em prédios de escritórios
• No campo
• Em parques ou playgrounds
• Em sua geladeira ou freezer
• Nos legumes
• Na mata
• No zoológico
• Nas praias
• Nas estradas
• No capo de seu carro (olhe também dentro do carro)
• Numa trilha da montanha
• Nas ruas
• Sob os faróis
• Sob árvores e arbustos
35
Dançaremos Novament
Janet Curmingham
37
Canção Indígena A m e r i c a n
Autor Desconhecido
38
O Presente da Águia
Josie Asa de Corvo
E n q u a n t o m o r a v a n o Arizona, e u p a s s a v a incontáveis h o -
ras v a g a n d o pelas dunas coloridas do Deserto Pintado e pe-
las p l a n í c i e s de Dinetah (terra n a v a j o ) . F o i d u r a n t e u m a
dessas c a m i n h a d a s q u e encontrei u m a linda asa de corvo,
tal qual u m a afirmação ao n o m e q u e eu adotara.
Inspirada pela riqueza de m a r a v i l h a s e poderosas paisa-
g e n s do A r i z o n a , c o m e c e i a c o n v i d a r pessoas de todas as
partes d o m u n d o p a r a conhecer retiros d e u m a s e m a n a das
Visões do Deserto. Levei-as a alguns desses locais p o d e r o -
sos, conduzi cerimônias e deixei os participantes se b a n h a r
na energia sutil do deserto. Lá, experienciaram curas, visões,
m o m e n t o s milagrosos de revelação e presságios, e um pro-
fundo a g r a d e c i m e n t o ao poder da M ã e Terra.
Ao final de um recente retiro das V i s õ e s do Deserto, n u m a
noite cristalina, n ó s n o s sentamos ao redor da fogueira c o m
u m a m u l h e r Dineh (navajo), que me auxiliou durante mui-
tos anos, e e s c u t a m o s sua história. E l a é neta de u m a res-
peitável feiticeira que a criou e q u e está lentamente prepa-
rando-se p a r a deixar este m u n d o , u m fato que entristece
m i n h a amiga. Ela c o n t o u u m a série d e eventos ocorridos e m
sua vida — um p e r í o d o tumultuado e, às vezes, assustador
que c o m p ô s a j o r n a d a x a m â n i c a de seu espírito.
Q u a n d o terminou a fascinante história, ela se virou para
m i m , c o m seus o l h o s negros e brilhantes, e declarou que,
devido a tudo que passara durante seu período de iniciação,
39
ela agora se havia tornado u m a "duas águias". M a i s que isso,
a primeira "duas águias". Ela, então, adentrou a noite, en-
quanto permaneci perto da fogueira, tentando assimilar aque-
la declaração e discernir o que significava. S e m respostas, fitei
o céu estrelado, ponderei acerca dos mistérios do Espírito e
de minhas iniciações xamânicas igualmente intensas, e, en-
fim, eu me recolhi ao conforto de m e u saco de dormir.
D e p o i s que o retiro terminou, c o m e c e i a v i a g e m de volta
a m i n h a casa, p a r a n d o aqui e ali para usufruir de alguns
dos magníficos parques, o s quais n ã o h a v i a visitado. U m
deles era o M o n u m e n t o Nacional dos Arcos, em Utah, um
g r a n d e playground o n d e antigos gigantes t i n h a m f o r m a d o
n u m e r o s o s arcos de pedra maciça durante suas brincadeiras.
Era um dia quente e ensolarado. O calor intenso origina-
va gotas de suor por m e u corpo, à m e d i d a que eu subia a
trilha q u e levava a o A r c o D e l i c a d o . F i n a l m e n t e , a p ó s m e
perguntar quantas h o r a s m a i s o trajeto duraria, eu contor-
nei a trilha e lá estava ele!
O A r c o D e l i c a d o se erguia na e x t r e m i d a d e de um gigan-
tesco anfiteatro de pedra. P a r a além do arco, havia um pre-
cipício de c e n t e n a s de m e t r o s e m o n t a n h a s , cujos c u m e s
e s t a v a m cobertos de neve, sussurrando seus segredos atra-
vés da distância. V e n c i m e u m e d o de alturas e contornei,
c u i d a d o s a m e n t e , a extremidade do arco. Passei pela multi-
dão de turistas c o m suas c â m e r a s e c h e g u e i ao centro do
A r c o Delicado.
Fiquei ali p o r certo tempo, a b s o r v e n d o o p o d e r evidente
do lugar. Então, sentei-me para c o n t e m p l a r a fantástica b e -
leza da vista. M e u coração e espírito se regozijaram. Eu que-
ria apenas me levantar e cantar m e u encantamento por aque-
la m a r a v i l h o s a criação. Hesitei; havia tantas pessoas ao re-
dor que n ã o conseguia obter coragem.
M a s o Espírito tinha outros planos. M o m e n t o s depois, um
corvo surgiu do n a d a e v o o u tão perto que consegui escu-
40
tar o roçar das p e n a s ao vento. Ele me c h a m o u de tal forma
que me vi i m p e l i d a a entoar as c a n ç õ e s sagradas das tradi-
ç õ e s n a t i v a s d a q u e l a terra. C o m o e u p o d e r i a n e g a r m e u
nome?
L e v a n t e i - m e e c a m i n h e i até o centro do arco. E n c h i m e u s
p u l m õ e s e c o m e c e i a cantar do c o r a ç ã o , da barriga, das en-
tranhas, do espírito. M i n h a v o z e c o o u pelos desfiladeiros e
m i n h a alegria p o r estar viva e presente n a q u e l e lugar m a g -
nífico e x p l o d i u e m s o n o r i d a d e . T o d a s a s e x p e r i ê n c i a s d o
ú l t i m o retiro e s t a v a m lá t a m b é m : os rostos b r i l h a n t e s do
grupo após a s u a d a cerimônia, os olhos repletos de misté-
rio, o uivo dos coiotes nas profundezas da noite. T u d o isso
e m u i t o m a i s fluíam de dentro de m i m e extravasava c o m o
u m a c o m e m o r a ç ã o d o Espírito.
Depois de cantar quatro vezes a canção — quatro é um
n ú m e r o de equilíbrio e h a r m o n i a —, saí do centro do arco,
n o t a n d o que m u i t o s turistas t i n h a m estado quietos e i m ó -
veis durante a c a n ç ã o . Peguei m i n h a garrafa de água, des-
pejei um p o u c o do líquido na lateral do arco c o m o oferen-
da e entoei u m a oração silenciosa a fim de que s e m p r e hou-
vesse água p a r a o p o v o , as criaturas e as plantas.
Cerca de trinta s e g u n d o s após despejar a água, p e q u e n a s
gotas de c h u v a c o m e ç a r a m a cair do c é u azul e límpido! A
c h u v a leve e refrescante c o n t i n u o u a me molhar, e n q u a n t o
eu descia a m o n t a n h a . Q u a n d o c h e g u e i a m e u c a r r o , ela
parou, e m a i s u m a v e z agradeci a b ê n ç ã o e a forma c o m o
esta tornou m i n h a c a m i n h a d a tão prazerosa.
Q u a n d o voltei à rodovia para prosseguir minha viagem,
as primeiras cores do entardecer p i n t a v a m as rochas de am-
bos os lados da estrada. Sentia-me aquecida por aquelas co-
res e pelo amor por aquela terra, à medida que dirigia.
De repente, m i n h a atenção voltou-se para a lateral da ro-
dovia, o n d e avistei, de relance, algo se debatendo. Parte de
41
m i m s o u b e i m e d i a t a m e n t e o que era, e a outra parte n ã o
p o d i a acreditar. Parei no a c o s t a m e n t o e voltei até o local.
Q u a n d o cheguei, abri a porta do carro e, c o m o coração em
disparada, aproximei-me.
Ela estava lá, c o m suas p e n a s m o v e n d o - s e à brisa da tar-
de. E r a u m a águia j o v e m , q u e p a r e c i a ter finalizado s e u
último v ô o . No m e s m o instante, eu s o u b e o que acontecera
— vi a i m a g e m claramente em m i n h a m e n t e . Ela devia es-
tar c a ç a n d o e, q u a n d o a t r a v e s s o u a r o d o v i a atrás de s u a
presa, t r o m b o u n u m c a m i n h ã o que p a s s a v a e caiu na terra.
E r a u m a n i m a l j o v e m e , l o g o , n ã o s o u b e r a desviar-se d o
tráfego. Trazida do céu c o m o a chuva repentina, a águia jazia
a m e u s pés.
Ofereci tabaco e u m a breve cerimônia para a jornada do
espírito da águia. Então, s a b e n d o q u e n ã o poderia deixar
aquele corpo à m e r c ê dos veículos e dos abutres, eu o tomei
n o s braços. P o r um m o m e n t o , a águia era c o m o u m a crian-
ça que o céu me enviara para cuidar.
T ã o logo a a c o m o d e i no b a n c o traseiro do carro, c o m e c e i
a dirigir e a rezar p e d i n d o ajuda para saber o que deveria
fazer c o m a águia. O espírito dela era u m a presença tangí-
vel atrás de m i m . Cantei para ele e h o m e n a g e e i seu caráter
c a ç a d o r e sua força, c h o r a n d o e s e n t i n d o - m e capturada p e l o
seu poder.
T o r n o u - s e claro o que deveria ser feito. Vi seus olhos n e -
gros e brilhantes e escutei sua voz me d i z e n d o que ela era
"duas águias". Retornei à terra navajo e a entreguei à pri-
m e i r a "duas á g u i a s " c o m o um presente à neta da feiticeira,
a sua avó, por t u d o q u e ela transmitiu, e ao Dineh, o P o v o .
42
Uma Pena com um Coração
Reverendo Fern Moreland
43
M a i s tarde, c o m p a r e c i a um e n c o n t r o da S o c i e d a d e de
P e s q u i s a Psíquica. D e p o i s d o e v e n t o , u m h o m e m a p r o x i -
m o u - s e de m e u carro, a p o n t o u a p e n a e p e r g u n t o u - m e o n d e
eu a encontrara. Relatei m i n h a experiência. Ele me olhou,
cético. Q u a n d o l h e p e r g u n t e i q u e m ele era, disse-me s e u
n o m e e me falou que era um ornitólogo.
— Essa p e n a de andorinha-do-mar só p o d e ter v i n d o da
região de Salt L a k e — ele explicou.
— V e r d a d e ? — repliquei.
— V e r d a d e — ele repetiu.
N a q u e l e m o m e n t o , eu b a n q u e i o cético. M a s a p e n a era
real, b r a n c a e linda. Q u e m a enviara até m i m ? A resposta
surgiu p o u c o t e m p o depois, quando, pela primeira v e z , u m
espírito guia falou c o m i g o , n u m a v o z m a s c u l i n a e profun-
da, identificando-se c o m o u m a v o z profética. Eu o batizei
de o G r a n d e P e n a Branca.
A p r i m e i r a v e z em que escutei a v o z em m i n h a m e n t e ,
pensei: "Fern, v o c ê d e v e estar l o u c o " .
— N ã o , Fern, v o c ê n ã o está louco — a v o z me assegurou.
D e s d e esse dia, t e n h o e s c u t a d o a v o z do G r a n d e P e n a
B r a n c a e a r e c o n h e ç o c o m o um c o n d u t o r para D e u s , ou o
T o d o - P o d e r o s o , ou qualquer t e r m o q u e v o c ê prefira.
O G r a n d e P e n a B r a n c a t e m senso de h u m o r . Um e x e m -
plo de u m a de suas brincadeiras a c o n t e c e u q u a n d o eu de-
volvia u m livro n a biblioteca. N a q u e l a é p o c a , e u tinha u m a
p e r u a T o y o t a e u s a v a o b a n c o traseiro p a r a guardar m a p a s ,
u m guarda-chuva o u qualquer coisa d e q u e precisasse. Fui
à b i b l i o t e c a , d e p o s i t e i o livro no b a l c ã o e voltei à p e r u a .
Q u a n d o m e a p r o x i m e i d o veículo, notei q u e tudo que esta-
va sobre o b a n c o h a v i a sido j o g a d o no chão.
Q u e m teria feito a q u i l o ? Eu s e m p r e t r a n c a v a o c a r r o e
aquele dia n ã o foi u m a e x c e ç ã o . U m a p o r u m a , verifiquei
as portas, e todas e s t a v a m trancadas. Irritado e intrigado,
44
destranquei a porta e coloquei tudo no b a n c o traseiro. A s -
sim que terminei, algo atraiu m i n h a atenção para o console
entre os dois b a n c o s dianteiros. Lá, h a v i a u m a pena, a qual,
m a i s tarde, identifiquei c o m o s e n d o de codorna.
A s cores d a p e n a e r a m a s m i n h a s favoritas: v e r m e l h o ,
ferrugem, m a r r o m e preto. Sua p o n t a possuía o formato de
um coração. C o m e c e i a chorar. U m a das maiores m e n s a g e n s
do G r a n d e P e n a B r a n c a era o aporte de vários tipos de c o -
rações: b o t õ e s em forma de coração, penas, b ó t o n s , folhas
j o g a d a s n a calçada e m que e u c a m i n h a v a .
Quando nos encontramos em sintonia c o m o Espírito,
p r o g r e d i m o s rapidamente. N ã o duvido que falo c o m D e u s
e que D e u s fala c o m i g o p o r m e i o das penas e de m e u espí-
rito guia. N ã o seria D e u s o espírito residente em todas as
coisas vivas? T o d a vez que u m a p e n a aparece e m m e u ca-
m i n h o , é D e u s dizendo:
— Fern, acredite no coração. T u d o vai dar certo.
45
Peça e lhe Será Dado
Victoria Rose Impallomeni
46
n a q u e l e dia e m p a r t i c u l a r m e senti a b e n ç o a d a p e l o q u e
aconteceu.
D u a s freiras católicas h a v i a m m a r c a d o u m passeio c o m i -
go. E r a m a m a n t e s da n a t u r e z a e e s t a v a m a n i m a d a s p a r a
passar um dia na água, v e n d o de perto o que só h a v i a m visto
em livros. I m a g i n e i o que elas p e n s a r i a m de m i n h a s cren-
ças espirituais, as quais e r a m mais sintonizadas às divas da
terra e à natureza q u e a qualquer outra religião formal.
A s s i m que d e i x a m o s o porto, levei-as à primeira parada,
u m a p e q u e n a colônia q u e serve de poleiro a magníficas fra-
gatas q u e p a s s e i a m na área. O n o m e desses pássaros se deve
ao fato de que n a v e g a m c o m o as velhas fragatas. V o c ê p o d e
vê-los v o a n d o e m locais quentes, m a s n ã o o s v ê p o u s a r c o m
m u i t a freqüência. As fragatas estariam m o r t a s se estivessem
na água, p o r q u e p r e c i s a m do vento sob suas asas para de-
colar. Elas p l a n a m durante o v ô o ; portanto, t ê m de p e r m a -
necer no ar.
N ó s n o s a p r o x i m a m o s da ilha. E r a o auge da é p o c a de
a c a s a l a m e n t o . D i r e c i o n e i o b a r c o a c i m a da c o r r e n t e e do
v e n t o , e desliguei o m o t o r para que p u d é s s e m o s n a v e g a r
pela ilha em paz. Coloquei u m a música linda — valsas
vienenses, p o r q u e esses pássaros p a r e c e m valsar no ar.
As fêmeas, de peito b r a n c o e c a b e ç a preta, e s t i c a v a m o
p e s c o ç o e m direção a o vento. O s m a c h o s , totalmente pre-
tos, exceto pela p a p a d a v e r m e l h a que inflam para atrair as
fêmeas, b r i g a v a m para estar perto delas. Q u a n d o as fraga-
tas-machos alçaram v ô o , elas n o s presentearam c o m u m balé
intricado. O cortejo foi sensual e erótico, algo difícil de re-
parar a m e n o s que v o c ê p e r m a n e ç a quieto e observando.
E n c a n t a d a s , a s s i s t i m o s à cena até que p e r c e b i que n o s
a p r o x i m á v a m o s d e m a i s da ilha. Relutante, liguei o m o t o r
para afastar o barco. O barulho assustou várias fragatas e
elas v o a r a m b e m a c i m a d e nós.
47
Olhei para c i m a e disse:
— S e a l g u m a d e v o c ê s t e m u m a p e n a p a r a m e dar, e u
ficaria agradecida.
U m a fragata d e s c e u , p u x o u u m a e n o r m e p e n a p r e t a e
soltou-a. Boquiabertas, v i m o s a p e n a rodopiar no ar e cair
no barco. As freiras ficaram atônitas.
Em silêncio, agradeci à fragata. Era c o m o se u m a m a g i a
r e a l e s t i v e s s e a c o n t e c e n d o . P e r g u n t e i - m e c o m o a s freiras
interpretariam aquele evento. N ã o levei m u i t o t e m p o para
descobrir.
— Foi c o m o se o Criador entendesse sua m e n s a g e m por
m e i o do pássaro — disse u m a delas, e a outra assentiu, con-
cordando.
Tal explicação c h e g o u m u i t o perto da minha.
48
Ritual
MANIFESTAÇÃO DAS PENAS
49
Um Presente Especial
Penny Wigglesworth
50
a cada minuto. C o m p a r e c i a às oficinas três v e z e s por s e m a -
na, o n d e c o s t u r á v a m o s b o n é s e blusas para os ursinhos e
púnhamos moedas com a mensagem " E m Deus Nós Con-
f i a m o s " n o s bolsos dos ursinhos. N o s s o objetivo era encon-
trar lares para os ursos em hospitais infantis e abrigos para
doentes em toda a nação.
Seth não mais se achava deprimido ou isolado. Havia
encontrado u m n o v o significado para sua vida. H a v i a des-
coberto um m o t i v o para viver e c o m e ç o u a ganhar peso. N ó s
o e l e g e m o s vice-presidente da n o v a e m p r e s a e, logo depois,
ele entrou na lista para transplantes de p u l m ã o . T o d o s n ó s
tínhamos esperança de que ele se recuperaria.
No entanto, p o u c o após seu d é c i m o sétimo aniversário,
Seth c o m e ç o u a enfraquecer. Foi internado no hospital. M e u
lindo e corajoso a m i g o d e i x o u esta vida, gentilmente ani-
n h a d o n o s braços d a m ã e .
Ela me telefonou para contar a triste notícia. Q u a n d o saí
de casa naquela m a n h ã , olhei para b a i x o e avistei, caída no
chão, a m a i s linda pena. N u n c a tinha visto u m a p e n a da-
quele tipo e, no m e s m o instante, eu soube que era um pre-
sente de Seth. As lágrimas r o l a v a m q u a n d o peguei a pena,
pois esta me lembraria para s e m p r e d a q u e l a alma preciosa
que eu tanto a m a v a .
No dia seguinte, sua m ã e veio a m i n h a casa. C a m i n h a -
m o s pelo jardim, partilhando histórias sobre Seth e a m a r a -
vilhosa contribuição que ele realizara n o s últimos m e s e s de
sua vida. Contei-lhe s o b r e a pena. E n q u a n t o a n d á v a m o s ,
o l h a m o s para b a i x o e v i m o s outra pena — igual à que eu
encontrara no dia anterior, m a s m e n o r . N ó s n o s entreolha-
m o s e sorrimos. Seth oferecia outro presente, dessa v e z à
m ã e . N u n c a tinha visto aquele tipo de pena, e jamais vi outra
semelhante.
51
C i n c o anos depois, m i n h a p e n a ainda se encontra no bolso
do p r i m e i r o ursinho. Ela me l e m b r a Seth e s e u riso, cora-
g e m , a m o r e alegria. Seth s e m p r e estará em n o s s o s corações,
g u i a n d o - n o s e n o s e n v i a n d o s e u a m o r p o r m e i o d o s ursi-
n h o s que distribuirmos.
52
Siga as Penas
Carolyn Elizabeth
53
m a t a c o m o seu santuário particular. A floresta representa-
va um solo sagrado e me senti compelida a entrar.
L o g o descobri que as trilhas n ã o e r a m tão d e m a r c a d a s
quanto as das outras florestas que conheci. Ao explorar o
território d e s c o n h e c i d o , v a g u e i p e l o e s p a ç o v e r d e j a n t e e
apreciei o silêncio e a solidão daquele belo santuário, per-
d e n d o a n o ç ã o de t e m p o e direção.
F i n a l m e n t e , percebi q u e era hora de voltar, caso contrá-
rio eu p e r d e r i a o darshan. O l h e i ao r e d o r e n ã o c o n s e g u i
encontrar a trilha pela qual eu passara. P r e o c u p a d a , escolhi
u m a direção que n ã o d e u e m lugar n e n h u m . Optei por ou-
tra, e outra, todas em v ã o .
Entrei e m pânico!
M i n h a p r e o c u p a ç ã o transformou-se e m m e d o irracional:
e u m e perderia n a e s c u r i d ã o para s e m p r e . N ã o sabia q u e
c a m i n h o t o m a r . P o r fim, p a r e i de p r o c u r a r e sentei n u m
tronco de árvore. L á g r i m a s c o m e ç a r a m a rolar em m e u ros-
to. Estava c o m frio, a p a v o r a d a e sozinha. N ã o sabia o q u e
fazer. Fechei os olhos e rezei por ajuda.
Em seguida, senti o calor do sol em m e u corpo. A a t m o s -
fera era encantada e u m a natureza mística se revelou. A luz
p e n e t r a v a entre as árvores e u m a p o d e r o s a sensação de es-
p e r a n ç a me invadiu. Olhei para baixo e avistei u m a p e n a a
m e u s pés. A o pegá-la, achei q u e devia caminhar.
A luz me direcionava e n q u a n t o as p e n a s c o n t i n u a v a m a
aparecer no solo para encorajar m e u trajeto. C a d a v e z que
eu c h e g a v a a u m a bifurcação, u m a p e n a surgia para me in-
dicar a escolha certa. O q u e era u m a terrível experiência tor-
nou-se u m a divertida exploração. E u m e sentia c o m o J o ã o
e M a r i a à procura do c a m i n h o de casa.
U m a por u m a , sete p e n a s me g u i a r a m para fora da flo-
resta. C a d a u m a delas tinha sua própria b e l e z a e particula-
54
ridade e a p o n t a v a o c a m i n h o de u m a forma inconfundível.
No áarshan daquela noite, eu sabia que já havia recebido a
graça de D e u s no m e i o das árvores.
Voltei para casa c o m aquelas sete p e n a s lindas. Elas con-
t i n u a m a me l e m b r a r da Presença e das oferendas que p o -
d e m ser encontradas, se eu estiver aberta para recebê-las.
55
Meu Nome Era
Falcão Asa Dourada
Orazio J. Salati
56
kJ
C o m o um artista nesta vida, em c a d a tela que p i n t o há a
i m a g e m de u m a pena. Ela é tão i m p o r t a n t e quanto m i n h a
assinatura. É m i n h a l i g a ç ã o c o m F a l c ã o A s a D o u r a d a —
m i n h a l e m b r a n ç a pessoal de que as p e n a s n ã o são apenas
b e l e z a s , m a s t ê m o p o d e r de falar a t r a v é s do t e m p o , do
e s p a ç o e dos presentes de outros.
57
r-
Alma de Pena
Jeanne Scoville
58
M e u coração aceitou e continuei a me aproximar. E s c u -
tei: " P r o s s i g a p o r m a i s n o v e m e t r o s " , e n t ã o , " m a i s t r ê s
m e t r o s " , até que me vi a quatro m e t r o s do falcão e do coe-
lho. C o m p r e e n d i q u e h a v i a um a c o r d o entre eles acerca do
q u e acontecia. Entrei n u m estado alterado de consciência e
encarei o s olhos d o falcão por u m t e m p o que m e p a r e c e u
u m a eternidade.
Senti o p o d e r profundo e majestoso do falcão fluir atra-
v é s de m i m . E n t ã o , escutei: " D e v e ir agora. Q u a n d o se apro-
x i m a r d a trilha, h a v e r á u m presente m e u para v o c ê " .
Eu r e s p e i t o s a m e n t e me virei e atravessei a clareira. Ao
final, olhei p a r a b a i x o e e n c o n t r e i três p e n a s do falcão a
m e u s pés.
" S ã o m e u s presentes para v o c ê " , ouvi. "Ofereça u m a das
p e n a s aos espíritos ancestrais deste lugar, outra a seu c o m -
p a n h e i r o e a ú l t i m a p a r a você. A g o r a vá!"
Honrei o pedido e passei o resto do dia em total beatitude.
M i n h a p e n a d e falcão agora p e r m a n e c e n o altar e m m e u
quarto. É u m a l e m b r a n ç a das b ê n ç ã o s e e n s i n a m e n t o s q u e
recebi de m e u i r m ã o falcão. S e u v a l o r n ã o t e m preço; é o
tesouro mais s a g r a d o e um lembrete do G r a n d e Mistério de
toda a Criação.
59
Galgando as Penas
Maril Crabtree
ou de dedos alados
roçando pensamentos
enquanto passam.
60
1L J
Uma Mensagem do Pena Branca
Debra Hooper
Vários a n o s atrás, u n s a m i g o s e eu c o m p a r e c e m o s a u m
e v e n t o para observar u m a artista p a r a n o r m a l d e m o n s t r a r
seu trabalho, o qual e n v o l v i a desenhar q u a d r o s de seres do
m u n d o espiritual. Ela era capaz de "ver ao r e d o r " de seus
temas. Havia cerca de sessenta pessoas e M a r i e selecionou
quatro ou cinco c o m as quais ela gostaria de se conectar.
Por sorte, fui u m a das escolhidas.
Ela h a v i a d e s e n h a d o alguns retratos de parentes já fale-
cidos q u a n d o olhou para m i m e disse:
— Há um g u i a c o m v o c ê . Ele é m o r e n o e t e m c a b e l o s
compridos... p o d e ser um chinês!
M a r i e c o m e ç o u a r a s c u n h a r em tons pastel o h o m e m q u e
d e s c r e v e r a e, m i n u t o s d e p o i s , e n t r e g o u o d e s e n h o a m i m .
L e m b r o - m e d e ter p e n s a d o : " E l e n ã o s e p a r e c e c o m u m
chinês!". N a q u e l a é p o c a , e u iniciava m i n h a j o r n a d a espi-
ritual e n ã o fazia idéia do que e r a m guias e p a r a que ser-
v i a m . L e v e i o d e s e n h o p a r a casa, g u a r d e i - o n u m a g a v e t a
e o esqueci.
Três anos se p a s s a r a m . C o m e c e i a participar de um gru-
po espiritual de amigos. Enquanto explorávamos novas
p e r c e p ç õ e s de n o s s a j o r n a d a , o t e m a d o s guias surgiu. T e n -
tei me conectar c o m m e u guia espiritual; e m b o r a o sentisse
a m e u redor, tive dificuldades de obter s e u n o m e .
Ao l o n g o dos m e s e s , u m a i m a g e m c o m e ç o u a surgir, e
tive certeza de que possuía um guia indígena. Eu o vi clara-
61
mente, e, em seguida, vários m e m b r o s do grupo t a m b é m o
viram, mas cada vez que perguntava seu nome, nada se
revelava. E r a m u i t o frustrante.
Um ano depois, penas brancas c o m e ç a r a m a aparecer onde
quer que eu estivesse. F l u t u a v a m em direção a m e u carro
quando eu dirigia. Eu as achava à porta de casa, no jardim,
na garagem. N ã o sabia o que fazer c o m aquela invasão de
penas até que n u m a noite, enquanto eu meditava, a i m a g e m
nítida de um livro aberto apareceu diante de m i m e sobre a
página flutuava (você entendeu!) u m a p e n a branca.
N o dia seguinte, n ã o sei p o r q u e m i n h a m e n t e a p a g o u o s
detalhes, m a s me l e m b r e i de que a p e n a h a v i a escrito no
livro o n o m e de m e u guia. A n u n c i e i o fato ao grupo, e eles
me p e d i r a m p a r a descrevê-lo. Tentei a duras p e n a s fazê-lo,
q u a n d o , de repente, l e m b r e i - m e do d e s e n h o . Corri à gave-
ta, o n d e eu o g u a r d a r a a n o s atrás. E m b o r a o retrato fosse a
óleo e tivesse ficado no fundo da gaveta, ainda continuava
perfeito em todos os sentidos — n e n h u m a dobra n e m m a r -
cas a m a r e l a d a s . E u n ã o p o d i a esperar m e l h o r s e m e l h a n ç a
c o m o h o m e m que eu tentava descrever.
A confirmação de s e u n o m e veio m a i s tarde, q u a n d o fo-
m o s conhecer outra artista paranormal e sua amiga. Esta pra-
ticava psicografia. Ela me disse que h a v i a um índio ameri-
c a n o c o m i g o e que ele u s a v a u m a única p e n a b r a n c a em sua
touca. E n t r o u em profundo estado meditativo e c o m e ç o u a
psicografar. A i n d a tenho o papel. Ele diz: " S o u o P e n a B r a n -
ca. A m o v o c ê " .
D e s d e então, t e n h o várias conversas c o m o P e n a Branca.
Ele é a p e s s o a que cuida de m i m ; trabalha m u i t o c o m i g o .
Eu t a m b é m o r e c e b o de t e m p o s em t e m p o s , e ele oferece
e n s i n a m e n t o s m a r a v i l h o s o s e fundamentais a todos nós.
A g o r a , toda v e z que u m a p e n a b r a n c a surge a m i n h a fren-
te, sorrio e digo " o l á " .
62
Meditação
ATRAINDO A ENERGIA DA PENA
63
grude uma pena na tampa de uma caixa de presente; assim,
quando a tampa for aberta, a pena será a primeira coisa que a
pessoa verá. Se pretende dar um livro de presente, uma pena
pode ser um ótimo marcador de páginas. Carregue uma pena
com você como um presente inesperado para alguém que você
venha a encontrar durante o dia e que possa precisar de ener-
gia extra.
• Ficando atento a outras possibilidades de penas. Uma mulher tem a
figura de uma pena impressa em seus cartões de visitas, por-
que ela queria algo que transmitisse uma imagem positiva às
pessoas.
"Invariavelmente", ela diz, "as pessoas me perguntam o que
significa a pena. Não tenho uma resposta pronta. Uso minha
intuição para responder o que cada pessoa precisa ouvir acerca
daquela pena. Com freqüência, a conversa acaba tendendo para
um nível mais profundo.
64
Canção da Pena
Kenneth Ray Stubbs
N a D a n ç a d o S o l i n d í g e n a , o t a m b o r s e m p r e representa
um papel importante em cena. Várias pessoas o tocam,
c a n t a n d o j u n t a s , e n q u a n t o b a t u c a m o r i t m o de c a n ç õ e s an-
tigas. O t a m b o r é o c a t a l i s a d o r da d a n ç a , oferece u m a b a -
tida específica e e n e r g é t i c a p a r a q u e os d a n ç a r i n o s e r g a m
as p e r n a s m a i s alto a fim de se fundirem ao c e r v o , ao b ú -
falo, à águia.
D u r a n t e u m a recente D a n ç a do Sol, observei a dança pros-
seguir, canção após c a n ç ã o , canto após canto, a cadência do
t a m b o r l e v a n d o - m e a um estado de transe. De repente, o
t a m b o r ficou em silêncio. Eu me vi e s c u t a n d o o vento em
vez das batidas ritmadas.
N a q u e l e silêncio, vi u m a p e n a a m a r r a d a a um dos pos-
tes, g i r a n d o , flutuando, d a n ç a n d o c o m o v e n t o . Escutei a
batida da p e n a — tão quieta c o m p a r a d a ao t a m b o r e, no en-
tanto, c a r r e g a n d o sua p o d e r o s a m e n s a g e m , as energias, e
c a n t a n d o a canção do v e n t o . M i n h a m e n t e retornou à é p o -
ca em q u e eu via falcões suspensos entre as n u v e n s , c o m -
p l e t a m e n t e imóveis, exceto pelas p o u c a s p e n a s que dança-
vam ao vento.
N a q u e l e m o m e n t o místico, o b s e r v a n d o a p e n a solitária
flutuando no poste, p u d e sentir a voz do v e n t o falando c o m
a v o z da pena. Senti o p o d e r i m e n s o e infalível dos espíri-
tos dos anciãos fundindo-se ao silêncio e falando por m e i o
da pena.
65
S o u b e , n a q u e l e instante, p o r que m e fizera a p r e n d i z d e
um x a m ã C h e r o k e e p a r a a p r e n d e r a alinhar a " d o c e feitiça-
r i a " a seus e n s i n a m e n t o s . S e u p o d e r v a s t o t r a n s c e n d e as
eras, tal qual a p e n a e o v e n t o r e v e l a m m e n s a g e n s angelicais
— u m a m e n s a g e m eterna a t o d o aquele que a escutar.
66
Aprendendo com os Corvos
Greg Eric "Saltador" Hultman
67
v e r n o s mais rigorosos, os corvos m a n t i n h a m - s e fiéis à pró-
pria existência entre o que restava de vegetação de um par-
q u e e s c o l a r e m frente a n o s s a casa. O s c o r v o s m o r a v a m
n u m a meia dúzia de árvores que alguém plantara, anos
atrás, para o benefício das crianças.
O s corvos d o p a r q u e t i n h a m u m a vida b o a . V a s c u l h a v a m
os sacos de lixo nas ruas à procura de restos de comida. M a s ,
de a l g u m a forma, aqueles corvos me irritavam. Havia lido
em a l g u m lugar q u e eles às v e z e s se a l i m e n t a v a m de filho-
tes de pássaros em extinção. Eu m o r a v a no subúrbio e s e m -
pre explorava os c a m p o s e pradarias ao redor. Cresci conhe-
c e n d o c a l h a n d r a s , a z u l õ e s e outros h a b i t a n t e s de e s p a ç o
aberto. Para m i m , tais pássaros p o s s u í a m um pedigree m a i s
valioso que o dos famigerados corvos.
No entanto, eu escutava os corvos... s o m e n t e os corvos...
q u a n d o acordava a cada m a n h ã .
— Malditos corvos — eu r e s m u n g a v a em v o z baixa, te-
m e n d o q u e m i n h a m ã e p u d e s s e escutar. L e v a n t a v a - m e e
olhava para o parque. Lá e s t a v a m eles, tão pretos q u a n t o
carvão, pavoneando-se, v o a n d o , b a t e n d o as asas, empolei-
rando-se, b r i g a n d o e, às vezes, gritando.
Eu me arrumava para ir à escola. Saía... e à porta e n c o n -
trava outra pena. E s e m p r e as achava p r a t i c a m e n t e no m e s -
m o lugar.
Para piorar, os pássaros adquiriram u m a nova mania,
c o m o s e q u i s e s s e m m e provocar. A p ó s dois anos, c o m e c e i
a freqüentar o colegial. Eles me s e g u i a m até a escola. Eu
c a m i n h a v a cerca d e u m q u i l ô m e t r o e m e i o por u m a rota
c o m p l i c a d a devido às n u m e r o s a s ruas curvas.
Em princípio, n ã o notei; m a s , c o m o passar das semanas,
percebi que o s c o r v o s N Ã O e r a m o s m e s m o s pássaros que
v i v i a m n a q u e l a s ruas que eu percorria a c a m i n h o da esco-
68
la. Aqueles e r a m os corvos estridentes que me a c o r d a v a m
todas as m a n h ã s .
D e p o i s das férias, q u a n d o voltei à escola para cursar o
segundo colegial, os pássaros continuaram me seguindo
c o m o de hábito. Foi então que percebi que eles a d o r a v a m
caçar grilos ou outro alimento artrópode no c a m p o q u e eu
c o s t u m a v a atravessar.
Eureca! Tinha de ser isso. A respostal Satisfeito, esqueci o
p r o b l e m a das p e n a s e dos c o r v o s . O m i s t é r i o havia sido
solucionado, pensei.
A p ó s os feriados de fim de ano, retornei à escola n u m a
m a n h ã gélida, q u a n d o tudo e m C h i c a g o parecia congelar,
até m e s m o o vento. E n q u a n t o fazia m i n h a travessia mati-
nal, notei que tinha c o m p a n h i a . E m b o r a parecesse estranho,
imaginei que os corvos eram vítimas do próprio hábito.
Q u a n d o o inverno se intensificasse e os recursos alimenta-
res se tornassem m a i s escassos, eu os veria m e n o s , pensei.
Janeiro passou, depois fevereiro e m a r ç o . Os corvos e r a m
incansáveis. Eles d e i x a v a m seus poleiros e me s e g u i a m até
o colégio todas as m a n h ã s .
Procurei m e u professor de biologia, o sr. G e t z m a c h e r , e
contei-lhe o p r o b l e m a . Ele riu e disse q u e n ã o p o d i a ser
verdade.
— O que há c o m v o c ê ? Ficou louco? — ele dissera. Seria
impossível estarem me seguindo e p r o v a v e l m e n t e n ã o e r a m
os m e s m o s corvos.
M i n h a autoconfiança desapareceu. Naquela época, ques-
tionar um professor era raro, e, se v o c ê o fizesse, o resto da
classe seria penalizada. Portanto, deixei de lado a pesquisa
científica.
Eu c o s t u m a v a brincar de vigiar um ou dois pássaros, o
q u e não era difícil já q u e a ausência de folhas por causa do
i n v e r n o me permitia vê-los m o v e r e m - s e de árvore em ár-
69
vore. D o i s deles v o a v a m à frente e p o u s a v a m . O u t r a dupla
vinha atrás de m i m , c o m o guarda-costas. Às vezes, eles
p a r a v a m p a r a petiscar u m arbusto o u espantar a l g u m ou-
tro pássaro intrometido. Certa v e z , a s s u s t a r a m u m a coruja
q u e r e p o u s a v a e m seu galho. A c h o que e s t a v a m b r i n c a n d o
c o m ela, pois sabiam que s e tratava d e u m inimigo mortal
durante a noite.
No início da primavera, m e u melhor a m i g o e eu realiza-
m o s u m a j o r n a d a ritualística a u m a reserva florestal n o s li-
mites da cidade. D u r a n t e s e m a n a s , p l a n e j a m o s aquele p a s -
seio ciclístico, levando b i n ó c u l o s para observar os pássaros,
sanduíches e c â m e r a s fotográficas. Até e m p a c o t a m o s gesso
p a r a registrar o formato de p e g a d a s de animais. E, q u a n d o
p e r c o r r e m o s aqueles d o z e quilômetros, c o n s e g u i m o s final-
m e n t e n o s livrar d o s c o r v o s , p e d a l a n d o m a i s r á p i d o que
eles.
T ã o l o g o c h e g a m o s à floresta, nós n o s s e n t a m o s n u m a
e n o r m e p e d r a e m c a m p o aberto para c o m e r o s sanduíches.
Então, aconteceu. Os corvos vieram. V o a v a m sobre nós,
e n q u a n t o t e n t á v a m o s espantá-los às gargalhadas. T e n t a m o s
fotografar as peripécias dos corvos, m a s , ao revelar o filme,
a s fotos m o s t r a r a m a p e n a s p o n t o s pretos n o c é u cinzento.
M e u ressentimento a u m e n t a v a à m e d i d a q u e o ritual dos
c o r v o s c o n t i n u a v a a o longo d e m e u s anos n o colegial. N o
o u t o n o do ú l t i m o a n o , m i n h a a d o r a d a b i s a v ó m o r r e u . A
b i s a v ó N o r a h a v i a n a s c i d o a o sul d e N e b r a s k a e m 1 8 8 4 .
T i v e r a u m a v i d a l o n g a e interessante. Ela a d o r a v a c o n t a r
histórias familiares e tentara, em vão, encontrar alguém
i n t e r e s s a d o n a l i n h a g e m d a família. E u era o ú n i c o q u e
apreciava ouvi-la. Por c o n s e q ü ê n c i a , ela partilhara i n ú m e -
ras histórias c o m i g o .
Sua filha, m i n h a avó, v o v ó Fran, m o r a v a c o n o s c o na época
e sofria de câncer. L o g o a p ó s o funeral de m i n h a b i s a v ó ,
n u m a m a n h ã , e u t o m a v a o d e s j e j u m c o m v o v ó Fran. F i z
várias perguntas, s a b e n d o que ela, em b r e v e , iria partir tam-
b é m . Perguntei, então, p o r que a bisavó s e m p r e evitara fa-
lar na h e r a n ç a indígena em nosso sangue. N o r a s e m p r e se
referira aos índios a m e r i c a n o s c o m m u i t o respeito, d i z e n d o
que e m m a i s d e u m a ocasião eles t i n h a m salvo sua família
d a fome. C o n h e c e n d o a s histórias familiares c o m o e u c o -
n h e c i a , parecia e s t r a n h o que n ã o h o u v e s s e n e n h u m índio
na família que afirmasse a linhagem.
V o v ó Fran sorriu e, c o m sua v o z m e l o d i o s a , disse:
— M a s havia... — E ela c o m e ç o u a me contar. Fiquei per-
p l e x o ao saber que seu pai, m e u b i s a v ô , fora da n a ç ã o P i m a
e h a v i a sido adotado pelos b r a n c o s . P o r a l g u m m o t i v o , ele
tivera olhos azuis, portanto, p ô d e "passar".
N u n c a tinha o u v i d o falar d o s P i m a . N ã o era material d o s
filmes de H o l l y w o o d , c o m o os S i o u x , os C o m a n c h e s e os
Apaches.
— Q u e m era o p o v o Pima, v o v ó ? — perguntei.
Ela me falou de fazendeiros q u e c u l t i v a v a m algodão, fei-
jão e milho no sudeste, o n d e m e u b i s a v ô nascera. Os P i m a s
h a v i a m sido u m p o v o pacifico, apesar d o que sofreram nas
m ã o s dos b r a n c o s . Ela t a m b é m citou u m a a v ó C h e r o k e e e
outros parentes m a i s afastados.
Fiquei atônito.
— P o r que m i n h a b i s a v ó n u n c a me c o n t o u isso t u d o ? —
perguntei.
— Porque acho que ela não queria que n i n g u é m soubesse.
— M a s p o r quê?
— N ã o sei. M e d o , talvez.
Eu ainda era j o v e m d e m a i s p a r a e n t e n d e r o ódio p e l o s
" í n d i o s " tão d o m i n a n t e entre os b r a n c o s .
A q u e l e foi u m m o m e n t o tão r e l e v a n t e e m m i n h a v i d a
quanto descobrir d e o n d e v ê m o s b e b ê s o u que Papai N o e l
71
n ã o existe. M u i t a s coisas ficaram claras n a q u e l a m a n h ã : a
touca p i n t a d a à m ã o e enfeitada de p e n a s de águia que me
fora d a d a na infância; os incríveis pés chatos que eu tinha.
E n q u a n t o crescia, e u era a b o r d a d o p o r estranhos, criados
p r ó x i m o a reservas, q u e d i z i a m coisas do tipo:
— Ei, tem certeza de que n ã o é índio? V o c ê anda c o m o
um.
E h a v i a a estranha história da família de v o v ó Fran sen-
do expulsa de sua n o v a casa em N e b r a s k a por revoltados.
U m d e m e u s tios lutara n a I I G u e r r a M u n d i a l e m Guadalca¬
nal e fora apelidado de "índio B i l l " . T u d o isso veio à t o n a e
vários detalhes fizeram sentido. M i n h a a v ó faleceu u m m ê s
depois; nós a e n t e r r a m o s na noite de Natal. C h o r e i m u i t o e
p o r um l o n g o t e m p o . Ela era um espírito especial e até hoje
sinto s a u d a d e s dela.
D e p o i s disso, o s corvos n ã o m a i s m e d e i x a r a m penas.
E u logo fui p e g o p e l o r e d e m o i n h o d a v i d a , c o m traba-
lho, esposas e filhos. A p e s a r de eu j a m a i s ter esquecido os
corvos e a conversa c o m m i n h a avó, tais fatos p e r m a n e c e -
r a m guardados n u m canto de minha mente. A n o s atrás, após
u m a séria d o e n ç a , voltei a pensar n a q u e l e s corvos.
Sentado n u m a cabana ao norte das montanhas da
G e ó r g i a , descobri p o r m e i o de um curandeiro que os cor-
vos s a b i a m , antes de m i m , q u e m eu era. Foi q u a n d o apren-
di o significado d o s corvos. M u i t a s tribos indígenas ameri-
canas acreditam que o corvo seja esperto e ardiloso, o que é
v e r d a d e . Á v i d o p o r c o n h e c i m e n t o , o corvo é um animal in-
teligente que v o a até o V a z i o e volta, s e m p r e b u s c a n d o res-
postas p a r a o Mistério da V i d a e da M o r t e .
A q u e l e s corvos d e i x a v a m u m a p e n a p o r dia a fim de que
eu n u n c a me e s q u e c e s s e d o s ancestrais, a v ó s e avôs. P o r
m e i o do c a s a m e n t o entre raças e da assimilação, algo per-
m a n e c e r a diferente no c e r n e de m e u ser. D e s c o b r i q u e o
72
C o r v o é e s e m p r e foi um espírito guia para m i m . P o r causa
d i s s o , n ã o m a i s t e m o o V a z i o ; é o u t r a p a r a d a de m i n h a
p e s q u i s a pessoal.
Hoje os corvos c h e g a m a m i n h a v i d a regularmente, quan-
d o q u e r e m m e dar u m a m e n s a g e m . O u t r o dia voltei d e u m a
v i a g e m às m o n t a n h a s e a m u l h e r que cuidou de m i n h a casa,
nesse ínterim, veio me c u m p r i m e n t a r . J a m a i s conversei so-
b r e corvos c o m ela; n u n c a lhe falei de m i n h a s origens. N e m
sequer m e n c i o n e i o q u e me acontecera na G e ó r g i a — n ã o
houvera tempo.
Durante o desjejum, ela saiu na v a r a n d a e alinhou vários
a m e n d o i n s n o parapeito. M i n u t o s depois, u m c o r v o p o u -
sou, em seguida, outro e outro. Ela voltou, sorridente e ex-
plicando que eles t i n h a m c o m e ç a d o a aparecer h a v i a duas
semanas. A p ó s alguns dias, ela c o m p r o u a m e n d o i n s s e m sal
e p a s s o u a alimentá-los.
— A d i v i n h e c o m o eu os c h a m o ?
Dei de o m b r o s , s e m fazer a m e n o r idéia.
A i n d a sorrindo, ela disse:
— C o r v o s Saltadores!
— P o r que v o c ê os c h a m a a s s i m ? — perguntei.
— P o r q u e eles me disseram para fazer isso... — e v o l t o u
a seus afazeres.
73
Você Já Está no Caminho
Kellie Jo Dunlap
74
n h u m a resposta específica. Ao final da meditação, q u a n d o
o líder p e r g u n t o u se a l g u é m não havia r e c e b i d o u m a res-
posta, levantei a m ã o e contei-lhe o que havia recebido.
— P a r e c e - m e u m a resposta — ele disse, sorrindo.
— M a s quero u m a resposta real — queixei-me. — Algo
claro e definido, do tipo: " V o c ê poderia ser um engenheiro
espacial". — T o d o s na sala riram e c o n c o r d a r a m .
— Às vezes, o universo só lhe dá u m a peça por vez — disse
o líder. — O importante é que você reconheça que esta é, de
fato, u m a resposta, e u m a resposta positiva a sua pergunta.
Na m a n h ã seguinte, eu n a v e g a v a p e l a Internet à p r o c u r a
de p e n a s para o a p a n h a d o r de s o n h o s que estava fazendo.
Esbarrei n u m site c h a m a d o " C a m i n h o d a P e n a " e , e m se-
guida, descobri outro site de professores indígenas. Cliquei
n u m b o t ã o que dizia: " H á três p a s s o s para o C a m i n h o da
P e n a " . Q u a n d o cliquei no terceiro p a s s o , as palavras " V o c ê
já está n e l e " surgiram em letras garrafais. Senti um arrepio
na nuca. Ali e s t a v a m as m e s m a s palavras produzidas p o r
m e u inconsciente — ou m e u s guias — ou o que me fizera
escrevê-las na noite anterior.
À medida que eu ia lendo, entendi que me encontrava n u m
processo de reinterpretar m i n h a vida para incluir todos os
aspectos de m i m m e s m a e, mais precisamente, o domínio da
intuição. Tinha apenas de colocar um pé adiante do outro para
estar "no c a m i n h o " de m e u eu intuitivo e espiritual.
M e u c a m i n h o espiritual, desde então, t e m sido u m a aven-
tura. T a l qual ocorre c o m a maioria de n ó s , as penas pare-
c e m s u r g i r e m m o m e n t o s a p r o p r i a d o s . Q u a n d o fiz m e u
a p a n h a d o r de s o n h o s , usei p e n a s que colecionei ao l o n g o
d o tempo. C a d a u m a v e i o até m i m e m m o m e n t o s e m que
eu precisava de confirmação ou encorajamento para conti-
nuar o trabalho espiritual que fazia.
L o g o após t e r m i n a r m e u a p a n h a d o r d e s o n h o s , s o n h e i
que encontrava u m a tonelada de p e n a s de pato. No s o n h o ,
75
m a n d a v a m - m e colocá-las e m a p a n h a d o r e s d e sonhos. P o u -
co t e m p o depois, eu dirigia n u m a rodovia e a m i n h a frente
havia um c a m i n h ã o cuja insígnia assemelhava-se a um
apanhador de sonhos. S o b a insígnia havia os dizeres:
" C u b r a o M u n d o " . Entendi no m e s m o instante!
C o m e c e i a fazer apanhadores de sonhos p a r a os outros.
U m a a m i g a c o m p r o u m a i s d e u m a dúzia p a r a presentear
parentes no Japão. A s s i m , de certa forma, eu "cobria o
m u n d o " c o m m a r a v i l h o s o s lembretes visuais d e que deve-
m o s prestar atenção a nossos sonhos.
O q u e c o m e ç o u c o m o u m i n s t r u m e n t o p a r a m e u cami-
n h o espiritual expandiu-se p a r a incluir m u i t o s outros. A l é m
de oficinas p a r a fazer a p a n h a d o r e s de s o n h o s , e s t o u pro-
fundamente envolvida c o m trabalhos curativos.
As p e n a s ainda c h e g a m a m i m c o m o u m a garantia de que
estou no c a m i n h o certo. A m a i s recente a p a r e c e u enquanto
e u dirigia outra vez n u m a rodovia. U m a p e n a e n o r m e caiu
a m i n h a frente do lindo céu azul. Eu teria p a r a d o para p e g á -
la se n ã o fosse o c h o q u e e o fato de estar a c e m quilômetros
p o r hora, a i n d a "aturdida" p o r causa de u m a cura que acon-
tecera no dia anterior.
N ã o sou a primeira a dizer isso, m a s me p a r e c e claro que
as p e n a s se c o n e c t a m para n o s m o s t r a r o g r a n d e conheci-
m e n t o que está m u i t o p r ó x i m o de nós. Elas se c o n e c t a m ao
Pai C é u e à M ã e Terra. N u m a linguagem moderna, nós
p e r d e m o s o insight, nossa ligação c o m o eu intuitivo. Se u m a
p e n a m i s t e r i o s a m e n t e aparece n u m m o m e n t o d e ilumina-
ç ã o , q u a n d o f a z e m o s c o n t a t o c o m esse eu a d o r m e c i d o , é
u m a p o d e r o s a l e m b r a n ç a d e sabedoria d e u m t e m p o dis-
tante, q u a n d o c o n h e c í a m o s n o s s a s ligações c o m o ambien-
te e conosco.
76
Asas em Meus Pés
Pena Estelar
77
acordo c o m a intuição, u s a n d o i m a g e n s que r e c e b í a m o s de
meditações dirigidas. Algumas de minhas pinturas pos-
s u í a m um tema indígena, e as penas apareciam c o m freqüên-
cia em m e u trabalho. A p e n a de águia, p o r e x e m p l o , é um
símbolo clássico do Espírito, pois ela tocou as n u v e n s e caiu
na terra.
P o r é m , n ã o h a v i a águias em C a p e C o d . A m i n h a volta,
os artistas p i n t a v a m gaivotas, d u n a s de areia e p a i s a g e n s
d a baía d e C a p e C o d . E u m e p r e o c u p a v a cada v e z m e n o s
c o m o aspecto comercial do trabalho artístico e cada vez m a i s
em explorar essa arte interior: m e d i t a ç ã o , escrita automáti-
ca e outras h a b ü i d a d e s psíquicas. M e u foco estava m u d a n -
do. C o m e c e i a me q u e s t i o n a r se fazia a coisa certa ou se
perdia a n o ç ã o da realidade.
U m dia, e m m i n h a confusão, decidi apelar a o Criador.
F u i à praia e disse:
— Ei, estou no caminho certo ou não? Preciso de um
sinal, algo que me dê certeza, algo que afirme minhas
crenças.
Continuei a andar, m a s n ã o vi n e m senti n a d a q u e se as-
s e m e l h a s s e a um sinal. À beira do desespero, parei n o v a -
m e n t e e abri m e u s braços p a r a o céu.
— É i m p o r t a n t e para m i m — c l a m e i em v o z alta. — P o r
favor, m o s t r e - m e que está me ouvindo... que estou
conectada. O u que d e v o m u d a r m e u c a m i n h o . — A n g u s -
tiada, n ã o vi n a d a . N ã o senti resposta.
Triste, olhei para b a i x o a fim de dar o primeiro p a s s o para
voltar. N o s m e u s pés havia u m p a r d e asas d e gaivota, u m a
e m cada pé. E r a u m sinal: asas e m m e u s pés! D e repente,
senti-me v e r d a d e i r a m e n t e vista e r e c o n h e c i d a , c o m o se o
Espírito h o u v e s s e escrito um e n o r m e SIM em m i n h a lousa
espiritual c o m aquelas asas de gaivota. O sinal me d e u c o -
78
r a g e m para prosseguir m i n h a trajetória, confiando no uni-
verso p a r a a m p a r a r m i n h a s escolhas.
D o i s anos após a v i s ã o das quatro p e n a s brancas no céu
estrelado, encontrei o h o m e m c o m o qual me casei. U m a
s e m a n a d e p o i s d e n o s c o n h e c e r m o s , ele m e a p e l i d o u d e
P e n a Estelar. Senti um arrepio: eu n ã o lhe dissera n a d a so-
bre a v i s ã o . Q u a n d o ele me c h a m o u de P e n a Estelar, foi
c o m o s e falasse a m i n h a a l m a c o m o u m m e n s a g e i r o d e m e u
n o m e espiritual.
A v i s ã o tornou-se ainda m a i s real q u a n d o u m a m u l h e r
que e u m a l conhecia p r e s e n t e o u - m e c o m quatro penas bran-
cas. Ela disse que c a m i n h a v a n u m a ilha q u a n d o sentiu u m a
forte p r e m o n i ç ã o d e q u e " e n c o n t r a r i a p e n a s p a r a P e n a
Estelar". M o m e n t o s d e p o i s , ela a c h o u q u a t r o p e n a s b r a n -
cas, as quais trouxe para m i m . Fiz um l e q u e especial c o m
elas, o qual uso em m e u trabalho curativo.
M a i s de u m a vez, as p e n a s foram sinais importantes p a r a
m i m . S ã o u m a m a n e i r a de receber a confirmação e o c o n h e -
c i m e n t o de q u e o Espírito n ã o é fruto de m i n h a i m a g i n a -
ção. As p e n a s são u m a manifestação física do Espírito que
se liga a todos nós. E l a s me ajudam a l e m b r a r de que qual-
quer coisa é possível.
79
Meditação
VISÃO DA VIDA
80
• Mova a pena para o terceiro chacra (abertura energética na área
do plexo solar) e repita o exercício com a cor amarela.
• Mova a pena para o segundo chacra (abertura energética abai-
xo do umbigo) e repita com a cor laranja.
• Mova a pena para o primeiro chacra (abertura energética na re-
gião entre as pernas) e repita com a cor vermelha.
• Por fim, deslize a pena ao longo do corpo, visualizando o arco-
íris de cores que criou, até que seus braços estejam acima da
cabeça. Levante a pena, ainda acima da cabeça, esticando os
braços em direção ao céu. Repita a pergunta mais uma vez e
agradeça o universo pela resposta que virá.
81
Parte D o i s
85
papéis. Fazia frio e n e v a v a do lado de fora; o céu cinzento
apagava qualquer evidência de pássaros naquele m o m e n t o .
— Se a l g u é m sonha c o m u m a p e n a — ela diz — eu p o -
deria associar tal fato c o m o Espírito. As p e n a s p o d e m ser
u m s í m b o l o daquilo que n o s leva a o m u n d o imaginário o u
a o m u n d o espiritual. P o d e m significar u m m e i o para encon-
trar as fantasias desse a l g u é m . P o d e m representar um sinal
do que é criado, quase literalmente, do n a d a — ou seja, fora
dos sistemas da psique pelos quais u m a idéia adquiriu u m a
forma, u m símbolo.
M a r y D i a n faz u m a p a u s a e t o m a o chá.
— N ã o há nada no m u n d o das formas q u e n ã o se origine
na fantasia. Esta cadeira, esta xícara, este b u l e de chá — ela
a p o n t a — , n e n h u m deles existiu e m forma física antes d e
ter existido em p e n s a m e n t o , em fantasia. Se as p e n a s repre-
s e n t a m e s s e v ô o da fantasia, essa c o n e x ã o c o m o d o m í n i o
d a i m a g i n a ç ã o , e n t ã o , v o c ê p o d e r i a dizer q u e , certa v e z ,
existiu u m a p e n a p a r a u m a xícara, u m a p e n a para u m bule,
u m a p e n a para tudo que v o c ê vê a n o s s a volta.
E n q u a n t o assimilo tudo isso c o m u m a fatia de laranja, ela
continua:
— É a transformação em símbolo. Há o desejo arquetípico
de voar, tal qual no mito de ícaro. Os egípcios acreditavam
que, na h o r a da m o r t e , a a l m a era p e s a d a n u m a b a l a n ç a em
contraposição a u m a pena, a p e n a representando a verda-
de. Os astecas r e v e r e n c i a v a m Q u e t z a l c o a t l , a serpente
e m p l u m a d a c o m o u m p o d e r o s o s í m b o l o d e fertilidade e
vida. C o m o vê — ela sorri, l e v a n d o a xícara aos lábios —, a
p e n a p o d e representar a transformação em a m b a s as extre-
m i d a d e s d o espectro.
M i n h a c a b e ç a está girando — ou v o a n d o — n u m estado
de total e n c a n t a m e n t o . P e n s o na famosa fénix, a ave da m i -
tologia egípcia, c o n s u m i d a pelo fogo e renascida das cin-
86
zas: o pássaro da m o r t e e da ressurreição que p o d e ser in-
terpretado c o m o u m s í m b o l o d o r e n a s c i m e n t o espiritual.
P e n s o nos deuses e n a s deusas retratados, ao longo dos sé-
culos, c o m penas o u asas o u c o m o pássaros mágicos: Zeus
transformando-se em cisne, anjos d a n ç a n d o na cabeça de
um alfinete, e a s s i m p o r diante. Sinto a confusão a que se
referiu o sensitivo E d g a r C a y c e , q u e analisou e interpretou
centenas d e s o n h o s n a primeira m e t a d e d o século X X , quan-
d o s o n h o u c o m " p e n a s voadoras".
Q u a n d o m e n c i o n o a interpretação de C a y c e a M a r y Dian,
ela concorda.
— F r e q ü e n t e m e n t e , q u a n d o s o n h a m o s c o m v ô o s , signi-
fica que nossa espiritualidade está submersa, que nossa vida
está praticamente "de pernas para o ar".
C o n v e r s a m o s s o b r e As Três Penas, o f a m o s o c o n t o dos
I r m ã o s G r i m m , no qual o velho rei, a fim de escolher seu
sucessor, i m p ô s aos três filhos a tarefa de encontrar o m a i s
lindo dos tapetes. Para evitar disputas entre eles, o rei lan-
ç o u três penas ao ar e p e d i u aos filhos q u e cada um seguis-
se u m a delas. Os dois irmãos "mais e s p e r t o s " o b s e r v a r a m
u m a das penas voar para o leste e a outra para o oeste. A
terceira flutuou um p o u c o e caiu na terra. Eles r a p i d a m e n t e
d i r i g i r a m - s e à e s q u e r d a e à direita, z o m b a n d o do i r m ã o
" t o l o " , que ficaria c o m a terceira pena.
M a s aquela p e n a apontava para baixo, em direção a u m a
toca, o n d e o tolo e n c o n t r o u a b ê n ç ã o q u e o fez g a n h a r o
reinado. S e g u n d o a análise de M a r y D i a n Molton, a solu-
ção n ã o se daria pela lógica ou pela razão, m a s sim pelas
mãos do destino.
— A s s i m é a p e n a — ela diz. — P o d e m o s pensar que o
vento sopra as p e n a s e o espírito. (...) o espírito que m o v e
as coisas ao redor da psique, que e n t e n d e a idéia da pleni-
tude do tempo, a parte da psique q u e é inarticulada, tola,
87
lenta, distante do i m e d i a t i s m o racional. E s t a é a s o l u ç ã o
mágica.
Resquícios de Forrest G u m p .
— L e m b r a - s e daquela p e q u e n a p e n a b r a n c a que flutua-
va ao redor do p e r s o n a g e m , mostrando-lhe o c a m i n h o ? —
eu pergunto. — Ou teria sido apenas o "destino"?
— O destino é outro termo difícil de se definir e, para m i m ,
está longe de ser s i m p l e s — M a r y D i a n r e s p o n d e . — No
p e n s a m e n t o j u n g u i a n o , o d e s t i n o p o d e ser e n t e n d i d o de
várias formas. U m a delas seria s i m p l e s m e n t e u m a "função
da sincronicidade".
I m a g i n o a i m u t á v e l m ã o da sincronicidade, erguendo o
caldeirão de sonhos, m e x e n d o a sopa da psique para ver que
arquétipos estão cozinhando. Penas, asas e v ô o estão entre
os símbolos m a i s arcaicos q u e incitam n o s s a ânsia de n o s
conectarmos c o m o p o d e r o s o m u n d o aéreo, l u m i n o s o e es-
piritual, n o s s o desejo de "desatar os velhos laços da terra"
e n o s transformarmos em algo irreconhecível, exceto para o
nível da a l m a ou para o q u e a a l m a simboliza.
No símbolo, afinal, encontra-se a transformação.
88
Espírito da Pena
Denise Linn
89
pássaros ou o z u n i d o d o s insetos. Eu r a r a m e n t e e x p e r i m e n -
tara t a m a n h a quietude. P e r m a n e c i sentada durante horas,
de olhos fechados, ciente da brisa suave q u e roçava m e u s
cabelos, e s p e r a n d o um sinal do Espírito.
D e r e p e n t e , senti u m a m u d a n ç a n o a r d a floresta. F o i
c o m o s e sutis ondulações d e energia m e p e n e t r a s s e m . R e s -
p i r a n d o fundo, l e n t a m e n t e abri os olhos. A p o u c o s m e t r o s
diante d e m i m , n u m galho, achava-se u m a g r a n d e coruja.
E l a e s t a v a tão perto q u e , se eu esticasse o b r a ç o , p o d e r i a
acariciar suas penas. Ela n ã o se m o v i a , o l h a v a diretamente
p a r a m e u s olhos. A floresta p a r e c e u desaparecer, restando
apenas aquele par de olhos enormes. Parecia que ambas
respirávamos nossa essência. Então, c o m um piscar de olhos,
a v e l h a coruja e r g u e u as asas e silenciosamente adentrou a
floresta.
A p ó s alguns instantes, os sons da m a t a retornaram, c o m o
se nada houvesse acontecido. Eu me levantei devagar e
a p r o x i m e i - m e do galho, o n d e a coruja p o u s a r a . H a v i a três
p e n a s b r a n c a s sobre ele. Eu as peguei e apreciei a textura
m a c i a e a incrível b r a n c u r a . De súbito, o u v i u m a v o z inte-
rior, dizendo:
— P o n h a as p e n a s em sua bolsa de cura agora. — As pa-
lavras m e espantaram. E u possuía u m a linda b o l s a d e pele
d e g a m o , m a s ela n ã o estava c o m i g o n a q u e l e dia. M a i s u m a
vez, escutei a voz: — P o n h a as penas em sua b o l s a de cura.
O convite p a r e c e u claro. P e d i a m - m e que eu colocasse as
p e n a s dentro d e m e u corpo. S e m t i t u b e a r , j o g u e i a s p e n a s
em m i n h a b o c a e as engoli. À m e d i d a que sentia as p e n a s
d e s c e n d o p e l a garganta, p u d e sentir m e u espírito expandir.
A v o z interior continuou:
— O a s p e c t o curativo da coruja s e g u e c o m v o c ê . Trata-se
do p o d e r de v e r a luz através da escuridão. Do m e s m o jeito
q u e inseriu as p e n a s da coruja em seu corpo, o espírito da
90
Coruja p e n e t r o u em seu ser e estará s e m p r e disponível para
você.
Gradualmente, a visão desapareceu e a voz silenciou.
Voltei à realidade da floresta, sentindo um m i s t o de leveza,
abertura, p o d e r e força, que continua a me nutrir. E hoje,
levo c o m i g o m e u N o m e Espiritual d e P e n a Branca.
91
Professoras em Sonhos
Gina Ogden
N o s s a c a n ç ã o é o pulsar do t a m b o r
O rugido em s e u coração.
Escute.
Nossas v o z e s c o r r e m c o m o á g u a sobre as rochas
a c a m i n h o do oceano.
C l a m a m o s o rugido
e m c a d a ser que s e m o v e .
S o m o s o s o p r o da vida
92
o v e n t o no trigo
o sussurro no ouvido.
Em nossas línguas t e m o s o p ã o da sabedoria.
S o m o s as avós.
S o m o s as estrelas
S o m o s a lua
Somos a bruma
S o m o s as pedras eretas.
S o m o s silenciosas c o m o a s penas.
C h e g a m o s , de repente, na noite.
Não devemos nos mover.
93
Do Coração da Águia
Maril Crabtree
94
do pelo C o n s e l h o X a m â n i c o de Iachags (curadores, x a m ã s
e v i d e n t e s ) dos A n d e s E q u a t o r i a n o s . F i l h o e neto de
curadores x a m ã s , ele descobriu, em tenra idade, que seus
dons s e r i a m — e m b o r a ele j a m a i s esperasse ser n o m e a d o
"A Força da G r a n d e L u z " (o título oferecido a ele pelo C o n -
selho) — a ponte entre a A m é r i c a do Sul e a do Norte p a r a
compartilhar antigas profecias e c o n h e c i m e n t o curativo.
Suas palavras ao auditório foram simples:
— Q u a n d o a águia do norte p u d e r voar c o m o condor do
sul, o m u n d o será transformado. Águias e condores são aves
de força e sabedoria, e juntos r e p r e s e n t a m a m e n t e e o cora-
ção do m u n d o . Há m u i t o a aprender da união dos dois —
Don Alberto dissera, por m e i o de sua intérprete.
Q u e estranho, pensei. A q u e l e h o m e m , que n ã o sabia fa-
lar i n g l ê s , q u e c r e s c e r a n u m a c i d a d e p o b r e e q u e a i n d a
morava na m e s m a c o m o curandeiro, fora escolhido para fa-
lar a respeito de transformação a u m a platéia de norte-ame-
ricanos sofisticados.
Pensei n o v a m e n t e e m Jesus, seu n a s c i m e n t o n u m a m a n -
jedoura e sua vida h u m i l d e , os sinais de sabedoria precoce
q u a n d o aos d o z e anos ele falava aos m a i s velhos do m e s -
mo jeito que D o n A l b e r t o que, aos quinze anos, desafiara
os x a m ã s experientes a liberar seus segredos antigos para o
b e m do planeta.
— Q u a n d o a luz do coração da á g u i a resplandecer, ela
iluminará o m u n d o — D o n Alberto disse. — O coração sabe
sentir. P e r m i t a m que seus corações liguem-se aos elemen-
tos da natureza — o ar, a água, a terra. Q u a n d o vocês senti-
rem a conexão, estarão p r ó x i m o s do Criador.
L e m b r e i - m e das i n ú m e r a s vezes em q u e encontrei penas:
sempre na natureza, sempre me trazendo o sentimento aben-
ç o a d o do m u n d o espiritual invisível que sei existir, p o r q u e ,
nesses m o m e n t o s de c o n e x ã o , eu o sinto.
95
— P e r m i t a m que cada lugar e c a d a m o m e n t o sejam sa-
grados — ele continuou. — Simplesmente sentiam. Simples-
m e n t e permitam-se sentir.
E l e e n t o o u c a n ç õ e s x a m â n i c a s e m sua l í n g u a n a t i v a e
c o n v i d o u - n o s a a c o m p a n h á - l o c a n t a n d o ou m u r m u r a n d o
quaisquer sons que n o s v i e s s e m naquele m o m e n t o .
— N ã o se c o n c e n t r e m nas palavras — ele disse. — É um
convite ao coração. O coração de vocês sentirá as palavras e
aprenderá o ritmo.
D u r a n t e os cinco m i n u t o s seguintes, p r e e n c h e m o s a sala
c o m sons lindos, inspirados pela simplicidade de seu con-
vite. E n q u a n t o cada um cantava a partir do coração, de olhos
fechados, os sons fundiam-se n u m a florescente h a r m o n i a ,
dando um n o v o significado à expressão música das esferas.
Em seguida, ele p e g o u sua trouxa de penas e convidou nosso
líder espiritual a receber u m a cura "para o benefício de to-
dos". O ministro se a p r o x i m o u e D o n A l b e r t o direcionou
as p e n a s à aura energética que rodeava o c o r p o do minis-
tro. E n q u a n t o roçava as p e n a s ao longo do corpo dele, D o n
Alberto cantava b a i x i n h o em sua língua nativa.
As p e n a s s u b i r a m l e n t a m e n t e pela c o l u n a do ministro,
l i m p a n d o e purificando. Então, ao parar diante do coração,
D o n Alberto cantou. Ele trabalhou nos dois lados do corpo
de n o s s o líder e, finalmente, n u m a b ê n ç ã o , c o l o c o u as pe-
nas no topo da cabeça do ministro.
A e n e r g i a do c o n d o r e da águia — m e n t e e coração —
fundiu-se e conectou-se ao corpo físico, assim c o m o ao espí-
rito. N a q u e l e instante, senti a paz invadir m e u corpo, u m a
inefável sensação de bem-estar interior. Lembrei-me de u m a
velha canção infantil, c h a m a d a Cumprindo Promessas. C u m -
prindo a p r o m e t i d a união entre coração e m e n t e , senti-me
renovada e abençoada por aquele c o m p r o m i s s o global.
96
Ritual
CURANDO COM PENAS
97
O Poder da Águia
Bobby Rae Sullivan
98
M u i t o s anos se p a s s a r a m . C a s e i - m e e dei a m i n h a m ã e
três netas. M i n h a p r i m e i r a filha n a s c e u forte e saudável. A
segunda teve alguns p r o b l e m a s , m a s l o g o o s superou. M i -
n h a caçula, Lisa, veio ao m u n d o saudável, p o r é m , aos três
anos, d e s e n v o l v e u apoplexia devido a u m a febre e x t r e m a -
m e n t e grave.
E n q u a n t o as afecções c o n t i n u a v a m a n o após ano, eu con-
sultava médicos para descobrir o que poderia ser feito. N a d a
parecia ajudar.
Q u a n d o Lisa c o m p l e t o u sete anos, m e u m a r i d o prepara-
va-se p a r a u m a D a n ç a d o Sol. Pedi-lhe que incluísse Lisa
em suas preces. M i n h a m ã e entregou-lhe as três penas de
águia que guardara todos aqueles anos.
— Sinto que este é o m o t i v o pelo qual guardei essas p e -
nas — ela disse. — P o r favor, l e v e - a s e use-as e n q u a n t o
estiver d a n ç a n d o e r e z a n d o p o r Lisa.
P o u c o t e m p o depois, m e u irmão me l e v o u a um ritual, a
c h a m a d a " t e n d a do suor". Durante a cerimônia, eu disse ao
curandeiro que eu estava r e z a n d o p o r m i n h a filha doente.
Depois que a c e r i m ô n i a terminou, ele me p u x o u de lado.
— S u a filha já está s u b m e t i d a a u m a m e d i c i n a p o d e r o s a
por m e i o da D a n ç a do Sol. O p o d e r da águia está trabalhan-
do p o r ela e trata-se de u m a m a g i a m u i t o forte. Em seu oi-
tavo inverno, a m e n i n a estará livre desse m a l que afeta sua
mente e corpo.
F i q u e i c h o c a d a c o m tais palavras. Eu n a d a lhe dissera a
respeito d e m i n h a m ã e , das penas d e águia, d e m e u m a r i d o
ou da D a n ç a do Sol da qual ele participara para o benefício
de Lisa.
Q u a n d o m i n h a filha c o m e m o r o u seu oitavo aniversário,
ela o fez s e m a ajuda de m e d i c a ç õ e s . H a v i a quatro m e s e s
que n ã o mais sofria afecções. L e m b r e i - m e de todas as his-
tórias que m i n h a m ã e contara sobre a cura da águia e sobre
99
c o m o o p o d e r desse a n i m a l é forte q u a n d o u s a d o de m a -
neira correta.
M i n h a m ã e n ã o se s u r p r e e n d e u c o m a n o v i d a d e de que
Lisa n ã o m a i s sofria de apoplexia. Q u a n d o e n t r e g o u as p e -
nas a m e u m a r i d o , ela me disse, sentiu o p o d e r da águia se
transferir para ele.
100
Faróis da Noite
Eleanor K. Sommer
A s corujas s e m p r e r e s v a l a r a m p a r a m i n h a p s i q u e c o m o
símbolos de mistério e sabedoria. M e s m o q u a n d o criança,
eu adorava escutar os c h a m a d o s das corujas que h a b i t a v a m
as florestas ao redor de n o s s a casa em N o v a Jersey. A i n d a
hoje consigo visualizar os olhos i m e n s o s e as asas gigantes-
cas, escuto o golpe de ar q u a n d o elas a l ç a m v ô o à procura
de u m a presa. C a ç a d o r e s noturnos. E s p e c t r o s da morte. V i -
sionários precisos. A coruja vê o que outros n ã o p o d e m ver.
A coruja n e m s e m p r e traz b o a s notícias, m a s é um p o d e r o -
so símbolo de transformação.
M i n h a m o r a d a na floresta t e r m i n o u q u a n d o fui à Flórida
estudar. As corujas a p a r e c i a m p a r a m i m em raras ocasiões,
q u a n d o visitava m e u s familiares, a c a m p a v a ou quando vi-
sitava a m i g o s que m o r a v a m e m áreas m e n o s populosas.
S o m e n t e ao me m u d a r para Naples, Flórida, elas volta-
r a m a fazer parte de m i n h a vida. D o i s pinheiros p r ó x i m o s
a n o s s a c a s a e r a m o lar de um casal de corujas, q u e , no
m í n i m o , já residia ali m u i t o antes de c h e g a r m o s . O c h a m a -
do familiar e a p r e s e n ç a etérea d e s p e r t a r a m m i n h a ligação
c o m aquelas grandes aves predadoras.
N o s s a vizinhança p o s s u í a u m p e q u e n o parque. U m car-
v a l h o , a l g u m a s p a l m e i r a s e os p i n h e i r o s c o m p u n h a m o
poleiro perfeito p a r a as corujas e u m a linda vista para os
m o r a d o r e s . M e u m a r i d o e eu s e m p r e p a s s e á v a m o s pelo par-
q u e ao entardecer, e s c u t a n d o as corujas, e n q u a n t o estas se
p r e p a r a v a m p a r a a caçada noturna.
101
As caminhadas sempre nos relaxavam, especialmente
q u a n d o n o s v í a m o s e m conflito acerca d e n o s m u d a r m o s
para outra região da Flórida. A d o r á v a m o s N a p l e s , m a s a
cidade tornava-se p o v o a d a e comercial demais. A n s i á v a m o s
p e l a " v e l h a F l ó r i d a " . N o s s o p a s s e i o s , então, t o r n a r a m - s e
discussões meditativas. Para onde iríamos? D e v í a m o s ficar?
Certa noite, fiz a pergunta às estrelas e abri m e u s braços para
o céu. N a q u e l e m o m e n t o , um instante de entrega, u m a das
corujas v o o u sobre m i n h a c a b e ç a e senti sua c a u d a roçar
m e u s cabelos.
— Eis sua resposta — m e u m a r i d o e x c l a m o u .
De fato, foi u m a resposta. Transformação. U m a m u d a n -
ça. Um sinal de que era hora de fazer algo n o v o .
Na m a n h ã s e g u i n t e , m e u insight se c o n f i r m o u q u a n d o
m e u m a r i d o t r o u x e u m a p e n a d e coruja, q u e h a v i a caído
em frente a n o s s a casa.
— A c h o que é para v o c ê — ele disse.
As amigas aladas quase fugiram por causa do ruído en-
surdecedor da serra que cortou um dos pinheiros que elas
c h a m a v a m de lar. Nossa vizinha rabugenta não gostava das
pinhas que caíam em seu carro, riscando a pintura do auto-
móvel. Eu h a v i a sugerido que ela estacionasse o carro do
outro lado da casa, m a s a mulher preferiu derrubar a árvore.
E m n o s s a festa d e despedida, u m a amiga m e trouxe u m
envelope cheio de penas de coruja que ela e o m a r i d o ha-
v i a m encontrado n u m a c a m p a m e n t o . Amarrei-as a m i n h a
primeira p e n a de coruja, j u n t o c o m conchas e pedras mari-
nhas de m i n h a s praias favoritas em Naples: l e m b r a n ç a s para
eu levar c o m i g o .
A d e u s , corujas. Q u e o lar de vocês continue seguro.
A l u g a m o s u m a casa e m Gainesville, u m a c o m u n i d a d e n o
centro da Flórida, conhecida p o r suas árvores espetacula-
res e por seus quilômetros de terra virgem.
102
P r o c u r a m o s um lote para comprar. Dirigimos e dirigimos,
c o n s e g u i m o s n o s perder em estradas de terra, fomos perse-
guidos p o r cachorros e t a p e a d o s por corretores. Encontra-
m o s um p e d a ç o de terra e o c o m p r a m o s antes de passar u m a
noite n o local. Q u a n d o enfim a c a m p a m o s , f o m o s surpreen-
didos p o r u m holofote q u e p e r t e n c i a a o v i z i n h o . A l â m p a -
da do h o l o f o t e i l u m i n a v a n o s s o s c i n c o a c r e s , tal q u a l a
D i s n e y w o r l d , o f u s c a n d o as á r v o r e s e f o r m a n d o s o m b r a s
bizarras. Os majestosos c a r v a l h o s q u e t e r i a m b l o q u e a d o o
brilho artificial e n c o n t r a v a m - s e l o n g e d e m a i s para prote-
ger o e s p a ç o da casa. P i o r q u e o holofote era o silêncio da
manhã.
— V o c ê escutou? — perguntei a m e u m a r i d o , ao acordar.
— O quê?
— E x a t o — eu disse. — N ã o há pássaros!
A c o m b i n a ç ã o de luz e ausência de v i d a s e l v a g e m n o s
c o l o c o u n a estrada n o v a m e n t e .
Enfim, d e s c o b r i m o s u m a propriedade e o b t i v e m o s per-
m i s s ã o de dormir u m a noite no local antes de assinarmos
qualquer d o c u m e n t o . A q u e l e adorável lote de quatro acres
c o m u m p e q u e n o riacho custava caro d e m a i s , m a s alguns
amigos interessaram-se em dividir o custo c o m o objetivo
de r e s t a u r a r e p r e s e r v a r a q u e l a r e g i ã o . O l o t e a c h a v a - s e
p r ó x i m o a centenas de acres de u m a terra já preservada por
duas c o m u n i d a d e s , c o m regras restritas quanto ao corte de
árvores e o desenvolvimento desenfreado; n ã o esperávamos,
portanto, n e n h u m a surpresa durante nossa primeira noite.
D e p o i s que o sol se p ô s atrás dos pinheiros, u m a brisa
suave s o p r o u e m c a m p o aberto, o n d e i m a g i n a m o s construir
nossa casa. Pássaros e sapos e grilos c o m p u n h a m a canção
noturna. A q u e l a terra estava viva!
Q u a n d o o m a n t o escuro da noite cobriu as árvores, escu-
tei aquele s o m tão familiar da coruja.
103
P u d e sentir m e u m a r i d o sorrir n a escuridão.
— Você ouviu?
— Ouvi.
M a i s d e u m ano depois, finalmente n o s m u d a m o s p a r a
n o s s o m o d e s t o chalé, felizes p o r fazer parte de u m a c o m u -
n i d a d e q u e a m a v a a natureza. N o s s a s a m i g a s corujas logo
descobriram que seus vizinhos desejavam proteger o habitat.
No dia seguinte, aventurei-me n u m a m a n h ã fria de de-
z e m b r o . Inalei o perfume dos pinheiros e observei o ar sair
de minha b o c a em forma de fumaça devido ao gelo do
amanhecer.
Q u a n d o olhei para baixo, vi, a alguns centímetros de m e u s
pés, u m a p e n a . U m a p e n a d e coruja. E u m e senti transfor-
m a d a , viva e pronta para u m a n o v a aventura nas florestas.
A g o r a n ó s a s o u v i m o s c o m freqüência, p i a n d o q u a n d o
se p r e p a r a m para jantar ou gritando ao declarar seu territó-
rio. V e n d o o que n ã o v e m o s . G u i a n d o - n o s à transformação.
104
Um Espírito, uma Pena
Hazel Achor
M i n h a j o r n a d a espiritual c o m a s p e n a s c o m e ç o u m u i t o s
anos atrás na Califórnia. C e r c a de quinze de n ó s n o s encon-
trávamos semanalmente para explorar princípios espirituais,
m u i t o a l é m d o que h a v í a m o s aprendido e m nossa criação
religiosa. N ó s nos c h a m á v a m o s de "A S o c i e d a d e Ô m e g a " e
as r e u n i õ e s o c o r r i a m em n o s s a s casas. À m e d i d a q u e os
encontros a c o n t e c i a m c o m o passar dos anos, todos n o s tor-
n a m o s m u i t o amigos.
E n t ã o , u m dos m e m b r o s , C l a u d e , sofreu u m enfarte. Ele
e a esposa, que p o d i a m se c o m u n i c a r em níveis psíquicos,
c o m b i n a r a m q u e , q u a n d o m o r r e s s e , C l a u d e enviaria u m
s í m b o l o de sua p r e s e n ç a espiritual. A p ó s três dias, a e s p o s a
e o m e l h o r a m i g o , q u e t a m b é m p e r m a n e c e r a ao l a d o de
C l a u d e , v i r a m s e u espírito partir. A v i d a no p l a n o físico
havia terminado para ele.
A p e s a r de eu ter c o m p a r e c i d o ao enterro, o primeiro en-
contro d a S o c i e d a d e Ô m e g a s e m C l a u d e p a r e c e u - m e i n c o m -
pleto. P r o s s e g u i m o s , c o m esforço, a p r o g r a m a ç ã o , m a s en-
fim verbalizei o que acreditava que todos n ó s sentíamos.
— N ã o consigo parar de pensar em C l a u d e — eu disse.
— Sinto s a u d a d e s dele. Q u e r i a que h o u v e s s e um jeito de
ainda tê-lo conosco.
— Ele está c o n o s c o — sua esposa, D e l o r e s , disse c o m lá-
grimas nos olhos. — T a l v e z se m e d i t a r m o s juntos, ele pos-
sa reunir-se a nós o n d e quer que esteja.
105
Em silêncio, fizemos um círculo e r e z a m o s pelo espírito
de Claude. F o i reconfortante d a r m o s as m ã o s e nos concen-
trarmos em n o s s o velho a m i g o , desejando-lhe o b e m . Per-
m a n e c e m o s assim p o r alguns m i n u t o s e, então, cada um de
n ó s disse u m a oração e m v o z alta.
Quando terminamos, abrimos nossos olhos e olhamos
para baixo. N o centro d o círculo, h a v i a u m a p e n a e n o r m e ,
s e m e l h a n t e em t a m a n h o e m a r c a s à p e n a de u m a águia ou
de um falcão. Um olhar de surpresa e p u r a alegria ilumi-
n o u o rosto de Delores.
— E s s e é o s í m b o l o que e s c o l h e m o s antes de ele morrer...
u m a pena! — ela e x c l a m o u . — T o d a v e z que v i a j á v a m o s ,
n ó s c o l e t á v a m o s p e n a s . C l a u d e disse que s e u espírito m e
enviaria u m a p e n a para m e m o s t r a r que ele estava b e m .
Por m a i s cética que tivesse sido ao longo de m i n h a j o r -
n a d a espiritual, n a q u e l a noite tornei-me u m a " c r e n t e " n o
fato de q u e nossas almas s o b r e v i v e m p a r a a l é m do p l a n o
físico. D e s d e aquele dia, p e n a s t ê m aparecido c o m o um si-
nal d e apoio q u a n d o passo p o r u m a transição. M a s n u n c a
m a i s esquecerei a p e n a que s i m p l e s m e n t e se materializou.
Se foi m a n d a d a pelo espírito de C l a u d e ou p e l o u n i v e r s o
n ã o importa; o importante é que ela representa um milagre
da infinita interligação.
106
Jornada da Pena
Anna Belle Fore
M e u c a m i n h o c o m a s p e n a s c o m e ç o u durante u m a medi-
tação dirigida p o r Ernestine Cline, u m a artista esotérica de
Fort M y e r s , Flórida. E n q u a n t o n o s conduzia n u m a j o r n a d a
interior, Ernestine sugeriu q u e n o s i m a g i n á s s e m o s receben-
d o u m a dádiva d e u m sábio. M e u ser interior n ã o hesitou;
vi m i n h a dádiva nitidamente: u m a p e n a preta sobre um tra-
vesseiro b r a n c o .
No dia seguinte, durante m i n h a m e d i t a ç ã o em casa, foi-
m e dada outra p e n a preta. P o u c o t e m p o depois, recebi u m a
p e n a b r a n c a e u m a v e r m e l h a . Q u a l seria o significado des-
sas dádivas simbólicas?, perguntei-me. T a l significado era
um mistério para mim. Claro, eu gostava da beleza das
p e n a s , m a s não sabia o q u e fazer c o m elas q u a n d o apare-
ciam em minha meditação.
N e s s a época, u m a a m i g a querida e eu fomos à Califórnia
p a r a u m a excursão d e autodescoberta. E m n o s s a primeira
p a r a d a , saí do carro e, a m e u s pés, j a z i a u m a única p e n a
preta. N o dia seguinte, e n q u a n t o c a m i n h á v a m o s , u m a p e n a
b r a n c a surgiu em m e u c a m i n h o . Passei a me dar conta da
freqüência c o m que as p e n a s a p a r e c i a m p a r a m i m . Então,
c o m e c e i a procurar u m a p e n a vermelha!
N u m a p e q u e n a c o m u n i d a d e d a Califórnia, p a r a m o s p a r a
conhecer u m a loja de artigos indígenas. Procurei u m a p e n a
v e r m e l h a , m a s n ã o encontrei n e n h u m a . A o sair, perguntei
à lojista se ela tinha outras p e n a s . A m u l h e r d e s a p a r e c e u
107
no fundo da loja e voltou c o m um p e q u e n o saco de penas
v e r m e l h a s . A q u e l a s p e n a s e s t a v a m n a loja h a v i a u m b o m
t e m p o , ela dissera, m a s por a l g u m m o t i v o não as colocara à
venda. Claro, senti que e s t a v a m a m i n h a espera! Essas pe-
n a s c o n f i r m a r a m que m i n h a r e c e n t e decisão d e desenvol-
v e r a c a p a c i d a d e curativa seria a v o c a ç ã o m a i s acertada.
A g o r a encontro p e n a s c o m freqüência. Elas me fazem rir
e sorrir. C h e g u e i a encontrar u m a p e n a no toalete do local
o n d e trabalho. A t é então, eu estava um tanto insatisfeita no
cargo de administradora de um centro de saúde, o qual in-
cluía tirar o lixo do toalete todos os dias. Ao achar aquela
p e n a , entendi a m e n s a g e m de que eu devia " s u a v i z a r " e ver
b e l e z a e m tudo.
C a d a vez que vejo u m a pena, sei que ela representa um
farol que ilumina m e u caminho.
108
Uma Pena para Norma
Vickie Thompson
109
ro em O k l a h o m a City, que a m b a s é r a m o s do M i s s o u r i e que
eu precisava m u i t o de assadeiras. Fui e m b o r a c o m os bra-
ços repletos de assadeiras de cinqüenta centavos cada. N a -
quela noite, depois do trabalho, voltei à rua. D e s s a v e z , foi
só p a r a conversar. Isso ocorreu há dez anos e ainda n ã o es-
g o t a m o s todos os assuntos.
N o r m a tornou-se minha melhor amiga. O trabalho me
o b r i g o u a m u d a r p a r a Atlanta e, depois, Connecticut. N o r -
m a m u d o u - s e p a r a L a s V e g a s e , e m seguida, K a n s a s City.
M a n t i v e m o s contato p o r telefone e avião. No último outo-
n o , fiz m i n h a p r i m e i r a v i a g e m a K a n s a s City, já q u e N o r m a
tinha se m u d a d o p a r a lá. Ela estava n u m a casa n o v a e pro-
pus que fizéssemos u m a " l i m p e z a " .
L i m p e z a s são feitas p a r a e l i m i n a r o indesejado, o mofo
ou energias negativas, e t a m b é m p a r a ajudar as p e s s o a s a
construírem um vínculo especial c o m a casa. Se os ocupan-
tes e n t r a m em h a r m o n i a c o m os p a d r õ e s energéticos, o lar
p o d e d e s e n v o l v e r um a m b i e n t e especial, o qual é n o t a d o
p o r qualquer visitante. M u i t a s p e s s o a s j á fizeram c o m e n t á -
rios do tipo: " N ã o sei o que há em sua casa. Ela transmite
muita paz".
Na casa n o v a de N o r m a , r e u n i m o s todo o material de que
i r í a m o s precisar: velas, óleos de proteção, incensos de salva
e alecrim. C o l o c a m o s feijões crus n u m a lata p a r a improvi-
sar u m chocalho. C o m e ç a m o s pelo interior d a casa. N o r m a
e n t r o u em cada c ô m o d o , u s a n d o o c h o c a l h o para r o m p e r a
energia estagnada ao l o n g o das paredes e n o s cantos. Eu a
seguia c o m um incenso a fim de purificar os quartos e es-
p a n t a r qualquer energia indesejada.
Na s e g u n d a p a r t e da c e r i m ô n i a , f o m o s p a r a o exterior.
S e g u n d o m i n h a crença, cada direção está ligada a um elemen-
to: o norte é terra, o leste é ar, o sul é fogo e o oeste é água.
Primeiro, invocamos os espíritos do norte para prover prote-
110
ção. Fizemos o m e s m o em cada direção, e N o r m a deixava um
pequeno presente de agradecimento, algo que representasse
o elemento simbólico daquela direção. No norte, ela ofere-
ceu u m a pedra e no leste, um incenso. U m a vela foi dada ao
poderoso sul, e u m a concha para as águas do oeste.
E m seguida, u s a n d o óleos essenciais, salpicamos s í m b o -
los protetores em cada porta e janela, m a i s u m a v e z pedin-
do proteção p a r a a casa e seus habitantes. A l é m de N o r m a ,
a residência t a m b é m era o lar de u m a cadela c h a m a d a Tisha
e de dois gatos persas, Júlio e Sinbad.
O p a s s o seguinte foi e n v o l v e r a residência n u m círculo
de p r o t e ç ã o . C i r c u n d e i a casa três v e z e s c o m um b u l e de
chá de salva fervente p a r a purificá-la. Continuei a fazê-lo
por m a i s três vezes, cantando p a r a invocar a D e u s a e criar
u m círculo energético e m volta d a construção (sabiamente,
e s c o l h e m o s realizar as cerimônias n u m d o m i n g o de m a n h ã ,
antes que os vizinhos c o m e ç a s s e m a acordar!).
O ritual de proteção era u m a parte importante p a r a m i m .
N o r m a n u n c a percebeu q u a n t o e u m e p r e o c u p a v a c o m ela.
C o m o ela sofria de pressão alta, durante anos temi que caísse
na cozinha d e v i d o a um d e r r a m e ou enfarte. De forma irra-
cional, m e u s m e d o s n u n c a se referiam aos quartos, ou à sala,
ou ao banheiro. Era a b e n d i t a cozinha que me perturbava.
O estágio final de u m a b ê n ç ã o residencial e n v o l v e a liga-
ção do proprietário c o m a energia da casa em si. Pedi a Nor-
m a que entrasse e m c a d a c ô m o d o , a c e n d e s s e u m a vela e
" c o n v e r s a s s e " c o m o c ô m o d o . Ela diria ao local o que que-
ria dele. P o r e x e m p l o , a l g u é m p o d e pedir um s o n o repara-
dor no quarto. Pessoas que p o s s u e m trabalhos estressantes
p o d e m pedir que a sala de estar seja um local tranqüilo e
pacífico p a r a a família.
N ã o sei o q u e N o r m a p e d i u n o s c ô m o d o s . Só sei que, tão
logo ela se retirou, peguei u m a vela e fui à cozinha.
111
— N ã o ouse deixá-la m o r r e r — ordenei.
T o d a a c e r i m ô n i a l e v o u u m a h o r a e meia. S u a d a s e exaus-
tas, p r e p a r a m o s chá gelado e n o s s e n t a m o s no pátio p a r a
recarregar n o s s a s baterias. L o g o depois, v o l t a m o s p a r a den-
tro a fim de n o s lavar. A p ó s um b a n h o l o n g o e relaxante,
e n r o l e i u m a toalha e m m e u s c a b e l o s , vesti u m r o u p ã o e
atravessei o corredor em direção a m e u quarto.
Q u a n d o m e a p r o x i m e i d o armário, algo c h a m o u m i n h a
atenção. S o b r e o estofado azul de u m a cadeira, h a v i a u m a
p e q u e n a p e n a branca. Ela estava elevada, a extremidade m a l
t o c a v a o a s s e n t o , c o m o se h o u v e s s e f l u t u a d o e p o u s a d o
sobre o tecido azul.
E m p r i n c í p i o , a c h e i e s t r a n h o . E n t ã o , entendi. E r a u m a
m e n s a g e m . O s espíritos que c o n v o q u e i para proteger N o r -
m a a v i s a v a m - m e d e que tudo ficaria b e m . A g o r a e u p o d e -
ria parar de me preocupar, pois ela estaria protegida.
Fui ao quarto de N o r m a e disse:
— V e n h a aqui. Q u e r o lhe m o s t r a r u m a coisa.
Eu devia estar c o m u m a expressão esquisita, porque
N o r m a levantou-se, séria, e me seguiu. I n d i q u e i a pena.
— De o n d e ela v e i o ? — ela perguntou.
— Creio q u e veio do outro lado, a c h o que é um presente.
N o r m a n a d a dizia, e n q u a n t o o b s e r v a v a a pena. Ela de-
d u z i u que eu a colocara ali e a g u a r d a v a u m a explicação.
— N ã o , N o r m a . N ã o coloquei essa p e n a na cadeira.
— Então, de o n d e ela v e i o ? — ela i n d a g o u outra vez.
— A c h o que é u m a m e n s a g e m — eu respondi. — Creio
que é u m a m a n e i r a de eles me d i z e r e m q u e funcionou, q u e
eles nos ouviram.
N o r m a t e n t o u racionalizar, m a s foi em v ã o . Ela n ã o ti-
nha n e n h u m pássaro. As j a n e l a s e s t a v a m todas fechadas, e
eu entrara e saíra do quarto o dia todo; portanto, seria fácil
ter n o t a d o a pena.
112
Eu a observava à m e d i d a q u e ela percebia o q u e aconte-
cera. N o r m a arregalou os olhos. Eu gostaria de lembrar o
que d i s s e m o s exatamente, m a s s ó m e recordo d o sentimen-
to de exaltação e alegria. N o r m a m o n t o u um p e q u e n o altar
e c o l o c o u a pena nele.
Q u a t r o meses depois, N o r m a teve um enfarte. N ã o sei se
ela estava na cozinha; n ã o perguntei. T u d o que sei é que o
acordo se m a n t e v e . Ela estava protegida e o b t e v e u m a rápi-
d a r e c u p e r a ç ã o a p ó s u m a cirurgia q u e corrigiu u m sério
p r o b l e m a e m seu coração.
Em a l g u m a s s e m a n a s , estarei v o a n d o para K a n s a s City a
fim de visitar N o r m a . C o n v e r s a r e m o s s e m parar e iremos a
brechós. Visitaremos os filhos dela e os netos, e continuare-
m o s a conversar. B e b e r e m o s café e leremos o jornal no pá-
tio pela manhã. F a r e m o s tudo que velhas a m i g a s fazem.
113
Ritual
UMA BÊNÇÃO RESIDENCIAL COM PENAS
Uma bênção pode ser realizada quando você se muda para uma
casa nova ou sempre que sentir necessidade de limpar e purificar
sua residência. Em minha casa, fazemos a bênção uma vez por
ano, normalmente no equinócio de outono.
114
União de Energias
Toby Evans
115
— As asas são um s í m b o l o da parceria de v o c ê s e do tra-
balho que realizam juntas. Quando esse trabalho estiver
terminado, v o c ê terá de devolver as asas à terra.
N ã o gostei da m e n s a g e m . Eu já estava a p e g a d a a m i n h a
asa e mais apegada ainda a m e u relacionamento c o m
D e b b i e . E s t á v a m o s apenas no início e a idéia de um fim n ã o
m e p a r e c e u a t r a e n t e . G u a r d e i a m e n s a g e m n o fundo d e
m i n h a m e n t e , feliz p o r esquecer q u e a escutara.
D u r a n t e os q u a t r o a n o s seguintes, D e b b i e e eu c o n t i n u a -
m o s a unir e n e r g i a s e m sessões s e m a n a i s p a r a n o s s o p r o -
grama educacional. Nossa sociedade expandiu-se a ponto
de partilhar as oficinas de cura c o m p r o f e s s o r e s e estudan-
tes de e s c o l a s p ú b l i c a s . A C o r u j a p a r e c i a estar c o n o s c o ,
v o a n d o n a s correntes de ar, l e v a n d o - n o s às áreas m a i s p r o -
fundas do t r a b a l h o interior e exterior. U s á v a m o s as asas a
n o s s a m a n e i r a , i n c l u i n d o sessões de cura e rituais pessoais.
M a s , aos p o u c o s , n o s s a s vidas c o m e ç a r a m a t o m a r r u m o s
diferentes.
Eu estava inquieta, sentindo-me distante de m i n h a terra
e arte. Parecia que m e u contrato cármico c o m a igreja havia
a c a b a d o e eu estava pronta para partir. N e s s e ínterim, a m ã e
de D e b b i e , Della, teve câncer, e D e b b i e p a s s o u os m o m e n -
tos finais ao lado dela. C o n c o r d e i em p e r m a n e c e r no pro-
g r a m a até q u e ela p u d e s s e voltar. N ã o s a b í a m o s que a m o r t e
de Della t a m b é m significaria o fim da sociedade.
A p ó s o f a l e c i m e n t o de D e l l a , a m b a s n o s r e s i g n a m o s e
D e b b i e a s s u m i u os deveres da m ã e . L e v o u o pai para casa e
tornou-se sua constante enfermeira. Eu tinha cada vez m e -
n o s contato c o m ela, e m b o r a n o s e n c o n t r á s s e m o s n o g r u p o
de percussão. N ã o falávamos sobre a dissolução da socie-
dade, apesar das evidências.
Q u a n d o a coruja vinha até m i m em jornadas xamânicas,
eu m o n t a v a em suas costas. M a s , às vezes, via-me sentada
116
sob u m a gigantesca abertura circular, observando o brilho das
estrelas, e percebia que eu estava dentro dos olhos da coruja.
C o m freqüência, quando a jornada terminava, eu voltava ao
t a m a n h o normal e olhava para trás a fim de ver m i n h a c o m -
p a n h e i r a girar sua c a b e ç a e olhar diretamente para fitar mi-
n h a alma. O brilho dourado de seus olhos transformava-se
em azul e as penas tornavam-se brancas.
A i m a g e m era semelhante a m e u gato branco, que se cha-
m a v a Arco-íris. Eu acordava no meio da noite e o via e m p o -
leirado na cabeceira da cama. Sua p e l a g e m branca tornava-
se cinza, iluminada pelo luar quando ele ansiava sair. N e s -
ses m o m e n t o s , ele sempre representava u m a coruja para m i m .
Ao final do outono, Arco-íris saiu p a r a seu habitual pas-
seio no quintal. S o m e n t e à noite percebi que ele n ã o havia
voltado. Ao chamá-lo, recebi c o m o resposta o piado de u m a
coruja. Senti u m a estranha sensação.
Na m a n h ã seguinte, descobri o que a coruja havia relata-
do. Arco-íris foi e n c o n t r a d o m o r t o na rua, atropelado p o r
um carro. Coloquei-o j u n t o à área da R o d a de C u r a de nos-
sa propriedade. Q u a n d o fui contar a A d a m , m e u filho de
onze anos, ele ficou m u i t o triste e p e d i u para faltar à aula.
Garanti que j u n t o s faríamos u m a c e r i m ô n i a para Arco-íris,
antes de enterrá-lo s o b u m a grande árvore.
A d a m sentou-se no c h ã o e chorou, apertando o corpo de
Arco-íris entre os b r a ç o s , e n q u a n t o fui b u s c a r m i n h a sálvia,
tabaco e a asa de coruja. D e p o i s que t e r m i n a m o s o ritual,
depositei o corpo do gato no b u r a c o que h a v í a m o s c a v a d o
e, de repente, escutei as instruções em m i n h a mente.
— C h e g o u o m o m e n t o de enterrar sua asa. C o l o q u e - a ao
lado do gato. A sociedade entre v o c ê s a c a b o u e é hora de
liberá-la.
E n t e n d i a m e n s a g e m c o m o o p r e n ú n c i o de outra m o r t e e
tudo em m i m resistia, apesar de eu saber que tinha de fazê-
117
lo. Foi difícil dizer a D e b b i e que m i n h a asa estava enterra-
da. N ã o c a b i a a m i m insistir p a r a q u e e n t e r r a s s e a dela.
D e b b i e conhecia as instruções e n ã o estava preparada.
V á r i o s anos se p a s s a r a m e a vida de D e b b i e foi c o n s u m i -
da pelas exigências familiares. A asa da coruja p e r m a n e c i a
g u a r d a d a n u m armário e n u n c a tinha sido usada. Enfim, ela
decidiu v e n d e r a casa e m u d a r - s e para outro E s t a d o , m a s
n ã o foi um p r o c e s s o fácil. T u d o parecia dar errado. Q u a n -
do as coisas c o m e ç a v a m a c a m i n h a r , algo acontecia.
P o u c o antes do D i a das M ã e s , liguei para D e b b i e a fim
de saber c o m o ela estava. S e u pai h a v i a se instalado n u m a
casa de repouso. Ela me p e r g u n t o u se era possível a l g u é m
adquirir o c a r m a de outra pessoa, p o r q u e tinha a nítida sen-
sação de que Della a a c o m p a n h a r a todo aquele t e m p o !
A p ó s d e s l i g a r o telefone, senti D e l l a a m e u l a d o . E l a me
d i s s e q u e , d e s d e a m o r t e , h a v i a se l i g a d o à e n e r g i a de
D e b b i e , d e v i d o à n e c e s s i d a d e de finalizar a l g u m a s q u e s -
tões c o m o m a r i d o . P o r é m , D e l l a m e garantiu que D e b b i e
consentira.
Lembrei-me de que, logo depois da morte de Della,
D e b b i e c o n t o u - m e u m sonho, n o q u a l Della lhe p e r g u n t a v a
se p o d i a ser ela. D e b b i e n ã o entendeu. Então, Della expli-
cou-lhe que seria o m e s m o q u e usar as roupas da filha p o r
a l g u m t e m p o . A l h e i a ao significado daquele pedido, D e b b i e
disse à m ã e que a ajudaria. Em seguida, notei q u e D e b b i e
h a v i a g a n h a d o p e s o e dores pelo corpo. Fisicamente, ela se
parecia cada v e z m a i s c o m Della.
Della agora indicava que o trabalho estava t e r m i n a d o e
q u e p o d i a liberar D e b b i e p a r a que esta seguisse a própria
vida. Ela n ã o se encontrava presa entre os dois m u n d o s , m a s
se apegara ao corpo de D e b b i e e sabia que precisaria de aju-
da p a r a separar-se da filha. C o n v e r s e i c o m D e b b i e e con-
c o r d a m o s e m criar u m a cerimônia p a r a auxiliar Della. M e u
118
lado racional n ã o fazia idéia de c o m o proceder, m a s acredi-
tava que as orientações surgiriam e que d e v í a m o s apenas
segui-las.
As instruções que recebi consistiam em usar um objeto que
pertencera a Della, sua c a n ç ã o favorita e t a m b é m a asa da
coruja que D e b b i e guardara. Eu tinha u m a luva que fora de
Della, que deixava em m e u ateliê, junto c o m metros de fitas
coloridas que ela certa vez usara para enfeites e costura.
No D i a das M ã e s , D e b b i e deitou-se no c h ã o do ateliê, sob
u m a escada de madeira. Ela parecia estar deitada e m b a i x o
d e u m c o m p a s s o gigante ou, u m a tenda. N o último d e g r a u
d a e s c a d a , c o l o q u e i u m a v e l a b r a n c a ; s o b ele, h a v i a u m a
tigela de flores secas. C o l o q u e i u m a vela p ú r p u r a perto da
cabeça de D e b b i e p a r a alinhá-la c o m o Espírito, e u m a vela
v e r d e aos pés dela, representando sua ligação c o m a Terra.
No topo da escada, coloquei a luva e ajeitei a asa da coruja
sobre ela.
Ao pegar as fitas, foram-me m o s t r a d a s as áreas do corpo
de D e b b i e às quais a energia espiritual de Della estava ape-
gada. A m a r r e i u m a cor em c a d a local — n o s pulsos, torno-
zelos, cintura, peito, p e s c o ç o e testa. Para c a d a ponto, eu le-
v a v a a fita ao céu, s u b i n d o a escada. Repeti o ritual várias
vezes até que todos os locais tornaram-se ligados à asa da
coruja que continuava no topo da escada. O efeito final fi-
c o u interessante.
Depois, inseri a c a n ç ã o favorita de Della no aparelho de
s o m e c o m e c e i a coagi-la a sair do c o r p o de D e b b i e . Em
princípio, n a d a aconteceu. Circulei D e b b i e , c h a m a n d o guias
e anjos e p e d i n d o assistência à Coruja. Ela seria a carrua-
g e m de Della, levando-a ao outro m u n d o por m e i o do vôo.
A p ó s alguns instantes, o espírito de Della saiu do corpo
de D e b b i e , e x c l a m a n d o :
119
— Ruth, v o c ê t e m de me ajudar!
R u t h era sua falecida irmã. L o g o , ela apareceu, a c o m p a -
n h a d a de outros ajudantes. Observei-os segurar Della p o r
todos os lados. Em conjunto, m o s t r a m o s a Della que era h o r a
de partir. D e v a g a r , ela c o m e ç o u a retirar-se do p l e x o solar
de D e b b i e . O espírito de Della seguia as fitas tal qual circui-
tos de sua p r ó p r i a e n e r g i a vital. D e l l a foi l e v a d a e s c a d a
acima, d e g r a u após degrau. O a r o m a das flores a fez parar
e me dizer q u e eu tinha de colocar as flores na c a b e ç a e n o s
pés de D e b b i e . Ela esperou que eu salpicasse as pétalas nas
áreas antes de falar n o v a m e n t e .
— Preciso de um m o m e n t o c o m a asa de coruja. — M i -
n u t o s d e p o i s , ela c o n t i n u o u : — A g o r a corte as fitas. Está
s e n d o m a i s difícil partir a g o r a do que q u a n d o morri.
A p r o x i m e i - m e de D e b b i e c o m u m a tesoura e cortei cada
fita s e n t i n d o q u e e u e s t a v a f o r t a l e c e n d o a p a s s a g e m
energética de volta para s e u corpo. C a d a fragmento de fita
teve de ser r e m o v i d o e as aberturas foram seladas n u m ní-
vel etéreo. S i m b o l i c a m e n t e , todos os circuitos de Della re-
tornaram p a r a ela, antes que me fosse permitido cuidar de
Debbie.
O corpo l â n g u i d o de D e b b i e foi d e l i c a d a m e n t e envolvi-
do p o r um lençol. O u t r o grupo de auxiliares a p a r e c e u para
ajudá-la a se recuperar. H o u v e um m o m e n t o de p u r a ener-
gia circulando dos pés à c a b e ç a de Debbie. O objetivo era
retirar qualquer resíduo de Della do p l e x o solar de Debbie.
Q u a n d o o p r o c e s s o terminou, D e b b i e e eu e m b r u l h a m o s a
asa j u n t o c o m as fitas e l e v a m o s tudo ao p ó l o Leste dos Q u a -
tro Portais Direcionais em m i n h a R o d a de Cura.
Coloquei a asa no b u r a c o que havia p r e p a r a d o e n o s des-
p e d i m o s de Della, libertando a verdadeira essência de seu
espírito.
120
A longa p a s s a g e m c o m a Coruja ensinou a m i m e a Debbie
os vários níveis da m o r t e , guiando-nos através da escuri-
dão que e n c o n t r a m o s em n ó s m e s m a s e em outros ao avis-
tar o sinal de nossa luz interior. S e r e m o s para s e m p r e gra-
tas à Coruja, que se dividiu p a r a unir nossas energias. Ao
juntar suas asas, ficamos livres para seguir n o s s o s c a m i n h o s
s e p a r a d a m e n t e , ligadas pela v e r d a d e de n o s s a plenitude.
121
Espírito Mensageirc
Will Davis
122
c o m o aquela p e n a m i l a g r o s a m e n t e viera até m i m . " T a l v e z
seja u m sinal", pensei. " R e z a r e i c o m esta p e n a " .
D e p o i s d e rezar, fiz u m p e q u e n o e s c u d o c o m u m a lasca
de carvalho e amarrei a p e n a no centro dele.
No dia seguinte, c o m e c e i a me sentir melhor. Em p o u c a s
s e m a n a s , senti-me c u r a d o e pronto p a r a seguir em frente.
Então, c o n h e c i u m a p e s s o a c o m q u e m partilhar a vida, al-
g u é m q u e estava interessado em seguir o m e s m o c a m i n h o
espiritual.
A i n d a t e n h o o p e q u e n o e s c u d o c o m a p e n a no centro. Em
a l g u m a s crenças indígenas, o falcão é c o n s i d e r a d o um m e n -
sageiro. Acredito que o Criador e n v i o u - m e u m a m e n s a g e m
n a q u e l e dia, avisando-me que tudo ficaria b e m e que, ape-
sar de estar v i v e n d o um período r u i m ou negativo, há tam-
b é m coisas b o a s a receber.
Q u a n d o n ã o m e sinto b e m c o m i g o m e s m o o u e m m e u
m u n d o , o n d e quer q u e e u esteja, v i s u a l i z o a q u e l e falcão
v o a n d o e deixando u m a p e n a para m i m , e escuto n o v a m e n t e
sua m e n s a g e m .
123
Apoderando-me de Meu Poder
Carol Rydell
124
A p ó s a n o s de estudos espirituais, aprendi q u e a cobra era
um s í m b o l o de t r a n s m u t a ç ã o , do p r o c e s s o de m o r t e e re-
n a s c i m e n t o . U m a cobra troca a própria pele, transitando en-
tre a vida e a m o r t e , tal qual a b a n d o n a m o s n o s s a s partes
envelhecidas p a r a n a s c e r n o v a m e n t e , c o m e ç a r u m n o v o ci-
clo de vida.
A o refletir acerca d e m e u m e d o d e cobra, percebi que e u
temia repelir partes d e m i m m e s m a que n ã o m a i s m e ser-
v i a m . E s t a v a n a h o r a d e trocar d e pele. P o u c o d e p o i s d e
m i n h a s reflexões, o universo graciosamente me presenteou
c o m u m a oportunidade.
E s t a v a a c a m i n h o de u m a consulta médica. E r a um lindo
dia de primavera. Eu adorava dirigir pelo p a r q u e para obser-
var os gansos no lago e qualquer vida s e l v a g e m que pudes-
se surgir. Q u a n d o fiz u m a curva, avistei u m a cobra na bei-
ra da rua. Parecia morta. T ã o logo a vi, s o u b e q u e era para
m i m . Ansiosa, parei e olhei para ela, m a s , m e s m o s a b e n d o
que estava morta, fiquei apavorada.
— L e v e a c o b r a p a r a c a s a — escutei u m a v o z interior
dizer. N ã o p u d e acreditar no que ouvia, m a s era real.
— Isso é loucura — m e u eu p r a g m á t i c o replicou. — V o c ê
n ã o t e m d e recolher u m a cobra m o r t a q u e e n c o n t r o u n a rua.
Resolvi ir ao consultório m é d i c o a fim de n ã o me atrasar
para a consulta. Se a c o b r a fosse r e a l m e n t e m i n h a , ela esta-
ria a m i n h a espera q u a n d o eu voltasse.
A s s i m q u e o m é d i c o saiu da sala de e x a m e , eu p e d i à
assistente um par de luvas cirúrgicas, cuja caixa encontra-
va-se p e n d u r a d a à parede.
— Claro, m a s para que precisa delas? — ela perguntou.
— E s t o u t r a b a l h a n d o n u m p r o j e t o — r e s p o n d i . — Só
preciso d e u m par.
Ela me deixou pegar as luvas, agradeci-lhe e fui embora.
Sentia-me ridícula.
125
Q u a n d o passei pelo parque outra v e z , sabia que a cobra
estaria a m i n h a espera. N u n c a pensei em fazer outro trajeto
a fim de n ã o enfrentar o dilema. Ao me a p r o x i m a r da cur-
v a , lá estava ela. C o n t i n u a v a na m e s m a posição.
A c o b r a e n c o n t r a v a - s e e m ó t i m a s c o n d i ç õ e s . N e m sei
c o m o ela morrera, p o r q u e n ã o havia n e n h u m ferimento apa-
rente. Tal fato c o n f i r m o u o s e n t i m e n t o de que eu devia l e v á -
la p a r a casa.
Saí do carro devagar, ainda r e c e a n d o q u e a cobra pudes-
s e r e s s u s c i t a r e m e picar. O u t r o s v e í c u l o s p a s s a v a m p o r
m i m , tentando adivinhar o que acontecia. Q u a n d o c h e g u e i
m a i s perto da cobra, ela p a r e c e u ainda m a i o r do que antes.
D e v i a ter um m e t r o de c o m p r i m e n t o e era preta. C o m o eu
a levaria para casa? A b r i o porta-malas do carro, achei u m a
sacola de s u p e r m e r c a d o e coloquei as luvas cirúrgicas.
N ã o podia fazê-lo. M e u coração batia rápido demais,
m e u s j o e l h o s t r e m i a m e m i n h a r e s p i r a ç ã o e s t a v a ofegan-
te. D i s s e a m i m m e s m a q u e eu tinha de fazê-lo. E s t a v a na
h o r a d e enfrentar a q u e l e m e d o d e u m a v e z p o r todas. N o -
v a m e n t e , v a s c u l h e i m e u carro, p r o c u r a n d o algo q u e pu-
d e s s e me ajudar. Um t a c o de golfe — era a ferramenta q u e
eu precisava.
" A g o r a está s e n d o m e s m o r i d í c u l a " , m i n h a v o z crítica
ralhou. "O porta-malas está aberto; suas m ã o s estão cober-
tas p o r luvas cirúrgicas; v o c ê segura um taco de golfe e um
saco plástico. O que as pessoas v ã o p e n s a r ? " .
N ã o me importei. P e s q u e i a cobra c o m m i n h a "ferramenta
e s p e c i a l " e coloquei-a no saco. E n t ã o , guardei-a no porta-
malas. E u m a l conseguia respirar.
C o m e c e i a tremer, e n q u a n t o dirigia. N u n c a me senti tão
idiota. Ao c h e g a r em c a s a , usei o taco de golfe p a r a retirar
o s a c o do p o r t a - m a l a s e levei-o até os fundos. J o g u e i a c o -
b r a e m m e u c a n t e i r o d e flores e e s t i q u e i - a a o l o n g o d o s
126
cristais b r a n c o s q u e b o r d e j a v a m o c a n t e i r o . Q u a n d o m e
levantei para admirar meu presente do universo, ainda
senti c e r t o m e d o , m a s t a m b é m h a v i a a d m i r a ç ã o , o r g u l h o
e realização.
Corri para a cozinha a fim de telefonar a u m a amiga e con-
tar-lhe a experiência. D e z minutos depois, voltei ao j a r d i m e
quase desmaiei. Próximo à cabeça da cobra havia um lindo
gaio-azul c o m as asas abertas. Ele t a m b é m estava morto.
Gaios-azuis s e m p r e e n t r a v a m e m m i n h a vida q u a n d o e u
precisava r e c o n h e c e r , h o n r a r o u utilizar p r o p r i a m e n t e m e u
poder. A p r e s e n ç a do pássaro era um sinal de q u e eu havia
p a s s a d o p o r u m a p o d e r o s a experiência simbólica a o enfren-
tar m e u m e d o .
N o r m a l m e n t e , eu pegaria as duas criaturas e as enterra-
ria, m a s me vi a d m i r a n d o a m b a s . O dia tornou-se noite, e
eu ainda n ã o as enterrara por m e i o de u m a cerimônia.
Na m a n h ã seguinte, o sol a q u e c e u - m e q u a n d o saí para o
deque. Eu me preparei e m o c i o n a l e espiritualmente para a
cerimônia que n ã o fizera no dia anterior. Olhei para o can-
teiro de flores. A cobra e o gaio h a v i a m desaparecido.
Entrei em pânico. Senti culpa. N ã o realizara a cerimônia
q u a n d o devia e, portanto, eles h a v i a m sido tirados de m i m .
Procurei em todos os lugares: sob o deque, ao r e d o r da casa,
no j a r d i m inteiro. T a l v e z m e u gato ou outro a n i m a l os ti-
vesse levado ao riacho q u e h a v i a perto de m i n h a proprie-
dade. A p ó s vasculhar os arredores do riacho, n ã o encontrei
a cobra e o gaio.
Resolvi fazer um enterro p a r a eles, apesar de n ã o tê-los
m a i s c o m i g o fisicamente. A g r a d e c i os presentes e os ensi-
n a m e n t o s . Ofereci água, tabaco e milho à M ã e Terra.
L o g o c e d o , na m a n h ã s e g u i n t e , tive um s o n h o . Vi que a
c o b r a e s t a v a e m b a i x o do d e q u e e p r o n t a p a r a voltar. E m -
b o r a e u t i v e s s e p r o c u r a d o n a q u e l e local, l e v a n t e i - m e , v e s -
127
ti u m a r o u p a , fui à g a r a g e m e p e g u e i o p e d a ç o de m a d e i r a
q u e h a v i a u s a d o n o dia anterior p a r a v a s c u l h a r e m b a i x o
do d e q u e .
A j o e l h e i - m e ao l a d o do d e q u e e c o m e c e i a cutucar. De
repente, senti algo pesado. Puxei-o e avistei a cobra na ex-
t r e m i d a d e d o p e d a ç o d e madeira. M i n h a c o b r a havia volta-
do. P e n s e i em quão m á g i c a era a vida.
N ã o perdi t e m p o c o m u m a cerimônia. M e u guia instruiu-
me para abrir u m a vala na terra, a c o m o d a r a cobra e cobri-
la c o m pedras. A M ã e Terra e suas criaturas c u m p r i r i a m seu
d e v e r e, após dois ou três m e s e s , eu r e m o v e r i a as vértebras
da cobra p a r a usá-las nas bijuterias e n o s objetos de arte que
eu criava. Mais u m a vez, orei e ofereci tabaco, água e milho.
E r a u m a m a n h ã g l o r i o s a , e saí p a r a m i n h a c a m i n h a d a
diária. Sentia-me grata pelo que acontecera naquela m a n h ã .
D e p o i s de andar por vinte m i n u t o s , entrei n u m a rua e, dian-
te de m i m , avistei u m a p e n a de um gaio-azul. A b a i x e i - m e e
a peguei.
Ela p o s s u í a u m a coloração magnífica, azul e preta, c o m
detalhes b r a n c o s n a ponta. N o m e s m o instante, escutei que
ela viera c o m o u m a dádiva de honra e reciprocidade. Já que
eu h o n r a r a o gaio s e m sua forma física, ele me h o n r a v a c o m
sua p r e s e n ç a . Fiquei grata p e l o presente e rezei em agrade-
c i m e n t o , antes de r e t o m a r a c a m i n h a d a .
Em seguida, no g r a m a d o a m e u lado, vi outra p e n a de
gaio. Peguei-a. E r a tão linda q u a n t o a p r i m e i r a . E l a dizia
que viera até m i m c o m o u m a dádiva de morte e renascimen-
to, um ciclo contínuo. Simbolicamente, eu havia
experienciado tal ciclo q u a n d o escolhi enfrentar o m e d o da
cobra.
C o n t i n u e i a c a m i n h a r e encontrei outra pena. E n q u a n t o
a segurava, soube que era u m a dádiva de fé e que eu n ã o
estivera sozinha durante o processo.
128
O u t r a p e n a apareceu; esta me trouxe a c o m p r e e n s ã o de
que o mundo etéreo é tão poderoso quanto o físico. Havia reali-
zado a cerimônia m e s m o s e m ter a cobra e o pássaro para
enterrar. Eles s a b i a m que t i n h a m sido honrados.
A c a d a cinco m e t r o s , u m a pena aparecia para m i m , c a d a
u m a trazendo u m a m e n s a g e m única. A última pena repre-
sentava u m a dádiva p o r eu apoderar-me de meu poder. O ve-
lho m e d o n ã o mais me dominava. D i s s e r a m - m e que o m a i s
importante a fazer no m u n d o é nos tornarmos aquilo que
s o m o s e que p o d e m o s ser.
Q u a n d o c h e g u e i em c a s a , tinha v i n t e e d u a s p e n a s ao
todo. M e u pássaro sagrado havia retornado para m i m , m a s
em outro formato. L e v e i as p e n a s ao t ú m u l o da cobra e j o -
guei todas elas, m e n o s uma, na terra.
A q u e l a única p e n a d e gaio p e r m a n e c e respeitosamente
em m i n h a escrivaninha. C a d a vez que a vejo, penso n o s pre-
ciosos p r e s e n t e s q u e a s p e n a s p o d e m oferecer. E n q u a n t o
continuo a crescer espiritual e e m o c i o n a l m e n t e , tornándo-
m e repleta d o q u e sou, tenho u m a profunda c o m p r e e n s ã o
de suas m e n s a g e n s .
129
Uma Pequena Pena Branca
Cate M. Cummings
130
v e m o s n o chão. U m a p e n a branca! U m a p e n a n o ambiente
esterilizado do hospital?
— A c h o que é para você — m e u marido diz, por impulso.
Intrigada, seguro a p e n a em m i n h a m ã o e atravesso as
portas. Q u a n d o olho p a r a cima, percebo que n ã o e s t a m o s
no quarto andar, o n d e se e n c o n t r a a U T I . E s t a m o s no se-
g u n d o andar. Juntos, l e m o s as letras impressas no vidro da
porta — M A T E R N I D A D E . É o lugar o n d e os b e b ê s n a s c e m ,
onde a esperança nasce, o n d e u m a n o v a vida — u m a n o v a
vida! — v e m à realidade.
E m m e i o aos pedidos insistentes dos parentes para e u de-
sistir de m e u pai, da r e c o m e n d a ç ã o dele p r ó p r i o para que
eu " n ã o a p e l a s s e p a r a m e d i d a s e x t r a o r d i n á r i a s a fim de
mantê-lo v i v o " e da inexplicável falta de fé da equipe m é -
dica, p e r m a n e c i resoluta. Insisti em mantê-lo v i v o . Decidi
lutar pela vida. N ã o se trata do clichê "vida", m a s sim de
u m a expressão que n ã o p o d e m o s n o m e a r n e m ver.
A dádiva da m e n t e é u m a e n o r m e b ê n ç ã o que paira so-
bre n ó s ; e, c o m o intuito de criar u m a e x a l t a ç ã o m e n t a l ,
a c o r d a m o s , de repente, e p e r c e b e m o s que s o m o s acolhidos
pelas luvas de D e u s , tal qual p r o t e g e m o s um p e q u e n o pás-
saro o u suas penas e m n o s s a s m ã o s .
É d e z e m b r o . Em p o u c o s dias, será o Natal. M e u pai está
e m casa comigo. M A T E R N I D A D E !
131
Meditaçãc
AS CORES DAS PENAS E O QUE ELAS SIGNIFICAM
132
Espírito da Coruja
Raven Lamoreux-Dodd
133
q u a n d o estou prestes a trabalhar ou q u a n d o preciso de aju-
d a o u inspiração. E m qualquer país e m que m o r o o u que
visito, a s corujas v o a m até m i m o u a p a r e c e m p a r a m i m . E m
n o s s a casa, na Inglaterra, as corujas n o s c h a m a m à noite ou
de manhã.
Talvez a m e n s a g e m m a i s consistente que recebi da coru-
ja tenha sido: "Confie em seu c o n h e c i m e n t o interior". Essa
m e n s a g e m surgiu n a noite e m que recebi u m presente ex-
traordinário de u m a coruja.
Certa noite, quando saí da reserva indígena de
M i c o s s u k e e , a l u a n o v a p o u c o e n c o r a j a v a m e u trajeto. A
rodovia parecia estreita d e m a i s n a escuridão d a noite. M i -
n h a m e n t e v a g a v a pelas experiências daquele dia, e eu me
concentrava no c a m i n h ã o à m i n h a frente que me ajudava a
dirigir. De repente, notei um m o v i m e n t o na lateral esquer-
da do c a m i n h ã o , q u a s e imperceptível d e v i d o aos faróis dos
outros veículos. E r a u m a coruja, e ela v o a v a b a i x o demais.
Fiquei horrorizada q u a n d o ela colidiu c o m o c a m i n h ã o e es-
patifou-se no a c o s t a m e n t o . D i m i n u í a v e l o c i d a d e e parei.
A i n d a trêmula, e s p e r e i que u m g r u p o d e carros passasse
antes de abrir a porta.
— G r a n d e Espírito — e v o q u e i —, p o r favor, ajude-me.
— N ã o achei u m a lanterna no carro, m a s encontrei m i n h a
m a n t a asteca.
C o m o auxílio dos faróis dos carros que p a s s a v a m , per-
corri a longa distância que me separava da coruja. O tráfe-
go desapareceu. Eu m a l p o d i a ver a faixa do a c o s t a m e n t o e
o n e v o e i r o a u m e n t a v a . C o n t i n u e i p e d i n d o ajuda e tentei
" e n x e r g a r " p o r m e i o de m e u s pés. A n d e i alguns m e t r o s e
ouvi um pio. Parei e escutei. E r a a coruja; seu l a m e n t o m o -
ribundo c a u s o u - m e arrepios.
Q u a n d o outro carro p a s s o u , olhei para m e u s p é s e avis-
tei a coruja diante de m i m . P e d i p e r m i s s ã o para tocar a ave
134
e c u i d a d o s a m e n t e a m o v i p a r a v e r se ainda vivia. O pesco-
ço estava quebrado. Acomodei-a na manta, conversando
c o m seu espírito e p e d i n d o ao G r a n d e Espírito q u e cuidas-
se da ave. A coruja piou u m a última vez. O que eu tinha de
fazer?
Senti q u e devia levá-la p a r a casa. Pressenti q u e receberia
orientações ao longo do c a m i n h o . Ofereci tabaco e voltei ao
carro. S e n t i a - m e e s t r a n h a m e n t e feliz, t e m e r o s a e confiante
ao m e s m o t e m p o .
E n q u a n t o dirigia, c o n v e r s a v a c o m a coruja e acariciava
sua cabeça. U m a v e z em casa, perguntei-me o que fazia c o m
aquela coruja e que direito eu tinha de tê-la tirado do pân-
tano. E n t ã o , das profundezas, u m a v o z disse:
— P o d e ficar c o m as asas, as garras e a l g u m a s p e n a s da
região do coração. Enterre o resto da coruja perto do local
onde fará a cerimônia. A s s i m que completar tudo isso, sa-
berá o que fazer.
Fiquei profundamente grata p o r essa oportunidade, e m -
bora n ã o s o u b e s s e c o m o proceder. Fiz um café, a p a g u e i as
luzes e me sentei c o m a coruja. Fitando o céu, c o m e c e i a me
preparar p a r a cuidar de seu b e l o corpo.
A brisa do golfo p e n e t r o u pelas janelas, i m p e l i n d o - m e a
agir. Eu sabia q u e n ã o teria m u i t o tempo, se quisesse pre-
servar as asas em p o s i ç ã o de v ô o . Possuía certa experiência
em limpar perdizes após ter m o r a d o na região de Q u e b e c .
Apesar de ter c o m i d o as perdizes c o m respeito e de ter usa-
do suas p e n a s de m o d o h o n r a d o , aquilo parecia b e m dife-
rente. Era u m a hora da m a n h ã . N ã o queria acordar n i n g u é m
só p a r a pedir conselhos; portanto, tinha de confiar no Espí-
rito e em m i m m e s m a .
T o m e i um b a n h o e fiz u m a l i m p e z a energética da coruja,
do c ô m o d o e de m i m m e s m a c o m a fumaça de sálvia. Q u a n -
do r e m o v i as asas, pedi p e r d ã o à coruja, caso eu fizesse algo
135
que a desonrasse. Retirei a c a r n e d o s ossos c o m um bisturi.
Tão logo as limpei da m e l h o r m a n e i r a que p u d e , eu as abri,
d e p o i s a s p r e n d i à s g r a d e s d o forno c o m p r e g a d o r e s d e
m a d e i r a e levei-as ao forno quente. Desliguei o forno e dei-
xei a tampa aberta. E n q u a n t o as asas s e c a v a m , peguei as gar-
ras e as p e n a s do peito, e as e m b r u l h e i n u m p a n o v e r m e l h o
p a r a protegê-las.
Olhei para o relógio e notei, perplexa, q u e e r a m seis ho-
ras da m a n h ã . Decidi ligar p a r a um a m i g o de o r i g e m indí-
g e n a e pedir-lhe um c o n s e l h o de c o m o retirar os resquícios
de carne das asas. S a b i a q u e a coruja era um c u r a d o r p o d e -
roso e sentia-me responsável por honrar sua carcaça.
Ele sugeriu q u e eu pedisse ajuda às formigas. Se eu colo-
casse as asas n u m lugar o n d e s o m e n t e as formigas pudes-
s e m alcançá-las, elas r e s o l v e r i a m o p r o b l e m a . Claro que eu
teria de ficar atenta e barrar as formigas no m o m e n t o certo.
I m a g i n a n d o a r e a ç ã o d o s v i z i n h o s , c a s o eu p e n d u r a s s e
as asas na j a n e l a , disse q u e seria impossível! P o r fim, colo-
quei as asas na varanda, já que as formigas e r a m p e q u e n a s
d e m a i s para carregá-las p e l o s degraus.
D o i s dias depois, m e u a m i g o a p a r e c e u p a r a m e ajudar.
L i m p a m o s as asas e p e d i m o s às formigas que fossem e m -
bora. Fiquei feliz ao v e r que elas n ã o p r e t e n d i a m ficar. En-
terrei a coruja n u m local sagrado, c o m oferendas de tabaco
e m i l h o , e p e d i u m a b ê n ç ã o do G r a n d e Espírito e da coruja.
D i s s e r a m - m e que eu devia usar as asas para dançar.
— D a n c e p a r a curar a si m e s m a e ajudar os outros. D a n -
ce pela j o r n a d a c o m a Coruja e veja através da escuridão. A
Coruja estará s e m p r e c o m v o c ê .
S o u p r o f u n d a m e n t e grata p e l o s presentes da Coruja do
Espírito. C a d a v e z que d a n ç o c o m as lindas asas da coruja,
l e m b r o - m e d a m e n s a g e m d e "confie e m seu c o n h e c i m e n t o
interior", e n q u a n t o continuo m i n h a j o r n a d a curativa.
136
Penas e Bonecas
Vicki Wagoner
137
Fiz um b u r a c o p e q u e n o , apenas o suficiente para conter
a s b o n e c a s . C o l o q u e i u m a c o n c h a nas m ã o s delas. P e r d o e i
m e u passado, despedi-me e agradeci a D e u s e aos anjos p o r
me dar forças para fazer aquilo. D e p o i s de tapar o b u r a c o
c o m areia, rezei m a i s u m a vez.
Decidi nadar n o golfo p a r a m e purificar c o m água salga-
da. E n q u a n t o c a m i n h a v a e m d i r e ç ã o a o m a r , olhei p a r a
b a i x o ; a m e u s pés jazia u m a e n o r m e p e n a b e g e . Peguei-a,
entoei outra p r e c e de agradecimento, guardei-a junto c o m
a p e n a b r a n c a e dirigi-me à água. S u b m e r g i t o d o o m e u eu
na á g u a do mar, liberando v e l h a s feridas, p e d i n d o purifi-
c a ç ã o e luz.
De r e p e n t e , vi p á s s a r o s v o a n d o e p o u s a n d o na á g u a a
m e u redor. Senti-me protegida e amada. Parecia que os anjos
v i n h a m até m i m n a forma d e pássaros!
E m e r g i da água, s e q u e i - m e e c o m e c e i a d e i x a r a p r a i a
q u a n d o percebi u m a p e n a m a r r o m a m e u s pés. Dessa vez,
ri a valer e, enfim, as lágrimas surgiram, lágrimas de alívio
e satisfação p o r q u e u m a outra parte de m e u p a s s a d o fora
curada.
138
Penas Dançarina*
Cervo Hesitante
139
u m velho índio, o m e s m o que aparecera para m i m e m so-
n h o s e visões.
— A c o r d e ou irá m o r r e r — ele disse.
E u i m e d i a t a m e n t e abri o s olhos, m a s n ã o c o n s e g u i a pa-
rar de tremer. A c h e i que iria m o r r e r congelado. E n t ã o , a v o z
d e u m a m u l h e r gentilmente p e d i u - m e para cantar.
— V o c ê deve estar b r i n c a n d o — protestei. M a s a v o z in-
sistiu e, então, c o m e c e i a cantar. No m e s m o instante, senti
m e u corpo se aquecer e s o u b e q u e superaria a j o r n a d a s e m
congelar.
Sete dias depois, tive outro s o n h o . Eu estava n u m a torre
de p e d r a c o m um a m i g o , o l h a n d o p e l a j a n e l a . A torre se
erguia a c i m a do m u n d o inteiro, e eu observava o que acon-
tecia lá e m b a i x o . Era um lindo dia de p r i m a v e r a e eu p o d i a
ver a terra florescer. Eu usava apenas um tecido de couro
a m a r r a d o à cintura.
Virei para m e u a m i g o e disse:
— E s t á na h o r a de descer. — C o l o q u e i u m a t o u c a reple-
ta de penas pretas na cabeça. As penas, eu notei, eram
a q u e l a s q u e eu coletara no s o n h o anterior, e e s t a v a m pre-
sas a u m a faixa v e r m e l h a . D e p o i s de p ô r a t o u c a , c o m e c e i
a dançar.
E n t ã o , no s o n h o , m e u a v ô (que é de o r i g e m C h e r o k e e )
veio até m i m e m o s t r o u - m e um arco de pedra e u m a roda
d e cura t a m b é m d e pedra. N o centro, havia u m a fonte. Ele
me disse que eu tinha de recriar aquela visão e c o m p o r um
ritual s e m e l h a n t e à D a n ç a do Sol. Esta seria c h a m a d a de a
D a n ç a d a Pedra.
Entendi, finalmente, o s o n h o das p e n a s pretas. P a r a m i m ,
o p r e t o é a cor do n o r t e , a d i r e ç ã o do i n v e r n o . T o d a s as
m i n h a s ligações espirituais c o m e ç a m n o norte. M e u m ê s d e
n a s c i m e n t o é d e z e m b r o ; m e u n a s c i m e n t o espiritual aconte-
c e u no norte, no território S a s k a t c h e w a n . O n o r t e é o lugar
140
da sabedoria, da visão e do c o n h e c i m e n t o interiores. É um
lugar s e m preconceitos, o lugar o n d e v o c ê p e r d o a a si m e s -
mo e aos outros, e vive apenas o presente. É t a m b é m o sím-
b o l o do feminino, a escuridão, a volta ao útero.
O sonho me ofereceu o t e m p o necessário para despertar
m e u p o d e r curador, c o n s a g r a n d o - m e c o m a energia v e r m e -
lha (sul, m a s c u l i n o ) e a energia preta (norte, feminino).
A n o p a s s a d o , conduzi a n o n a D a n ç a da P e d r a n u m a área
florestal sagrada, dedicada a essa proposta a cada p r i m a v e -
ra. T o d o s os anos, ensino àqueles que q u e r e m dançar c o m o
receber a energia sagrada do C r i a d o r que os fortalecerá p a r a
o p r ó x i m o p a s s o de suas jornadas.
A visão onírica da dança das p e n a s pretas h a v i a sido rea-
lizada.
141
A Terra É uma Mãe Perfeita
Rod Skenandore, "Chefe Alce"
142
m e u leque de p e n a s de águia no carro e c o m e c e i a abaná-
los, a b e n ç o a n d o - o s p e l o trabalho. D e repente, u m a á g u i a
surgiu a c i m a de nós. O b s e r v a m o s a ave e n q u a n t o esta cir-
culava o céu e derrubava u m a pena. C o n s e g u i agarrá-la. E r a
u m a p e n a p e q u e n a , r e p r e s e n t a n d o a criança que em b r e v e
teríamos, e t a m b é m era u m a m e n s a g e m do Espírito, dizen-
do que tudo correria b e m durante o parto.
Levei minhas penas ao tribunal a fim de ajudar a defender
o direito dos índios americauos a realizar a Dança do Sol c o m o
u m a cerimônia religiosa. Processamos o governo federal por
perseguição religiosa. Esse caso acabou resultando na Lei de
Liberdade Religiosa dos índios Norte-Americanos.
Usei minha pena de águia no tribunal de Omaha,
N e b r a s k a , o n d e dois c o m p a n h e i r o s m e u s — m e m b r o s do
M o v i m e n t o I n d í g e n a A m e r i c a n o que fundamos para defen-
der os direitos civis e políticos d o s índios — enfrentavam
u m j u l g a m e n t o p o r m a t a r agentes d o F B I n a R e s e r v a d e Pine
R i d g e . Eu o b s e r v e i em silêncio, e n q u a n t o o chefe da C I A
admitia que havia m e n t i d o a respeito da prova. Q u a n d o saí-
do tribunal, repórteres me p e r g u n t a r a m c o m o avaliava o
desenrolar do j u l g a m e n t o .
— Estará t e r m i n a d o em dois dias — repliquei. D a d a a
g r a v i d a d e do c a s o , o j u l g a m e n t o p o d e r i a durar s e m a n a s .
Portanto, m i n h a p r e m o n i ç ã o parecia espantosa. M a s os si-
nais do Espírito e r a m claros.
Dirigi até os limites da cidade. Q u a n d o cheguei ao local
certo, saí, levando m e u tabaco e m i n h a pena de águia. Orei e
realizei u m a cerimônia para meus irmãos capturados. Nesse
estado alterado, tive u m a visão: um p u n h a d o de p e n a s de
águia estava empilhado n o s pratos da balança da justiça, cra-
vada à entrada do tribunal de O m a h a . Eles e s t a v a m igual-
m e n t e equilibrados. M e n t a l m e n t e , coloquei m i n h a p e n a de
águia n u m prato que c h a m e i de prato da "verdade". E s s e
143
prato baixou, e l e v a n d o o do outro lado. Dois dias depois,
c o m o eu previra, m e u s companheiros foram liberados.
As situações m a i s desesperadoras p o d e m ser resolvidas
c o m o poder curador da pena. C o m rezas, cerimônia e a p e n a
para expressar a intenção do x a m ã , qualquer desejo p o d e
acontecer. Um e x e m p l o é a c e r i m ô n i a U w i p i , um ritual sa-
grado da tradição L a k o t a Sioux.
Um altar é criado c o m os símbolos das quatro direções e
u m a pessoa é a m a r r a d a pelos m e m b r o s . U m a m a n t a cobre
c o m p l e t a m e n t e o corpo do x a m ã . As luzes se a p a g a m e a
c e r i m ô n i a c o m e ç a . S o m e n t e o Espírito p o d e d e s a m a r r a r o
h o m e m s o b a m a n t a . S o m e n t e o Espírito tem o p o d e r de
soltar os n ó s e n o s libertar dos p r o b l e m a s que criamos para
nós mesmos.
E m certa ocasião, durante u m e c e r i m ô n i a U w i p i , n ó s n o s
r e u n i m o s n u m a sala e s p a ç o s a . C o b r i m o s a s j a n e l a s c o m
cobertores p a r a escurecer ainda m a i s o ambiente. Os outros
sentaram-se em círculo. C a n t a r a m e b a t e r a m os t a m b o r e s , à
e s p e r a da e n e r g i a espiritual. Eu a g u a r d a v a s o b a m a n t a ,
m e u s braços e pernas e s t a v a m amarrados. A escuridão era
sufocante.
De repente, escutei canções antigas de cura e m e u s m e m -
b r o s c o m e ç a r a m a se soltar, até que p u d e m o v ê - l o s livre-
mente. A m i n h a frente, surgiram as a l m a s dos sete anciãos,
sentados em semicírculo a m e u redor. Sentei c o m eles, ab-
sorvendo seu p o d e r e energia.
Eles cintilavam. No altar atrás deles, havia u m a p e n a de
águia n u m a roda, a qual fora feita p o r C r o w D o g . O b s e r v e i
a p e n a q u a n d o esta se e r g u e u s o z i n h a , r o d e a n d o a luz, e
atravessou a sala em m i n h a direção, c o m sua energia bri-
lhante.
L á g r i m a s r o l a r a m em m e u rosto. Ao esticar a m ã o , a pena
f l u t u o u e caiu e m m i n h a p a l m a . E n t ã o , escutei u m ruído
144
repentino, c o m o u m a e x p l o s ã o , e todos os cobertores caí-
r a m das janelas. Corri à j a n e l a m a i s p r ó x i m a e olhei para
fora. U m a águia v o a v a , e m b o r a tivesse colidido n o vidro
da sala.
M o m e n t o s c o m o esse para m i m c o n f i r m a m que estamos
todos conectados, e q u e as portas estão abertas entre o n o s -
so t e m p o e todos os outros tempos. E s t a m o s aqui para virar
a m a r é do tempo, e a sabedoria dos anciãos está disponível
para n o s ajudar. O fio d o u r a d o que liga todas as raças está
lá, e as p e n a s p o d e m n o s unir de diversas maneiras. A Terra
É uma Mãe Perfeita, se a e s c u t a r m o s e a p r e n d e r m o s c o m ela.
145
Música do Falcão
Maril Crabtree
de um acalanto límpido.
146
Falcão Guardião
Amy Belanger
147
Maril Crabtree fa# Sapada 8
ensinar o m u n d o a cuidar da terra, c o m o t a m b é m precisá-
v a m o s m o s t r a r lições espirituais daqueles que n o s e n s i n a m
d i a n t e de a d v e r s i d a d e s . T í n h a m o s de a p r e n d e r a refazer
n o s s a l i n g u a g e m para atingir o s que n ã o c o n h e c i a m n o s s o
trabalho, curar n o s s o próprio desespero ante o q u e perdía-
m o s , e p e r m a n e c e r m o s pacíficos e c o m p l a c e n t e s contra a
oposição hostil. No último dia, cada um de n ó s sabia que
havíamos crescido como professores e que tínhamos nos
u n i d o uns aos outros tanto na m e n t e c o m o no espírito.
N a q u e l e dia frio de p r i m a v e r a e na a l e g r i a de n o s s o s
corações, n ó s nos a g r u p a m o s p a r a a cerimônia de encerra-
m e n t o à beira do lago. D u z e n t a s pessoas deram-se as m ã o s
n u m g r a n d e círculo, p a s s a n d o u m a p e n a d e falcão, c o m o
um lembrete do antigo índio a m e r i c a n o , e cada u m a aben-
çoou aquele encontro. No solo, perto do círculo, alguém
avistou outra pena. Era a p e n a de n o s s o falcão guardião, e
c o n c o r d a m o s e m aceitá-la c o m o u m presente d e despedida
de n o s s o c o m p a n h e i r o viajante.
A b a i x a m o s n o s s a s cabeças para rezar, m e d i t a r e escutar
as palavras de sabedoria de n o s s o líder, que e r g u e u a pena
a fim de agradecer ao falcão guardião, que n o s agraciara c o m
sua presença durante os três dias. De q u a n d o em q u a n d o
em nossas discussões, n ó s o v í a m o s atravessando o céu ou
q u a s e i m ó v e l entre a s n u v e n s . Ele s e t o r n o u u m s í m b o l o
para n ó s d e tudo pelo q u e trabalhávamos. Foi u m daqueles
raros m o m e n t o s em que o aperto de m ã o de u m a pessoa e
o brilho dos olhos significam: " s o m o s u m " .
E r g u e m o s n o s s a s m ã o s e o l h a m o s o céu no instante final
d o fechamento. E x c l a m a ç õ e s e c o a r a m q u a n d o testemunha-
m o s n o s s o sentinela sagrado, o falcão guardião, descrever
o formato exato de n o s s o círculo a c i m a de nós, completan-
do a b ê n ç ã o c o m um c u m p r i m e n t o inesquecível.
148
Meditaçãc
UM PASSEIO NA FLORESTA
149
que o desenvolvimento desenfreado chega a suas árvores. Além
de perdermos as árvores antigas e importantes, e de não poder-
mos mais desfrutar de sua sombra e admirá-las, não teremos igual-
mente pássaros para ver e ouvir, e outras criaturas menores. E,
sem os pássaros, não haverá penas para acrescentar beleza ao
mundo, nenhuma pena para encontrar no caminho da floresta.
Nesse momento, como se adivinhasse meus pensamentos, uma
pena aparece na trilha. Ela entoa seu aviso: "Não estejam tão cer-
tos de mim. Posso não estar aqui para seus netos".
Os sinais de um planeta em perigo estão a nosso redor, mesmo
quando procuramos somente penas. Talvez seja por isso que o
universo parece enviar mensagens sempre que pode. Só então,
saberemos que a hora de agir — por nosso futuro e pelo futuro
das próximas gerações — é agora. As penas são também uma
mensagem para proteger e amar todas as formas de vida do pla-
neta, e, assim, seus presentes continuarão aqui para todos.
150
Parte X r ê s
153
p a s s e a v a pelo zoológico no final de s e m a n a anterior. P o r é m ,
e m lugar d e colocá-la j u n t o c o m m i n h a s outras penas, p o r
a l g u m a razão a deixara no bolso daquele casaco. A g o r a eu
entendia p o r quê. Retirei-a do bolso.
— Eu gostaria de lhe dar um p e q u e n o presente em troca
das coisas que partilhou c o m i g o — eu disse, oferecendo a
p e n a ao gerente. Expliquei-lhe por que as penas e r a m espe-
ciais p a r a m i m . Ele m e agradeceu.
— V o u colocá-la em m e u altar e ela me lembrará de que
preciso me doar às p e s s o a s — ele disse.
F i q u e i contente. U m presente b e m d a d o e g r a c i o s a m e n t e
recebido, e m especial p o r u m estranho, possui u m a quali-
dade sagrada e m n o s s o m u n d o t u m u l t u a d o . Trocar m i n h a
p e n a pelo t e m p o que esse h o m e m d i s p e n s o u a m i m foi gra-
tificante.
No dia seguinte, depois de ter percorrido o labirinto in-
terno c o m dúzias d e p e s s o a s que, c o m o eu, e x p e r i m e n t a -
r a m aquela forma única de oração contemplativa, voltei à
catedral p a r a percorrer o labirinto externo. Este fora esculpi-
do em p e d r a n u m a área adjacente ao café. O gerente h a v i a
m e n c i o n a d o que o labirinto ao ar livre era u m a experiência
distinta, e ele estava certo. Um h o m e m p r a t i c a n d o tai chi
n u m canto do terreno me c u m p r i m e n t o u ; ele e eu é r a m o s
os únicos que usufruíamos daquele ar matinal, j u n t o c o m
alguns p o m b o s que c i s c a v a m p o r ali.
A p ó s completar m i n h a c a m i n h a d a n o labirinto, resolvi i r
a o café p a r a agradecer n o v a m e n t e a o gerente. A o m e apro-
x i m a r d o estabelecimento, olhei p a r a b a i x o . A o lado d e u m
arbusto, jazia u m a linda p e n a b r a n c a .
S o u b e i m e d i a t a m e n t e que ela era p a r a m i m . O universo,
a o n o s a b e n ç o a r c o m abundância, p r e s e n t e a v a - m e c o m ou-
tra p e n a , a qual seria u m a preciosa l e m b r a n ç a daquele lu-
gar especial.
154
p a s s e a v a pelo zoológico no final de s e m a n a anterior. P o r é m ,
e m lugar d e colocá-la j u n t o c o m m i n h a s outras penas, p o r
a l g u m a razão a deixara no bolso daquele casaco. A g o r a eu
entendia p o r quê. Retirei-a do bolso.
— Eu gostaria de lhe dar um p e q u e n o presente em troca
das coisas que partilhou c o m i g o — eu disse, oferecendo a
p e n a ao gerente. Expliquei-lhe p o r que as penas e r a m espe-
ciais p a r a m i m . Ele m e agradeceu.
— V o u colocá-la em m e u altar e ela me lembrará de que
preciso me doar às p e s s o a s — ele disse.
F i q u e i contente. Um presente b e m d a d o e g r a c i o s a m e n t e
recebido, e m especial p o r u m estranho, possui u m a quali-
dade sagrada e m n o s s o m u n d o tumultuado. Trocar m i n h a
p e n a pelo t e m p o que esse h o m e m d i s p e n s o u a m i m foi gra-
tificante.
No dia seguinte, d e p o i s de ter percorrido o labirinto in-
terno c o m dúzias d e p e s s o a s que, c o m o eu, e x p e r i m e n t a -
r a m aquela forma ú n i c a de oração contemplativa, voltei à
catedral para percorrer o labirinto externo. Este fora esculpi-
do em p e d r a n u m a área adjacente ao café. O gerente h a v i a
m e n c i o n a d o que o labirinto ao ar livre era u m a experiência
distinta, e ele estava certo. Um h o m e m p r a t i c a n d o tai chi
n u m canto do terreno me c u m p r i m e n t o u ; ele e eu é r a m o s
os únicos que usufruíamos daquele ar matinal, j u n t o c o m
alguns p o m b o s que c i s c a v a m p o r ali.
A p ó s c o m p l e t a r m i n h a c a m i n h a d a n o labirinto, resolvi i r
ao café para agradecer n o v a m e n t e ao gerente. Ao me apro-
x i m a r d o estabelecimento, olhei para b a i x o . A o lado d e u m
arbusto, jazia u m a linda p e n a b r a n c a .
S o u b e i m e d i a t a m e n t e que ela era p a r a m i m . O universo,
a o n o s a b e n ç o a r c o m abundância, p r e s e n t e a v a - m e c o m ou-
tra p e n a , a qual seria u m a preciosa l e m b r a n ç a daquele lu-
gar especial
154
Segurei a p e n a em m i n h a s m ã o s e agradeci os m e i o s m i s -
teriosos, m a s simples, que o universo utiliza para se c o m u -
nicar. " C o m e c e aqui. C o m e c e agora", pensei, enquanto aca-
riciava a pena. "Procurarei m a i s oportunidades para ofere-
cer m i n h a s p e n a s e eu m e s m a . " Espantada, percebi q u e rea-
firmava a intenção do gerente, q u a n d o este dissera q u e a
p e n a o lembraria de doar-se mais aos outros.
A p e n a b r a n c a ainda está c o m i g o . M a s sei que encontra-
rei s e u p r ó x i m o d o n o e m breve...
155
Dom
Terrill Petri
157
Anjos a Meus Pés
Vicki Wagoner
158
Fiquei estupefata. Foi a cena m a i s impressionante que já vi.
Elas p e r m a n e c e r a m n a q u e l a posição por alguns m i n u t o s e
depois v o a r a m .
A l m o c e i , li e meditei c o m o de hábito. O dia estava enso-
larado e lindo, c o m p o u c a s n u v e n s no céu, u m a brisa re-
frescante e u m a atmosfera m á g i c a .
Q u a n d o me levantei para voltar ao trabalho, dei alguns
passos e escutei a seguinte m e n s a g e m :
— O p r e s e n t e está a seus pés.
Olhei para baixo. Sobre a g r a m a havia n o v e p e n a s bran-
cas e u m a p e n a azulada.
A g r a d e c i a o s anjos p o r me v i s i t a r e m . A m e n s a g e m foi
clara. C o m os desafios de u m a n o v a carreira, um s e g u n d o
trabalho para completar o orçamento, um m a r i d o e dois fi-
lhos adolescentes, sinto-me sobrecarregada e desequilibra-
da, a despeito de m i n h a s tentativas de relaxar e confiar que
tudo dará certo. T e n d o a me deixar levar pela falta de fé.
P o r é m , m a i s u m a vez, os anjos encontraram m e i o s de dizer
que sou a m a d a , protegida e guiada.
Recolhi as penas e as coloquei n u m pote em m i n h a mesa.
No pote estão impressos os dizeres Liberte-se. C a d a vez que
olho p a r a elas, r e c o r d o o silêncio s e r e n o dos p á s s a r o s —
m e u s anjos disfarçados — e o m a r a v i l h o s o presente.
159
Um Fardo Tão Leve Quanto uma Pena
Robert Gass
161
— Isso é para v o c ê . D i s s e r a m - m e q u e eu devia lhe dar
isso. — N a s m ã o s dela h a v i a u m a p e n a de um falcão de rabo
vermelho.
Q u a n d o toquei a pena, escutei a v o z de m e u " e u " duvi-
doso, tentando encontrar u m a justificativa racional. M a s n ã o
h a v i a n e n h u m a . Pela primeira v e z , m e u interior cético e s -
tava s e m palavras.
A p e n a está e m m e u altar c o m o u m a l e m b r a n ç a d a v o n -
tade de D e u s .
162
Pena de Pica-Pau
Paul W. Anderson
163
a m i m . " P e g u e a p e n a que v o c ê pediu. É sua. Os pássaros a
d e i x a r a m para v o c ê " .
A sincronicidade, para m i m , é c o m o u m a m a n i f e s t a ç ã o
p a r a n o r m a l . T u d o p a r e c e interligado. M a i s u m a v e z , perce-
bi q u e estava no lugar e na h o r a certos. Perplexo, aceitei a
p e n a que, três m e s e s atrás, eu h a v i a p e d i d o . E, e m b o r a a
aparição daquela pena coincidisse com uma experiência
interior q u e eu tivera, o verdadeiro i m p a c t o e o e n s i n a m e n -
to p r o p o r c i o n a d o s por ela ainda e s t a v a m p o r vir.
As penas surgem em minha vida como poderosos símbolos
de vários tipos de energia, mas sempre de forma inesperada.
Ao me abaixar para recolher a pena, lembrei-me da pedra de
três meses atrás, em março, quando eu e P a m tínhamos ido a
Taos para comemorar nosso aniversário de casamento.
O p i c a - p a u me l e m b r a o kachina da tradição Z u n i , q u e
p a r e c e m palhaços c o m suas p e n a s listradas de preto e bran-
co. Esses pássaros são trapaceiros, r e p r e s e n t a m o coiote do
reino das aves, c o m cantos agradáveis q u e a c a b a m m e pe-
g a n d o distraído. Eles v i v e m e m b a n d o , a c a s a l a m - s e para
m a n t e r a espécie e, tal qual seus parentes corvos, p r e e n c h e m
o espaço a sua volta c o m um p o d e r audacioso.
Eu queria um p o u c o dessa energia, e, em m a r ç o , p e d i a
cada pica-pau que via u m s í m b o l o d e seu poder. E m prin-
cípio, desejei u m a p e n a da l o n g a cauda. À m e d i d a que o
m ê s de m a r ç o passava e n e n h u m a pena aparecia, disse aos
pássaros q u e ficaria feliz em g a n h a r qualquer u m a . As aves
p a r e c i a m rir de m i m . Na verdade, senti-me i g n o r a d o e m e u
p e d i d o foi d e s c o n s i d e r a d o . V o l t e i a K a n s a s C i t y c o m as
mãos vazias. N e n h u m a pena de pica-pau aparecera para
m i m até então, q u a n d o esta apareceu.
A p ó s os rituais de a g r a d e c i m e n t o e l i m p e z a , amarrei a
pena à flauta que eu c o m p r a r a . D u r a n t e o final de s e m a n a ,
toquei flauta p a r a os pássaros que se a p r o x i m a v a m de m i m .
164
C o m o sempre, eles i g n o r a v a m a m i m e a m i n h a música, m a s
pareciam felizes c o m o verão que substituía o inverno e c o m
os tufos de n u v e n s b r a n c a s que flutuavam no céu.
D o m i n g o era o dia de voltar para casa. E era t a m b é m o
solstício. A c o r d e i p a r a ir à garganta do Rio G r a n d e v e r o
sol nascer. Q u e r i a rezar e honrar o dia no local onde eu vira
um falcão fêmea c h o c a r dois filhotes. T a l v e z ela ainda esti-
vesse lá.
À primeira luz da m a n h ã , p e g u e i m e u t a m b o r e m i n h a
flauta, destranquei o carro e inseri a chave na ignição. Girei
,i chave para ligar o m o t o r . N a d a aconteceu. A chave n ã o se
movia. A ignição parecia congelada. Tentei tudo que sabia
para ligar o carro. C o n t i n u a v a e m p e r r a d o .
E n t ã o , desisti de ir à garganta do rio e c o m e c e i a me preo¬
cupar c o m a v o l t a p a r a c a s a . T i m a c h a v a - s e n a c o z i n h a ,
assando pães e cortando as frutas para o café da m a n h ã . Ele
sugeriu que eu telefonasse para o m e c â n i c o da região.
— B o m dia. D e s c u l p e incomodá-lo a essa hora, m a s n ã o
consigo fazer m e u carro p e g a r e preciso retornar a K a n s a s
< i t y hoje. P o d e me ajudar?
— Ah, ainda é m u i t o cedo. V o c ê disse K a n s a s City?
— S i m , K a n s a s City. E s t a m o s h o s p e d a d o s na estalagem
Velha Taos.
— E n t ã o , ligue para m i m em duas horas e eu lhe direi se
posso ir consertar s e u carro. — Dito isso, ele desligou.
Fui até T i m .
— V o c ê tem grafite? T a l v e z ele solte a ignição.
— T e n h o , sim. Está lá fora, no depósito.
— V o u pegá-lo. D i g a - m e o n d e ele está exatamente.
— N ã o . E s p e r e aqui. Eu p e g o o grafite p a r a você. — T i m
1,1 v o u as m ã o s e dirigiu-se ao depósito.
Após alguns m i n u t o s , inseri um p o u c o de grafite na ig-
nição. N a d a . Três a n o s atrás, o D o d g e fora roubado. Os la-
165
drões h a v i a m q u e b r a d o a coluna da direção e q u e i m a d o os
fios da ignição. Talvez eu p u d e s s e fazer algo s e m e l h a n t e .
M a s não queria quebrar nada e n e m sequer sabia o que
quebrar. Outra opção seria retirar a direção e, eu esperava,
e x p o r os fios. Fui falar c o m T i m .
— V o c ê tem soquetes? — expliquei a ele m e u plano.
— T e n h o . Estão no depósito.
— Q u e r que eu vá buscá-los? — perguntei.
— N ã o . Eu vou buscá-los para v o c ê .
Fiquei na varanda, observando o n o v o dia que se espa-
lhava pela planície.
— Detesto esperar — disse a m i m m e s m o . Então, tive um
insight. Era disso que se tratava. Essa era a m e n s a g e m . Apren-
der a esperar!
Os soquetes n ã o funcionaram. P a m apareceu para ver o
que estava acontecendo. Descrevi-lhe a situação.
— T u d o tem a ver c o m a capacidade de esperar — eu disse
a ela. — Detesto esperar. Tive de esperar a pena de pica-
p a u , o m e c â n i c o , o grafite, os soquetes e m e u passeio à gar-
ganta do rio. N ã o gosto de esperar.
E n q u a n t o eu falava, inseri a c h a v e na ignição m a i s u m a
vez. Girei a c h a v e e o carro pegou.
P a m riu.
— A c h o que e n t e n d e u a m e n s a g e m .
A ignição tem funcionado b e m desde então.
G u a r d a m o s as malas no carro, saímos do estacionamento
e r u m a m o s para a rua. A p ó s percorrer quinze metros de as-
falto, um e n o r m e pica-pau v o o u em frente ao carro, p o u s o u
e c o m e ç o u a andar. Ele agia c o m o se regesse u m a banda.
S e g u i m o s o p á s s a r o , e n q u a n t o e s t e atingia a estrada e
virava à esquerda, a direção que d e v í a m o s tomar. Ele e m i -
tia ruídos o t e m p o todo, c o m o se c o n v e r s a s s e c o n o s c o . E n -
166
tão, p a r o u de andar e, s e m esforço, v o o u até o fio de alta-
tensão da estrada.
Lá ele p e r m a n e c e u , quieto. C o l o q u e i a cabeça para fora
da janela.
— O b r i g a d o pela p e n a — eu disse. — Entendi a m e n s a -
g e m . — L e n t a m e n t e , o pássaro abriu as asas, sacudiu a cau-
da e alçou v ô o em direção ao c a m p o .
167
Meditação
PRESENTES E SINAIS DAS PENAS
168
cure o significado deles em várias fontes, como enciclopédias, li-
vros ilustrados sobre pássaros ou num bom dicionário com cita-
ções históricas e literárias.
Depois de pesquisar todos os significados, encontre um lugar
sossegado para meditar. Pergunte a sua sabedoria interior que
significados poderiam se aplicar a sua vida naquele momento. Dê
tempo à resposta. Escreva o que lhe vem à mente. Peça orienta-
ção contínua ao mundo natural e especialmente às penas.
169
Pássaro Preto,
Pássaro Branco
Laura Giess
170
N o entanto, nos dias q u e s e seguiram, e n q u a n t o m e de-
batia entre continuar c a s a d a ou me separar, eu via os pás-
saros v o a n d o : s e m p r e dois pássaros, um preto e um bran-
co, e s e m p r e no m e s m o lugar. Eu pensava: "O que é isso? O
que estão tentando me dizer?".
G r a d u a l m e n t e , percebi que o s pássaros e r a m u m s í m b o -
lo de m i n h a s e m o ç õ e s internas e do conflito que eu sentia:
parte preto, parte b r a n c o . M i n h a vida estava um turbilhão.
Tor fim, a p ó s u m m ê s , t o m e i u m a d e c i s ã o . C o m g r a n d e
dificuldade, disse a m e u m a r i d o e a m e u s dois filhos ado-
lescentes que precisava de solidão para procurar u m a solu-
ção p a r a m i n h a infelicidade. A c h e i u m a p a r t a m e n t o , n ã o
muito longe do trabalho, e, c o m m e d o e determinação,
m u d e i - m e e c o m e c e i u m a vida nova.
D e p o i s q u e m e instalei e m H a y s , v i o p á s s a r o b r a n c o
várias v e z e s , m a s n u n c a m a i s v i o p r e t o . Q u a n d o e n f i m
decidi continuar separada, sabia e m m e u coração que tinha
feito a escolha certa p o r m a i s dolorosas q u e fossem as con-
seqüências. O d e s a p a r e c i m e n t o do p á s s a r o preto e a cons-
tante aparição do b r a n c o p a r e c i a m confirmar m i n h a deci-
são. A g o r a que estou feliz, tranqüila e livre, vejo pássaros
brancos c o m freqüência!
171
Caçador de Penai
Mark E. Tannenbaum
172
espírito e corpo. C o m e ç a v a outra vez. O u t r a fase de caça-
dor? N ã o n o sentido d o q u e e u era, m a s e m q u e m e u m e
tornava.
O q u e me levou à fase seguinte foi Animal Speak [Fala
A n i m a l ] , u m livro escrito por T e d A n d r e w s q u e explicava
c o m o os elementos da natureza tinham seu próprio signifi-
cado. Fiquei mais ciente d o que m e rodeava. E m termos sim-
ples, era o equilíbrio q u e eu procurava.
A p ó s m u i t a leitura, d e s c o b r i q u e m i n h a ligação c o m a
natureza expressava-se, em especial, por m e i o dos pássaros.
Eles e r a m m e u totem. Eu me sentia mais alinhado, m a s falta-
va ainda a chave para abrir a porta da experiência direta.
D u r a n t e u m final d e s e m a n a e m m e a d o s d e s e t e m b r o ,
levei o livro, m e u cachorro, Yapper, e m e u e q u i p a m e n t o de
c a m p i n g ao P a r q u e S h a d e s State, em Indiana, para procu-
rar a " c h a v e " que T e d A n d r e w s havia m e n c i o n a d o . Pergun-
tei-me o que seria preciso para encontrá-la. Se ela estivesse
n a q u e l a área, eu tinha três dias para cobrir 2.000 acres!
Na m a n h ã do terceiro dia, saí para passear c o m Yapper,
seguindo u m a trilha. À q u e l a altura, eu me c o n v e n c e r a de
que n ã o havia n e n h u m a urgência de encontrar a chave. Sen-
do o último dia — e c o m o eu n ã o tinha n a d a a perder —,
pedi a c h a v e em v o z alta.
— Q u e r o encontrar u m a pena, de preferência u m a p e n a
de falcão — eu disse à floresta. Em seguida, esqueci o assun-
to. Continuei a c a m i n h a r atrás de Y a p p e r , já q u e ele sabia
o n d e ir.
D e p o i s d e u m t e m p o , u m a s o m b r a surgiu sobre m i m . F o i
c o m o s e alguém tocasse m e u ombro, sussurrando e m m e u
ouvido: "Aproveite a j o r n a d a " . Até Y a p p e r n o t o u a s o m b r a
e c o m e ç o u a latir.
O l h e i para o céu. Eles e s t a v a m lá — dois falcões v o a n d o !
Fiquei perplexo. Parei, agradeci ao Pai C é u e à M ã e T e r r a
173
pelo presente, e segui os falcões ao longo da trilha. Q u a n d o
enfim p o u s a r a m n u m a clareira, Y a p p e r e eu e s t á v a m o s s e m
fôlego.
V i alguns b a n c o s d e m a d e i r a n o local. N o t e i u m objeto
s o b r e um dos b a n c o s e me aproximei. H a v i a u m a p e n a a
m i n h a espera. Peguei-a e senti tanto sua fragilidade quanto
sua magnificência. Foi o m o m e n t o da verdade: u m a chave,
um acesso a portais n u m nível que eu n u n c a h a v i a experi-
m e n t a d o , u m n o v o equilíbrio e m m i n h a vida.
D e s d e e n t ã o , t e n h o e n c o n t r a d o m u i t a s p e n a s . N ã o são
apenas presentes da natureza; t a m b é m s i m b o l i z a m a reno-
v a ç ã o da vida. C a d a v e z q u e u m a p e n a cai, outra p e n a sur-
ge. Essa n o v a vida substituindo a velha me diz que a m o r t e
é s o m e n t e o c o m e ç o : o n d e há morte, há vida, um equilíbrio.
E, ao l o n g o do c a m i n h o , recordo o que o falcão sussur-
rou em m e u ouvido: " A p r o v e i t e a j o r n a d a " .
174
Um Espírito de Eèerdade
Terry Podgornik
175
C o n c l u í que, se as p e n a s c o n s e g u i a m chegar até m i m m e s -
mo na cidade, eu devia a elas e a m i m m e s m a um a m b i e n t e
m a i s n a t u r a l , o n d e a n e c e s s i d a d e de a p r o v e i t a r a v i d a e
apreciar a natureza me a c o m p a n h a s s e constantemente.
T e n h o de agradecer às p e n a s p o r obter t e m p o para reti-
ros pessoais, longas c a m i n h a d a s em p a r q u e s e à beira de
rios e férias em locais selvagens. A cada n o v a p e n a , fortale-
ço a capacidade de escutar m i n h a sabedoria interior.
176
U m Coração
Li-Young Lee
177
Você Não Precisa Lutar
Lee Lessard-Tapager
178
u m a p e n a c o m o esta, h a v e r á outra p a r a m i m c e d o o u tar-
de", pensei.
Continuei a c a m i n h a r e me surpreendi ao v e r um b a n d o
e n o r m e de íbis-brancos t o m a n d o sol. Q u a n d o o b a n d o al-
çou vôo, u m a única p e n a b r a n c a caiu na estrada diante de
mim.
A m e n s a g e m foi instantânea e clara.
— V o c ê n ã o precisa lutar. A c e i t e que o universo irá pro-
ver o que v o c ê necessita, q u a n d o chegar a hora.
A m e n s a g e m foi e x a t a m e n t e o que eu precisava escutar.
D e s d e então, s e m p r e q u e me vejo lutando contra o r i t m o
do u n i v e r s o , olho p a r a a p e n a b r a n c a q u e recebi n a q u e l e
dia. Ela m e l e m b r a d e q u e tudo a c o n t e c e q u a n d o t e m d e
acontecer.
179
Ritual
ABUNDÂNCIA DE PENA, ABUNDÂNCIA DE VIDA
Escolha a pena que mais o atrai ou imagine uma pena de que goste
e vá a seu lugar favorito para meditar.
180
• Sou abençoado com amigos que gostam de mim e me aceitam.
• Sou abençoado com um lindo jardim em minha casa, onde
sinto meu próprio poder e o poder da natureza.
181
Cinqüenta Coisas para Fazer
eom as Penas
Mary-Lane Kamberg
N o m e u q ü i n q u a g é s i m o aniversário, u m a a m i g a m e d e u
cinqüenta penas. M i n h a carta de agradecimento a ela foi esta
lista de idéias a realizar c o m as penas:
1. Criar um n i n h o de penas.
2. Colocar uma pena em m e u boné.
3 . Fazer cócegas e m m i m m e s m a .
4. Juntar-me aos pássaros que p o s s u e m a m e s m a pena.
5. Enfeitar a l g u é m .
6 . Escrever c o m u m a pena.
7. C o l o c a r u m a p e n a e um tinteiro p e r t o de seu c o m -
p u t a d o r p a r a l e m b r á - l a da infinita a m p l i t u d e da c o -
municação.
8. D o r m i r n u m a c a m a de penas.
9. D o r m i r u s a n d o um travesseiro de p e n a s .
10. Tirar o pó c o m um e s p a n a d o r de penas.
1 1 . D e c i d i r o q u e p e s a m a i s : u m quilo d e p e n a o u u m
quilo de ferro.
12. F a z e r um enfeite de Natal.
13. Costurar u m a colcha de penas.
14. U s a r p e n a s e m m e u casaco d e inverno.
15. P r o v o c a r m i n h a i m a g i n a ç ã o .
182
16. R o ç a r o nariz de m e u m a r i d o e n q u a n t o ele está dor-
mindo.
17. Fazer cócegas n o s pés de um b e b ê .
18. F a z e r u m cocar indígena.
19. A s s o c i a r - m e à A c a d e m i a das Penas.
20. Fazer os anjos v o a r e m .
2 1 . Criar u m a fantasia de pássaro.
2 2 . Fazer u m a p a n h a d o r d e sonhos.
23. Fazer u m a m á s c a r a d e Carnaval.
24. Fazer m e u gato pensar que h á u m pássaro n a casa.
25. A m a r r a r u m a p e n a e m m e u carro, abrir m i n h a s asas
e a p r e n d e r a voar.
26. Prender penas e m m i n h a s m e c h a s .
27. Atirar c o m arco e flecha.
2 8 . Usar u m b o á d e penas.
2 9 . Fazer um leque de penas.
3 0 . Deixar u m a p e n a n o chão para que u m a criança pos-
sa encontrá-la.
3 1 . Sentir que sou u m a bela pena.
3 2 . Usar u m c h a p é u d e p l u m a s .
3 3 . Costurar u m a almofada d e p e n a s .
34. Fingir q u e s o u u m cavaleiro e m p l u m a d o .
3 5 . Fazer u m c h a p é u para entrar n a b a n d a .
3 6 . Brincar de índio.
37. Estimular m i n h a vaidade.
3 8 . Acariciar as p e n a s de a l g u é m .
3 9 . D e s a r r u m a r as penas de a l g u é m .
4 0 . Fazer um colar de penas.
4 1 . Enfeitar m i n h a colher d e pau.
4 2 . Lutar b o x e c o m a l g u é m que p e s e 50 quilos (ou seja,
que seja um "peso-pena").
183
4 3 . Pintar u m quadro.
4 4 . E n c h e r u m aquário vazio c o m p e n a s coloridas.
4 5 . F a z e r u m periscópio.
4 6 . Enfeitar u m vaso.
47. Criar u m a história p a r a c a d a pena.
4 8 . Partilhar as penas c o m a l g u é m .
4 9 . M o n t a r u m móbile.
50. Decorar m e u computador.
184
Qual É o Seu Fator Pena?
Virgínia Lore
185
5. V o c ê sonha m u i t o c o m :
A. Pássaros
B. Beijos
C. Brigas
D. Fugas
6. Na adolescência, v o c ê costumava:
A. O b s e r v a r as n u v e n s
B. Cantar no coral da escola
C . Ser m e m b r o d o g r ê m i o
D . B u s c a r p r i v a c i d a d e n o banheiro
8. V o c ê passa m u i t o t e m p o diante do c o m p u t a d o r :
A. Escrevendo
B . J o g a n d o v i d e o g a m e pela Internet
C. E n v i a n d o e-mails políticos
D. O r g a n i z a n d o as finanças da família
186
Pontuação:
• Se a maioria das respostas for A: Explorador Angelical. Asso-
ciado ao e l e m e n t o ar, o d o m í n i o primário do E x p l o r a d o r
Angelical é a espiritualidade. Intuitivo e muito criativo,
o Explorador Angelical já possui um forte relacionamen-
to c o m o d e s c o n h e c i d o e é m u i t o receptivo a m e n s a g e n s
d o além. N o entanto, lembre-se d o v e l h o ditado: " N ã o
p e q u e pelo e x a g e r o " . A ruína do Explorador Angelical é
a ganância espiritual. S e u desafio é m a n t e r os pés no chão
para que ele utilize a visão espiritual de forma prática. A
m e n s a g e m da p e n a é um lembrete de que o p o d e r está
neste plano e há oportunidades de vincular-se a circuns-
tâncias físicas.
• Se a maioria for B: Dançarino. Na alameda do fogo, o ins-
tinto primário do Dançarino é a sensualidade. Em seu as-
pecto sombrio, tal característica p o d e parecer materialis-
ta ou um apego à carne. Essa pessoa d e v e ser um dança-
rino na vida real ou, ao m e n o s , trabalhar no ramo. Dan-
çarinos saudáveis, p o r é m , a p r o v e i t a m as oportunidades
de obter alegria no m u n d o físico. O D a n ç a r i n o vive a gra-
tidão sincera e o e n t u s i a s m o p o r aquilo que as p e s s o a s
a c h a m insignificante. O desafio para o Dançarino é desa-
pegar-se de detalhes materiais da v i d a diária. Q u a n d o
v o c ê encontrar u m a pena, siga seu conselho d e p e r m a -
necer "quieto e e s c u t a r " ou fique p o r alguns m o m e n t o s
refletindo antes de voltar aos afazeres normais.
• Se a maioria for C: Orador da Águia. Associado ao elemen-
to terra, o O r a d o r da Águia faz sua j o r n a d a pela v e r d a d e
e justiça. S e u instinto primário é social, especialmente vol-
tado para o bem-estar de todas as pessoas. C o m seus olhos
voltados para o horizonte, o O r a d o r da Águia n e m s e m -
pre sabe se relacionar e tende a ser crítico q u a n d o a l g u é m
desiste dos próprios ideais. Ele é regrado pela paixão p e l a
187
i
igualdade. A s p e n a s s u r g e m n o c a m i n h o d o O r a d o r d a
Á g u i a para lembrá-lo da alegria de viver o "aqui e ago-
ra", q u a n d o livre de j u l g a m e n t o s .
o Se a maioria for D: Ninho Seguro. O instinto primário do
N i n h o S e g u r o é a autopreservação em todas as suas m a -
nifestações. R e g r a d o pela água, o N i n h o S e g u r o investe
m u i t a e n e r g i a em fortalecer os r e l a c i o n a m e n t o s e c o n s -
truir seu lar. Ele n ã o é apenas especializado em jardina-
g e m , c u l i n á r i a e p a t e r n i d a d e (ou m a t e r n i d a d e ) , m a s é
t a m b é m um excelente amigo. D o t a d o de e m p a t i a e sensi-
bilidade, o N i n h o S e g u r o p o d e facilmente tornar-se m o -
roso, m a l - h u m o r a d o ou deprimido. A pena o avisa de que
é p r e c i s o c o n c e n t r a r - s e m a i s no c r e s c i m e n t o p e s s o a l e
confiar na a b u n d â n c i a do universo.
R e s u l t a d o s Mistos:
• Um par compatível é um equilíbrio forte e saudável entre
dois tipos (quatro ou mais respostas em cada categoria).
Leia as d u a s descrições e assimile as m e n s a g e n s da pena.
• U m a divisão entre os três tipos (três em cada) indica um
forte equilíbrio entre os três lados desenvolvidos de sua
personalidade. Para crescer ainda mais, leia a descrição do
tipo em que você obteve a menor pontuação e deixe a pena
ajudá-lo a desenvolver as qualidades desse aspecto.
• U m a mistura absoluta (de dois a três em c a d a um dos qua-
tro tipos) sugere que você seja um individualista c o m a
n o ç ã o de que c o n h e c e seu próprio valor e possui um con-
j u n t o ú n i c o de gostos e princípios. Ao r e c o n h e c e r isso,
permita q u e a m e n s a g e m da pena o inspire a partilhar
sua singularidade, fortalecendo os outros.
188
Sonhos de Falcão
Judith Christy
Eu o vi pela p r i m e i r a v e z em m e u s s o n h o s — u m a presen-
ça s o m b r i a e misteriosa. Q u a n d o c o m e ç o u a aparecer no pla-
no físico, eu s o u b e que devia prestar atenção ao que ele me
mostrava.
Eu estava de férias n u m a das ilhas do golfo da Flórida.
Certo dia, um falcão v o o u p o r c i m a de m i m e p o u s o u n u m a
árvore perto da casa. S e u colorido era lindo e me encantei
c o m os detalhes das penas. Observei, fascinada, q u a n d o ele
se a c o m o d o u no galho da árvore e me olhou. N o s dias que
se seguiram, eu o vi várias vezes.
Em outro dia, sentei-me no terraço p a r a meditar sob o sol.
F e c h e i os olhos e esvaziei m i n h a m e n t e de p e n s a m e n t o s . Eu
m e encontrava profundamente relaxada q u a n d o m e assus-
tei ao escutar o grito de um pássaro. U m a s o m b r a p a s s o u
sobre m i m e algo caiu em m e u colo. A b r i os olhos e vi um
p e q u e n o galho de a m o r a s sobre m i n h a s pernas — o presente
do falcão. Fiquei e m o c i o n a d a ante aquele vínculo sagrado.
D u r a n t e m i n h a s d u a s s e m a n a s d e férias, e l e a p a r e c i a
quase diariamente, pousando no parapeito do deque em
frente à cozinha. Eu o admirava pela j a n e l a e até tirei u m a
foto, que p e r m a n e c e em m e u altar.
A q u e l e adorável falcão d a Flórida tornou-se u m s í m b o l o
da liberdade p a r a m i m — u m a liberdade que permite v ô o s ,
b u s c a s e n o v o s riscos, m a s s e m p r e p e r m a n e c e ligada à ter-
ra q u e é seu apoio e santuário.
189
Meu Leque da Liberdade
Elissa Al-Chokhachy
190
N ã o me lembro do dia exato em que a p r i m e i r a p e n a da
liberdade apareceu em m e u c a m i n h o . O leque e a coleção
de p e n a s a c o n t e c e r a m naturalmente. L o g o no início da jor-
n a d a espiritual, participei d e u m intenso w o r k s h o p d e cura.
A o final, u m participante, q u e e u n ã o c o n h e c i a , ofereceu-
m e u m presente. Era algo q u e ele havia g u a r d a d o durante
anos; p o r é m , s e m explicação, sentiu-se i m p e l i d o a ofertá-lo
a mim.
E r a u m a peça sagrada d e u m a veste indígena, a m a r r a d a
por u m a tira de couro. M u i t o e m o c i o n a d a , agradeci o pre-
sente e me senti c o m o v i d a c o m sua generosidade. U m a v e z
em casa, coloquei-o em m e u altar e fiz u m a p r e c e de agra-
decimento.
Na m e s m a época, eu realizava caminhadas reflexivas para
m e centrar e equilibrar. E m geral, u m a p e n a aparecia e m
m e u trajeto. N ã o i m p o r t a v a o local. Eu p o d i a estar na flo-
resta, na praia ou na rua. Eu me via i m p e l i d a a olhar em
determinada direção e lá havia uma pena para mim. Eu
sorria, s a b e n d o que se tratava de um presente do Espírito.
C a d a p e n a representava um m a r c o e um s í m b o l o de que
me e n c o n t r a v a no c a m i n h o da liberdade. Eu recolhia a p e n a
e agradecia. Q u a n d o v o l t a v a ao altar, c o l o c a v a a p e n a na
tira de c o u r o da peça indígena. Batizei-a de "leque da liber-
dade", p o r q u e cada p e n a significava u m p a s s o e m direção
à independência, c o m p l e t u d e e autonomia... e, um dia, eu
sabia q u e iria voar.
O i t o anos após m e u despertar, libertei-me do casamento.
N ã o precisava mais fingir q u e eu era a i m a g e m do que de-
veria ser. N ã o tinha de esconder m i n h a espiritualidade no
armário. P o d i a respirar. F i n a l m e n t e estava livre para ser eu
mesma.
E m b o r a eu lute m u i t o p a r a criar três adolescentes, m i n h a
cura continua, e sinto-me m a i s livre e feliz do que nunca.
191
M i n h a espiritualidade incorporou-se a m e u trabalho de
enfermeira, e fui a b e n ç o a d a c o m um g r u p o de a m i g o s es-
pirituais. E l e s m e a j u d a r a m n o s altos e b a i x o s d e m i n h a
jornada.
A g o r a as p e n a s a p a r e c e m de vez em q u a n d o . M a s o m a i s
extraordinário é q u e em m e u cartão de visitas há u m a p e n a
impressa. I n s p i r a d a p o r u m d o s pacientes m a i s j o v e n s d a
instituição e m que trabalho, u m a criança d e u m ano, escre-
vi um livro infantil, o qual conta a história de um anjinho
q u e v e m à terra p a r a espalhar seu amor. Claro que ele é um
anjo c o m asas. M a i s u m a v e z , a s penas surgiram e m m i n h a
trilha c o m o intuito de me ajudar ao longo da j o r n a d a de
liberdade pessoal.
192
A Insustentável leveza das Penas
Deborah Shouse
193
A i n d a t e n h o m i n h a c o l e ç ã o . G o s t o d e acariciar m i n h a s
p e n a s , sentir o contraste entre a p l u m a m a c i a e a p o n t a afia-
da. G o s t o das cores e do brilho.
M a s o que m a i s adoro em relação às p e n a s é sua leveza.
T e n h o u m a caixa d e p a p e l ã o c o l o r i d o , o n d e h á p e n a s d e
gaio, pardal e gaivota, e a caixa, ainda assim, parece vazia.
S o m e n t e q u a n d o e r g o a tampa, vivencio a m a g i a e o tesou-
ro q u e o p e q u e n o c o m p a r t i m e n t o c o n t é m .
194
Meditaçãc
FANTASIAS DE PENAS
195
Convite
Kenneth Ray Stubbs
Um dedo descansa
Braços abraçam
Tornando-se um.
196
Asas da Liberdade
Nancy Gifford ("Mumtaz")
197
N o dia s e g u i n t e , e n q u a n t o p a s s e á v a m o s p e l a s c o l i n a s ,
u m a egreta v o o u de e n c o n t r o ao pára-brisa do carro e m o r -
reu na hora. Eu me vi c o m p e l i d a a honrá-la e ainda tenho
fotos d o m o m e n t o e m q u e retirei s u a s asas. S e m p r e l e v o
c o m i g o u m a tesoura. Sinto que o s p á s s a r o s m e a b e n ç o a m
c o m suas asas para, d e a l g u m a forma, s e r e m úteis, e m v e z
de morrerem em vão.
M i n h a p e n a favorita é aquela que me foi dada p o r um
r a p a z c h a m a d o W o l f , u m í n d i o H u r o n e filho d e F r e d
W a h p e p a h , um a n c i ã o e s t i m a d o . Ele foi o líder espiritual
d e u m w o r k s h o p q u e participei, dois anos atrás, e m M a l i b u .
Q u a n d o me m u d e i p a r a Londres, ele me d e u a p e n a c o m o
s í m b o l o de proteção. Ela ainda está p e n d u r a d a no espelho
retrovisor de m e u carro e s e m p r e estará.
A g o r a m o r o n u m a c o m u n i d a d e p r e s e r v a d a que s e cha-
ma A u d u b o n . Um casal de águias vive a p o u c o s m e t r o s da
casa. A l i m e n t a m - s e em n o s s o lago todos os dias. A cada es-
tação, e n s i n a m o filhote a pescar e v o a r em n o s s o jardim. O
p â n t a n o ao lado do lago é o reduto de u m a egreta; durante
duas s e m a n a s na p r i m a v e r a , ela faz um estardalhaço. P á s -
saros d e todos o s tipos p e s c a m e m n o s s o lago.
Q u a n d o me sento para observá-los, os pássaros ficam
atentos a m i m e a b r e m suas asas!
198
Ninho de Penas
Pam Owens
Várias d é c a d a s atrás, u m j o v e m m é d i c o , q u e t r a b a l h a v a
n u m hospital d e Indianápolis, correu p a r a atender u m cha-
m a d o de urgência n u m a área pobre da cidade. Q u a n d o
c h e g o u , foi recebido à porta p o r dois rapazes robustos, c o m
um sotaque das m o n t a n h a s de O z a r k . Eles disseram q u e a
irmã estava d a n d o à luz. Ao examiná-la, o m é d i c o consta-
t o u que, de fato, ela encontrava-se em trabalho de parto e
n ã o podia ser r e m o v i d a . Ele p e d i u aos i r m ã o s que ferves-
s e m água, e c o m e ç o u os preparativos p a r a o parto.
E n q u a n t o o j o v e m m é d i c o a t e n d i a a futura m a m ã e , os
i r m ã o s e n t r a v a m a c a d a m i n u t o para perguntar:
— Já está na h o r a da p e n a ?
O m é d i c o n ã o fazia idéia do que significava aquilo, m a s
n ã o queria aborrecer os i r m ã o s que, claramente, q u e r i a m ter
certeza de q u e a " p e n a " aconteceria. C a d a v e z que pergun-
t a v a m , ele respondia s i m p l e s m e n t e :
— A i n d a não!
Por fim, sabendo que n ã o conseguiria segurá-los por mais
t e m p o e u m a v e z que o b e b ê estava para nascer, ele resolveu
conceder. Q u a n d o os irmãos apareceram, o m é d i c o disse:
— Está na hora.
Um dos i r m ã o s utilizou u m a p e n a p a r a roçar o nariz da
i r m ã . O b v i a m e n t e , ela e s p i r r o u e , d e a c o r d o c o m o b o m
m é d i c o , o b e b ê n a s c e u em seguida!
199
A Pena Mágica de Lynda
Nancy Sena
200
Desprenda-se, Voe Livrement,
Ron Yeomans
201
c o m o s e t i v e s s e m sido colocadas ali d e propósito. N o m e s -
m o dia, recebi u m cartão-postal que descrevia u m e n c o n -
tro, cujo tópico era "Sincronicidade: M e n s a g e n s do U n i v e r -
so". No cartão havia u m a pena azul. E n t e n d i a m e n s a g e m ,
c o m p a r e c i ao encontro e iniciei u m a excitante j o r n a d a espi-
ritual.
P o r que, após tantos anos, as p e n a s azuis e n t r a r a m em
m i n h a vida?, perguntei a m i m m e s m o . O que elas aponta-
v a m ? Então, lembrei-me da história de Richard Bach. E co-
m e c e i a avaliar m i n h a vida.
P e r c e b i q u e estava preso a velhos p e n s a m e n t o s , concei-
tos e hábitos. A l g o n o v o tinha de n a s c e r . As p e n a s azuis
p e d i a m que m e desapegasse, que largasse aquilo q u e n ã o
mais me servia e continuasse a receber e dar amor incondi-
cional, s e m julgamentos. Outro livro, Conversando com Deus,
tornou-se a trilha da liberdade, a qual as p e n a s azuis me
c o n v i d a v a m a seguir.
P o r ter passado m i n h a infância n u m a m b i e n t e religioso
e repressivo, abracei o livro Conversando com Deus de m e n t e
e coração abertos. Os conceitos foram claros e diretos. A q u e -
le era um D e u s c o m o qual eu podia me identificar, que eu
p o d i a a m a r v e r d a d e i r a m e n t e e receber dele o m e s m o a m o r
e m troca.
E s t o u a p r e n d e n d o a v o a r acima das coisas que costuma-
v a m m e incomodar. S e m e vejo regredindo, sendo crítico,
logo encontro u m a p e n a azul em a l g u m lugar. Ela é tão efi-
caz quanto um farol. Traz a m e n s a g e m de q u e devo me olhar
no e s p e l h o antes de julgar os outros.
O b r i g a d o , m i n h a s a m i g a s penas, por m e lembrar d a uni-
d a d e de n o s s o universo e por serem c o m p a n h e i r a s em m i -
n h a trilha para a c o m p r e e n s ã o . M e u espírito v o a c o m vocês.
202
Meditaçãc
UM PUNHADO DE PENAS
203
O que alivia seu peso e o ajuda a voar? Imagine-se preparan-
do-se para uma longa jornada nas estrelas. O que você levaria para
ajudá-lo a voar mais depressa e percorrer uma distância maior?
O que você deixaria para trás a fim de aliviar seu peso?
Feche os olhos, fique em silêncio, relaxe as mãos e faça essas
perguntas:
204
Parte Quatro
207
F i n a l m e n t e , vejo u m a p e n a desgastada e a pego. Obriga-
da, universo — v o u levá-la, m e s m o que ela n ã o faça parte
de seus p a d r õ e s prístinos! Contente, continuo a n d a n d o , c o m
a intenção de sair da praia, já que c o n s e g u i m e u sinal.
N o t o u m a caneta esferográfica fincada n a areia. Q u e es-
tranho... Talvez a caneta t a m b é m seja um sinal para eu con-
tinuar registrando m e u trajeto. A b a i x o - m e p a r a pegá-la e
reparo n a s p e q u e n a s c o n c h a s sobre a areia. L á , m e i o enter-
rada n o s grãos de areia, está u m a b e l a e e n o r m e pena. Em
seguida, vejo u m a s e g u n d a p e n a a p o u c o s centímetros da
primeira, b a l a n ç a n d o c o m o vento e a n c o r a d a p o r a l g u m a s
conchas.
— Certo. Já entendi a m e n s a g e m sobre dizer n ã o às dú-
vidas — digo ao universo.
E, de repente, ouço a réplica.
— J a m a i s duvide do que p o d e m o s p r o v e r para você. T u d o
que deseja está a seu alcance. F i q u e aberta e deixe a barrei-
ra da d ú v i d a desaparecer! Esteja certa de que trevas e dúvi-
das retornarão à luz. P e r m i t a que o aprendizado do a m o r
esteja em s e u c a m i n h o . O a m o r que v o c ê b u s c a é s e u — nas-
ceu c o m você. A m e q u e m v o c ê é e q u e m v o c ê foi. Esse é o
v e r d a d e i r o significado das p e n a s que e n v i a m o s !
208
Penas Bélicas
Do G ê n e s i s ao A p o c a l i p s e , a Bíblia é repleta de i m a g e n s
de pássaros, asas e penas. Eis aqui a l g u m a s passagens:
209
Disse eu: Oxalá q u e eu tivesse asas, c o m o p o m b a ! E n t ã o
voaria e descansaria.
(Salmo 55:6)
Habitarei no teu tabernáculo para sempre, buscarei refú-
gio no esconderijo das tuas asas.
(Salmo 61:4)
E m b o r a vos deiteis entre as cercas dos apriscos, sois c o m o
as asas da p o m b a , cobertas de prata, cujas p e n a s m a i o r e s
o são de ouro amarelo.
(Salmo 68:13)
Pois ele me livrará do laço do passarinheiro, e da peste
perniciosa. Cobrir-te-á c o m suas penas, e sob as suas asas
encontrarás refúgio...
(Salmo 91:3-4)
Se eu t o m a r as asas da alva, e habitar n a s extremidades
do mar; ainda lá me guiará a tua m ã o , e me susterá a tua
destra.
(Salmo 139:9-10)
O Q u e r e s p ô r o s teus o l h o s n a q u i l o q u e n ã o é ? Pois s e m
dúvida as riquezas fazem para si asas, c o m o a águia q u e
voa para o céu.
(Prov. 23:5)
P o r é m , os que e s p e r a m em J e o v á r e n o v a r ã o as suas for-
ças; subirão c o m asas c o m o águias; correrão, e n ã o se can-
sarão; andarão, e n ã o desfalecerão.
(Isaías 40:31)
o M a s para vós, os que temeis o m e u n o m e , nascerá o sol
da justiça, trazendo curas nas suas asas.
(Mal. 4:2)
o O l h a i p a r a a s aves d o c é u , q u e n ã o s e m e i a m , n e m cei-
fam, n e m ajuntam em celeiros, e v o s s o Pai celestial as
alimenta.
(Mat. 6:26)
210
• Respondeu-lhe Jesus: As raposas t ê m covis, e as aves do
c é u pousos; m a s o Filho do h o m e m n ã o tem onde recli-
n a r a cabeça.
(Mat. 8:20)
• L o g o ao sair da água, viu os céus se abrirem e o Espírito
c o m o u m a p o m b a descer sobre ele.
(Marcos 1:10)
• N ã o se v e n d e m cinco passarinhos por dois asses? E n e m
um deles está esquecido diante de Deus.
(Lucas 12:6)
• As quatro criaturas, tendo cada u m a delas seis asas, são
cheias de olhos ao redor e por dentro. N ã o t ê m d e s c a n s o
dia e noite, dizendo: Santo, santo, santo, é o S e n h o r D e u s ,
o Todo-Poderoso, o que era, o que é e o que há de vir.
(Apoc. 4:8)
211
Pena Herdade
Carolyn Lewis King
212
a família de m e u pai. M a s , e m b o r a eu respeitasse a v e l h a
tradição, n u n c a me liguei p e s s o a l m e n t e a ela.
C a s e i - m e e formei m i n h a p r ó p r i a família. M o r á v a m o s
n u m a casa, construída sobre 160 acres q u e foram doados à
família de m e u m a r i d o c e m anos atrás, q u a n d o nossa tribo
foi obrigada a mudar-se do A l a b a m a .
A porta de nossa casa está localizada a leste, na p o s i ç ã o
do n a s c e r do sol e, s e g u n d o a tradição indígena, é a direção
de n o v o s c o m e ç o s , renascimento e r e n o v a ç ã o . A cada m a -
nhã, q u a n d o eu saía de casa p a r a conduzir a perua escolar,
e n t o a v a u m a p r e c e que a família de m e u pai me ensinara.
Dirigir um veículo repleto de crianças era u m a grande res-
p o n s a b i l i d a d e , e e u s e m p r e m e sentia u m p o u c o ansiosa.
M i n h a reza era simples: que o dia seja b o m e que c h e g u e -
m o s a salvo a n o s s o destino. Os dias quentes de agosto se
p a s s a r a m , um após o outro, e jamais fiquei s a b e n d o se mi-
n h a s preces faziam a l g u m a diferença.
Certa m a n h ã , eu me sentia m a i s ansiosa que o n o r m a l ,
p o i s e s t a v a a t r a s a d a . F i z a p r e c e r a p i d a m e n t e , entrei na
p e r u a e manobrei-a, impaciente.
Foi nesse m o m e n t o q u e a p e n a surgiu, um tesouro relu-
zente no m e i o do j a r d i m árido. Em princípio, o j a r d i m era o
m e s m o de sempre, e, de repente, ele oferecia aquela linda
p e n a , um p r e s e n t e d o s céus. S e m c o n t e r a alegria, saí do
carro, peguei-a e segurei-a c o m as duas m ã o s . Ela era, p a r a
m i m , um símbolo de respeito à natureza e de contínua re-
verência às tradições tão fortes e sagradas.
Pela primeira v e z , recebi u m a m e n s a g e m direta d a q u e l e
poder. A pena me garantiu que m i n h a família — m e u s fi-
lhos e os filhos deles — teria acesso ao Espírito ao fortale-
cer nossas relações c o m a natureza.
A p e n a ainda está c o m i g o . Eu a g u a r d o n u m lugar e s p e -
cial. Ela t e m sido u s a d a para abençoar m i n h a casa e a m o -
213
rada de outros. M e u s filhos a u s a r a m em p e ç a s da escola
( m e u neto de sete anos foi o último m e m b r o da família a
usá-la na escola). A p e n a o c u p a um lugar de h o n r a no cora-
ção deles e no m e u . Ela é m a i s q u e u m a h e r a n ç a de família,
c o m o u m a jóia ou m ó v e l . A p e n a me l e m b r a de que n o s s a
família se e s t e n d e através do t e m p o e nas quatro direções,
até o n d e a vista alcança, e é tão vasta q u a n t o o coração.
214
Pena Mágica
215
jeto, l e m b r o - m e de ter p e n s a d o : " E u gostaria de q u e algo
m á g i c o acontecesse e m m i n h a vida".
O livro de R i c h a r d B a c h , Ilusões, surgiu em m i n h a m e n t e .
Eu o tinha lido dois anos antes e a história me tocara pro-
fundamente. D e c i d i " m a g n e t i z a r " u m a p e n a azul. Seguin-
do as instruções do livro, fechei os olhos, visualizei a p e n a
em m i n h a m ã o e a cobri c o m u m a luz dourada. Em segui-
da, esvaziei a m e n t e e corri e corri e corri.
Q u a n d o terminei o exercício, sentia-me v o a n d o . Ao cru-
zar a l i n h a de " p a r t i d a / c h e g a d a " q u e m a r q u e i na terra,
quase desfaleci. H a v i a u m a pena sobre a marca!
P e r m a n e c i p a r a d o p o r alguns minutos, observando a p e n a
no solo. Q u a n d o a p e g u e i , fiquei c h o c a d o n o v a m e n t e —
n u n c a tinha visto u m a p e n a c o m o aquela. E r a d e u m azul
brilhante. O lado reverso era dourado.
Vários m e s e s depois, eu estava e n s i n a n d o caratê perto de
u m a loja de animais. No intervalo, entrei na loja e vi u m a
arara. E n t ã o , percebi que a p e n a que eu havia m a g n e t i z a d o
naquele dia pertencera a u m a arara — u m a ave que eu j a -
m a i s vira.
Sei que m u i t a s coisas p o d e m ser explicadas, m a s deixo
que v o c ê calcule a probabilidade de u m a arara derrubar u m a
p e n a azul na região rural da Luisiana j u s t a m e n t e no dia em
que resolvi m a g n e t i z a r u m a p e n a dessa cor.
V i v e m o s n u m m u n d o o n d e h á p o u c o s heróis, n e n h u m a
m a g i a , n e n h u m e n c a n t a m e n t o e, para m u i t o s , n e n h u m fu-
turo. N a q u e l e dia, a m á g i c a do u n i v e r s o a c o n t e c e u p a r a
m i m . S o m e n t e p a r a m i m . N ã o p o s s o n e g a r o fato e n u n c a o
esquecerei. A m e n s a g e m era simples: a m a g i a existe. N ã o
s e p o d e e x p l i c á - l a o u controlá-la. D o c o n t r á r i o , n ã o seria
magia; seria ciência.
216
A p e n a azul é um l e m b r e t e t a n g í v e l do que n ã o p o s s o
ver, imaginar ou entender. S o u policial e acredito em pro-
vas. A p e n a azul p a r a m i m é m á g i c a , traz b o a sorte, forças
p o s i t i v a s e e v i d ê n c i a . P e r m i t e - m e ir a um l u g a r do q u a l
necessito e me l e m b r a do que preciso saber.
217
Ritual
RESPIRE COM A PENA
218
Uma Dádiva de Amor
Aweisle Epstein
219
espiritual. D e c l a r a m o s n o s s o a m o r e fizemos planos para o
futuro, c o m o ter filhos e passar o resto da vida juntos.
E m p o u c o s dias, e u m e v i aos prantos n a privacidade d e
m e u quarto. Queria muito conversar c o m ele, mas m e u
n o i v o parecia inacessível. Q u a n t o mais eu tentava alcançá-
lo, m a i s ele se distanciava.
Na tentativa de inventar d e s c u l p a s para vê-lo, deixei o
s e g u i n t e b i l h e t e na sua porta: " P o d e me e m p r e s t a r seu I
Ching?". Ele p e d i u para que outra p e s s o a levasse o livro até
m i m . Escrevi outro bilhete: " P o d e m o s n o s ver durante meia
h o r a antes d o j a n t a r ? " . S u a resposta: " E s t o u o c u p a d o de-
m a i s c o m o curso. Entregue o livro a B o b " ( u m de seus pro-
fessores).
E n t ã o , u m dia, e n q u a n t o e u m e d i t a v a e m m e u quarto,
a l g u é m j o g o u um bilhete sob a porta. L o g o reconheci a ele-
gante caligrafia. " E u p a s s e a v a pela mata, p e d i n d o a D e u s
um sinal de S e u amor... e elas caíram a m e u s pés. A c h e i que
v o c ê apreciaria o s i m b o l i s m o " .
D e n t r o do e n v e l o p e encontrei duas penas m a c i a s , no cen-
tro das quais havia um coração negro, tal qual as p e n a s de
u m a coruja (nós n ã o sabíamos na época, m a s as corujas são
c o m p a n h e i r o s fiéis e dedicados).
Um a n o depois, n ó s n o s c a s a m o s , e já faz vinte e três anos
que e s t a m o s juntos.
220
Penas e Pedras
Maril Crabtree
Lá vem a pena
Flutuando em direção à pedra.
O "sagrado" clama.
Lá vem a pena
Para nutrir a pedra antiga.
O "sagrado" lá fala.
221
Corvo Curador
Gaylen Ariel
222
— O u t r a coincidência? — Ele sorriu.
— N ã o quero falar sobre isso — eu disse.
E m c a s a , m a n t i v e a s p e n a s d e c o r v o c o m i g o a fim d e
adquirir c a l m a e proteção. S e m a n a s depois, fui à caixa do
correio p a r a recolher m i n h a correspondência. Q u a n d o abri
a caixa, um corvo v o o u de dentro dela. S i m , um c o r v o vivo!
Já vi m u i t a s coisas q u e me f o g e m à c o m p r e e n s ã o , m a s
e n c o n t r a r um corvo dentro da caixa do correio foi e x c e p -
cional. Fiquei paralisada p o r alguns instantes, c o m o cora-
ç ã o em disparada. Q u a n d o , enfim, peguei a c o r r e s p o n d ê n -
cia, avistei outra pena.
D e v o acrescentar outro i n c i d e n t e c o m u m c o r v o . A p ó s
t e r m i n a r esta história, p e r c e b i que a tinta da i m p r e s s o r a
havia terminado. Saí para c o m p r a r outra.
E u o s escutei antes d e vê-los. U m a cacofonia alucinada
d e gritos m e fez olhar p a r a cima. H a v i a , n o m í n i m o , uns
sessenta c o r v o s s o b r e v o a n d o m i n h a c a b e ç a . S u r p r e e n d e n -
te, n ã o ?
S e m p r e guardarei c o m carinho m i n h a s p e n a s de corvo e
a g r a d e c e r e i p e l a p r o t e ç ã o q u e senti d u r a n t e u m p e r í o d o
difícil d e m i n h a v i d a . D e s d e e s s e dia, q u a n d o o l h o p a r a
b a i x o e vejo u m a pena, eu digo:
— O b r i g a d a pelo presente!
223
A História do Cisne
Antoinette Botsford
M e u a v ô p e r t e n c i a a o C l ã A t h a b a s k a n / B e a v e r p o r parte
de m ã e , e era um m e s t i ç o f r a n c o - c a n a d e n s e p o r parte de
pai. Foi criado c o m o um católico e sabia m u i t o p o u c o acerca
de s u a s t r a d i ç õ e s a n c e s t r a i s . C o m o a m a i o r i a d o s j o v e n s
de o r i g e m i n d í g e n a , ele se d e i x o u seduzir p e l o s espíritos
da garrafa em tenra i d a d e e s u c u m b i u às c a u s a s do a l c o o -
l i s m o antes q u e eu o c o n h e c e s s e . M a s , e n q u a n t o eu cres-
cia, fiquei m a i s e m a i s c u r i o s a em r e l a ç ã o a n o s s a o r i g e m
mestiça.
S o u b e que, tradicionalmente, o p o v o de m e u a v ô tinha
um rito especial de a m a d u r e c i m e n t o que e n v o l v i a algo que
seria traduzido c o m o " a O r d e m d o C i s n e " .
O p o d e r do cisne, de a c o r d o c o m o c o n h e c i m e n t o tribal,
era particularmente útil a h o m e n s e m u l h e r e s que realiza-
v a m sua transição entre a infância e a vida adulta. Os atri-
b u t o s do cisne c o n t r i b u í a m p a r a que fizessem essa transi-
ç ã o tornando-se m e m b r o s responsáveis da tribo: os cisnes
s ã o leais a seus c o m p a n h e i r o s , v o a m em grupo, v o l t a m sem-
pre aos m e s m o s lagos em certas épocas do ano, t r o m p e t e i a m
q u a n d o n e c e s s á r i o , m a s são silenciosos e n a d a m durante
horas em á g u a fria ( u m ritual de purificação entre m u i t o s
p o v o s indígenas).
C a d a j o v e m , s e g u n d o o q u e eu s o u b e , q u e s u p e r o u os
" o b s t á c u l o s " d e s e t o r n a r adulto, p o s s u i u m a p e n a d e cis-
ne a m a r r a d a a s e u local de d o r m i r . T a l v e z ter u m a p e n a
224
de c i s n e e ser um "filho do c i s n e " ajude as p e s s o a s a m a n -
ter um equilíbrio p a r a enfrentar a vida.
P e n s a n d o e m tudo isso, saí para c a m i n h a r , n u m a tarde
de dezembro, c o m m e u marido à beira de um lago, não
m u i t o l o n g e de nossa casa. O i t o cisnes h a v i a m c h e g a d o do
C a n a d á p a r a tornar aquele lago seu refúgio de inverno.
" S e r i a m a r a v i l h o s o ter u m a p e n a d e cisne e m h o m e n a -
g e m ao p o v o de m e u a v ô " , pensei. E ali, sobre a água gélida
do lago, u m a p e n a de cisne flutuava!
C o n t u d o , ela encontrava-se longe da m a r g e m e o dia es-
tava frio demais para se pensar em um m e r g u l h o .
— V o c ê quer aquela p e n a ? — m e u m a r i d o perguntou.
— Q u e r o , sim.
— V o u pegá-la para v o c ê .
— N ã o . V o c ê ficará d o e n t e p o r causa do frio.
— O b s e r v e — ele disse.
M e u marido p e g o u u m a pedra e a atirou na água. A pedra
caiu no lago e, claro, criou vários anéis na superfície. O im-
pacto da pedra fez a água mover-se e empurrar a p e n a até as
proximidades da m a r g e m . Ele j o g o u outra pedra, e a p e n a
aproximou-se o suficiente para que ele pudesse pegá-la.
É n e c e s s á r i o dizer q u e esta p e n a é a m a i s p r e c i o s a de
m i n h a coleção?
225
Anjo da Estradú
Kara Ciel Black
Minha a m i g a M e l i s s a e e u d e c i d i m o s v i v e r u m a g r a n d e
a v e n t u r a — u m a v i a g e m d e b i c i c l e t a d e m i n h a casa, e m
Seattle, a S ã o F r a n c i s c o . N ã o t i v e m o s n e n h u m m f o r t ú n i o
e n q u a n t o a t r a v e s s á v a m o s o E s t a d o de W a s h i n g t o n . T a n t o
as estradas q u a n t o os m o t o r i s t a s r e s p e i t a v a m os ciclistas.
P e d a l a m o s o dia todo, p a s s a n d o pelas florestas de C a s c a d e s
e a c a m p a m o s à noite.
M a s tudo m u d o u q u a n d o c h e g a m o s à Califórnia. Às v e -
zes, os motoristas t e n t a v a m n o s j o g a r para fora da rodovia
d e propósito. O s a c o s t a m e n t o s e r a m estreitos, e s b u r a c a d o s
e em declive. N o s s a aventura transformou-se em tensão e
ansiedade, e n q u a n t o n o s p r o t e g í a m o s de veículos que pa-
r e c i a m d e t e r m i n a d o s a nos atropelar.
Quando subimos u m a colina, a viagem tornou-se um
pesadelo. A t r a v e s s a m o s u m a p o n t e sobre u m rio. E u peda-
lava na frente, c o m M e l i s s a a p o u c o s metros, a i n d a lutando
para percorrer a elevação. Ao olhar a m i n h a direita, n a d a
me s e p a r a v a da queda, a n ã o ser o a c o s t a m e n t o estreito e
u m a a m u r a d a de cerca de sessenta centímetros. De repen-
te, u m c a m i n h ã o gigantesco surgiu n a estrada, p a s s o u por
n ó s e, l o g o em seguida, p a r o u no a c o s t a m e n t o . O tráfego
intenso n ã o n o s permitiria ultrapassar o c a m i n h ã o .
Em pânico, brequei a bicicleta. Sabia que tinha apenas três
escolhas: (1) virar à direita e cair no precipício, pois a a m u -
rada n ã o me ampararia; (2) colidir c o m a traseira do c a m i -
226
n h ã o , o que resultaria em graves ferimentos; (3) frear a bi-
cicleta antes que me estatelasse na traseira do c a m i n h ã o .
No último segundo, m i n h a bicicleta p a r o u a poucos centí-
metros do caminhão. No m e s m o instante, o caminhão retor-
n o u à estrada. O motorista tivera sua parcela de diversão e
n e m sequer p e r d e u t e m p o para saber s e e s t á v a m o s b e m .
E u a i n d a tremia n a bicicleta q u a n d o M e l i s s a m e alcan-
çou. Ela havia t e s t e m u n h a d o tudo e estava trêmula t a m b é m
— de raiva e m e d o . Ela se a p r o x i m o u e me abraçou, quan-
do as lágrimas de alívio e revolta finalmente surgiram.
E n t ã o , o estranho, ao qual me refiro c o m o m e u "anjo da
estrada", p a r o u no acostamento. Ele d e s c e u do carro, apres-
sado. Parecia ter visto t o d o o ocorrido.
— V o c ê s estão b e m ? — ele p e r g u n t o u , p r e o c u p a d o . Os
i n t e n s o s o l h o s c a s t a n h o s t r a n s m i t i a m afeto e os c a b e l o s
n e g r o s e s t a v a m p r e s o s n u m rabo-de-cavalo. A p e l e b r o n -
z e a d a indicava que o h o m e m p a s s a v a m u i t o t e m p o ao ar
livre, c u m p r i n d o suas tarefas.
N ó s o a s s e g u r a m o s de que e s t á v a m o s b e m , m a s ele p ô d e
ver que nos sentíamos abaladas e m o c i o n a l m e n t e , pois n ã o
p a r á v a m o s de falar.
— M o r o à beira do rio — ele disse. — G o s t a r i a m de des-
cansar um p o u c o e t o m a r u m a xícara de chá?
S e m hesitação, n ó s aceitamos. S a b í a m o s que, d e a l g u m a
forma, poderíamos confiar naquele estranho. Ele p e g o u
nossas bicicletas e colocou-as na carrocería de sua c a m i n h o -
nete. N ó s n o s s e n t a m o s n a frente e , e m p o u c o s m i n u t o s ,
d e s c e m o s o precipício até a casa, que era, c o m o ele dissera,
à b e i r a do rio.
E m b o r a p e q u e n a , a residência transmitia paz e tranqüili-
dade. Ele insistiu que d e s c a n s á s s e m o s e n q u a n t o p r e p a r a v a
o chá. S a í m o s para o terraço e a d m i r a m o s o rio e a m a t a que
227
o rodeava. A o s p o u c o s , o m e d o e a raiva d e s a p a r e c e r a m e
c o m e c e i a voltar ao n o r m a l .
A l g u m a s horas depois, r e s o l v e m o s partir.
— A n t e s de irem, quero lhes dar u m a coisa. — O h o m e m
desapareceu dentro da casa e voltou c o m um objeto em cada
m ã o . — S ã o feixes de cura. Eu m e s m o os fiz. Eles as prote-
gerão até o final da v i a g e m .
O feixe de cura era c o m p o s t o p o r três s a c o s de c o u r o ,
a m a r r a d o s c o m u m barbante. Várias p e n a s coloridas esta-
v a m p e n d u r a d a s a o feixe, c a d a u m a d e u m p á s s a r o diferen-
te. Ele n o s d i s s e q u e tirara as p e n a s de p á s s a r o s m o r t o s
q u e e n c o n t r a r a na estrada e, d e p o i s de purificá-los e aben-
çoá-los, o s h o n r a r a c o m u m enterro a d e q u a d o . Ele apon-
tou os v á r i o s tipos de p e n a s e e x p l i c o u a e n e r g i a espiri-
tual d e c a d a u m a .
As p e n a s v o a v a m c o m a brisa e, c o m o m o v i m e n t o , pare-
c i a m assegurar que os espíritos dos pássaros n o s observa-
v a m p a r a i m p e d i r que t a m b é m a c a b á s s e m o s m o r t a s n a es-
trada. R e a l i z a m o s o resto da v i a g e m em total segurança.
Ao c h e g a r em casa, p e n d u r e i o feixe de c u r a na porta,
o n d e as p e n a s m o v e m - s e c a d a vez que a l g u é m entra ou sai.
É u m a g r a c i o s a l e m b r a n ç a da h o s p i t a l i d a d e de um estra-
n h o e u m a b ê n ç ã o constante e protetora em m i n h a vida.
228
E s p a ç o Interior
Mary-Lane Kamberg
229
Uma Pena de Cada Vez
Kimball C. Brooks
230
deria passar do preto ao b r a n c o lenta e g r a d u a l m e n t e " . Pela
primeira v e z , entendi o conceito q u e eu escutara s e m parar,
a b a s e de todas as instituições de reabilitação — um dia de
c a d a v e z . Pela p r i m e i r a v e z , senti a e s p e r a n ç a de q u e eu
poderia m u d a r e aceitar a vida s e m a bebida.
A i n d a tenho a p e n a q u e encontrei. O fundamento " u m
dia de c a d a v e z " já se transformou em quinze anos, e m i -
n h a a l m a está tão em p a z q u a n t o a b a s e b r a n c a da pena.
231
L
Meditação
UM PRESENTE INESPERADO
232
outro lado. Os pássaros não poderiam voar sem os dois lados das
asas; tampouco nós poderíamos. Estou aprendendo a apreciar a
beleza de ambos os lados.
233
A Cura da Águia
Maya Trace Borhani
As p e n a s c o m f r e q ü ê n c i a m a r c a m o c a m i n h o q u a n d o a
transformação está prestes a acontecer, flutuando em outros
domínios. Precursoras de l e m b r a n ç a s e intuição, s í m b o l o s
de transformação e renascimento, esses presentes a c o n t e c e m
q u a n d o o espírito se manifesta, l e m b r a n d o - m e das formas
sagradas de cura.
M o r o n u m a ilha na costa do Estado de W a s h i n g t o n , onde
e s t o u rodeada pelo m a r e por um suntuoso viveiro de pás-
saros selvagens. G a r ç a e martim-pescador, águia-pescado-
ra e c o r m o r ã o h a b i t a m as praias, o c é u e as cascatas da ilha.
C o s t u m o passar h o r a s n o topo d e u m a rocha, o b s e r v a n d o
um n i n h o de águia e c o n t e m p l a n d o o v ô o dos pais atencio-
sos. O m a r e s v e r d e a d o encontra-se logo abaixo, repleto de
vida e sustentando aquele lugar.
Certa noite, durante o verão, subi u m a m o n t a n h a sinuo-
sa a fim de atingir o círculo de pedras que jazia em seu c u m e .
T e n d o Cascades a leste, as m o n t a n h a s O l y m p i c ao sul e a
silhueta do C a n a d á a oeste, eu me encontrava no topo de
234
m e u m u n d o visível e apreciava sua soberania. M a s , dessa
v e z , eu havia feito aquela c a m i n h a d a tão familiar para me
despedir; a vida me afastava de m e u lar e do santuário q u e
aquela ilha se tornara p a r a m i m .
A n t e s de dar o último p a s s o para atingir o topo, olhei na
direção do oeste, sob o magnífico luar. U m a p e n a brilhante
chamou minha atenção. Tropeçando e escorregando nas
pedras, alcancei a p e q u e n a p e n a e peguei-a.
R i c a m e n t e decorada de b r a n c o e m a r r o m , ela possuía o
d e s e n h o de um arco em s e u centro. A q u e l a foi m i n h a pri-
m e i r a p e n a d e águia, u m símbolo d e p o d e r n u m a é p o c a d e
transição e m u d a n ç a ; um sinal para seguir em frente, con-
fiar na jornada, dar o p r ó x i m o passo. D u r a n t e toda a noite,
sob o luar de verão, a p e n a coroou o altar no pico da m o n -
tanha, o n d e dormi.
A g o r a , após a l o n g a jornada, estou de volta à ilha. M u -
d a n ç a s e transformações t ê m sido m i n h a s c o m p a n h e i r a s , e
voltei a m e u lar, s e m saber ao certo que forças misteriosas
g u i a m m i n h a vida. C a m i n h o entre o p a s s a d o e o presente,
em direção ao futuro, ao desconhecido. A terra, os elemen-
tos e a respiração da vida me c a r r e g a m .
Ao p e r c o r r e r a floresta, a c a b o p a r a n d o à b e i r a de um
despenhadeiro sobre a água. O vento do i n v e r n o estava tão
violento quanto a m a r é q u e colidia c o m as p e d r a s e o sol
que aquecia m e u rosto. Eu chegara àquele dia t e m p e s t u o s o
p a r a enterrar o que restava de um relacionamento amoroso.
Q u e r i a sentar e meditar, c o n t e m p l a r as o n d a s turbulentas,
u m a raridade naquela região de águas serenas. Continuei a
caminhar à beira do despenhadeiro, à procura de um nicho
entre as pedras que me protegeria do vento. Enfim, achei u m a
fenda onde eu poderia me aninhar e receber o calor do sol.
O ritmo constante das ondas d o m i n o u m e u p e n s a m e n t o .
Deitei-me sobre a p e d r a que me abraçava e liberei as lágri-
235
mas. Queria m e libertar dos laços que m e p r e n d i a m aos sím-
b o l o s do amor, para soltar o q u e engaiolava m i n h a capaci-
d a d e de amar.
N ã o e r a m lágrimas d e tristeza, m a s s i m d e purificação,
reconhecimento, bênção e renovação. Lembranças de um
h o m e m , d e u m a m o r que eu, d e a l g u m a forma, j a m a i s es-
q u e c e r e i ; fatos q u e a c o n t e c e r a m entre n ó s d a n ç a v a m e m
minha mente.
E u sobrevivera a o t e m p o q u e tudo cura. Senti nascer u m a
deliciosa sensação da experiência, o i m p e n e t r á v e l mistério
do p a r a d o x o , e essa dádiva da vida sobre a terra. Eu sabia
q u e a alegria era s u p r e m a , que m e s m o a p e r d a e o sofri-
m e n t o d e v i a m ser deixados de lado para adentrar a b e l e z a
para a qual n a s c e m o s .
Era hora de ir. Eu havia feito o que fora preciso. Levantei-
me para descer. A trilha seguia pela encosta, na extremidade
oposta ao desfiladeiro. M a s a l g u m a força misteriosa me com-
peliu a subir a rocha, em direção ao limite da floresta.
No pico da rocha, vi a m e u s pés u m a p e n a em m e i o ao
m u s g o . A b a i x e i - m e e peguei-a. R e c o n h e c i seu formato e sua
cor. A cura da águia, que inicialmente ajudou-me a partir,
agora era u m s í m b o l o d a soberania d e m i m m e s m a , solidá-
ria a m e u pedido. Ajoelhei-me sobre o m u s g o e chorei e ri
pela certeza de que, ao me liberar, eu n ã o iria cair, m a s sim
v o a r — ou, ao m e n o s , flutuar!
U m a v o z interior, a q u e l a q u e e s c u t e i a m e u r e d o r n o s
galhos e na brisa, disse:
— C o m a c o m p r e e n s ã o v e m a sabedoria e os tesouros da
terra para m a r c a r e m n o s s o c a m i n h o . F i q u e atenta. Note o
que está a sua volta. Veja tudo que v o c ê é e sente em c a d a
p e ç a da natureza que a rodeia. Seja única.
236
Se os Pássaros Podem Voar...
Marty Peach
237
Enfim, c h e g o u m i n h a v e z de apresentar a p a s s a g e m no
balcão. Q u a n d o abri a b o l s a p a r a pegar o bilhete, u m a p e n a
cor d e p ê s s e g o c a i u . S o u b e , n o m e s m o i n s t a n t e , q u e e l a
pertencia a u m a das m i n h a s cacaruas, c h a m a d a P ê s s e g o . P o -
r é m , n ã o fazia idéia de c o m o a p e n a fora p a r a r em m i n h a
bolsa.
E n q u a n t o a pena flutuava em direção ao balcão, u m a
m a r a v i l h o s a sensação de paz e c a l m a me invadiu. Q u a n d o
a alegria substituiu o m e d o , um p e n s a m e n t o me ocorreu:
" P o s s o voar!". Eu sabia que m e u s pássaros ficariam b e m e
eu também.
O sentimento de paz p e r m a n e c e u c o m i g o durante m i n h a
estada na índia. Foi reforçado q u a n d o , na m e t a d e da via-
g e m , u m a c o m p a n h e i r a d e excursão disse:
— M a r t y , olhe para b a i x o .
A m e u s pés havia a m a i s linda pena de papagaio que já vi.
A i n d a t e n h o essas belas penas. S ã o u m p o d e r o s o lembrete
do dia-a-dia de m i n h a r e c u p e r a ç ã o e u m a certeza de que
n u n c a estou sozinha. P o r isso, sou m u i t o grata.
238
Chefe Minipena
Phillip G. Crabtree
239
então eu apenas sentava-me para escutar suas histórias fan-
tásticas a respeito da vida. Ele era um h o m e m b e m - h u m o -
rado, gostava de viver e s e m p r e tinha um sorriso a m o r o s o
para m e oferecer.
C o m o h á anos l i m p o m e u violão c o m essa camiseta, n ã o
é raro pensar em m e u a v ô nessas horas. N a q u e l a noite em
particular, q u a n d o vi a camiseta, parei e refleti acerca das
l e m b r a n ç a s d o s b o n s m o m e n t o s que n ó s p a s s a m o s juntos.
E u vivia certos percalços. M e u aniversário d e trinta a n o s
se a p r o x i m a v a . N a q u e l e ano, sentia-me um tanto triste. Os
p r i m e i r o s sinais da idade se t o r n a v a m evidentes; q u a n d o
eu me o l h a v a no espelho, via fios de cabelo b r a n c o aqui e
ali. Vários a m i g o s queridos e parentes h a v i a m m o r r i d o , e
eu me sentia m a i s sozinho. Pensei em m i n h a v i d a e percebi
que n ã o chegara o n d e eu queria estar.
T o d o s e s s e s p e n s a m e n t o s v i n h a m à m e n t e , e n q u a n t o eu
lustrava m e u violão c o m a c a m i s e t a v e l h a . A p ó s g u a r d a r
o violão, virei-me e notei uma pena minúscula, não mui-
to maior que a unha do dedão, caída no chão do quarto.
Q u a n d o m e a p r o x i m e i dela, fui i n v a d i d o p e l a p r e s e n ç a
de m e u avô. Era c o m o se ele estivesse no quarto, falando
comigo.
E l e sabia d e m i n h a s dores internas. N a q u e l e m o m e n t o ,
escutei sua v o z e c o a n d o dentro d e m i m , d i z e n d o - m e q u e
ele estava c o m i g o e s e m p r e estaria, e que era preciso viver
o presente, n ã o o p a s s a d o ou o futuro.
— Um dia, e s t a r e m o s j u n t o s de n o v o — ele e n t o o u den-
tro de m i m .
N a q u e l e b r e v e instante, tudo m u d o u . N ã o sei ao certo o
que h o u v e , m a s senti que podia enxergar as coisas sob ou-
tra perspectiva. O s e n t i m e n t o de solidão desapareceu e n ã o
m a i s me sentia deprimido. U m a sensação de calor e confor-
t o m e invadiu.
240
M a i s tarde, n a q u e l a m e s m a noite, v a s c u l h e i o quarto in-
teiro p a r a d e s c o b r i r de o n d e v i e r a a p e n a , m a s n a d a en-
contrei. No dia s e g u i n t e , q u a n d o m e n c i o n e i o f e n ô m e n o a
m i n h a m ã e a o telefone, ela m e c o n t o u algo q u e e u n u n c a
soubera.
— S e u a v ô foi um b r i n c a l h ã o i n v e t e r a d o — ela d i s s e .
— Q u a n d o eu era p e q u e n a , n ó s b r i n c á v a m o s de í n d i o , e
ele c h a m a v a a si m e s m o de " C h e f e M i n i p e n a " . E l e a d o r a -
va esse apelido.
D e s d e esse dia, aposentei a camiseta; ela já h a v i a c u m -
prido seu objetivo. E m b o r a a presença de m e u avô n a q u e l a
noite tivesse sido b r e v e , o i m p a c t o profundo da experiên-
cia p e r m a n e c e r á c o m i g o p a r a s e m p r e . N ã o m a i s v e j o a s
coisas c o m m e u s olhos; prefiro ver e sentir c o m m e u cora-
ção. T o d o s esses sentimentos surgiram d e u m avô a m o r o s o
e de u m a p e q u e n a p e n a angelical. A q u e l a p e n a m i n ú s c u l a
tornou-se m e u talismã p a r a me lembrar de que a vida é b o a
e de que n ã o estou sozinho.
241
O q u e Me P r e n d e à
Terra Está Oculto
Mark Nepo
242
A Coragem da Águia
Gerald Wagner
243
Recebi m i n h a p e n a d e águia d e u m a m i g o , u m dançari-
no tradicional, que utiliza as p e n a s em rituais que aconte-
c e m há m a i s de c e m anos. S a b e r q u e a p e n a fez parte des-
sas d a n ç a s d e i x o u - m e a i n d a m a i s h o n r a d o e m r e c e b ê - l a .
D e p o i s da graduação, pendurei a p e n a na p a r e d e para me
l e m b r a r do que conquistei.
A tradição de usar p e n a s de águia e outros trajes indíge-
nas durante a g r a d u a ç ã o torna-se m a i s e l a b o r a d a a cada tí-
tulo. P e s s o a s c o m o título de m e s t r e p o d e m cobrir a b e c a
c o m penas, e os doutores em geral v e s t e m o traje indígena
tradicional.
Ethel Connally Johnson, a primeira m u l h e r de origem in-
dígena a se formar doutora pela Faculdade de Medicina V e -
terinária da U n i v e r s i d a d e do C o l o r a d o , quis h o n r a r seus
ancestrais durante a cerimônia. Várias semanas antes do even-
to, Ethel pediu permissão ao diretor da faculdade para usar
roupas indígenas durante o ato. O diretor n e g o u o pedido.
No dia do evento, Ethel vestiu a b e c a e a g u a r d o u que seu
n o m e fosse c h a m a d o . Q u a n d o se levantou, ela tirou a b e c a ,
r e v e l a n d o o traje de c o u r o de antílope, coberto c o m penas e
c o m os adereços que p e r t e n c i a m a sua família h a v i a anos.
Ao subir no palco p a r a receber o diploma, ela foi ovaciona-
da pela platéia.
S e m p r e que m e l e m b r o dela, penso n u m a m u l h e r que teve
a c o r a g e m de h o m e n a g e a r a si e a s e u p o v o — n ã o c o m o
objetivo de confrontar o p o d e r do " s i s t e m a " , m a s simples-
m e n t e p a r a h o n r a r seus ancestrais. Ela tinha a c o r a g e m da
águia.
244
In Memorian
K. M. Jordan
245
nia e cuidar dos preparativos da v i a g e m . O processo l e v o u
vários m e s e s e ofereceu-me t e m p o p a r a viver o luto.
E n q u a n t o eu recolhia os itens para h o m e n a g e á - l o , várias
pessoas d o a r a m presentes ao saber o q u e eu pretendia fa-
zer, e senti que o Espírito trabalhava p o r m e i o delas p a r a
me prover o necessário. Eu gostaria de obter u m a p e n a de
águia para o feixe, m a s , c o m o n ã o sou de o r i g e m indígena,
contentei-me c o m a s p e n a s d o nobre p e r u . S i m b o l i c a m e n -
te, amarrei as p e n a s de peru n o s cabelos de m e u irmão, to-
das apontadas p a r a b a i x o c o m o sinal de que ele fora um h o -
m e m d e honra.
Para a cerimônia em si, escolhi um lugar, que Karl m e n -
cionara muitas v e z e s , perto d e u m a c a b a n a n o lago W e b b .
Q u e i m e i sálvia, e s p a l h a n d o sua fumaça nas quatro direções
e me purifiquei. Salpiquei sal m a r i n h o no c h ã o e fiz um cír-
culo c o m grãos de milho.
A p ó s cavar u m b u r a c o p e q u e n o n o círculo, encostei n o
tronco de um pinheiro e escutei o v e n t o soprar entre as ár-
vores, sentindo-me c o m p l e t a m e n t e e m paz. Karl m e m a n -
dara muitas fotos d a q u e l a área, que era o lar dos funcioná-
rios do Serviço Florestal. O céu possuía um azul profundo,
c o m imensas n u v e n s brancas. Eu pude ver p o r que ele amara
t a n t o a q u e l e l o c a l . F e c h e i os o l h o s e i m a g i n e i - o livre da
d o e n ç a e do sofrimento, v o a n d o , enfim, c o m suas a m a d a s
águias.
E m seguida, guardei todos o s itens, u m p o r um, dentro
do feixe: as p e n a s de peru; u m a ferradura; cristais, turque-
sa, quartzo rosa e ametista; p e n a s de arara; tabaco e milho.
Rezei p a r a cada u m dos itens, p e d i n d o a o G r a n d e Espírito
que abençoasse K a r l e liberasse s e u espírito para o p r ó x i m o
grande trabalho.
246
U m a nova sensação de paz me invadiu ao terminar a
c e r i m ô n i a . C o n t i n u o s e n d o a b e n ç o a d o pelas p e n a s . C a d a
v e z que aparecem, p e n s o em Karl e sinto-me p r ó x i m o a ele.
A l g u m dia, v o a r e m o s j u n t o s n o v a m e n t e .
247
O Presente de Sofia
Sheelagh G. Manheim
A s p e n a s s e m p r e t i v e r a m u m sentido profundo e m m i n h a
vida. Q u a n d o criança, eu as colecionava por causa da b e l e -
za. Eu as j o g a v a no ar, roçava m e u rosto c o m elas, encaixa-
va as pontas para formar u m a só pena, juntava-as a fim de
fazer um leque. E n c o n t r a r u m a pena era o m e s m o que des-
cobrir um tesouro e sentir-se especial.
D u r a n t e a v i d a adulta, a p ó s fazer a n á l i s e j u n g u i a n a e
me tornar u m a p s i c o t e r a p e u t a j u n g u i a n a , aprendi a ver o
m u n d o s i m b o l i c a m e n t e , e m e u a m o r pelas p e n a s a d q u i r i u
u m n o v o significado. A s p e n a s e r a m a i n d a u m p r e s e n t e
do céu, mas também se transformaram em mensagens para
minha alma.
T a l p e r c e p ç ã o tornou-se ainda mais real para m i m duran-
te um verão que passei na região de Martha's Vineyard.
A p ó s dez dias de chuva, eu fiquei deprimida. Na tarde em
que o sol finalmente apareceu, saí da casa e caminhei até a
lagoa dos patos. Aliás, estava mais que deprimida. A idéia
de entrar na lagoa e n u n c a mais emergir l e v o u - m e a andar
248
na b e i r a d a da água, c a n t a n d o um h i n o a Sofia, a deusa da
sabedoria.
Fitando a lagoa, avistei o que parecia ser um m i n ú s c u l o
catamarã, atravessando a água em minha direção. Fiquei
perplexa ao descobrir que não se tratava de um brinquedo
de criança, m a s s i m de duas penas de cisne, paralelas sobre
a á g u a e trazidas até m i m pelo vento. P e r m a n e c i quieta, c o m
o coração cheio de alegria. A possibilidade de acabar c o m
m i n h a vida havia sumido. As penas atingiram a beirada da
lagoa e, agradecida, recolhi o presente q u e Sofia me enviara.
Depois desse verão, minhas preces são atendidas por
m e i o das p e n a s q u e recebo, as quais r e p r e s e n t a m respostas
a questões de m i n h a alma. Certa é p o c a , eu explorava a no-
ç ã o de dignidade. E encontrei p e n a s de p e r u de todos os
tipos e fui agraciada c o m a p r e s e n ç a de perus selvagens. Em
o u t r o v e r ã o , e n q u a n t o m e r e c u p e r a v a d e u m a enfermida-
de, achei lindas p e n a s de galinha-d'angola. Essas galinhas
c i s c a m q u a l q u e r e l e m e n t o d a terra, b o m o u ruim: u m ato
simbólico para a l i m p e z a do corpo. E n t ã o , recebi o privilé-
gio d e v e r u m g r u p o d e g a l i n h a s - d ' a n g o l a a t r a v e s s a n d o
nosso gramado.
P e n a s de corvo e de coruja t ê m sido, em várias ocasiões,
presentes para m i n h a a l m a destinados a me ajudar a enten-
der a vida e a p r e n d e r as lições q u e me são necessárias.
249
Meditaçãc
CUIDANDO DAS PENAS — OLHOS DE PÁSSARO
250
• Tente realizar um desejo de sua lista por semana. Ou planeje
um dia inteiro de "prazer", e realize os desejos da lista. Se pa-
recer egoísta demais, lembre-se de que o amor-próprio e a va-
lorização pessoal são tão necessários para seu potencial quanto
as penas para os pássaros. Lembre-se também de que todos os
pássaros restauram e renovam a energia entre um vôo e outro.
251
Nas Asas da Compaixão
Maril Crabtree
252
u m a j a n e l a e caído na calçada? T a l v e z tivesse sido atropela-
da por um carro. Estaria à beira da m o r t e ?
O q u e fazer? N u n c a e s t u d e i o r n i t o l o g i a , t a m p o u c o sei
c o m o tratar de pássaros. Volto ao clube, onde algumas
m u l h e r e s ainda estão, e anuncio:
— Há um pássaro ferido na calçada. A l g u é m sabe o que
fazer? — Certamente u m a b o a alma irá cuidar do problema.
— N ã o a toque s e m proteger suas m ã o s . Esses pássaros
t r a n s m i t e m doenças — várias replicaram.
— T a l v e z v o c ê consiga um saco de papel na cozinha.
— Por que n ã o telefona para a S o c i e d a d e Protetora dos
Animais?
R e s o l v i seguir todas as sugestões. V o u à cozinha, o n d e
u m a m u l h e r gentil me dá um saco de papel e me indica o
telefone. A S o c i e d a d e Protetora dos A n i m a i s me informa
q u e n ã o lida c o m a n i m a i s s e l v a g e n s , e m e s u g e r e o u t r o
n ú m e r o . Q u a n d o consigo completar a ligação, a atendente
me p e r g u n t a que tipo de pássaro é.
— D e v e ser u m a p o m b a , m a s n ã o t e n h o certeza. — T e n -
to m a n t e r um t o m sereno na v o z . — Isso importa?
— S i m , importa. Só c u i d a m o s de pássaros nativos deste
Estado. P o m b o s n ã o são considerados nativos.
— C o m o assim? Eles m o r a m nesta cidade. Isso n ã o os faz
nativos?
— N ã o . Há u m a distinção entre p o m b o s e outros pássa-
ros selvagens, c o m o o cardeal, o gaio, o papo-roxo e o par-
dal. P o m b o s feridos n ã o se qualificam para o cuidado e o
tratamento especiais que um cardeal receberia.
— P o r outro lado — a v o z continua —, se for um pássaro
da família dos p o m b o s , poderemos cuidar dele. Por que n ã o
o traz aqui para d a r m o s u m a olhada?
253
E l a me ensina c o m o c a p t u r a r o p á s s a r o no s a c o de pa-
pel e e x p l i c a o c a m i n h o m a i s rápido p a r a c h e g a r ao centro
de v i d a s e l v a g e m . S u s p i r o . Lá se vai m i n h a tarde p a r a es-
crever. P o r é m , aquela odisséia d o p á s s a r o a d q u i r i u u m sig-
nificado é p i c o . Sei que n ã o ficarei tranqüila até vê-lo b e m .
Se o c e n t r o de v i d a s e l v a g e m n ã o abrigar a p o m b a , eu o
farei.
P e g o o saco de papel e volto à rua. N e n h u m pássaro. Ele
desapareceu. Aflita, v a s c u l h o a área. Teria a p o m b a alcan-
ç a d o a rua e um carro a m a t a r a ? M i n h a h e s i t a ç ã o inicial
resultara e m sua morte? O u ela descobriu u m jeito d e voar?
D e s a p o n t o e alívio me i n v a d e m . M e u s esforços n ã o são
m a i s necessários e n ã o precisarei enfrentar a constrangedo-
ra tarefa de capturar um pássaro e transportá-lo. A tarde é
m i n h a n o v a m e n t e . S e m dúvida, é o u n i v e r s o me d i z e n d o
q u e d e v o correr para casa e c o m e ç a r a escrever.
Entro em m e u carro e afasto-me do centro da cidade.
Q u a n d o faço u m a curva p a r a adentrar a via expressa, vejo
um h o m e m em pé na calçada. Ele usa roupas puídas e se-
gura u m cartaz c o m o s dizeres: "Preciso d e e m p r e g o . Tra-
b a l h o p o r c o m i d a o u dinheiro".
P a r o no farol. A m i n h a volta, há pessoas bem-vestidas e
alheias aos arredores. O h o m e m abaixa os olhos, encaran-
do a rua, o n d e s e m d ú v i d a p a s s o u m a i s de um dia de sua
existência.
M i n h a a m i g a J e n n y c o s t u m a deixar barras de m a n t e i g a e
latas de salsicha em s e u carro para ocasiões c o m o essa.
— S i n t o - m e péssima, se n ã o faço n a d a — ela diz. — M a s
se eu der dinheiro, n u n c a saberei se o p e d i n t e o gastará em
c o m i d a o u bebida.
Talvez ela seja literal d e m a i s , m a s n a q u e l e m o m e n t o la-
m e n t o n ã o ter u m a lata de salsicha p a r a oferecer ao h o m e m .
T u d o q u e tenho é um saco vazio.
254
O farol abre, m a s n ã o me dirijo à via expressa. Em v e z
disso, p a r o n u m a loja de c o n v e n i ê n c i a s . C o m o s a c o v a z i o
e m m ã o s , p e r c o r r o a s prateleiras, s e l e c i o n a n d o alimentos
que não precisem de abridor de latas ou de um fogão.
Q u a n d o p e n s o n o que e u gostaria d e c o m e r s e t i v e s s e p a s -
s a d o o dia m e n d i g a n d o s e m ser vista, p e g o várias b a r r a s
de c h o c o l a t e e um p a c o t e de b a t a t a s fritas. O total das c o m -
p r a s é m í n i m o , se c o m p a r a d o ao p r e ç o do a l m o ç o q u e a c a -
b e i de usufruir.
Volto para o carro c o m o saco de p a p e l cheio e retorno ao
local o n d e vi o h o m e m .
— Por favor, faça c o m que ele esteja lá — rezo em v o z
baixa. — N ã o o faça desaparecer c o m o a p o m b a .
N u n c a m e deixei levar por pessoas que p e d e m e s m o l a s
n o s faróis ou nas calçadas. Na v e r d a d e , s e m p r e as rotulei
de seres p r e g u i ç o s o s que e n c o n t r a r a m um m e i o m a i s fácil
d e n ã o trabalhar. O u então, e u c o n s i d e r a v a essas p e s s o a s
c o m o criaturas indefesas, cujas n e c e s s i d a d e s v ã o a l é m d e
m i n h a s possibilidades. A c i m a de tudo, finjo que n ã o as vejo
para evitar q u e elas i n v a d a m m i n h a versão c o n v e n i e n t e da
realidade.
M a s o corpo trêmulo do pássaro me transformou. Se eu
d e s p e n d e s s e a l g u n s m i n u t o s d e m i n h a preciosa tarde, e u
poderia ajudar outro ser h u m a n o . N ã o resolveria s e u pro-
b l e m a , m a s talvez m e u gesto o encorajasse a continuar ten-
tando m u d a r d e vida.
O h o m e m a i n d a está lá, p a r e c e n d o — ou seria m i n h a
i m a g i n a ç ã o ? — m a i s miserável que antes. Encosto o carro e
saio, carregando o saco de alimentos.
— T o m e — digo, ao me abaixar p a r a deixar o saco ao lado
dele. — N ã o tenho u m e m p r e g o para v o c ê , m a s u m p o u c o
de c o m i d a é s e m p r e lucrativo. B o a sorte.
Eu me viro e volto ao carro.
255
— O b r i g a d o , senhora.
O u v i m e s m o aquelas palavras o u teria sido m i n h a ima-
g i n a ç ã o m a i s u m a v e z ? V o u e m b o r a rapidamente. M e u c o -
ração bate acelerado. "Talvez, em outra oportunidade",
p e n s o , "eu tenha c o r a g e m de encará-lo n o s olhos, c o n v e r -
sar c o m ele e escutá-lo."
P o r q u e n ó s , p á s s a r o s feridos, n ã o p o d e m o s e s q u e c e r
nossas p r e o c u p a ç õ e s diárias p o r um m i n u t o para dar aten-
ção ao outro?
Q u a n d o atinjo a v i a e x p r e s s a , e s t o u p e n s a n d o no q u e
p r e p a r a r e i p a r a o j a n t a r e i m a g i n o se c o n s e g u i r e i a l g u m
t e m p o para escrever antes d a refeição. E m princípio, n e m
s e q u e r p e r c e b o a m e i a d ú z i a de p á s s a r o s s o b r e o t e l h a d o
da varanda. Desligo o m o t o r e p e r m a n e ç o dentro do carro,
o b s e r v a n d o as ruidosas aves. Pergunto-me se " m i n h a " p o m -
ba está entre elas. M e u c o r a ç ã o se a q u e c e ao pressentir a
forte ligação c o m aquela p o m b a , q u a n d o o s pássaros v o a m
e m direção a o entardecer.
256
MARIL CRABTREE é escritora,
espiritualista e estudiosa
de ciências esotéricas. Seu
principal interesse são as
práticas xamânicas dos povos
indígenas norte-americanos.
Escreve poemas, ensaios
e artigos para as mais
conceituadas publicações
da área, além de ministrar
regularmente cursos e
workshops sobre esoterismo
e desenvolvimento espiritual.
RESGATE A SABEDORIA DOS ANTIGOS MESTRES E VEJA
COMO UMA SIMPLES PLUMA PODE MUDAR SUA VIDA!
AUTO-AJUDA
www.editorabestseller.com.br