Você está na página 1de 4

1

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE CARATINGA - UNEC


ESTUDO DE CASO – PARA DEBATE

FRANCISCO DAS CHAGAS LOPES

O LUTO: O PROCESSO DE AJUSTASTAMENTO COMO INTERVENÇÃO


PSICOTERÁPICA

CARATINGA – MG
2

INTRODUÇÃO
O luto é um evento em que todas as pessoas estão passíveis de serem
submetidas. Importa analisar e compreender esse fenômeno, na forma em que um
paciente se ajusta e/ou cria estratégias compensatórias, para que encontrando casos
similares possamos desenvolver intervenções que os ajudem a elaborar melhor a
situação em conflito, tendo em vista que este caso não seja luto patológico, necessitando
apenas de um processo de ajustamento, observando-se que, conforme KAPLAN
&SADOCK (2017), haja o cumprimento da necessidade de uma conversa com aquele
que morreu, em um andamento elaborado do acontecido.
Uma vez que há de chegar em ambiente terapêutico pacientes com demandas
diversas, necessárias ao tratamento, pode tornar-se de difícil acesso às questões que de
fato estão desajustando o sujeito emocionalmente pelo fato de o paciente rotineiramente
revisitar aquele evento. Como que uma barreira que precisa ser vencida, um luto não
patológico pode se interpor ao tratamento visto que é possível o terapeuta incorrer numa
observação superficial ignorando o evento por não trazer em seu relato dados suficientes
que caracterizem uma melancolia. Ver-se-á no caso em questão que a paciente tinha
uma demanda emocional em relação ao casamento anterior, mas ela não conseguia
render no assunto, revisitando certos aspectos do evento, até que o processo pôde ser
elaborado em sessão.
Kaplan e Sadock (2017) pontuam asseverações comparando a boa e a má morte,
prefigurando que uma traz um entendimento padronizado ao que é clínico, cultural e
ético, em que seja livre de angústia e o sofrimento evitáveis, enquanto a outra é
caracterizada por sofrimento desnecessário. Ou seja: uma é elaborada a outra não havia
base estrutural adequada para uma boa elaboração.Ainda inferem que é preciso haver
um reajuste da relação com a pessoa que morreu, e essa necessidade de uma “conversa”
com quem veio a óbito visa redefinir a sua posição e condição dentro da relação com o
enlutado e as visitas, orações e outras cerimônias possibilitam o apoio contínuo, a
aceitação da realidade, a recordação, a expressão emocional e o encerramento de
assuntos inacabados com o morto. (p.1355). E dessa forma, quando uma pessoa passa
por um evento de perda e não se encontra com um lugar que lhe seja propício para
atender essa particularidade, importa que o ambiente terapêutico seja esse espaço para
que a partir de então possa dar prosseguimento em suas demandas sem a necessidade de
revisitar aquele assunto inacabado de forma a impossibilitar um maior aproveitamento
na elaboração de outras questões.
3

A PACIENTE
Estudante do 1º Período de Psicologia, 49 anos, casada de um segundo
casamento, dois filhos (casal), sendo que o mais novo já é falecido. Morando em
república, distante de sua cidade mantém contato com o atual marido constantemente
através de telefone, indo visitá-lo somente nas férias ou esporadicamente quando ele
vem até ela. Parte da faculdade é de bolsa e a outra o marido paga, bem como todas as
demais despesas.
Se voluntariou para o acompanhamento terapêutico por entender que seria “uma
oportunidade de Deus” para sua vida e por perceber a necessidade de “ver alguns
traumas”.

DEMANDA TERAPÊUTICA
Sempre chegava atrasada 10 ou 15 minutos. Outras vezes desmarcava.
Quando indagada pelo motivo de ter se inscrito para o processo enfatizou em seu
discurso a necessidade de “ver alguns traumas”. Por isso ser algo mais saliente em sua
exposição resolvi começar por esse ponto, indagando sobre os tipos de traumas a que se
referia. Ela falou de algo trágico, mas sem demonstrar nenhuma manifestação mais
visível de emoção, exceto pelo comportamento de segurar a sua bolsa com muito mais
firmeza quando se referia à morte de seu filho, um jovem de 19 anos que foi assassinado
por um traficante.Junto a isso ponderou sobre o fato do pai do jovem, seu ex-marido, ter
sido quem iniciou o filho no “mundo das drogas”, ao mesmo tempo em que se
perguntava se não poderia ter feito mais, impedindo o filho de se envolver naquilo.
Ao ser questionada sobre o seu real estado, no momento, em relação ao evento
ela disse que estava bem. Já se passara 12 anos e que não havia ido ao velório do filho
porque gostaria de ter guardada consigo a imagem dele vivo e não morto. E que “as
pessoas a viam como uma mulher muito forte e para que não a vissem como coitadinha”
e nem enfraquecesse aqueles que confiavam nela preferiu não ir. E asseverou: “Eu
nunca pude chorar a morte do meu filho. Porque sempre estava acompanhada com as
pessoas que se preocupavam comigo e que não queriam me deixar sozinha. Depois o
tempo foi passando e já não seria bom as pessoas me verem chorando”. Comportando-
se assim parecia uma pessoa que já havia resolvido essa questão do luto e que poder-se-
ia passar adiante, exceto pelo fato de segurar-se tão forte à sua bolsa que mantinha sobre
as pernas, bem como ter enumerado como algo traumático que deveria ser “visto”
Assim, percebido que já havia sido feita uma aliança terapêutica, procurou-se
deixar claro para a paciente que aquele lugar seria o momento que ela sempre quis
4

encontrar. Seria a “oportunidade que ela buscava” para “ver alguns traumas” e que era
compreensiva a sua atitude e cuidado em relação às pessoas a quem queria poupar, mas
era chegado o momento de ela elaborar aquela situação, que aquele exato instante
poderia ser usado por ela para isso, quando ela bem quisesse. Foi-lhe assegurado que ela
não seria julgada e nem tida como “coitadinha”; que suas emoções e reações ali naquele
lugar seriam compreendidas e que em nenhum momento o terapeuta iria ter pena dela e
que se achasse necessário poderia chorar a morte de seu filho, fazer o que tem tentado
há tempo. Ela soltou um riso, com um soluço de chorou logo atrás. E sob aquele
silêncio do momento ela pôde se expressar, dizer com sons incompreensíveis palavras
ao filho que estava dentro dela esperando para ouvir tudo aquilo de modo que pudesse
ser feita uma despedida à altura de um luto.

INTERVENÇÕES
No que tange ao luto, depois de se proporcionar um ambiente adequado à
paciente, ela pôde fazer o que gostaria de ter feito há muito tempo, que era expressar-se
de modo a contento o choro pelo filho. Embora tenha feito isso em alguns momentos
sozinha, precisava encontrar-se em um lugar em que aquele sentimento, aquela emoção
fosse validada, tendo em vista que, dentro dos dados mais relevantes de sua infância foi
encontrada muita desvalia à expressão de sentimentos, isso sendo uma demonstração de
fraqueza, visto que sua mãe precisou ser forte para poder carregar a carga da família
porque o pai os abandonou. Ela precisava ter uma validação de emoções. Criado e
proposto a ela o ambiente adequado isso aconteceu, podendo expressar-se como queria.
Feito isso, demonstrou alívio e agradecimentos por ter conseguido sentir tudo aquilo
que estava guardado e que servia de entalo na garganta.

Você também pode gostar