Você está na página 1de 2

Essa conjuntura histórica de modernização-conservadora, ou contra-revolução liberal, ocorre

numa quadra de crescimento das ideias neoliberais, alguns autores tratam como uma mera
retomada de ideias que pareciam mortas desde a crise de 1929, outros como uma revolução no
pensamento conservador. Todavia, seria simplista se tomássemos o neoliberalismo como uma
ideologia nova, no campo da batalha das ideias, sim é isso, mas é muito mais que isso.
Sua concepção mais geral aponta uma ideologia liberalizante, que crítica todo tipo de
intervenção estatal na economia, ao qual caberia ao Estado, intervir apenas, no campo da
segurança, tudo o mais deveria ser ofertado pelo mercado, uma concepção, portanto, de
Estado mínimo, o mercado entendido como um alocador ótimo de recursos, ao passo, que a
intervenção estatal é sempre vista como distorcida. Essa “ideologia” ascende em um momento
de crise na Europa do Welfare-State Keynesiano (WSK), segundo Claus Offe (1984), um tipo
de arranjo político e econômico que permitiu a convivência pacífica e duradoura entre
capitalismo e democracia. Esse arranjo institucional, sobretudo, na Europa, fora a um arranjo
econômico promovido pelo Estado na qual o as instituições passam a garantir maior
estabilidade econômica e social aos cidadãos. Fora um pacto do após guerra que garantiu
direitos aos trabalhadores em troca de sua produtividade. Neste modo de regulação estatal
garante-se seguridade trabalhista, um quase pleno emprego, direitos sociais como saúde,
educação, segurança, etc. Temos por um lado à aceitação da lógica do lucro pelos
trabalhadores em troca a garantia de padrões mínimos de vida pelos capitalistas. Esse arranjo
econômico-estatal garante crescimento e seguridade, cada classe “assumi o papel da outra”
(OFFE, 1984, P.373) no jogo de somas positivas, cada classe leva em consideração os
interesses da outra, a lucratividade pelos trabalhadores e o investimento que garanta o
emprego pela classe capitalista. A intervenção estatal garantiu prosperidade a classe
capitalista e segurança a classe trabalhadora.
Todavia, como vimos na sessão precedente, esse arranjo institucional entra em crise com a
estagflação que atingiu boa parte das economias capitalistas centrais, propiciando a
conjuntura perfeita para as críticas ao WSK, Segundo Perry Anderson
A chegada da grande crise do modelo econômico no pós-guerra, em 1973, quando
todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinado
pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação mudou
tudo. A partir daí as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise,
afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizados no poder excessivo e
nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia
corroído as bases da acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre
os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez
mais os gatos sociais. (ANDERSON, 1995, P.10)
O remédio para resolver o impasse era o ajuste recessivo e o retorno à ordem do mercado.
Para os teólogos do livre mercado, como dirá Hobsbawm (2008), os capitalistas só voltariam
a investir se o excesso de regulação fosse retirado, e o Estado agisse com mão pesada sobre a
classe operária organizada, vista como corporativista e parasitária. Esse mesmo Estado
também é vista como disfuncional intervia em excesso nos mercados, o que diminuía a
vontade dos empresários de investirem.
Todavia, precisamos compreender que este remédio neoliberal não se resume a este conjunto
de medidas, o neoliberalismo não é apenas uma ideologia ou tipo de política econômica,
como bem definiu Dardot e Laval (2016), é um sistema normativo. “É um sistema normativo
que ampliou sua influência ao mundo inteiro, estendo sua lógica do capital a todas as relações
sociais e esferas sociais.” (P.7). Os críticos do neoliberalismo compreendiam como um
retorno puro e simples ao laissez-faire, todavia, o ponto de Dardot e Laval é que só podemos
compreendê-lo se buscarmos suas raízes, que são muito profundas, e apontam uma renovação
do pensamento liberal. Por isso, existem dois lados do neoliberalismo, um primeiro é o
discurso negativo, a destruição programada das regulamentações e das instituições; o
segundo, uma forma propositiva, que busca construir outras relações sociais, outra maneira de
viver, uma reformulação da subjetividade, outra forma da nossa existência.
Essa norma de impõe a cada um de nós que vivamos num universo de competição
generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar a em luta econômica uns contra
os outros, ordena as relações sociais segundo o modelo de mercado, obriga a justificar
desigualdades cada vez mais profundas, muda até o individuo, que é instado a conceber a si
próprio a comportar-se como uma empresa. Há quase um terço do século, essa norma de vida
rege as políticas públicas, comanda as relações econômicas mundiais, transforma a sociedade,
remodela a subjetividade. As circunstâncias desse sucesso normativo foram descritas
inúmeras vezes. Ora seu aspecto político (a conquista do poder pelas forças neoliberais), ora
seu aspecto econômico (o rápido crescimento do capitalismo financeiro globalizado), ora seu
aspecto social (a individualização das relações sociais às expensas das solidariedades
coletivas, a polarização extrema entre ricos e pobres), ora sob seu aspecto subjetivo (o
surgimento de um novo sujeito, o desenvolvimento patologias psíquicas). Tudo isso são
dimensões complementares da nova razão do mundo. (Dardot & Laval, 2016, p. 16)

Você também pode gostar