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Ementa e Acórdão

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23/10/2018 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
RÉU(É)(S) : RICARDO JOSE MEIRELLES DA MOTTA
ADV.(A/S) : THIAGO CORTEZ MEIRA DE MEDEIROS

Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. DENÚNCIA DE


PECULATO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA EM FACE DE DEPUTADO ESTADUAL. MAIS DA
METADE DOS MEMBROS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE IMPEDIDOS.
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CF, ART. 102,
I, N. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. ACORDO DE
COLABORAÇÃO PREMIADA. VALIDADE. PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
QUANTO ÀS IMPUTAÇÕES DE PECULATO E CONSTITUIÇÃO DE
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA
DESCRITA COMO LAVAGEM DE DINHEIRO. DENÚNCIA
RECEBIDA PARCIALMENTE.
1. O art. 102, I, n, da Constituição Federal expressa que compete ao
Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, a ação em
que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam
impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados.
2. O procedimento de afastamento de sigilo de dados telefônicos
questionado pela defesa, que tramitou originariamente no âmbito do
TJ/RN a partir de investigação regularmente instaurada em face do
Deputado Estadual denunciado, foi devidamente remetido ao STF
quando da declinação de competência do inquérito principal pertinente
ao mesmo parlamentar, constituindo, atualmente, o Apenso 06 dos
presentes autos. Assim, não há falar em cerceamento ao direito de defesa,
uma vez que os dados pertinentes encontram-se devidamente encartados
ao caderno processual, cuja acesso jamais deixou de ser facultado à

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defesa.
3. O acordo de colaboração premiada cuja validade é questionada
pela defesa foi homologado por este Relator ciente do quadro clínico de
depressão grave a que estava acometido o candidato a colaborador,
sendo que assim se decidiu porque se entendeu que o quadro em questão
não se mostrava suficiente para afetar o discernimento do interessado no
período que antecedeu a formalização da avença, conforme retratavam
atestados de natureza médica que instruíam os autos. Ademais, a decisão
homologatória foi antecedida de todas as cautelas procedimentais
previstas na Lei nº 12.850/13, mormente a partir da inquirição do
candidato a colaborador na presença de seu defensor, ato esse que
confirmou a voluntariedade com que negociados os atos de disposição de
vontade.
4. Na fase de deliberação quanto à possibilidade de recebimento da
denúncia, na qual vigora o princípio do in dubio pro societate , afigura-se
como suficiente para que se autorize a instauração da ação penal tão
somente a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade. A
inicial acusatória, portanto, deve alicerçar-se em elementos probatórios
mínimos que demonstrem a materialidade do fato delituoso e indícios
suficientes de autoria, em respeito aos princípios constitucionais do
devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e
LV, da Constituição Federal).
5. Os parâmetros legais para a admissão da acusação estão descritos
nos artigos 41 e 395 do Código de Processo Penal. O primeiro, de
conteúdo positivo, enumera os requisitos formais da peça acusatória.
Com efeito, a denúncia ou queixa que não contêm a exposição do fato
criminoso, com todas as suas circunstâncias, além da classificação do
crime, impede o exercício da ampla defesa, na medida em que submete o
acusado à persecução penal, privando-o do contexto sobre o qual se
desenvolverá a relação processual. Já o art. 395 do CPP, de conteúdo
negativo, estipula que o libelo acusatório não pode incorrer nas
impropriedades a que se reporta, quais sejam, a inépcia da denúncia; a
falta de pressuposto processual ou condição da ação e a falta de justa

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causa para o exercício da ação penal.


6. In casu,
(a) A controvérsia cinge-se ao cometimento ou não dos crimes de
peculato, lavagem de dinheiro e constituição de organização criminosa
atribuídos ao Deputado Estadual no Rio Grande do Norte Ricardo Motta.
(b) Quanto ao 1º fato (peculato), narra a denúncia que, no período de
janeiro de 2013 a dezembro de 2014, na condição de Deputado Estadual,
RICARDO DA MOTTA, com a colaboração de terceiras pessoas, desviou,
em proveito próprio e alheio, dos cofres do IDEMA, a importância total
de R$ 19.321.726,13 (dezenove milhões, trezentos e vinte e um mil,
setecentos e vinte e seis reais e treze centavos). Descreve-se que, no início
do ano de 2012, RICARDO solicitou a GUTSON JOHNSON GIOVANY
REINALDO BEZERRA, Diretor Administrativo da autarquia, que
engendrasse esquema criminoso visando a arrecadar recursos para que o
primeiro custeasse as despesas das vindouras campanhas eleitorais de
2012 e 2014. A partir daí, utilizando-se do fato do Diretor Administrativo
da autarquia estar autorizado a movimentar recursos da pessoa jurídica
de direito público independentemente da assinatura de seu Diretor-Geral,
GUTSON organizou esquema por meio do qual o IDEMA, inicialmente,
transferia, para uma conta oculta mantida em agência local do Banco do
Brasil, recursos que arrecadava a partir da cobrança de taxas ambientais
e, a seguir, expedia ofícios dirigidos à mesma agência, contendo ordens
de pagamento em favor de diferentes pessoas jurídicas que, em verdade,
jamais haviam sido contratadas ou prestado qualquer serviço em favor da
autarquia. Posteriormente, os administradores das empresas beneficiadas,
sacavam os valores em espécie e os repassavam, em parte, a GUTSON e a
terceiras pessoas, os quais efetuavam entregas de valores em espécie
diretamente ao Deputado Estadual RICARDO MOTTA.
(c) Quanto ao 2º fato (lavagem de dinheiro), narra a denúncia que,
no mesmo período de janeiro de 2013 a dezembro de 2014, o Deputado
Estadual RICARDO DA MOTTA dissimulou a movimentação financeira
dos recursos públicos desviados por meio das condutas descritas no 1º
fato. Descreveu-se que o denunciado realizou tal dissimulação a partir da

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conduta de ocultar seu envolvimento com o esquema fraudulento, bem


como por meio da exigência de que os recursos destinados ao denunciado
lhe fossem repassados apenas em espécie, “com a finalidade de possibilitar a
ocultação dos valores dos controles oficiais do sistema financeiro e de facilitar a
movimentação dos montantes recebidos, bem como a sua posterior integração por
meio do pagamento de despesas pessoais ou aquisição de bens”.
(d) Quanto ao 3º fato (organização criminosa), narra a denúncia que,
para o fim de viabilizar o cometimento do 1º e 2º fatos acima descritos, o
Deputado Estadual RICARDO MOTTA, conjuntamente com a pessoa de
GUTSON BEZERRA, “criou uma organização criminosa com objetivo de
desviar recursos do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente
– IDEMA, organização descrita como também constituída por terceiras
pessoas já denunciadas pelo mesmo crime na 1ª instância.
7. No que condiz à imputação de peculato, a defesa afirma que a
denúncia lastreia-se em afirmações genéricas e abstratas, baseando-se
apenas no depoimento prestado pelo colaborador GUTSON BEZERRA, o
que inviabilizaria a deflagração da ação penal. É certo que GUTSON
descreveu, efetivamente, em seus relatos, de forma minudente, o aludido
modus operandi. Contudo, a descrição imputativa realizada encontra-se
amparada por diversos outros elementos de prova acostados aos autos,
dentre os quais os depoimentos prestados por outros três agentes que
também celebraram acordos de colaboração premiada; os relatos de
testemunhas que afirmam ter presenciado entregas de valores em espécie
em favor do denunciado; documentos de natureza bancária que retratam
as operações de desvio de valores do IDEMA e os saques realizados pelos
representantes das pessoas jurídicas que participavam do esquema; e, por
fim, extratos telefônicos que retratam os contatos havidos entre o
Deputado Estadual e o colaborador GUTSON em período próximo ou
concomitante às operações financeiras fraudulentas, tudo a atribuir
verossimilhança ao relato apresentado pelo colaborador.
8. O requisito da justa causa para instauração da ação penal traduz-
se na existência de indícios suficientes de autoria e materialidade, tanto
que o Supremo Tribunal Federal assentou que o ato decisório de

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recebimento da denúncia é de cognição sumária, isto é, preenchidos


aqueles requisitos, independe de avaliação exaustiva do acervo
probatório.
9. De acordo com o § 16º do art. 4º da Lei 12.850/13, nenhuma sentença
condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente
colaborador . Ocorre que, na fase de recebimento da denúncia, não há falar
em juízo condenatório e, nem, tampouco, consectariamente, em exigência
de certeza probatória, mostrando-se plenamente suficiente a
verosimilhança eventualmente atribuída aos depoimentos dos
colaboradores pelo início de prova documental já colacionada aos autos
do caderno investigatório. No presente caso, a verossimilhança da versão
trazida aos autos pelos colaboradores encontra-se evidenciada por
elementos de prova de natureza documental, o que se mostra suficiente
para justificar o recebimento da peça de acusação.
10. No plano probatório, os mesmos elementos que evidenciam a
materialidade e a autoria do denunciado quanto ao crime de peculato,
acima elencados, caracterizam a existência de justa causa no que tange ao
crime de constituição e participação em organização criminosa. Há
indícios suficientes quanto à associação de 4 (quatro) ou mais pessoas
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o
objetivo de obter vantagem pecuniária, mediante a prática do crime de
peculato, infração penal cuja pena máxima é superior a 04 anos. A
chamada Operação Candeeiro, deflagrada em setembro do ano de 2015 e
antecedida por ampla investigação conduzida pelo Ministério Público do
Estado do Rio Grande Norte, evidenciou a atuação, naquele Estado, de
organização criminosa voltada ao desvio de recursos públicos
provenientes do IDEMA, organização essa cujo principal beneficiário,
conforme demonstrou indiciariamente o Ministério Público, consiste no
parlamentar ora denunciado.
11. O crime de organização criminosa é de natureza permanente, o
que, aliás, é da essência da figura típica criminalizada, considerando que
a opção do legislador não foi a de criminalizar a associação eventual para
a prática de crimes, mas sim a atuação estruturada e reiterada de grupos

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voltados à prática de infrações penais. No caso em tela, as fatos


imputados à organização criminosa tida como constituída pelo
denunciado foram praticados em parte antes e em parte após a entrada
em vigor da Lei nº 12.850/13. Nesse contexto, dada a natureza de crime
permanente acima destacada, impende, para viabilizar o recebimento da
denúncia quanto à integralidade dos fatos imputados à organização
criminosa ora denunciada que se invoque o entendimento consagrado no
Enunciado 711 da Súmula do STF, segundo o qual “a lei penal mais grave
aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é
anterior à cessão da continuidade ou da permanência”.
12. No que tange ao crime de lavagem de dinheiro, de acordo com o
Ministério Público, o denunciado realizou tal dissimulação a partir da
conduta de ocultar seu envolvimento com o esquema fraudulento,
arquitetando esquema criminoso que garantisse o anonimato de sua
condição de principal beneficiário dos recursos desviados; e, ainda, por
meio da conduta de receber em espécie o pagamento dos recursos que lhe
eram destinados, o que, segundo o Parquet, fora praticado com o expresso
fim de obstar que a movimentação dos valores fosse rastreada pelas
autoridades competentes. Ou seja, entende o órgão acusador que o
denunciado praticou o crime de lavagem de dinheiro em concurso
material com o crime de peculato que lhe seria antecedente porque
ocultou das autoridades seu envolvimento com aquela última prática
delitiva e porque recebeu, em espécie, os pagamentos correspondentes ao
proveito econômico que auferiu ao praticar, supostamente, o peculato. No
plano probatório, os mesmos elementos que evidenciam a materialidade
e a autoria do denunciado quanto ao crime de peculato caracterizam a
existência de justa causa também no que se refere ao crime de lavagem de
dinheiro, mormente no que tange às condutas de ocultação de
envolvimento quanto à participação no esquema delitivo e de
dissimulação da origem dos recursos auferidos de forma ilícita.
13. Ex positis, atendidos os requisitos do art. 41 do Código de
Processo Penal, voto pelo recebimento da denúncia oferecida contra o
Deputado Estadual RICARDO JOSÉ MEIRELLES DA MOTTA.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da


Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do
Senhor Ministro Alexandre de Moraes, na conformidade da ata de
julgamento e das notas taquigráficas, preliminarmente, por maioria, em
rejeitar a questão de ordem suscitada pelo Relator. Não votou quanto à
preliminar o Ministro Luís Roberto Barroso. No mérito, por unanimidade,
em receber a denúncia, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 23 de outubro de 2018.
Ministro LUIZ FUX - RELATOR
Documento assinado digitalmente

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Questão de Ordem

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AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
RÉU(É)(S) : RICARDO JOSE MEIRELLES DA MOTTA
ADV.(A/S) : THIAGO CORTEZ MEIRA DE MEDEIROS

QUESTÃO DE ORDEM

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR) - Senhor


Presidente, tenho uma questão de ordem em que os fatos aqui
mencionados não foram praticados com relação à atividade parlamentar.
Então, não se enquadram naquela locução da nossa jurisprudência.
Por outro lado, novamente, nós temos aqui o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Norte declarando-se impossibilitado de julgar mais este
Deputado Estadual, carreando, então, a competência para o Supremo
Tribunal Federal.
Sucede que nós julgamos aqui apelação quando a parte assume um
cargo que tem prerrogativa de foro; já julgamos aqui recurso especial. E
entendo que, neste caso, é até contrário ao devido processo legal e à
ampla defesa julgarmos originariamente isso aqui, porque o processo
deve baixar para a primeira instância, e, se o Tribunal todo estiver
comprometido, o Supremo julga.
Mas o correto seria a primeira instância julgar esse fato praticado
pelo Deputado, porque não tem nenhuma relação com o cargo, de acordo
com a nossa jurisprudência. Não foi em razão do cargo nem em função
dele, foi um fato praticado alheio a essa característica que arrasta a
competência do Supremo Tribunal Federal.
Então, o certo seria baixar para o primeiro grau. Se o Tribunal
reiterar que não tem condições de julgar o Deputado, então o Tribunal
estará todo comprometido, realmente o processo deverá vir para o
Supremo Tribunal Federal.
Essa é a primeira questão de ordem.

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Observação

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23/10/2018 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
RÉU(É)(S) : RICARDO JOSE MEIRELLES DA MOTTA
ADV.(A/S) : THIAGO CORTEZ MEIRA DE MEDEIROS

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, não tenho


a menor dúvida, porque, se o ato foi praticado sem nenhuma ligação com
o mandato, evidentemente, tem-se a competência não do Tribunal de
Justiça, mas da primeira instância. O que assentado quanto à prerrogativa
de foro, o foi a partir da Constituição Federal, que submete as unidades
da Federação, ou seja, a jurisprudência do Supremo é observável também
nos demais Tribunais do País.

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Voto s/ Questão de Ordem

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AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

VOTO S/ QUESTÃO DE ORDEM

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente,


compreendi que, na verdade, ele era presidente da Assembleia Legislativa
no momento dos fatos. A acusação é de que ele teria indicado o agente
público, utilizando-se da sua influência política.
O Tribunal de origem declinou da competência com remessa dos
autos a esta Corte em função de declarada suspeição da maior parte ou
da maioria dos seus integrantes.
Peço todas as vênias ao eminente Ministro Luiz Fux para entender
que a competência é nossa e que devemos prosseguir no exame.
Rejeito a questão de ordem.

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Voto s/ Questão de Ordem

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23/10/2018 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, é


induvidosa, ao primeiro exame, a competência do Tribunal de Justiça
para analisar possível processo-crime. A denúncia não foi recebida. Não
se tem ainda o processo-crime. O ato imputado foi praticado em razão do
cargo, visando vantagem.
Surge a problemática da alínea “n” do inciso I do artigo 102 da
Constituição Federal. Defronto-me com realidade fática inafastável: mais
da metade dos integrantes do Tribunal de Justiça deu-se por suspeita para
julgar o acusado.
Entendo que incide o preceito da alínea “n” do inciso I do artigo 102
da Constituição Federal e que, portanto, competente ao Supremo decidir
sobre o recebimento, ou não, da denúncia.

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Voto s/ Questão de Ordem

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23/10/2018 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

VOTO S/ QUESTÃO DE ORDEM


O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (PRESIDENTE)
- Também entendo, como disse, que o art. 102, inciso I, alínea n, não deixa
outra solução ou possibilidade ao Supremo Tribunal Federal.
E, ao mesmo tempo, faço coro aqui ao que disse o Ministro Luiz Fux,
já é a segunda ou terceira vez. Isso precisava ser analisado, porque não
existe também uma suspeição genérica para que o Tribunal nunca possa
julgar nenhum deputado estadual, ou seja, está abrindo mão da sua
competência.
Mas o caso específico, a Constituição, a meu ver, determina que seja
o próprio Supremo que adquire a competência.

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Esclarecimento

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AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

ESCLARECIMENTO
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR) - Eu vou respeitar
a colegialidade evidentemente. Não vou ficar vencido na questão de
ordem, mas, no meu modo de ver, fato praticado em razão do cargo ou
em função do cargo, por exemplo, uma votação de medidas no exercício
da atividade própria, mediante corrupção, é venda de medidas, enfim,
legislativas.
Agora, aqui não. Ele entrou em conluio com um funcionário de uma
empresa para que esse funcionário da empresa desviasse dinheiro. Então,
eu entendo que isso não foi em razão do cargo nem em função do cargo.
Foi um ato praticado em coautoria com outro cidadão que era titular de
uma empresa. Eu procuro fazer uma restrição dessa interpretação em
razão do cargo ou em função dele, porque eu entendo que seja isso, em
razão do cargo.
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (PRESIDENTE)
- Ministro Fux, entendo a posição de Vossa Excelência. Não concordo,
porque, aqui, a imputação, sem entrar no mérito, é que ele enquanto
presidente da Assembleia, com seu poder político, indicou esse agente
público ao Executivo para nomeação. Só pôde indicar porque era
presidente da Assembleia, senão a indicação nem seria ouvida. Então esse
liame político parece ser também em razão do cargo.

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Relatório

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RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de inquérito


remetido ao Supremo Tribunal Federal pela Corte Especial do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, com fundamento no art. 102, I,
n, da Constituição Federal, em cujos autos, antes da decisão declinatória,
fora oferecida denúncia pelo Ministério Público daquele Estado em face
do Deputado Estadual RICARDO JOSÉ MEIRELES DA MOTTA,
imputando-lhe o cometimento dos crimes previstos no art. 312, caput, c/c
art. 327, §2º, ambos do CP (1º fato); art. 1º, caput e §4º, da Lei nº 9.613/98
(2º fato) e art. 2º, caput e §4º, II, da Lei nº 12.850/13 (3º fato).

A denúncia em questão fora oferecida, na data de 11/05/2017, pelo


Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio
Grande do Norte em face do aludido parlamentar, sem que, até a presente
data, tenha havido deliberação judicial quanto à possibilidade de seu
recebimento.

Conforme descrição constante na peça acusatória (fls. 02-68), em


setembro de 2015, foi deflagrada, no Estado do Rio Grande do Norte, a
chamada “Operação Candeeiro”, que descortinou a atuação de
organização criminosa que se valia da autarquia estadual Instituto de
Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Estado do Rio Grande
do Norte – IDEMA para o fim de desviar recursos públicos. Com a

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Relatório

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ressalva de que os demais membros da aludida organização figuram


como investigados e/ou réus no âmbito de processos que tramitam na 1ª
instância daquele Estado, a denúncia concernente ao Deputado Estadual
RICARDO DA MOTTA foi oferecida perante o Tribunal de Justiça,
considerando a prerrogativa de foro do parlamentar.

Em breve síntese, a aludida peça acusatória imputou ao referido


Deputado Estadual a prática de três condutas delituosas:

1º FATO:

No período de janeiro de 2013 a dezembro de 2014, RICARDO DA


MOTTA, Deputado Estadual, com a colaboração de terceiras pessoas,
desviou, em proveito próprio e alheio, dos cofres do IDEMA, a
importância total de R$ 19.321.726,13 (dezenove milhões, trezentos e vinte
e um mil, setecentos e vinte e seis reais e treze centavos).

De acordo com a denúncia, no final do ano de 2011, após o


rompimento do então Vice-Governador ROBINSON FARIA com a então
Governadora ROSALBA CIARLINI, o IDEMA deixou de ser controlado
politicamente por aquele primeiro para o ser pelo denunciado RICARDO,
então Presidente da Assembleia Legislativa.

Ainda consoante a peça acusatória, no início do ano de 2012,


RICARDO solicitou a GUTSON JOHNSON GIOVANY REINALDO
BEZERRA, Diretor Administrativo da autarquia, que engendrasse
esquema criminoso visando a arrecadar recursos para que o primeiro
custeasse as despesas das vindouras campanhas eleitorais de 2012 e 2014.
A partir daí, utilizando-se do fato de que MANOEL JAMIR
FERNANDES JÚNIOR, Diretor-Geral do IDEMA, lhe autorizara a
movimentar recursos da autarquia independentemente da assinatura
daquele primeiro, GUTSON organizou esquema por meio do qual o
IDEMA, inicialmente, transferia, para uma conta oculta mantida em

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agência local do Banco do Brasil, recursos que arrecadava a partir da


cobrança de taxas ambientais e, a seguir, expedia ofícios dirigidos à
mesma agência, contendo ordens de pagamento em favor de diferentes
pessoas jurídicas que, em verdade, jamais haviam sido contratadas ou
prestado qualquer serviço em favor da autarquia.

Posteriormente, as pessoas de JOÃO EDUARDO DE OLIVEIRA


SOARES e ANTÔNIO TAVARES NETO, administradores das empresas
beneficiadas, sacavam os valores em espécie e os repassavam, em parte, a
GUTSON e a CLEBSON JOSÉ BEZERRIL e EUCLIDES PAULINO DE
MACEDO NETO, respectivamente, chefe e servidor do setor de
contabilidade do IDEMA. A seguir, por fim, GUTSON, CLEBSON ou
EUCLIDES efetuavam entregas de valores em espécie diretamente ao
Deputado Estadual RICARDO ou algum representante indicado por
aquele último. Por meio da aludida sistemática, do total de cerca R$ 19
milhões desviados do IDEMA no período, cerca de R$ 11 milhões foram
destinados diretamente em espécie ao denunciado RICARDO, tendo os
cerca de R$ 8 milhões restantes sido dividido entre os demais integrantes
do grupo criminoso.

2º FATO:

De acordo com a denúncia, no mesmo período de janeiro de 2013 a


dezembro de 2014, o Deputado Estadual RICARDO DA MOTTA
dissimulou a movimentação financeira dos recursos públicos desviados
por meio das condutas descritos no 1º fato.

Conforme narrado, o denunciado realizou tal dissimulação a partir


da conduta de ocultar seu envolvimento com o esquema fraudulento, o
que fez a partir da montagem do esquema “de uma maneira que a sua
identidade de principal beneficiário dos desvios de recursos públicos fosse
preservada (fase de ocultação do crime de lavagem). Também conforme a peça
acusatória, a dissimulação fora realizada por meio da exigência de que os

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recursos destinados ao denunciado lhe fossem repassados apenas em


espécie, “com a finalidade de possibilitar a ocultação dos valores dos controles
oficiais do sistema financeiro e de facilitar a movimentação dos montantes
recebidos, bem como a sua posterior integração por meio do pagamento de
despesas pessoais ou aquisição de bens”.

3º FATO:

Por fim, de acordo com a peça de imputação, para o fim de viabilizar


o cometimento do 1º e 2º fatos acima descritos, o Deputado Estadual
RICARDO MOTTA, conjuntamente com a pessoa de GUTSON
BEZERRA, “criou uma organização criminosa com objetivo de desviar recursos
do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente – IDEMA,
organização descrita como também constituída pelas pessoas de
CLEBSON BEZERRIL, EUCLIDES DE MACEDO NETO, JOÃO
EDUARDO SOARES e ANTÔNIO TAVARES NETO.

Importa consignar que, ao oferecer a presente denúncia em maio de


2017, o Procurador-Geral de Justiça do Rio Grande do Norte postulou a
prisão preventiva e o afastamento cautelar do acusado RICARDO do
parlamento estadual.

Por meio de decisão monocrática proferida pelo Desembargador


Relator no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, foi
indeferido o pedido de prisão preventiva, mas deferido o pedido de
afastamento cautelar do denunciado pelo período inicial de 180 dias (fls.
757-768).

O denunciado interpôs agravo interno em face da aludida decisão


(fls. 782-793), do que se seguiu a apresentação de contrarrazões pelo
Ministério Público (fls. 817-821).

Então, na data de 19/07/2017, em sessão do Tribunal Pleno designada

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para julgamento do agravo, a maioria dos Desembargadores daquele


órgão se declarou suspeita para atuar no caso (fls. 824-834).
Consectariamente, em 21/07/2017, determinou o Desembargador Relator,
com fulcro no art. 102, I, alínea n, da Constituição Federal, a remessa dos
autos ao Supremo Tribunal Federal (fl. 552).

Posteriormente, em 24/10/2017, sobreveio aos autos a informação de


que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, em
sessão parlamentar extraordinária, revogara a decisão judicial de
afastamento do denunciado do mandato (fls. 875/876).

Recebidos os autos no Supremo Tribunal Federal, determinou este


Relator a notificação do acusado para que apresentasse defesa, com
fundamento no art. 4º da Lei nº 8.038/90 (fl. 922).

Ao apresentar defesa preliminar, o denunciado (a) alegou,


preliminarmente, cerceamento de defesa, em virtude de não se
encontrarem encartadas nos autos provas oriundas do procedimento de
afastamento do sigilo de dados telefônicos envolvendo o denunciado e o
colaborador GUTSON BEZERRA, provas estas tidas como invocadas na
peça acusatória; (b) também preliminarmente, alegou a nulidade do
acordo de colaboração premiada celebrado por GUTSON BEZERRA,
argumentando que esse último, quando realizou a avença, o fez
“acometido de vários problemas de saúde, sendo necessário acompanhamento
psiquiátrico intensivo, uma vez se encontrar numa profunda depressão”; (c)
quanto ao mérito da pretensão acusatória, alegou, inicialmente, a
impossibilidade de aplicação da Lei nº 12.850/2013, uma vez que o
período de imputação relativo ao crime de organização criminosa
abrange período anterior à entrada em vigor do aludido ato normativo;
(d) aduziu não estar suficientemente caracterizada a justa causa
necessária para o recebimento da denúncia, mormente em virtude do fato
de que as imputações estariam fundamentadas em elementos de prova
provenientes exclusivamente do acordo de colaboração premiada

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celebrado com GUTSON BEZERRA. Nesse contexto, requereu a defesa o


não recebimento da denúncia (fls. 936-945).

Posteriormente, em junho do corrente ano, sobreveio aos autos nova


petição da defesa, questionando a competência do STF para conhecer da
pretensão acusatória. Para tanto, narrou-se que o Plenário deste Egrégio
Tribunal, recentemente, ao resolver questão de ordem nos autos da AP
937, decidira que o foro por prerrogativa de função aplicar-se-ia apenas
aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às
funções desempenhadas. Nesse contexto, argumentou-se que, no
presente caso, os fatos imputados ao Deputado Estadual RICARDO DA
MOTTA não estavam relacionados à atividade parlamentar por ele
desempenhada, de modo que a competência para conhecimento da
pretensão acusatória seria do Juízo de 1ª instância, o que, segundo se
alegou, afastaria a causa atrativa da competência do STF prevista no art.
102, I, “n”, da CF, independentemente da declaração de suspeição
exarada pela maioria dos membros do TJ/RN (fls. 973-976).

Com vista dos autos, a Procuradoria-Geral da República,


manifestou-se pelo reconhecimento da competência do STF para
processar e julgar os fatos. Para tanto, alegou que, embora se visualizasse
como possível a aplicação ao caso da tese adotada no julgamento da AP
937, não cessara a causa que justificara a remessa dos autos a esta Corte
Superior, o que, excepcionalmente, inviabilizaria a declinação da
competência ao Juízo de 1ª instância. Enfatizou-se que, sendo já
conhecida a parcialidade do TJ/RN, a cogitada declinação implicaria a
assunção pelo STF da posição de instância revisora em grau ordinário de
toda e qualquer decisão que viesse a ser proferida pelo Juízo de 1ª
instância, hipótese não prevista na Constituição Federal e incompatível
com o sistema processual penal pátrio. De resto, a Procuradora-Geral da
República ainda se posicionou pelo afastamento das demais alegações
que foram deduzidas pelo acusado na peça de defesa preliminar. Nesse
cenário, ao tempo em que ratificou a peça acusatória oferecida

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Relatório

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AO 2275 / RN

originariamente pela Procuradoria-Geral de Justiça do Rio Grande do


Norte, requereu o recebimento da denúncia por esta Egrégia Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal (fls. 981-990).

É o relatório.

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Antecipação ao Voto

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23/10/2018 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR) - Senhor


Presidente, egrégia Turma, ilustre Representante do Ministério Público,
Senhores Advogados presentes, ilustre Advogado, que muito bem se
desincumbiu da tribuna.
Senhor Presidente, como observamos aqui, há uma versão do
Ministério Público, há uma versão da defesa e há aquilo que consta dos
autos.
Ainda que se depreenda dos autos esses elementos, eventualmente
conflitantes, de prova a que se refere a defesa, estamos numa fase
preliminar em que vigora o princípio in dubio pro societate.
Se efetivamente proceder tudo quanto o eminente Advogado se
propõe a comprovar, já tendo destacado, por dever de lealdade, que a
matéria é de mérito, ele o fará no curso da ação penal.
Também não me conformo só com uma denúncia formalmente
perfeita, é preciso que ela venha embasada em dados, digamos assim, que
evidenciem um mínimo de autoria e de materialidade.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 54 1039

23/10/2018 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Senhor Presidente,


Senhores Ministros, Ilustre representante do Ministério Público Federal,
senhores advogados, inicio meu voto destacando que a denúncia imputa
ao Deputado Estadual RICARDO JOSÉ MEIRELES DA MOTTA a prática
dos crimes assim tipificados:

1º FATO:
PECULATO
Código Penal
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou
qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em
razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

2º FATO:
LAVAGEM DE DINHEIRO
Lei nº 9.613/1998
Art. 1º – Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
§4º – A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes
definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por
intermédio de organização criminosa.

3º FATO:
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Lei nº 12.850/2013
Art. 2º – Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 54 1040


AO 2275 / RN

por interposta pessoa, organização criminosa.


Pena: reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das
penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 4º – A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):
(…) II – se há concurso de funcionário público, valendo-se a
organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal.

I - DA COMPETÊNCIA:

Conforme relatado, trata-se de inquérito remetido a esta Corte pelo


Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, nos termos do art.
102, I, n , da Constituição Federal, que prevê o seguinte:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,


precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente :
(…)
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam
direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da
metade dos membros do tribunal de origem estejam
impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessado;

No presente inquérito, conforme também relatado, já houve o


oferecimento de denúncia (cujo exame de admissibilidade se encontra
pendente), sendo que a peça acusatória imputa ao denunciado o
cometimento de fatos praticados, em tese, no exercício do cargo de
Deputado Estadual, mas não relacionados à atividade parlamentar, o que,
a princípio, nos termos da compreensão que se tinha até recentemente
acerca do tema, atraía a competência do Tribunal de Justiça Estadual para
conhecer da pretensão, tanto que a denúncia, originariamente, foi
apresentada perante o TJ/RN.

Ocorre que, posteriormente, à apresentação da peça acusatória, o

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 24 de 54 1041


AO 2275 / RN

Supremo Tribunal Federal modificou seu entendimento quanto à


amplitude da foro por prerrogativa de função, o que ocorreu por ocasião
do julgamento, pelo Plenário deste Tribunal Superior, de questão de
ordem na AP 937, quando se aprovou a tese de que o foro por
prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o
exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Diante de
tal quadro, transpondo-se este novo entendimento para o presente caso,
mostra-se, efetivamente, tal qual alegou a defesa, inevitável concluir que
a competência originária para processamento e julgamento dos fatos
descritos na denúncia não seria mais do TJ/RN, mas sim do Juízo de 1ª
instância.

A indagação que surge, diante desse cenário, já tendo havido, nos


autos, declaração de suspeição exarada por mais da metade dos membros
do TJ/RN, é se a hipótese de atração da competência originária do STF
prevista na alínea “n” do inciso I do art. 102 da CF ainda se afigura como
aplicável no presente caso ou se os autos deverão ser remetidos ao Juízo
de 1ª instância para processamento e julgamento dos fatos imputados.

Extrai-se da interpretação literal da alínea “n” do inciso I do art. 102


da CF, acima transcrita, que, no que se refere à hipótese analisada, apenas
as questões submetidas (ou passíveis imediatamente de submissão) ao
tribunal cuja maioria dos membros esteja impedida ou seja direta ou
indiretamente interessada é que deverão ter sua competência para
apreciação deslocada, excepcionalmente, ao Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que a sobredita hipótese de competência originária do


Supremo Tribunal Federal é, por natureza, excepcional (porquanto
resultante do deslocamento da competência de outro juízo a quem se
reconhecia a competência originária). Nesse contexto e lembrando ser
próprio da melhor hermenêutica que a excepcionalidade seja sempre
interpretada restritivamente, impende concluir que a hipótese de
competência originária prevista no art. 102, I, “n”, da CF seja reconhecida

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 25 de 54 1042


AO 2275 / RN

apenas quando presente, efetivamente, a sua causa de incidência, qual


seja, o impedimento do juízo qualificado originariamente como
competente para, em um plano direto e imediato, conhecer da pretensão.

No presente caso, é sabido, de antemão, que o tribunal com


competência para conhecimento da pretensão em âmbito recursal já
declarou seu impedimento para oficiar no caso (em virtude da declaração
de suspeição já exarada por mais da metade dos membros do TJ/RN); no
entanto, nada consta, nos autos, acerca de eventual declaração de
suspeição ou impedimento do juízo de 1ª instância que, em âmbito
originário, possui competência para conhecer diretamente da pretensão
acusatória.

E nada justifica que se presuma essa declaração de suspeição ou


impedimento, mormente no contexto de interpretação restritiva acima
delineado. Nesse caso, não há, simplesmente, fundamento jurídico que
permita que se subtraia do juízo constitucionalmente competente para
deliberar sobre a admissibilidade da peça acusatória (e, se for o caso, para
processar e julgar a ação penal em 1ª instância) o exercício de seu múnus,
sob pena de flagrante ofensa ao princípio do juízo natural.

Por outro lado, não merece acolhimento a tese da Procuradoria-


Geral da República de que a solução ora preconizada implicaria
teratologia incompatível com o sistema persecutório pátrio, qual seja,
constituir o Supremo Tribunal Federal como instância revisora ordinária
de toda e qualquer decisão recorrível que viesse a ser proferida pelo Juízo
de 1ª instância no processamento do inquérito e da ação penal.

Essa seria, sem dúvida, a consequência inevitável da aplicação da


tese ora defendida ao presente caso. Não se visualiza, contudo, a
teratologia apontada, até porque se trata de hipótese deveras recorrente
na atuação penal do Supremo Tribunal Federal.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 26 de 54 1043


AO 2275 / RN

Com efeito, sempre que, por exemplo, no curso de uma ação penal já
julgada em 1ª instância mas com recursos ainda pendentes de apreciação,
ocorre a investidura do réu em cargo que atrai a competência deste
Tribunal Superior em razão da prerrogativa da função exercida, as
Turmas do Supremo Tribunal Federal se veem obrigadas a exercer
jurisdição recursal não lhes prevista expressamente pelo texto da
Constituição Federal. Não raras vezes, de fato, esta Primeira Turma
julgou apelação interposta de sentença proferida de juiz de 1ª instância ou
embargos infringentes interpostos de acórdão proferido por tribunal
local. Esta Primeira Turma já julgou, inclusive, recurso especial que fora,
originariamente, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça.

Aliás, mesmo no âmbito de aplicação da ora analisada hipótese de


deslocamento de competência prevista na alínea “n” do inciso I do art.
102 da CF, há precedentes em que o Supremo Tribunal Federal
reconheceu sua competência recursal excepcional, sem que tal tenha sido
considerado incompatível com o sistema persecutório pátrio. Cite-se as
Ações Originárias 1046 e 1047, ambas de relatoria do Min. Joaquim
Barbosa, nas quais se reconheceu a competência do Supremo Tribunal
Federal para julgar recurso de apelação de decisão proferida pelo
Tribunal do Júri em casos em que havia impedimento declarado de mais
da metade dos membros do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima.

A título exemplificativo, segue a ementa de um desses julgados:

“EMENTA: HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO


PROFERIDA PELO CONSELHO DE SENTENÇA DO
TRIBUNAL DO JÚRI. COMPETÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR APELAÇÃO (ARTIGO
102, I, n DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). JURADOS
CONVOCADOS EM NÚMERO EXCEDENTE. NULIDADE
RELATIVA, A EXIGIR DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO.
ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. IRREGULARIDADE NA
NOMEAÇÃO QUE NÃO ACARRETA NULIDADE.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 27 de 54 1044


AO 2275 / RN

INCOMUNICABILIDADE DE JURADOS AFIRMADA POR


CERTIDÃO. NULIDADE INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE
CONTRARIEDADE DA DECISÃO DO JÚRI À PROVA DOS
AUTOS. APELAÇÃO PROVIDA PARCIALMENTE PARA
REDUZIR A PENA IMPOSTA. 1. Competência do Supremo
Tribunal Federal para julgar recurso de apelação de decisão proferida
pelo Tribunal do Júri, havendo impedimento declarado de mais da
metade dos membros do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima
(…).” (AO 1046, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA,
Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2007, DJe-042 DIVULG 21-06-
2007 PUBLIC 22-06-2007 DJ 22-06-2007 PP-00016 EMENT VOL-
02281-01 PP-00043 RTJ VOL-00202-02 PP-00472).

Desse modo, preliminarmente, voto no sentido de declinar da


competência para deliberar acerca da admissibilidade da peça acusatória
já oferecida (e, consequentemente, se for o caso, para processar e julgar a
ação penal a ser instaurada) à 1ª instância da Justiça Estadual do Rio
Grande do Norte, sem prejuízo, diante da já conhecida declaração de
suspeição exarada por mais da metade dos membros do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Norte, do posterior reconhecimento da
competência recursal do Supremo Tribunal Federal com fundamento no
art. 102, I, “n”, da CF.

II - DA ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA:

Na hipótese desta Egrégia Turma deliberar de modo diverso quanto


à supracitada questão prejudicial, passo ao exame das demais questões
preliminares e diretamente pertinentes ao mérito.

A defesa alega ter sido descrito na denúncia que “os registros


telefônicos do terminal utilizado pelo denunciado RICARDO MOTTA quando
confrontados com os dos terminais utilizados pelo colaborador GUTSON (…)
revelaram que, no período de outubro de 2011 a outubro de 2014, ambos

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 28 de 54 1045


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trocaram 292 (duzentos e noventa e duas) ligações telefônicas (…).” Aduz que
“tais dados foram extraídos da quebra dos registros telefônicos dos ramais usados
pelo acusado e pelo colaborador nos autos do processo nº 2016.007086-2”,
ressalvando, por fim, que “a defesa nunca teve acesso a tal procedimento e o
produto dessa quebra de sigilo de dados não se encontra encartado nos autos da
presente ação penal, como seria de rigor.”

Não assiste, porém, razão à defesa.

Inicialmente, convém esclarecer que os elementos de prova que


instruem a presente denúncia foram produzidos, em sua maior parte, nos
autos de procedimento investigatório instaurado em março de 2016 pela
Procuradoria-Geral de Justiça do Rio Grande do Norte. Na época,
tramitava, na 6ª Vara Criminal de Natal/RN, a Ação Penal nº 0109752-
47.2015.8.20.0001, resultante de desdobramentos da Operação Candeeiro,
que fora deflagrada naquela unidade da Federação em setembro de 2015.
Ocorre que, ao ser interrogado, em fevereiro de 2016, perante o aludido
Juízo, GUTSON BEZERRA, um dos réus da aludida ação penal,
identificou o ora denunciado RICARDO MOTTA como um dos principais
beneficiários dos desvios fraudulentos praticados por meio do IDEMA (fl.
73).

Nesse contexto, em 08/03/2016, foi instaurado pelo Procurador-Geral


de Justiça, visando a investigar o referido parlamentar estadual, o
Procedimento Investigatório Criminal nº 021/2016 (fls. 02/03), o qual,
depois de autorizado e atuado pelo TJ/RN, passou a tramitar, perante
aquele Tribunal, sob o nº 2016.001993-6 (fls. 294-296).

Posteriormente, em maio de 2016, a partir dos elementos iniciais de


prova que haviam sido colacionados aos autos do Procedimento
Investigatório nº 2016.001993-6, o Procurador-Geral de Justiça apresentou
perante o TJ/RN pedido cautelar autônomo de quebra de sigilo de dados
telefônicos, por meio do qual requereu fosse disponibilizado pelas

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operadoras de telefonia pertinentes extratos correspondentes aos


registros telefônicos efetuados por RICARDO DA MOTTA e GUTSON
BEZERRA no período de janeiro de 2011 a setembro de 2015.

Esse requerimento autônomo, distribuído por dependência ao


procedimento que já se encontrava em tramitação, foi autuado sob o nº
2016.007086-2, constituindo, justamente, o procedimento cautelar
mencionado pela defesa na alegação preliminar ora analisada. Ocorre
que, quando da declinação de competência do Procedimento
Investigatório nº 2016.001993-6 ao STF, o Procedimento Cautelar nº
2016.007086-2 foi igualmente remetido a esta Corte Superior, originando a
Petição 7190, posteriormente apensada à presente Ação Originária, da
qual constitui, atualmente, o Apenso 06.

Esse Apenso 06, por sua vez, abriga não apenas o requerimento
cautelar autônomo que fora formulado pelo Ministério Público (fls. 04-
18), como também a decisão do TJ/RN que o deferiu (fls. 232-234) e todos
os extratos disponibilizados pelas empresas de telefonia em atenção à
requisição judicial (fls. 235-252). Em tendo sido esse o substrato
probatório utilizado pelo Ministério Público para descrever a imputação
ora questionada, não há falar em cerceamento ao direito de defesa, uma
vez que os dados pertinentes encontram-se devidamente encartados ao
caderno processual, cuja acesso jamais deixou de ser facultado à defesa.

III - DA ALEGAÇÃO DE INVALIDADE DO ACORDO DE COLABORAÇÃO


PREMIADA:

Narra a defesa que o acordo de colaboração premiada celebrado por


GUTSON BEZERRA com o Ministério Público Federal foi formalizado na
data de 10/11/2016. Aduz que, poucos dias depois, em 17/11/2016,
GUTSON requereu, nos autos da Apelação Criminal nº 2016.017760-9
(que abriga o recurso de apelação interposto por aquele réu em face da
sentença condenatória proferida contra si no âmbito da ação penal que

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tramita na 1ª instância), a conversão de sua prisão preventiva em prisão


domiciliar, sob a justificativa de que necessitaria de acompanhamento
psiquiátrico por sofrer, à época, de depressão grave, pedido esse que, em
grau de recurso, após parecer favorável do Ministério Público, teria sido
deferido pelo TJ/RN.

Nesse contexto, suscita a defesa a invalidade do acordo de


colaboração premiada celebrado por GUTSON, argumentando que,
conforme se extrairia da própria decisão que convertera sua prisão
preventiva em domiciliar, aquele réu sofria de transtorno psiquiátrico
grave à época da entabulação da avença, a prejudicar o seu
discernimento.

Para a compreensão da controvérsia em sua devida amplitude e


dada a relativa imprecisão dos dados trazidos pela defesa, mostra-se
necessário realizar breve reconstituição cronológica dos fatos processuais
verificados:

- o acordo de colaboração questionado foi negociado por GUTSON,


réu de ação penal que tramitava na 1ª instância da Justiça Estadual do Rio
Grande do Norte (processo em virtude do qual se encontrava preso
preventivamente), em conjunto com o Ministério Público Federal e com o
Ministério Público Estadual local; no caso, o interesse do Ministério
Público Federal na negociação decorria da perspectiva de que GUTSON
viesse a delatar o envolvimento de autoridades com prerrogativa de foro
em Tribunais Superiores, como, efetivamente, ocorreu;
- esse acordo foi formalizado em novembro de 2016, já prevendo, em
uma de suas cláusulas, que, caso homologado, implicaria, dentre outras
disposições, a conversão do regime de prisão preventiva então vigente em
prisão domiciliar;
- de qualquer modo, ainda em novembro de 2016 (quando a
negociação do acordo de colaboração ainda era mantida em sigilo,
inclusive das autoridades judiciárias estaduais), GUTSON formalizou,

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perante o TJ/RN, pedido de conversão da prisão preventiva em


domiciliar, amparado por laudos de natureza médica indicativos de que
sofria de transtorno psiquiátrico associado a quadro de depressão;
- esse pedido foi indeferido liminarmente pelo Relator competente
no âmbito do TJ/RN;
- então, motivada por essa decisão de indeferimento, a PGR, na data
de 16/12/2016, deduziu o mesmo pedido de conversão da prisão
preventiva em domiciliar diretamente perante o Supremo Tribunal
Federal, alegando, para tanto, não apenas a sobredita necessidade
médica, como também o fato da medida ter sido acordada no âmbito da
colaboração premiada; importa, no caso, esclarecer que esta Corte
Superior era competente para conhecer do pedido, uma vez que
GUTSON, nos anexos do acordo de colaboração, imputara a prática de
ilícitos a autoridades com prerrogativa de foro neste Tribunal Superior;
- esse pedido da PGR foi distribuído a este Relator, tendo sido
autuado como Petição 6528;
- então, em decisão proferida na data de 19/12/2016 nos autos da PET
6528, acolhi o pedido da PGR, determinando a conversão da prisão
preventiva em domiciliar; para tanto, enfatizei, em especial o fato da
medida ter sido objeto de disposição negocial no acordo de colaboração
(cuja possibilidade de homologação já se encontrava sendo aferida por
este Relator);
- por fim, após prévia verificação da regularidade, legalidade e
voluntariedade do ato negocial, realizada por meio de audiência
conduzida, com fundamento no art. 4º, §7º, da Lei nº 12.850/13, por Juiz
Instrutor vinculado ao meu Gabinete, homologuei o acordo de
colaboração premiada em decisão proferida, na data de 03/03/2017, nos
autos da PET 6438.

De todo o exposto, depreende-se, em síntese, que este Relator


decidiu pela homologação do acordo de colaboração premiada já ciente
do quadro clínico de que padecia o colaborador (porquanto previamente
cientificado por meio do pedido que a PGR deduzira nos autos da PET

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6528); sendo que assim foi decidido, por óbvio, porque se entendeu que o
quadro em questão não se mostrava suficiente para afetar o
discernimento do candidato a colaborador e, desse modo, comprometer a
validade da avença enquanto ato de disposição negocial.

A decisão em questão, importa enfatizar, foi antecedida de todas as


cautelas procedimentais previstas na Lei nº 12.850/13, mormente a partir
da inquirição do candidato a colaborador na presença de seu defensor,
ato esse que, repita-se, confirmou a voluntariedade com que negociados
os atos de disposição de vontade.

Ademais e, principalmente, a referida decisão não deixou de levar


em consideração o teor dos atestados médicos que haviam amparado o
pedido de conversão da prisão preventiva em domiciliar. Ocorre que os
documentos em questão (acostados nas fls. 22/23 da PET 6528), apesar de
descrever o quadro de depressão grave a que estava acometido, na época,
o candidato a colaborador, eram claros no sentido de atestar que
GUTSON não tivera seu discernimento afetado pelo aludido transtorno
psiquiátrico transitório.

Logo, não se justifica o acolhimento do pleito defensivo de


declaração da invalidade do acordo de colaboração premiada celebrado
por GUTSON BEZERRA.

IV – DA IMPUTAÇÃO RELATIVA AO CRIME DE PECULATO:

A defesa afirma não haver justa causa para o recebimento da


denúncia, argumentando que o conjunto probatório que instrui a peça
acusatória é insuficiente para demonstrar o envolvimento do Deputado
Estadual RICARDO MOTTA com os ilícitos praticados por intermédio da
organização criminosa investigada no âmbito da Operação Candeeiro.
Para tanto, alega que a denúncia, no que pertine à imputação de peculato,
lastreia-se em afirmações genéricas e abstratas, baseando-se apenas no

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depoimento prestado pelo colaborador GUTSON BEZERRA, o que


inviabilizaria a deflagração da ação penal.

Em primeiro lugar, registro que, como é de conhecimento comum,


na presente fase de deliberação quanto à possibilidade de recebimento da
denúncia, na qual vigora o princípio do in dubio pro societate , afigura-se
como suficiente para que se autorize a instauração da ação penal tão
somente a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade.

A inicial acusatória, portanto, deve alicerçar-se em elementos


probatórios mínimos que demonstrem a materialidade do fato delituoso e
indícios suficientes de autoria, em respeito aos princípios constitucionais
do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º,
LIV e LV, da Constituição Federal).

Os parâmetros legais para a admissão da acusação estão descritos


nos artigos 41 e 395 do Código de Processo Penal. O primeiro, de
conteúdo positivo, enumera os requisitos formais da peça acusatória.
Com efeito, a denúncia ou queixa que não contêm a exposição do fato
criminoso, com todas as suas circunstâncias, além da classificação do
crime, impede o exercício da ampla defesa, na medida em que submete o
acusado à persecução penal, privando-o do contexto sobre o qual se
desenvolverá a relação processual.

Já o art. 395 do CPP, de conteúdo negativo, estipula que o libelo


acusatório não pode incorrer nas impropriedades a que se reporta, quais
sejam, a inépcia da denúncia; a falta de pressuposto processual ou
condição da ação e a falta de justa causa para o exercício da ação penal.

O requisito da justa causa para instauração da ação penal, repita-se,


traduz-se na existência de indícios suficientes de autoria e materialidade,
tanto que o Supremo Tribunal Federal assentou que o ato decisório de
recebimento da denúncia é de cognição sumária, isto é, preenchidos

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aqueles requisitos, independe de avaliação exaustiva do acervo


probatório. In verbis:

“EMENTA: INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES


PREVISTOS NO ART. 317, § 1º, C/C ART. 327, § 2º, DO CÓDIGO
PENAL E ART. 1º, V, VII e § 4º, DA LEI 9.613/1998. AUSÊNCIA
DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA
AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
LICITUDE DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS COLHIDOS NA
FASE INVESTIGATIVA. PRELIMINARES REJEITADAS.
INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE
DEMONSTRADOS. SUBSTRATO PROBATÓRIO MÍNIMO
PRESENTE. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41
DO CPP. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. É cabível, também no
âmbito da Lei 8.038/1990, assegurar ao órgão acusador a faculdade de
réplica às respostas dos denunciados, especialmente quando suscitadas
questões que, se acolhidas, poderão impedir a deflagração da ação
penal. Só assim se estará prestigiando o princípio constitucional do
contraditório (art. 5º, LV, CF), que garante aos litigantes, e não
apenas à defesa, a efetiva participação na decisão judicial. Precedentes.
2. O Supremo Tribunal Federal possui clara orientação no sentido de
que a regra da indivisibilidade da ação penal tem campo de incidência
específico à ação penal privada (art. 48 do Código de Processo Penal).
Precedentes. 3. As diligências questionadas foram promovidas e
realizadas pela Documento assinado digitalmente conforme MP n°
2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves
Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no
endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o
número 11767840. Supremo Tribunal Federal Inteiro Teor do Acórdão
- Página 1 de 51 Ementa e Acórdão INQ 3979 / DF autoridade
policial de maneira complementar, acompanhadas pelo Ministério
Público e, principalmente, por delegação do Relator no Supremo
Tribunal Federal, na forma prevista no art. 230-C do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal. 4. A eventual desconstituição
de acordo de colaboração premiada tem âmbito de eficácia restrito às
partes que o firmaram, não beneficiando nem prejudicando terceiros

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(HC 127.483, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de


4.2.2016). Até mesmo em caso de revogação do acordo, o material
probatório colhido em decorrência dele pode ainda assim ser utilizado
em face de terceiros, razão pela qual não ostentam eles, em princípio,
interesse jurídico em pleitear sua desconstituição, sem prejuízo,
obviamente, de formular, no momento próprio, as contestações que
entenderem cabíveis quanto ao seu conteúdo. Precedentes. 5. À luz
dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, o conteúdo dos
depoimentos colhidos em colaboração premiada não é prova por si só
eficaz, tanto que descabe condenação lastreada exclusivamente neles,
nos termos do art. 4º, § 16, da Lei 12.850/2013. 6. A fase processual
do recebimento da denúncia é juízo de delibação, jamais de
cognição exauriente. Não se pode, portanto, confundir os
requisitos para o recebimento da denúncia, delineados no art.
41 do Código de Processo Penal, com o juízo de procedência da
imputação criminal. Precedentes. 7. Denúncia que contém a
adequada indicação das condutas delituosas imputadas, a
partir de elementos aptos a tornar plausível a acusação, o que
permite o pleno exercício do direito de defesa. 8. Presença de
substrato probatório mínimo em relação à materialidade e
autoria. A existência de outros indícios reforça as declarações
prestadas por colaboradores, tais como registros telefônicos,
depoimentos, informações policiais e documentos apreendidos, o que
basta neste momento de cognição sumária, em que não se exige juízo
de certeza acerca de culpa. 9. Denúncia recebida.” (Inq 3979-DF, Rel.
Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, Julgado em 27/09/2016,
Dje de 15/12/2016).

Daí conclui-se que, em respeito às regras legais que disciplinam o


recebimento da inicial acusatória, a descrição do fato supostamente
criminoso deve ajustar-se à norma abstrata que prevê o tipo penal
incriminador, com provas da materialidade e indícios razoáveis de
autoria.

In casu, foi descrito na denúncia que, no final do ano de 2011, o ora


denunciado RICARDO MOTTA, então Presidente da Assembleia

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Legislativa do Rio Grande do Norte, embora sem exercer nenhum cargo


formal relacionado à autarquia, assumiu o controle político do Instituto
de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente – IDEMA daquele
Estado, tendo, nessa condição, em conluio com o Diretor Administrativo
da autarquia, GUTSON BEZERRA, engendrado esquema criminoso
voltado a desviar recursos da referida pessoa jurídica de direito público,
do qual consistiria o denunciado no principal beneficiado.

Conforme narrado, em síntese, o iter criminis percorrido para que os


desvios de recursos públicos, em proveito do próprio denunciado
RICARDO e também de terceiros, fossem consumados foi o seguinte:
- GUTSON convenceu o Diretor-Geral do IDEMA, MANOEL JAMIR
FERNANDES JÚNIOR, a lhe autorizar, bem como a CLEBSON
BEZERRIL, Chefe da Unidade de Contabilidade da autarquia, a
movimentar recursos arrecadados pela pessoa jurídica de direito público
independentemente da assinatura do Diretor-Geral;
- então, GUTSON ou CLEBSON transferiam, para uma conta não
declarada da autarquia que havia sido aberta em agência local no Banco
do Brasil, valores que eram regularmente arrecadados pelo IDEMA a
partir da cobrança de taxas ambientais;
- a seguir, GUTSON ou CLEBSON expediam ofícios endereçados ao
respectivo gerente de conta no Banco do Brasil, ordenando a liberação de
valores em favor das empresas J.O. SOARES ME, MDS DE LIMA
SERVIÇOS ME, ANTÔNIO TAVARES NETO ME, A. MACEDO MAFRA
ME e FABÍOLA MERCEDES DA SILVEIRA ME, como contrapartida a
supostos serviços prestados pelas referidas pessoas jurídicas ao IDEMA,
sem que, no entanto, nenhuma delas tivesse, de fato, contratado com a
autarquia;
- posteriormente, as pessoas de JOÃO EDUARDO DE OLIVEIRA
SOARES e ANTÔNIO TAVARES NETO, administradores de fato das
empresas beneficiadas, sacavam os valores em espécie e os repassavam,
em parte, depois de se apropriar da sua respectiva comissão, a GUTSON,
CLEBSON ou EUCLIDES DE MACEDO NETO, este último servidor do

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setor de contabilidade do IDEMA;


- a seguir, GUTSON realizava contato telefônico com o Deputado
Estadual RICARDO MOTTA, com o objetivo de organizar a forma como
seria realizada a entrega da parcela dos montantes desviados que cabia ao
parlamentar;
- por fim, nos termos acordados ao telefone e depois de se apropriar
de sua respectiva comissão, CLEBSON ou EUCLIDES efetuavam entregas
de valores em espécie diretamente ao Deputado Estadual RICARDO ou
algum representante indicado por aquele último;
- por meio da referida sistemática, de acordo com a denúncia, do
total de cerca R$ 19 milhões desviados do IDEMA entre janeiro de 2013 e
dezembro de 2014, cerca de R$ 11 milhões foram destinados diretamente
em espécie ao denunciado RICARDO.

Esses, em resumo, são os fatos descritos na inicial acusatória como


correspondentes ao crime de peculato imputado ao Deputado Estadual
RICARDO MOTTA.

Em tal contexto, alega a defesa técnica que o Ministério Público teria


reconstituído a sobredita cadeia fática com base, exclusivamente, nos
depoimentos que GUTSON BEZERRA prestou ao Parquet após a
celebração de acordo de colaboração premiada, o que caracterizaria a
insuficiência do suporte indiciário para ensejar o recebimento da
denúncia.

É certo que GUTSON descreveu, efetivamente, em seus relatos, de


forma minudente, o aludido modus operandi. Contudo, não assiste razão à
defesa quando alega que os depoimentos prestados por aquele consistem
no único substrato probatório da peça acusatória.

É de se destacar, inicialmente, que as pessoas de CLEBSON


BEZERRIL, JOÃO EDUARDO SOARES e FELIPE DANTAS, todos réus
ou investigados na 1ª instância, também reproduziram ao Ministério

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Público, no âmbito dos seus respectivos acordos de colaboração


premiada, o mesmo relato que fora apresentado por GUTSON, todos
também identificando o Deputado RICARDO MOTTA como beneficiário
de parte dos recursos desviados do IDEMA.

Também servem de substrato probatório os depoimentos prestados,


em sede policial, pelas pessoas de ANA PAULA MACEDO DE MOURA e
EDIVANILSON DA SILVA, respectivamente, recepcionista da Assembleia
Legislativa e motorista de GUTSON BEZZERA, os quais relataram que
aquele último era recebido com frequência pelo Deputado RICARDO
MOTTA no gabinete do parlamentar na Casa Legislativa. EDIVANILSON,
no caso, foi enfático ao destacar que, por ocasião desses encontros,
GUTSON transportava valores em pastas, em envelopes ou no bolso de
seu paletó, sempre com o intuito de repassá-los a RICARDO.

Outros elementos indiciários relevantes, por sua vez, advém dos


dados que foram apurados pelo Ministério Público com o afastamento,
nos autos de um dos procedimentos investigatórios que tramitou perante
o TJ/RN (Processo nº 2016.007086-2), do sigilo telefônico de RICARDO
MOTTA e GUTSON BEZERRA.

Por meio do aludido expediente, logrou o Parquet apurar,


inicialmente, que GUTSON e RICARDO, no período compreendido entre
outubro de 2011 e outubro de 2014, realizaram 292 (duzentas e noventa e
duas) ligações telefônicas entre si, corroborando o relato de GUTSON no
sentido de que, sempre que recebia dos empresários JOÃO EDUARDO
SOARES e ANTÔNIO SOARES NETO os valores que estes sacavam da
conta do IDEMA, contatava pelo telefone o Deputado RICARDO a fim de
combinar como seria realizada a entrega, em espécie, do quinhão dos
recursos desviados que competia ao parlamentar.

Por outro lado, ainda evidenciam a materialidade dos desvios


fraudulentos os registros bancários correspondentes às movimentações

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financeiras realizadas, documentadas nos autos e reproduzidas na peça


acusatória. Trata-se, no caso, das movimentações concernentes aos
depósitos e retiradas de valores que eram realizados em favor das
empresas beneficiadas a partir das ordens de pagamento que eram
emitidas fraudulentamente por GUTSON e terceiros.

Ocorre, ademais, que o Ministério Público, a partir daqueles mesmos


dados decorrentes do afastamento do sigilo telefônico de GUTSON e
RICARDO, logrou estabelecer, na denúncia, um paralelo entre as
aludidas movimentações financeiras e as centenas de ligações telefônicas
havidas entre o parlamentar e o Diretor do IDEMA. Demonstrou-se, com
efeito, haver uma relação de contemporaneidade entre as movimentações
financeiras mais relevantes e os períodos nos quais houve maior
concentração de conversas telefônicas, circunstância essa que, igualmente,
atribui verossimilhança à versão de GUTSON de que contatava
RICARDO sempre que recebia remessas de valores oriundos das
operações financeiras em questão.

Nesse sentido é o seguinte trecho da peça acusatória, especialmente


elucidativo pela síntese que realiza das sobreditas circunstâncias
indiciárias (fl. 54):

“Em resumo, os registros das ligações telefônicas existentes


entre o denunciado RICARDO MOTTA e o colaborador GUTSON J.
GIOVANNY REINALDO BEZERRA revelam o seguinte: 1) a
existência de um grande fluxo de ligações entre ambos no período em
que ocorreram os desvios de recursos públicos no IDEMA/RN; 2) que
esse grande fluxo de ligações iniciou-se exatamente após o denunciado
RICARDO MOTTA assumir o controle político do IDEMA/RN; 3)
que a maior parte das ligações tinha o denunciado RICARDO
MOTTA como chamador e o colaborador GUTSON J. GIOVANNY
REINALDO BEZERRA como chamado; 4) que muitas das ligações
entre o denunciado RICARDO MOTTA e o colaborador GUTSON J.
GIOVANNY REINALDO BEZERRA coincidem com o mesmo dia ou

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dias próximos aquele em que havia grande saques de recursos das


contas bancárias das empresas para as quais eram transferidos os
recursos públicos desviados do IDEMA.”

Não desconheço o teor do §16º do art. 4º da Lei 12.850/13, o qual


dispõe que nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento
apenas nas declarações do agente colaborador . Contudo, repita-se, na fase de
recebimento da denúncia, não há falar em juízo condenatório e, nem,
tampouco, consectariamente, em exigência de certeza probatória,
mostrando-se plenamente suficiente, no caso, a verosimilhança que é
atribuída aos depoimentos dos colaboradores pelo início de prova
documental já colacionada aos autos do caderno investigatório.

Porquanto pertinente ao caso, cabe transcrever a seguinte passagem


de paradigmático voto do Ministro Celso de Mello:

“Cumpre ter presente, no ponto, que a formulação da acusação


penal, em juízo, supõe, não a prova completa e integral do delito e de
seu autor (o que somente se revelará exigível para efeito de eventual
condenação penal), mas a demonstração fundada em elementos
probatórios mínimos e lícitos da realidade material do evento delituoso
e da existência de indícios de sua possível autoria” ( Inq. 3.997/DF,
Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, julgado em
21/06/2016, DJe de 26/09/2016).

No presente caso, considerando o acima exposto, não há dúvidas de


que os depoimentos prestados pelo colaborador GUTSON BEZZERA
tiveram sua verossimilhança corroborada por diversos outros elementos
de prova, quadro do qual se infere a suficiência dos indícios de
materialidade e autoria, no que pertine ao Deputado RICARDO MOTTA,
quanto ao crime de peculato imputado.

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V – DA IMPUTAÇÃO RELATIVA AO CRIME DE ORGANIZAÇÃO


CRIMINOSA:

No plano probatório, os mesmos elementos que evidenciam a


materialidade e a autoria do denunciado quanto ao crime de peculato,
acima elencados, caracterizam a existência de justa causa no que tange ao
crime de constituição e participação em organização criminosa.

Ocorre, com efeito, que os sobreditos elementos probatórios


evidenciam, nos termos do art. 1º, §1º, da Lei 12.850/13, a associação de 4
(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela
divisão de tarefas, com o objetivo de obter vantagem pecuniária,
mediante a prática do crime de peculato, infração penal cuja pena
máxima é superior a 04 anos.

Conforme acima destacado, a chamada Operação Candeeiro,


deflagrada em setembro do ano de 2015 e antecedida por ampla
investigação conduzida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande
Norte, evidenciou a atuação, naquele Estado, de organização criminosa
voltada ao desvio de recursos públicos provenientes do IDEMA,
organização essa cujos membros, em sua maioria, já figuram como réus
pelo cometimento dos crimes de peculato e organização criminosa em
ação penal que tramita na 1ª instância, inclusive já com sentença
condenatória. Foram, efetivamente, colhidos e descritos, nessa ação penal
de origem, elementos indicativos de que a associação formada pelos
integrantes do grupo não era eventual, mas voltada, a partir de clara
divisão de tarefas e estrutura hierarquizada, à praticada reiterada do
crime de peculato. Esses mesmos elementos foram reproduzidos na
presente inicial acusatória, apenas especificando, de forma
pormenorizada, dada a prerrogativa de foro do acusado, as funções
exercidas pelo Deputado Estadual RICARDO MOTTA no contexto do
grupo criminoso.

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Há, portanto, indícios bastante suficientes de que RICARDO, assim


como os demais integrantes do grupo que figuram como réus na 1ª
instância, integrava organização criminosa nos termos do art. 2º da Lei nº
12.850/13, o que configura o requisito da justa causa passível de ensejar o
recebimento da denúncia também quanto a essa imputação.

Não se desconhece que a defesa técnica alegou, na peça de resposta à


acusação, que o juízo de recebimento seria inviável quanto a esse fato
porquanto parte da conduta delitiva fora praticada, em tese, antes da
entrada em vigor da Lei nº 12.850/13, que ocorreu em 10/09/2013.

É cediço, no entanto, que o crime de organização criminosa é de


natureza permanente, o que, aliás, é da essência da figura típica
criminalizada, considerando que a opção do legislador não foi a de
criminalizar a associação eventual para a prática de crimes, mas sim a
atuação estruturada e reiterada de grupos voltados à prática de infrações
penais. Conforme lição de CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “tratando-
se de um crime tipicamente permanente, a consumação se protrai até a cessação
do estado antijurídico” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito
Penal Econômico – Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2016, pág. 692).

No caso em tela, as fatos imputados à organização criminosa tida


como constituída pelo denunciado foram praticados em parte antes e em
parte após a entrada em vigor da Lei nº 12.850/13. Nesse contexto, dada a
natureza de crime permanente acima destacada, impende, para refutar a
alegação defensiva, que se invoque o entendimento consagrado no
Enunciado 711 da Súmula do STF, segundo o qual “a lei penal mais grave
aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é
anterior à cessão da continuidade ou da permanência”.

No presente caso, portanto, mesmo a penalização trazida pela Lei nº


12.850/13 sendo, indiscutivelmente, mais grave em comparação ao quadro
punitivo aplicável antes da entrada em vigor daquele ato normativo,

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 43 de 54 1060


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resultante da incidência da figura típica prevista no art. 288 do CP, não há


dúvidas quanto à possibilidade de aplicação da nova figura típica quanto
à integralidade dos fatos imputados à organização criminosa ora
denunciada, já que permanente, repisa-se, o crime previsto no art. 2º,
caput, da Lei nº 12.850/13.

Nesse sentido, é o seguinte precedente do Superior Tribunal de


Justiça:

“PROCESSUAL PENAL E PENAL. ORGANIZAÇÃO


CRIMINOSA E LAVAGEM DE DINHEIRO. TRANCAMENTO
DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. FATOS
NARRADOS NA DENÚNCIA DÃO CONTA QUE A CONDUTA
DELITUOSA PERDUROU ATÉ DATA POSTERIOR AO
ADVENTO DA LEI 12.850/2013. SÚMULA 711/STF.
INEXISTÊNCIA DE DEFINIÇÃO LEGAL, À ÉPOCA DOS
FATOS, PARA O CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA.
IMPUTAÇÃO DE CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA TAMBÉM COMO ANTECEDENTE AO DE
LAVAGEM. PARTICIPAÇÃO NO CRIME ANTECEDENTE.
DISPENSÁVEL À ADEQUAÇÃO DE CONDUTA DE QUEM
OCULTA OU DISSIMULA A NATUREZA DOS VALORES
PROVENIENTES DA EMPREITADA
DELITUOSA.INOCORRÊNCIA DE TAL ESPÉCIE DE CRIME.
REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. RECURSO EM HABEAS
CORPUS IMPROVIDO.
1. O Tribunal a quo, em suma, negou a tese de atipicidade dos
fatos narrados na denúncia por duas premissas:(i) A uma porque,
segundo a denúncia e alegações finais, o próprio delito de organização
criminosa teve a sua consumação protraída para momento posterior ao
advento da Lei 12.850/2013, o que atrairia a aplicação à espécie da
orientação jurisprudencial sumulada no verbete n. 711/STF; (ii)A
duas, porque, segundo a inicial acusatória e alegações finais, o crime
de lavagem de dinheiro teve como delito antecedente não apenas o de
organização criminosa, mas, também, crimes contra a Administração
Pública, que figuram no rol dos delitos previstos no art. 1o da Lei

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 44 de 54 1061


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9.613/1998, em sua redação original.


2. A denúncia explicita que a atuação criminosa da denunciada
foi estável e permanente ao longo do tempo, ressaltando que com o
objetivo de ocultar sua origem criminosa, usava empresas, ambas
integradas por seus filhos, que atuaram conscientemente no
estratagema (tópico 3).
3. Assevera, ainda, a inicial que, pelo que já foi apurado até
agora, recebeu, entre setembro de 2010 e fevereiro de 2014, o valor
aproximado de R$ 2.000.000,00.
4. Por sua vez, o Ministério Público Federal, em suas alegações
finais, assim como o Tribunal a quo consignaram que " a organização
criminosa prosseguiu até a data do oferecimento da denúncia, uma vez
que estava previsto pagamento da MMC para a MM em dezembro de
2015, embora os crimes antecedentes já tivessem sido consumados." e
que "o curso da instrução confirmou outros repasses não apresentados
pela denúncia, notadamente nos anos de 2013 e 2014.
Porém, a acusação, com técnica e comedimento, limitou-se aos
repasses circunscritos no contexto das medidas provisórias e ao
exercício do cargo público da denunciada.
5. Tendo sido nas instâncias locais restado admitida a
permanência da denunciada na organização criminosa, ainda
cometendo atos criminosos quando do advento da Lei 12.850/2013,
aplica-se a Súmula 711/STF: "A Lei penal mais grave aplica-se ao
crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior
à cessação da continuidade ou da permanência." 6. Consoante decisão
do Supremo Tribunal Federal, nos autos do RHC 130738/DF, não se
pode admitir invocar a substituição do crime de organização criminosa
por associação criminosa (art. 288 do CP), porquanto este não se
achava incluído no rol taxativo da redação original da Lei 9.613/1990.
7. Narra também a denúncia, e admite o Tribunal a quo, que os
crimes de lavagem de dinheiro imputados à paciente, a seus filhos e a
outros corréus, tiveram como delitos antecedentes não apenas o de
organização criminosa, mas, também, o crime de corrupção passiva.
8. É entendimento desta Corte que a participação no crime
antecedente não é indispensável à adequação da conduta de quem
oculta ou dissimula a natureza, origem, localização, disposição,

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 45 de 54 1062


AO 2275 / RN

movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores


provenientes, direta ou indiretamente, de crime, ao tipo do art.
1.º, da Lei n.º 9.613/98.
9. Infirmar a existência do cometimento do delito de corrupção
passiva, para acatar a tese de inexistência de crimes antecedentes
contra a administração pública, demanda reexame fático probatório
vedado na via estreita do writ, conforme concluiu o Tribunal a quo:
"Cumpre reafirmar que a verificação, no plano fático, da efetiva
ocorrência de delito antecedente contra a Administração Pública e o
estabelecimento de seu liame com o crime de lavagem de dinheiro
imputado à paciente é questão controvertida que não poderá ser
dirimida em sede de habeas corpus".
10. Recurso em habeas corpus improvido.” (RHC 74.751/DF,
Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
18/10/2016, DJe 27/10/2016)

Observado o pressuposto da justa causa, atendidos os requisitos do


art. 41 do Código de Processo Penal e demonstrada a natureza
permanente do delito imputado, cumpre, portanto, que se receba a
denúncia também em relação ao crime previsto no art. 2º, caput, da Lei nº
12.850/13.

VI – DA IMPUTAÇÃO RELATIVA AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO:

De acordo com a denúncia, no período de janeiro de 2013 a


dezembro de 2014, o Deputado Estadual RICARDO DA MOTTA
dissimulou a movimentação financeira dos recursos públicos cujo desvio
caracterizaria o crime de peculato também descrito na peça acusatória.

No caso, de acordo com o Ministério Público, o denunciado realizou


tal dissimulação a partir da conduta de ocultar seu envolvimento com o
esquema fraudulento, arquitetando esquema criminoso que garantisse o
anonimato de sua condição de principal beneficiário dos recursos
desviados; e, ainda, por meio da conduta de receber em espécie o
pagamento dos recursos que lhe eram destinados, o que, segundo o

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 54 1063


AO 2275 / RN

Parquet, fora praticado com o expresso fim de obstar que a movimentação


dos valores fosse rastreada pelas autoridades competentes.

Ou seja, em síntese, entende o órgão acusador que o denunciado


praticou o crime de lavagem de dinheiro em concurso material com o
crime de peculato que lhe seria antecedente porque ocultou das
autoridades seu envolvimento com aquela última prática delitiva e
porque recebeu, em espécie, os pagamentos correspondentes ao proveito
econômico que auferiu ao praticar, supostamente, o peculato.

Nesse cenário, no plano probatório, igualmente, os mesmos


elementos que evidenciam a materialidade e a autoria do denunciado
quanto ao crime de peculato caracterizam a existência de justa causa
também no que se refere ao crime de lavagem de dinheiro, mormente no
que tange às condutas de ocultação de envolvimento quanto à
participação no esquema delitivo e de dissimulação da origem dos
recursos auferidos de forma ilícita.

Ex positis, atendidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo


Penal, voto pelo recebimento da denúncia oferecida contra o Deputado
Estadual RICARDO JOSÉ MEIRELLES DA MOTTA.

É como voto.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 54 1064

23/10/2018 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Em


primeiro lugar, cumprimento o ilustre advogado Doutor Thiago Cortez
Meira de Medeiros, que esteve na tribuna pelo réu, e cumprimento a
Doutora Cláudia Sampaio Marques pela sustentação sempre vigorosa,
bem informada e altamente esclarecedora.
Eu penso que, apesar do meritório esforço do Advogado nesta altura
da instância processual, que é recebimento de denúncia, não há como,
como observou o Ministro Luiz Fux, deixar de decidir pelo
prosseguimento da persecução penal à vista de elementos relevantes e
indiciários que justificam a continuidade do processo.
Eu estou recebendo a denúncia, o que não significa, evidentemente,
um juízo prévio de condenação, mas apenas de plausibilidade do que
está sendo afirmado pelo Ministério Público.
De modo que acompanho o Relator.

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 54 1065

23/10/2018 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, da


mesma forma, louvando a sustentação oral, acompanho o voto do
Ministro Fux, que entende presentes indícios de autoria e materialidade,
face aos elementos contidos nos autos e que autorizam a aplicação do
princípio do in dubio pro societate, que é o que nos orienta nesta fase de
recebimento da denúncia.
Então, acompanhando Sua Excelência, da mesma forma, voto no
sentido do recebimento da denúncia.

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 49 de 54 1066

23/10/2018 PRIMEIRA TURMA

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275 RIO GRANDE DO NORTE

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Trata-se de denúncia


oferecida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, em
face do deputado estadual RICARDO JOSÉ MEIRELES DA MOTTA, pela
suposta prática da conduta tipificada no artigo 312, caput, c/c art. 327, § 2º,
por 35 (trinta e cinco) vezes, na forma do artigo 71, todos do Código
Penal.
Segundo a peça acusatória, no período de janeiro/2013 a
dezembro/2014, o deputado teria desviado dos cofres do Instituto de
Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente – IDEMA, a importância
de R$ 19.321.726,13, por intermédio de várias empresas.
Constou da denúncia:

“No final da instrução da Ação Penal nº 0109752-


47.2015.8.20.0001, aforada em 1ª instância em decorrência da
OPERAÇÃO CANDEEIRO, o denunciado RICARDO MOTTA
foi citado como o principal beneficiário dos desvios de recursos
públicos do IDEMA, sendo essa menção inicial feita no
interrogatório do colaborador GUTSON JOHNSON GIOVANY
REINALDO BEZERRA prestado nos autos da referida ação
penal.
O colaborador GUTSON, no referido interrogatório,
revela, sem poder entrar nos detalhes, em virtude do foro
privilegiado do denunciado RICARDO MOTTA, a participação
deste nas fraudes do IDEMA, destacando que a empreitada
criminosa teve início a pedido do aludido denunciado, que
necessitava de recursos, da ordem de R$ 8.000.000,00 (oito
milhões de reais) a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), para
saldar dívidas de campanhas eleitorais. Esclarece ainda o
colaborador que o denunciado RICARDO MOTTA era
favorecido uma quantia equivalente a aproximadamente 60%
(sessenta por cento) dos valores desviados da referida autarquia

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 54 1067


AO 2275 / RN

estadual (...).
(...)
Os artífices do esquema criminoso concentraram os
desvios nos recursos oriundos da arrecadação das Taxas de
Licenciamento Ambiental em razão destes compreenderem
uma receita própria do IDEMA, que não se integraliza
automaticamente ao Orçamento, visível aos mecanismos de
transparência, nem muito menos aos sistemas de controle
financeiro. De fato, a incorporação orçamentária e a inserção no
sistema de execução financeira desses recursos dependia da
iniciativa do gestor. Assim, omitindo-se a inclusão no
orçamento, as verbas ali existentes ficavam sem controle
sistemático, podendo ser livremente movimentadas, somente se
detectando qualquer irregularidade mediante auditoria
específica, o que não ocorre com regularidade.
Diante desse ambiente passaram a expedir meros ofícios
dirigidos à agência setor público do Banco do Brasil S/A, por
eles próprios assinados, contendo as ordens de transferência de
recursos públicos das contas do IDEMA para as empresas
arregimentadas pelo esquema criminoso (...)
(...)
No tocante aos repasses dos valores ilícitos recolhidos a
partir do desvio de recursos do IDEMA/RN, consoante já
afirmado anteriormente, o colaborador GUTSON pontuou que
foram sempre entregues em espécie e diretamente ao
denunciado RICARDO MOTA, com a finalidade de não deixar
rastros, em encontros que ocorreram no prédio do IDEMA, na
própria residência do denunciado, no escritório de advocacia
R&R, no anexo da Assembleia Legislativa Estadual e em alguns
locais públicos, como foi o caso do episódio ocorrido no
estacionamento do Hospital do Coração.

Em tais encontros, o colaborador levava a parte do rateio


que cabia ao denunciado RICARDO MOTTA dentro de uma
pasta, em envelopes ou no bolso do blazer/paletó, na tentativa
de disfarçar a verdadeira motivação de tal reunião. Esse aspecto

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 51 de 54 1068


AO 2275 / RN

da narrativa do colaborador é bem corroborada pela pessoa


Edivanilson Morais da Silva, motorista deste à época (...)”.

Em resposta, o denunciado negou a prática delitiva que lhe fora


atribuída. Interpôs, ainda, agravo regimental em face da decisão que
determinou sua suspensão, por 180 dias, do exercício da função pública
na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.
Os autos foram incluídos em pauta e em sessão ocorrida em
19/07/2017, mais da metade dos Membros do Tribunal firmaram
expressamente suspeição para funcionarem no feito, o que implicou na
ausência de quórum para o julgamento. O Tribunal remeteu os autos à
esta CORTE, nos termos da alínea “n” do inciso I do art. 102 da
Constituição Federal.
Os autos foram distribuídos ao Min. Luiz Fux, que abriu vista à
Procuradoria-Geral da República para manifestação quanto ao
prosseguimento do feito.
A PGR ratificou os termos da denúncia oferecida.
É a síntese do necessário.

Passo a analisar o agravo regimental interposto pelo denunciado.


Insurge-se RICARDO JOSÉ contra a decisão que, aplicando-lhe
medida cautelar diversa da prisão, o suspendeu por 180 dias do exercício
da função pública de Deputado Estadual.
A decisão foi publicada em 09/06/2017. Diante do decurso de tempo
desde a publicação da decisão e, expirado o prazo de suspensão, julgo
prejudicado o agravo.

No mérito, é o caso de recebimento da denúncia.


A acusação penal realizada pelo Ministério Público deverá ser
consubstanciada em denúncia, que, obrigatoriamente, na esteira da
histórica lição do mestre João Mendes de Almeida Júnior, apresente uma
exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve relevar o
fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva,
como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus

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Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 52 de 54 1069


AO 2275 / RN

auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos que o determinaram


(quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando), como
apontado em sua preciosa obra (O processo criminal brasileiro, v. II,
Freitas Bastos: Rio de Janeiro, 1959, p. 183).
No presente momento processual, portanto, deve ser verificado,
desde logo, se a denúncia oferecida pelo Ministério Público contém a
exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a
qualificação do acusado, a classificação do crime e, quando necessário, o
rol das testemunhas (INQ 1990/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJ de
21/2/2011; Inq 2482 / MG - Rel. Min. AYRES BRITTO. Pleno. D.J.
15/09/2011; Inq 3016/SP, rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ de 16/2/2011; Inq
2677/BA, rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJ de 21/10/2010; Inq 2646/RN, rel.
Min. Ayres Britto, Pleno, DJ de 6/5/2010).
É o que ocorre na presente hipótese, uma vez que a inicial acusatória
expõe de forma compreensível todos os requisitos exigidos, tendo sido
coerente a exposição dos fatos, permitindo ao acusado a compreensão da
imputação e, consequentemente, o pleno exercício do seu direito de
defesa, como exigido por esta Corte (AP 560, Rel. Min. DIAS TOFFOLI,
Segunda Turma, DJe de 11.6.2015; INQ 3204, Rel. Min. GILMAR
MENDES, Segunda Turma, DJe de 3.8.2015).
Da mesma forma, além da presença dos requisitos do artigo 41 do
CPP, igualmente está presente a necessária justa causa para a ação penal
(CPP, art. 395, III), analisada a partir de seus três componentes tipicidade,
punibilidade e viabilidade, de maneira a garantir a presença de um
suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se
traduz na existência, no inquérito policial ou nas peças de informação que
instruem a denúncia, de elementos sérios e idôneos que demonstrem a
materialidade do crime e de indícios razoáveis de autoria (INQ 3.719, Rel.
Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 30.10.2014).
No caso dos autos, destaco os seguintes pontos:
I) autorizações de liberação de crédito da conta bancária do IDEMA
para as empresas envolvidas na suposta fraude;
II) extratos bancários das empresas com o recebimento dos valores

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ALEXANDRE DE MORAES

Inteiro Teor do Acórdão - Página 53 de 54 1070


AO 2275 / RN

do IDEMA (a maioria delas, no período de pouco mais de 1 ano, recebeu


quantias superiores a 3 milhões de reais);
III) depoimento do colaborador GUTSON JOHNSON GIOVANY
REINALDO BEZERRA;
IV) depoimento de CLEBSON JOSÉ FERREIRA, que teria sido o
idealizador da operação para efetivar os desvios;
V) depoimento de JOÃO EDUARDO DE OLIVEIRA SOARES,
responsável por duas das empresas que receberam, juntas, a quantia de
R$ 4.383.338,17.
VI) depoimento de ANA PAULA MACEDO DE MOURA,
recepcionista do Anexo da Assembleia Legislativa, que afirmou ter visto o
colaborador GUTSON várias vezes indo ao encontro do deputado
investigado; em uma dessas ocasiões ele teria dito “o deputado tá me
enlouquecendo por dinheiro”.
VII) depoimento de EDIVANILSON MORAIS DA SILVA, motorista
do colaborador, que confirmou que levou o colaborador várias vezes para
se encontrar com o denunciado, bem como que este sempre lhe relatava
que era pressionado pelo parlamentar para arranjar dinheiro.

Constata-se, portanto, que os fatos acima pontuados amoldam-se à


narrativa acusatória, havendo prova de materialidade e indícios de
autoria. Diante do exposto, presentes os requisitos exigidos nessa fase de
cognição restrita pelos artigos 41 e 395, ambos do Código de Processo
Penal, RECEBO INTEGRALMENTE A DENÚNCIA.
É como voto.

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Supremo Tribunal Federal
Extrato de Ata - 23/10/2018

Inteiro Teor do Acórdão - Página 54 de 54 1071

PRIMEIRA TURMA
EXTRATO DE ATA

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.275


PROCED. : RIO GRANDE DO NORTE
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
RÉU(É)(S) : RICARDO JOSE MEIRELLES DA MOTTA
ADV.(A/S) : THIAGO CORTEZ MEIRA DE MEDEIROS (4650/RN)

Decisão: Preliminarmente, a Turma, por maioria, rejeitou a


questão de ordem suscitada pelo Relator. Não votou quanto à
preliminar o Ministro Luís Roberto Barroso. No mérito, por
unanimidade, recebeu a denúncia, nos termos do voto do Relator.
Falaram: a Dra. Cláudia Sampaio Marques, Subprocuradora-Geral da
República, pelo Ministério Público Federal, e o Dr. Thiago Cortez
Meira de Medeiros, pelo réu. Presidência do Ministro Alexandre de
Moraes. Primeira Turma, 23.10.2018.

Presidência do Senhor Ministro Alexandre de Moraes. Presentes


à Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber
e Luís Roberto Barroso.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio


Marques.

Cintia da Silva Gonçalves


Secretária da Primeira Turma

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