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UNISUL, Tubarão, Número ESPECIAL: SIMFOP/EDUCS, p. 161 – 175, Jul./ Dez. 2012. By Zumblick
RESUMO
Desde a aprovação da Lei 11.769 em 2008 e a consequente alteração da LDB 9.394/96, em seu artigo
26, muitas discussões acontecem em torno das possibilidades de inserir a música na escola. Ao
contatar professores de Arte e acadêmicos de licenciatura em Artes Visuais e Pedagogia, muitas
vezes percebem-se a polêmica e a dúvida: a música deve ser mais uma disciplina nos diversos níveis
da Educação Básica? Que professor está habilitado para ensinar música? As escolas deverão
contratar professores de música e adquirir instrumentos musicais para atender a lei da
obrigatoriedade da música na escola? O presente trabalho mostra um pouco destas preocupações,
registradas em alguns trabalhos de conclusão de curso, cujas temáticas levam a refletir sobre as
hipóteses de entender o ensino da música como um trabalho de relações entre linguagens ou como
um processo de interdisciplinaridade.
ABSTRACT
Since the approbation of Law 11.769 in 2008 and the consequent change in LDB 9.394/96 in the
article 26, many deliberations occur about the possibility of insertion of music in school. In contact
with Professors of Art and students of Visual Art and Education, many times it is noticed the
controversy and the doubt: music should be another discipline subject in several levels of Elementary
Education? Who is the professor able to teach music? Schools should hire professors of music to
attend the law which obligates music teaching at school? This work presents a little of this concerns,
reported in some final course work, whose thematic lead to think about hypothesis to understand
music teaching as a work of relations among languages or as an interdisciplinary process.
1. AS INQUIETAÇÕES
1
Mestre em Educação. Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC.
acadêmico dos cursos de licenciatura, sobre os diferentes contextos sociais em que vivem os
jovens, crianças e adolescentes do extremo sul catarinense.
Segundo a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998),
Assim, dando voz aos acadêmicos, ouvindo suas perguntas e orientando as pesquisas
para que, juntos, encontremos respostas ou formulemos novas perguntas, é que podemos
reunir as angústias de uma nova geração de professores e registrar suas indagações por
meio de artigos como este, por exemplo. Neste trabalho procuramos entender melhor o que
determina a Lei 11.769/2008, incorporada à LDB n. 9.394/96, com relação à obrigatoriedade
da música na escola, ao mesmo tempo em que compartilhamos as preocupações de alguns
acadêmicos, registradas em seus trabalhos de conclusão de curso.
Enquanto a pesquisa de Antero (2010) conclui pela necessidade de cursos de
aperfeiçoamento para que os professores da Educação Infantil possam trabalhar a música,
Possoli (2011) investiga como os cursos de Pedagogia das principais universidades do estado
de Santa Catarina incluem, em suas matrizes curriculares, disciplinas que oportunizem a
construção de conhecimento sobre essa linguagem da arte. Antes disso, o estudo de Mendes
(2009) aponta para a importância do envolvimento dos professores de Arte na busca por
aprender e ensinar música, na direção de um ensino da Arte que promova a educação
estética por meio das diversas linguagens artísticas. Na mesma direção, Souza (2009)
desabafa no título de seu TCC: ‘Eu não gosto de arte porque não sei desenhar: o
reconhecimento de outras linguagens como arte’, remetendo-se à hegemonia do ensino das
artes visuais na Educação Básica.
dos projetos na Câmara e no Senado aconteceu por dois anos, procurando mostrar a
intencionalidade da proposta. Um dos relatos afirma:
Uma questão polêmica trazida pelos projetos foi a solicitação de que houvesse um
professor com habilitação específica na área para ministrar esse conteúdo. Entretanto, ao
ser aprovada, a lei teve esse artigo vetado, o que configura a presença da música na escola
não como uma disciplina, e sim como um componente curricular da disciplina de Arte, como
já citamos.
A lei da obrigatoriedade da música foi aprovada em 2008, no entanto, desde 1998, os
documentos norteadores da educação fazem orientações didáticas aos professores e nelas,
incluem a música como o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI
que, entre as atividades permanentes que devem ser oportunizadas às crianças, estabelece
as “brincadeiras, as rodas de história e de conversas, as oficinas de desenho, pintura,
modelagem e música, e atividades diversificadas à escolha da criança, incluindo momentos
para que as crianças possam trabalhar individualmente” (BRASIL, 1998, p. 55) (grifos meus).
Na atualização do documento, a proposta se mantém definindo que os eixos do currículo
devem garantir experiências que “promovam o relacionamento e a interação das crianças
com diversificadas manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia,
dança, teatro, poesia e literatura” (BRASIL, 2010, p. 26) (grifos meus).
Estas orientações, de certa forma, permitem compreender a preocupação de Antero
(2010, p. 38) quando afirma que
[...] fica claro que a docência deve ser compreendida e realizada a partir das
relações sociais, em contato com as diversas culturas e etnias, articulando-
as ao conhecimento científico para a construção do conhecimento. Estas
afirmações remetem de modo especial ao ensino de música, que é o foco
deste estudo e, nesta direção, Pacheco (2007) contribui, dizendo que a
música, por ser construída em diferentes espaços e culturas a partir das
relações, trará, em sua formação, fragmentos do meio em que se constitui.
Desta maneira, temos que respeitar o repertório que constitui a vida de
cada aluno, porém, temos que propiciar o contato com os diversos estilos e
gêneros musicais (POSSOLI, 2011, p. 37).
Mendes (2009, p. 56) conclui que “o professor de arte poderá ensinar a linguagem
musical em suas aulas sem influenciar o gosto do aluno e fazendo perceber as diferentes
músicas que se pode encontrar no universo sonoro que nos rodeia”, e sua pesquisa se torna
especialmente relevante quando mostra que o campo da arte envolve várias linguagens e “a
formação estética do sujeito passa por um ensino que favoreça estas linguagens e
contemple-as em algum momento da trajetória escolar” (MENDES, 2009, p. 46). Nesta
direção, Souza (2009), na época licenciando-se também em Artes Visuais, reflete sobre a
predominância da linguagem visual nas aulas de Arte da Educação Básica e nas
consequências da ausência das outras linguagens.
no ensino da Arte acreditando que, “trabalhando dessa forma, não necessariamente o aluno
torna-se ator, cantor, bailarino ou artista plástico, mas pode compreender que a Arte é
como uma mãe com grandes braços que recebe todos sem distinção”. Este pensamento
converge para o que afirmam os documentos norteadores da educação e alguns estudiosos
da Arte na educação, como Leite (1998):
Souza (2009, p. 40) preocupa-se porque sabe que, entre seus colegas de profissão,
existem muitos que “não acreditam na possibilidade do uso de outras linguagens em suas
aulas, portanto não se apropriam dela”. Entretanto, em sua opinião, o professor deve buscar
esse conhecimento, mesmo que a graduação não lhe tenha dado as oportunidades. Em
acordo com a mesma ideia, Baumer (2009, p. 81) cita Adorno (1995), que assevera que a
formação cultural não está disponível em cursos regulares ou matrizes curriculares, mas
depende do esforço espontâneo, interesse, disposição aberta, capacidade de se abrir ao
espírito, amor. No entanto, as universidades também se preocupam com formação cultural
de seus acadêmicos para além dos conhecimentos técnicos e científicos do futuro campo
profissional, sem deixar de seguir orientações de diretrizes curriculares nacionais.
Especificamente sobre a música, o estudo de Souza (2009) revela que esta linguagem
é a preferida entre as alunas do Ensino Médio quando se trata de lazer, e que todos os
participantes da pesquisa, tanto meninos quanto meninas, gostem de ouvir música,
especialmente nos gêneros como reggae, rap, axé, música religiosa e música pop. Entre
outras reflexões, os participantes falaram sobre a música como uma linguagem da arte que
“não só mostra os sentimentos de quem fez, mas faz sentir” (SOUZA, 2009, p. 35), e relatam
suas experiências que, o pesquisador analisa. Um deles
[...] comenta também sobre uma experiência vivida e que na escola em que
estuda as aulas de Arte são divididas por linguagem e o aluno opta. Naquele
ano ele escolheu fazer aulas de teatro, porém as notas dele estavam muito
baixas, logo ele trocou o teatro pela música. Isto se torna um risco, pois
mesmo acreditando que optar por uma linguagem com a qual mais se
identifica possa ser uma solução, temos que ter a consciência de que,
mesmo assim, estaríamos restringindo o conhecimento artístico dos alunos
(SOUZA, 2009, p. 37).
Apesar das dificuldades apontadas por professores de Arte, com os quais tenho tido
contato por meio da formação continuada, é preciso refletir sobre o tempo que cada
professor pode estar em meio às crianças e adolescentes para, juntos, ensinarem e
aprenderem sobre a Arte. Ao ingressarem em uma rede de ensino – pública, principalmente
– provavelmente ali permanecerão por trinta anos de trabalho e, certamente, os
conhecimentos deverão se ampliar, se renovarão por meio da pesquisa, da contextualização
e da própria prática pedagógica. Ao mesmo tempo, cada criança e cada adolescente
frequentará a escola por quinze anos, aproximadamente, de acordo com as políticas públicas
para a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Neste tempo, creio que será possível
“procurar por uma formação cultural que não pôde ser oferecida no curso de graduação
com a duração de quatro anos apenas, cujo objetivo é formar um profissional para uma
determinada área do conhecimento” (BAUMER, 2009, p. 88), uma formação cultural que lhe
possibilite estabelecer relações entre as linguagens da arte.
Para Oliveira (2008), essas relações podem ocorrer de várias maneiras, entre elas, as
comparações entre o papel social de cada produção artística e suas funções psíquicas,
filosóficas, persuasivas ou comerciais; além disso, a autora assevera que “cada manifestação
de uma ‘linguagem’ [...] consiste em um texto e, enquanto tal, possui duas dimensões
indissociáveis, o Plano de Expressão e o Plano do Conteúdo, que são passíveis de análise na
busca dos seus efeitos de sentido” (OLIVEIRA, 2008, p. 94).
Da mesma forma, é preciso refletir sobre a arte contemporânea, aquela produzida
para coexistir conosco: o trabalho de Arnaldo Antunes, por exemplo, mostra o hibridismo na
arte contemporânea brasileira. Atuando como artista plástico, músico e poeta, ainda no ano
de 1993,
ele lança o CD e vídeo “Nome”, que une música, poesia e produção gráfica
com o objetivo de “dar movimento à palavra escrita” [...] Com esse
trabalho, o artista participa de eventos em várias cidades do país e do
mundo, onde realiza também exposições de poemas visuais, instalações e
painéis gráfico-poéticos (BAUMER, 2009, p. 44).
Outro exemplo visto nos estudos de Hall (2006) mostra o percurso de um artista
visual caribenho que viveu no século vinte:
Tais exemplos apontam para a produção artística que não se desenvolve apenas em
uma linguagem da arte ou a partir dela. Apontam para confluências, interconexões ou
interterritorialidades nas formas de expressão artística. Nas Bienais de arte do Brasil, que
são eventos de apresentação das mais recentes criações em Arte, tais características são
percebidas nitidamente, como na 7ª Bienal do Mercosul, que se realizou entre outubro e
novembro de 2009. Na divulgação do evento, lemos que estiveram envolvidos:
Devido ao fato de, tradicionalmente, esperarmos por esse evento como uma
exposição de Artes Visuais, o seu título – Grito e Escuta – nos chama a atenção e aponta,
também, para as relações entre as linguagens da Arte.
Podemos concluir, então, a partir dos referenciais teóricos e da observação da
realidade que nos cerca – que a lei da obrigatoriedade da música, ao ser incorporada à LDB
n. 9.394/96, determina a inserção da música na Educação Básica de forma interdisciplinar ou
a partir das relações possíveis entre as linguagens da arte. Nesta direção, Oliveira (2008)
sugere que
REFERÊNCIAS
ANTERO, Renata Ronchi. Música na educação infantil: considerações a partir da Lei 11.769.
2010. 40 f. TCC (Pedagogia). Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, 2010.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. SOVIK, Liv (Org.). Da Diáspora:
identidades e mediações culturais. trad. Adelaine La Guardia Resende (et all). Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2003. 1ª reimpressão revista, 2006.
LEITE, Maria Isabel. Desenho infantil: Questões e Práticas Polêmicas. In: KRAMER Sonia;
LEITE Maria Isabel. Infância e Produção Cultural. Campinas: Papirus, 1998.
MENDES, Juliana Mizieski. A música vai à escola: diferentes olhares dos professores do 1º ao
5º ano do município de Içara/SC sobre o ensino de música nas aulas de arte. 2009. 63 f. TCC
(Licenciatura em Artes Visuais) - Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, 2009.
OLIVEIRA, Sandra Regina Ramalho e. Relações entre “linguagens”. In: MAKOWIECKY, Sandra;
OLIVEIRA, Sandra R. e. Ensaios em torno da arte. Chapecó: Argos, 2008.
PILLOTTO, Sílvia Sell Duarte; MOGNOL, Leticia T. Coneglian. Currículo em Artes Visuais:
Proposições Teórico-metodológicas para os cursos de Formação. In: PILLOTTO, Sílvia Sell
Duarte (org.). Processos curriculares em arte: da universidade ao ensino básico. Joinville:
Univille, 2005.
SOUZA, Rodrigo Ribeiro de. Eu não gosto de arte porque não sei desenhar: o
reconhecimento de outras linguagens como arte. 2009. 47 f. Trabalho de Conclusão de
Curso (Licenciatura em Artes Visuais) - Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma,
2009.