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. histon·ografia contemporanea já descartou. Fato
pretende neu tralizar e a . . .
é que há muito renunciamos as pers~ecti~as lineares, a conceitos fixos,
a categorías abstratas, tais como nacionahda~e, progress~,,e mesmo ao
conceito de classes sociais per se, como categorias, para aceita-las de novo,
revistas, como processo, movimento histórico, no tempo, a delinear a
diversidade das mais variadas conjunturas sociais.
Na epistemología feminista, sujeito e objeto estao diluídos u~ no outro.
A hermeneutica apreende o sujeito como parte do mundo e nao o mun-
do do sujeito, de modo que desvenda a possibilidade de novas formas de
apreensao da subjetividade feminina em outras épocas do passado. Os
estudos feministas propoem urna redefini9ao dos processos de subjeti-
vidade, urna crítica ao conceito de identidade, assim como ao conceito da
própria racionalidade no mundo contemporaneo, que se volta para o pas-
sado a fim de se reencontrar, devidamente relativizada, no presente. Atra-
vés de focos narrativos, a hermeneutica do cotidiano procura historicizar
aspectos concretos da vida de todos os días dos seres humanos - homens e
mulheres - em sociedade. Justamente como refor90 de seu prisma move-
di90, surgido em um mundo instável e em processo de transforma9ao,
supoe-se urna das frentes críticas do conhecimento contemporaneo.
Os estudos feministas participam ativamente do processo de reelabo-
ra9ao dos métodos das ciencias humanas, pois parece indiscutível a neces-
sidade de determinar novos métodos mais condizentes com a política das
mullieres. Criticar totalidades e estereótipos universais é, portanto, a prin-
cipal op9ao teórica das estudiosas feministas. Necessariamente condicio-
nada por conjunturas sociais, históricas e culturais, a consciencia feminis-
ta adere ao historismo1 dadas as propor9oes relativistas que assume.
Impoe-se, assim, a necessidade de documentar a experiencia vivida
como possibilidade de abertura de caminhos novos. Outras interpreta-
a
9oes de identidades femininas somente virao luz, na medida em que
experiencias vividas em diferentes conjunturas do passado forem sendo
gradativamente documentadas, a fim de que possa emergir nao apenas a
história da domina9ao masculina, mas, sobretudo, os papéis informais, as
improvisa9oes, a resistencia das mulheres - justamente o que a História
das mulheres, de Michelle Perrot, nao chegou a realizar.
Urna história engajada jamais se restringirla aos discursos normativos
sobre as mulheres. Na verdade, pode-se afirmar que esses recantos do
passado, embora já claramente vislumbrados pela teoria feminista, ainda
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nao chegaram a ser incorporados pela memória ou pela cultura contem-
poranea. Por isso é que os estudos feministas se colocam como vanguar-
da promissora de conhecimentos. "O feminino foi excluido do discurso
histórico e aprisionado por ele, genérico e sem condi9ao de explicita9ao
a nao ser no plano da especificidade histórica, da sua concretude, da sua
nega9ao, enguanto categoria universal." 2
A história tra9a urna ponte entre o presente e o futuro, de modo que,
aos poucos, amedida da produ9ao desse novo conhecimento será pos-
sível prever o escrutínio do vir a ser de mulheres diferentes daquelas
que foram ideologicamente determinadas pela cultura. O conhecimento
histórico dessas identidades femininas, até hoje desconhecidas, seria um
passo importante no plano da constru9ao de subjetividades plurais, libe-
radas do jugo da categoria epistemológica dos séculos XVII e XVIII de um
sujeito abstrato universal.
Alguns reagem com pessimismo ao desafio dessa tarefa. Para a femi-
nista italiana Patricia Violi, por exemplo, nao existiriam ainda media9oes
simbólicas que permitissem a transi9ao do puramente individual para a
subjetividade como experiencia social, urna vez que todos os elos cultu-
rais estao comprometidos com a cultura de domina9ao masculina. 3 Para
contrabalan9ar esse viés tao drástico, bastaria lembrar caminhos abertos
na crítica das humanidades desde Nietzsche e Dilthey, retomados nas
últimas décadas por Gadamer, Habermas e Mikhail Bakhtin.4
A história da experiencia vivida pelas mulheres em seus papéis infor-
mais na sociedade envereda por trilhas recém-abertas nas vanguardas
críticas das ciencias humanas. Para apreender no passado estes momen-
tos de resistencia, é preciso urna forma9ao crítica do(a) historiador(a)
que enseje a elabora9ao de conceitos temporalizados e abordagens teó-
ricas necessariamente parcia-is, pois o saber teórico implica também um
sistema de domina9ao. A crítica feminista torna-se, portanto, contextual,
histórica e conjuntural, atrelada ao tempo, o que implica, de início, urna
atitude crítica iconoclasta que nao aceita totalidades universais ou bali-
zas fixas. Trata-se de historicizar os próprios conceitos comos quais se
trabalha, tais como reprodu9ao, família, público/privado, cidadania e
sociabilidades, a fim de transcender defini9oes estáticas e valores cultu-
rais herdados como inerentes anatureza feminina. 6
Para estabelecer um enfoque feminista mais nítido, algumas balizas
metodológicas podem ser tomadas de empréstimo das ciencias huma-
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nas, desde que provenham dessas frentes contemporaneas de crítica do
conhecimento, comas quais os estudos feministas tem um compromisso
fundamental e irredutível. Para o historiador e filósofo Claude Lefort, o
. . ' , .
pensamento crítico é aquele capaz de escrutinar O _v~io, ~s vezes o proprio
oco da ideologia, trabalhando as suas vias de extenonzac;ao, a que se refere
como ao lado de forado pensamento:
O que decididamente nao deve ser tentado é a inclusao nos estudos femi-
ninos de métodos tradicionais, funcionalistas, apropriados a sociedades
estáveis, bem assentadas, e cuja permanencia eles pretendem reforc;ar.
Trata-se do risco no qual incorrem trabalhos de história das famílias,
quando as tomam como instituic;oes fixas e nao processos em perma-
nente mudanc;a. Da mesma maneira, pesquisas sobre o processo de cons-
truc;ao das normas culturais da Igreja, do Direito ou do próprio senso
comum porvezes cometem o erro de aceitá-las, ao incorporar, talvez sem
querer, as premissas universais em que se basearam. Falamos, portanto,
de armadilhas sutis e amplamente presentes na bibliografia de estudos
da mulher, que compromete muitos de seus resultados, para as quais
devem estar alertas as pesquisadoras ou pesquisadores que escolham
temas relativos ahistória da família e dos papéis femininos.
A historicidade do próprio conhecimento em um mundo em processo
d~ tran~formac;ao p~rece constituir o primeiro passo para encaminhar a
discussao de um metodo dos estudos feministas, endossando a teoría do
perspectivismo, que parte de um "ponto de inserc;ao" do objeto de estudo
na su~ época para, a partir desse ponto ou dessa perspectiva, construir
as balizas do seu conhecimento. 7
Esse tipo de conhecimento histórico consiste basicamente em delimi-
tar o lugar, a situac;ao, a posic;ao relativa do grupo social ou de mullieres a
stu
sere~ e dadas no conjunto de uma certa sociedade. O primeiro passo
consiste em assumir a tem l'd d h' • · d f
pora i a e 1stórica do tema e, a partir a ,
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proceder a constru~ao do objeto de estudo, delimitando e problemati-
zando todas as balizas do conhecimento relativas a essas mullieres, até
mesmo o próprio conceito de mulher ou a categoria mullieres.ª
A fim de criar conceitos adequados, torna-se imprescindível sua tem-
poraliza~ao, sua contextualiza~ao histórica, para que possam servir de
bases instáveis, porém críticas, renegando todas e quaisquer categorias
universais, abandonando quaisquer para.metros fixos ou permanentes,
uma vez que se trata de posturas teóricas forjadas como processo de
conhecimento movedi~o em um mundo transitório. 9
A abordagem historista e historicizante é profícua justamente por-
que incorpora as mudan~as, aceita a transitoriedade do conhecimento
e dos valores culturais em processo de transforma~ao no tempo. Afinal,
as próprias rela~oes de genero a que se prendem de imediato os estudos
feministas permitem antever no futuro a transcendencia dessa dualida-
de cultural por um pluralismo de nuan~as e diferen~as multiplicadas.10
Ao delinear temas, configurar assuntos relativos as experiencias em
sociedade, nos defrontamos, antes de mais nada, com o problema das
possibilidades do conhecimento que esses temas nos oferecem. Formas,
categorias, sistemas, regras, valores, modos de intelec~ao de conceitos,
múltiplas temporalidades, limites da linguagem e de sua interpreta~ao
sao possibilidades do conhecimento percorridas por historiadores desde
há muito e que procuramos apreender combase em nossa perspectiva
contemporanea como mudan~a no tempo, mais do que como permanen-
cias estruturais.
A hermeneutica sugere interpreta~oes provisórias, porém críticas, de
modo a descortinar sentidos implícitos, amargem do normativo e do ins-
titucional, que podem ser vislumbrados por entre as linhas ou nos inter-
valos intertextuais, de certa forma sempre subversivas da ordem e do
permanente. Trata-se de apreender o ser através da experiencia vivida
e nao por meio de ideias, estaticamente, o que nos remetería de volta ao
discurso normativo de domina~ao masculina sobre as mullieres. Abre-se
a trilha promissora dos pequenos detalhes. O vislumbrar dialético de por-
menores significativos e, a partir deles, a sua articula~ao, fim de apreender
improvisa~oes de atitudes e papéis informais que desafiam o prescrito.
Único caminho seguro para desconstruir preconceitos e estereótipos já
normalizados. O vira ser de mullieres como sujeito histórico nao obedece
a leis universais, pois depende de experiencias tao dispersas e múltiplas
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quanto existem diferentes culturas, diferentes etnias, diferentes faixas
· s, diºferentes modos de sobreviver, de modo que
etá ria . .se traduzem em
processos de improvisa9ao, de múltiplas f~r~as de existir~ sobretudo de
inventar sociabilidades familiares e de v1z1nhan~a que sao sempre efe-
meras, pois duram segundo a pluralidade imprevisível das conjunturas
de tempo histórico.
Ao investigar experiencias de vida, o estudo do cotidiano nas socieda-
des em transforma9ao escapa ao normativo, ao institucional, ao dado e ao
prescrito, apontando para o vira ser, para papéis informais, para o provi-
sório e o improvisado - em geral para o vivido, o concreto, o imponderável
e o nao dito, sobretudo quando confrontado com regras, valores herdados
e papéis prescritos. O movimento da história perpassa o cotidiano deseo-
brindo angulos de estudo imprevisíveis, elaborando conhecimentos novos.
Para Foucault, outro pioneiro e inspirador da epistemología feminista,
esses papéis informais de resistencia
(...) nao podem existir a nao ser no campo estratégico das rela9oes de
poder(...) sao o outro termo nas rela9oes de poder: inscrevem-se nestas
rela9oes como o interlocutor irredutível. Também sao, portanto, dis-
tribuídas de modo irregular: os pontos, os nós, os focos de resistencia
disseminam-se com mais ou menos densidade no tempo e no espa90, as
vezes provocando o levante de grupos ou indivíduos de maneira defi-
nitiva, inflamando certas partes do corpo, certos momentos de vida,
certos tipos de comportamento. Grandes rupturas radicais, divisoes
binárias e maci9as? As vezes. É mais comum, entretanto, serem pontos
de resistencia móveis e transitórios, que introduzem na sociedade cli-
vagens que se deslocam, rompem unidades e suscitam reagrupamentos,
percorrem os próprios indivíduos, recortando-os e os modelando, tran-
9ando neles, em seus corpos e almas, regioes irredutíveis. 11
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acerca da experiencia de mulheres em diferentes culturas temo condao
de sugerir perguntas e de se encaixar no panorama da historiografia de
modo renovador e certamente pouco convencional.
A partir do ponto em que se pode desmistificar verdades absolutas é
que podemos colocar o problema da história do cotidiano e de sua histo-
ricidade no tempo. Antes de mais nada, é preciso lembrar que a herme-
neutica do concreto parte de urna teoría do conhecimento que reconhece
a própria historicidade do conhecimento. Por esse prisma, o homem, ao
contrário do que ocorre nas ciencias experimentais ou objetivistas, é
ao mesmo tempo sujeito e objeto do conhecimento, de modo que, ao se
propor construir um tema histórico, recortar um objeto de estudo em
certo método ou critérios de interpretac;ao do passado, ele terá sempre
em mente a historicidade de verdades, instituic;oes e dogmas tidos como
irrefutáveis e cuja mudanc;a o historiador poderá estabelecer através das
gerac;oes e no passar do tempo.
Nesse sentido, a hermeneutica do cotidiano contribuí com certa dose
de relativismo para documentar diferenc;as, delinear formac;oes especí-
ficas de classes sociais em sociedades diferentes, mostrar a diversida-
de e fluidez das relac;oes de genero e dos conceitos relativos aos papéis
femininos tidos como universais. Os que adotam essa postura de estudo
assumem, de certa forma, a perda de fios permanentes que entreteciam
a urdidura de interrelac;oes passado, presente e futuro.
Ao aderir aos limites de sua própria historicidade, pode o historiador,
em vez de lidar coma confirmac;ao no passado de princípios teóricos pré-
-estabelecidos, aspirar a urna compreensao mais concreta da experiencia
humana, que se pode dizer iconoclasta, ao exorcizar mitos ou dogmas
que se pretendem universais ou permanentes. Essas posturas icono-
clastas e relativistas do historismo parecem muito adequadas a busca
do conhecimento específico da experiencia das mullieres em sociedade.
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A verdade nao se alcan9a metodicamente mas dialeticamente; a abor-
dagem dialética da verdade é encarada como antítese do método,
modo de ultrapassar a tendencia que o método tem de estruturar pre-
viamente o modo individual de ver. Rigorosamente falando, o méto-
do é incapaz de revelar urna nova verdade; apenas explicita o tipo de
verdade já implícita no próprio método. 12
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conjuntos sociais diferenciados, que precisam ser compatibilizados com
a exigencia de organizai;oes multinacionais, centralizadoras.
Cidadania e sociedade sao prismas de estudo que já nao se restrin-
gem, como no século passad_o, a partir de Marx, em opor sociedade civil
e Estado. Tornaram-se, ass1m, temas que abarcam O cotidiano, a esfe-
ra das relai;oes pessoais, dos sentimentos, das relai;oes particulares e
familiares.
Nesse sentido, a história social das relai;oes de genero ou a história
das mudani;as na organizai;ao das famílias, sobo impacto, por exem-
plo, da industrializai;ao, em diferentes momentos na vida das diversas
sociedades que compoem o mundo contemporaneo em que nos vemos
inseridos, revela-nos, ao esmiui;ar múltiplas mediai;oes sociais, as rela-
~oes entre os fenomenos amplos, globais e as mudani;as que provocaram
nas emoi;oes, nos sentimentos, nas vidas íntimas e no processo de cons-
tru~ao dos sujeitos em dados momentos históricos, desencontrados no
tempo para diferentes sociedades.
A hermeneutica do cotidiano nas ciencias humanas atuais consiste
precisamente nesse enfoque. A sociedade de comunicai;ao e seus recur-
sos tecnológicos tendem a transcender as nacionalidades e o papel cen-
tral do Estado na vida social. Urna vantagem desse enfoque perspectivista
(combase em conjunturas históricas) consiste no modo de interpretar a
integrai;ao dos indivíduos no conjunto das relai;oes de poder, por meio
das mediai;oes sociais, o que acaba por oferecer urna visa.o mais clara
sobre a inseri;ao do indivíduo, homem ou mulher, no contexto mais
amplo da sociedade em que vivem. É urna das explicai;oes prováveis para
a voga de certas vertentes da história das mentalidades e para o papel
que alguns protagonistas dessa linha de pesquisa adquiriram em meio
as ciencias humanas e ao público leitor da atualidade.
Trata-se de caminho teórico que permite, dentro da margem de conhe-
cimento possível, a reconstituii;ao da experiencia vivida, deixando de lado
a aceitai;ao de papéis normativos ou institucionais. Na medida em que
focaliza e ilumina papéis informais, propicia a análise da ambiguidade e
mesmo da fluidez de suas práticas, costumes, estratégias de sobrevivencia.
O perspectivismo possibilita, assim, a reconstrui;ao de temas estratégicos
~o cotidiano, a partir do presente, no mundo_atual, e~ que se configur~m
e forma essencialmente abrangente (famíha, sexuahdade, amor roman-
tico), para reconstituí-los em urna perspectiva histórica, de modo que
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parecem relativizados no tempo, perdendo a conota9ao universal que o
valor ideológico lhes confere.
A consciencia da politiza9ao do privado, das rela9oes de genero, da rnul-
tiplicidade de sujeitos e de processos históricos de constru9ao das subjeti-
vidades foi acrescida da crítica que torna visível a historicidade de valores
considerados estanques, tais corno natureza e cultura, público e privado,
sujeito e objeto, razao e emo9oes, dualidades que tem sua historicidade, a
qual, porém, o pensamento conternporaneo procura transcender.
A historiografia feminista elabora esses mesmos parametros, pois tern
o seu caminho metodológico aberto para a possibilidade de construir as
diferen9as e de explorar a diversidade dos papéis informais femininos.
O campo de visibilidade ainda é restrito, porém segue conformando urna
área nova do conhecimento, na medida em que se devassam as distancias
entre norma e prática social, papéis normativos e informais.
A história social das mullieres implica, desse modo, por de lado quase
tudo o que existe como dado na historiografia atual, que em geral refle-
te o projeto social das elites dominantes, que dificilmente coincide corn
a vivencia concreta de indivíduos, principalmente quando se trata de
mulheres, mesmo que integrantes da elite, urna vez que, como projeto
de domina9ao, aparece necessariamente impregnado por toda ideología
normativa e institucionalizante. O cunho inovador dessa historiogra-
fia, ao concentrar-se nos papéis informais e nas media9oes sociais, abre
espa90 para a relativiza9ao das normas e das temporalidades pré-fixadas.
Mais do que isto, acumula conhecimentos extremamente diversificados
sobre papéis femininos nas mais diferentes culturas, para documentar
ad inp.nitum as diferen9as. Evidentemente, nao se trata de estudos histó-
ricos comparativos em busca de padroes universais, mas da enfase nas
particularidades e na multiplica9ao das diferen9as, exemplificando ati-
tudes que se opoem aos estereótipos de domina9ao cultural.
O sentido de inova9ao da teoría feminista reside no desbravamento do
cotidiano, na perspectiva histórica, pois o acumular de conhecimentos espe-
cíficos sobre a experiencia concreta das mullieres em sociedades caracteriza-
das, como a nossa, pelo convívio de diferentes etnias e coro grande desigual-
dade de renda acaba por se contrapor aos valores culturais de domina9ao
por for~a_da necess~dade _vital de improvisar estratégias de sobrevivencia.
A critica da rac1onahdade, do sujeito universal do conhecimento e a
descoberta do cotidiano corno tema das ciencias humanas parte, pode-se
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dizer, de urna multiplicidade de vertentes críticas renovadoras do conhe-
cimento. Todas elas tem indiretamente urna participa<;ao crucial na for-
mula<;ao de urna hermeneutica feminista das diferen<;as e da multiplici-
dade de temporalidades que coexistem no mundo atual sempre que nos
voltamos para papéis femininos na sociedade brasileira contemporanea
ou para questoes candentes como a dos direitos reprodutivos.
Visto pelo prisma da nossa contemporaneidade como espa<;o de
mudan<;a e de resistencia, o cotidiano define um campo social de múlti-
plas interse<;oes que contribuem decisivamente para transcender cate-
gorías e polaridades ideológicas. As múltiplas temporalidades da histó-
ria das mulheres, sua interse<;ao mútua e mesmo a coexistencia de urna
diversidade de tempos históricos no mesmo momento do passado é um
dos temas mais promissores da epistemología feminista e certamente um
dos mais renovadores dos estudos atuais, urna vez que por meio da ela-
bora<;ao das temporalidades, seja no plano do ciclo vital, da experiencia
individual ou dos processos sociais, pode-se vislumbrar a crítica da ideo-
logía, dos valores supostamente universais e das supostas permanencias
patriarcais. Trata-se de explorar as diferen<;as através da abordagem de
urna pluralidade de sujeitos do conhecimento.
Assim, abre-se um campo para a crítica do sujeito masculino universal
e do próprio conceito de natureza humana dos ilustrados do século xvm,
ideias ainda bastante presentes na nossa cultura. Essa nova postura nos
permite vislumbrar, aos poucos, múltiplas subjetividades em vez da con-
tínua reitera<;ao de um ponto fixo de defini<;ao do sujeito cognoscente das
epistemologías tradicionais que se impoem desde Descartes. Este sujeito
universal masculino cedería, paulatinamente, lugar para urna pluralidade
de novas subjetividades femininas até há pouco invisíveis e insondadas.
Preencher e documentar esses espa¡;os de silencio e vazio desafia a
imagina<;ao do(a} historiador(a} no sentido bem captado por Lacan: "Em
torno daquele vazio, o sujeito se constituí na superficie das palavras, qual
um oleiro que cría o vazio ao criar seu entorno."14 Campo particularmen-
te enriquecedor para urna sociedade plural, em que as diferen¡;as étnicas
entre escravas, forras e mesmo imigrantes europeias custaram a apare-
cer. Abre-se, assim, um espa<;o enorme de pesquisa e de experiencias de
múltiplas linguagens através das quais pode-se penetrar na infinidade de
pormenores indicativos da forma<;ílo sempre fragmentada das inúmeras
subjetividades das mulheres em diferentes conjunturas históricas. É um
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grande desafio para os que enfrentam a urdidura de diferentes racionali-
dades e conhecimentos configurativos numa área multicultural na qual
se procura as singularidades mais do que o universal.
NOTAS
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13 Julia Kristeva, "O_s tempos ~a mulh~rn, e ,:e~esa de ~u~etis'. "Semiotics ~d E.xperie~cen, in
Teresa de Lauretis (ed.), Altee doesn t: Fem1msm, Sem1otics, Cinema, Bloonnngton: Indiana
University Press, 1984.
14 Jacques Lacan, O seminário, livro 7: a ética da psicanálise, Río de Janeiro: Zahar, 1991, p. 151.
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