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CARDOSO, Rafael​.

A Academia Imperial de Belas Artes e o Ensino Técnico

Desde 1816 e até aos dias de hoje, o posicionamento da diretoria dentro da Academia com
relação ao ensino técnico pode ser visto como uma reflexão das vontades políticas. Espera-se
demonstrar que o ensino técnico pode servir como um indicador da relação entre instituição e
sociedade, revelando na AIBA não um projeto homogêneo de formação cultural mas uma
realidade múltipla e muito mais rica.
O termo “ensino técnico” data da campanha britânia “technial education movement” de 1868
que exigia a implantação de um ensino técnico mais sistemático. Antes desta época, o que se
entende hoje por ensino técnico era denominado por ‘ensino industrial/científico’. Após a
criação do termo, é gerada uma apropriação pela área científica do ensino de ofícios
mecânicos, esvaziando o ensino artístico das suas atribuições industriais tradicionais.
Na segunda metade do século XIX, a expressão ‘ensino técnico-artístico’ abrange a instrução
de modalidades de desenho e do aprendizado prático de artes. De modo geral, o século XIX foi
marcado pela transição do aprendizado tradicional dentro de oficinas para o ensino
profissionalizante em ambiente escolar, alterando os métodos de formação profissional do
artesão e do operário especializado. No contexto internacional, o declínio das corporações de
ofícios foi gerando uma crise na formação de mão-de-obra. As academias européias não se
ocupavam do ensino de ofícios e esta separação entre as ‘artes maiores’ e ‘artes menores’
persistiu ao longo do século XIX.
As tentativas de promover a instrução em arte para ‘elevar’ o gosto público serviram,
principalmente durante a segunda metade do século XIX, como uma forma oportuna de
arregimentar as novas populações urbanas em esquemas de produção e consumo adequadas
às necessidades do capitalismo industrial. No Brasil, a Academia e os seus integrantes
ocuparam-se com o ensino técnico para fins artísticos. É fato que a Missão Francesa contava
com uma maioria de indivíduos ligados a ofícios mecânicos. A idéia de que o estudo das
belas-artes pudesse contribuir diretamente para o avanço da indústria era amplamente aceita.
Com a transformação em 1820 da denominação dessa Escola Real o papel dos ofícios, da
indústria e da ciência foi diminuído sensivelmente.
Esse abandono do compromisso da AIBA com o desenvolvimento industrial se explica por
dificuldades econômicas com a queda das exportações, instabilidade política na estruturação
da Regência e revoltas regionalistas. A partir da tarifa Alves Branco de 1844, o governo
imperial partiu para uma política voltada ao crescimento industrial.
A partir da Grande Exposição de 1851 surgiu o aprofundamento dos debates em torno do
ensino artístico para fins industriais. Uma das idéias defendidas propunha o design como fator
determinante do sucesso dos produtos industrializados e argumentava que o país que
investisse com maior afinco na formação de designers possuiria uma vantagem nítida em
relação aos seus concorrentes. Começaram, a partir de então, buscar soluções para o
problema da educação do designer.
No Brasil, de forma peculiar, a Academia abraçou o princípio do ensino técnico-artístico,
elevando-o mesmo à posição de “ponto principal do novo sistema”. Por outro lado, a divisão
entre alunos artífices e artistas tinha por fim manter uma distância entre as duas classes. Isso
reflete o que aconteceu no ensino técnico europeu, onde instituiu-se uma separação entre
estudos de nível médio e de nível superior justamente pelo teor maior de conhecimento.
Em um contexto mais amplo, havia outras escolas, a mais importante era o Liceu de Artes e
Ofícios, que tinha por missão propagar pelas classes operárias a instrução artística e técnica
das artes, ofícios e indústrias, através do ensino gratuito de artes e ciências em aulas noturnas.
O Liceu ofereceu aulas de forma contínua. No final da década de 1870, o número de alunos já
chegava a mais de 1300 por ano, aumentando para quase 2500 com o início das aulas
femininas.

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