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OPlNIAO / ATIJALJCZAÇÃO
Cresc. Des. Hum. S. Paulo, 12(1), 2002
OPINlON / CURIRENT COMENTS
Neste ensaio, fruto da experiência das au- Com efeito, nas escolas chegam diferentes
toras com o desenvolvimento de ações no ambien- equipes das diversas áreas do setor saúde: equipe
te escolar e das reflexões promovidas pelas leitu- da saúde ocular, saúde bucal, prevenção das doen-
ras referentes ao tema, busca-se explicitar algumas ças sexualmente transmissíveis, saúde da família,
questões, inquietudes e impressões sobre a inter- além de outras como meio ambiente, trânsito, po-
disciplinaridade e a intersetoriedade enquanto ele- lícias civil e militar, etc. Esta avalanche de proje-
mentos fundamentais para o desenvolvimento da tos é proposta à escola de forma desarticulada,
proposta de Escolas Promotoras de Saúde. muitas vezes com superposição das ações e com
Uma crítica freqüente aos programas e diretrizes e intencionalidades díspares.
ações de saúde no ambiente escolar é a de que O que se busca aqui não é caracterizar
estes são propostos, em sua maioria, pelos profis- as práticas vigentes, mas apresentar alguns dos
sionais do setor saúde, de forma verticalizada e princípios da Promoção da Saúde que podem
desvinculados dos conteúdos programáticos do contribuir ou dar pistas de como mudar esta
currículo escolar. A equipe da saúde costuma en- realidade.
trar na escola “comunicando” o que deve ser fei- O conceito de Promoção da Saúde traba-
to pelos professores para que os alunos tenham lhado é aquele apresentado na Carta de Ottawa
mais saúde. (OMS, 1986):
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O desafio está posto para todos os profis- Acrescentou-se esta segunda definição por
sionais que atuam nesta área: como planejar e de- se entender que a interdisciplinaridade, mais do
senvolver ações, a partir da comunidade escolar, que a integração de disciplinas, requer uma de-
que sejam orientadas por esta visão? terminada postura do educador no fazer pedagó-
A hipótese deste estudo é a de que o exer- gico. Esta deve favorecer o intercâmbio, a coope-
cício da interdisciplinaridade e a intersetoriedade ração, o questionamento de saberes e práticas
como forma de atuação, não só no currículo, mas visando um objetivo comum: a produção de um
em todas as ações desenvolvidas com a comuni- conhecimento vinculado à realidade e significati-
dade escolar, constitui um dos fatores que pode vo para os educandos. Para PEREIRA et al.
favorecer a viabilização da proposta de escolas (1991):
promotoras da saúde.
GONÇALVES (1994), com base em “Buscamos a interdisciplinaridade como
JAPIASSU, define: forma de atuação que implica uma mudan-
ça radical nas relações de trabalho, ca-
“A interdisciplinaridade consiste em um racterizadas pela atuação isolada de pro-
trabalho em comum, tendo em vista a in- fissionais, tradicionalmente observadas na
teração de disciplinas científicas, de seus escola.”
conceitos básicos, dados, metodologia,
com base na organização cooperativa e Na visão das escolas promotoras da saúde,
coordenada do ensino. Trata-se do os programas setoriais propostos para escola pas-
redimensionamento epistemológico das sam a ser programas intersetoriaia ROCHA (2001)
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afirma que, segundo o referencial teórico disponí- de, meio ambiente, educação e cultura requer uma
vel sobre escolas promeotoras de saúde, os progra- ampla discussão visando assegurar que sejam rom-
mas setoriais passariam a ser programas intersetoriais pidas as barreiras à colaboração (FLAHERTY et
e interinstitucionais pois, a partir da comunidade al., 1998).
escolar, pensar-se-ia os entornos e os demais am- Espera-se, também, que o discurso emer-
bientes onde vive a comunidade escolar. gente das escolas promotoras da saúde desperte
Esta intersetorialidade4, por sua vez, fun- necessidades de mudanças, no olhar e na prática
damenta-se na interdisciplinaridade, nas dimen- de Iodos os profissionais que continuam persis-
sões aqui discutidas. tindo no erro de atuar isoladamente, prescreven-
Esta atuação interdisciplinar não deve ser do receitas para a população brasileira.
uma busca da eliminação das características e co- Voltando a pensar nos valores que devem
nhecimentos próprios a cada uma das áreas envol- se fazer presentes quando da construção de uma
vidas ou invasão de uma pela outra. O que se pre- escola promotora de saúde, pode-se citar a Reso-
tende é que as diferentes dimensões do cotidiano lução da I Conferência da Rede Européia de Es-
escolar sejam incorporadas em todas as atividades, colas Promotoras da Saúde, realizada na Grécia
não havendo uma fragmentação da realidade. Para em maio de 1997 (WORLD HEALTH
isso é necessário que sejam superadas as barreiras ORGANIZATION, 1997), na qual são assinala-
criadas desde a forrnação dos profissionais, privi- dos os componentes que devem ser pensados para
legiando a especialização, até a forma como usual- orientar as práticas das escolas: democracia, igual-
mente é realizado o financiamento dos programas dade, capacidade para ação, entomo escolar,
de saúde escolar, com verbas destinadas de forma curriculo, formação de professores, avaliação,
setorial e por problema especifico. colaboração, comunidade local e desenvolvimento
Esta mudança radical nas concepções e sustentável.
ações escolares não se dá de forma fácil e imedia- No que diz respeito ao componente currí-
ta. Este compartilhar de saberes e de práticas re- culo, este documento afirma que:
quer capacitação, ruptura, esforço e persistência
pois a tendência é a manutenção de práticas há “O curriculo da Escola promotora da saú-
muito cristalizadas. de proporciona aos e às jovens oportuni-
Dentro desta lógica, o próprio planejamen- dades para aprendcr e compreender; as-
to das ações deve se dar de forma intersetorial, sim como para adquirir hábitos essenciais
não apenas pensando as ações futuras, pois os pro- da vida. O currículo deve adaptar-se às
gramas já em curso dentro da realidade escolar necessiadades tanto atuais como futuras
precisam ser considerados como ponto de parti- dos e das jovens impulsionar sua criativi-
da. É importante oportunizar a criação de eventos dade cstmulá-los a aprender e dotá-los das
que articulem os programas que até então vêm atitudes necessárias para esta aprendiza-
sendo desenvolvidos de forma isolada, transfor- gem. O currículo da escola promotora da
mando-os em uma ação intersetorial, envolvendo saude atua também como inspirador para
todos os setores em questão – educação, saúde, o professorado e quantas pessoas traba-
meio ambiente, segurança pública e outros. lhem na escola, servindo-lhes de estímulo
Pode-se pensar também na criação de um para seu desenvolvimento pessoal e pro-
grupo de trabalho que tenha como objetivo des- fissional.”
cobrir as conexões presentes, a teia de relações
existentes nos problemas enfrentados no ambien- O momento brasileiro é extremamente fa-
te – escolar e, assim, descobrir as melhores for- vorável a mudanças no ambiente escolar. Os Pa-
mas de enfrentá-los em seu conjunto. râmetros Curriculares Nacionais (PCNs)5 atual-
Por outro lado, a implementação de um mente em implantação no Sistema Educacional
projeto que articule, ao menos, os campos de saú- brasileiro, requerem que cada escola construa o
4 Intersetorialidade é concebida segundo definição de JUNQUEIRA (1997) como “a articulação de saberes e expenências no
planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas visando o desenvolvimen-
to social, superando a exclusão social.”
5 Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs: documento elaborado pela Secretaria de Ensino Fundamental do Ministério da Eclucação
e do Desporto. Segundo SILVA (1998). Constituem um referencial para fomentar a reflexão tanto sobre a planificação do Currí-
culo – levando em consideração a dimensão nacional quanto sobre o que cabe aos currículos estaguais e municipais – respeita
a autonomia de cada unidade administrativa o que vem ocorrendo em diversos locais.
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seu projeto pedagógico. Estes ^PCNs têm como rem com maior segurança seus entornos e assu-
função, segundo SILVA (1998): mirem o controle de suas próprias vidas.
Mas isto só será possível quando, dentro
“Orientar e gurantir a coerência das po- da própria escola, acontecer a superação da frag-
líticas de melhoria da qualidade de ensi- mentação disciplinar e quando esta tiver seu cam-
no socializando discussões pesquisas e re- po de atuação ampliado por ações intersetoriais
comendações subsidiando a participação que extrapolem os limites convencionais do setor
de técnicos e professores brasileiros prin- educação, atingindo o maior número possível de
cipalmente daqueles que se encontram setores sociais. Na prática, as ações devem en-
mais isolados com menor contato com a volver, desde o momento de sua concepção e pla-
produção pedagógica atual.” nejamento até a execução, não só o setor educa-
ção através das Secretarias de Educação, mas
Muitos dos princípios que são propostos também a saúde, segurança pública, meio ambien-
para nortear estes projetos comungam com os aqui te, desporto, cultura e lazer, obras públicas e ou-
discutidos e constituem o ideário das escolas pro- tras. Isso implica que o primeiro passo a ser dado
motores da saúde. Para exemplificar esta afirma- é a busca de integração entre os profissionais que
ção, a seguir serão citados alguns dos objetivos atuam nos diferentes setores, o que só pode ser
de ensino propostos, nos PCNs, para os educandos conseguido com um planejamento central adequa-
brasileiros. do e com clareza de objetivos.
ROBERTSON (1998) alerta para os mo-
“Os Parâmetros Curriculares Nacionais dismos presentes nos discursos sobre saúde:
indicam como objetivos do ensino fundamen-
tal que os alunos sejam capazes de: “Discursos sobre saúde entram e saem de
• Perceber-se integrante, dependente e agen- moda, mas não arbitrariamente. Ao contrá-
te transformador do ambiente, identifican- rio, eles emergem e se espalham ganhando
do seus elementos e as interações entre aceitação porque eles são mais ou menos
eles, contribuindo ativamente para a me- congruentes com o prevalecente no contex-
lhoria do meio ambiente; to social, político e econômico, dentro dos
• Desenvolver o conhecimento ajustado de quais eles são produzidos, mantidos e re-
si mesmo e o sentimento de confiança em produzidos. Ainda, porque eles estão sem-
suas capacidades afetiva, física, cognitiva, pre aderidos a outros interesses e agendas
ética, estética, de inter-relação pessoal e profssional, econômica, política, cultural,
de inserção social, para agir com perse- ideológica – as formas que conceituamos,
verança na busca do conhecimento e no falamos e escrevemos sobre saúde nunca
exercicio da cidadania; são simplesmente sobre saúde; elas também
• Conhecer e cuidar do próprio corpo, va- funcionam como depositários e espelhos de
lorizando e adotando hábitos saudáveis nossas idéias e crenças sobre a natureza
como um dos aspectos básicos da quali- humana e a natureza da realidade, bem
dade de vida e agindo com responsabili- como sobre o tipo de sociedade que nós po-
dade em relação à sua saúde e à saúde demos imaginar sendo criada e a melhor
coletiva.” (SILVA, 1998). forma de atingi-la.”
Portanto, diante do arsenal teórico propor- A expectativa aqui posta é a de que as re-
cionado pelas discussões de escola promotora de flexões sobre o papel da escola na sociedade,
saúde e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a presentes nas discussões sobre Escolas
sociedade brasileira depara-se com um momento Proinotoras de Saúde, possam servir de base para
em que é grande a possibilidade de concretização a construção de novos tipos de relações entre os
de práticas que possibilitem à escola tornar-se um diversos setores sociais, de modo que os inte-
polo difusor de valores e de ações que possibili- resses predominantes sejam os de uma realidade
tem aos indivíduos e às coletividades construí- mais saudável.
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Refere-se ao Art. de mesmo nome, 12(2), 57-63, 2002 Rev. Bras. Cresc. Des. Hum. S. Paulo, 12(1), 2002
Abstract: The constructions of the concept and project of the Health Promoting School are
approached from the standpoint of ~e Health Promotion, as it is understood in the Ottawa
Declaration of 1986. The main focus are the aspects of interdisciplinarity and intersectoriality.
These constructions are seen as a concrete possibility, considering the reality of the
implementation of the National Curriculum Parameters in Brazil and the possibility of
understanding individual and collective health as a resource that makes easier for people to
control their own lives.
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