A despenalização da morte medicamente assistida é um tema que está constantemente na
ordem do dia e é alvo de inúmeras discussões. Em fevereiro do ano que vigora foi a segunda vez que a eutanásia foi discutida e votada na Assembleia da República nos últimos dois anos sendo que, finalmente, foi concedida luz verde para dar continuidade ao seu processo legislativo. Primeiramente creio que é importante frisar que este assunto vai muito para além das questões éticas, médicas e jurídicas. Este debate é um debate sobre liberdade e autonomia, sobre o modelo de sociedade que queremos e, sobretudo sobre a vida e sobre a forma como a queremos viver: se com sofrimento agónico, atroz e intolerável ou, se pelo contrário, de forma digna, respeitosa, livre. Há uma frase, no âmbito desta mesma matéria, que me toca particularmente e que a meu ver torna-se desde logo um pilar fulcral no discurso de todos aqueles que apresentam uma perspetiva favorável em relação a esta prática: A vida é um direito, não uma obrigação. Ora, num Estado de Direito, é extremamente essencial que seja permitido a cada um de nós, tanto nos aspetos mais banais, como nas áreas mais íntimas da existência humana, o poder de conformar a nossa vida de acordo com as nossas próprias convicções. Cada pessoa deve ter o direito a viver de acordo com a sua visão do mundo, não devendo esta ser imposta por terceiros. Em contrapartida, atualmente, é exatamente isto que acontece: os doentes vêem-se impedidos de decidir, veem a sua autonomia condicionada pela existência de restrições legais. O Estado está, de um modo que qualificamos como inconstitucional, a ditar às pessoas o modo como estas devem gerir a sua vida o que , no meu ponto de vista, é inaceitável. Assim sendo, para além da defesa da dignidade, este debate também se detém claramente na defesa da autonomia e na liberdade. Ser competente e autónomo, significa também ser livre e responsável pelas suas escolhas o que, nas palavras do celebre filosofo Stuart Mill, significa, também, ser-se livre de poder escolher quando e como morrer. Ademais, no que toca à temática dos cuidados paliativos uma despenalização da morte assistida não exclui nem conflitua em nenhuma vertente com os mesmos. Ainda que estes devam ser valorizados e continuamente reforçados – e sim, há que reconhecer que os cuidados paliativos têm que ser fortalecidos no nosso país – a verdade é que não eliminam o sofrimento nem impedem por inteiro a degradação física ou psicológica e, muitas vezes são ainda incapazes de responder a todos os efeitos secundários associados a certos tratamentos, nomeadamente náuseas e alterações de consciência. No entanto, e apesar de envergar uma posição totalmente a favor, a percepção que vou tendo das notícias que vêm dos países onde a eutanásia foi despenalizada não me sossega. Receio mesmo que se esteja perante aquilo que se tem chamado de “rampa deslizante”. Esperaria que, depois de alguns anos de adaptação, o recurso à eutanásia fosse diminuindo na proporção inversa do aumento das possibilidades de vida digna que os cuidados paliativos e a medicina proporcionam. Mas aquilo a que se assiste na Bélgica e na Holanda, por exemplo, é precisamente ao contrário. Cresce o número de mortes por eutanásia, a qual tende a banalizar-se, ao ponto de hoje na Holanda já se discutir a venda de comprimidos letais para quem, com mais de setenta anos, esteja cansado de viver. Posto isto, entendo que a morte assistida devera única e exclusivamente destinar-se a doentes conscientes e lúcidos em situações clinicas que o justifiquem e cuja vontade foi manifestada expressamente por estes. Desta forma, creio que evitaremos situações tais como as anteriormente referidas que acabam por tornar a eutanásia algo totalmente vulgar e, de certa forma, comum sendo que , além disso acaba por ser um ponto a favor daqueles que a contrariam. Em suma, termino apontando que esta é , ou pelo menos deveria ser, uma luta de todos nós defendendo assim uma sociedade aberta e progressista, uma sociedade onde seja possível exercer, de forma autónoma, os nossos direitos e fazer as nossas escolhas, vivendo de acordo com as nossas próprias convicções.