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História Ilustrada da

ESCRA\'IDÃO

/
Do original
Slavery, a world hisrory

Copyrighr @ I 993 by Milron Melner


Copyrighr da tradução © 2003 by Ediouro Publicações S.A.

Publicado originalmente em dois volume.~ pela Cowles Book Co. como Slavery: From the rise of
western civilizarion co the Renaissance (copyright © 197 I by Milton Mdner) and Slavcry li: frorn the Renaissance
ro today (copyrighr @ I 972 by Milron Melner)

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M486h Melr:zer, Milton, 1915-


História ilusuada da escravidão
I Milron Melt:zer ; rraduÇio Mauro Silva. - Rio de Janeiro : &liouro,
2004.
il. ; . -(História ilustrada)

Tradução de: Slavery, a world hisrory


ISBN 85-00-01179-3
1. Escravidão - História.
I. Tfrulo. 11. Série.

03-2399. CDD 306.362


CDU 326

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Sumário PARTE 2: D o RENASCIMENTO AOS N OSSOS D IAS .206
PREFACIO .208
PARTE 1: DAS ÜRlGENS DA CIVlLIZAÇÃO O CIDENTAL (A• iTULO 25 GENTE QUE VEIO DO CtU .211
AO RENASCIMENTO . 8 CAPITULO 26. A ÁPRJCA ANTES DOS EU ROPEUS .227
CAPiTULO 27. 0 TRÁFICO DE ESCRAVOS . 23 7
P EFÁCIO .1 0 CAPiTULO 28. 0 CAMINHO DO MEIO .251
CAPITULO 1 COISA- OU GENTE? .13 CAPiTULO 29. A NECESSIDADE DE MÃO-DE-OBRA .267
CAPITULO 2 . ENTRE O TIGRE E O EUFRATES .21 CAPITULO 30. A ESCRAVIDÃO ENTRE OS (NOJOS DAS AMtRJCAS .273
CAPITULO 3 . NO VALE DO NILO .35 CAPITULO 31. MÁQUINAS DE FAZER DINHEIRO .287
CAPITULO 4 OS FILHOS DE ISRAEL . 41 CAPITULO 32 UMA ILHA DOCE.303
(AP TU O 5 0DISSEU E SEUS ESCRAVOS . 49 CAPITULO 33 BARRJS DE PÓLVORA .321
(APiTU o6 A EXPANSÃO DO MUNDO G REGO . 55 C APITULO 34 A EXPLOSÃO .333
CAPITULO 7 QUANDO A GUERRA SE TORNA UM BOM NEGÓCIO . 59 CAP ITULO 35. CONSTRUÍDA SOBRE OS OMBROS DA ÁFRICA .343
CAPITULO 8. DA PANIFICAÇÃO À CONSTRUÇÃO DO P ARTENON . 65
CAPITULO 36. 0 .355
RUM E OS ESCRAVOS
CAPITULO 9 . TRABALHO, CASTIGO E COMIDA . 75 CAPITULO 37. REVOLUÇÃO E ALGODÃO .365
CAPITULO 1 0 A NATUREZA NÃO ESCRAVIZA N INGUf.M . 81
CAPITULO 38. NA F4ENDA .375
CAPITULO 11 A ASCENSÃO DE ROMA . 85 CAPITULO 39. NA C IDADE .387
CAPÍTULO 12 . P ECHINCHAS NO CAMPO DE BATALHA .91 CAP ITULO 40. 0 LEILÃO .395
CAPÍTULO 13 . PIRATARIA - UMCOM~RCIO SEGU RO .99 CAPITULO 41. A LEI E O CHICOTE . 409
CAPITULO 14 0 MERCADO IMPERIAL DE ESCRAVOS .1 0 7
CAP ÍTULO 42. jOGUE A CORDA . 419
CAPITULO 15. NOS MERCADOS, NAS OFICINAS E MINAS .117
CAPITULO 43. SABOTAGEM, FUGA, REVOLTA .427
CAPITULO 16. NA FAZENDA E NO RANCHO .125
CAPITULO 44 . Q UE VENHA A LIBERDADE . 439
CAPITULO 17. M ORTE NA ARENA .133
CAPITULO 45 . V OLTANDO-SE PARA O ORIENTE . 447
CAPITULO 18. COMO VIVIAM OS ESCRAVOS ROMANOS . 141
(APITU.LO 46. TRABALHO FORÇADO. 459
CAPITULO 19 fiNALMENTE, A LIBERDADE .151
CAPITULO 47. A ESCRAVIDÃO HOJE .479
CAPÍTULO 20. REVOLTAS DE ESCRAVOS NA SICÍLIA .15 7
CAPITULO 48. COMO ACABAR COM ISSO? • 49 7
CAPITULO 21. ' EsPÁRTACO INFERNIZA A ITÁLIA .165
CAPITULO 22. E SCRAVOS E SERVOS .171 BIBLIOGRAFIA .504
C APITULO 23. 0 ESCRAVO NA IDADE MÉDIA .177 ADENDO ÀS BIBLIOGRAFIAS • 511
CAPITU LO 24. I NIMIGOS DOMÉSTICOS .195 ÍNDICE .514
I I I 1) I f f '
J \ I I { ) ...
' \ , I.' \_

vidão desde as origens, no mundo antigo, até o Renascimento. A escravi-


dão, enquanro instituição que reduz o homem a uma coisa, nunca desa-
pareceu. Em aJguns períodos da história, ela prosperou: muitas civilizações ascenderam
ao poder e à glória apoiadas em ombros de escravos. Em ourras épocas, os escravos
diminuíram em número e importância econômica. Mas a escravidão nunca deixou
de existir. Organizações como a Sociedade Antiescravagista, com sede em Londres,
empenham-se há mais de cem anos para pôr fim à servidão humana. Apesar disso,
milhões de homens, mulheres e crianças, segundo estimativa das Nações Unidas,
ainda são mantidos como escravos em muitos países.
Como surgiu a escravidão? Quais as formas que tomou em diferentes lugares, em
diferentes épocas? Que funções desempenharam os escravos nessas sociedades? QuaJ
a sensação de ser escravo? Que chances têm tido os escravos de ganhar a liberdade?
E quando se tornaram livres, como foi a nova vida?
Prefácio Essas e muitas outras questões são tratadas neste livro. As respostas não são uni-
formes. A escravidão teve muitas variações, algumas fascinantes. Cada sociedade, as-
sim como cada indivíduo, é única, e as inter-relações entre escravidão e sociedade -
ambas sempre em transformação - têm remodelado as formas básicas da vida.
Respostas a perguntas sobre o passado tampouco podem ser fáceis. Aspectos do pas-
sado geralmente são tão estranhos para nós que temos grande dificuldade ao tentar
entendê-los. Há uma enorme distância entre a experiência de um babilônio ou de
romanos do tempo dos césares e a vida que conhecemos agora. É preciso imagina-
ção para dar substância ao arcabouço que os estudiosos construíram para nós.
A questão da cor como um fator na escravidão é um exemplo. Não teve a mesma
importância no passado. O impacto do racismo em certas sociedades que conhece-
ram a escravidão - especiaJmente os Estados Unidos - é de grande importância hoje
em dia. Mas no mundo antigo, entre os gregos e romanos, bem como para outros
povos, a cor não era uma linha divisória: brancos escravizavam brancos, aos m ilhões.
O imigrante europeu que depreciou os negros norte-americanos, cujos ancestrais che-
garam ao Novo Mundo acorrentados, provavelmente também teve antepassados sob

PREFÁCIO
o jugo da escravidão. A maioria de nós- não importa a cor ou a origem - descende
de ancestrais que em algum momento foram escravos ou, de um ponto de vista moral,
dedicaram-se ao crime de escravizar outras pessoas. Muitos, como mostra este livro,
experimentaram as duas coisas: foram escravos num momento e senhores em outro.
Essa "instituição peculiar" não pode ser entendida, é claro, sem q ue a enxergue-
mos no contexto de uma determinada sociedade. Dentro dos limites estabelecidos,
tentei delinear suficientemente esse contexto para esclarecer ao leitor cada forma ou
período da escravidão. Mas a ênfase principal está na vida dos próprios escravos, suas
lidas, seus sofrimentos e prazeres (sim, havia alguns), realizações e, em muitos casos,
sua incrível inteligência e heroísmo. São examinados os registros das resistências e re-
voltas, e também discutidas as mudanças de atitude em relação à escravidão.
A brevidade exige algumas omissões, e espero ser perdoado se o leitor procurar al-
go no índice e não achar. Talvez tenha sido temerário empreender um projeto tão
vasto, mas pelo que sei não existe nada no gênero. Pelo menos é melhor começar
com alguma coisa.
Quanto às referências, confiei no trabalho de acadêmicos e especialistas. Os es-
tudiosos do passado nem sempre concordam com os mesmos fatos, e às vezes dis-
cutem furiosamente (e divertidamente) sobre as interpretações. Onde existem es-
sas diferenças, tento indicá-las. Deve ficar claro que não se trata de um trabalho
acadêmico ou pesquisa originaL Sou profundam ente grato a todos os estudiosos
e autores citados na Bibliografia. Meu papel é apresentar ao leitor comum algumas
descobertas e especulações de especialistas de diversas áreas e tentar costurar isso
tudo para tornar visível um painel geral sobre a escravidão na história da humani-
dade. Naturalmente, o que foi selecionado, bem como as omissões, deve-se às
minhas próprias características e crenças pessoais. Os possíveis defeitos do livro
devem ser atribuídos a mim.

H ISTÓRI A I LUSTRADA DA E SCRAV I OAO


()1\l 111 ltlli\1 JlAIJ \ ,,, I li" HU 11 (\I J.

vários hisroriadores consideram a escravidão um passo à freme no desenvol-


vimento da civilização. Desde as épocas mais remotas, era costume dos povos
primitivos matar os guerreiros derrotados em baralhas tribais. Algumas sociedades de-
pendiam da caça para sobreviver. Os homens matavam o número suficiente de animais
para se alimentarem, não havendo excedente para dar aos prisioneiros.
Os caçadores treinavam cães selvagens para ajudar na caça. Aos poucos, aprende-
ram a domesticar bichos mais apetecíveis- suínos, caprinos, bovinos - e d e caçado-
res passaram a ser pasrores. Agora a comunidade era capaz de produzir alimentos de
animais domesticados, desenvolvendo um cerro padrão de vida a partir dos movimen-
ros dos rebanhos nas pastagens.
Desde o começo, o homem utilizara ferramentas para aj udar a obter a comida ne-
cessária. As mais antigas eram feitas de pedra, depois madeira, ossos, marfim e chi- Nas sociedades caçadoras primitivas, era comum matar os rnimigos derrotados. Alguns historiadores
consideram escravizar um homem em vez de matá-lo um passo a frente no desenvolvimento da
fres. Essas ferramentas serviam para cortar ou eram machadi nhas de mão. Depois
civilização. Pintura rupestre, Sao Raimundo Nonato. Pl. C Nair Benedito I N Imagens
desenvolveram-se instrumentos mais especializados, como lanças, raspadores e facas.
tribos partiam para a guerra e traziam prisioneiros, estes geralmente eram sacrifica-
Com o avanço técnico vieram outras ferramentas: agulhas, anz6is, arpões.
dos. Era tolice mantê-los, pois seriam um escoadouro para o suprimento alimentar.
Mais rapidamente agora, o homem começou a dominar seus arredores. Na lu-
Onde a agricultura ou o pastoreio tinham ido além dessa etapa, um povo agríco-
ta com a natureza, aprendeu a duras penas a sobreviver e crescer no ambiente.
la podia produzir bem mais do que precisava, e isso tornava útil a captura de escra-
Quando d omesticou animais para comer, ele descobriu a agricultura- a possibi-
vos. Em vez de matar o inimigo derrotado, o vitorioso o escravizava. O perdedor
lidade de cultivar o alimento. Talvez tenham sido as mulheres que deram esse tre-
mantinha-se vivo e, em troca, tinha de trabalhar. O homem já aprendera a domes-
mendo salto à frente. Provavelmente notaram que as sem entes espalhad as perto
ticar animais. Agora descobria que podia fazer o mesmo com seu semelhante - as-
de suas habitações germinavam, oferecendo um renovado supri mento alimentar.
sim como fazia com os bovinos, os carneiros e os cães.
Enquanto os homens caçavam e tomavam conta dos ani mais, as mulheres cuida-
O s escravos podiam ser utilizados para cuidar dos rebanhos ou para trabalhar
vam das hortas.
nos campos. Eles aumentavam a riqueza e o conforto do captor. Providenciavam-
Comparada à caça, a agricultura era segura, e também mais fácil. Permitia ao ho-
lhe comida e poupavam-lhe das tarefas árduas e desagradáveis. Finalmente, a agri-
mem primitivo produzir mais comida do que o necessário. Depois de aprender a fazer
cultura avançou ao ponto de ser lucrativo usar um grande número de escravos para
cestas e potes para armazenar e cozinhar a comida, foi possível fixar-se em um mesmo
trabalhar na terra.
lugar por vários anos.
Assim, escravizar um inimigo em vez de matá-lo tornou-se um meio de aproveitar a
Nos prim6rdios da agricultura, porém, o excedente não chegava a ser muito. Uma
mão-de-obra de um homem, e o resultado foi uma nova dimensão que se agregava
família podia plantar pouco mais do que o necessário para se alimentar. Quando as

-- I
~ H ISTO R IA I LUS TRADA DA E SCRAVID Ã O
(O I S A - OU GE NTE ? ~
a uma sociedade. Pois uma nova ferramenta era adquirida: o escravo. O aro de escravi- da época em que os ge rmanos supriam os mercados de escravos da Europa com
zar um homem também aumentava o prazer da vitória, pois o derrotado era humilha- prisioneiros eslavos. Assim , um gentílico que significava "gló ria" passou, por acaso
do e punido pela ousadia de ter lutado. Essa forma de humilhação para os inimigos es- ou por maldade, a significar servidão. Este aspecto da história da escravidão será dis-
trangei ros finalmente tornou-se um modo de punição usado por governantes contra cutido num capítulo posterior.
pessoas do mesmo grupo cultural que cometessem algum mal o u dano. Um homem Escravo, portanto, é um homem que é propriedade de outro. Propriedade é algo
acusado de crime podia ser considerado indigno da cidadania e condenado à escravidão. - terra, bens, dinheiro - de que alguém rem um tfrulo legal. E o proprietário tem o
À medida que o homem tornava-se mais "civilizado", surgiam outras fontes de es- direito exclusivo de possuir, usufru ir e dispor de sua propriedade.
cravidão. Uma pessoa necessitada podia tomar dinheiro em prestado, pen horando Assim como o gado, um escravo pode ser comprado, vendido, alugado, troca-
sua mão-de-obra. Se deixasse de pagar a dívida, seria escravizada para reparar o em- do, dado como presente ou herdado. Pois, teo ricam ente, em termos legais um es-
préstimo. H avia também homens livres, porém fracos demais para sobreviverem por cravo não é uma pessoa. Na maio ria das culturas, ele não d ispunha de nenhu m
conta própria na comunidade, e q ue voluntariamente o ptavam pelo abrigo da escra- d ireito individual nem de qualquer proteção legal. A lei preocupa-se com ele ape-
vidão em vez da fome e dos riscos da liberdade. Exilados de uma outra comunida- nas para garantir sua completa su bm issão a seu senhor. Há exceções, que serão d is-
de podiam ceder sua mão-de-obra a homens prósperos nos mesmos termos. cutidas mais adiante.
O "filhos de Israel" encontraram abrigo no Egito po r volta do século XVIII a.C., Possuir algo, gozar do d ireito de propriedade, significa ter poder ilim itado sobre
oferecendo seus serviços em troca da vida. Não foram a única tribo asiática a fazer isso. esse algo. O escravo está sujeito a seu senhor, não apenas à autoridade mas ao ple-
Secas terríveis geralmente forçavam comunidades inteiras a deixar a terra natal. Elas, no exercício do poder de seu proprietário. Esse poder sempre foi usado para força r
então, recebiam permissão para se estabelecerem em vales o u oásis em troca de tri- o escravo a trabalhar. Um trabalhado r livre pode parar de trabalhar q uando quiser.
butos ou serviços. Às vezes pode correr o risco de passar fo me, mas pode ir em bora. O escravo não. Sua
O nascimento era o utra fo nte de escravidão. Uma criança nascida de p ais escra- vida é como um instrumento nas m ãos do proprietário. O poder do dono permite que
vos não podia ser outra coisa a não ser escrava. ele utilize tal instr umen to para seus próprios interesses. Aos olhos d o senho r, o
À medida que crescia a demanda por trabalho escravo, havia sem pre homens ávidos escravo não tem vontade própria.
em lucrar com isso. Rapto e pirataria tornaram-se bons negócios para atender a alguma Q ual a conseqüência de uma relação de absoluta dominação? O que a escravidão
escassez ou satisfazer uma demanda crescente. O tráfico de escravos passou a ser uma faz com a personalidade do escravo? E com a de seu senhor?
das primeiras fo rmas de comércio. Escravos eram enviados como m ercadorias para o n- Para ambos, é um desastre moral. Parece seguro dizer que um senso de valor próprio
de seus músculos ou habilidades, beleza ou inteligência rendessem o melhor preço. está na raiz da moralidade. Ao negar a humanidade de um homem , a escravidão im-
pede-o de desenvolver um senso de dignidade humana. Q uanto ao senhor, o hábito
IJ/
0 QU E É U M ESCRAVO ? da dominação tende a envenenar cada aspecto de sua vida. Pois quando os caprichos
do dono controlam cada movimento do escravo, a capacidade de autocontrole daque-
O dicionário define escravo com o uma pessoa m antida sob laços de servidão. A le é enfraquecida e destruída. O pro prietário que não reconhece nenhuma humanida-
raiz da palavra é um gentílico - eslavo. A adap tação de "eslavo" para "escravo" vem de em seu escravo perde-a em si próprio.

HtSTOR IA ILUSTRADA DA ES CRAVtOAO ( OISA - OU GE NTE?


Isso não quer dizer que todos os se- Talvez em nenhuma comunidade o escravo teórico - a criatura wtalmente sem
nhores tratavam os escravos da mesma personalidade ou posses- tenha existido na prática. Não importa o q ue dizia a lei,
forma. De modo algum. Ao longo da his- afi nal de contas o escravo era gente e não coisa. E nenhuma submissão, por mais ab-
tória, o tratamento dos escravos variou soluta que fosse sua tendência, pôde esmagar ou extinguir essa humanidade.
de proprietário para proprietário, e mu- Tal foi o paradoxo que existiu no âmago da escravidão ao longo de roda a história.
dou com a utilização econômica à qual Teoricamente, o escravo é um objeto ou ferramenta; na realidade, um ser humano.
eram submetidos. Essa contradição finalmente veio perturbar o homem e a lei. Como a liberdade do
Há, no entanto, um denominador co- homem na natureza podia reconciliar-se com a escravidão na lei?
mum para a escravidão em wdas as épocas Não há nenhuma evidência, no entanw, de que o paradoxo tenha entrado na ca-
e lugares. O senhor sempre detém o direi- beça das pessoas nos primórdios da escravidão. A idéia de "liberdade" num sentido
w absoluto de propriedade. Ele controla o democrático levaria um longo tempo para desenvolver-se. Até isso acontecer, o homem
trabalho e os movimenws do escravo. Aos não .teve nenhuma visão moral que o fizesse ver algo de errado no fato de algumas
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olhos da lei e da opinião pública, o escra- pessoas serem os senhores e, outras, escravas.
vo não tem personalidade. Nesse sentido, Em culturas primitivas, acreditava-se que os deuses tinham feito o mundo assim.
ele é um apêndice do senhor. E a lei geral- Se os homens não eram iguais, então era por causa da vontade divina. Tratava-se de
mente não reconhece nenhum genitor um faro da vida, não uma injustiça a ser reparada. E a desigualdade podia ser en-
masculino do escravo. Esse é filho de sua contrada não só entre os escravos, mas também entre os homens livres. Havia ricos
mãe escrava e está sujeito à mesma sina. e pobres, homens com prestígio e homens sem prestígio. Todas essas distinções eram
Ludwing & Briggs. Recibo de compra e venda de escravos, Variações na escravidão, em forma de a vontade dos deuses.
1851. Arquivo Nacional, RJ
grau, desenvolvem-se a partir de conjun- A instituição da escravidão foi universal durante boa parte da história. Era uma
tos de circunstâncias. O modo como uma sociedade ou comunidade ganha a vida, tradição a que todos estavam habituados. Parecia essencial à vida social e econômi-
a política, o ambiente, tudo afeta o rumo específico tomado pela escravidão. É cla- ca da comunidade; a consciência humana raramente se abalava com isso. Senhor e
ro que também há influências exteriores. Os senhores deslocam-se com sua proprie- escravo viam isso como inevitável.
dade e escravos são negociados em todo o mundo. Novas influências são introduzidas O quanto a escravidão era vista com naturalidade pode ser depreendido pela ausên-
para modificar a forma da instituição. cia de discussão na literatura antiga. A escravidão existia em todas as sociedades como
Em qualquer sociedade, a escravidão não escapa à influência de uma dada cultu- parte vital da vida econômica. A maioria dos autores antigos, porém, não escreveu so-
ra. Obviamente, a escravidão também influencia a cultura, mas essa é o molde em bre isso como um problema. Talvez tecessem conjecturas sobre sua origem ou detalhas-
que é modelada a escravidão. Os estudiosos observaram grandes diferenças na insti- sem a vida do escravo, mas poucos imaginavam que fosse possível abolir essa condição.
tuição da escravidão em Estados escravocratas que coexistem lado a lado, tais como É difícil determinar o número de escravos e sua proporção em relação à popula-
Atenas e a cidade de Gortina em Creta, no século IV a.C. ção livre nas culturas antigas. As cifras variam com o lugar e a época. As condições

I -~ -~ I
~ HISTÓRIA ILUSTRADA DA ESCRAVID Ã O ( O I SA - O U GENTE?~
econôm icas podiam favorecer o crescimento da escravidão ou diminuí-lo. Exis-
tem algumas declarações esparsas sobre números, mas os estudiosos não as con-
sideram confiáveis.
Homens, mulheres e crianças de todas as partes do mundo antigo foram escravi-
zados. Vinham de todos os continentes em corno do Mediterrâneo - Europa, Ásia
e África. Um escravo podia ter qualquer cor - branca, negra, parda, amarela. As d i-
ferenças físicas não importavam. Guerreiros, piratas e mercado res de escravos não
estavam preocupados com a cor da pele ou a forma do nariz. Entre os gregos pare-
ce não ter havido nenhuma ligação entre raça e escravidão. Tanto negros quanto
brancos eram capturados e ninguém discutia se um era mais adequado que o outro
para essa condição, embora pessoas de certas regiões fossem consideradas melhores pa-
ra determinadas tarefas do que outras. O s histOriadores relatam que tanto na G récia
quanto em Roma havia pouco preconceitO racial contra negros.
As origens sociais dos escravos eram igualmente diversas. Podiam vir de qualquer
classe. Podiam ser camponeses ou patrícios, iletrados e sem qualquer aptidão ou ho-
mens de habilidades técnicas ou profissionais sofisticadas. E o trabalho que faziam
como escravos era tão variado quanto suas origens.

H IS T O" I A ILUST RAD A D A E SCR A VI O .lO


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Foi nos assentamentos sumérios, na parte meridional do vale, que se formou a ci-
( I\ l i I I \ ( \ ( \ ( \{ li) I I I I \ 1 \
vilização mesopotâmica. Região pequena, a Suméria tinha ap roximadamente 0 tama-
uns dez mil anos nas terras do Oriente Médio. Os primeiros assentamen-
nho da moderna Bélgica. Suas aldeias e cidades cresceram ao longo de rios e canais.
tos foram encontrados na vasta e rica planície banhada por dois rios, o Tigre
Foram construfdas com barro, pois ped ra e madeira eram materiais muito raros. A
e o Eufrates. Historiadores da G récia antiga deram à região o nome de Mesopotâmia,
argila disponível era misturada com palha, cascalho ou cacos de louça, moldada em
que significa "entre rios", mas seus primeiros habitantes não lhe deram nenhum no-
tijolos e seca ao sol. Junto com argamassa, os tijolos de barro formavam paredes gros-
me. Agora essa terra é conhecida como lraq ue.
sas e resistentes. As casas antigas eram cobertas com folhas de palmeira e esteiras de
A maio r parte do que sabemos sobre qualquer civilização antiga é reconstru ída a
junco sobre as quais se espalhava terra. O s pisos eram simplesmente de terra batida.
partir de documentos desenterrados por arqueólogos de campo. Aqueles podem ser
Essas casas mantinham as pessoas refrigeradas no verão e aquecidas no inverno. Sob
de dois tipos: textos e objetos. Os objetos podem ser qualquer produto do trabalho
cuidados constantes duravam um longo tempo, salvo se atingidas por fogo, enchen-
humano, desde um edifício monumental a uma panela de cozinha- documen tos,
te ou terremoto, ou quando invasores as destrufam.
pois servem para nos dar informações sobre o passado. Os textos mesopotâmicos
A Suméria dividia-se em cidades-estados independentes, cuja subsistência basea-
utilizados pelos estudiosos são as centenas de milhares de tabuinhas de argila encon-
va-se em campos cultivados, hortas, pomares e bosques de palmeiras que pertenciam
tradas em cidades enterradas. Nelas há inscrições com registros públicos e privados
à cidade ou aos deuses da cidade. Uma dessas cidades-estados, Lagash, talvez tives-
de todos os tipos - poemas, cartas, testamentos, contratos, códigos legais, provér-
se 35 mil habitantes. As escavações mostram que havia pelo menos treze cidades na
bios, mitos, tratados de matemática e medicina.
Suméria por volta de 2500 a.C.
A partir das descobertas dos arqueólogos, sabemos que há mais de três mil anos
Uma cidade suméria era formada por bairros, com um templo no centro de cada
antes do começo da era cristã os sumérios estabeleceram-se na metade meridional
um deles. Para o povo, cada cidade pertencia a um determinado deus e era por ele
da planície da Mesopotâmia. Essa parte do Iraque tem um clima subtropical seco. A
protegida. Cada cidade-estado era governada por um rei-sacerdote, por cujo inter-
agricultura sempre dependeu de um complexo sistema de irrigação, exigindo grandes
médio reinava o deus. Posteriormente, um ou outro rei passou a dominar todas as
esforços de construção e manutenção. Mudanças violentas e imprevisíveis podem
cidades sumérias.
ocorrer no vale entre os dois rios. Um inverno muito frio ou mui to chuvoso, ou um
H avia basicamente duas classes na sociedade suméria: os ho mens livres e os es-
verão muito seco, pode formar um deserto ou um pântano. Conseqüentemente, os
cravos. Príncipes, sacerdotes e soldados ocupavam o topo da hierarquia, vivendo
mesopotâmicos viviam numa profunda ansiedade a respeito do futuro. Sua vida, o
do excedente produzido pelos camponeses, que estavam abaixo deles. E ntre os
trabalho, a família estavam à mercê de forças naturais que eles não podiam controlar.
homens livres estavam os escribas, artesãos, comerciantes e profissionais. Na ba-
Apesar disso, os agricultores da antiga M esopotâmia geralmente conseguiam ali-
se encontravam-se os escravos.
mentar a população e produzir um excedente para trocar por madeira, pedra e me-
Nos primórdios da Suméria, os escravos eram limitados em número e desempe-
tal vindos do exterior. Embora primitivos, seus métodos de plantio eram tão perfeitos
nhavam um papel relativamente pequeno na economia. Mais tarde cresceram em
que os campos de trigo, por exemplo, comparavam-se aos melhores do Canadá mo-
quantidade e propiciaram mão-de-obra barata e abundante. A maioria dos escra-
derno. Farinha e tâmara eram os alimentos principais, mas o gado bovino, as ovelhas,
vos era capturada durante as guerras freqüentes entre as cidades-estados vizinhas.
peixes, frutas e vegetais também eram abundantes.

I ~~
~
EN TR E o TtGR E E o E u F RA T t"'
Ht S TO R IA ILUSTRADA DA ESCRAV I DÃO
POSSIVEL
LINHA
LITOIIANEA
--
',,- l'tRSICO
DOGOLFO

ARÁBIA

ORIENTE PRÓXIMO ANTIGO

Em alguns períodos, as taxas de juros dos empréstimos subiam às alturas. Agricul-


tores arrendatários eram pressionados por seus credores a entregar parcelas maiores
da colheita. O s pobres afundavam em dívidas e geralmente eram forçados a vender
filhos ou filhas como escravos. Às vezes um pai simplesmente entregava a criança ao
credor para cancelar uma dívida.
Quando uma pessoa livre, homem ou mulher, casava-se com um escravo ou uma
escrava, os filhos dessa união eram livres. Os filhos, fossem naturais ou adotados,
eram propriedade do pai. Este podia vendê-los ou deserdá-los, se quisesse.
Soldado mesopotâmico, séc. X a.C. British Museum, Londres Documentos de 2000 a.C. , aproximadamente, mostram que um escravo masculi-
no, saudável, valia cerca de onze sidos de prata. Comparando, naquela época essa
O s prisioneiros valiam mais vivos do que mortos e eram obrigados a trabalhar para os
quantia era suficiente para comprar 383 metros quadrados de terra ou um bosque
conquistadores. Embora os escravos viessem de um Estado inimigo, sua raça era a
de tamareiras. Durante mui to tem po, os templos foram os maiores proprietários de
mesma dos captores. Senhor e escravo tinham consciência de que, não fosse o des-
terra e empregad ores. Aos po ucos as pró prias terras, armazéns e o ficinas do rei
tino, suas posições podiam estar invertidas. A qualquer momento, um escravo po-
expandiam-se, utilizando cada vez mais mão-de-obra contratada e escrava. A socie-
dia ser resgatado, recuperando a liberdade e voltando para sua própria cidade.
dade tornou-se em boa parte dominada pelo Estado, à medidc- que a economia do

H IS T Ó RI A I LUSTRADA D A E SC RAVIOÀO
ENTR E o TI G R E E o E u FRATE S
templo era submetida ao rei. A maioria dos sumérios era rigidamente controlada pe-
lo governo e praticamente escravizada.
Por volta de 2000 a.C. os sumérios foram deslocados do cenário polfti co po r
um outro povo, os semitas ocidentais, ou amo riras, que penetraram na Mesopo-
tâmia vindos da Síria e do d eserto ao oeste. Fundaram novos reinos em to rno das
cidades conquistadas. Uma delas, Babi lô nia, governada pelo rei Hamurabi, con-
trolou a parte de baixo e o centro do vale no século XVIII a. C. e construiu um
novo império.
Em dez anos, H amurabi eliminou os reinos rivais e uniu os vários grupos ét-
nicos da Mesopotâmia sob u m governo ú nico. Fez reformas sociais e administra-
tivas que concentraram o poder nas mãos do rei e, contudo, deram liberdade a
costumes e à administração locais. Ele proclamava que havia sido "chamado" pe-
los deuses "para promover o bem-estar do povo". A justiça mesoporâmica era um
sistema de direito consuetudinário transmitido através do tempo e modificado
Detalhe das leis promulgadas pelo re1 babilomo Hamurabi, pos-1800 a.C. Museu do Louvre, Paros
para atender às mudanças nas condições sociais e econômicas. Antes dele, todos
os governantes aplicaram as leis dos reis e fizeram aj ustes ou acrescentaram no-
Se eLe [o senhor] destruísse 0 oLho ou quebrasse os ossos de um escravo, devia pagar me-
vas regras para situações sem precedentes. Já próximo ao final de seu reinado,
tade de seu valor. [A paLavra "senhor" pode significar um nobre ou um homem livre.}
Hamurabi tinha seu Código de Lei gravado em esteJas (placas de pedra inscritas)
e colocado nos templos para mostrar que estava distribuindo justiça a seu povo,
Teoricamente, um escravo fujão pod ia ser executado ao ser apanhado, porém era
conforme a vontade dos deuses.
mais provável que fosse algemado para impedir outra fuga. Se um cidadão conspi-
Uma dessas esteJas, de 2,5 metros de basalto polido, de formato cônico, foi en-
rasse para ajudar um escravo a fugir, o Estado podia puni-lo com a morte:
contrada pelos franceses em 1901 e levada para o Museu do Louvre, em Paris. Um
baixo-relevo gravado na parte de cima mostra Hamurabi em atitude piedosa diante
Se um senhor abrigou em sua casa um escravo ou escrava fugitivo pertencente ao
daquilo que é o deus-sol ou então o deus da justiça, sentado num trono. Na parte 'dadão
J
Estaao ou a um ct . , e na-0 0 anresentou
r às intimações da poLícia, o cheft da famíLia
inferior, a esrela é toda inscrita com colunas verticais de textos em que o rei procla-
será executado.
ma seus atos de piedade e depois arrola quase 300 leis que tratam de todos os aspec-
tos do dia-a-dia na Babilônia. Por exemplo, os direitos individuais eram secundários
Mas não era permitido ao proprietário matar seu escravo. Como outros bens va-
em relação ao poder do Estado. Também a propriedade do senhor sobre seu escravo
liosos, o escravo era protegido pelo código. Se fosse ferido por alguém, o dono de-
não era absoluta. Embora a lei incentivasse a escravidão, reconhecia que os escravos
veria ser compensado. Escravos indisciplinados podiam ter suas orelhas perfuradas
eram valiosos para a sociedade e precisavam ser protegidos de seus donos:

E NT R E o TtG R E E o E uFRAT E S

Ht STO RIA ILU S TR A DA 0.4 ESCRAVIDÃO


ou con adas. Se um escravo transferido por dívida morresse de maus tratos, em retri- proteger sua terra contra os inimigos vizinhos, mas inevitavelmente se tornaram
buição o filho do proprietário provisório tinha de ser executado. guerras predatórias. A vitória significava saques e escravos. Com uma força mili-
O código mostra que os babilônios faziam muita questão de andar na linha. Não tar superior, os assírios puderam pilhar outros Estados e fo rçar o pagamento d e
se aj ustar às normas podia acarretar uma drástica punição: resgate e triburo. Q uase a cada primavera os assírios investiam sobre suas vítimas,
queimavam aldeias e cidades, destruíam ca mpos e po mares e massacravam rodos
Se um senhor adquiriu ou recebeu para salvaguarda seja prata, ouro ou um escravo ou q ue restsussem.
uma escrava, ou um boi ou uma ovelha, ou um amo ou qualquer tipo de coisa das mãos Um dos mais ambiciosos e ativos conquistadores assírios foi Assurnasirpal li
do filho de um senhor ou do escravo de um senhor, sem testemunhas ou contratos, uma vez (884-859 a.C.), déspota cuja política de terror pode ser considerada excepcional nos
que esse senhor seja um ladrão, ele será executado. tempos antigos apenas pelo grau extremo de sadismo a que chegou. Executava reis
inimigos e torturava civis desarmados e inocentes pelos métodos mais atrozes. Aqui
Que um homem livre podia vender a si próprio ou sua família como escravos pa- ele tranqüilamente dita a seu escriba o clímax sangrento de um ataque:
ra pagar uma dívida fica bem claro na seguinte lei, embora o exercício d a escravidão
fosse aparentemente limitado: Construi uma coluna em frente ao portão da cidade e esfolei todos os chefts revoltosos,
e cobri a coluna com suas peles. Alguns eu emparedei dentro da coluna, alguns empalei
Se um compromisso fosse cobrado de um senhor e este vendesse os serviços de sua espo- sobre o pilar em estacas, e outros amarrei em estacas em torno da coluna... E cortei os
sa, seu filho ou sua filha, ou se ele fosse intimado ao serviço, deverão eles trabalhar na ca- membros dos oficiais, dos oficiais que se rebelaram ... Muitos dos prisioneiros entre eles
sa do adquirente ou credor por três anos, sendo a liberdade restabelecido no quarto ano. queimei numa fogueira, e muitos levei vivos como cativos. De alguns cortei o nariz, as ore-
lhas e os dedos; de muitos arranquei os olhos. Fiz uma coluna com os vivos e outra com as
Embora o Código de Hamurabi nos dê uma idéia da vida dos escravos durante cabeças, e amarrei as cabeças a troncos de árvores em torno da cidade. Os jovens e as don-
seu reinado, muito mais se conhece sobre a vida dos mesopotâmicos do período en- zelas, queimei na fogueira. Vinte homens, emparedei vivos no muro do palácio... O resto
tre 700 e 500 a.C. No primeiro desses dois séculos, a Assíria dominou a região, e dos guerreiros deixei morrer de sede no deserto do Eufrates...
depois a Babilônia, sua vassala, destruiu Nínive, a capital dos assírios, dando início
a uma nova era. Babilônios e assírios eram povos semitas. Usavam o mesmo sistema Depois desses retoques finais, o exército voltou para casa, levando os despojos e
de escrita dos sumérios, mas para uma língua completamente diferente chamada conduzindo os prisioneiros como escravos. Contabilizando o saque de uma expe-
acadiana. (A escrita era cuneiforme, ou pictográfica, designando um objeto pela sua dição a um pequeno distrito montanhoso, Assurnasirpal registra 460 cavalos, 2 mil
imagem. Finalmente, as imagens foram estilizadas em combinações de linhas cha- cabeças de gado, 5 mil ovelhas, a irmã do governante, as filhas dos nobres ricos com
madas ideogramas.) seus dotes, e 15 mil súditos. Isso, é claro, além de uma grande riqueza em cobre, fer-
O número de escravos aumentou constantemente nos do is reinos. Os gover- ro, prata, ouro, grãos, lã e linho.
nantes assírios travavam guerras ano após ano, finalmente conquistando a maior Trezentos anos depois, quando os babilônios dominavam o Oriente Próximo,
parte do Oriente Próximo. Podem ter começado como guerras "preventivas" para seguiu-se essa mesma política de invasão, destruição e escravidão. Nabucodonosor li

~- I
H IS T ORIA ILUSTRADA DA ESCRAVIDÃO ENT R E O T IG R E E O E uF RAT E S ~
(605-562 a.C.) combateu quase rodos os anos ao longo do Med ite rrâneo o rien-
tal para reprimir rebeliões entre os Estados vassalos. Em 597 a.C. , q uando um rei
de Judá se recusou a pagar tributo, os babilônios capturaram Jeru salém, coloca-
ram um tftere, Zedequias, no trono e enviaram 3 mil hebreus para a escravidão
na Mesopotâmia.
Nove anos depois, Zedequias revoltou-se e Nab ucodonoso r, à frente de seu
exército, sitiou Jerusalém durante dezoito meses. Q uando a cidade rendeu-se, em
586 a.C. , Nab ucodonosor captu rou Zedequias quando este fugia para Je ricó. O
Antigo Testamento (Jerem ias 39:5-9) narra como os babilônios trataram o rei e os
hebreus conqu istados:

... E quando o pegaram, trouxeram-no diante de Nabucodonosor, rei da Babilônia, em


Riblah, na terra de Hama, onde ele o julgou. Então o rei da Babilônia matou os filhos de
Zedequias em Riblah, diante de seus olhos: o rei da Babilônia também matou todos os no-
bres de }udá. Além disso, arrancou os olhos de Zedequias, e o amarrou em correntes para
levá-lo à Babilônia. E os caldeus queimaram a casa do rei, e as casas do povo, e derruba-
ram os muros de jerusalém. Depois Nabuzaradan, o capitão da guarda, levou embora pa-
ra a Babilônia o restante do povo que permaneceu na cidade...

Esse foi o começo daquilo que é conhecido na história dos judeus como o
"G rande Cativeiro", que durou cerca de cinqüenta anos, até os persas conquistarem
a Babilônia, em 538 a.C., e deixarem os judeus retornarem a Jerusalém.
O s prisio neiros que os babilônios recolhiam na guerra eram forçados a trabalhar
e erigir palácios e templos e fazer a manutenção dos canais. Os escravos artesãos tor-
naram-se especialistas no trabalho com metais, como é revelado pelas esplêndidas
placas de bronze, ouro e prata agora exibidas nos museus. Nas manufaturas reais, es-
cravas teciam tapetes e túnicas ricamente adornados para o uso do rei e da nobreza.
Alguns padrões são rep roduzidos em grande detalhamen to nos entalhes de pedra
que sobreviveram. Era preciso uma enorm e força de trabalho para efetuar os gran-
diosos projetos dos governantes.

H I S TÓR I A ILU ST RADA DA ESCRAVIOAO


Como a própria guerra tornou-se uma atividade nacional, os escravos também 19 sidos. Os vendedores darão garantias ao comprador em caso de fuga ou de uma reivin-
eram recrutados para o exército. Até o século VIII a.C., o exército assírio consistia dicação contrária, ou se for descoberto que ela I propriedade do rei ou i livre.
em camponeses e escravos que os proprietários de terra enviavam para servir ao rei
durante as expedições anuais de primavera. Numa mudança de política, esses recru- Essa mãe escrava e seu filho custaram barato, a julgar pelos registros de pre-
tas foram mais tarde substituídos por um exército permanente de estrangeiros for- ços de escravos daq uela época. Os preços, no entanto, subiam constantemente.
necidos pelos satélites da Assíria. O rei ainda podia convocar assírios livres, se pre- Em setenta anos, de 600 a 530 a.C., o preço médio subiu 50%, indo de 40 para
cisasse, mas esses tinham permissão para enviar escravos como substitutos. 60 sidos.
Na Mesopotâmia, os escravos eram marcados como os animais. A marca podia ser Uma menina ou uma mulher escravizada era forçada a en tregar não apenas sua
um símbolo ou o nome do proprietário. Era mais difícil para um escravo fugitivo es- mão-de-obra, mas também o corpo ao seu senhor. Continuava a ser escrava mes-
capar se pudesse ser reconhecido pela marca. (A fuga deve ter sido algo comum, pois mo depo is d e gerar filhos com ele. Depois que o senhor morresse, porém, ela e
o Código de Hamurabi devota muita atenção ao problema.) A marca de proprieda- os filhos tornavam-se livres. Um senhor também podia lucrar com suas escravas,
de provavelmente se aplicava diretamente à pele com um ferro em brasa. Era um cri- prostituindo-as.
me grave cortar a pele marcada ou cauterizar a marca. Além da marca, o escravo usa- Alguns prisioneiros de guerra eram designados pelos reis a servir como escra-
va uma pequena plaqueta de argila em torno do pescoço, como a chapinha de iden- vos nos templos dos deuses. C idadãos prósperos também doavam escravos para
tificação dos cães, com o seu nome e também o de seu senhor. os templos. Os sacerdotes usavam os escravos para muitas fun ções, incluindo a
Quanto mais escravos tivesse um homem, maior sua riqueza. Para aumentar administração de negócios, e tam bém os alugavam a empregadores particulares.
suas posses, os proprietários exigiam que os escravos casassem e se multiplicas- Tanto os assírios quanto os babilô nios permitiam a seus escravos um grau ex-
sem. O s proprietários escolhiam os homens ou mulheres que seriam os parceiros traordinário de independência. Parece uma estranha contradição que um escravo
de seus escravos. Os filhos tornavam-se propriedade do senhor. Este podia ven- fosse arrolado como um item de propriedade, destituído de vontade ou persona-
dê-los, separando-os dos pais, quando desejasse, embora os registros indiquem lidade, e ao m esm o tempo tivesse permissão para possuir cabeças d e gado, bens
que isso não era comum. imobiliários e outras propriedades (escravos inclusive!), poupar dinheiro, exercer
A venda de um escravo era acompanhada de uma garantia de que ele era de fa- uma profissão ou conduzir um negócio, gerir comércio e transações bancárias;
to propriedade do vendedor e que não era portador de nenhuma doença incurável. em resumo, participar de aspectos importantes da vida social como qualquer ci-
O comprador também queria ter certeza de que não estava adquirindo proprie- dadão. Documentos legais indicam que os escravos podiam até prestar testemu-
dade do rei, que poderia ser dele tomada. Um contrato para a venda de um es- nho em tribunal. E alguns conseguiam atingir altas posições administrativas.
cravo na época de Nabucodonosor II, citado pelo estudioso francês Georges Esse status intermediário- ser tratado como escravo e ao mesmo tempo como
Contenau, ilustra a natureza da transação: se não fosse - deve ter sido causa de intermináveis angústias e perturbações para
muitos deles. C laro que era infinitam ente melhor do que não ter nenhuma liber-
Os filhos de Zakir, filho de X .. , venderam de livre e espontânea vontade para o filho dade. E para alguns significava liberdade no futuro. Escravos envolvidos em ope-
de Y...a escrava Nana-dirat e a criança que ela está amamentando, ao preço acordado de rações comerciais podiam guardar dinheiro e finalmente comprar sua liberdade.

HI STO R IA I LUSTR A D A DA E SCRAV I DÃO EN TRE O T IGR E E O EU F RATES


Tudo isso, no entanto, pouco significava, em face do peso esmagador dos im -
péri os que tanto dependiam d a mão-de-obra escrava. Era muiro mais provável
um homem li vre ser forçado à escravidão do que um escravo encontrar uma saí-
da para a liberdade. Como os direitos humanos não eram reconhecidos, pouca
chance tinha o escravo de livrar-se de suas amarras o u destruir a instituição que
o degradava.

I~ H ISTORIA I LUSTRADA DA E SCRAVIOAO


()I I 111 11\ I 1'1 ) \ I )J I I f) 11 ( \P( -
Pairando acima da sociedade egípcia estavam o faraó e sua rainha, que eram
tâmia estende-se o vale do Nilo. Aqui, nos mesmos séculos que viram adorados como seres divinos. Sendo u ma divindade, o faraó só podia casar-se com
os sumérios e semitas construírem civilizações, os egípcios criaram uma alguém da própria família , e geralmente romava a irmã como rainha. A classe dos
vida extraordinariamente diferente. nobres que viviam em torno do govern ante fornecia-lhe os funcionários. Os nobres
Em ambas as regiões, vaies fluviais férteis produziam boas colheitas aos agricul to- tinham casas perto do palácio real e ta mbém propriedades no campo. Homens
res. O s egípcios também fizeram cerâmica, trabalharam com metais e elaboraram instruídos, chamados de escribas, serviam a esses nobres, ajudando-os a cuidar de
um sistema de escrita. Cavaram canais, planejaram a irrigação e constru íram navios seus negócios e dos negócios do faraó.
que transportavam suas mercadorias para o exterior. Próximo à base da sociedade havia uma grande massa de camponeses. Eram tec-
Mas os egípcios tiveram uma vida muita mais segura do que os povos que vive- nicamente livres, mas viviam quase como servos que tradicionalmente estão vincula-
ram entre o 1igre e o Eufrates, pois o vale do N ilo era protegido dos invasores pelo de- dos ao solo e que seguem junto com a terra para quem a comprar. Os camponeses
serro e pelo mar. (H ouve apenas uma grande invasão em 2 mil anos.) O N ilo, um egípcios trabalhavam nas terras do faraó, dos templos ou dos nobres, num sistema de
rio de fluxo lento e confiável, a cada ano revigo rava o solo da plan ície. Era uma via parceria. Não podiam ser vendidos, e eram donos de suas casas, não sendo portantO
fluente que unia os egípcios, cujas aldeias e cidades sempre se erguiam nas proximi- escravos. Estava m, todavia, vinculados à terra. Se esta fosse vendida, os camponeses
dades do rio. Situação, clima e paisagem criaram um conjun to de crenças e costumes iam junto para servir ao novo proprietário. Graças a um trabalho árduo, eles produ-
marcados pela segurança e serenidade. ziam um excedente que sustentava um grande número de nobres, sacerdotes e fun-
De 5000 a 3000 a.C., aproximadamente, o Egito esteve dividido em dois reinos. cionários. O s camponeses não precisavam prestar o serviço militar, pois eram neces-
Um deles consistia num longo e estreito vale; o outro cobria a região do delta do sários na terra. Entre as temporadas de labor, porém, eram convocados para construir
N ilo ao norte. Então o norte foi conquistado pelo sul, e o Egito tornou-se um só as imponentes pirâmides que abrigavam as tumbas dos faraós. Apenas uma delas, a
reino sob o domínio das dinastias dos faraós. (Faraó significa casa grande ou palá- grande pirâmide de Gizé, exigiu 2.300.000 blocos de pedras, pesando cerca de duas
cio real.) Monumentos públicos, palácios reais e residências particulares (feitas de ti- toneladas e meia cada um. H eródoro, historiador grego do século V, disse que foram
jolos resistentes, argila ou pedra), textos e imagens pintadas ou talhadas nas paredes necessários vinte anos para que 100 mil trabalhadores construíssem a pirâmide.
das tumbas e dos templos são a principal fo nte de informação arqueológica sobre os Além de construir monumentos, os camponeses eram convocados para trabalhar nas
primórdios da vida dos egípcios. Seus registros escritos tiveram início por volta de pedreiras e minas do deserto, reforçar os diques e limpar e aprofundar os canais.
3000 a.C. e oferecem uma fartura de documentos públicos e privados em papiros O faraó permitia que alguns agricultores egípcios possuíssem pequenos pedaços
felizmente preservados pelo clima seco. (O papiro é feito com tiras de um certo ti- de terra, mas quase todos estavam vinculados a terras alheias por causa da pobreza
po de junco.) ou de exigência por parte do soberano. Os homens que pastoreavam ovelhas, ca-
A população do Egito era composta de povos hamíticos e semíticos. Estes dois bras ou porcos não estavam em melhor situação que os camponeses. Abaixo dos
termos designam grupos lingüísticos separados, que por fim se fundiram na língua agricul tores e pastores na escala social estavam os barqueiros e marinheiros que
egípcia. Assim como a dos sumérios e babilônios, a escrita egípcia era pictográfica, trabalhavam para os mercadores e donos d e navios, que geralmente vinham da clas-
e provavelmente formou a base de nossa escrita alfabética. se dos escribas.

HIST0RIA ILUSTRADA DA ESCRAVIDÃO


N O V A LE 0 0 N ILO
A pedra angular da economia egípcia era o faraó. Sendo ele o "bom deus", tudo
que havia no Egito lhe pertencia. A terra que estava nas mãos dos nobres, funcio-
nários do governo, templos e particulares lhes era dada pelo faraó - e esse sempre
poderia tomá-la de volta, embora raramente o fizesse. Da terra trabalhada pelos
camponeses vinha a riqueza que a todos sustentava. Ao faraó também pertenciam
as pedreiras e as minas. A pedra e o metal de que precisavam os artesãos tin ham de
ser comprados de seus agentes. Até mes mo as oficinas eram operadas sob a régia
direção do faraó, deixando pouco espaço para que mercadores ou artesãos montas-
sem suas próprias lojas.
Fora dessas classes da sociedade egípcia estavam os escravos. Eram prisioneiros de
guerra e estrangeiros. Seu número nunca chegou a ser muito grande. Na verdade,
não eram necessários para o trabalho básico, pois os camponeses "livres" faziam a
maior parte dele em troca de um padrão de vida "apenas um nível acima da nudez
e da fome", como disse um historiador. As ocupações que exigiam especialização esta-
vam nas mãos de castas de artesãos livres e independentes. Os filhos seguiam os pais,
assumindo o ofício.
Aparentemente, os cidadãos comuns tinham poucos escravos. Um soldado, re-
compensado pelo faraó com quatro prisioneiros que o próprio oficial capturara,
considerou o fato suficientemente inédito para citá-lo em uma inscrição em sua
tumba. O exército era formado de mercenários estrangeiros e prisioneiros de guerra
tidos como adequados para servirem como soldados. Principalmente os sudaneses,
líbios e sírios eram levados para as fileiras. Somente quando as guerras acum ulavam
mais prisioneiros do que o exército poderia utilizar, esses escravos eram designados
para outras tarefas.
O maior líder militar da história do Egito, o faraó Turmés III (15 01-1 447 a.C.),
fazia campanhas anuais na Palestina e na Síria. A cada outono suas galés entravam
no porto de Tebas e os despojos de guerra eram empilhados nos cais. Seus prisionei-
ros, amarrados uns aos outros em longas filas, desciam pela prancha de desembar-
que. Deviam parecer bastante estranhos para os egípcios que os viam pela primeira
vez. A barba dos novos escravos eram longas e entrelaçadas, o cabelo preto e grosso

H ISTORIA ILUS TRAD A DA ES C RAVIOAO


caía-lhes por sobre os ombros, e eles usavam m antas de lã brilhantes, em contraste
com as túnicas de linho branco dos egípcios. Cordas prendiam-lhes os braços para
rrás, nos cotovelos, ou seus pulsos eram arados com algemas de madeira. Mães car-
regavam as crianças em tipó ias sobre os ombros.
Agora com eçava a vida na escravidão. Alguns poucos felizardos eram escolhidos pa-
ra servirem nas casas dos favoritos do faraó. O ucros eram dados aos generais como re-
compensa. Mas a maioria seguia para trabalhar no palácio ou em propriedades do
templo, servindo como cozinheiros, alfaiates, tecelões o u trabalhadores do campo - ou
na construção dos imensos monumentos que escavam transformando Tebas. Todos os
escravos eram considerados propriedade dos deuses e do faraó, e não escavam à venda
para os cidadãos comuns.
Três faraós alegavam ter capturado quase I 00 mil prisioneiros cada um. O s escravos,
porém, logo passavam para a classe dos servos pagadores de impostos e miscigena-
vam -se com os egípcios e egípcias. Muitos eram designados para trabalhar nos m o-
numentos e depois seguiam para o serviço militar.
A situação peculiar do Egito não favorecia a expansão da escravidão. Havia uma
vasta p opulação nativa para fazer o trabalho pesado a baixo custo e suprir a neces-
sidade de trabalhadores especializados para exercer os diversos ofícios. Quando
precisava de uma força de trabalho especial para seus grandiosos projetos públi-
cos, o rodo-poderoso faraó podia recrutar efetivos da numerosa classe camponesa
sem desfalcar a agricultura. Ao contrário dos países do Oriente Médio cujas socie-
dades desenvolveram-se baseadas na escravidão, a civilização egípcia floresceu sem
depender de um sistema escravo.

H ISTORIA ILUSTRADA DA ESCAAV I OAO


Po r volta de I 000 a.C., o domínio dos juízes deu Davi, um JOVem
l l
pastor de Selem
quenos Estados prosperaram por algum tempo no O riente Médio. Entre lugar a Saul, que lançou as bases do reino dos he- Vale Umversity,

breus. Seu sucessor, Davi, expandiu as fronteiras, Art Gallery


eles estavam os hebreus, ou is raelitas. A arqueologia confirma a tradição
de que a genealogia dos hebreus remonta ao patriarca Abraão. Seu povo fazia parte conquistou Jerusalém e fez dela a capital. O fi lho

das tribos nômades da Palestina que vagavam constantem ente pelo deserto. É pro- de Davi, Salomão, governou Israel por mui tos

vável que por vo lta de 1850 a.C., Abraão e sua família tenham vind o de U r, na Su- anos, intensificando o comércio e aumen-

méria, para Hebron, em Canaã, conforme descreve o Gênesis I I :3 I . tando a riqueza, construindo palácios e o

Pastores, artesãos e m ercadores, eles se estabeleceram no centro da Palestina e no de- grande Templo. Reduziu os cananitas à

serro de Negev, mais abaixo. Sob a liderança de José, um descendente de Abraão, um servidão, e como a mão-de-obra não era

grupo de hebreus penetrou no Egito por volta do ano I 700 a.C. (Era comum as tri- suficiente para realizar seus ambiciosos

bos procurarem refúgio no delta do Nilo roda vez que a seca ou a fome as ameaçava projetos, exigiu trabalhos forçados tam-

na Palestina.) Fixaram-se na m argem o riental do delta do Nilo, onde multiplicaram- bém do próprio povo.

se e prosperaram. Foi aqui que começaram a chamar a si próprios de israelitas. Após a morre de Salomão, por vo lta

Aproximadamente na m esma época, os hicsos, uma outra tribo da Palestina, de 940 a.C., o reino foi dividido em duas

conquistaram boa parte do Egito, dominando-o por cerca de I 50 anos. Quando fi- partes por plebiscito: Israel ao no rte, com

nalmente os egípcios derrotaram os hicsos, escravizaram os estrangeiros que ali per- a capital em Samaria, e Judá ao sul, gover-

maneceram. "Então [os egípcios] desig naram para eles [os hebreus] capatazes para nada a partir de Jerusalém . Monarcas dis-

atormentá-los com seus fardos. E eles construíram para os faraós cidades suntuosas, tintos governaram os d o is reinos por cem

Pitom e Ramsés." anos, se tanto, até que os assírios conquista-

Fo i um longo período de servidão. Dezenas de milhares de escravos, capturados ram o reino do norte e o sul foi dominado

de muitos países e povos, labutaram nos vastos projetos de construção dos egípcios. por Nabucodo nosor. Muitos d os hebreus

Liderados por Moisés, os hebreus e outros escravos fugiram do Egito, provavel- conquistados, como vimos, fo ram deporta-

mente no século XII a.C. Primeiramente seguiram para a península do Sinai, um es- dos para a Mesopotâmia. Quando tiveram

caldante altiplano desértico. Ao lo ngo dos "quarenta anos" de perambulação, em permissão para retornar à Palestina, vários

busca da Terra Prometida, Moisés ensinou seus heterogêneos seguidores tribais a preferiram ficar, e seus descendentes espa-

adorar um deus único e universal, Jeová, e o povo de Israel consolidou-se numa no- lharam-se por boa parte d o mundo antigo.

va nação. Depois de cruzarem a península do Sinai e alcançarem o limiar da Terra Assim como os outros povos daquela épo-

Prometida, Moisés morreu. Josué tornou-se o novo líder, m as a conquista de Canaã ca, os hebreus praticaram a escravidão. A maio-

na verdade foi realizada pelas doze tribos de Israel, cada uma lutando por seu pró- ria de seus escravos era formada por prisio-

prio pedaço de terra, sob o comando de chefes eleitos, ou "juízes". neiros estrangeiros capturados em guerra.

I ·- ·- I
~ H I STÓR I A I L U S TRADA DA E SC RA V IDÃ O
Qs f iL HOS DE IS RA EL ~
Alguns, porém, eram comprados, especialmen te dos fenícios me rcadores de es- parte, para todos os habita ntes; será um jubileu para vós; e devereis devolver a ca-
cravos. O Antigo Testamento é co ntrad itór io sobre a questão da escravidão. Em da homem suas posses, e devolve r cada homem à sua família."
Levítico 25:42, Deus disse a Moisés: "Pois eles são meus servidores, que eu tro uxe Mas pouco se sabe com que freqüência os heb reus obedeciam a esse decreto.
da terra do Egito: não devem ser vend idos como escravos." O s protestos levantados pelos profetas in d icam que a desobediência às leis era
Mas, na prática, essa inj unção não era considerada. O s filhos e filhas de devedores bem comu m. Em Jerem ias 34 :8- 11 , aparece o relato de como, depois de terem
inadimplentes geralmente eram vendidos como escravos. Em II Reis 4: 1, uma mãe sido os escravos hebreus libertados pelo rei Z edeq uias, seus senhores escraviza-
se lamenta para o profeta Elias: "Teu servo meu marido está morto ... O credor virá ram- nos novamente:
para tomar para si como escravos meus dois filhos".
Os pobres que se haviam afundado irremediavelmente em dívidas também ven- Esta é a palavra que chegou a Jeremias vinda do Senhor, depois de o rei Zedequias ter
diam a si próprios, ou os filhos, como escravos. O u faziam isso ou passavam fome. feito um pacto com todo o povo de j erusalém, para proclamar-lhes a Liberdade.
Eles e suas fam ílias tornavam-se escravos dos prósperos p roprietários de terra, co- Que cada homem deveria libertar seu servo, e sua serva, sendo ele ou ela hebreu ou
merciantes e agiotas. Esse tipo de penúria era tão disseminado na época do cristianis- hebréia; que ninguém deverd servir-se, a saber, de um irmão j udeu.
mo que o rabino Akiba (c. 50-132 d.C.) discutia com os ricos para que considerassem Ora, quando todos os príncipes, e todas as pessoas que firmaram o pacto, ouviram que
os mais pobres em Israel como "um patrício que perdeu as posses; pois são todos cada um deveria libertar seu servo e sua criada. que ninguém mais deveria deles servir-
descendentes de Abraão, Isac e Jacó". se, então obedeceram e os deixaram ir.
N o entanto, parece que nada detinha a escravidão. Percebendo que não podiam Mas depois eles mudaram de idéia, e fizeram os servos e as criadas, que haviam Liber-
destruir uma instituição tão profundamente enfronhada no tecido social e econômi- tado, retornar, e os submeteram como servos e criadas.
co do mundo antigo, os sacerdotes-legisladores hebreus tentaram aliviar o fardo da
escravidão. O D euteronômio decretava aos senhores que qualquer um que fosse ven- Fo i depois dessa traição ao compromisso de libertar seus escravos que o Senhor
dido por outros como escravo "servirá a ti por seis anos; depois deverás libertá-lo". disse, por intermédio de Jeremias, que Israel seria punido pela derrota e destrui-
No caso dos hebreus, a escravidão por dívida não era permanente. Ao senhor do ho- ção nas mãos do rei da Babilônia.
mem que se vendera para escapar à pobreza, Levítico 25:39-4 1 tinha a dizer o seguinte: Repetidas vezes os sábios lembram aos hebreus que libertar os escravos é um ato
de grande méri to. Leis especiais foram escritas para proteger tanto os escravos he-
E se teu irmão que habitava próximo de ti tornar-se pobre, for vendido para ti; não breus quanto os não-hebreus da brutalidade de seus senhores. Um hebreu que ma-
deverds obrigd-lo a servir como escravo: mas como um servo contratado, e como um hós- tasse um escravo era condenado à morte. Para atos de violência contra um escravo,
pede tempordrio, ele ficard contigo, e serd teu servo até o ano do jubileu; e então ele par- com exceção de assassinato, a lei da Torá exigia que lhe fosse concedida a liberdade.
tird, e também com ele seusfilhos, e voltard para sua própria fam ília.
E se um homem golpear o olho de seu servo, ou o olho de sua criada, destruindo-o, ele
Comemorava-se o ano do jubileu a cada cinqüenta an os. Levítico 25:1 O diz: deverd conceder-Lhe a liberdade por causa do olho. E se ele arrancar o dente de seu servo
"E devereis consagrar o qüinquagésimo ano, e proclamar a liberdade por toda a ou de sua criada, ele deverd conceder-lhe a liberdade por causa do dente.

I .. .~ I
L...::__ H IS TORIA I LUSTRADA O A E S CRAVIDÃO
O s F I LH OS D E I SRAE l ~
Filo de Alexandria, o judeu helenista que viveu uma geração an tes de Jesus, um dia de descanso tanto para o escravo quanto para o homem livre. "Não comeis
deu o seguinte conselho a seu povo: pães finos enquanto alimenteis vosso escravo com pão aman hecido", é dito ao se-
nhor. "Não bebeis do vinho envelhecido enquanto d ais do novo para ele. Não
Procedei bem parn com vossos escravos, assim como orai a D eus para que eles p rocedam dormis em almo fadas macias enquanto ele deita sobre a palha ."
bem para convosco. Pois assim como os consideramos seremos considerados, e assim como Nenhum estigma, seja racista ou de qualquer ourra o rdem, parece rer sido asso-
os tratamos seremos tratados. Demonstremos compaixão diante da compaixão, de modo ciado ao faro de ser escravo. Era um acidente do destino que podia aco ntecer com
que possamos receber a mesma coisa em troca.
qualq uer um. O escravo pagão freqüentemente se tornava em parte judeu, se obser-
vasse cenas leis e costumes judaicos. Quando libertados, escravos pagãos que se con-
Filo também mostrou o princípio moral expresso na lei hebraica: "As crianças vertiam e casavam com judeus logo eram absorvidos pelo povo judaico.
não devem ser separadas de seus pais m esmo que os tiverdes como cativos, nem Nos tempos amigos houve judeus que não só abstiveram-se de manter escravos,
a esposa do marido, mesmo que sejais o proprietário por aq uisição legal. " (Foi um como tentavam libertá-los adquirindo-os de seus senhores. Um desses grupos foi a
princípio que quase 2 mil anos depois ainda não era reconhecido pelos donos de seita dos essênios. Eles apareceram no final do século I a.C. e viviam em irmanda-
escravos norte-americanos.)
des semimonásticas ao lado do mar Mono e do rio Jordão. Sua mera era se prepa-
A lei hebraica atribuía a plena condição de escravo aos "gentios que vos cercam; rar para a vi nda iminente do Messias, esforçando-se para se auto-aperfeiçoarem.
deles comprareis escravos e escravas". E para eles não havia nenhuma perspectiva de Opunham-se à guerra e a qualquer tipo de violência. Como detestavam a corrupção
libertação: "Eles serão vossos escravos para sempre. " Parece ter sido a religião, não a e a injustiça social, talvez tenham sido a pri?leira comunidade judaica a banir a es-
raça, que atenuava a escravidão para um fiel, mas não para um pagão. cravidão. Embora não se saiba se Filo, que foi um contemporâneo, chegou a obser-
Embora os hebreus mantivessem pessoas em regime de escravidão, sua Bíblia vá-los diretamente, ele escreveu o seguinte:
exortava o homem livre a proteger o escravo fugitivo. No Deuteronômio há a se-
guinte passagem: "Não devolverás o servo que fugiu de seu senhor e veio para ti: Não há um escravo sequer entre eles, mas são todos livres, servindo um ao outro; con-
ele deverá habitar contigo, entre vós, no lugar em que ele escolher, em um de teus ter- denam os senhores não só por representarem um sistema injusto em oposição à eqüidade,
renos, onde ele preferir: não o oprimirás". como também personificações do mal, por violarem uma lei da natureza que nos fez to-
Exortado a dar abrigo ao fugitivo, o hebreu também era proibido de se envolver dos irmãos, criados como semelhantes.
em roubo de pessoas. Diz o Êxodo 2 1: 16: "E aquele que roubar um homem, e ven-
dê-lo, ou se ele for encontrado em seu poder, certamente ele será executado". E em Suas crenças e práticas têm tanto em comum com Jesus e os Apóstolos que,
Deuteronômio 24:7, lemos: "Se um homem for encontrado roubando qualquer acredita-se, o fundador do cristianismo pode ter sido um essênio ou ter sido in-
um de seus irmãos entre os filhos de Israel, e dele fizer mercadoria, ou vendê-lo; en- fluenciado por esse credo.
tão esse ladrão deve morrer; e tu deverás afastar o mal entre vós. " Outra avançada comunidade judaica, os terapeutas, que vivia perto de Alexan-
No Talmude, o corpo da antiga lei hebraica, o senhor é aconselhado a tratar dria, também era antiescravisra. Filo assim os descreveu:
seu escravo como um membro da família. Para começar, supõe-se que 0 Sabá seja

·- I
Ht STORIA ILUSTRADA D A E SC R A V IDÃ O
Ü S F I LHO S D E I SR A E L ~
Eles não possuem escravos para servi-kls, pois consideram a posse de servos totalmente
antinatural. Pois a natureza gerou todos os homens para serem livres, mas os atos errados
e cobiçosos de alguns que perseguem essa fome de maldade - a desigualdade- impmeram
o jugo e investimm os mais fortes de poder sobre os mais .fracos.

Condenar a escravidão de maneira tão veemente quanto o fizeram essas duas


seitas foi algo extraordinário para aq uela época. Ninguém mais na antigüidade
parece ter ava nçado tanto. O mundo só ouviria uma denúncia tão arrebatado ra
da escravidão em certas seitas protestantes radicais que apareceriam muitos sécu-
los depois.

H1 ST0RI A ILUSTRADA DA E SCRAVIOAO


quentes, férteis e planas do Egito do que a Grécia. Suas montanhas es-
carpadas e robustas proporcionavam uma vida árdua para um povo re-
sistente. De onde vieram é difícil saber. É certo apenas que, por volta de 2000 a.C.,
guerreiros altos e loiros, de linhagem indo-européia, chegaram ao mundo egeu vin-
dos de terras do norte. Alguns vieram pelo mar até as costas e ilhas do mar Egeu.
Com o passar dos séculos, os invaso res absorveram a avançada civilização de C rera
que tivera início talvez mil anos antes. Esse povo recém-chegado fundiu sua cultu-
ra com a dos habitantes mais antigos e tornou-se o que depois, historicamente, se-
riam os gregos.
A partir de povoamentos no continente, os gregos migraram para as ilhas e para
o litoral asiático do mar Egeu. Ali os colonizadores podem ter lutado contra migran-
tes mais antigos. (Parte dessas lutas está por trás da lenda da guerra de Tróia.) Por
volta de 1200 a.C., a última onda migratória do norte, invasores conhecidos como
dórios, atingiu a região central e oeste da Grécia, chegando a C rera, Rodes e ao li-
toral da Ásia Menor. Terminadas essas migrações, em torno de 900 a.C., o povo gre-
go, com sua língua e cultura, estava solidamente fixado em ambos os lados do Egeu.
Mais tarde, a civilização grega atingiria as margens do mar Negro, as costas da África
do Norte, o sul da Itália e a Sicília.
É na mais antiga literatura que chegou até nós que temos notícia da escravidão
na Grécia. Os dois poemas épicos atribuídos a Homero, a Jlíada e a Odisséia, con-
tam a história da guerra de Tróia e dos dez anos em que Odisseu ficou perambulando
após a queda dessa cidade, até voltar para casa, em fraca.
Além de sua beleza e da profunda influência exercida sobre as gerações futuras, os
poemas têm valor histórico. Homero, ao que tudo indica um grego asiático, prova-
velmente viveu no século IX a.C. e retrata a Grécia do século XIII. Trata-se de um
mundo real, cuja vida doméstica, operações militares, agricultura e vida marítima
têm sido confirmadas pelas descobertas de arqueólogos.
Mas no mundo de Homero há uma profunda fissura. De um lado estão os nobres,
uma aristocracia de famílias ilustres. Ricos e poderosos, vivem em grandes propriedades

H 1ST0 RIA I LUS TRADA D A E SC RA VIOÁ O


dirigidas pelo patriarca da família. Governam tanto na paz como na guerra. Do ou- ofícios, desde a arte de sapateiro até a construção de embarcações. Todos, senhores

tro lado estão as pessoas comuns, sobre as quais Homero diz muito menos. Não são ou escravos, trabalhavam com as mãos. O que separava a elite do resto era a ques-

atores em seu palco, apenas figurantes. São eles os arrendatários e trabalhadores con- tão da necessidade. Se um homem não precisasse trabalhar, raramente ele o fazia.
tratados, os servos e escravos. O mundo de Homero explode em violência. Das muitas Odisseu sabia como realizar cada tarefa, mas praticava-as apenas por esporte.

guerras e ataques vêm os escravos, na maioria mulheres e crianças. ~ raro os guer- O mesmo acontecia com as mulheres. Também trabalhavam duro, percorrendo
reiros serem capturados vivos. A maior parte é m orta pelos heróis, e suas mulheres, longas distâncias para buscar água, assavam e preparavam a comida, e faziam rou-
capturadas. Os prisioneiros po upados geralmente são de linhagem real. Alguns são pas para rodos. A mulher aristocrata podia fazer tudo sozinha, mas passava a maior
vendidos, outros devolvidos mediante recompensa. O condenado Heitor sabe o que parte do tempo supervisionando os servos e escravos domésticos.
aguarda sua esposa, Andrômaca, quando ele for derrotado: "Você irá para Argos tecer Não era comum escravos se casarem entre si, pois havia muito poucos homens.
panos para os outros e tirar água do poço, o coração amargo, sob o fardo da dura Os filhos das escravas geralmente eram gerados pelo senhor, ou pelos descenden-
necessidade." Como parte do despojo na conquista de Lesbos, Agamênon leva sete tes de outros homens livres da família. Essas crianças não traziam a marca da es-
mulheres como escravas. cravidão no m undo de Homero. A cond ição de homem livre do pai tornava-as
As escravas não trabalhavam na lavoura. Faziam os serviços na casa do seu senhor. livres também.
Cuidavam da limpeza, fiavam, teciam, cozinhavam e serviam a refeição, preparavam O mundo de Odisseu era um mundo violento, e ninguém podia ter certeza de que
o banho e cuidavam dos quartos de dormir. Se fossem jovens e bonitas, iam para a não seria escravizado em algum momento. Se escapasse à captura no campo de ba-
cama d o senhor. Este foi o costume em toda a história grega. talha, corria o risco de ser vítima de piratas. Era difícil estabelecer a diferença entre
Com escravos e outros criados, os aristocratas formavam um sofisticado corpo de piratas e mercadores. Freqüentemente, eram os m esmos homens. Esses aventureiros
assistentes domésticos. Quantos escravos havia na G récia nesse tempo não se sabe. dos mares estavam sempre em atividade. Um dos guardadores de porcos de Odisseu,
Homero diz que Odisseu tinha cinqüenta escravas em seu palácio. Também dispu- Eumeus, nascido livre, foi raptado quando criança por mercadores fenícios e leiloado.
nha de trinta pastores em regime de servidão. Os marinheiros empregados em negócios legítimos costumavam obter um ganho ex-
A vida naqueles séculos era quase inteiramente pastoril e agrfco la. Se a família ti- tra privando os passageiros de sua liberdade. O próprio Odisseu conta como, por
vesse boas terras, poderia enriquecer. Boas colheitas e a posse de cabeças de gado d uas vezes, navegou até o Egito para "pilhar campos esplêndidos, raptar mulheres e
permitiam a compra dos escravos necessários. A guerra, a pirataria e o banditismo criancinhas e m atar os homens". Ataques casuais como esses, para pegar escravas, es-
também podiam trazer riqueza à família. O que esta não pudesse prover para si pró- tavam na ordem do dia. E ra um negócio comum e rentável, aceito por todos. U m
pria artesãos e comerciantes eram capazes de fazer ou providenciar. homem podia escravizar outros num dia, e no próximo ele mesmo ser escravizado.
As famílias homéricas eram auto-suficientes. Rico ou pobre, cada lar cuidava de A única proteção estava em sua capacidade pessoal de resistir.
suas próprias tarefas. Nenhum trabalho parecia degradante. O rei e o nobre podiam Poucos escravos permaneciam nas mãos de seus captores. Alguns eram mantidos
fazer qualquer tipo de serviço na propriedade. Odisseu gabava-se de sua força e ha- para uso pessoal, mas a maioria era rapidamente trocada por m ercadoria. Geralmen-
bilidade para arar, ceifar e colher. Sua mulher, Penélope, fiava e tecia. A princesa Nau- te o captor vend ia seus escravos não em sua região, mas em mercados no exterior,
sica lavava a roupa da família. Os homens também eram habilidosos nos diversos onde produtos mais exóticos e raros podiam ser adquirid os.

I -~ -~ I
~ HISTÓRIA IlUSTRADA DA ESCRAVIOAO ÜO I SS E U E S EU S E S CR A VOS ~
O valor do escravo como mercadoria variava com a qualidade do "produro" e a
condição do mercado. O valor aumentava se o escravo fosse um aristocrata, ou uma
bela mulher, ou uma pessoa com habilidades especiais. Uma escrava comum podia
ser trocada por quatro bois; se fosse muito bonita, por vi nte.
Escravos não eram apenas vendidos; também eram dados- às vezes como prêmio
num jogo ou como parre do dote de uma noiva; ou então como presente para um
hóspede, talvez oferecido por um amigo a outro, a fim de compensar uma desfeita
ou ofensa.
No sistema familiar do mundo de Homero, o patriarcado, o escravo era de certo
modo adotado pela fa mília. N uma economia tão pequena, a escravidão tornava-se
mais branda que nas grandes propriedades de outras sociedades. O quadro que
Ho mero descreve sobre a vida escrava não é lúgubre, embora os escravos vivessem
em condições bem inferiores às do senhor. Como parre de uma fa mília coesa, não
era considerado uma besta de carga. Seu proprietário podia, é claro, matá-lo, mas o
chefe da família também tinha poder de vida e morre sobre a esposa e os filhos. O
escravo era visto como um ser humano e estava incluído num sistema de trabalho
familiar, compartilhando o quanto houvesse de afeição por parte da família.

H!STORIA ILU S TRADA D A ES C RA V tOA O


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conhecimento sobre um mundo mais amplo, além de vínculos com novos povos,
teve lugar uma profunda mudança na vida dos gregos. Os patriarcados come- criava uma nova consciência. Logo os gregos estavam utilizando a palavra Héúu:le pa-
çaram a se fragmentar. De uma economia fam iliar auto-suficiente, os gregos ra as terras em que viviam, e helenos para distingui-los de todos os outros povos. Estes
assaram a participar plenamente da vida econômica do mundo do Mediterrâneo. eles chamavam de "bárbaros", cujo significado era aqueles que viviam fora da civili-
As ilhas e cidades ao longo do litoral da Ásia Menor deram início à mudança, esta- zação grega e que falavam uma língua estrangeira.
belecendo comércio com os povos das regiões mais interiores e do exterior. A expansão colonial estimulou o crescimento da manufatura e do comércio. As
O comércio exigia produtos confiáveis e adequados para troca, e isso forçou uma preferências eram modificadas por novos contatos e aumentavam a demanda por
revolução na agricultura. A aristocracia começou a produzir azeite e vinho para expor- produtos diferentes. Os artesãos especializaram-se, tendo em vista a expansão e a di-
tar, em vez de produtos alimentícios. Os governantes ficaram mais ricos, mas os cam- versificação dos mercados. A produção de artigos têxteis, cerâmica, armaduras e armas
poneses foram arruinados, expulsos da terra, que era seu único meio de sobrevivência. refletia a nova prosperidade. Cidades cada vez maiores exigiam mais edifícios e mo-
A população agora crescia mais rápido que a produção agrícola para sustentá-la. numentos, e também avanços na engenharia e na arquitetura. A construção de navios
Estados diminuíam de tamanho à medida que eram divididos en tre os sucessivos prosperou para atender às necessidades do comércio. Construíam-se aquedutos, ca-
herdei ros. Muita gente se via forçada a procurar o pão de cada dia em outra parte. vavam-se túneis, abriam-se minas e canais. As moedas de metal surgiram no século
Os sem-terra e sem-teto perambulavam pelos campos, e muitos deixaram a Grécia VII a.C., quando a sociedade ultrapassou o estágio da permuta. Nas cidades surgiam
para buscar novas terras e formar colônias onde poderiam recomeçar a vida. intermediários para cuidar da troca de mercadorias. M ascates viajavam pelas estra-
Entre 800 e 600 a.C. pequenos agrupamentos de gregos fixaram colônias ao lon- das em carroças, e navios cargueiros cruzavam os mares. C riavam-se rotas comerciais
go de toda a costa do Mediterrâneo e do mar Negro. Esses povoamentos agrícolas seguras, construíam-se portos protegidos e erguiam-se armazéns.
dividiram a terra entre as pessoas e lançaram as bases de novas cidades-estados. Cada Por volta do século VI a.C., o mundo grego era muito diferente daquele do tempo
uma delas era independente e gozava de todos os privilégios das cidades mais anti- de Homero. Sob pressões econômicas, o Estado também se transformara. O comércio
gas do Egeu. Mantinham-se os laços com a cidade-mãe, que geralmente ajudava precisava conhecer as leis, e pela primeira vez elas foram escritas para que todos os ho-
uma colônia em dificuldades. mens as lessem. O governo não era mais a vontade dos deuses verbalizada através de
Em alguns lugares, os colonos gregos, para ficarem com a terra, lutaram contra seus representantes aristocratas na terra; agora era uma atividade prática que estava nas
os nativos, expulsando-os ou reduzindo-os à escravidão. Em outras regiões, os colo- mãos de homens práticos. O dinheiro, e não a terra, era a nova base da riqueza. Novos
nos foram aceitos pacificamente e os dois povos se misturaram. As colônias asiáticas personagens, cujo dinheiro vinha da manufatura e do comércio, ascenderam ao poder.
foram as mais numerosas, mas a onda de colonizadores espalhou-se até o litoral nor- Em sua maior parte, os cargos públicos eram ocupados pelos ricos.
te do Egeu e também para o oeste, na Itália e na Sicília. Comerciantes gregos das ci- A cidade-estado era agora a típica unidade de governo no mundo grego. A anti-
dades-mães aproveitavam as novas oportunidades para comprar matéria-prima e ga unidade tribal dava lugar a um regime baseado na comunidade, fosse ela grande
vender produtos manufaturados. ou pequena. O que contava era o agrupamento de pessoas, não o pedaço de territó-
Agora os gregos viam a si próprios como uma nacionalidade. Idéias e deuses rio. A cidadania dependia da origem, não da residência. Nunca podia ser tomada,
eram compartilhados. O que um grupo aprendia passava para o outro. Um novo embora a comunidade pudesse concedê-la como um presente. A cidadela era o centro

I -- -- I
~ H ISTÓ R I A I LUSTRADA DA E SCRAVI CÃ O A EX P ANSÃO 00 MUN D O G RE GO ~
religioso, político e econômico da vida da comunidade. Nenhuma unidade política
maior era reconhecida pelos gregos. Dedicavam sua lealdade e serviço à cidade-esta-
do, que os governava e cuidava das relações com as outras cidades-estados.
É claro que havia d iscussões entre as facções da cidade-estado. Aristocratas, mer-
cadores, magistrados e generais lutavam pelo poder. Depois de chegar ao poder, al-
guns se autoproclamavam soberanos e eram chamados de "tiranos" pelo povo. Podiam
ser bons ou maus governantes, mas os gregos não gostavam de quem governasse pe-
la violência. O povo não reverenciava monarcas e estava sempre disposto a derrubar
reis. Na cidade-estado surgiu a idéia da democracia e da liberdade.
A escravidão, contudo, fizera parte da vida grega durante muitos séculos, e a crença
emergente na democracia e na liberdade não a questionou. À medida q ue se redu-
zia o sistema patriarcal, expandia-se a escravidão. As unidades familiares, agora me-
nores, não mais podiam suprir a mão-de-obra exigida por uma econom ia em expansão.
Para satisfazer suas crescentes necessidades, os gregos precisavam d e mais trabalho
escravo. Ago ra os escravos eram utilizados para produzir um excede nte de mercado-
rias que seriam vendidas. A manufatura doméstica de tecido, feita por mulheres, era
substituída por oficinas que fabricavam artigos têxteis em grande quantidade para o
m ercado. Aos poucos, a escravidão doméstica foi assim transformad a em escravidão
industrial. Logo muitas manufaturas seguiam o mesmo caminho.
À medida que os escravos cuidavam cada vez mais do trabalho, alguns homens
perdiam o respeito pelo labor. O orgulho que Odisseu tinha pelo trabalho aos pou-
cos desapareceu.
Para os gregos, a escravidão era necessária. Acreditavam que, sem ela, a sociedade
não podia seguir em frente. Os aristocratas preferiam dedicar seu tempo, energia e
inteligência aos negócios públicos, às artes, à recreação e à guerra. O trabalho forçado,
para outros homens, libertava-os do labor manual do período homérico, permitindo
a busca de interesses mais elevados.

H ISTÓR I A I LUSTRADA DA ESCRAVIOAO


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fonte tradicional, os prisioneiros de guerra. Nem sempre era necessário que os


próprios gregos entrassem em guerra. Freqüentemente, outros povos lutavam
e morriam. Os colonos gregos, por exemplo, avisavam que precisavam de mais mão-de-
obra para expandir o artesanato ou a fabricação do vinho, e as tribos nativas, guerrean-
do entre si, leiloavam seus prisioneiros. A guerra tribal tornou-se um "bom negócio".
Outra fonte de efetivos para o trabalho eram os camponeses que haviam perdido
suas terras. Sobrecarregados de d ívidas, incapazes de pagar arrendamentos ou em-
préstimos, hipotecavam a si próprios, a esposa ou os filhos. Mui tos desses pobres
eram vendidos como escravos em terras estrangeiras ou ficavam pa ra servir a senho-
res gregos. Essa prática tornou-se tão difundida que, em 594 a.C., Sólon, o estadista
600 a c Mu~eu do Louvre. Pam
e reformador ateniense, aboliu o direito dos homens na Ática de se venderem por Sold,ldos grego~ armados com lanças e escudos lutam corpo a corpo. .

dívida e libertou rodos aqueles escravizados por insolvência. de calamidades como nunca antes conhecera a Hélade num tal perlodo de tempo.
A grande guerra entre os gregos e os persas deu início ao século V a.C. Os exércitos Nunca tantas cidades foram conquistadas e despovoadas - algumas por bárbaros, o.utras
de cidadãos dos Estados gregos impediram os persas de conquistar e controlar o Egeu. pelos próprios helenos lutando entre si... Nunca o exílio e a carnificina foram mazs fre-
Nos anos que se seguiram à derrota dos invasores orientais, o gênio grego atingiu seu
qüentes, seja na guerra, seja em contenda civil.
auge e Atenas ascendeu à liderança das cidades-estados gregas. No governo de Péricles,
tornou-se o centro econômico e cultural do mundo grego. Sua arte, literatura e filoso- -r . deza que Atenas desfrutara du-
No final, triunfaram os espartanos. Iermmava a gran
fia alcançaram um esplendor raramente igualado no futuro, se é que o foi alguma vez.
rante várias gerações.
Por algum tempo pareceu que o mundo grego poderia chegar a alguma forma de A guerra, em si mesma uma fonte de escravos, por sua vez fazia crescer a de~~nda
unidade. Atenas unira as pequenas cidades-estados da Ática, Esparta obtivera o contro- pela mão-de-obra escrava. As lutas constantes criavam a necessidade por matenats ~de
le militar dos pequenos Estados do Peloponeso e os Estados da Ásia Menor também se erra, e assim as manufaturas artesanais tinham que se expandir. Mas a oferta de mao-
uniram. A vitória sobre os persas intensificara o sentimento de nacionalidade grega. Um gu .d d~ balh m nas oficinas eram recru-
de-obra diminuía à medida que os Ct a aos que tra ava , .
senso de unidade espiritual crescia entre os helenos, e havia esperança de que todos os talh Foi a ilha de Quio, próxima do litoral da Asta Menor,
tados para o campo d e ba a.
Estados da Hélade se pudessem juntar numa união federativa. que primeiro começou a comprar escravos dos bárbaros. Escravos eram ~om:~ado~ ~e
Mas o desejo feroz de independência absoluta e liberdade era muito antigo e muito . ~ F , . Cólquida Malta, Síria, Cária, Paflagôma, lima, Cma.
munas terras nao-gregas - ngta, ' .
forre. A rivalidade entre os dois maiores Estados era grande demais. Em 43 1 a.C. es- ·~ dt'am para o exterior os seus criminosos. Na Trácta, o povo
Algumas d essas reg10es ven
tourou o conflito entre Atenas e Esparta na G uerra do Peloponeso. Atenas, a potência t dos À medida que aumentava a demanda, os co-
vendia os filhos para serem expor a . .
marítima, lutou contra Esparta, a potência terrestre, pela hegemonia. A guerra durou merciantes seguiam para mais longe, recolhendo persas, egípcios e líblOs.
27 anos, "acompanhada", escreveu o historiador Tucídides,

I ~- Q UA N DO A GUER R A
S E TOR NA UM B OM N EGOCI O

~ H IS T OR I A I LUS T R AD A DA E SC RA VI DÃO
ILÍRICO
TRÁCIA
operar. Suas compras no exterior eram canalizadas para a Grécia, e se sobrassem escra-
vos não vendidos, o ex~edente era transportado para os mercados da Sicflia.
O mercado grego de escravos localizava-se na dgom, o centro comercial da cidade.
AJi os arautos anunciavam as próximas vendas. Esse aviso antecipado proporcionava a
chance de um terceiro apresentar o bjeção, se seus direitos a um determinado escravo
fossem afetados. A lei exigia q ue a doença não-revelada de um escravo, tal como a epi-
lepsia, rinha de ser divulgada antecipadamente pelo vended or. Recolhia-se um impos-
to estatal na venda de cada escravo.
N ão se sabe mu ito sobre o preço dos escravos naquela época. O registro de um lei-
lão de escravos no ano de 4 14 a.C. mostra que os preços variavam de 72 dracmas,
para uma criança, a 170, para uma mulher, chegando até 30 I dracmas para um ho-
mem , com muitos níveis intermediários. O baixo preço de uma criança devia-se ao
risco e despesa para criá-la até uma idade em que pudesse ser vendida com um lucro
adequad o. Escravos que trabalhavam em minas rendiam um preço médio, pois ape-
nas músculos sem habi lidade estavam sendo comprados. Mas um trabalhador espe-
cializado, como um artesão que fazia sofás, custava caro, e também uma escrava jovem
Mar de ereta
usada como prostituta. Escravos com extraordinária experiência na administração de
negócios obviamente eram bem mais caros.
Parece certo que a quantidade e a importância relativas da população escrava em Ate-
O Mundo Egeu nas e em outras cidades-estados gregas aumentaram no século V Exatamente quantos
na grécia antiga havia é objeto de especulação e controvérsias entre os especialistas. Um deles acredita
que na Árica os escravos chegavam a um terço da população total. Estudos recentes in-
Os prisioneiros de guerra ainda eram a maior fonte de escravos. Se não tivessem mais
dicam que, em 43 1 a.C., a Árica tinha cerca de 315.500 habitantes: 172 mil cidadãos,
fundos para pagar resgate, eram vendidos. Címon, um ateniense que comandou uma
esquadra contra os persas em 468 C 1 . 28.500 estrangeiros residentes, conhecidos como metecos, e 115 mil escravos. Arenas,
. a. ., co ocou 20 mtl prisioneiros no m ercado de es-
mais a cidade portuária de Pireu, continha aproximadamente 60 mil cidadãos, 25 mil
crav~s. C nanças rejeitadas pelos pais e deixadas para morrer eram recolhidas pelos co-
m etecos e 70 mil escravos. Foi o maior Estado escravista de sua época.
m erCiantes e vendidas como escravas.
O povo de Atenas abrang ia várias classes, típicas em toda a Grécia. A m ais ele-
O ~omércio de escravos tornou-se um grande negócio na G récia. Os m ercadores
negoCJavam com generais alm · · vada era a dos aristocratas, que viviam em propriedades no campo ou em casas elegan-
. ' trantes e ptratas para comprar-lhes o sortimento. Tam-
bém faztam negócios uns com d r tes na cidade. Os camponeses viviam nas planícies e nos vales, e vinham à cidade
os outros, e meando territórios nos quais poderiam
para fazer com ércio ou por necessidade polftica o u militar. O povo ganhava a vida

~ H1 ST 0AIA I LUS T RAD A D A E S C R ~- I


~
AVI OA O
QU A N DO A GUER R A SE TO RN A U M BO M NE GO C IO
de inúmeras maneiras. Eram trabalhadores, artesãos, comerciantes. O s me tecos,
que não tinham permissão para possuir terras ou obter a cidadania, exceto como
um privilégio especial, vinham para Atenas a fim de dedicar-se a várias ocupações
- comércio, finanças, manufaturas.
Não importa a classe ou renda- rodo cidadão participava da vida polftica de Atenas,
com exceção dos metecos e dos escravos. Os metecos estavam em Atenas por sua pró-
pria escolha. Poderiam compartilhar da cidadania somente se o Estado lhes concedesse
tal direito em troca de algum serviço especial. Os escravos nunca eram considerados ap-
tos para serem cidadãos e, portanto, não podiam participar da política. Isso era bastan-
te natural para os gregos antigos. O escravo era um indivíduo inferior, colocado fora da
esfera dos direitos democráticos.

Soldados greg os de infantaria com escudo e est andarte, séc. IV a.C. A fresco em Nápoles

HI STORIA I LUST R AD A DA ES C R AVIDÃO


''C · <'C' I ' '(01" !)'
7
l'A f\DICP""T\ J'll r
~ridge,, M.. l. Finley: "não havia nenhuma atividade, produtiva ou improdu-
u.4
marinha de guerra que venceu os persas na batalha de Salamina, libertou os jônios,
arrecadou tributo e protegeu, no mar Negro, os navios transportadores de grãos que

uva, publtca ou pnvada, agradável ou desagradável, que não fosse desem- alimentavam a crescente população de Arenas.

penhada por escravos em alguma época e em algum lugar do mundo grego." Alguns ad ministradores de minas tinham seus próprios escravos; outros prefe-

Uma das exceções era, obviamente, a política. Outra, a guerra, pois geralmente riam al ugar. Ficou registrado que o general Nícias, no século V, possuía mil escravos

não se permitia que os escravos lutassem, a menos que tivessem sido libertados. que ele arrendava para um administrador de mina trácio em Laurion, por um óbo-

Em roda parte, portanto, os gregos confiavam na mão-de-obra escrava - agricultu- lo por dia. O administrador alimentava-os e tinha que substituir as baixas. (Sabe-se

ra, comércio, manufatura, obras públicas, produção para a guerra. Isso não significa que outros atenienses ricos, como Hipônico e Filemônides, arrendaram 600 e 300

que os escravos fizessem todo o trabalho. Sempre havia homens livres que uabalhavam escravos, respectivamente.) Embora alguns atenienses pobres explorassem conces-
para si mesmos em sua terra ou em suas próprias oficinas e casas. sões de mineração com suas próprias mãos, a mão-de-obra escrava, fosse pertencente

A vida econômica na Grécia baseava-se na agriculrura. Em sua maioria, os gregos ao administrador ou alugada, mostrou-se tão mais barata para o trabalho contínuo

eram pequenos agricultores que dependiam do próprio trabalho e da cooperação da nas m inas q ue rapidamente substituiu o trabalho livre.

família. Na época da colheita, podiam contratar um ou dois trabalhadores ou pedir No mundo antigo, os governos não se preocupavam muito com a saúde dos tra-

ajuda aos vizinhos. Mas seu cultivo era em escala muito pequena e intensiva para balhadores, especialmente quando esses eram escravos ou criminosos enviados às pe-

permitir a utilização de muita mão-de-obra escrava. O culrivo do milho era sazonal. dreiras e minas. A tradição médica da antigüidade não mostra qualquer preocupa-

Sustentar escravos durante o ano todo apenas para alguns meses de trabalho seria tolice. ção com os terríveis efeitos dessas ocupações sobre mineiros ou metalúrgicos. Como

Cultivar azeitonas e uvas exigia um trabalho cuidadoso e habilidoso, que próprio dizia Aristóteles, os escravos eram "instrumentos humanos", dos quais se esperava
0

agricultor realizava com mais habilidade num pequeno pedaço de terra. um desempenho mecânico. Só nos tempos modernos é que os médicos perceberam

Era para os grandes proprietários rurais que os escravos trabalhavam. Essa elite que o trabalho executado por um homem é a mais importante influência ambiental
minoritária dominava a política e a vida cultural gregas. À medida que passavam as sobre sua saúde.

gerações, poucos contentavam-se em permanecer por mais tempo na terra. A maio- A mineração em Laurion era um trabalho difícil e perigoso; as condições, apavo-

ria tornava-se proprietários ausentes que viviam nas cidades. De Hesíodo, 0 poeta- rantes. As galerias subterrâneas eram cavadas apenas em sessenta metros quadrados, de

agricultor do século VIII a.C., a Xenofonte, o historiador e ensaísta, que escreveu um modo que os escravos tinham de rastejar, arrastando as algemas de ferro. Todos eles

manual para agricultores fidalgos por volta de 375 a.C., a escravidão é retratada co- traziam a marca do proprietário. Trabalhavam dez horas por dia, trocando a picareta
mo a forma básica de trabalho nas grandes propriedades. pela pá em turnos de duas horas. O índice de mortalidade era extremamente alto.

A manufatura concentrava o maior número de escravos, especialmente nas minas Como na agricultura de grande escala, as oficinas da Grécia tinham pouca utili-

e nas pedreiras. Numa época havia uns 30 mil escravos nas minas de prata e nos dade para a mão-de-obra livre. Os artesãos que podiam, compravam e treinavam es-

moinhos de beneficiamento. A descoberta de prata na vizinha Laurion, por volta de cravos como assistentes. (0 objetivo era aposentar-se um dia e viver da renda gerada

550 a.C., deu um enorme impulso à ascensão de Arenas. A cidade-estado era dona pelo trabalho de seus escravos. Sócrates, o grande filósofo grego, cita pessoas de seu

das minas e as arrendava a empreiteiros particulares. As ricas minas financiaram a conhecimento que tinham alcançado essa afluência - um fabricante de roupas, um

I ~~ ~- I
~ H tST0R t A I L U ST RAD A D A E SC RAVIDÃO D A PAN I F I CAÇÃO A CO NSTRU ÇÃO DO PAR T ENON ~
moleiro e um padeiro.) O serviço podia ser feito na oficina ou na casa do freguês. aias, moças flautistas. Havia aq ueles que alugavam seus próprios escravos e contra-
Fabricantes de sofás, por exemplo, trabalhavam na casa das pessoas. tavam outros quando precisavam. Em dias monótonos, quando um escravo de alu-
Marcas comerciais identificadas por arqueólogos mostram que havia pelo menos guel nada tinha a fazer, seu senhor mandava-o procurar trabalho na dgorn.
cem oficinas diferentes produzindo cerâmica grega nos séculos V e V1 a.C. Nas ofi- Mas isso era negócio em pequena escala. O grande comerciante queria contratos
cinas, os escravos eram treinados para desempenhar diversos serviços numa olaria. de longo praw para seus escravos e alugava turmas e mesmo regimentos inteiros de
Era um sistema de manufatura com trabalho especializado, mas numa escala peque- trabalhadores. Tratava-se de um sistema organizado de empréstimo de mão-de-obra
na, se comparado aos tempos modernos. comparável a um banqueiro emprestando dinheiro.
Uma pintura em vaso retrata sete pessoas numa olaria- o proprietário, quatro moi- Rendia uma boa taxa de juros.
dadores, um pintor e um fornalheiro. No começo, o próprio mestre oleiro pintava Utilizavam-se escravos em todo
os vasos, mas depois isso tornou-se um ofício especial. Algumas oficinas usavam vá- tipo de trabalho produtivo. Es-
rios pintores (que assinavam seu trabalho), enquanto outros pintores podiam prestar cravos artesãos trabalhavam ao
serviço a várias oficinas. lado de seus mestres artesãos
Por volta do século V, o mestre artesão que enriquecera não mais trabalhava ao no Partenon e no Erecteu, duas
lado de seus escravos. Era mais como Céfalos, um homem de negócios cujos 120 es- magníficas construções cujas
cravos artesãos produziam escudos para seu benefício. ruínas podem ser vistas hoje
Para os atenienses ricos, escravos eram um investimento como terra ou constru- na Acrópole de Atenas. Fa-
ção. Arrendavam escravos para empreiteiros de minas, manufaturas, para o Estado ziam os mais delicados enta-
ou para o comércio. O pai do orador Demóstenes deixou para ele uma equipe de 32 lhes em pedra, trabalhos em
escravos que faziam canivetes e espadas, e outros vinte que manufaturavam camas. madeira e pinturas decorati-
Um contemporâneo de Demóstenes, chamado Timarco, herdou uma dúzia de escra- vas. O pai do dramaturgo Só-
vos treinados para trabalhar com couro e tecer linho. fades usava escravos em sua
Uma frase que os gregos usavam para os trabalhadores escravos era "os que trazem pa- forja, e o pai do orador Isócrates
gamento". Esses escravos viviam separados de seus senhores, pois as casas típicas daque- utilizava-os para construir liras. Na
la época tinham espaço apenas para alguns escravos domésticos. Escravos não podiam cidade de Megara o trabalho de cos-
alugar a si próprios; o contrato tinha de ser feito pelo proprietário. Mas eles desfrutavam tura era feito inteiramente por escravos.
de um certo grau de liberdade, talvez para procurar o lugar de trabalho e viver onde qui- Também os escravos moíam grãos, assavam
sessem. O direito de "viver fora" obviamente era apreciado, pois dava ao escravo um cer- o pão, costuravam capas, preparavam drogas e
to grau de independência na vida diária e a liberdade para formar uma família. perfumes. Qualquer produto utilizado por
Alguns proprietários especializavam-se em alugar escravos para entretenimentos um grego tanto podia ter sido feito por es- Ânfora produzida nas cerâmicas gregas uti·
de luxo. Um homem rico que planejasse dar uma festa contratava cozinheiros, lacaios, cravos quanto por homens livres. lizan<Jo-se da mão-de-obra escrava. Séc. VI a.C.

68
H ISTÓ R IA IL US T RAD A DA E SC R AVIOA O D A PANIFICAÇÃO À CONSTRUÇÃO DO P AR T E N O N
Embora numerosos, os escravos nunca eram aglomerados em grandes fábricas,
como as que conhecemos desde o tempo da Revolução Industrial. As únicas ativida-
des que exigiam um grande número de trabalhadores eram o transporte e a mineração.
Assim, a escravidão em escala industrial na Grécia desenvolveu-se mui to limitada-
mente, pois a sociedade grega pouco sabia sobre máquinas e suas possibilidades.
Dispondo de um farto suprimento de mão-de-obra, não sentia a necessidade de suple-
mentar o trabalho escravo com maquinaria. Como disse o especialista G ustave
Glotz, "o escravo era uma ferramenta animada; um grupo de escravos era uma má-
quina de componentes humanos".
Num lar grego, todo homem livre que tivesse condições mantinha escravos. As ta-
refas domésticas costumavam ser feitas por escravas. Quando o senhor caminhava pe-
la cidade ou viajava para o exterior, um escravo o acompan hava. Cidadãos muito ri-
cos tinham até cinqüenta escravos em casa; no entanto, a média provavelmente era
três. A literatura grega refere-se com tanta freqüência a escravos domésticos que algu-
mas autoridades acreditam que mesmo aqueles homens livres sem muitas posses com-
pravam um escravo ou dois para exibir. Provavelmente endividavam-se, ou deixavam
de atender a outras necessidades, assim como fazem as pessoas hoje em dia para ter ar-
tigos de luxo que mal podem adquirir. O poeta grego Xenófanes, ao lhe perguntarem
quantos escravos possuía, respondeu: ·~penas dois, e mal posso alimentá-los." Os gre-
gos falavam das "necessidades da vida - gado e escravos" - tão naturalmente como fa-
lamos hoje de refrigeradores ou aparelhos de televisão. Os registros mostram que, ao
morrer, em meados do século IV a.C., o filósofo Platão deixou cinco escravos domés-
ticos em seu testamento. Seu discípulo Aristóteles deixou quatorze. Teofrasto, discípu-
lo de Aristóteles que se tornou um famoso escritor, tinha sete escravos. Um estudioso
da antiga Grécia, A.H.M. Jones, calcula que na segunda parte do século IV a.C. me-
tade da população escrava de Atenas, umas dez mil pessoas, trabalhava no serviço do-
méstico. A outra metade estava na manufatura e na agricultura.
O s serviços domésticos prestados pelos escravos eram tão variados quanto permi-
tissem a riqueza e as preferências do proprietário. Por exemplo, um cidadão grego
tinha sete escravos para tomar conta da família, composta de seis pessoas, e de

H IS TOR IA I LUST R AOA D A ES C R A VIOAO


dois amigos que viviam com ele. Escravos trabalhavam como criados pessoais, criadas, encarregado de uma mesa de câmbio no porto, mostrando-se tão capaz e confiável que

porteiros, acompanhantes de crianças e adultos, amas-de-leite, carregadores, cocheiros, os sócios finalmente o libertaram em agradecimento a seu fiel serviço.

cavalariças, mensageiros, secretários particulares, instrutores, enfermeiros, costureiras, Quando os sócios se aposentaram, Pasion passou a cuidar do banco. Ambos pros-

músicos. Eram também entalhadores, meninos de banho, copeiras. Um homem rico peraram. Com o aumento de capital, Pasion comprou navios e montou uma F.lbrica

tinha um mestre cozinheiro, secundado por padeiros, confeiteiros e ajudantes de co- de escudos. Deu muitos presentes para o Estado (cerra vez, mil escudos, e depois um

zinha. Alguns escravos eram enviados a escolas de serviços domésticos e culinária pa- navio conhecido como trirreme). Finalmente foi recompensado com a dádiva da ci-

ra um treinamento especial. Onde havia m uitos escravos, o trabalho era planejado e dadania. Como cidadão, Pasion agora podia investir em propriedades e aumentar

gerenciado por supervisores e mordomos (eles próprios escravos) . ai nda mais sua riqueza. Quando ficou muito velho para trabalhar, deixou o banco

No mundo dos negócios e do comércio, os escravos variavam de lacaios a respon- aos cuidados de seu gerente, Fórmio, um escravo que comprara anos atrás, treinara

sáveis executivos. Comercializavam pão, peixe, carne, vegetais, lã, corda, gergelim, e depois libertara. Depois que Pasion morreu, a viúva casou-se com Fórmio, manten-

incenso, mel. Eram médicos e professores, banqueiros e prostitutas. Está registrado do o banco em fa mília. Com o seu velho senhor, Fórmio tornou-se um dos ho mens

que uma mulher, de nome Nicarete, criou e treinou sete jovens escravas para traba- mais ricos do século IV em Arenas.
lharem num bordel e assim sustentá-la. Além do escravo doméstico, agrícola e industrial, todos de propriedade privada,

Em seus escritos, Xenofo nte ensinava seus prósperos leitores a escolher escravos havia outro tipo na Grécia - o escravo público.

confiáveis para cargos de responsabilidade. Para cuidar da casa, ele preferia O s governantes das cidades-estados compravam trabalhadores para executarem
serviços públicos. Isso era especialmente típico das cidades distantes do coração da

a mulher que parecer menos inclinada à gula, à bebida, a dormir e correr atrás dos Grécia. Os bárbaros que viviam nas proximidades eram uma fo nte barata e conve-

homens; também deve ter uma excelente memória e ser capaz de prever a punição que a niente de mão-de-obra escrava. Por exemplo, o departam ento de obras públicas em

negligência lhe custard ou de pensar em maneiras de agradar a seus senhores e merecer- Epidamnus (agora Durazzo na Albânia) era totalmente ocupado por escravos. O s
lhes os fovores. profissionais da Calcedônia (agora Kadikoy, Turquia), na entrada do estreito de
Bósforo, eram todos escravos públicos. Em Atenas, os policiais - por estranho que

Advertia contra os vadios, bêbados e perdulários ao se escolher um mordomo. As vir- possa parecer - eram 300 arqueiros citas. Andavam armados e tinham autoridade

tudes desejadas eram inteligência, energia, lealdade, experiência e autoridade. para prender homens livres. (É difícil imaginar escravos negros na América do Sul

Um certo escravo do século IV a.C. tinha essas qualidades em profusão. Seu no- armados e tendo autoridade sobre os brancos.) Os atenienses também usavam escravos

m e era Pasion. Foi comprado no m ercado de escravos de Atenas por dois banqueiros públicos como inspetores de pesos e m edidas, arautos, arquivistas, contadores, escri-

que precisavam de mais uma pessoa para trabalhar com eles. Para 0 bárbaro foi um bas, algozes. Escravos trabalhavam na casa da moeda e também varriam e faziam re-

lance de sorte. Poderia ter uma vida longa e m onótona, trabalhando numa fazenda, paros no calçamento das ruas.

ou curta e violenta, labutando numa mina. Os deuses permitiram que se juntasse à O Estado pagava a seus escravos públicos o suficiente para alimentá-los, além do

Companhia Bancária de Empréstimos Antístenes e Arquéstrato, localizada em Pireu, vestuário. Eles complementavam a renda com gorjetas, geralmente na forma de co-

um porto a oito quilômetros de Atenas. Ele chegou rapidamente a atendente-chefe, mida e vinho. O s escravos que se tornavam funcionários públicos podiam ter sua

-~
~ HISTORIA IL US TR AD A DA ESCRAVIOAO 0A PA N I F I C AÇA O À C ON ST R UÇÃO 00 PA RTENO N ~
I
própria casa e mobília, e também casar-se e criar filhos. Participavam de cerimônias
religiosas. Não podiam aparecer no tribunal, mas tinham direito a um defensor pa-
ra representá-los sempre que a ocasião exigisse.
O s escravos públicos tornavam-se funcionários habilidosos, nos quais o Estado
confiava para executar as tarefas diárias de governo. Funcionários eleitos tinham
mandatos curtos, mas o escravo público permanecia no serviço. Ele conhecia a tra-
dição e o protocolo; sabia o que funcionava e o que não funcionava. Tornou-se in-
dispensável para os seus superiores e, como um servidor público confiável, geral-
mente era bem-tratado.

HI ST0RtA ILUSTRADA DA ESCRAVIDÃO


Se as peças de Aristófanes constituem um quadro verdadeiro, embora exagerado por
ser comédia, os atrevidos e insolentes escravos domésticos eram tudo menos criaturas
\lU I RI\ 1 R \11\1 > \ \ :\I \lO lU 1\ DO\ 1 \( R \O\ n \fl '-..; acovardadas. É claro que nas minas os escravos sofriam bastante. Por outro lado, o pro-
do grego?
prietário de escravos habilidosos tentava proteger seu investimento. Os escravos do-
Aristóteles disse que a vida do escravo possui três elementos: trabalho, castigo
mésticos estavam sob a proteção das d ivindades da família. Se o senhor o tratasse com
e comida. A literatura grega forn ece evidências suficientes de que os escravos
brutalidade ou sadismo, ele podia apelar para os magistrados da cidade. Nas ruas, não
eram espancados e torturados. (Se a brutalidade resultasse em morre, porém, o agres- havia nenhuma distinção entre escravo e homem livre, seja no vestuário, seja em qual-
sor poderia ser processado.) Com o consen timento do senhor, o Estado podia to-
quer outro aspecto, uma regal ia com a qual não concordavam alguns gregos.
mar testemunho de qualquer escravo mediante tortura, que se acredi tava ser o Um aspecto muito importante da escravidão nos tempos antigos era a ausência
método mais seguro de se obter a verdade. O escravo podia ser punido fisicamente
de uma separação por cor. Embora a maioria dos escravos fosse estrangeira, não havia
por pequenos crimes, mas não o homem livre. (Cinqüenta golpes era a penali-
nenhuma raça ou casta de escravos. O s escravos vinham de povos e raças que viviam
dade comum em Arenas.) O senhor podia punir seu próprio escravo, mas não o
fora do mundo grego.
dos outros.
Como as pessoas escravizadas eram na maior parte estrangeiras, alguns gregos as-
Durante roda a história dessa instituição, 0 açoite tem sido sempre um dos meios
sociavam a escravidão aos bárbaros, como se nascer não-grego tornasse a pessoa "es-
0
de forçar escravo a fazer o trabalho designado. O outro meio é através de incenti-
crava por natureza", para usar as palavras de Aristóteles. Seu mestre Piarão sustentava a
vos. O escravo grego que trabalhasse bem e fosse confiável poderia ter esperanças de
mesma opinião, mas essa atitude racista nunca vingou entre os gregos. O simples fa-
t~rnar-se um capataz ou gerente. Nas cidades, especialmente, um escravo alugado ro era que a escravidão tornara-se uma prática universal. Tantos escravos tinham sido
tmha a chance de adquirir uma cerra independência. Pagando um aluguel a seu proprie-
apanhados em guerras, pirataria, raptos, naufrágios, que falar em "escravidão natural"
tário, ele podia poupar ganhos acima dessa quantia e assim comprar sua liberdade.
era em si mesmo ridículo. A servidão, portanto, não estava identificada com a cor.
O maior dos incentivos era a alforria - isto é, a libertação formal da servidão por
Acreditava-se que a escravidão se baseava na superioridade da força.
parte de um senhor. Isso dava ao escravo um futuro, e parece ter sido uma prática
Em toda a antigüidade, o direito de libertar o escravo pertencia ao senhor. Por volta
comum em toda a Grécia.
do século V a.C., havia dois métodos básicos. O Estado alforriava os escravos em mas-
Um escritor ateniense disse sobre sua cidade:
se e os senhores faziam-no individualmente ou em grupo. O primeiro método geral-
mente era executado por um tirano para fortalecer seu poder, com o apoio de um gran-
Seus escravos gozam de considerável liberdade. Não podem ser agredidos. Não te dão
de número de escravos libertos, ou para ganhar apoio militar em momentos de grande
passagem nas ruas. Se, porém, parece estranho que lhes permitamos viver confortavelmen-
perigo para o Estado. Embora o proprietário não fosse obrigado a alforriar seu escra-
te, há, no entanto, uma boa razão. É que para uma potência marítima, considerações eco-
vo, o costume geralmente o impelia a aceitar o preço da liberdade quando lhe fosse
nômicas tornam essencial a indulgência com os escravos. Pois, se um escravo tem medo de
oferecido. Os senhores também libertavam seus escravos nos testamentos, ou durante
ti (como tinha em Esparta), vê como ele ficará violento. Em vez disso, é-nos vantajoso tra-
a vida mesmo proclamavam sua liberdade. A alforria era um ato solene, executado
tá-lo mais ou menos como um dos nossos. ·
dentro ou diante um templo, com testemunhas presentes para certificá-la.

G_ HI STO RIA I L USTRADA DA E SCRAVIOAO

T RA8AlHO, CAST I GO E CO M I DA
Outra distinção entre os hiloras e os escravos do mundo grego estava no fato de
Os escravos podiam até ganhar a liberdade antes de elevarem o preço de compra. que aqueles pertenciam rodos ao Estado, que os designava a um senhor. Cada espar-
No mundo clássico, havia um tipo de clube na Grécia que emprestava dinheiro pa- tano tinha uma ou mais famílias de hilotas para trabalhar a terra que o Estado lhe
ra os escravos comprarem sua liberdade. Se a dívida não fosse paga, a alforria podia dera. E ele de modo algum podia alterar a condição delas. Todos os hilotas pagavam
ser anulada mediante um processo legal. mesmo aluguel fiXo anual ao seu senhor na forma de uma parcela da produção.
0
~ escravo liberto desfrutava de quarro elementos de liberdade, definidos pelos Podiam guardar tudo o que produzissem além da quantidade que tinham de en-
anttgos, que 0 diferenciavam dos escravizados. Agora ele era seu próprio senhor, es- tregar aos espartanos. Os hilotas não tinham apenas que cultivar os campos; eram
tava protegido contra captura, tinha liberdade de ação e de movimento. A essência de forçados a seguir o exército como servos. Excediam em número seus senhores em
sua liberdade era a capacidade de fazer o que ele quisesse. ampla margem, situação que não ocorria em nenhum outro Estado grego.
Na Grécia antiga havia ainda outra classe de homens dep en d entes, como os es- Não admira que os sonhos dos espartanos fossem geralmente perturbados pelo es-
cravos, mas diferentes destes. Eram os hilotas do Estado de Esparta, localizado na pectro da revolta. Pois os escravos da mesma nacionalidade, vivendo em sua própria
pe~ínsula que hoje forma a parte sul do continente grego. Invasores dórios, que con- terra, podiam unir-se e tramar com menos dificuldade do que os escravos de outros
qu tstaram a Lacônia por volta de 1200 a · C ., fundaram Esparta. 0 s espartanos so- Estados, dispersos e de origem diversa. Por isso, os hilotas eram vigiados o tempo to-
brepujaram seus vizinhos e estabeleceram 0 domínio político em toda a Messênia, do por seus senhores. Periodicamente, aqueles que mais se destacavam eram mortos,
escraviza~do seu povo. Entre as primeiras cidades conquistadas havia um lugar cha- como uma maneira de eliminar lideranças antes que pudessem organizar uma revolta.
~ad~ H.Jos. Por fim, a palavra hilota passou a significar qualquer escravo espartano, Em meados do século VII a.C., os hilotas messênios revoltaram-se. Os espartanos le-
nao tmportando a descendência ou o lugar de o rigem. varam dezessete anos para esmagar a insurreição. A partir dessa longa guerra desenvol-
~ modo como os espartanos tratavam o povo que escravizavam era diferente da veu-se um sistem a espartano ainda mais rígido e cruel. Sob o tacáo desse poder brutal,
pranca usual na antigüida d e. N-ao Iet·1 oavam os prisio neiros em praça pública. Em jamais teve êxito uma revolta hilota. Houve uma, porém, ocorrida em 464 a.C., e que
vez disso, mantinham-nos sob regime de servidão em s uas pró pnas
· terras. Isso po- se tornou tão ameaçadora que Esparta precisou apelar para a aj uda de Atenas. Levou
de ser comparado a m anter brasas ardendo constantemente sob a própria casa. Mas quase cinco anos para dominá-la. Somente quando Tebas destruiu o poder espartano,
se h avia uma potência capaz de ser bem-sucedida nessa prática perigosa, era Esparta, em 371 a.C., é que os hilotas messênios finalmente ganharam a liberdade.
u~ verd~deiro acampamento armado. Seus cidadãos eram todos soldados profissio- Um outro jeito de rebelar-se contra a escravidão era fugindo. O m aterial sobre es-
nais, tremados desde a infância para serem guerreiros habilidosos e obedientes. cravos fugitivos é apenas fragmentário, mas suficiente para os estudiosos acreditarem
Viviam uma vida de casem a, d tvo
· rcta
· d os d e qualquer outro Interesse
· ou atividade que foi um problema crônico para os senhores gregos. Especialmente os escravos es-
que não fosse a guerra. pecializados (e eles eram os m ais bem- tratados) costumavam fugir das cidades. Evi-
O exército profissional espartano- o único numa época em que os outros Estados dência da disposição dos escravos para a fuga é encontrada nos escritos de Tuddides
confiav~m em milícias de cidadãos ou em m ercenários - elevou Esp arta à primeira (c. 47 1-400 a.C.). Segundo ele, uns 20 mil escravos fugiram de Atenas na última dé-
categona das potências terrestres. Aliada a outros Estados , aJ·udou a derrotar os per- cada da G uerra do Peloponeso para se juntarem aos espartanos na ocupação de Dece-
sas. Mais tarde derrotou Atenas na Guerra do Peloponeso (431-404 a. C .). A parttr
· léia, uma cidade da Ática. Os espartanos encorajaram os escravos do inimigo para que
daí, no entanto, o poder da fechada sociedade de Esparta foi dim mum
· · d o aos poucos.
-~ I
~
~
TRAB ALHO, CAS T IGO E COM I DA

H I STÓ RIA ILU STRADA DA E SC RAVI DÃO


fugissem, prometendo-lhes a liberdade. Mas
suspeita-se de que os espartanos tenham
vendido muitos dos fugitivos em Tebas.
Apesar da praxe universal da servidão,
de acordo com Finley "a história grega es-
teve espantosamente livre de revoltas de
escravos". Outro estudioso que concorda
com essa visão, William Westermann, sus-
tenta que a razão estava na fluidez do status
de um homem. Podia-se passar tão facilmen-
te da escravidão para a liberdade quanto da li-
berdade para a escravidão. " Por que deveria um
escravo revoltar-se, se com isso ele meramen-
te ganharia aquilo que tão facilmente
poderia obter pelo simples processo de
tomar dinheiro emprestado para sua
emancipação e depois restituí-lo?"
Tucidides. Museus do Vaticano, Roma
O s registros não mostram nenhuma
relevante revolta de escravos na Grécia entre 500 e 320 a.C. Alguns tomam isso co-
mo indicação de como os escravos foram tratados com tolerância nesse período.
Exceto pelas insurreições dos hilotas, não ocorreu nenhuma revolta de escravos nas
terras do Mediterrâneo oriental até a segunda metade do século 11 a.C, quando do-
minavam os romanos.

H ISTÓRI A I LUST RADA DA E SCRAVIOÁO


sustentava que a escravidão era boa ranro para o escravo quanto para o senho r. Era me-
~o o~ ~obre? Apar~~te~1ente, cer:~ p~nto.
A só até Como foi dito antes, a
escravidão era um fato da vida que os gregos viam como natural. Nin-
guém escapava a algum contato com a escravidão, e nenhum grego questionava se-
lhor para o escravo ser governado pela razão de o utrem d o que não ser governado por
razão alguma. Entregue aos seus próprios recursos, o escravo não conseguiria governar
a si pró prio; seria governado pelos seus desejos. A ausência da razão devia-se à natural
riamente a necessidade dessa prática. Mas o que surpreende é que tão poucos dos inferioridade do escravo. O senhor nascia com uma capacidade m ental e mo rai melhor
grandes pensadores e poetas da Grécia considerassem sua abolição. É claro que eles do que a d o escravo. G uiado por sua bússola inata, o senhor estava fazendo o bem
não pensavam em direitos humanos no sentido em que os filósofos iriam conceber quando compelia a força irracional do escravo a executar um trabalho útil. A função do
uns dois mil anos depois. O s únicos direitos que reconheciam eram os dos cidadãos escravo era puramente física, sendo ele uma ferramenta dirigida e utilizada pelo se-
da cidade-estado. E o escravo nunca era cidadão. Portanto, não havia nada de mo- nhor. Com alma de escravo, o indivíduo inferior servia apenas para ser escravo. Ao ser
ralmente errado em destituí-los de sua liberdade. transformado num escravo, continuava o argumento, isso constituía uma bênção e um
Certamente havia muita discussão em torno da escravidão. Isso pode ser verificado benefício para si próprio. Pois assim estava cumprindo sua verdadeira função. Seus in-
nos escritos dos filósofos, poetas, dramaturgos e historiadores gregos. Platão, nascido em teresses e os de seu senhor eram idênticos. Não era apenas um privilégio, mas um de-
427 a.C., sustentava a crença, comum em seu tempo, de que os gregos não deviam ser ver dos gregos escravizar esses bárbaros.
escravizados por gregos. Mas em seu livro A República, por exemplo, ele não chegou à Ao apresentar sua argumentação, Aristóteles indicava que outros homens na so-
conclusão de que toda a escravidão era injusta. Escravizar os estrangeiros, ele via como ciedade grega começavam a pensar diferente. "Outros afirmam que o domínio do
algo natural. Não tinha a intenção de manter a escravidão fora de sua República ideal. senhor sobre os escravos é contrário à natureza", disse ele, "e que a distinção entre
Pelo contrário, queria aumentar o poder do senhor e ampliar a distância entre escravos escravos e homens livres existe apenas na lei, e não na natureza, e por ser uma inter-
e homens livres. Achava que a escravidão devia ser restrita aos bárbaros, com a condição ferência na natureza, portanto é injusta."
de ser herdada dos pais de ambos os sexos. Não permitiria que um escravo liberto jamais Mesmo Aristóteles sentia-se incomodado por algumas observações que nenhum
se tornasse um cidadão, e as normas para governar escravos seriam bem severas. A idéia grego dotado de sensibilidade poderia deixar de fazer. Homens que por natureza
que Platão tinha da escravidão vinha da crença, antes mencionada, de que os bárbaros eram livres e virtuosos - gregos, é claro - também tornavam-se escravos, vítimas da
eram inferiores. Supostamente, eles eram de uma natureza escrava, submissa ao governo pobreza, da guerra ou da pirataria. Certamente, esses escravos, mantidos pela força,
de tiranos e déspotas. Gregos, por outro lado, desejavam ardentemente a liberdade e o não tinham qualquer identidade de interesses com seu senhor. A autoridade de um
autogoverno, portanto não podiam ser escravos. Escravos nasciam sem a capacidade de tal senhor seria diferente da de um tirano? Era difícil, portanto, distinguir um escra-
raciocinar (mas o mesmo acontecia com muitos homens livres, admitia Platão). vo "natural" de um homem livre "natural" . A natureza não tinha nenhuma estampa
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, foi quem escreveu os mais famosos perfeita para moldar dois tipos facilmente discerníveis de homens, um inequivoca-
tratados antigos sobre a escravidão. Em sua Política, argumentou contra aqueles que di- mente escravo, o outro inequivocamente senhor.
ziam ser a escravidão contrária à natureza. "Desde a hora em que nascem, alguns estão As peças tanto de Ésquilo quanto de Sófocles ilustram o popular desprezo pelos
marcados para a submissão, outros para o comando", disse ele. Seus principais argu- escravos, pois o papel que desempenham é visto com indiferença. A escravidão é
mentos estavam de acordo com a defesa que Platão fazia da escravidão. Aristóteles considerada uma desgraça pessoal, não um mal social. Outro dramaturgo grego,

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H IST OR IA I L US TR A DA DA E SC RA VI OA O A N ATU R EZA NAO E S C R AV I ZA N I N GU~M ~
Eurípides, discordava da visão conservadora de seus colegas e sentia piedade pelo es-
cravo, vítima da injustiça humana:

A simples denominação é vergonhosa para o escravo/ Em todas as outras coisas um ho-


mem honesto escraviZtldol Não se encontra abaixo da natureZil daquele que é livre.

Para o ilustrado Eurípides, a escravidão não se baseava na natureza; ele questio-


nava as crenças tradicionais. Escrevendo antes de Platão e Aristóteles, rejeitava o falso
raciocínio por eles utilizado. O mesmo fizeram outros pensado res gregos, incluin-
do os epicuristas, os cínicos e os estóicos. Também eles opunham-se à idéia de que
a escravidão é uma lei da natureza. O s estóicos (membros de uma escola de filo-
sofia fundada por volta de 300 a.C.) acreditavam na fraternidade da raça humana.
Era uma teoria destinada a rejeitar a instituição da escravidão. O sofista Alcidamas
(c. 361 a.C.) pregava que "Deus nos criou a todos livres; a natureza não escraviza
ninguém". E Filemon, poeta cômico do século IV a.C., disse: "Embora um indiví-
duo possa ser escravo, ele não é menos do que tu, senhor; ele é feito da mesma carne.
Ninguém é escravo por natureza; o destino é que escraviza o corpo."
Não há nenhum paralelo na história para as realizações da civilização grega na
Atenas do século V a.C. Em três gerações, essa única cidade produziu grandes esta-
distas, poetas, escultores, historiadores, mestres. Foi um século brilhante, com uma
riqueza de realizações inacreditável. A liberdade do indivíduo atingiu sua mais alta
expressão nas cidades-estados. Aqui foram criados os primeiros governos populares,
em que os cidadãos comuns praticavam a democracia direta.
A extensão da democracia grega precisa, no entanto, ser definida. Era uma demo-
cracia da minoria. Não permitia à mulher nenhum espaço na vida pública e tornava
a cidadania hereditária, impedindo assim os estrangeiros de adquiri-la. E, acima de
tudo, era uma sociedade que se apoiava sobre os ombros de um grande número
de escravos sem qualquer direito.

H I S T ÓRIA ILU S TRADA D A E SC RAVI D ÃO


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r \ ()( I f Rf."l A I)A ( \ \f I familiar, dada por nascimento ou adoção, só podia ser anulada pelo pai. Incluídos
no Oriente, uma nova potência surgia no Ocidente. Com base na penín- na família romana estavam o pai e a mãe, filhos e esposas dos filhos, filhas solteiras,
sula Itálica, concentrava-se no mar Mediterrâneo. Cerca de quatro vezes netos, e assim por diante, além de rodos os dependentes e escravos. O pai controla-
maior que a Grécia, a Itália gozava de um clima am eno e de um solo onde se podiam va a propriedade da famflia e as ações de seus membros, uma autoridade mais tarde
cultivar verduras e legumes, grãos, azeitona, uva e outros tipos de fruta. Dois terços embutida no direito romano.
da península eram montanhosos, mas os declives mais baixos ofereciam excelentes Os líderes das famflias tornaram-se o poder político de onde o rei escolhia seu
terras de pastagem. Seus muitos rios banhavam vales férteis e o mar circundante pro- Senado. Desenvolveu-se uma nobreza dos patrícios, baseada na posse da terra e se-
porcionava trabalho para pescadores e um meio barato de transporte. parada do resto do povo, que então era chamado de plebeu. Da plebe vinham os
Os primeiros colonizadores da Itália parecem ter chegado por volta de 3000 a.C., pequenos agricultores e negociantes, os artesãos e comerciantes. Formavam a clas-
alguns vindos do Norte da África, outros da Espanha, Gália, vale do Danúbio e do se média romana.
outro lado do Adriático. Indo-europeus entraram em várias levas no segundo milê- Em torno da grande família indivisa, ou gens, agrupavam-se os dependentes ou
nio antes de Cristo. Os primeiros registros escritos deixam claro que um grande nú- retenrores. O chefe da famflia tornava-se seu patrono numa relação hereditária. O
mero de tribos ocupou a Itália por volta do século V a.C. Eram uma combinação patrono cuidava de seus interesses e ajudava a sustentá-los. Em troca, os dependentes
dos primeiros e dos mais recentes colonizadores. Esses povos itálicos falavam diale- ou clientes, como eram chamados, serviam ao patrono, atendiam às suas necessida-
tos de uma língua comum. Mas no extremo sul e no lado oriental da Sicília, havia des e apoiavam-no politicamente. Um grande número de clientes ficava ligado ao
colônias gregas que mantiveram a língua natal durante séculos. longo dos anos às principais famílias de patrícios.
Em torno do século IX a.C., um povo do mediterrâneo oriental conquistou boa Embora a época e as circunstâncias estejam envolvidas em lenda, após um século
parte da Itália central, estabelecendo cidades-estados. Chamados de etruscos, alcan- de domínio etrusco, os patrícios romanos revoltaram-se e derrubaram a monarquia.
çaram o auge de seu poder no século VI a.C. Depois foram sobrepujados pelos povos Com a volta da paz, criou-se um novo governo chefiado por dois generais chama-
que haviam dominado, entre eles os latinos, que viviam nas colinas e planícies ao sul dos cônsules, que substituíram o rei como principal funcionário do governo, ou ma-
do rio Tibre. gistrado. Eram eleitos anualmente pelo povo, mas só podiam vir da nobreza. Tinham
Roma era uma das muitas cidades na planície latina que os etruscos tinham conquis- um poder monárquico, mas limitado pela divisão entre dois homens, cada um com
tado. A cidade, fundada por volta de 1000 a.C., possuía uma localização privilegiada às o direito de vetar a ação do outro. Em tempos de crise, os cônsules podiam escolher
margens do Tibre, no melhor ponto de passagem. Os etruscos a conquistaram em tor- um ditador para governar por um período de seis meses.
no de 575 a.C., uniram as pequenas vilas das colinas de Roma e dela fizeram a próspe- O Senado, composto de 300 patrícios vitalícios, escolhidos pelos cônsules, tor-
ra capital de seu reino. Criaram para a nova cidade um mercado e um centro cívico, nou-se o verdadeiro poder controlador no governo. Havia também uma assembléia
construíram edifícios públicos e introduziram novos e melhores métodos agrícolas e de que representava os plebeus, que continuavam lutando por participação maior no
trabalho. A população da cidade chegou a cerca de 100 mil habitantes. governo, até onde lhes permitisse a capacidade. A assembléia elegia os cônsules e en-
Sob o domínio etrusco, as velhas tribos e clãs deram lugar à família como unida- caminhava medidas propostas por eles. Mas era o Senado que, no final das contas,
de social básica. Cada família tinha seus próprios deuses. A admissão ao núcleo decidia sobre a aprovação das leis.

~ H !S T ORIA I LUS TR ADA DA E SCRA VI DÃO A A SCENS A O DE


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R O MA~
I
Por muiras gerações após a derrota dos erruscos, os romanos rechaçaram invaso-
res, formaram alianças com vizi nhos e finalmenre rornaram-se a maior potência na
Irália. Aré 272 a.C., Roma havia adicionado as cidades gregas à confederação romana,
e dom inava roda a lrália ao sul do rio Pó. As cidades e rerrirórios conquistados fo-
ram incorporados ao Esrado romano, obtendo diversos graus de auronomia local e
direitos de cidadania. Todos tinham de enviar soldados para o exército romano, cu-
jo treinamenro era rígido e a d isciplina, absoluta.
A economia de Roma apoiava-se na agricul tura. Comércio e ma nufatura eram
importantes, é claro, mas secundários. À medida que a cidade crescia, a atividade
manufaturei ra desenvolvia-se para satisfazer suas necessidades. O comércio expan-
dia-se por toda a península, a cunhagem do denarius de prata regulando as trocas.
Mas a agricultura vinha em primeiro lugar. Os romanos mais pobres recebiam ter-
ras conquistadas nas guerras e do mesmo modo a classe dominante aumenrava suas
propriedades.
Consolidado o controle da península itálica e seus povos fo rmando uma confedera-
ção política e militar, Roma lançou vistas para o outro lado do mundo Mediterrâneo.
Em 264 a.C., Roma deu início às Guerras Púnicas contra Cartago. Quando co-
meçou a primeira das rrês guerras, Cartago era uma grande potência que dominava
o noroeste da África e o comércio da porção ocidental do mar Mediterrâneo. Em
não menos que 150 anos, Roma dominava quase rodas as terras às margens do Me-
diterrâneo e Cartago não existia mais.
Foi durante as guerras de conquista que a escravidão se tornou uma poderosa for-
ça na vida romana.

A ASCENSÃO DE R OMA
n . r A • • • •• , \ r \ () I ( () 111 • ' ., \ ll I A I 1\ \

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mente pobre. As Guerras P~nicas tornar~m-na rica_" Q~ase da noite.para
dia, ela tornou-se o coraçao do comérc1o no Mednerraneo. Do Onente
e do Ocidente, o comércio fluía para engordar o bolso de seus mercadores e ban-
queiros. E de grande importância entre as mercadorias era o escravo humano, que
chegava ao mercado em enorme quantidade.
Os cartagineses também usavam muitos escravos na agricultura e participavam de
seu comércio no Ocidente. Infelizmente, há pouca informação sobre os etruscos. Os
camponeses, em suas grandes fazendas, parecem ter sido livres ou semilivres. Mas os
nobres etruscos utilizavam escravos para tarefas domésticas. Os primeiros romanos
levavam escravos para a guerra e esperavam tornar-se escravos eles mesmos, se fos-
sem capturados. Esses primeiros escravos romanos eram principalmente domésticos
e faziam parte da família patriarcal. Mas eram poucos. A escravidão de devedores foi
reconhecida na primeira legislação escrita de Roma, a Lei das Doze Tábuas. Como
na Grécia, a escravidão por dívida mais tarde foi proibida.
A escravidão em grande escala através da guerra provavelmente começou, no Oci-
dente, quando Dionísio I subiu ao poder na Sicília. Dionísio, que se tornou tirano de
Siracusa em 405 a.C., dominou a Hélade ocidental e travou várias guerras com Car-
tago. Sua política era levar a população de cidades inteiras e vender os prisioneiros
como escravos ou exigir imensos resgates. Assim ele fazia o inimigo pagar pelas suas
guerras. Era uma idéia nova, e que rodos os generais tiveram o prazer de adotar.
O padrão básico da escravidão ocidental formou-se no século IV a.C. O número
de escravos adquiridos na guerra cresceu bastante, muitos deles utilizados na agri-
cultura e no pastoreio. O confisco do butim na forma de prisioneiros foi planejado
para trazer um ganho imediato em dinheiro.
No período de sessenta anos, que foi a duração das duas primeiras Guerras Pú-
nicas, o mundo ocidental assistiu a um recrudescimento da escravidão. À medida
que Roma se expandia, tanto o uso de escravos quanto as condições de sua labuta
mudaram sensivelmente. Um olhar sobre as cifras envolvidas é bem revelador: o ge-
neral romano Paulo Emílio (c. 229-160 a.C.) vendeu 150 mil epirotas levados de

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L_ H ISTÓRIA I LUSTRADA DA E SC RAVIDÃO
setenta cidades do noroeste da Grécia. Cipião vendeu 50 mil cartagineses; em Pa- c · 1 s a seus soldados como despojo de guerra, cobrar resgate das famílias ou
transren- o
normus (agora Palermo, na Sicília), em 254 a.C., 14 mil p risioneiros foram confis- oferecê-los em leilão público.
cados para fins de resgate, e 13 mil, vendidos; Mário, o general que lutou contra os ger- O dinheiro arrecadado com a venda dos prisioneiros geralmente era entregue pe-
manos, tomou como prisioneiros 90 mil teutos e 60 mil cimbros em I02- 1OI a. C. Sob lo comandante ao tesouro do Esrado. Mas, se quisesse, podia utilizá-lo para financiar
o comando de Lúcio Múmio, os romanos entraram na G récia e derrotaram facil- um projeto público na cidade ou no distrito conquistado, se julgasse que isso seri.a
mente seus soldados. Múmio incendiou Corinto, massacrou os homens e vendeu as um esto político útil. Por motivos semelhantes, os generais às vezes soltavam os pn-
mulheres e crianças como escravos. Júlio César (I 02-44 a.C.) registrou ter vendido sion: iros. Júlio César, por exemplo, certa vez devolveu 20 mil prisioneiros às tribos
53 mil cativos ao conquistar uma cidade na Gália. Ao todo, ele disse rer capturado aedui e arveni , na esperança de obter-lhes a fidelidade e dividir as forças gaulesas.
500 mil gaulese~ em seus nove anos naquele país. No reinado de Augusto (27 a.C.- Prisioneiros de guerra em número tão grande, porém , criavam problemas. Gene-
14 d.C.), a guerra continuou a empurrar um grande número de prisioneiros para o rais em marcha podiam ficar tão sobrecarregados que a máquina de guerra emper-
mercado de escravos. Foram vendidos os cinco mil guerreiros salassi, uma tribo dos rava. Assim, os comerciantes de escravos aco mpanhavam o exército, prontos para
Alpes; os bessii, uma tribo trácia, foram escravizados. Na guerra de Roma contra os ju- . h · ·vo e levar embora a pilhagem. Os prisioneiros eram leiloados
pagar com d m e1ro v1
deus, um roral de 97 mil pessoas foram vendidas como escravas. e exército livrava-se dessa carga. O campo de batalha era o lugar para os comer-
0
As mesmas guerras que enchiam o mercado de escravos em Roma de prisioneiros ciantes de escravos fazerem bons negócios, pois mercadoria em massa sob tais con-
custavam caro aos romanos em termos de força de combate. Na baralha de Aráusio, dições provavelmente era vendida barato.
em 105 a. C., conta-se que os romanos perderam 80 mil soldados. Muitos cidadãos Depois disso, 0 mercador de escravos levava suas aquisições por terra ou por mar
de Roma e seus aliados italianos foram capturados nas G uerras Púnicas e vendidos ssem ser vendidos. Algumas grandes cidades tinham lo-
para um mercad o Onde Pude
como escravos. Na Espanha, o general carraginês Aníbal (247-183 a.C.) deu a seus jas de escravos. No tempo de Nero, estavam localizadas no Fórum romano, perto do
soldados os prisioneiros capturados em Sagunro, uma cidade aliada de Roma. No fi- templo de Castor. Mas era muito mais comum os principais mercados de escravos se-
nal da guerra com Aníbal, o tratado de paz providenciava o retorno dos romanos es- rem negócios temporários que ocorriam em dias marcados. Compradores e vendedo-
cravizados no norte da África. res encontravam-se para examinar a grande leva ali reunida. O s mercados situavam-
Ano após ano, prosseguiam as guerras, guerras de conquista no exterior e guer- se em cidades como Éfeso, Bizâncio e Quios. C idades menores tinham venda de es-
ras civis domésticas . A perda de efetivos era substituída pelo fluxo constante de ··e·nc·1a talvez duas vezes por ano em certos festivais. Havia
cravos com menos frequ ,
escravos trazidos em grande quantidade, graças à captura e venda de prisioneiros também mascares que procuravam fregueses perambulando de cidade em cidade e le-
de guerra. Esta foi a principal fonte da escravidão n os últimos 300 anos da vando consigo seus sortimentos de homens, mulheres e crianças acorrenrados.
República Romana. 0 método de venda mais comum era o leilão. O local podia ser o mercado de ven-
Quem decidia o que fazer com os povos conquistados? Legalm ente, pertenciam da de gado da cidade, um lugar aberto, cheio de animais, compradores e vendedo-
ao Estado romano, mas o poder de decisão estava nas mãos de cada comandante. res. Desocupava-se um espaço num canto e montava-se a plataforma para o leilão.
Ou ele matava os prisioneiros ou vendia, conforme achasse melhor. Se resolvesse es- Os mercadores de escravos faziam passar sua mercadoria em bandos - homens, mu-
cravizá-los, tinha várias opções. Poderia entregá-los ao Estado como escravos públicos, lheres e crianças, geralmente de muitas raças e nacionalidades. O pregoeiro subia na

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~ H t STO R I A I LUS T RADA DA E S C R AV IOÂ O
PE C H I N C HA S N O C AMP O DE BATAl H A --
plataforma e anunciava as vendas. À medida que os compradores se ap roximavam, "Sambatis, cujo nome foi alterado para Athenais, ou seja lá qual for o outro nome de
o leiloeiro subia na plataforma, apresentava os escravos e dava infcio à venda. que possa ser chamada, de nacionalidade frigia, cerca de doze anos de idade... em boa saTÍ-
Os pés dos escravos recém-importados geralmente eram marcados em branco de, conforme requer o regulamento, isenta de qualquer tlcusação legal, nem andarilha
com giz para distingui-los dos escravos locais, também à venda, provavelmente ofe- nem fugitiva, livre da doença sagrada. "
recidos por proprietários privados. Às vezes os escravos traziam placas penduradas
no pescoço, descrevendo suas qualidades e habilidades. Para informar sobre o nome
e a origem, prendia-se uma etiqueta em cada um ou o pregoeiro an unciava sua na-
cionalidade. Compradores astutos, desconfiados de truques, nada aceitavam pelo
valor declarado. Julgavam por si próprios se a aparência e a fala do escravo estavam
de acordo com a etiqueta.
A vestimenta usada pelo escravo era retirada para que o comprador pudesse exa-
minar melhor. Este podia mandar o escravo dar alguns pulos para demonstrar sua
agilidade. Ou o possível comprador apalpava pernas e braços, verificando assim a to-
nicidade dos músculos.
Para controlar o comércio e proteger os compradores, a lei insistia em que doen-
ças não-aparentes ou recorrentes fossem reveladas. Os compradores tinham interes-
se em adquirir escravos para fazer certos trabalhos específicos e queriam garantias de
tais capacidades. Os agentes de grandes propriedades preferiam músculos a cérebro.
Aptidões eram amplamente identificadas com a nacionalidade. Fazendeiros procu-
ravam trácios e ilíricos, considerados os melhores pastores. Gregos e sírios, treinados
na cultura da uva e da azeitona, eram muito solicitados para as grandes vinhas.
Meninos bonitos eram desejados pelos ricos para decorar a equipe de serviçais do-
mésticos. (Nos escritos de Plínio há uma receita para fazer uma substância que re-
Yvon. Júlio César tem o mundo nas mãos
move pêlos do corpo, de modo a melhorar a aparência dos m eninos postos à venda.)
Completada a aquisição, preenchia-se um documento que registrava seus termos. (Esta última referência é sobre a epilepsia, uma doença não aparente aos olhos.)
O ato da venda geralmente mencionava a idade e sinais físicos do escravo. Isso era Se alguma das garantias se mostrasse falsa, o vendedor era obrigado a devolver o do-
importante para o comprador como identificação e prova legal de sua propriedade. bro do preço cobrado.
Uma escritura de venda, redigida sobre papiro, em grego e latim, foi encontrada, ainda Um notável cidadão romano que dava conselhos sobre compra e venda de escravos
intacta, por arqueólogos. Ali está registrada a compra, efetuada por um grego, de uma foi Carão, o Antigo (234- 149 a.C.), o mais competente orador de seu tempo. Durante
menina num mercado qualquer da Ásia Menor. Traduzida em parte, diz o seguinte: cinco anos ocupou o alto cargo de censor, magistrado responsável pelo recenseamento

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H ISTÓRIA IlUSTRADA DA E SCRAV I OAO PECHINCHAS NO CAMPO DE B ATALHA ~
e pela regulação do comportamento público. Depois ele aposentou-se e fez lucra-
tivos investimentos em escravos. Naquele tempo não havia nenhuma contradição
entre estabelecer altos padrões para a moral pública e comercializar escravos. Des-
crevendo as especulações de Carão, Plutarco escreveu que "Carão comprava um
grande número de escravos entre prisioneiros de guerra, mas principalmente os
jovens, que, como cãezinhos e potros, ainda podiam ser educados e treinados".
Carão pagava barato por esses escravos, treinava-os em algum ofício, vendia-os a
um preço alto e ganhava dinheiro suficiente para ter tempo disponível para es-
crever livros. Sua experiência de fidalgo fazendeiro fê-lo escrever De re rustica,
um livro sobre agricultura que contém aconselhamentos sobre o uso de escravos
no trabalho agrícola.

H I S T Ó R IA I LUST R ADA OA E SC R A VIO.A. O


( I ''\I)Jl '' .1 • ' I II I ( ~A\ () I)() lU ) "Mercador, entre e descarregue!". Delos era especialmente conveniente para os pira-
manos. Primeiro porque não era confiável para um suprimento regular. tas cretenses e cilfcios, que atacavam o litoral da Síria e as ilhas gregas. A operação de
Embora houvesse muitas guerras, elas ocorriam de m odo imprevisível e rapto crescia cada vez mais, enquanto os governantes romanos nada faziam, aparen-
inconstante. Portanto, os empregadores de escravos voltavam-se para a pirataria co- temente indiferentes ao seqüestro de pessoas livres, pois precisavam de mão-de-obra
mo fonte alternativa. para suas fazendas e de estilo e elegância para a vida doméstica.
A pirataria na antigüidade não era a aventura errática, ind ivid ualista e romântica Delos foi saqueada em 88 a.C., d urante u rna das guerras romanas. Em 69 a.C.,
que associamos ao capitão Kidd. En tre os gregos, era conhecida como um comércio pi ratas devastaram a ilha, que se tornou urna cidade fantasma. Depois disso, Roma
regular, e assim continuou sendo, em escala organizada, até o tempo da República passou a ser o centro do comércio de escravos.
Romana. A pirataria não era considerada uma prática lícita, mas nem tampouco re- A pirataria só veio a ser uma questão política quando trouxe a Roma sérios pro-
jeitada, ao menos pelos muitos que dela se beneficiavam. blemas. Por exemplo, quando os romanos estavam combatendo os cimbros, ou as
Por volta de 150 a.C. , a pirataria cresceu até transformar-se num grande negócio no tribos germânicas, pediram soldados suplementares ao rei de Bidnia. Este respo n-
Mediterrâneo oriental. Os agenciadores abasteciam as necessidades d os grandes Estados deu que não tinha ninguém para enviar, pois a maior parte de seus homens havia sido
que compravam mão-de-obra escrava para suas equipes de trabalho. Desenvolveram-se raptada e vendida como escrava nas províncias de Roma!
dois centros de comércio pirata, um em Side, na Panfília, e o outro na ilha de Delos. Q uando a própria Roma começou a sofrer ataq ues de piratas, formou expedições
Ali as vítimas dos raptores eram vendidas aos varejistas mercadores de escravos. (Se a para deter os bandidos do mar. A primeira dessas ações ocorreu em I 02 a.C., mas
pessoa raptada fosse rica, então os piratas preferiam o resgate, que era mais lucrativo.) não foi muito longe. Uma guerra intermitente contra a pirataria foi travada por mais
Situada caprichosamente no mar Mediterrâneo, a pequenina Delos servia conve- 35 anos. Por volta de 69 a.C., o medo aos piratas paralisara quase todo o comércio
nientemente de entreposto de escravos roubados no Oriente e que seriam vendidos e viagens marítimos. Os piratas ousavam atacar qualquer ponto da costa italiana, in-
no Ocidente. Em 167 a.C., o Senado romano concedeu a Delos uma posição comer- vestindo até mesmo contra Ó stia, o próprio porto de Roma.
cial preferencial. Q uando Roma destruiu o poder marítimo de Rodes, os romanos Assim Plutarco descreve o poder dos piratas:
tomaram os territórios da cidade na Ásia Menor e Delos foi declarada como porto
livre. Ali não se podiam coletar taxas de ancoradouro ou de alfândega. Isso desviou pa- Os mares estavam desprotegidos e eles [os piratas} aos poucos eram atraidos não só por aque-
ra Delos o rentável comércio O riente-Ocidente antes concentrado em Rodes. Outra les que percorriam os mares, mas saqueavam até as ilhas e as cidades costeiras. E agora, mesmo
conseqüência foi enfraquecer Rodes, de modo que não mais pudesse sustentar sua homem de grande riqueza, de estirpe nobre, de eminente reputação pelo bom semo, partici-
grande marinha, que patrulhou o Mediterrâneo oriental durante um século. Isso dei- pavam dessas aventuras de pirataria, como se essa ocupação trouxesse honra e distinção.
xou os mares escancarados para os piratas, cujas frotas perambulavam livremente, Os piratas tinham ancoradouros e torres de farol fortificadas em muitos lugares, e as frotas
roubando e seqüestrando a seu bel prazer. que ali se encontravam eram adequadas para sua tarefa especial com excelentes tripulações,
Com a destruição de Rodes, Delos prosperou. Seus desembarcadouros foram mo- · pilotos habilidosos e embarcações leves e ligeiras. Mas a inveja que despertavam e sua osten-
dernizados e ampliados, de modo que, segundo o historiador Estrabão, pudesse rece- tação eram ainda mais incômodas que o terror que causavam. Seus navios tinham mastros
ber e despachar 1O mil escravos em um único dia. Dizia o lema do comércio local: dourados na popa, colgaduras púrpuras e remos prateados, como se festejassem e glorificassem

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PIRATARIA- U M C OM ~ R C IO S EGUR O
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a maldade quefaziam. Havia música, tÚmça eforras em cada praia; generais eram raptados, a fuga, sem um pais específico ou de lugares visíveis de onde possam partir, sem pro-
e cidades capturadas e libertadas mediante pagamento de resgate, para desgraça do Império priedade ou qualquer coisa que possam chamar de sua, mas apenas aquilo com que por
Romano. Os navios dos piratas chegavam a mil e as cidades por eles tomadas, quatrocentas. acaso se deparem. Assim, a inusitada natureza dessa guerra, que a nenhuma lei se su-
Atacavam e saqueavam santuários antes invio/.dveis e impenetráveis. jeitou nem nada teve de tangfvel ou visível, causou perplexidade e medo ... E agora, in-
solentes, os piratas atacaram o próprio litoral da Itália, perto de Brundlsio e da
Segundo estimativas dos romanos, o número de piratas crescera em dezenas de Etrúria, capturando algumas mulheres de .fom!lias nobres que estavam viajando, e
milhares. Controlavam o Mediterrâneo da Ásia menor até o que é hoje Gibraltar. também dois pretores com a insígnia do cargo.
Quando atacados por unidades da marinha de guerra romana, os piratas venceram.
Apiano, historiador romano do século II, escreveu: Cícero, furioso porque um homem não podia navegar nos mares infestados de pi-
ratas sem se expor ao risco de ser capturado como escravo, desferiu um ataque feroz
contra o governo por nada fazer para resolver o problema:

Preciso lamentar a captura de emissários com destino a Roma, vindos de outros paises,
quando se pagam resgate pelos embaixadores de Roma? Preciso mencionar que o mar es-
tava perigoso para mercadores, quando doze lictores caíram em mãos de piratas? Preciso
registrar a captura das nobres cidade de Cnido e Cólofon e Samos e inúmeras outras,
quando bem 0 sabeis que vossos próprios portos - e também aqueles através dos quais ex-
trais 0 próprio alento de vossas vidas - têm estado nas mãos de piratas? Desconheceis de
foto que 0 famoso porto de Caieta, quando apinhado de embarcações, foi saqueado pelos
piratas, às vistas de um pretor, e que de Miseno os filhos do próprio homem [Marco
Antonio} que antes travara guerra aos piratas foram por esses raptados? Por que deveria
eu lamentar 0 revés em Ostia, aquela vergonhosa nódoa sobre nossa comunidade, quando
quase diante de vossos olhos a própria frota confiada ao comando de um cônsul romano
foi capturada e destruida pelos piratas?
Cícero - advogado, orador e estadista - incitou Roma a tomar uma atitude contra a pirataria

Nenhum mar podia ser navegado com segurança, e a terra permaneceu inculta por Finalmente, quando a ruína financeira e a fome ameaçavam Roma, aprovou-se
falta de relações comerciais. A cidade de Roma sofreu profundamente, seus súditos pas- uma lei em 67 a.C. que dava ao grande general Pompeu (106-48 a.C.) os mais ex-
saram necessidade e a fome causou grande sofrimento devido ao excesso de população. traordinários poderes já concedidos a um romano. Ele podia fazer o que desejasse
Mas pareceu-lhe uma grande e dificil tarefa destruir forças tão amplas de homens do mar no Mediterrâneo para livrar-se dos piratas. Todos os aliados de Roma foram instruí-
espalhados por toda parte, na terra e no oceano, sem equipamento pesado para estorvar-lhes dos para ajudá-lo com soldados, navios e dinheiro.

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~ HIS TÓRIA I lUSTRADA DA E SC RAVIDÃO
P IRA TA RIA - UM COMtRC IO SE GU RO
~
outra coisa antes de terminar seu trabalho, mas para que houvessr forças que os en.frmtns-
sem em toda parte e os impedissem de formar coligações entre si.

Num plano elegantemente coordenado, cada pretor com sua frota atacava os pi-
ratas em seu próprio setor. Pompeu, com sua frota erra nte de sessenta navios, vas-
culhava o Mediterrâneo partindo de G ibraltar em direção ao Oriente. O objetivo
de seus preparativos, além de sua temível reputação de combaten te, assustara os pi-
ratas. Esses mudaram seus planos de atacá-lo primeiro, abandonaram o cerco de várias
cidades e fugiram para seus habituais esconderijos de enseadas, onde os pretores
puderam atacá-los e destruí-los. Assim, Pompeu consegu iu limpar os mares em qua-
renta dias. Mu itos piratas, esperando receber um tratamento mais brando se não
resistissem, entregaram-se. Apiano faz o seguinte rel ato da captura dos piratas:

Eles entregaram uma grande quantidade de armas, algumas já funcionando, outrns


ainda nns oficinas; também seus navios, alguns ainda em construção, outros já jlututm-
do; também latão e ferro, recolhidos para construí-los, e pano de vela, corda e madeira de
todos os tipos; e, finalmente, vários prisioneiros, mantidos para obter resgate ou acorren-
Navio de guerra romano em campanha para tentar limpar o Mediterraneo do
tados a suns tarefas. Pompeu queimou a madeira, levou embora os navios e enviou os pri-
dominio dos piratas, 79 a.C. Mosaico de Pompeia
sioneiros de volta para seus respectivos países. Muitos encontraram seus pr6prios cenotáfios,
Contando a história da brilhante campanha de três meses contra os piratas em
pois foram dados como mortos.
66 a.C., Apiano escreve:

De acordo com Apiano, Pompeu era indulgente com os piratas que haviam en-
No momento ele tinha um exército de 120 mil soldados de infantaria e quatro mil ca-
trado nessa vida "não por maldade, mas por causa da pobreza provocada pela guer-
valeiros, e mais 270 navios, incluindo embarcações leves e ligeiras. Tinha 25 assistentes de
rà'. Aqueles que ele achava que podiam ser recuperados eram assentados em lugares
nível senatorial, que os romanos chamavam de núncios, entre os quais ele dividiu mar,
0 desabitados ou escassamente povoados no interior, longe do fascínio do mar. Apiano
dando para cada um navios, cavalaria e infantaria, e investindo-os com a insígnia de pre-
apresenta os resultados da espetacular campanha: 7 1 navios capturados, 306 entre-
tores, de modo que pudessem ter absoluta autoridade sobre a parte que lhe era confiada,
gues pelos piratas, e umas 120 cidades e fortalezas rendidas. Cerca de 1O mil pira-
enquanto ele, Pompeu, como um rei dos reis, deveria movimentar-se de um lado para o
tas fo ram mortos em batalha.
outro entre eles, para fazer com que permanecessem onde estavam estacionados, de modo
Quando os mares finalmente se tornaram um lugar seguro, a praga secular da
que enquanto estivesse perseguindo os piratas em um lugar, não fosse atraído para alguma
pirataria chegou ao fim. Mas não parou completamente. No mar Vermelho e no

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~ H!STORIA I LUST RA D A DA E SCR A VIDÃO
P I RATARIA - UM COM(RCIO SEGU RO --
105 1
mar Negro ocorreram ataques ocasionais, pois as esquadras romanas desprezavam
aquelas águas. Mas agora o mundo romano tinha de recorrer a métodos pacífi-
cos para obter escravos - escravidão por nascimento, abandono de crianças, ven-
da de tribos limítrofes, sentença penal de servidão. O efeito foi a diminuição do
número total de pessoas sujeitas à escravidão. Isso provocou várias mudanças na
maneira como as pessoas viam a escravidão e no modo como os escravos eram
tratados, e essas mudanças serão discutidas mais adiante.

H ISTORI A ILUSTRADA DA E S CRAVIDÃO


VA I I f\ '>r. \ i \1 I i > •
' ' 'I )I A revolução começou com as tentativas dos irmãos G raco de fazer passar refor-
República Romana num império governado pelos Césares. O s patrícios mas contra a oposição de grupos de interesse durante o período entre 133 e 121 a.C.
que governaram Roma não conseguiram resolver os problemas econômi- As classes enfrentavam-se pelo controle do governo. Assassinatos, tumultos e crises
cos e sociais da era da expansão. A nova classe de comerciantes, numerosa e rica, es- econômicas marcaram a época. Numa rápida seqüência, um pretendente após o ou-
tava ansiosa por uma parcela do poder e privilégios da antiga classe dominante. Os tro tentava obter poderes ditatoriais. Depois de um lo ngo período de guerra civil, a
senadores obtiveram o controle de boa parte das terras e combatiam duramente República desmoronou, sendo substituída por uma monarquia. A Roma governada
qualquer tentativa dos camponeses de conquistar reformas fu ndiárias. A quantida- "pelo Senado e pelo povo romano" não mais existia. Começava o Império dos
de de pequenos agricul tores diminuía constantemente, enquanto 0 desemprego au- Césares. Sob o comando de César Augusto (27 a.C.- 14 d .C.), as instituições roma-
mentava cada vez mais. Enquanto isso, os aliados italianos da República clamavam nas foram reorganizadas. Formas republicanas de representação tiveram continuidade,
por alguns dos benefícios que seus soldados haviam ajudado a conquistar. Guerras, mas o verdadeiro poder escava centralizado em Augusto. As receitas de muitas par-
insurreições sociais e problemas administrativos e organizacionais tornavam os ro- tes do Im pério fizeram crescer seu tesouro e poder pessoais. Ele governou durante
manos cada vez mais impacientes. Ironicamente, quando tiveram fim as guerras no 43 anos após seu retorno a Roma, em 29 a.C. Seu reinado pacífico testemunhou o
exterior e a paz e a ordem foram impostas, o clima doméstico ficou turbulento. renascimento do comércio e da prosperidade, e a extensão da cidadania romana a mui-
tas regiões e a muiros indivíduos. Terminadas as guerras civis, o império tornou-se
bem mais coeso. As leis foram aperfeiçoadas e codificadas, e os encargos do gover-
no, bem como os impostos, foram distribuídos com mais justiça. A arte e a erudição,
sustentadas pela classe abastada, enriqueceram a cultura da Roma imperial.
Seguiram-se a Augusto muitos outros governantes competentes, embora entre-
meados por reinados de terror, de imperadores como Calígula (37-4 1 d.C.) e Nero
(54-68), e por mais de 250 anos o mundo do Mediterrâneo gozou de paz e prospe-
ridade inusitadas. De uma pequena cidade-estado, Roma transformara-se no maior
império que o mundo tinha visto. Durante 600 anos, Roma dominou todo o mundo
civilizado, um domínio que desde então nenhuma outra potência reproduziu.
Quando o império caiu, no século V d.C., uma das causas, concordam os historia-
dores, foi o predomínio da escravidão.
Quais as dimensões da população escrava no mundo romano? Como vimos ante-
riormente, as vitórias ultramarinas da República fizeram com que um grande número
de pessoas fosse escravizado. Piratas e mercadores de escravos colaboraram para aumen-
tar ainda mais esse total. Em Declínio e Queda do Império Romano, Edward Gibbon diz
Representação do centro da Roma Imperial de acordo com escavações arqueológicas. Cidade de Roma
que no tempo de Cláudio (41-54 d.C.) havia tantos escravos quanto homens livres.

~ H ISTÓR I A Il U S T RA D A DA E S C RAVIDA O
0 M E R C AD O I MP E R I A L D E
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E S C R AVOS ~
Outros historiadores afirmam que a proporção entre escravos e homens livres era de
Amedida q ue as guerras se tornavam menos freqüentes, os suprimentos de escra-
três para um, respectivamente. Por outro lado, o especialista Jerome Carcopino inverre
vos dessa fonte diminuíam. Nas províncias romanas, aqueles que se rebelavam eram
essa proporção. Segundo sua estimativa, a Roma do imperador Trajano (98-117 d.C.),
vendidos, assim como os judeus que Tito lançou no mercado de escravos aos milha-
com uma população de 1.200.000 habitantes, teria tido cerca de 400 mil escravos.
res, depois de conquistar Jerusalém. A pirataria, mesmo após a repressão de Pompeu,
O utro especialista, Julius Beloch, calcula, para um determinado período, uma
ainda supria alguns escravos, e alguns pobres também vendiam a si próprios ou mes-
população livre de 520 mil habi tantes e 280 mil escravos. ). Manquardt discorda,
mo seus filhos. Mas a maioria agora era de escravos de nascença - crianças nascidas
preferindo uma cifra de 7 1O mil para a população livre e 900 mil escravos. Há tão
de mães escravas. Escravos eram criados para venda. Permitia-se vender crianças en-
poucas evidências confiáveis que os estudiosos fazem suas próprias conjecturas ba-
jeitadas ou bebês recém-nascidos, e a demanda era grande. Quando o suprimento
seados em referências espalhadas pela li teratura romana.
diminuía, o preço subia, seguindo uma das leis básicas da economia.
Em seu auge, durante o reinado de Adriano ( 11 7-1 38 d C) I ' · d
. . , 0 mpeno esten eu- A. H . M. Jones, um estudioso moderno, estima que um escravo no século II d .C.
se do rio Eufrates à Bretanha, no Atlântico. Abrangia todo 0 norte da África e toda
custava de oito a dez vezes seu sustento anual . Jones acrescenta que isso era cerca
a Europa ao sul do Danúbio e do Reno. O especialista M. L Finley acredita que duran-
de quatro a cinco vezes o preço na Atenas do século IV a.C. Havia escravos pelos
te os dois primeiros séculos d.C. a população do Império totalizava cerca de 60 mi-
lhões de habitantes, incluindo livres e escravos. quais se pagava muito mais, mas esses eram homens e mulheres tratados como ob-
jetos d e luxo.
Quem eram os escravos e de onde vinham? Da Asia Menor vinham bitínios, cários,
Quando se anunciava um escravo para venda no mercado, provavelmente ele era
capadócios, judeus, lídios, frígios. As terras mais além forneciam árabes, indianos,
chamado por um nome que já tinha ou por algum outro nome dado pelo comer-
partos, persas. Do sul do Mediterrâneo vinham alexandrinos, egípcios, etíopes, nú-
ciante. Uma vez adquirido, o escravo poderia receber o nome que seu senhor dese-
bios. Da fronteira ocidental de Roma, os gauleses, germanos, espanh óis. 0 norte en-
viava danúbios, trácios, dácios, sármatas, siracianos. jasse. Era semelhante ao modo como damos nome a um gato ou cão de estimação.
Um sujeito chamado Herodes Ático nomeou os escravos do filho com as letras do
A arregimentação de povos estrangeiros continuou por séculos durante as guerras.
alfabeto. Era uma maneira conveniente de começar a educação do menino. Se fos-
Na época da paz de Augusto, no primeiro século a.C., a grande variedade era tema
li das conversas e de discussão oficial. Roma era o mundo em miniatura, disse Ateneu,
se permitido ao escravo manter o nome que um comerciante lhe dera, esse geralmen-
te significava boa sorte ou alguma qualidade ffsica ou moral útil, tais como Hilarus
um antologista que viveu por volta de 200 d.C. Para os grandes mercados interna-
1/ (alegre), Iucundus (agradável), Modesrus (moderado), Pudens (envergonhado ou
cionais de escravos - Roma tornara-se o centro do comércio - eram trazidas as vítimas
I do mundo todo. Para seus novos lares, eles traziam a vestimenta, a fala, os costumes
e os cultos de sua terra natal.
humilde), Celer (ligeiro), Vitalis (vital). Alguns nomes adequavam-se a uma ocupa-
ção ou profissão. Um médico podia chamar-se Asclepíades; um ator, Favor.
Muitos nomes de escravos eram gregos, não porque o próprio escravo fosse da-

I
Como eram avaliados os escravos? Os registros mostram que no tempo de Au-
quele país, mas porque muitos negociantes eram gregos. O grego era a língua utilizada
gusto os preços haviam subido bastante. O preço médio de um adulto não-especia-
nas transações do comércio de escravos, assim como o francês agora é usado nos car-
lizado era de 205 denários. Muito mais se pagava por escravos especializados. A um
viticultor treinado ofereciam-se dois mil denários. dápios. Também era comum a latinização do nome nativo de um escravo, especial-
mente os celtas.

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H iSTóRIA ILUSTRADA DA E SCRAVIDÃO

Q M ERC A DO I MPER IAl OE ESCRAVOS


É difícil distinguir, a parrir do registro de nomes, as origens nacionais dos escra-
roupas que 0 imperador usava; para polir cada utensílio que ele usava nas refeições; pa-
vos. A longo prazo, é claro, a miscigenação entre escravos gerou uma diversificada
ra tratar de cada ornamento ou jóia com os quais ele se enfeitava; para preocupar-se
mistura de povos. Moldados pela civilização greco-romana, os escravos, depois de
com cada etapa de sua toalete; para cozinhar sua comida, pôr a mesa e servir-lhe os
algum tempo, provavelmente perdiam quase rodos os traços de sua nacionalidade.
pratos; e para entretê-lo com música, dança, brincadeiras ou palhaçadas. O impera-
Nos tempo da Rep üblica, um cidadão romano de riqueza apenas moderada
dor, é claro, exibia um esplendor que superava rodos os outros. Mas a proporção de
podia ter 400 escravos domésticos. O filho de Pompeu tinha tantos que doou 800
escravos utilizados pelos romanos em geral para fins domésticos sempre foi grande.
para o exérci to de seu pai na Grécia. C rasso, q ue ao lado de J úlio César e Pom peu
dividi u o Triunvirato em 60 a.C. , após a q ueda da República, possuía pelo me-
nos 20 mil escravos, que ele alugava para as manufaruras. Plínio, o Jovem, um
estadis ta e escritor, ti nha 500. Escravos dom ésticos fazi am para seus senho res ro-
do tipo de trabalho concebível. Eram servos pessoais, tu tores, cozinheiros, arqui-
vistas, artesãos, cabeleireiros, médicos, músicos, bibliotecários, fi lósofos. Entre
eles havia eunucos para atender às mulheres e aleijados que "divertiam" os con-
vidados com suas deformidades. Um ho mem rico precisava de pelo menos dois
escravos para carregá-lo até o circo, mas geralmente entre oito e dez 0
acom pa-
Oficina de tecelagem o nde os escravos trabalham na confecção dos tecidos
nhavam , por ostentação. Q uando um homem caminhava à noite pela cidade, ti-
nha que levar um séquito de escravos com tochas para iluminar o caminho e p ro-
Mesmo aqueles lares relativamente modestos não ficavam sem escravos. Cam-
tegê-lo. Quando um advogado ia ao tribunal, sua posição era medida pelo números
poneses com dois hectares tinham uma criada, e soldados das legiões romanas geral-
de escravos que o seguiam. As equipes domésticas dos ricos eram tão grandes que
mente possuíam um ou dois escravos. Homens livres, empregados com míseros salários,
se organizavam como exércitos em batalhões especializados. Um escravo poderia
vivendo em acomodações baratas, devendo para comerciantes, gabavam-se de ter um
servir na propriedade do campo, o utro na casa da cidade. A tropa da cidade era
escravo. N ão importava o custo, um homem precisava ter um escravo para manter as
dividida em escravos que trabalhavam dentro da residência e aqueles que traba-
aparências. Os escravos estavam em toda parte, prontos para satisfazer os caprichos e
lhavam do lado de fora. Esses, por sua vez, podiam ser subdivid idos pela natureza
prazeres de seus proprietários.
de suas tarefas. Provavelmen te, muitos escravos nunca chegavam a ver ou conhe-
Escravos faziam mais do que as tarefas domésticas servis. O cozinheiro ou co-
cer seus senhores. Os romanos mais poderosos adquiriam equipes de mais de mil
zinheira, po r exemplo, outrora visto como o tipo mais inferior, foi sendo valori-
escravos. Um desses homens, C. Célio Isidoro, deixo u 4.116 escravos ao morrer.
zado à medida que a vida dos ro manos se tornava mais luxuosa. A culinária pas-
Os imperad ores, cuja riqueza superava a de todos, ga bavam -se de possuir "famí-
sou a ser considerada um a arte requin tada. H avia escravos médicos, enfermeiros e
lias" de escravos com 20 mil pessoas ou mais.
cirurgiões veterinários. A educação em Roma, que se desenvolvera sob a influên-
O que esses escravos imperiais faziam está registrado em suas inscrições obituá-
cia grega nos séculos 11 e III a.C., estava principalmente nas mãos de escravos gre-
rias. O grau de especialização é incrível. H avia equipes de escravos para cuidar das
gos e hom ens libertos. O ensino do alfabeto e da leitura começava em casa, com

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ESCRAVOS ~
H IS T C RIA I LUS TRADA DA E SC RA VID Ã O
0 M E R C A DO I M PERIAl OE
um pedagogus, escravo que servia de tutor e guardião da criança deixada a seus cui-
dados. Quando a criança aprendia a ler, ia para a escola.
Boa parte das diversões dos romanos estava nas mãos de escravos. Os atores, fos-
sem de comédia, tragédia, pantomima ou circo, geralmente eram escravos. O papel
principal numa peça costumava ser do diretor, um homem livre, mas os outros ato-
res eram escravos, freqüentemente gregos. Homens representavam os papéis femininos.
Os músicos eram escravos - cantores, instrumentistas, orquestra ou membros do
coro. Estes últimos, quase sempre muito bem-treinados, participavam de turnês. A
maioria dos artistas do Império era escrava. Seus nomes raramente apareciam na
obra que faziam, portanto a arte romana em grande parte é anônima.
Um cidadão romano chamado Crasso fez grande fortuna utilizando uma equipe
especial de escravos treinados. Ele notou como as construções em Roma eram fácil
e freqüentemente consumidas pelo fogo, pois eram muito grandes e muito próximas
umas das outras. Assim, organizou um corpo de bombeiros particular, composto de
escravos. Quando começava um incêndio numa casa, ele rapidamente a comprava,
e também as casas vizinhas. Os preços eram bem baixos porque os proprietários em
pânico temiam perder tudo. Em pouco tempo, Crasso era dono de uma boa parte
de Roma. Não é de admirar que as pessoas especulassem sobre quantos incêndios na
verdade não teriam sido iniciados por seus agentes.
Se o corpo de bombeiros de Crasso não era um serviço público naquele tempo,
havia muitas outras funções executadas por escravos públicos. Tanto as cidades co-
I' mo o Estado utilizavam escravos obtidos em guerras de conquista, confisco, compra
ou como doações de alguns indivíduos. As cidades, diferentemente do Estado, man-
I tinham escravas, cujos filhos também se tornavam propriedade da cidade. Quando
o Império substituiu a República, o imperador forneceu seus próprios escravos para
I a administração pública.
Os escravos públicos trabalhavam com o cérebro ou com as mãos. Alguns eram
arquivistas, secretários, coletores de impostos. Ajudavam os sacerdotes a conduzir as
cerimônias da religião estatal e cuidavam dos templos e dos santuários. Às vezes eles
trabalhavam nas alfândegas e nas prisões, nos banhos públicos, limpavam esgotos,

HtS TO RIA ILUSTRA DA DA E SC R A\IIO A O


consertavam as estradas. O corpo de bombeiros organizado em Roma por Augusto
em 22 a.C., e aqueles de outras cidades, era formado por escravos públicos. Esses eram
supervisores em mercados e arq uivistas em cargos municipais. N um projeto de obras
públicas, 6 m il prisioneiros captu rados por Vespasiano foram enviados a Nero para
abrir um canal através do istmo de Corinto.
Desde o tempo de Augusto, o sistema de abastecimento de água em Roma, ligado
a fontes e que chega à cidade em imensos aquedutos de sólida alvenaria, era manipu-
lado por escravos públicos. Eq ui pes com centenas de escravos treinados faziam manu-
tenção e reparos nos aquedutos e manufaturavam os canos de chumbo que conduziam
a água. Posteriormente, foram responsáveis por 450 quilômetros de canais, a maior
pane subterrân ea ou fechada. Organizavam-se as turmas por offcio - pedreiros, nive-
ladores, limpadores, montadores. Muitos eram designados para ficar fora de Roma, ao
longo dos aquedutos, para tratar de qualquer emergência que surgisse, algumas envol-
vendo trabalhos difíceis e perigosos, especialmente em época de enchentes.
O s palácios imperiais, como já vimos, eram administrados e mantidos pelos es-
cravos e homens libertos do imperador, pessoas com aptidões em todo tipo de ocu-
pação doméstica. Além de utilizar os escravos para serviços pessoais e domésticos, os
imperadores, como qualquer capitalista, aproveitavam seus escravos artesãos para
aumentar a renda do chefe de Estado. Assim, tecelões, prateiros, joalheiros, ourives,
carpinteiros, pedreiros - todos escravos de César - dedicavam-se a ganhar dinheiro
para os homens mais ricos do Império.

Ht STORIA ILUSTRADA OA ES CRAV IDAO


I Pf )( " \ t I ! IHL1 t 1\ 11 ' • \ f)() • '" ' 1 \ 1 , n r , r 'd 1 () mão-de-obra, pagando ao senhor parte de seus vencimentos e guardando o restante

ram restauradas no governo de Augusto, os negócios e o comércio expan- para si. Também arrendavam-se terras para escravos nesses termos, e os senhores po-

diram-se em Roma. Havia uma grande demanda por matérias-primas e diam arrendar um negócio ou um navio para um escravo, que pagava uma renda fi-
produtos acabados, e os mercadores transportavam livremente suas mercadorias de um xa por isso ou ganhava uma comissão.

extremo ao outro do império. O s imperadores apoiavam a iniciativa privada e, de O peculium dava ao escravo a oportunidade de obter um cerro grau de indepen-

fato, eles mesmos nela se engajavam. Enquanto pequenas oficinas podiam cuidar dência. Talvez não fosse mais do que uma pequena mudança que lhe permitisse
das necessidades locais, era preciso grandes manufaturas para satisfazer o crescente comprar algumas coisas agradáveis. Mas podia ser reinvestido no negócio do senhor
comércio internacional. As indústrias de cerâmica, metal, vidro e papel cresciam cada ou de uma outra pessoa e, no futuro, proporcionar a posse de terra, de uma casa, lo-

vez mais. Embora não existissem maquinarias, para obter uma produção em massa ja, fazenda. Ou mesmo um outro escravo.
adicionavam-se trabalhadores. Pois os escravos podiam ter outros escravos. Há um grande número de inscrições
Não importava a forma de produção ou o tipo de comércio; os escravos estavam que mencionam o escravo de um escravo - vicarius é a palavra latina. Consta o re-
envolvidos em quase tudo. Eles cortavam pedra ou cavavam argila, eram carrega- gistro de um escravo, tesoureiro em Lyon, Gália, que visitou Roma assistido por de-

dores e carroceiros, oleiros e pintores, capatazes e administradores, vendedores e zesseis de seus escravos. Entre eles, três secretários, um médico, dois cozinheiros, um
banqueiros. Um escravo podia trabalhar apenas com os músculos num serviço sim- lacaio, dois camareiros, um criado pessoal, um agente de negócios e uma mulher.
ples, enquanto outro usava o cérebro para dirigir operações complexas de grande Outro exemplo: se um escravo fosse um cozinheiro-chefe, poderia ser proprietário
responsabilidade. de seus assistentes. Um escravo geralmente era proprietário de sua esposa, e portan-
Durante um longo tempo, haveria ainda um estigma associado ao comércio. O to também de seus filhos. (Isso era vital para o marido, pois se ele fosse libertado,
nobre romano adequava-se à guerra, à política, à agiotagem ou à agricultura, mas poderia libertar a família. Se, por outro lado, a esposa pertencesse ao senhor, ela e as
não aos negócios. Tais atividades constituíam apenas uma fonte de renda, portanto crianças continuavam sendo propriedade dele.)
não se deviam sujar as mãos com elas. A atitude do bem-nascido era: "Deixe o seu Finalmente - e o que é mais importante -, o peculium podia comprar a própria
escravo administrá-lo para você." Havia muitos escravos, especialmente da Grécia e liberdade do escravo.
do Oriente, que tinham experiência e habilidade com números, línguas e comércio. O papel dos escravos no comércio de Roma foi bastante abrangente. No mercado
Como incentivo, o senhor oferecia a perspectiva de dinheiro e liberdade. havia escravos em todo tipo de loja, vendendo pão, carne, peixe, vinho. Compravam
Aqui é onde entra o fenômeno do peculium. O peculium do escravo era o dinhei- e vendiam no atacado para seus senhores. Gerenciavam lojas, negócios, casas de cô-
ro que ele tinha permissão de ganhar e reter para si. Por lei, o peculium pertencia ao modos, fazendas, armazéns, escritórios. Eram padeiros e carregadores de lastro para
senhor, mas na prática era tratado como se fosse do escravo. O peculium vinha de navio, mergulhadores e carpinteiros navais, cocheiros e pescadores.
recompensas, gorjetas ou presentes mais generosos, dinheiro legado indiretamente A indústria manufatureira, a princípio limitada à produção caseira, organizou-se
pelo senhor ou por seus amigos. Outra fonte era a poupança. O escravo podia guar- fora do lar. Na época de Augusto, a manufatura tornou-se importante fonte de ren-
dar e vender comida, se recebesse o suficiente para economizar, ou poupar com da para produtores que abasteciam tanto o mercado interno quanto o externo. Um
uma permissão concedida para ele manter-se a si próprio. Às vezes ele alugava sua grande número de escravos era utilizado nas olarias e na produção de cerâmica.

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~ H ISTÓRIA ILUSTRADA DA ESCRAVIDÃO N OS M ER C A DOS, N AS O F I CINAS E M I NAS ~
Escravos artesãos trabalhavam com ouro e prata. Embora a fundi ção de ferro exigis-
se forjas pequenas e poucos homens, a indústria do bronze e do cobre empregava
milhares de pessoas num sistema de oficina que utilizava métodos especiais.
Esse tipo de indústria, enrretanto, nunca se desenvolveu na escala dos tempos
modernos. Os métodos de produção e a perícia evoluíram , mas criaram-se poucos
dispositivos para poupar trabalho; e a ciência elementar do Império raramente apli-
cou-se à invenção de maquinarias. Aparentemente, não havia mercado ou demanda
para forçar um tal progresso. O crescimenro do Império ampliara o mercado, mas
foi um processo de alargamento e não de aprofundamento. De fato, muitas províncias
imperiais desenvolveram ind ústrias próprias para atender ao merc.1.do local. Além
disso, o poder aq uisitivo da vasta maioria do povo ainda era pequeno, e o padrão de
vida permanecia bem modesro.
Escravos e criminosos trabalhavam nas minas e pedreiras do Império Romano.
Os criminosos eram condenados para a vida toda, ou por um longo período, ao ser-
viço nas minas, em lugar da pena de morte. Homens livres por vezes alugavam sua
mão-de-obra por certo tempo, mas a maior parte da mineração era feita por grandes
equipes de escravos.
Cada distrito minerador estava sob a responsabilidade de um funcionário imperial
que ou gerenciava as minas (se operadas pelo Estado) ou as arrendava para emprei-
teiros. Quando era o Estado que dirigia sua própria mina, o encarregado costumava
ser um escravo imperial ou um homem liberto. Escravos capatazes supervisionavam
as operações e talvez recebessem uma comissão pelos lucros.
Os empreiteiros obtinham grandes lucros fazendo milhares de escravos padece-
rem sob condições primitivas. Meios mecânicos para facilitar o trabalho - como sa-
rilhos, molinetes e baldes com correntes - eram pouco usados e apenas nas minas
mais novas.
De minas espalhadas por rodo o mundo civilizado vinham os minerais de que o
império precisava - cobre, de C hipre e Portugal; enxofre, da Sicília; ferro, de Elba;
chumbo e estanho, da Espanha e da Britânia; ouro e prata, da Dácia, Gália e Espa-
nha; fósforo, do Egito; mármore, de Luna, Himeto e Paros. A procura por minerais

NO S M ERCADOS, NAS OFIC IN AS E M INAS


era uma importante motivação no ímpeto de conquistas para 0 Império, e o su- grupos de dois ou três eles pulveriZilm esse material, deixando-o tão fino quanto a me-
cesso significava substanciosas fontes de renda. O imperador Vespasiano (69-79) lhor dos farinhas de trigo.
ganhava o equivalente a 44 milhões de dólares por ano somente com 0 ouro da Ninguém poderia olhar para a esqualidez daqueles infelizes, sem um trapo sequer pa-
Espanha. As minas daquela pane do império eram tão importantes para Roma ra cobri-los, sem sentir compaixão. Podem estar doentes ou mutilados, ou velhos, ou po-
quanto as minas de ouro e de prata, do México e do Peru, seriam um dia para a dem ser mulheres debilitadas, mas não há indulgência nem descanso. Todos igualmente
própria Espanha. são mantidos na labuta pelo chicote, até que, vencidos pela fadiga, morrem atormentados.
Como era a vida de um escravo nas minas pode ser deduzido do que escreveu o Sua desgraça é tão grande que eles temem o que está por vir, mais do que o presente, e as
historiador Diodoro, no século I a.C., sobre as condições da mineração no Egito e punições são tão severas que a morte é mais desejada que a vida.
na Espanha, em pontos opostos do Mediterrâneo. Descrevendo os escravos nas mi-
nas do Egito, ele disse: Sobre as minas espanholas, Diodoro escreveu:

Lá eles se aglomeravam, todm acorrmtados, totÚJs trabalhando continuamente dia e Os trabalhadores dessas minas produzem ganhos incríveis para os proprietários, mas
noite. Não há descamo, nem como escapar; pois, por falarem lfnguas diferentes, seus guar- passam a vida debaixo da terra, nas pedreiras, desgastando e consumindo seus corpos dia
das não podem ser corrompitÚJs por conversas amigáveis ou atos efetivos de bondade. Onde e noite. Muitos morrem, o softimento deles é grande. Não há nenhum alívio, nenhum des-
as rochas auriferas são muito duras, primeiro são queimadas com Jogo e, depois de amo- canso. As agruras a que o látego do supervisor os submete são tão severas que, salvo alguns
lecerem o suficiente para se renderem a seus esforços, milhares desses infelizes são colocados poucos, cuja força do corpo e a bravura da alma lhes permitem resistir por um longo tem-
para cortar as pedras com instrumentos de ferro, sob a direção tÚJ capataz, que examina po, eles abandonam a vida, pois a morte parece preferível.
a pedra e instrui onde começar. Os mais fortes entre aqueles desig;naMs para esta infortu-
nada lida cortam o mármore com picaretas de ferro. Não há habilidade nisso, apenas for- O historiador grego Políbio registrou que, nas minas de prata próximas a C ar-
ça. Os poços não são perjUrados em linha reta, mas seguem os veios da pedra reluzente. tagena, na Espanha, trabalhavam, em sua época (século 11 a.C.), 40 mil escravos.
Onde a luz tÚJ sol é interrompida pelos meandros da pedreira, eles usam lâmpadas amar- Como um suprimento abundante e barato, os escravos eram impiedosamente explo-
radas na testa, e ali, contorcentÚJ-se de acortÚJ com os contornos da rocha, eles atiram no rados. Mas a mortalidade às vezes tornava-se tão alta, como nas minas de realgar da
chão os.fragmentos extra{tÚJs, numa labuta continua, sem intervalo, sob o látego impietÚJso Paflagônia, que os empreiteiros tinham de seguidamente suspender as operações. O
tÚJ supervisor. poeta romano Lucrécio, contemporâneo de Diodoro, comentou sobre o que as mi-
Crianças pequenas descem pelos poços até as entranhas da terra, juntando laborio- nas faziam com os homens que nelas trabalhavam:
samente as pedras que são jogadas para baixo e carregando-as até o céu aberto, na sal-
da do poço, onde são apanhadas por homem de mais de trinta anos, cada um recebendo Não percebes, quando os homens seguem os veios de prata e ouro e procuram esses
uma quantidade estipulada, que eles trituram em almoforizes de pedra com pilões de metais com picaretas nas entranhas da terra, que mau cheiro Escaptensula [uma cida-
ferro, em pedaços tão pequenos como uma ervilhaca [uma planta}. Depois isso é pas- de na Trácia com minas de prata} exala lá de baixo? Que males essas minas de ouro exa-
satÚJ para mulheres e velhos, que os colocam sobre fileiras de pedras de amolar, e em lam! A que estado reduzem o rosto tÚJs homens e o que fazem com sua aparência! Pois saibas,

~ H I S TO RI A I LU STRAD A DA f SC R AVI O AO NOS MER C ADOS, NAS OFICINAS E MINAS


não de vista ou de ouvir dizer, que é comum eLes morrerem em pouco tempo e que to-
dns ns forças vitais falham àqueles a quem a dum compulsão da necessidade confina
num taL emprego.

O registro solidári o dos sofrimentos dos escravos minerado res deixado po r Dio-
do ro é raro entre historiadores antigos. Po ucos impo rtavam-se com a sorte de mi-
lhões de pessoas que estavam na base da sociedade. M as por pior que fosse a vida
dos mineradores, o problema dos escravos nas grandes fazendas era ainda maior,
pois lá havia muito mais pessoas.

H IS TORIA ILUSTRADA DA E SC RA VIOÁO


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unidade. Esses imensos ranchos, chamados latifondia, provavelmente não tinham
mano do século II a.C. A mão-de-obra escrava barata que invadiu a Itália menos de 4 mil hectares, geralmente muito mais. Plínio cita a propriedade de um ho-
wrnou lucrativas as grandes extensões de terra para p lantio e pastagem. A mem que morreu em 8 a.C., deixando 4.11 7 escravos, 7.200 bois e 257 mil outros
lavoura de subsistência, pertencente ao camponês, logo deu lugar a grandes proprie- animais. Sêneca, filósofo romano do século I d.C., fala sobre fazendas de gado maio-
dades dirigidas por proprietários ausentes e com mão-de-obra escrava. Grandes ran- res do que reinos, tão grandes que seus donos não as conseguiam percorrer em
chos para criação de gado dominavam o sul. No centro da Itália, as vinhas e as oli- roda sua extensão. Para que fossem lucrativos, os ranchos tinham de ser administra-
veiras, mais lucrativas, substituíram os cereais e os legumes e verduras, que podiam dos em larga escala, sob uma só direção. A aristocracia romana, acumulando vastas
ser importados das províncias a preços mais baixos. fortunas com a exploração do Império, investia em terras e escravos. Os camponeses,
mutilados pelo serviço militar, tinham de vender suas propriedades. As grandes ex-
tensões de terra expandiam-se enquanto pequenas fazendas encolhiam, a mão-de-obra
livre sendo substituída pelo trabalho escravo. (Os camponeses desapossados seguiam
para as cidades em busca de sustento ou perambulavam pelos campos, procurando
trabalho durante a vindima e as épocas de colheita.)
A mão-de-obra escrava atraía os donos de terra empreendedores, pois era um
bom investimento. Podiam fazer com que esses escravos trabalhassem num ritmo
bem acelerado e rapidamente recuperavam o que gastaram. N ão tinham de pagar sa-
lários e não precisavam se preocupar com deserções para as cidades ou com a con-
vocação para o exército.
Na época de Augusto, havia muitas propriedades em Apúlia, na Calábria, Etrúria,
Córsega, Sardenha, Sicília e norte da África. Imensas massas de escravos trabalhavam
em fazendas cientificamente gerenciadas. Com a supervisão de escravos, cultivavam-se

Na Roma Antiga, escravos trabalham na atividade pecuária. Cidade de Nápoles


vinhas, oliveiras, jardins, campos e prados. Em vastas extensões de terra, pastavam cen-
tenas de milhares de ovelhas, cabras, bois, vacas, sob os cuidados de escravos pastores.
Onde fosse necessário, o trabalho escravo era suprido por meeiros livres e trabalha- No centro de cada propriedade havia uma casa grande, e em torno dela alojamen-
dores sawnais. Durante os últimos dois séculos da República, porém, as regiões domi- tos de escravos e trabalhadores contratados, os estábulos e os abrigos para o gado e cer-
nadas pelas grandes fazendas e ranchos "dependiam muito mais da mão-de-obra escrava cados, silos, celeiros, depósitos e o galpão de ferramentas. Nas ruínas de Pompéia, ar-
do que qualquer outra parte do mundo antigo, em qualquer outro período da antigüi- queólogos descobriram a casa de uma propriedade que produzia vinho e óleo a granel
dade," disse o moderno especialista em mundo clássico, William L Westermann. para fins comerciais. Pertencia a um homem chamado Agripa Póstumo. Grandes pren-
Algumas das grandes propriedades foram formadas a partir de p equenas extensões sas para vinho ficavam no quintal, além de haver um amplo espaço para estocagem nas
de terra. Outras, nascidas de terras incultas, foram colonizadas como uma grande adegas. Nos fundos, barracões abrigavam os escravos em dezoito pequenos quartos.

IL·-- HISTORIA I LUSTRADA DA E sc RA VJo Ao


N A FA ZENDA E N O RAN C H O
Ao lado havia um ergastulum, ou prisão de escravos, com troncos d e ferro para con-
IMP~ RIO ROMANO NA
fi nar os rebeldes. Gra ndes estábulos erguiam-se entre os alojamentos e o ergastulum.
~POCA DE TRAJANO
Em muitas fazendas, os escravos trabalhavam acorrenrados uns aos outros. Nos cam- CERCA DE 117 D.C.
SARMÁCIA
pos, labutavam sob a vigilância de um supervisor e à noite eram trancados em prisões.
O professor James H . Breasred descreve a vida dos escravos nas grandes fazendas como

um pouco melhor que n dos animnis. Homens dignos e nascidos livres ernm mnrcados
com ferro em bmsa, como bois, pam fins de identificação. A noite eram reunidos em bnr-
racões. e, pela mnnhã, levados como animais de carga semifomintos pam trabalhar nos
campos. Os verdejnntes campos da Itália, onde outrom agricultores robustos contempla-
vam o crescimento de grãos semendos e cultivados por suas pr6prias mãos, ngora estavam
aos cuidados de criaturas infelizes e sem esperançns, que desejavam nunca terem nnscido.

Um relance de como eram tratados os escravos nas grandes propriedades é dado por
ARÁB IA
Varrão, escritor romano do século I. C omo Catão, ele também escreveu um tratado so-
bre agricultura chamado De re rustica. Seu manual ensina os proprietários de terra a ad-
ministrar suas fazendas. Em uma das passagens, ele discute o tratamento aos escravos e Torna o capataz mais zeloso com recompensas, e providencia para que ele tenha algu-
o tipo de escravo que poderá ser o melhor intendente ou capataz: ma propriedade, e parceiras entre as escravas para lhes gerar filhos; pois assim ficarão mais
estáveis e ligados ao lugar. É devido a essas relações que as fomilias de escravos do Épiro
Escravos não devem ser nem acovardados nem briosos. Precisam ser supervisionados por possuem a melhor das reputações e os preços mais altos. A boa vontade dos capatazes deve
homens que saibam ler e escrever e tenham um pouco de instrução, que sejam confiáveis ser conquistada, tratando-os com certa consideração; e aqueles entre os trabalhadores que
e mais velhos que esses trabalhadores; pois serão mais respeitados do que se fossem mais jo- excederem os outros também devem ser consultados quanto ao trabalho a ser feito. Quando
vens do que aqueles. Além do mais, é especialmente importante que os capatazes sejam ho- isso acontece, ficam menos inclinados a pensar que estão sendo desprezados, e antes pen-
mens experientes na administração de fazendas; pois o capataz não deve apenas dar ordens, sam ser alvo de alguma estima por parte do senhor.
mas também participar do trabalho, de modo que seu subordinado possa seguir-lhe o Ele terá mais interesse pelo trabalho se for tratado com mais liberalidade em rela-
exemplo e também entender que há uma boa razão para ele supervisioná-los - o foto de ção à comida, mais roupas ou dispensa do trabalho, ou permissão para pastorear al-
que ele é superior a eles em conhecimento. Não se deve permitir que controle seus homens gum gado de sua propriedade, ou outras coisas dessa natureza; de modo que, se alguma
com o açoite em vez das palavras, se é possfvel atingir o mesmo resultado. tarefa excepcionalmente pesada lhe for imposta, ou alguma punição infligida, sua leal-
Evita ter muitos escravos da mesma nacionalidade, pois isso é um terreno fértil para dade e amabilidade para com o senhor possam ser recuperadas pelo consolo resultante
querelas domésticas. de tais medidas.

·-~ I
H ISTÓ R IA IlUSTRADA OA E SCRAVIDÃO
NA FAZENDA E NO RANCHO ~
Carão, o Antigo, que viveu um século antes de Varrão e escreveu durante o co- O senhor, por outro lado, só queria ganhar din heiro arrancando o máximo que
meço do sistema, aconselhava o proprietário de escravos a "vender os bois de carga, pod ia de seu escravo. Trabalho ineficiente e descuidado era comum em fazendas e
o gado defeituoso, as ovelhas defeituosas, a lã, as peles, a vel ha carroça, as ferramen- ranchos, além de se despende rem m uito tempo e d inheiro planejando meios de
tas gastas, o escravo idoso, o escravo doente e tudo o mais q ue não for necessário". extrair trabalho de escravos desmoti vados.
Posteriormente, ele prescreve a quantidade de pão, vinho e roupas que deve ser A vida de um escravo no campo, sob as ordens de um senhor generoso, pod ia ser
dada a escravos que exercem d iferentes tarefas na fazenda. C ontinua referindo-se aos tolerável. Mas, provavelmente, poucos senhores seguiam os padrões de conduta
"escravos que trabalham acorrentados", o que torna claro que essa era uma prática apresentados pelos autores de manuais agrfcolas. N a época das imensas proprieda-
comum nas grandes propriedades. Carão sugere que ape nas a um dos escravos, o in- des rurais, parece que o tratamento impiedoso era bem mais comum.
tendente, deve ser permitida uma esposa. Se todos os outros escravos tivessem espo-
sas, o custo de supri-los de alimento e roupa duplicaria ou triplicaria, d isse ele. E,
segundo seu raciocínio, a maioria das mul heres seria economicamen te inútil e seus
filhos também, pelo menos até a idade ativa- se sobrevivessem até lá.
E a escravidão nas fazendas meno res? Um exemplo desse tipo de propriedade, de-
senterrado em 1932, era a propriedade do poeta Ho rácio (65-8 a.C.) , que viveu no
vale de Sabina, a cerca de 70 quilômetros de Roma. A casa e a fazenda foram dadas
ao poeta pelo rico Mecenas, um estadista e patrono literário, em 34 a.C. A casa era
uma mansão espaçosa com 24 quartos, vários com pisos de mosaico. H avia três pis-
cinas para banho e grandes jardins simétricos com pórticos cobertos. A propriedade
de H orácio compreendia uma fazenda, onde trabalhavam oito escravos, e cinco lo-
tes arrendados para famílias.
' A fazenda era suficientemente grande para proporcionar uma boa renda. O poe-
I' ta tinha interesse em desenvolver uma fazenda-modelo, embora pessoalmente não
lhe dedicasse muito tempo. Os escravos cultivavam uma vinha, frutas e pomares,
lIi além de uma plantação de milho. Nas campinas e bosques pastavam muitas ovelhas,
bois, cabras e porcos.
J
Homens abastados, que viviam em cidades italianas, geralmente possuíam pro-
priedades como essa, administradas por escravos intendentes. Com a oposição de in-
teresses entre senhor e escravo, fica claro po r que Varrão e C arão davam tanta
atenção à escolha e treinamento de bons intendentes. O escravo não se importava
com o sucesso ou os lucros da fazenda. N ão recebia nenhum incentivo para produzir.

H ISTORIA IlUSTRADA DA fSCRAVIOAO NA FAZ E N DA E N O RANCHO


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O s seres hu manos q ue Roma escravizava em suas guerras de conquista eram con-
te ou ~m ofício é un~ benefício que os jovens trad icionalmente esperam sumidos de modo rápido e inconseqüente. N uma época em q ue vidas eram desper-
da socredade. Para o JOvem escravo do Império, no entanto, o aprendiza- diçadas em grande número, não se q uestio nava a carnificina indiscriminada para di-
do num ofício era compulsório. Ele tinha de aprender o que seu senhor escolhesse vertimento p úblico. Tortura e açoites era m comuns. Executavam-se pessoas pelos
para ele. O treinamento era feito pelo proprietário ou po r sua equipe. O senhor po- meios mais perversos. A crueldade sádica parecia estar logo abaixo da superfície hu-
dia utilizar essa aptidão para si próprio ou preparar o escravo para ser vendido por mana, pronta para entrar em cena, sempre que houvesse uma oportunidade. Sua ex-
um bom preço.
pressão na vida romana não pode simplesmente ser atribuída à degeneração daque-
O comércio e manufatura ofereciam os canais mais amplos de aprendizagem, mas la sociedade, po is o mal já vinha sendo praticado há milhares de anos. Apesar do
os escravos também eram treinados para proporcionar entretenimento. Em casa, um "progresso" e do "avanço" da civilização, isso tornaria a explodir repetidas vezes, até
nobre rico queria escravos com aptidões artísticas e nas letras. Esses escravos não 0 século XX, quando os nazistas assassinaram milhões de pessoas, numa escala ain-
eram apenas úteis, mas também sinais evidentes de cultura. Sabe-se que um nobre da maior que no tempo de Roma, e os comun istas enviaram milhões de prisionei-
romano cercava-se de onze escravos que aprenderam a recitar de memória Homero, ros políticos para trabalhos forçados em campos de concentração.
Hesíodo e os poetas líricos.
Os gladiadores (a palavra vem do latim gladius, espada, a arma geralmente utiliza-
O Império tinha muitos instrutores de renome que podiam oferecer treinamen- da) eram escolhidos entre os escravos, prisioneiros de guerra e criminosos condenados.
to especializado para escravos. Dançarino, cantor, músico, acrobata, mágico - qual- A mo rte na arena era a sentença dada aos criminosos por crimes como assassinato,
quer que fosse a preferência de um senhor, algum instrutor de escravos poderia prestar traição, roubo, incêndio premeditado e sacrilégio. Muitos gladiadores odiavam seu
o serviço. Para o escravo, geralmente significava a aquisição de algum ofício ou ap- confinamento e o treinamento embrutecedor, e preferiam amotinar-se ou suicidar-
tidão, pelo qual se poderia sustentar, caso se tornasse livre. E algumas aptidões cer- se a submeter-se ao destino que lhes era imposto. Ao mesmo tempo, alguns homens
tamente lhe asseguravam uma vida melhor do que ele teria de outra maneira. Mas livres efetivamente optavam pelo ofício de gladiador por amor à glória. Poetas, pin-
havia uma aptidão que oferecia pouca esperança para qualquer coisa, a não ser para tores e escultores imortalizavam os grandes gladiadores, as mulheres os perseguiam
a morte violenta - a de gladiador.
e a multidão os adorava.
O artista principal da sociedade romana era o homem treinado para a morte na M as a maioria dos gladiadores era formada de escravos, que não tinham escolha
arena. A população reunia-se às dezenas de milhares pela emoção de ver um gladia- quanto ao seu destino. Eles prestavam um juramento para suportar sem queixas o
dor matar o outro. Esses jogos tradicionais remontavam a centenas de anos. Parece açoite, as queimaduras, ou a morte. Seu aprendizado preparava-os para se tornarem
que já eram conhecidos pelos etruscos em 600 a.C. Suas urnas funerárias do século animais lutadores, que proporcionariam um bom entretenimento na arena.
111 a.C. retratam gladiadores. Os romanos começaram com seus espetáculos gladia- H avia quatro escolas para gladiadores em Roma na época do Império, e várias ou-
tórios em 264 a.C., na época da Primeira Guerra Púnica. Os primeiros a ser apre- tras por toda a Itália. Eram administradas como rigorosas academi·as militares.
sentados sob patrodnio oficial foram os jogos de 105 a.C., quando os dois cônsules G eralmente estavam a cargo de homens que haviam ocupado altos cargos na pro-
daquele ano ofereceram os espetáculos. O sacriffcio humano, conhecido como mu- víncia ou no exército. O s instrutores profissionais eram gladiadores veteranos dos
nus, tornou-se um divertimento apreciado por toda a população. vários estilos. Para promover e cuidar da saúde dos lutadores, havia uma equipe de

1. _.
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HI ST OOI A IlU S T R ADA D A ESCRA VI DA O
MORT E NA AR E N A
e 5 mil em pé. O diâmetro da arena em que tinham lugar os jogos era de 86 por 54
massagistas, médicos e cirurgiões. Como em outras profissões, os gladiadores eram
metros. Havia uma grade de metal que protegia os espectadores das feras selvagens,
classificados por habilidade ou tempo de serviço. O s novatos galgavam os degraus
do prestígio, se vivessem tempo suficiente para tal. quando essas saíam das câmaras subterrâneas.
Nas províncias, onde a vida era mais tediosa, a paixão pela crueldade autoriza-
Os gladiadores eram divididos de acordo com as diferentes armas q ue usavam. Os
da era tão forre quanto na própria Roma. Muitas cidades tinham grandes anfitea-
samnitas carregavam escudo e espada; os trácios usavam adaga e broquei; os murmil-
tros - Arles, Cartago, Treves (hoje Trier, na Alemanha), Antioquia, Alexandria,
lones, um capacete encimado pela figura de um peixe marinho; os faqueatores, uma
Puteoli (perto da moderna Pozzuoli , na Itáli a), Pompéia, Cápua, Verona . (Prova-
velmente a Grécia foi a única província romana que nunca aceitou os jogos.) Nas
cidades os jogos eram oferecidos por magistrados locais, sacerdotes ou ri cos cida-
dãos, que arcavam com as despesas. O s patrocinadores contavam com forn ecedores
que possu íam bandos de gladiadores, que eram alugados pelo melhor preço. O s
espetáculos du ravam de um a oito dias. Uma vez que cerca de metade dos homens
perderia a vida nos jogos, o forn ecedor conservava seu grupo com a aquisição con-
tínua de escravos. Em Roma não era preciso fornecedores, pois as escolas impe-
riais e as equipes mantidas por alguns nobres supriam as necessidades.
Magistrados municipais estavam limitados, por Augusto, a oferecer um único
festival público por ano em que humanos eram sacrificados nos jogos. Na pró-
pria Roma ele autorizava dois festivais públicos anuais, restritos a 120 gladiado-
res. (Mais tarde, no tempo de Trajano, um munus durava 11 7 dias, com 4.941
pares de gladiadores lutando.) Mas os espetáculos gladiatórios privados, ofereci-
dos pelo imperador, não tinham limites; ele e os governantes que o sucederam

F. Netti. Após uma luta entre gladiadores, escravos limpam a arena para a festa continuar ofereciam mui tos a cada ano. Na época da República, o povo rom ano tornara-se
tão ávido de espetáculos que os candidatos políticos prometiam diversão sangrenta
atiradeira; os retarii lutavam com rede e tridente; os dimachae armavam-se de uma
como meio de ganhar votos. Inevitavelmente, os imperadores tiravam proveito
espada curta em cada mão; os essedarii lutavam em bigas; e os bestiarii lutavam con-
tra feras. dessa mesma ânsia por matanças para promover sua própria popularidade. Os jo-
gos tornavam-se cada vez mais pródigos, mais engenhosos, mais sangrentos. No
A arena mais famosa, construída em Roma pelos imperadores Vespasiano e Tito,
século IV a.C. o número de dias dedicados aos jogos e espetáculos em Roma aumen-
entre 75 e 80 d.C., é conhecida por nós como Coliseu. As ruínas indicam a típica
tara para 175 por ano.
configuração dos anfiteatros do mundo romano. Feito de blocos de travertino, 0
O s jogos geralmente duravam o dia todo, do alvorecer ao crepúsculo, às vezes
edifício forma uma circunferência ovalada de 527 metros. As paredes erguem-se em
seguindo noite adentro. O entretenimento tinha de ser variado para não entediar
fileiras de arcadas a uma altura de 57 metros • Comportava 45 m 1·l pessoas sentad as

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Hr STORIA ILUS T R AD A DA E SC RAVIOÀ O
M ORTE NA ARENA ~
o públ ico. Assim , projetou-se um engenh oso sistema de água que permi t ia in un-
dar a arena do Coliseu, transform ando-a n um lago. Os gladiado res aprend iam a
lutar tan to na água quan to na a reia d a a rena .
Animais eram uti lizados para di versificar a monotonia da mo rte humana. Jun -
tavam-se panteras, macacos, avestruzes, girafas, crocod ilos, linces, javalis, lo bos,
leões, tigres, elefantes. An imais de rodo o m undo conhecido desfi lavam o u executa-
vam números circenses. Em outros tempos, ani mais selvagens eram instantanea-
mente lançados na arena, por um sistem a de rampas e içamentos, para d uelar até a
m o rte diante d os gritos da curba: um urso co ntra um búfalo, um búfalo contra um
elefa nte, um elefante contra um rin oceronte. E m um só dia, o imperado r Nero reu-
niu 400 tigres para lutar com touros e elefantes. Homens colocados a uma distância
segura atiravam flechas nos animais indefesos o u espicaçavam-nos com dardos e fer-
ros em brasa. Outros entravam na arena para lutar com leões, tig res, leopardos o u
touros. Armados de azagaias, adagas, lanças o u ti ções, e auxiliados po r cães, eles ma-
tavam um incrível número de animais: cinco mil q uando T iro inaug uro u o Coliseu,
em 80 d .C.; 2.2 46 em um dos festivais de Trajano.
A atração principal, entretanto, era gladiador contra gladiador em pares ou grupos.
Às vezes eles encenavam falsas batalhas, com armas acolchoadas e golpes atenuados.
M as isso era apenas um aquecimento para as lutas de vida ou morte, em que um ho- lipot Kerpel. Vista do Coliseu, 1846. O Coliseu era uma imensa arena, onde o Estado promovia l~tas
g ladiató rias, espetáculos com animais selvagens, corridas de bigas e até mesmo batalhas nava•s
mem só tinha esperança de sair vivo se matasse o opo nente.
Na no ite que antecedia os jogos, os gladiadores reuniam-se par a um banquete ceri- Uma explosão de música cocada por uma orquestra ou o clangor de trombetas de

monial - para muitos, a última refeição. Permitia-se a entrada d o público, fazendo até uma banda dava início à ação. Então vinha o primeiro par de gladiadores para lutar. O s

mesmo dessas horas de aflição um espetáculo. O dia seguinte começava com um desfi- espectadores tinham seus favoritos - um ho mem cuja habilidade o u personalidade ad-

le de glad iadores em torno da arena, seguidos por criad os carregando suas armas. miravam , ou talvez a preferência por um determ inado tipo de arma. Faziam-se as apos-

Parando diante do camarote onde estavam sentados o imperador e a imperatriz em tro- tas e quando 0
sangue jorrava das primeiras fe ridas, o público gritava: "Ataque! M ate!

nos de ouro e marfim, eles erguiam o braço direito e diziam: "Salve, Imperador, aque- Q ueime-o!". Se a luta seguisse com lentidão, um instrutor ao lado chicoteava os glad ia-

les que estão prestes a m o rrer te saúdam!". Então as armas eram entregues. dores até sair sangue. Quand o um hom em caía sob um golpe mortal, assistentes espe-

O pareamento dos contendores era feito tirando-se a sorte. Algum as vezes os gladia- ravam-no com varas afiadas para ver se ele estava fingindo de morto. Se estivesse, eles o

dores lutavam com ho mens treinados nas m esmas armas; em outras, duelavam hom ens m atavam com uma m arreta. O perdedor era arrastado com ganchos, enquanto a areia

com armas diferentes. Por capricho, certa vez se enfrentaram um anão e uma mulher. manchada era revirada e renovada para o próximo combate.

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M ORTE NA A R EN A
H ISTO R I A I LUSTRADA OA E SCRAVID Ã O
Dois gladiadores do mesmo nível podiam terminar empatados, ou morrerem ao
mesmo tempo. Às vezes, o perdedor, muito ferido mas ainda vivo, sentia-se inca-
paz de continuar, deitava-se de costas e erguia o braço esquerdo pedindo misericór-
dia. O vencedor então submetia ao imperador a decisão sobre o destino daquele
homem. O imperador voltava-se para consultar a multidão. Se achassem que o derro-
tado havia lutado com bravura, agitavam seus lenços ou levantavam os polegares para
cima e gritavam: "Deixe-o ir!". Se o imperador concordasse, ele também levantava
o polegar e o perdedor tinha a vida poupada. Se os polegares apontassem para baixo, o
prostrado era morro pelo vencedor.
O vencedor era recompensado ali mesmo com presentes caros e o aplauso da
multidão. O escravo agora tinha glória e riqueza. Mas a sua sorte durava apenas até
o próximo dia na arena, quando novamente teria de arriscar a vida e tirar a vida de
outros. Os melhores gladiadores tinham a esperança de um dia ganharem a espada
de madeira, que simbolizava a concessão da liberdade.
Em alguns dias de festival, o gladiador não tinha chance de sobreviver. A regra era
que ninguém poderia escapar vivo. Logo que tombava um gladiador, providencia-
va-se um substituto para lutar com o vencedor, e outro e mais outro, até que rodos
os lutadores caíssem morros.
A matança na arena atingia ainda um outro ponto culminante quando milhares
de homens eram reunidos para lutar entre si em um combate coletivo. Augusto uma
vez enviou dez mil homens para oito jogos dessa natureza. A paixão que romanos de
rodas as classes tinham por ral diversão persistiu até o fim do império.
Poucos protestavam. A visão do sangue e do sofrimento, disse Cícero, ensinava o
desprezo pela dor e pela morre. Plínio, o Jovem - que não conseguia suportar a visão
de uma arena cheia de cadáveres-, acreditava que os massacres inspiravam coragem.
Mas Sêneca, escritor que outrora havia sido tutor e conselheiro de Nero, discorda-
va. Depois de um dia assistir aos jogos, escreveu: "Volto para casa mais cobiçoso,
mais cruel e desumano, pois estive entre seres humanos. (... ) O homem, uma cria-
tura sagrada para o homem, é morro por esporte e diversão".

H ISTO R I A ILUSTRA DA D A E SC RAV IDÃO


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E
l)lrlr 11 "- "'" ' 1111 t • • '" "n 1 N ão era nenhuma novidade a indiferença em relação aos sentimentos dos escravos.
cravo rom~o. Podemos apenas juntar fragmentos de informação recolhi- Eles viviam num império que havia tragado o mundo. Os governantes rrava ram
dos de muitas fomes. Inscrições em monumentos, homenageando a morte guerras vitoriosas e nunca, em roda a história, tanta gente havia sido escravizada.
de escravos que pertenciam às famílias ricas e nobres de Roma, fornecem simples faros A vida das vítimas tinha pouco valor para os governantes e senhores que detinham
como nomes e funções. Às vezes epitáfios lavrados em pedras ou em placas registram poder absoluto. O s romanos não só toleravam, mas del iciavam-se com a mo rte de
a dor e o orgulho de uma esposa ou de um marido, filho ou irmão, pela perda dos milhares de escravos glad iadores. Marcação com ferro, queimaduras, açoites e mu-
escravos amados. A literatura romana que chegou até nós não contém autobiogra- tilações eram infligidos pelos senhores que, como disse Sêneca, "puniam por motivos
fias de escravos. O direito romano, no entanto, nos diz alguma coisa sobre como absurdos - uma resposta obscura, um olhar impertinente, um sussurro tão repri-
eram tratados os escravos, o que eles e seus senhores podiam ou não fazer, e que pu- mido que mal se pode ouvi-lo".
nições estavam arriscados a receber caso infringissem a lei. Nos escritos de filósofos Tais crueldades eram praticadas pelo Estado mediante o recurso da lei romana,
e homens de letras, podemos tentar seguir o curso das mudanças de atitude na so- que permitia extrair confissões de escravos sob tortu ra. O s romanos acred itavam que
ciedade em relação à escravidão. somente quando torturado o escravo dizia a verdade. Ignoravam a realidade óbvia
Os ro manos justificavam a instituição alegando escassez de m ão-de-obra ou a de que é mais provável que um homem, sob tortura, diga o que seus captores querem
própria necessidade. Não havia nenhuma noção das necessidades do escravo co- ouvir do que a verdade. (A tortura de prisioneiros é uma p rática terrivelmente
mo homem e irmão. O manual de Carão sobre o uso de escravos na fazenda mostra equivocada que continua existindo em nossos dias.)
uma visão estreita do escravo como instrumento d e produção agrícola. O único O escravo não tinha nenhum direito que fosse respeitado pela República romana.
objetivo era um gerenciamento eficiente e lucrativo da propriedade. Ele aco nselha- Ele era propriedade, não uma pessoa. Não podia possuir, herdar ou deixar qualquer
va alimentá-los para não roubarem suprimentos; dar mais comida quando a tarefa bem. Não podia casar legalmente, portanto seus filhos eram ilegítimos. Os filhos de
exigisse trabalho mais pesad o; cortar a ração se adoecessem e não pudessem tra- uma escrava eram escravos, mesmo que o pai fosse livre. Se um escravo fosse ferido por
balhar; vendê-los ao envelhecerem e ficarem esgotados. alguém, não podia entrar com uma ação no tribunal, exceto através de seu senhor. O
Em nenhum momento Carão se preocupa com a vida familiar que um homem proprietário de um escravo tinha liberdade para chicoteá-lo, prendê-lo ou matá-lo, com
possa desejar, ou em libertar o escravo algum dia, ou cuidar dele quando não pu- ou sem motivo. Podia enviar seus escravos para a morte na arena, ou deixá-los morrer
der mais trabalhar. Só lhe é dado o vestuário suficiente para ele sobreviver - uma de fome. Escravos fugitivos eram marcados ou crucificados quando apanhados.
camisa, uma capa e um par de sapatos de madeira a cada dois anos. Até mesmo as Se um escravo, tratado como um animal, revidasse e matasse seu senhor, a lei
punições são apropriadas às necessidades de realização das tarefas. Escravos que exigia o sacrifício da vida de todos os escravos da casa. Quando Pedânio Secundo,
causam problemas ou cometem crimes são acorrentados e confinados na prisão da um prefeito de Roma, foi morto por seu escravo em 61 d.C., todos os 400 escra-
fazenda, mas somente durante a estação de inverno, quando diminui o trabalho. vos de sua propriedade foram condenados à morte pelo Senado. De outra forma,
Varrão, em seu manual, escrito um século depois, é um pouco mais esclarecido. ponderava o Senado, um senhor nunca estaria seguro entre seus escravos.
Ele acredita que se o escravo tiver um tratamento melhor e ficar mais satisfeito, se- Durante o Império, porém, a lei aos poucos abrandou sua severidade para com o
rá mais produtivo, mas seu conselho é essencialmente o mesmo de Carão. escravo. Talvez isso tenha acontecido porque, com o fim das conquistas, diminuíra

I .·-
~ Ht S TOR I A I LUST RADA OA E S C RA VID ÃO
( O MO V IVI A M O S E SCR A VOS RO M A N OS
o suprimento de escravos e cada vez ma1s esses
eram nascidos em Roma. Começando com Augus-
to, os imperado res passaram a decretar leis que da-
vam maio r proteção contra maus-traros. Os teste-
munhos sob rorrura continuaram, mas as mulheres
e crianças estavam isentas e a prática foi restrita em
vários aspectos. O imperador C láudio (4 1-54) im-
pedia os senhores de matar ou expulsar os escravos
doentes arbitrariamente. Yespasiano (69-79) acabo u
com a venda de escravas para a prostituição e Do-
miciano (81-96) proibiu a mutilação. Adriano ( 1 17-
138) ampliou a proteção física aos escravos, fe-
chou cárceres privados e acabou com os assassina-
tos, salvo por auroridade judicial. Antonino Pio
(138-161) fez com que os p roprietários fossem
considerados responsáveis pelo assassinato de seus
escravos. Diocleciano (285-305) proibiu o aban-
d ono de crianças escravas.
A mudança na opinião pública foi expressa em
comentários sobre a escravidão feitos por grandes
juristas romanos. Florentino escreveu no final do
século 11: "A escravidão é uma instituição da lei co-
mum a rodos os povos, pela qual, numa violação
da lei natural, uma pessoa é submetida ao domínio
de outra."
Não muito tempo depois, Ulpiano escreveu o se-
guinte: "No que diz respeito à lei romana, os escravos

Os escravos servem à aristocracia, calçam·lhes os sapatos e lutam


para diverti-los. Afresco de Pompeia

H IST ÓR I A I LUS TRA DA DA ESCRAI/IOAO (OMO VIVI AM OS ESCRAVOS ROMANOS


são considerados como nada, mas não é assim na lei natural: po rque, no que diz
respeito às leis da natureza, todos os ho mens são iguais. "
A conclusão é óbvia: se algo é contrário à natureza , está errad o e deve ser abo-
lido. Mas ni nguém propunha a abolição da escravidão.
Apesar de leis mais humanas, ainda eram relativamente poucas as limitações ao
poder de um senhor. C onseqüentemente, a sorte do escravo em m uito dependia do
caráter de seu senhor. A vida que ele vivia era a vida que o senho r o deixava viver.
O medo à punição ou à crueldade e a esperança de aliviar o fardo com a subserviên-
cia eram forças poderosas que moldavam o desenvolvimento do escravo. O homem
livre também podia ser vítima da tirania ou da perseguição, mas geralmente tinha a
chance de se libertar e procurar uma vida mais feliz em outro lugar.
C omo já fo i observado anterio rme nte, a família era uma poderosa instituição
no Estado romano, e o escravo era parte integral da famCiia de seu senhor. Ele
se submetia à organização e disciplina d esta e, quando libertad o, levava o no me
da fam ília de seu antigo senhor. Os escravos das pequenas e grandes cidades, que
trabalhavam no com ércio ou na man ufatura, geralmen te t inham permissão pa-
ra estabelecer família, embo ra o casamento não fosse legalmente recon hecido. Nas
fazendas, às vezes d ava-se uma esposa para o escravo. O s filhos nascidos de tais
uniões ta mbém eram escravos. Sem dúvida, o poder quase absoluto d o senhor
resultava em considerável indulgência sexual entre homens livres e escravas, e tal-
vez, em m enor proporção, entre mulheres livres e escravos. Até ser decretad a a
lei d e Adriano, as escravas eram amplam ente exploradas como prostitutas. Tam-
bém não era fácil para um escravo resistir a relações homossexuais exigidas por
um senhor.
Apesar disso, na escravidão romana, a vida em família podia tornar um rela-
cionamento terno e afetuoso. Existem inscrições e epitáfios que evidenciam uma
vida familiar estável e durad o ura. M esm o com a escravidão, homens e mulheres
podiam vivenciar um senso de dignidade e valor.
As acomodações para os escravos dependiam da situação econô mica de seu se-
nhor. Eles viviam na casa deste (certam en te nos côm odos menos desejáveis) ou em

H ISTÓ RIA I LUST R ADA DA E SCRAVIO A O


r alojamentos separados, que freqüentemente eram cortiços abarrotados. Na casa de
campo de Plínio, os escravos dormiam num dormitório.
Embora ainda Vitalis e gozando de vitalidade, construí uma tumba para mim, e toda
vez que passo, leio com estes meus dois olhos meu epitáfio. j á percorri o país inteiro a pé,
Nenhum tipo especial de vestuário era exigido dos escravos. Certa ocasião foi como mensageiro; com os cães, cacei lebre e raposas também, e depois consumi boas cane-
proposto no Senado que os escravos se distinguissem dos homens livres pela rou- cas de bebida. Muito do que os jovens fozem eu fiz; pois um dia morrerei. Tu que és jo-
pa, mas logo abandonou-se a idéia quando o Senado percebeu o perigo de os es- vem, se fores sensato, constrói uma tumba para ti enquanto ainda vives.
cravos tomarem consciência de como eram numerosos.
Os escravos exercitavam a vida social nos muitos clubes ou sociedades de auxílio mú- Barrados do mundo do poder e dos prazeres da classe al ta, os escravos tinham
tuo (collegia) autorizados pelo Estado. Baseavam-se no culto de um deus, mas com- títulos honoríficos, espaço e diversão em seus clubes. Eram um refúgio e uma
binavam religião com as funções de corporação de ofício, clube social e sociedade fu- fonte de irmandade e resistência.
nerária. O escravo precisava da aprovação de seu senhor para participar, o que parece Além de seu clube, o escravo podia esperar uma certa participação na maioria
ter sido fácil de arranjar. Havia reuniões e jantares para proporcionar entretenimento e dos entretenimentos da época. Podia ir ao teatro , torcer por seu cavalo preferido
descanso. Alguns clubes eram exclusivamente para homens livres; outros, reservados nas corridas e aposta r, como todos os demais, na arena, quando os gladiadores
para escravos, e outros ainda tanto para libertos quanto para escravos. Quando assim lutavam para morrer.
misturados, os escravos eram tratados igualmente, podiam votar e exercer um cargo, Uma vez por ano, no velho festival da Saturnália, escravo e senhor revertiam as
mesmo que fosse superior ao de um homem livre. Os escravos das grandes famílias ro- posições. O feriado era em dezembro e comemorava o plantio de sementes para o
manas eram suficientemente numerosos para ter seus próprios clubes. Muitos escravos próximo ano. Os escravos eram prodigamente banqueteados e também recebiam
e libertos juntavam-se em grupos por ocupação - arquivistas, contadores, gladiado- presentes. Naquele breve período, ignorava-se a distinção entre senhor e escravo. Os
res, almocreves, mineradores, atores, padeiros, carregadores, barqueiros. Precisavam de dois sentavam-se lado a lado, com o escravo dando ordens ao seu senhor e até mes-
um alvará para funcionar, persuadiam os ricos a serem seus patronos, gastavam verbas, mo criticando-o. O senhor servia aos escravos e não podia comer até que esses termi-
compravam propriedades, construíam santuários, cultuavam juntos, enterravam seus nassem. Na Matronália, comemorada em março, os escravos eram servidos por sua
morros e erguiam monumentos a si próprios. senhora. E o 13 de agosto era reservado como feriado para eles.
Para assegurar a permanência de algum sinal de sua existência, o escravo às vezes No final do século 11 d.C. , a sociedade romana parece ter chegado a uma visão
construía um monumento para si próprio e lavrava seu epitáfio enquanto ainda mais humana da escravidão. A maior importância do papel do escravo público e
estava vivo para apreciá-lo. Um desses epitáfios dizia: o reconhecimento que conquistaram podem ter ajudado a causar a mudança. O
filósofo Apolônio cristalizou a opinião ao dizer que todos, menos o bárbaro, sa-
CONSAGRADO A MÉMORIA DE bem que a escravidão é degradante. Os estóicos ajudaram a aperfeiçoar a lei roma-
na sobre a escravidão. Desde os tempos dos estóicos gregos, esses homens haviam
FLAVIA ANTIGONA, VITALIS, mensageiro de nosso proposto o ideal de viver de acordo com a natureza - uma natureza onde todos os
que está viva e que possa passar Imperador, que está vivo e homens fossem livres. Os romanos tinham perdido de vista a lei natural, até que
muito tempo comigo. possa passar muito tempo com ela. os estóicos voltaram o pensamento para a humanidade e a liberdade.

H ISTÓRIA IL UST RA D A DA ESCRAVIOÂO


(OMO V I VIA M OS E S CRAV OS RO MAN OS
Originária do pensamento estóico era a nova crença dos juristas romanos de
que, embora praticada por rodos os povos, a escravidão era contrária à natureza.
Sêneca, ele mesmo um rico proprietário de escravos, insistia para que os escravos
fossem tratados com misericórdia. Seus ensinamentos sobre a igualdade de todos
os homens não trouxe resultados imediatos em termos de legislação, mas ajuda-
ram a semear um movime nto progressista. Mais tarde, Epicteto, o filósofo estói-
co do século I d.C., pregou que rodos os homens descendiam de Deus. O verda-
deiro escravo , dizia ele, é o homem que se submete ao poder de César (na época
de Epicteto, esse nome referia-se aos imperado res em geral) , mesmo se ele for um
cônsul e se auroproclamar amigo do imperador.

HI STO RIA I LUÇTRAOA DA E SC RAV IDÃO


\O f\jll()RT\ Ol \t' I ' I P<' (\ I IP I H Jl I (' ( ' I '-1( I{\\ o

N romano podia alimentar alguma esperança de tornar-se um homem li-


vre e um cidadão. A emancipação era mais fácil e mais freqüente em Ro-
ma do que na Grécia. A palavra "emancipação" vem do latim manus (mão) e capere
Quando libertado via processo legal, o escravo recebia o nome e o status de um
cidadão romano, mas com direitos restritos. Aos olhos dos romanos, era preciso duas
gerações para apagar a mácula da escravidão, e eram os netos do liberto que final-
mente obtinham os direitos políticos plenos. Um desses netos, Pertinax, tornou-se
(tomar). O senhor romano, com absoluta autoridade, havia "tomado pela mão" ou
imperador (mas foi assassinado depois de reinar por três meses).
se responsabilizado por seus escravos. Ficavam sob seu poder até que ele resolvesse
Segundo o costume romano, o escravo liberto permanecia ligado a seu antigo
soltá-los "de suas mãos" para emancipá-los.
proprietário, que se tornava seu patrono. Ele visitava o patrono diariamente, assis-
Havia muitas razões para a alforria. Era caro manter escravos, e uma família em si-
tia-lhe no que fosse necessário, sempre lhe dava seu voto e às vezes pagava-lhe parte
tuação difícil poderia economizar libertando um escravo, mas ainda retendo alguns de
do que ganhava. Se esses deveres fossem negligenciados, o liberto poderia ser vendido
seus serviços como liberto. Senhores que se sentiam agradecidos q ueriam retribuir
novamente como escravo.
de algum modo pelo longo tempo de serviço ou por um trabalho especial. Alguns se-
Em todo 0 mundo antigo, somente Roma concedia ao ex-escravo esse grau de li-
nhores, influenciados pelo ideal estóico de fraternidade, agiam de acordo com suas
berdade. Apiano de Alexandria expressou por escrito seu espanto ao ver ex-escravos
crenças. A alforria testamentária, a forma mais popular, tinha a vantagem de utilizar
vivendo em pé de igualdade com os romanos nascidos livres. Tornando-se moda, as
o escravo até o último alento do senhor e mantê-lo sob boa conduta. Então o eman-
alforrias chegaram a tal ponto que Augusto, preocupado com seus efeitos econômi-
cipador partia para sua recompensa, flutuando numa nuvem de virtude.
cos e sociais, começou a restringi-la. Com os libertos tendo direito ao auxílio público,
Um senhor também podia libertar escravos enquanto ainda vivo. O velho méto-
muitos cidadãos estavam li bertando escravos velhos ou doentes para sobrecarregar o
do era o do pleito simulado diante de um alto magistrado que afirmava a liberdade do
Estado com o fardo de ter de alimentá-los.
escravo. Esse então levava uma bofetada simbólica do senhor, como sinal da última
Augusto estabeleceu dezoito anos como a idade mínima em que um senhor pode-
indignidade que sofreria em sua antiga posição.
ria utilizar seu direito de libertar um escravo. Q uanto a este, não seria libertado antes
Havia meios mais simples e informais de alforria. Uma carta do senhor podia
de completar trinta anos. No caso de alforria por testamento ou último desejo,
conceder a liberdade ao escravo, ou ela podia ser anunciada diante de testemunhas.
Augusto decretou que apenas uma certa proporção do número total de escravos de um
Esses métodos não conferiam plenos direitos, mas um status menor de semicidada-
homem poderia ser libertada, e nenhum senhor poderia libertar mais do que cem.
nia, que impedia a pessoa de fazer ou beneficiar-se de um testamento. Cobrava-se
Por outro lado, Augusto introduziu muitas reformas que beneficiaram os libertos.
uma taxa de 5% na transferência para o status de liberdade. Durante o império, isso
Permitiu que se casassem com qualquer um, menos com senadores, concedeu-lhes
tornou-se uma considerável fonte de renda.
0 direito de ser cavaleiros (nome que os romanos davam à classe dos homens de ne-
Mesmo sem ter um senhor generoso, o escravo podia comprar sua própria liber-
gócio) e de ocupar altos cargos, um deles tendo sido indicado como procurador da
dade. Os preços variavam bastante, mas Cícero dizia que a quantia média podia ser
Gália. Sua intenção era fortalecer e suprir a cidadania com os melhores representan-
acumulada por um escravo esforçado em alguns anos. O peculium, por lei, perten-
tes da classe dos escravos. Os libertos foram banidos das legiões romanas, exceto em
cia ao senhor. Mas se ele quisesse um bom serviço, sabia muito bem que não deve-
situações de crise. Eles podiam servir na frota naval, uma arma inferior, até que
ria interferir.
Vespasiano os proibiu.

I ·-~
~ Ht STORIA ILUS T RADA DA ESCRAVIDÃO · -~ I
F INALM EN T E , A LI B E RDA DE ~
A longo prazo, os imperado res foram modificando as leis para perm itir que Am ínoo, escravo bitínio que,
um número cada vez maio r d e escravos fosse alforriado. O s ex-escravos garan- Egito, deu sua própria vida para
tiram os mesmos direitos dos cidadãos romanos e entraram pelas po rras amp la- salvar a de Adriano, teve uma
mente abertas do comé rcio e do serviço imperial. Em 56 d. C. , um senado r ob- religião fundada em sua
servo u que "a maio ria dos cavaleiros, e muitos senadores, são d escendenres de homenagem pelo im-
escravos". Muitos libertos ficaram famosos como eruditos e filósofos, ou ganharam perador.
grandes fortunas e conquistaram grande poder - e depois, por sua vez, compra- Gaio Cecílio !si-
ram escravos. cloro é um dos mais
O filósofo estóico Epicteto, por exemplo, nasceu como escravo na Frígia, por famosos exemplos de
volta de 60 d .C. Além de condenar a escravidão, foi conrra a pena capital, afi r- homens libertos que
mando que os criminosos deveriam ser tratados como pessoas doentes. Expressou prosperaram. Além dos
sua própria versão da Regra de Ouro: "Não deseja para os ourros o que não que- milhares de escravos, bois
res para ti. " e do gado que acumulou,
No final do século II d.C., um escravo de nome Calisto tornou-se o bispo de deixou, ao morrer, 60 mi-
Roma. O imperador Diocleciano, nascido escravo na Dalmácia, conquistou o po- lhões de sestércios em dinhei-
der através de suas habilidades militares. Primeiro tornou-se imperador de uma pro- ro, com instruções para que
víncia, depois chefe da guarda do palácio e, finalmente, imperador por aclamação um milhão fosse gasto em seu
do exército, em 284 d.C. Reformou a administração imperial, depositou toda auto- funeral.
ridade nas mãos do imperador e proclamou a divindade de si próprio e de sua linha- Dois libertos do gabinete de
gem. Seu regime estabeleceu o padrão para o Império Bizantino. C láudio (41 -54), célebres por sua
Um dos mais famosos escravos romanos é o lendário Androcles. Diz a lenda que habilidade como executivos e pela
ele foi um fugitivo capturado e atirado na arena com um leão. A fera lembrou-se iniciativa em acumular riquezas, fo-
de que Androcles havia retirado um espinho de sua pata e não fez mal ao escravo. ram Narciso, secretário de Estado, e Cabeça do Im perador Di ocleciano

Por causa de sua escapada "milagrosa", ele foi perdoado e ganhava a vida exibindo Palias, tesoureiro. O primeiro juntou 400 co roada com folhas de carvalho

seu animal de estimação nas tavernas. milhões de sestércios, e o segundo, 300 mi-
Até mesmo Júlio César foi escravizado por algum tempo. Quando jovem, a ca- lhões. Estavam entre os homens mais ricos da antigüidade. Cláudio Etrusco foi
minho de Rodes para estudar direito, em 76 a.C., foi capturado por piratas cilí- escravo da família do imperador Tibério (14-37). Libertado e promovido por
cios. Libertado depois de pago um resgate, ele voltou e capturou os piratas. esse imperador, serviu d ez imperadores em cargos imperiais. Seis de seus em-
Crucificou-os, mas generosamente mandou cortar-lhes a garganta antes de pregá- pregadores reais foram assassinados, mas o liberto morreu tranqüilamente aos
los na cruz. oitenta anos.

1. __ ·-- I
~ H 1 ST0R IA I LU S T RA D A DA E S C R A V ID Ã O FI NAlM EN T E. A l i BERDA DE ~
O h-;sroriador Tenney Frank estima que, durante o Império, pelo menos quarro
de cada cinco pessoas em Roma tenham sido emancipadas ou eram descendentes de
escravos. De Cláudio a Trajano, os imperadores escolheram liberros para seus ga-
binetes. Em nome do imperador, os ex-escravos exerciam poder sobre a vida e o
desrino de rodos os súdiros. Mas quando Adriano tornou-se imperador, ele come-
çou a subsriruir escravos e liberros no serviço imperial. No final do século III d .C.,
os posros administrativos mais baixos eram ocupados em grande parre por ho-
mens livres.

H! STORIA ILU ST R ADA DA ESCRAVIDÃO


''T
roda. Com a liberdade (através da morre) tão próxima, perguntava Sêneca, por que
alguém continuaria sendo escravo?
')() 1 'iCI{,\\'0 ()' • Pn ~;. "· I I \f I I li(.() l ) l I UH)ff 1\\'( Em vez de se matarem, alguns escravos retaliavam matando seus senhores. Tais as-
Assim dizia um provérbio romano. Era um ditado popular, com raizes na relação sassinatos ocorriam com freqüência suficiente para que estes tivessem a devida cons-
entre senhor e escravo. Que saída restava ao escravo não satisfeito com a escravidão? ciência do constante perigo. Plínio conta sobre um senhor, Lárgio Macedo (ele mesmo
Embora muitos comprassem sua liberdade, outros milhões nunca puderam arreca- filho de um escravo), que era cruel e arrogante. Um dia, enquanto se banhava em sua
dar dinheiro suficiente. .t. claro que o escravo podia fugir, matar-se, assassinar seu se- casa de campo, o odiado homem foi cercado por seus escravos e espancado. Pensaram
nhor. Ou então, revoltar-se. que ele estava morto, mas ele viveu mais alguns dias, o suficiente para ver seus agresso-
Escapar não era fácil. Durante as guerras civis, porém, a chance do escravo tor- res capturados e mortos. Outro incidente contado por Plínio é sobre Metílio Crispo,
nava-se maior. Após o assassinato de César, em 44 a.C. , dezenas de milhares fugiram um senhor de escravos de Como, que cerra vez partiu em viagem com alguns de seus
de seus senhores para se juntarem às forças de Sexto Pompeu contra Brutus e Cássio. escravos e sumiu. Plínio observa que nenhum dos acompanhantes foi visto novamente.
O número de desertores foi tão grande que as Virgens Vestais pediram aos céus que Nenhum senhor podia sentir-se seguro, por mais bondoso e generoso que ele se
os detivessem. Pompeu prometera a liberdade aos escravos que o ajudassem. Mas imaginasse. A antiga tradição romana exigia a morte de rodos os escravos de um ho-
quando ele foi derrotado por Otaviano (o futuro imperador Augusto), o conquista- mem, se um deles assassinasse seu senhor. Mas no caso de um senhor notoriamente
dor devolveu a seus proprietários os 30 mil escravos prisioneiros e empalou aqueles cruel que foi assassinado, Augusto concordou que os escravos tinham motivos para
seis mil cujos senhores não foram encontrados. agir dessa maneira e recusou-se a puni-los.
No começo do século 11 a.C., o Senado romano decretara que todos os fugitivos de- Há registros de revoltas na antigüidade, mas elas não eram freqüentes. Pois, para
veriam ser devolvidos a seus senhores. A perda dessa propriedade humana, fosse priva- que uma classe ou povo oprimido se insurgisse contra a autoridade armada, era pre-
da ou pública, era um assunto sério e aparentemente ocorria com freqüência. A procu- ciso planejamento, organização, disciplina e liderança. Sob as condições da escravi-
ra de escravos desaparecidos tornou-se um negócio privado e organizado. Os caçadores dão, essas necessidades eram quase impossíveis de satisfazer. Apesar disso, depois da
de escravos devolviam seus cativos ao proprietário ou ao magistrado mais próximo. Segunda Guerra Púnica (218-20 a.C.), as revoltas explodiram aqui e ali na Repúbli-
Quem se deparasse com um fugitivo e lhe desse abrigo, ou não o denunciasse, era rigo- ca. Escravos norte-africanos, reféns dos cartagineses, revoltaram-se e encontraram
rosamente punido. Os caçadores de escravos tinham o direito de fazer buscas nas pro- aliados entre os escravos da região. Dois anos depois, rebelou-se um número maior
priedades e as autoridades locais tinham ordens para ajudar. Um cônsul romano, de escravos rurais na Etrúria. Uma legião romana sufocou a revolta dos etruscos,
Popilio Lenas, gabava-se, na inscrição de um marco de divisa, de haver perseguido 917 crucificando os líderes e enviando os sobreviventes de volta a seus proprietários. Em
escravos fugitivos e de tê-los devolvido aos seus proprietários quando servia na Sicilia. Apúlia, escravos pastores, desesperados com os maus-tratos, insurgiram-se em 185 a.C.
Obviamente, o suicídio era o ato mais desesperador para livrar-se de uma servidão Os romanos capturaram sete mil, condenando-os a trabalhar nas minas.
insuportável. Há registros de um escravo que se atirou num rio, outro que saltou do Duas circunstâncias explicavam essas insurreições, acreditavam os antigos autores.
telhado, de um fugitivo que preferiu se esfaquear a ser capturado, um gladiador que Uma era a concentração de um grande número de escravos numa só área, e a outra,
se asfixiou com uma esponja, e outro que colocou a cabeça entre os dentes de uma o tratamento extremamente cruel. As guerras romanas de expansão no século 11 a.C.

1. ~~
~ H 1ST0UA ILUSTRADA OA E SC OAV I OÁO R EVOLTAS D E E SCRAVOS N A $ 1CILIA
e a captura de escravos por parte dos piratas introduziram um grande número de es- e inteligência para planejar e conspirar, e podiam, como m ostraram os fa-

cravos na Itália e na Sicília. Sêneca, o estadista e filósofo romano, é testemu nha tos, implementar a d iscipli na necessária para a revolta. "Essa nova com-

da brutalidade sofrida pelos escravos nas latifondia. Em seu ensaio sobre a natureza da binação de fàrores", apontaM. I. Finley, "somada a meros números e
ira, ele descreveu "os ecúleos de m adeira e outros instrumentos de tortura, as mas- um tratamento brutal, foi decisiva."
morras e outras prisões, a fogueira em torno de corpos aprisionados numa cova, 0 gan- Os proprietários de escravos e os governado res da ilha fo-
cho arrastando cadáveres, e muitos tipos de correntes, as várias punições, os desm em- ra m tomados de surpresa. Estavam acostumados com escra-
bramentos, testas marcadas a ferro". vos fugitivos, sabo tad o res, até mesm o co m pequenos tu-
Dizia-se que na Sicília praticava-se a pior forma de escravidão. E foi aqui que multos. M as algo em escala tão g rande estava além de sua
ocorreram duas das maiores revoltas de escravos de todos os tempos. No final do sé- experiência. Diodo ro retrata os senho res indiferentes com o
culo Il a.C., toda a Sicília, com suas cidades-estados gregas, tinha sido reduzida a pessoas que se deleitavam no "luxo, arrogância e inso-
uma província de Roma. A mão-de-obra escrava, barata, tornou-se a base de gran- lência". À medida que aum entava sua crueldade,
des Estados, com romanos e gregos prosperando como donos de terra. crescia o ódio de seus escravos.
Diodoro da Sicília, um escriror grego, deixou um relato fragmentário das revoltas A centelha da revolta fo i inflamada na cidade de
em sua ilha. A Primeira Guerra dos Servos, de 135-133 a. C., diz ele, explodiu porque Enna, quando os escravos do rico e brutal D emófilo, cuja es-
posa, Megallis, "se esforçava em superar o m arido na tortura e
os sicilianos, tendo se tornado muito ricos e elegantes em seu modo de viver, compra- na desumanidade em geral", decidiram matar seu senho r. Pe-
ram um grande número de escravos. Estes chegavam em bandos dos lugares onde eram diram conselhos a um novo escravo vindo da Síria, de nome
criados, sendo imediatamente marcados a ferro em seus corpos. (.. .) Oprimidos pelo tra- Eunus, que pertencia a outro senhor. Eunus era respeitado como
balho pesado e pelas surras, maltratados na maior parte das vezes de um modo inimagi- mago e profeta, que podia prever o futuro através dos sonhos.
ndvel, os escravos não podiam mais suportar aquilo. Enquanto verbalizava suas visões dos deuses, ele exalava fogo pe-
la boca para provar sua autoridade divina- um truque que fazia
Dezenas de milhares de escravos chegavam à Sicília depois de capturados na Grécia, ocultando na boca uma noz furada e recheada com enxofre em
Ásia Menor (aproximadamente o equivalente à moderna Turquia), Síria e Egito duran- brasa e material inflamável. Quando perguntado se os deuses apro-
te as guerras e convulsões políticas que se seguiram à morte de Alexandre, 0 Grande, vavam o plano dos escravos, sua resposta foi conduzir 400 es-
em 323 a.C. A maioria desses novos escravos, muitos deles homens instruídos, e a cravos até a cidade, onde eles se revoltaram, pilharam e m assa-
maior parte falando grego, foi adquirida para o trabalho no campo, formando turmas craram seus senhores. Eunus matou seu próprio senhor e sua
senhora, e ordenou que todos os capturados fossem mortos, ex- Sêneca. Museu do
de acorrentados nas latifondia ou nas cidades em que o grego era também a língua na-
Vaticano, Roma
tiva. Sendo homens que há pouco tempo eram livres e que compartilhavam uma cul- ceto aqueles que podiam ser úteis na manufatura de armas.
tura comum, estavam ligados de forma singular. Falavam a mesma língua, não estavam Os rebeldes proclamaram Eunus como seu rei, com autoridade absoluta. Ele ado-
psicologicamente arrasados por longos anos ou gerações de escravidão, tinham energia tou o nome de Antíoco e fez da mulher com quem vivia (uma escrava síria como ele)

H tS T O A IA I LUS T RA DA DA E SCR A VID Ã O REVOL T AS DE E SCRAVOS NA S tCI L I A ~I


sua rainha. Depois fo rmou um conselho real com os principais conspirado res, que os rebeldes, mas nem assi m caíram as cidadelas; isso aco nteceu somen te com a

chamou de assembléia, e pôs-se a governar. Damófi lo e Megallis fo ram executados, traição de alguns escravos, q ue os entrega ra m aos romanos. Rupilo açoitou os re-

mas a filha, que havia ajudado os escravos, fo i enviada com segu rança para outra beldes, crucifico u-os, enforcou-os em correntes, atirou-os das ameias. Segundo

cidade. Nos três dias seguintes, Eunus abriu os curra is de escravos e soltou os acor- os relatos, vinte m il escravos morreram no massacre. C leon foi morto em com-

rentados que trabal havam nos campos, reunindo um exército de seis mil homens. bate. Eunus conseguiu sai r da fo rtaleza com sua escolta. Mas não havia esperan-

Equipou-os com machados, ga nchos, cutelos, atiradeiras, clavas, fo ices, estacas afia- ça contra ta manha superio ridade, e seus guardas cometeram su icídio. Eu nus foi

das e até mesmo espetos de cozinha. capturado e mantido na p risão até mor rer.

Ao m es mo tempo, uma revolta explodira em outro distrito. Era liderada por u m A revolta foi esmagada, mas os romanos não continuaram com as execuções em

pastor chamado C leon , um escravo cilício que ouvira falar do sucesso de Eunus e massa. Afinal de contas, os escravos eram propriedade, ferramentas de produção, e

reunira escravos para tomar Agrigento (hoje G irge nti, na Sicília) e a região vizinha. não fazia sentido destruir a mão-de-obra tão necessária para a economia escravista.

''Agora rodos tinham a esperança de que os dois grupos guerreassem entre si", escre- Um ano após o fim da revolta, Rupilo decretou leis gerais para a província da Sicília.

veu D iodoro, "que os rebeldes destruiriam a si mesmos e livrariam a Sicília da revolta. Nenhuma, contudo, tinha como objetivo reformar as condições que levaram à insur-

Mas, contrariamente às expectativas, eles juntaram forças." reição. As fazendas conti nuaram do mesmo jeito, exceto pelo faro de q ue, onde a mor-

Cl eon aceitou o convire de Eun us para tornar-se seu comandante-em-chefe e trou- te deixara lacunas, novos proprietários davam ordens e novos escravos cumpriam-nas.

xe com ele 5 mil homens. Suas fo rças obtiveram o controle de mais duas cidades e da Com as mesmas causas ainda operando, a próxima geração de escravos revoltou-

terra entre elas, aumentando seu efetivo talvez para 70 mil homens. Venceram mui tas se, em I 04 a.C. Dessa vez a fagulha veio de longe. Roma estava ameaçada de invasão

baralhas contra as milícias sicilianas. Notícias sobre suas vitórias atravessaram rapida- por tribos germân icas. Co nforme indicado anteriormente, Roma pediu soldados à

mente o Mediterrân eo. Explodiram revoltas entre escravos em Roma e Minturna. Em sua aliada Bitínia, mas essa potência da Ásia Menor respondeu que não tinha jovens

Sinuessa, pelo menos quatro mil escravos pegaram em armas e se revoltaram. Mil mi- para oferecer porque os caçadores de escravos - protegidos por Roma - haviam le-

neradores rebelaram -se em Laurio (local das minas de prata gregas, discutidas anterior- vado todos. Para resolver a crise, o Senado ordenou que se libertassem os aliados que

mente), e um grande número de escravos ameaçou Delos, o enorme mercado de tinham sido escravizados. Na Sicília, milhares de escravos exigiram liberdade com

escravos. Essas insurreições menores foram todas sufocadas, com rápidas e terríveis base no decreto. O governador de Siracusa, depois de li bertar uns 800, desistiu ao

torturas como punição. Mas na Sicília os rebeldes derrotavam um exército após outro. perceber a perda que isso significava. O s o utros escravos recusaram-se a vol tar para

O s ro manos demoraram para atacar os escravos. Mui tos soldados estavam ocu- seus senhores e se revoltaram.

pados com uma guerra na Espan ha, e em casa h avia p ro blemas com o movimen- Imediatamente, a ilha irrompeu em revoltas de pequenos bandos de escravos.

to pela reforma fundiária, liderado p or Tibério G raco. Talvez ach assem difícil le- D ois homens assum iram a liderança. Um deles era um cilício de nome Athenion, e

var a sério os relatos de que escravos podiam levar adian te uma g uerra por tanto o outro um homem de origem desconhecida chamado Sálvio. Excelente comandan-

te mpo e tão bem. Não antes de sete an os após o começo dos conflitos, Roma en- te m ilitar, Sálvio nomeou-se rei e construiu uma fortaleza real. Ele e Ath enion dis-

vio u o cônsul Públio Rupilo, com um exército treinado e grande o suficiente pa- cutiram por algum tempo, mas logo uniram suas forças. Sálvio morreu em ação e

ra tomar as fortalezas dos escravos. Lo ngos cercos, com peste e fome, devastaram Athenion substituiu-o como rei. O exército rebelde, com 40 mil homens, travou

l 162
- HISTORIA I LUST R ADA DA ES C RAVIDÃO
R EVOLT A S DE E SCRAVOS NA S ICI L IA
163 1
__
baralhas quase na ilha inteira. Dessa vez os romanos estavam mais bem preparados
e imediatamente levaram a revolta a sério. Embora os escravos não conseguissem to-
mar nenhuma cidade grande, permaneceram no campo por quatro anos. O cônsul ro-
mano Manio Aquílio finalmente abafou a revolta ao capturar os últimos mil escravos
que ainda resistiam. Eles se entregaram com a promessa de suas vidas serem poupadas.
Mas os romanos não cumpriram a palavra e os embarcaram para Ro ma, onde mo rre-
riam lutando com animais selvagens na arena. Segundo Diodoro, os escravos recusa-
ram-se a ser transformados em brinquedos para a turba e matara m-se uns aos outros
ou cometeram suicídio diante dos altares da arena.
Por que motivo lutaram os escravos nessas duas gra ndes revoltas? Certamente fo-
ram insurreições violentas de homens desesperados que queriam se libertar e se vi ngar
de seus opressores. Queriam mais do que isso? Tentavam criar uma revolução, elimi-
nar a escravidão, reformar a sociedade? Eles não tinham alternativas reais. Em seu
baixo nível de desenvolvimento tecnológico, a sociedade precisava de escravos para
o modo de vida ao qual estava acostumada. A sociedade ro mana não fazia nenhum
bem ao escravo, mas tudo em que este podia pensar era altera r as relações. Ele que-
ria ser o senhor; que outros fossem os escravos. Assim, em ambas as revoltas os líderes
se estabeleceram como monarcas e seguiram o padrão da única sociedade q ue co-
nheciam. Isso eles fizeram muito bem no tempo que tiveram . Construíram exérci-
tos, produziram comida, fizeram armas e continuaram Jurando por vários anos. Mas
não tinham nenhuma visão de uma sociedade nova e melhor, uma sociedade sem
escravos. O u pelo menos não há evidências de que tenham assim pensado. Simples-
mente queriam viver como homens livres.

H IS T ORIA ILU ST RADA DA E SCR AV IOAO


I IH \ I li P I I \ \ I \I I

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Os romanos recaptu raram-no e venderam-no como escravo. G ladiador em Cápua,
tas sicilianas, começava a Terceira Guerra dos Servos - a maior insurrei-
~ çáo de escravos da história. Os romanos tinham criado um novo perigo em ele planejou uma fuga com setenta outros gladiadores. Eram principalmente gaule-
ses, trácios e germanos, as três raças que, segundo acreditavam os romanos, forne-
seu meio ao treinar escravos para ser gladiadores. Estes lutadores profissionais tor-
naram-se a fagulha que acendeu a chama da revol ta em toda a Itália. ciam os melhores lutadores na arena. Armados de facas de cozinha (suas próprias ar-
mas ficavam sempre trancadas), conseguiram passar por seus vigilantes e escapar por
Tudo começou em 73 a.C., em Cápua, na Campânia, onde durante séculos os
sobre os muros da cidade, conquistando a liberdade.
gladiadores haviam sido treinados. O que aconteceu pode ser reconstituído a partir
Espártaco levou seus homens até o alto do monte Vesúvio (que se acreditava extin-
dos relatos de três grandes escrito res- Salústio, Plutarco e Apiano. Espárraco, 0 líder
to), onde ficaram esperando um ataque dos romanos. Quando o comandante romano
da "Guerra dos Gladiadores", era um homem da Trácia. Os antigos acreditavam que
chegou, distribuiu guardas ao longo do único caminho que dava acesso à montanha.
fosse de estirpe nobre. Servindo nas legiões romanas, ele desertou e tornou-se salteador.
Os gladiadores, t remados durante seculos pa ra dtverttr a aristocracia, rebelaram·se em Capua

HI S TOR!A I LU S T RA DA DA ESCR AVI D Ã O

E S PÁRTACO INFERNIZA A I TÁLIA -


167
-
1
Imaginou que, com o bloqueio, seria fáci l matar de fome os rebeldes, pois eles nunca as grandes propriedades e juntaram uma quantidade suficiente de cavalos para for-
poderiam escapar pelos penhascos em qualquer outra direção. Espánaco percebeu mar uma unidade de cavalaria.
que o topo do Vesúvio estava coberto de vinhas silvestres, que os gladiadores cortaram Alarmado com o crescimento da revolta, o Senado romano colocou em campo
e trançaram, transformando-as em escadas suficientemente longas para descerem pelo quatro legiões e enviou os dois principais magistrados da República, os cônsules, pa-
penhasco, da altura onde estavam, até a planfcie. Sem saber da fuga, os romanos esta- ra comandar a campanha. Enfrentaram o exérci to de C ri xus no monte Ga rgano,
vam sentados confortavelmente no acampamento, na base da montanha, quando fo- na Apúlia, destruíram-no e mataram o lfder. Espánaco, no entanto, mostrou-se mui-
ram surpreendidos pelos rebeldes e dispersados. A primeira vi tória fez com que escra- to mais forre. Venceu ambos os cônsules várias vezes no norte. Houve um mo-
vos pastores, salteadores e proscritos afluíssem para juntar-se a Espárraco. Rapidamente, mento em que suas vitórias fizeram-no acreditar que podia conquistar a própria
seu efetivo militar atingiu um poder respeitável. Roma. Mas desistiu da idéia e novamente seguiu em direção ao norte, para os Al -
Coube ao pretor romano Varínio a tarefa de esmagar a revolta. Um após outro, po- pes. Derrotou o governador romano da região norte da Itália, abrindo cam inho
rém, seus comandantes sofreram derrotas humilhantes nas mãos dos escravos. Os sol- para a liberdade.
dados romanos, enfraquecidos por doenças, covardia e insubordinação, lutaram pre- Agora ele estava face a face com um comandante bem mais qualificado do que os
cariamente. Perderam batalhas peno do Vesúvio e depois nas proximidades de H er- generais que derrotara. Oito legiões romanas estavam tomando posição contra ele,
culano. Quando Varínio tentou avançar, o inimigo escapou para o sul. Os escravos lideradas por Marco C rasso, o político multimilionário que aprendera a lutar com
saquearam a Campânia, levando o que queriam em toda parte. Na Lucânia, toparam o grande general Sila (138-78 a.C.). C rasso enfrentou o problema da disciplina exe-
com Varfnio e o derrotaram completamente. Chegando agora a 40 mil homens, seu cutando um de cada dez homens da divisão que fugisse dos gladiadores. Derrotado,
efetivo era suficientemente forre para tomar muitas cidades. Atacavam com fiíria os Espártaco marchou para Rhegium, no sul (hoje Reggio di Calabria), com a intenção
senhores de escravos, demonstrando tão pouca misericórdia quanto tinham recebido. de atravessar os estreitos que dão acesso à Sicília. Crasso, perseguindo-o de perto,
Alguns prisioneiros eles crucificaram, e outros forçaram a participar do combate gla- mandou seus soldados construírem uma muralha através de toda a península para
diatório, divertindo-se em ver gordos proprietários de escravos massacrando-se uns bloquear uma saída por terra. Aqui Espártaco teve uma amarga decepção. Ele con-
aos outros na arena. tava com uma frota pirata do Mediterrâneo para transportar seus homens até a Sicí-
Discordâncias quanto à estratégia surgiam entre Espártaco e os dois gauleses com lia, mas os piratas não o ajudaram . Fez meia-volta, passou pela muralha romana e es-
quem compartilhava a liderança, Enomaus e Crixus. Espártaco conhecia 0 enorme capou pelos campos abertos da Lucânia.
poder de Roma e achava uma tolice lançar um exército de camponeses maltrapilhos Furiosa com o fracasso de mais de dois anos, Roma enviou o rival político de C ras-
contra ela. Sua meta era ir em direção aos Alpes, no norte. Das montanhas, os re- so, Pompeu, para dividir o comando das legiões. A última coisa que C rasso queria era
beldes poderiam se dispersar para seus lares e voltar a viver livremente. Mas Crixus ajuda dessa fonte. Movimentou-se rapidamente para tirar vantagem de outra cisão
queria continuar pilhando a Itália. Deixou Espártaco, levando consigo os gladiadores nas fileiras rebeldes. Dois oficiais gauleses tinham ido embora e levado parte do exér-
da Gália e da Germânia. cito de gladiadores. Crasso travou combate com eles, separadamente, e estava ven-
Naquele inverno, Espártaco fiXou seu quartel-general na Lucânia, fortalecendo-se cendo quando Espártaco veio ajudá-los. Mas era tarde demais; a desunião arruinara
com os escravos fugitivos que chegavam ao acampamento. Seus homens invadiram suas chances. Crasso massacrou um grande número de rebeldes e retomou a insígnia

1. ~- ·-- I
~ H i S TORIA i l U S TRADA DA ES C RAVID A O
E S PAR T A CO I N FE RN IZ A A IT Á L I A ~
e os estandartes que os escravos haviam capturado dos romanos. Mais uma vez,
Espártaco retiro u-se para o sul da Itália com o que resto u de seu exército. Levou a me-
lhor sobre C rasso em mais uma batalha, mas isso apenas adiou a inevitável derrota.
Reforçado agora pelos soldados de Po mpeu, C rasso perseguiu os escravos refu-
giados por todo o sul da Itália. O exército de libertação, que alcançara um total de
120 mil homens, tin ha sido reduzido a pequenos e esparsos fragmentos.
A vingança de Roma contra os escravos que ousaram se rebelar foi implacável. Ao
longo de toda a Via Ápia, de Roma a Cápua, onde tudo começou, seis mil escravos
foram pregados em cruzes por lutarem pela liberdade.
Como Espártaco morreu ninguém sabe. Mas Roma e o mundo nunca o esqueceram.

H 1ST0RI A I LUSTRA DA D A E SCR A VIDÃO


'\\ ()I Na agricultura, pessoas livres sempre trabalharam corno conrratados e arrenda-
ta, a escravidão começou a declinar. As principais fontes fornecedoras de tários nas grandes propriedades rurais. No reinado de Diocleciano (284-305), porém,
mão-de-obra barata foram eliminadas. Agora a maioria dos escravos era começou a ser desenvolvido um sistema que reduzia o controle que o homem livre
criada como gado, mas os grandes latifundiários achavam o trabalho escravo caro e tinha sobre si mesmo e sua ocupação. diminuindo a distância entre ele e o escravo.
ineficiente. Para produzir as safras, era melhor ter arrendatários livres (colont) do que Tanto o homem livre quanto o escravo passaram pouco a pouco para a condição co-
escravos, que não tinham nenhum interesse no sucesso da fazenda. Alguns estudos mum de servidão. Ou seja, o arrendadrio livre estava permanentemente preso ao solo
modernos da eficiência comparativa da mão-de-obra escrava e do trabalho livre in- com seus filhos. Se deixasse a terra, era trazido de volta e punido. Não podia se casar
dicam que, provavelmente, eram necessários três escravos para fazer o trabalho de fora da propriedade. Os filhos e seus descendentes fixavam-se no mesmo status. Aper-
um homem livre; e o escravo, lembremos, era uma forma de capital que se extinguia rou-se o nó quando o proibiram de dispor de sua propriedade privada sem o con-
com sua morre. Nos tempos antigos, o custo para manter um homem livre pobre sentimento do dono das terras. Tecnicamente, ele ainda era livre, mas sua condição
por meio de salários era quase o mesmo que para sustentar um escravo. E este pre- ago ra era semi-servil.
cisava ser alimentado, estivesse bom ou doente, ocupado ou ocioso, fosse jovem ou Junto com os coloni nas grandes propriedades rurais ainda existia uma classe es-
velho. À medida que crescia o sistema de arrendamento, o uso de escravos diminuía crava que trabalhava como um grupo sob as ordens de um supervisor, naquela parte
lentamente, quase de modo imperceptível. da propriedade que o dono não hav ia alugado nem arrendado. Era muito comum o
Uma pequena renovação do suprimento de escravos começou quando Roma se en- proprietário dividir parte da terra em pequenas fazendas, nas quais ele instalaria al-
volveu em freqüentes guerras de fronteiras. A partir do século III d.C., prisioneiros bár- guns de seus escravos para trabalharem em condições muito semelhantes à dos coloni.
baros chegavam ao mercado de escravos. Além do mais, sempre que os invasores Esses trabalhadores tinham suas próprias famílias e eram descritos na legislação roma-
bárbaros venciam uma baralha, levavam milhares de cidadãos romanos como prisio- na corno quasi coloni. A lei ainda os submetia a um tratamento de propriedade, sem
neiros, vendendo-os de volta como escravos. Se os cativos pudessem render algum qualquer direito. Na prática, porém, os proprietários permitiam que ficassem na ter-
resgate, eram libertados, mas muitos não tinham preço; e os negociantes de escra- ra, e aos poucos admitiu-se que tinham o direito permanente e hereditário a ela. Em
vos em Roma não se importavam em comprar e vender seus próprios compatriotas. 377, Valenriniano decretou que esses escravos não podiam ser vendidos separada-
Durante as invasões dos séculos III e IV, os mercadores de escravos tiveram ganhos mente da terra que cultivavam. Colonus e escravo geralmente casavam entre si e as
consideráveis. Oficiais do exército romano, sedentos de lucro, geralmente davam diferenças entre os dois tornou-se, gradualmente, cada vez menor. No final do sécu-
menos atenção à resistência do que ao comércio de escravos. lo VII d.C. , havia pouca distinção entre o escravo e o servo rural.
Quase terminado o velho comércio de escravos, o uso da mão-de-obra livre foi A escravidão romana estava desaparecendo como instituição econômica, mas não
renovado e ampliado. No século IV a.C., os escravos tinham desaparecido das mi- porque alguém tentasse aboli-la. Em grande parte, a servidão a substituía à medida
nas, substituídos por trabalhadores livres. Nas oficinas e serviços particulares, os éscra- que a sociedade lentamente sofria profundas mudanças econômicas e sociais. As tri-
vos tornaram-se raros. Artesãos organizados em corporações assumiram seu lugar. bos germânicas da Europa central continuavam a pressionar as fronteiras do Império.
Mas o trabalho escravo persistia nas manufaturas do Estado - tecelagem, transpor- Com o fracasso das legiões romanas em contê-las e a luta doméstica, o Império não po-
te, tinturaria, casa da moeda. dia mais suportar a tremenda tensão e começou a desintegrar-se a partir do século III.

17 3 1
H ISTO RIA I LUSTRADA DA E SC RA VIOÂO E SC RA VOS E SERVOS --
No Ocidente, desapareceu, mas no Oriente revive u sob o comando de governantes importava era a condição espiritual do homem, e não a material. Que os cristãos con-
bizantinos, durando mais um milênio. cordavam plenamente com o sistema fica evidente no conselho dado, no sécuJo II d.C.,
À questão da queda do Império, muitas respostas têm sido apresenradas. Não há a senhor e escravo , ambos cristãos:
um fator único responsável. A inrer-relação de problemas sociais, políticos e econô-
micos que os lfderes não conseguiam, ou não queriam, resolver resultou no flm do Não dê ordens a seus escravos com rancor, sejam eles homens ou mulheres que deposi-

mundo amigo por volta do ano 600. Com o flm do Império do Ocidente, os reinos tam sua esperança no mesmo Deus. (...) Ele não veio nos convocar de acordo com a dis-

dos povos germânicos rebelaram-se em seus territórios. A administração das grandes tinção p essoal. Ele veio para aqueles nos quais o espírito foi preparado. E vós, escravos,
propriedades ou quintas do Império conrinuou na Idade M édia e evoluiu para 0 sis- sejais obedientes, recatados e temerosos para com vosso senhor como para alg uém que é o
tema senhorial. modelo de Deus.

A escravidão, porém, não desapareceu na Europa. Persistiu por toda a Idade


Média, embora em proporção e importância muito menores. Alguns autores cristãos Os escravos eram bem-vindos ao batismo e às primeiras congregações, mas ne-
afirmam que o "único agente" a reduzir a escravidão foi a Igreja primitiva. Na opi- nhum esforço era feito para libertá-los. Como explicar a mão-de-obra escrava num
nião de outros historiadores, no enranro, os ensinamentos e as práticas da Igreja mundo criado e controlado por um Deus misericordioso? Os escravos, portanto,
sempre sancionaram a escravidão. consolavam-se com a promessa de salvação e liberdade no outro mundo. Até mesmo
Com exceção da pequena seita judaica dos essênios, todas as religiões da antigüi- o trabalho livre resultava do pecado de Adão: o homem tinha que ganhar a vida com o
dade aceitavam naturalmente a escravidão. "Bem-aventurado 0 escravo cujo senhor, suor de seu rosto. "A escravidão", disse Santo Agostinho (354-439), "foi imposta pe-
ao retornar, o encontra realizando sua incumbência", disse Jesus em uma de suas pa- la justa sentença de Deus sobre o pecador."
rábolas. Ele não era nenhum abolicionista. Como todos os antigos, ele achava que De acordo com Agostinho, a escravidão não era apenas uma punição, mas um re-
o dever de um escravo era bem servir ao seu senhor. Os primeiros cristãos aceitavam médio para o pecado. Mas, perguntou-se, homens perversos por vezes não vencem
as regras romanas, com todas as suas condições e conceitos de status social. Essas batalhas e tomam ·vítimas inocentes como escravos? Ao que Agostinho respondeu:
questões não lhes interessavam, pois uma vez batizado como cristão, ele era igual a "nenhum homem é inocente; todo escravo merece ser escravo. A conseqüência é um
todos os outros fiéis. Conseqüentemente, se o Dia do Juízo Final não estava longe, julgamento divino. O único verdadeiro escravo, finalmente, é o escravo do pecado. "
que importavam as distinções entre liberdade e escravidão? Assim, os cristãos que ti- À medida que o milênio (a perspectiva de triunfo da santidade, com Cristo rei-
nham condições faziam uso de escravos do mesmo modo que os pagãos. Segundo nando na terra por mil anos) parecia menos iminente, a Igreja dava mais atenção à
eles, a escravidão fazia parte do plano divino. Deus estabelecera essas distinções na acomodação do mundo ao redor. Fazia tudo o que podia para proteger o interesse
sociedade para servir a Seus propósitos. do senhor sobre o escravo como propriedade. Os Padres da Igreja exortavam os escra-
Os escravos aparecem com freqüência nas páginas do Novo Testamento, sem críti- vos a obedecerem até mesmo aos piores senhores. São Pedro disse (I Pedro 2: 18):
cas ao sistema que os penalizava. A sociedade antiga baseava-se na mão-d e-obra escra- "Servos, sujeitai-vos a vossos senhores com todo o temor; não só ao bom e gentil,
va e, para Jesus, os apóstolos e a Igreja isso era natural. Não tentavam justificá-la ou mas também ao intransigente. " Em 362 d.C., um concílio da Igreja declarou como
explicá-la. Nem faziam objeção a que cristãos pertencessem a outros cristãos. O que amaldiçoado "aquele que sob o pretexto da piedade ensinar um escravo a desprezar

~ H IS T ORIA ILU STRA DA OA E SC RAVID ÃO E SCRAVOS E SERVOS ~


--~ I
seu senhor, ou a furtar-se de
seu serviço". Em 630 d.C.,
a Igreja disse que ao escravo
que fugisse de seu sen hor
seria negada a comunhão
até que retornasse. Quanto
à emancipação, Sanro Agos-
tinho declarou que o costu-
me hebreu de libertar os
escravos no sétimo ano não
era um precedente a ser ob-
servado por cristãos.
Apesar da aceitação, no
entanto, a Igreja, como os
filósofos estóicos, via a es-
cravidão com respeito pela
humanidade de suas víti-
mas. A doutrina da fraterni-
dade dos homens e o man-
clamemo "amar ao próximo
Jaime Huguet. Agostinho é sagrado bispo auxiliar. Museu de Arte como a ti mesmo" sem dú-
Catalã, Barcelona
vida aliviavam a carga de
alguns escravos. Na época da Idade Média, a Igreja desenvolvera a idéia de uma so-
cietas cristiana, uma comunidade universal de cristãos que, como compatriotas, se
comprometiam a não guerrear uns com os outros com o objetivo de pegar escravos.
O resultado era contribuir para o declínio da escravidão, tornando o trabalho servil
mais difícil de ser obtido.

H1 S T0RIA ILUST R ADA OA E SCRAVIOAO


(' I I I ' \ I I'- \.1 C ' \ r ll .\ "' \ I) \ Jll \, '-() \\, \ \ I
proibiu a venda de escravos ingleses para fora do país. O s que permaneceram geral-
em feudos ou propriedades rurais. Todos faziam a sua parre para manter mente viam seus fil hos e netos passarem para a condição de servos. Caso se deixassem
o feudo, homens e animais trabalhando juntos para alimentar e susten- ser batizados como cristãos, o processo era agilizado. Os servos trabalhavam nas ter-
tar a comunidade. A maior parre dos camponeses não era escrava, mas tampouco ras do senhor feudal, mas tinham tempo suficiente para cultivar seus próprios lotes,
plenamente livre. A Idade Média nunca conheceu as rigorosas disti nções entre escra- pelos quais pagavam obrigações e imposros, em dinheiro ou em mercadorias. Ti-
vo e servo ou servo e homem livre que nossas mentes modernas tentam impor sobre nham que estar disponíveis com sua mão-de-obra para construir castelos, pontes e
o passado. Na Europa feudal não havia uma regulamentação abrangente e sistemá- estradas. Exigia-se que trouxessem seus grãos para serem triturados no moinho do
tica de direitos, deveres ou pad rões de comportamento. Onde quer que se observasse, senhor feudal (e pagavam por isso, é claro). E, em algumas épocas e lugares, estavam
verificava-se que cada feudo tinha seus próprios costumes recon hecidos e esses cos- sujeitos a taxas arbitrá rias impostas pelo senhor fe udal sempre que "necessário".
tumes tinham força de lei. Não havia lugar em que os costumes permanecessem fi- Esse camponês, até certo ponto um indivíduo não-livre, era chamado de "servo" ,
xos. Mudavam à medida que as condições se alteravam . Fome, peste, guerra, invasão uma palavra romana que significava escravo - servus. Mas ele não mais vivia no es-
- ·t udo isso podia forçar mudanças no modo de vida, introduzir novos costumes e tado de total submissão que caracterizava a verdadeira escravidão. Sem a imposição
transformar os antigos. de qualquer lei, a não ser a vontade do senhor, o camponês feudal agora era orientado
Os camponeses produziam o excedente de alimentos que sustentava os nobres, pelo costume do feudo e protegido por um sistema de obrigações mútuas. Ele era o
que governavam, os padres, que celebravam o culto religioso, e a si mesmos. Na maior responsável pelo suprimento de suas próprias necessidades. Pagava aluguel , contro-
parte da Europa, o sistema era basicamente o mesmo. O viliein inglês, o villain fran- lava boa parte de seu tempo, vivia uma vida provavel mente melhor do que a do escra-
cês e o holde alemão eram todos forçados a prestar serviços específicos e obrigações vo nas latifondia romanas. Às vezes tinha menos para comer, mas sempre dispunha
aos seus senho res feudais. de mais liberdade pessoal.
Na Idade Média havia, é claro, escravos de verdade, homens que trabalhavam co- Em tempos difíceis, escaramuças entre senhores feudais, além das guerras e inva-
mo animais domésticos, fazendo qualquer tipo de serviço que o senhor feudal man- sões constantes, geralmente faziam o camponês procurar a proteção de um senhor
dasse, e pelo tempo que ele ordenasse. Muitos começaram na escravidão como prisio- feudal. Entregando sua terra, tornavam-se servos, com as obrigações típicas de um
neiros de guerra. Depois que os anglo-saxões invadiram a Inglaterra, no século V d.C., servo, e em troca eram dispensados do serviço militar, que o senhor feudal organi-
a palavra em sua língua para a pessoa sem liberdade era "welshman" (galês) - o nome zava por meio de seus cavaleiros. Assim, as terras dos pequenos e livres camponeses
dos nativos bretões que eles escravizaram. Finalmente, "welsh" passou a significar es- fundiram-se em propriedades cada vez maiores. No século XII, havia muito poucos
cravo. (Foi o que aconteceria mais tarde, quando a palavra para designar "escravo" foi camponeses completamente livres na Europa. A população rural vivia presa ao ser-
tirada de eslavo - o nome dos povos capturados e vendidos como escravos em gran- viço hereditário. O grau de dependência variava. Alguns camponeses tinham opor-
de número.) tunidade de melhorar de posição, mas um número muito maior vivia uma existência
Até a conquista do país pelos normandos, em 1066, muitos ingleses eram vendi- que pouco se diferenciava da dos animais do campo. Trabalhavam em parte para be-
dos no exterior, nos mercados de escravos da Europa e do Oriente. Guilherme, o neficiar padres e monges, cujo papel era servir a Cristo, mas principalmente para o
Conquistador (1066-1087), permitiu a continuidade da escravidão doméstica, mas benefício de uma poderosa aristocracia de guerreiros.

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H ISTORIA IL USTRADA D A E SCR A VIDÃO
Q ESCRAVO NA IDADE MEDI A ~
Durante rodo o período medieval, a Igreja não fez qualquer protesro comra a ins-
tiruição da escravidão como tal. Tomás de Aqui no ( 1225- 1274), um dos principais
santos da Igreja Cató lica, disse que a escravidão era uma das conseqüências do pe-
cado de Adão. Acreditava se r moralmente justificável e eco nomicameme necessária.
De faro, a própria Igreja empregava um gra nde nümero de escravos, e também de
servos, em seus feudos. Assim como a aristocracia feudal , a Igreja era um senhor feu-
dal, comportando-se do m esmo jeito, utilizando mão-de-obra escrava e livre no
mesmo sistema de produção. Os beneditinos, por exemplo, foram pioneiros nos
métodos de grandes empreendimentos. Para tanto, combinavam o trabalho vol un -
tário dos monges com a mão-de-obra dos escravos e de homens livres, numa rede de
com unidades rigidamente controlada.
Durante mui tos séculos, papas e bispos, igrejas e monastérios tive ram escravos.
O papa Gregóri o I (590-604), que utilizava centenas de escravos nas propriedades
papais, ap rovou uma lei que impedia os escravos de rornarem-se clérigos ou casar
com cristãos livres. No começo do século VIII , o abade de Sr. Germain des Pres,
perto de Paris, tinha 8 mil escravos, e Sr. Martin de Tours, 20 mil. Os reis de Fran-
ça deram uma grande quantidade de escravos para a Igreja. No reinado de Carlos
Magno (742-814), os padres podiam ter dois escravos, um hom em e uma mulher.
Os bispos eram proibidos de libertar escravos pertencentes à Igreja, a não ser q ue pa-
gassem o valor com dinheiro de seus próprios fundos. Em alguns lugares, a Igreja
estimava sua riq ueza não em dinheiro, mas em número de escravos.
Não há nenhuma evidência de que os escravos da Igreja recebessem um tratamen-
to melhor do que os escravos leigos. Assim como na lei secular, a lei canô nica con-
siderava o escravo uma propriedade. Ele não podia fazer testamento, e se abrisse um
peculium, este passaria a pertencer à Ig reja quando ele m orresse. Somente em uma
situação a Igreja se opunha à escravidão: quando cristãos eram escravizados por in-
fiéis. Mas quando infiéis eram escravizados por cristãos, a Igreja não fazia objeção.
Nem quando m embros da Igreja C ristã Grega eram tomados como escravos.
Embora a Igreja não defendesse a abolição da escravidão, algumas de suas prega-
ções podem ter ajudado nesse sentid o. Tentando proteger os católicos rom anos, ela

Camponeses trabalham na colheita, séc. XII. Rheinlsches l andesmuseum, Boon


0 ESCRAVO N A I DADE M~ DIA
Durante todo o período medieval, a Igreja não fez qualquer protesto contra a ins-
tituição da escravidão como tal. Tomás de Aqui no ( 1225- 1274), um dos principais
santos da Igreja Católica, disse que a escravidão era uma das conseqüências do pe-
cado de Adão. Acreditava ser moralmente justificável e economicamente necessária.
De fato, a própria Igreja empregava um grande número de escravos, e também de
servos, em seus feudos. Assim como a aristocracia feudal , a Igreja era um senhor feu-
daL com portando-se do mesmo jeito, utiliza ndo mão-de-o bra escrava e li vre no
mesmo sistema de produção. O s beneditinos, por exemplo, foram pioneiros nos
métodos de grandes empreendimentos. Para tanto , combinavam o trabalho volun-
tário dos monges com a mão-de-obra dos escravos e de homens livres, numa rede de
comunidades rigida mente controlada.
Durante muitos séculos, papas e bispos, igrejas e monastérios tiveram escravos.
O papa Gregório I {590-604), que utilizava centenas de escravos nas propriedades
papais, aprovou uma lei que impedia os escravos de tornarem-se clérigos ou casar
com cristãos livres. No começo do século VIII, o abade de Sr. Germain des Pres,
perto de Paris, tinha 8 mil escravos, e Sr. Martin de Tours, 20 mil. Os reis de Fran-
ça deram uma grande quantidade de escravos para a Igreja. No reinado de Carlos
Magno (742-8 14), os padres podiam ter dois escravos, um homem e uma mulher.
Os bispos eram proibidos de libertar escravos pertencentes à Igreja, a não ser que pa-
gassem o valor com dinheiro de seus próprios fundos. Em alguns luga res, a Igreja
estimava sua riqueza não em dinheiro, mas em número de escravos.
Não há nenhuma evidência de que os escravos da Igreja recebessem um tratamen-
to melhor do que os escravos leigos. Assim como na lei secular, a lei canônica con-
siderava o escravo uma propriedade. Ele não podia fazer testamento, e se ab risse um
peculium, este passaria a pertencer à Igreja quando ele morresse. Somente em uma
situação a Igreja se opunha à escravidão: quando cristãos eram escravizados por in-
fiéis. Mas quando infiéis eram escravizados por cristãos, a Igreja não fazia objeção.
Nem quando membros da Igreja Cristã Grega eram tomados como escravos.
Embora a Igreja não defendesse a abolição da escravidão, algumas de suas prega-
ções podem ter ajudado nesse sentido. Tentando proteger os católicos romanos, ela

Camponeses trabalham na colheita, séc. XII. Rheinisches Landesmuseum, Boon


0 ES C RAVO N A IDADE M (OlA
o que explica por que moedas árabes apareciam tão freqüentemente nas trocas mo-
estabeleceu limites para a escravidão. Finalmente, encorajou alguns senhores cristãos
netárias da Inglaterra na época.
a libertar seus escravos como um ato de caridade merecedor de recompensa divina.
Escravos eram açoitados por pequenos crimes e mu tilados ou executados por cri-
Em nenhum momento, no entanto, a escravidão esteve ausente na Europa me-
mes mais graves, a não ser que o proprietário desejasse pagar as multas envolvidas.
dieval. Na Inglaterra da era anglo-saxônica- ainda metade floresta, charneca e pân-
Um escravo ladrão costumava ser executado por apedrejamento; no caso de escra-
tano - os escravos eram um fator da economia rural. Eles cultivavam a terra ao lado
vas, eram q ueimadas. A Igreja, não a lei civil, punia o senhor que ferisse ou matas-
dos homens livres e dos servos. Também estavam entre os especialistas dos quais de-
se seu escravo. Surgiram lendas sobre santos que se interpunham para deter o cruel
pendia o senhor feudal - pastores, supervisores, leiteiras, ferreiros, tecelões, cozinhei-
tratamento. No reinado de Alfredo, o G rande (849-899), os escravos ingleses ti-
ras, padeiros, carpinteiros, alfaiates. Escravos, bem como a maioria dos camponeses,
nham permissão para, em certos dias, vender o que tinham recebido de presente ou
viviam na esqualidez. Suas cabanas consistiam num único cômodo, sem janelas, pe-
o que tinham ganhado no tempo livre que lhe era permitido. Mas os senhores fre-
queno e apinhado de gente. O chão era um depósito de lixo. H avia uma lareira aberta
qüentemente zombavam da lei ou do costume que protegia o escravo. O arcebispo
e a fumaça saía por um buraco no teto. A casa geralmente era construída de madeira, e
Wulfstan de York (I 003- 1023) disse que as invasões da Bretanha pelos vikings eram
o teto, coberto de colmos.
castigo de Deus pelo descaso aos direitos dos escravos.
Conforme observado anteriormente, a escravidão foi o destino comum dos bre-
tões conquistados pelos invasores anglo-saxões, que desembarcaram pela primeira
vez em 449. Nos inventários que chegaram até nós, escravos e animais aparecem
misturados. Um dos documentos traz uma lista de " 13 homens capazes para o tra-
balho e 5 mulheres e 8 jovens e 16 bois", e assim por diante. O preço do escravo ge-
ralmente variava em torno de uma libra, o equivalente a oito bois.
O comércio desempenhava um papel modesto nessa economia auto-suficiente
em sua maior parte. Lá, tecido e queijos estavam entre os poucos produtos exportados,
assim como os escravos. O comércio de escravos para o exterior era feito a partir do
porto de Brístol, 17 5 quilômetros a oeste do que hoje é Londres. No final do sécu-
lo VI, ficou registrado que o papa Gregório I tomou providências para comprar me-
ninos ingleses na Gália para que pudessem ser treinados na fé cristã e utilizados na
conversão de seus compatriotas. Naquele tempo, escravos ingleses eram vendidos
no mercado romano, e um século mais tarde prisioneiros de guerras internas estavam
sendo vendidos em Londres. Mostram os registros que ainda no século XI, garotas
inglesas foram comercializadas para a Dinamarca. Os mercadores de escravos trafi-
cavam em sua maioria celtas, mas também crianças de todas as nacionalidades que
Embarcação víking utilizada em ações de guerra e pilhagem. Museu Naval, Madri
haviam sido vendidas por seus pais. Muitas eram vendidas para a Espanha islâmica,

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0 ES C R AVO NA ID AD E
H I STÓ R I A ILU ST RADA DA E'SCRAVIOAO
Foi pouco antes do ano 800 que os vikings começaram a efetuar rápidos ataques no sujeito não fosse redimido num prazo de um ano, sua mulher podia casar-se nova-
litoral das Ilhas Britânicas. Esses nórdicos eram piratas e bandoleiros, mas logo que 0 mente. Crianças nascidas de escravos de qualquer origem eram declaradas escravas.
sangue parou de jorrar, tornaram-se mercadores. Os nativos que eles capturaram eram Por algum tempo a Igreja também possuiu escravos penais; mas a partir de 8 16, com
de pouca serventia, portanto a maioria foi comercializada para Constantinopla (a a morte de um bispo, a libertação do escravo tornava-se compulsória. Proprietários
Bizâncio de antigamente e agora Istambul) ou para a Espanha islâmica. Nesses merca- de terra geralmente providenciavam a alforria desses escravos também por meio de
dos, o espólio humano era convertido em ouro, prata, seda, vinho e armas. testamento. Apesar da lei que proibia a ve nda de ingleses para estrangeiros, o comér-
Uma breve descrição da vida de um escravo inglês é dada nos escritos do bispo cio de escravos continuou. A Igreja encorajava a alforria como um aro de misericór-
Aelfric, final do século X. Em uma de suas obras, um lavrador diz: dia, e muitos testamentos registram tais aros. Um deles diz:

Saí ao alvorece1; levando os bois para o campo e prendendo-os ao arado. Níio há inver- Declaro aqui neste evangelho que Godwin, o Impetuoso, comprou Leofgifo, a leiteira,
no rigoroso o bastante para que eu ouse ficar em casa, pois temo o meu senhor, mas depois e sua prole em North Stoke, do abade Ae/fiige, por meia libra, para libertá-la, tendo co-
de cangar os bois e prender a relha e a sega ao arado, tenho que arar meio hectare ou mais mo testemunha toda a comunidade de Bath. Que o Cristo torne cego aquele que perver-
por dia. ( ..) Tenho que encher de feno a manjedoura dos bois, e dar água para eles, e lim- ter este ato.
par o estrume... t trabalho pesado, porque não sou livre.
O escravo que não vislumbrava esperança de liberdade ou que não queria esperar
Além dos escravos que descendiam dos bretões originais, havia aqueles captura- geralmente fugia. Se apanhado, era apedrejado até a morte. Quem aj udasse um fu-
dos nas guerras entre os pequenos reinos da Inglaterra. Uma carta do século VIII, gitivo tinha que compensar o proprietário. Quando os vikings atacaram a Inglaterra,
escrita por um clérigo, solicita a libertação de uma garota, prisioneira do abade de escravos fugiram para juntar-se às forças dinama rquesas e aproveitar a chance de
Glastonbury, em troca do pagamento de um resgate, declarando que a família a quer ajustar contas com seus senhores.
de volta "para que possa passar o resto da vida com os parentes, não na tristeza da Um levantamento da Inglaterra agrícola feito por Guilherme, o Conquistador, em
servidão, mas no deleite da liberdade". A lei da Igreja testifica como era comum as 1086, mostrou que 9% do povo eram escravos. Dali em diante, a escravidão decli-
pessoas serem tomadas como escravas. Após um período de cinco anos, a Igreja per- nou constantemente. Em 1200, a escravidão agrícola não mais existia na Inglaterra,
mitia um novo casamento para o marido ou a esposa de alguém tomado como es- substituída pela servidão. Os que sobraram se confinavam ao serviço doméstico.
cravo e que não tinha condições de pagar resgate. Durante todo o período do Império Romano, as tribos germânicas, bem como
Grandes dificuldades geralmente forçavam as pessoas a vender os filhos ou outros os romanos, utilizaram escravos. Da época da dinastia merovíngia de reis francos
familiares como escravos. Em 1014, o arcebispo Wulfstan lamentava-se: "Também (428-751), aumentou o número de escravos entre as tribos germânicas. Muitos
sabemos muito bem onde ocorreu esse ato deplorável, de um pai ter vendido o filho eram eslavos capturados, e outros, comprados no exterior por mercadores de escra-
por um cerro preço aos estrangeiros; ou o filho, a mãe; ou um irmão, o outro irmão." vos. O anglo-saxões, especialmente, alcançavam um alto preço, pois eram conside-
A maioria dos escravos ingleses, no entanto, foi reduzida a esse estado como pu- rados bonitos. Os francos caíam na escravidão se deixassem de pagar uma dívida
nição por certos crimes ou por deixarem de pagar multas ou outras obrigações. Se o ou multa. Quem fosse apanhado roubando ou matando um escravo pagava uma

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~ H IST ÓR I A I LUS TRA DA D A E SCR A VID Ã O 0 ES CRAVO NA I DADE M~OIA ~
multa ao senhor equivalente ao preço de um cavalo. Os escravos dos francos não ti- que homens preocupados em salvar suas almas li bertavam escravos como um aro es-

nham direitos legais e para rodos os efeitos não tinham família, embora a Igreja exor- pecial de piedade.

tasse os senhores a não separar o marido da mulher, ou os pais dos filhos. O tratamen- É claro que tal generosidade era cuidadosamente protegida para gara ntir algum

to cruel era comum, no entanto. Um nobre franco, o duque de Raunching, gostava de benefício material ao senhor. Alguns escravos - e isto era raro - eram libertados sem

fazer seus escravos apagar rochas, pressionando-as contra suas pernas descobertas. que quaisquer ama rras lhes fossem aradas. Mas a maioria dos libertos continuava

Negada a personalidade legal, o escravo era um alienígena, um intruso, um ho- compromissada com seus antigos senhores ou com um novo senhor (geralmente a

mem não-reconhecido pela comunidade. Apenas homens livres (apesar da origem Igreja), sob cujos cuidados eram colocados. Tais obrigações eram consideradas he-

étnica) eram considerados parte do povo franco. No final das contas, a denomina- reditárias. Assim , embora o emancipador perdesse um escravo, ele ou um outro ga-

ção nacio nal dos francos e seu status legal de liberdade tornaram-se intercambiáveis. nhava um dependente. No feudalismo esse arranjo assegurava ao liberto a proteção

As palavras libre e ftanc passaram a significar a mesma coisa. necessária, e geralmente tornava-o arrendatário de seu patrono. Também era comum

Os escravos francos levavam vidas diversas. Alguns faziam trabalho doméstico, a cobrança de um imposto anual individual, bem como a prática de tomar uma par-

outros, agrícola, e estavam ligados à casa ou à fazenda do senhor. Não eram mais im- te da herança do liberto quando ele morresse. Em bora tecnica mente livre, o ex-es-

portantes do que o gado- propriedade móvel de que se podia dispor à vontade. Um cravo pagava um preço pela proteção dada pelo senhor, que agora era seu patrono.

outro grupo, ainda, era de escravos arrendatários. Estes já estavam ascendendo em C rescia assim a servidão, à medida que os súditos do feudo gradualmente pas-

direção à liberdade. Tinham suas próprias cabanas, produziam seus próprios alimentos, savam para essa condi ção- voluntariamente, por meio da violência ou através de

podiam vender rodo excedente que houvesse, e não eram mais totalmente dependen- mudanças na lei. Na primeira metade do século XII, o norte da França conhecia

tes do senhor. Padeciam sob pesadas obrigações e impostos, mas tinham a liberdade de apenas a categoria dos servos que eram dependentes servis, ligados a um senhor

cultivar terras que lhes eram distribuídas, e começaram a viver à semelhança de ar- por nasCi mento.

rendatários livres. Havia também escravos que estavam ligados ao grupo de depen- Nas terras do Mediterrâneo, porém, a escravidão sobreviveu por multo mats

dentes armados do senhor feudal. O porte de armas lhes dava prestígio e influência, tempo. Os mercadores aventureiros europeus, que surgiram por volta do século

que compensavam o estigma da escravidão. VII, viajavam, por terra e por mar, do Ocidente para o Oriente. Do Ocidente, dis-

Começando no século VIII, quando os carolfngios se tornaram governantes dos se um erudi to persa da época, "eles trazem eunucos, meninas e meninos escravos,

domínios francos, muitos escravos passaram a ser emancipados a cada ano. Marc brocados, peles de castor, de marra e de rodo tipo, além de espadas". Velejavam do

Bloch, o historiador francês do feudalismo, acredita que os senhores favoreciam es- sul da Itália ou da França para o N ilo, Síria e Constantinopla. Constantinopla, o

sa política porque a economia estava mudando. As grandes fazendas do passado (as principal centro comercial da Idade Média, era também a capital política do

antigas latifondia) eram agora subdivididas, e uma grande quantidade de mão-de-obra Império Bizantino. Embora alguns escravos fossem comprados para trabalhar nas

escrava deixava de ser necessária. Lucros maiores podiam ser obtidos da cobrança de propriedades rurais, a maioria estava ligada ao serviço doméstico.

aluguel e serviços do que do gerenciamento de imensas propriedades. Também O escravo em Constantinopla mal tinha proteção por parte da lei. Quando iso-

maior poder adviria de um controle protetor sobre homens livres do que da proprie- lado na propriedade rural de um senhor tirano, podia preferir a morte ao desespero

dade de gado humano. E a voz da Igreja finalmente estava sendo ouvida à medida diuturno. Que os maus-tratos eram comuns fica evidente a partir das constantes

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H lST ORIA IL UST RADA DA E S C RAVIO ÁO
0 ESC RA VO NA I DADE M tO I A
pregações da Igreja contra essa prática. Alguns escravos, porém , sedosos animais de Os nórdicos também tinham escravos, chamando-os de "cativos". Eram prisio-
estimação dos arisrocratas, desfrutavam o luxo perfumado. Do século IX ao século XJ, neiros de gue rra, criminosos, camponeses e até mesmo nobres que haviam perdido
vitórias militares encheram o mercado bizanrino de escravos. O preço caiu, e quan- a liberdade no jogo. A alforria era freqüente, especialmente quando líderes das ex-
do eles ficaram baratos, suas vidas foram consideradas sem muito valor. Viviam em pedições de ataque precisavam de jovens forres para Jurar. Quando os escandinavos
piores condições do que os mais pobres entre os li vres. começaram com seus grandes ataques, muiros estrangeiros foram capturados e es-
Tantos escravos fugitivos encontraram abrigo nos monastérios bizantinos que fo- cravizados. Mas eles não desempenhavam nen huma função importante dentro da
ram impostos limites legais à sua aceitação. Proibiram-se os monges de atraí-los. Um Escandinávia. A terra não tinha ofi ci nas nem fazendas ou grandes feudos que preci-
senhor podia reivi ndicar fugitivos num prazo de três anos, ou até mais, em determ i- sassem da mão-de-obra escrava. Os servos trabalhavam no âmbiro doméstico, sendo
nadas condições. Se um escravo fugitivo deixasse o monastério, perd ia a liberdade e desejados principalmente para inflar o presrfgio de um nobre. Assim, a maioria dos
podia ser forçado a voltar a prestar serviços a seu senhor. prisioneiros capturados pelos nórdicos em seus ataq ues tornava-se mercadoria que
À medida que diminuía o poder do Império, as derrotas barravam o suprimento eles comercializavam principalmente no Oriente.
de escravos. Os mercados foram desativados e, por volta do século Xll , a própria es- No século VII, os nórdicos suecos começaram a penetrar na Rússia a partir do
cravidão começou a definhar. O valor do trabalhador livre aumentou e, pela primeira Báltico. Construíram forrins em pontos estratégicos, tais como Novgorod. Não inte-
vez depois de mui to tempo, ele experimentou uma vida um pouco melho r. ressados em agricultura, eles permaneciam para criar postos de comércio, às vezes se-
Como sempre, o comércio continuou e os mercadores europeus ava nçaram além parados por centenas de quilômetros. Atacavam as aldeias em busca de escravos e,
de Constantinopla. Seguiram mais para o leste, em lombo de camelo, até 0 mar com as peles, a cera e o couro que compravam, levavam suas cargas rio abaixo em fro-
Vermelho ou o golfo Pérsico, onde embarcaram em navios para a fndia ou para a tas de canoas feitas de troncos de árvores. No mar Negro ou em Constantinopla, tro-
C hina. Às vezes tomavam a rota terrestre, via Espanha e Norte da África, até 0 Orien- cavam seus produros por seda, condimentos, vinho, frutas e vários artigos de metal.
te Médio e Extremo Oriente. Durante a era feud al, os camponeses da Rússia, Polônia e Hungria não foram go-
O com ércio com seres humanos fazia, é claro, parte do tráfico. O s frísios, um vernados por homens de sua própria raça e tradição, mas por estrangeiros. Foras-
povo que vivia na costa marítima e nas ilhas ao norre do Reno, negociavam es- teiros como os suecos, por exemplo, por trás de seus forres cercados por paliçadas,
cravos regularmente. O mesmo faziam os escandinavos, que, nos séculos IX e X, viam os camponeses como um lobo vê um bando de ovelhas. Os senhores feudais
eram uma fímbria germânica vivendo próximo ao mar. C onstituíam mais ou menos deixavam os camponeses em paz até o momento em que precisavam se reabastecer
um povo em termos de língua, legislação e modo d e vida. Tinham uma organi- com mercadorias. Então saíam para encurralar os aldeães à força e enviá-los a um
zação tribal, sem um governo político geral. Os nobres dedicavam suas energias centro de comércio de escravos. Alguns senhores feudais, como em Kiev, na Rússia,
às baralhas, lutando entre si talvez mais do que contra os estran geiros. A maioria faziam um arranjo "pacífico" com suas províncias. Os aldeães escolhiam moços e
dessa gente nórdica era formada de camponeses livres, com sua p rópria terra, que moças para serem entregues a eles.
viviam espalhados pelo campo ou em pequenas vilas. Em seus a taques d e surpre- Sobre os dinamarqueses, Adam de Bremen escreveu, por volta de 107 5, que "logo
sa, preenchiam os bancos de remadores das galés, em vez de usar escravos, como que alguém apanha seu vizinho, vende-o impiedosamente como escravo, seja a um
faziam os romanos . amigo, seja a um estranho. N ão conhecem nenhuma for ma de punição, a não ser a

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HIS T Ó R IA I LUST R A D A DA E S C RA VID A O 0 ESC R AVO NA I DAD E M ~OI A
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machadinha ou a escravidão." Peles de animais e escravos- estas eram as duas prin-
cipais mercadorias que os escandinavos exportavam para o sul da Europa. Parece que
a maioria era de escravas. Q uando os escandinavos atacavam o território de uma tri-
bo, pegavam as mulheres como prisioneiras e os homens como servos. O s líderes
nessa época dos vikings tinham haréns, e conta-se que um deles possuía q uarenta jo-
vens escravas. Quando morria algum desses chefes, sacrificava-se uma de suas escravas
e o corpo era queimado na pira funerária, ju nto com o do seu senhor.
Veneza, mesmo antes de começarem as Cruzadas, no século XI, to rn ou-se outro
grande centro comercial. Ali chegavam matérias-primas e escravos da fronteira no-
roeste da Europa para serem trocados por artigos orientais e pelos próprios produtos
de Veneza. Os venezianos exportavam as jovens eslavas para os grandes Estados e ha-
réns do Egito e da Síria. O elevado lucro obtido com o comércio de seres humanos
fazia aumentar ainda mais a prosperidade da cidade. As ameaças papais de excomungar
os vendedores de escravos cristãos eram ignoradas. Os venezianos viam santidade su-
ficiente no fato de abrigarem e venerarem os ossos de São Marcos.
Os mercadores de escravos eram inescrupulosos o bastante para tirar vantagem de
uma oportunidade oferecida pela patética C ruzada das Crianças, em 121 2. Um jo-
vem e visionário pastor francês, Stéphane de C loyes, conduziu milhares de crianças
para o sul de Marselha, prometendo que elas conseguiriam libertar a Terra Santa dos
muçulmanos, onde os adul tos haviam falhado. O exército juvenil, a maioria com me-
nos de doze anos, foi capturado por mercadores de escravos e vendido para o Egito.
No século X, a cidade de Verdun tornou-se um importante mercado de escra- Vista geral de Veneza. Bodleya Library, Oxford

vos. Eslavos eram importados e vendidos para o sul, principalmente para a Espanha aj ustavam-se ao sistema de cul tivo de frutas e hortaliças ou às oficinas das cidades.
muçulmana, onde geralmente eram utilizados como eunucos nas cortes dos califas. Também faziam parte dos lares islâmicos e preenchiam as fileiras das unidades mi-
A Espanha sempre conheceu a escravidão, desde os tempos romanos até o feuda- litares. Os escravos rurais da Espanha sempre tiveram uma vida difícil; ora, a não
lismo. Tanto o norte cristão quanto o sul muçulmano (convertido ao Islã em 7 11 , ser que se convertessem ao islã, sua sorte seria ainda pior.
à época da invasão de árabes e berberes vindos do norte da África) escravizavam Quando a maior parte dos invasores muçulmanos foi expulsa da Espanha no sé-
prisioneiros em seus constantes ataques e contra-ataq ues. Para os p risioneiros ricos, culo XII, as posições se inverteram. O s camponeses islâmicos foram arrastados em mas-
pedia-se resgate. Sem muita utilidade para escravos em sua economia, o norte vendia sa para a escravidão. Barcelona, assim como Veneza em tempos anteriores, tornou-se
a maioria dos cativos para cristãos do exterior. Mas no sul muçulmano, os escravos profundamente envolvida no comércio de escravos. Mercadores cristãos lucravam

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L_ HI STORI A ILUSTRADA DA ES CR AVIDÃO Q ESCRAVO NA I DAD E M ~ DIA
bastante com o tráfico de pessoas para o sul da França e da Itália, e mesmo para m er- Um judeu não deverá comprar. ou manter como escravo, um cristão ou uma cristã, e
cados mais distantes. Os escravos que eles comercializavam eram valorizados pela se alguém violar essa lei, ao cristão serd restituída a liberdade, embora o judeu, ao adqui-
habilidade no cultivo agrícola e na manufatura. ri-lo, talvez não soubesse que ele era cristão; mas se ele sabia disso ao comprá-lo, e depois
Todas as fés, portanto - cristãos, muçulmanos e judeus-, participaram do comér- fez uso dele como escravo, será condenado à morte por assim fozê-lo. Além do mais, proi-
cio de escravos na Idade Méd ia. Nenhuma delas hesitou em levar adiante o antigo bimos qualquer j udett de converter um cativo à sua religião, mesmo que o dito cativo pos-
e honrado negócio. Só a partir do século XII é que a Igreja proibiu os cristãos de tra- sa ser um mouro, ou pertença tt alguma outra raça bárbara. Se alguém violar esstt lei, or-
ficar escravos cristãos. É claro que perm itia aos comerciantes continuar comprando denamos que o dito escravo, que se tornou j udeu, sejtt libertat:ÚJ e retirat:ÚJ CÚJ controle da
e vendendo escravos de outras fés. Milhares de eslavos e sarracenos capturados exau- parte à qual ele ou ela pertencia. Se ttlgum mouro, cativo de judeus, tornar-se cristão, se-
riam suas vidas como escravos nos monastérios da Europa. rá imediatamente libertado...
Mas a Igreja fazia objeção quando os judeus mantinham escravos. Temia a possibi-
lidade de que estes escravos pudessem adotar o judaísmo, uma conversão tentadora, Mais tarde, na Idade Média, a Igreja decretou que os judeus não podiam manter
quando se sabe que os judeus eram religiosamenre obrigados a libertar outro judeu da escravos cristãos por mais de três meses. Depois disso, o escravo tinha que ser ven-
escravidão. A historiadora moderna lris Origo diz que "nos lares judaicos, os escravos dido a um cristão. Quando a Igreja fez cumprir essas leis, o efeito foi afastar os ju-
geralmente eram muito mais bem-tratados do que entre os cristãos". deus da agricultura. Destituídos da mão-de-obra, os proprietários de terra judeus
Tempos atrás, a Igreja proibira os judeus de converterem cristãos ao judaísmo. Já tornaram-se mercadores. Quando muçulmanos e cristãos travavam guerras constan-
em 339 d.C., sob a crescente influência cristã no Império Romano, o imperador tes entre si, os mercadores judeus, que não -:stavam envolvidos na disputa, tinham
Constância li decretou que um judeu não podia possuir escravo cristão. A lei d izia: a permissão de ambos os lados para ir e vir livremente. Sob as condições favoráveis
oferecidas por Carlos Magno e seu filho Luís, eles tornaram-se os principais repre-
Se alguém entre os judeus adquirir um escravo de outra seita ou nação, esse escravo de- sentantes do comércio internacional, negociando peles de animais, mercadorias
verá ser imediatamente confiscado para o tesouro imperiaL orientais e escravos.
Se, de foto, ele circunciCÚJu o escravo adquirido, não só será multaeúJ pelo dano causa- Algum tempo atrás, ainda na Idade Média, os próprios judeus tinham sido
do ao escravo, mas também receberá a pena capital. forçados à escravidão. No século VII, medidas opressivas tomadas contra eles pe-
Se, de foto, um judeu não hesitar em adquirir escravos - os membros daquela fé dig- los governantes visigodos da Espanha levaram-nos a tal desespero que chegaram
na de respeito [cristianismo}-, então todos os escravos encontrados em sua posse serão a planejar a derrubada do império. Descoberta a conspiração, toda a população
imediatamente retirados. Não se deve causar demora, mas ele será destituído da posse da- judaica da Espanha foi condenada à escravidão e entregue a vários senhores em
queles que forem cristãos. todo o país. Seus proprietários foram proibidos de libertá-los. C rianças de sete
anos ou mais foram tiradas dos pais e dadas a cristãos. Somente depois de os mu-
Bem depois, na Espanha, o Código das Sete Partes, de Castela, promulgado em çulmanos vencerem o último dos reis visigodos, em 711, é q ue os judeus recupe-
1348, prescrevia, na Lei X, "Que Penalidades Merecem os Judeus Que Mantêm raram a liberdade. Sob o domínio muçulmano, eles também obtiveram a liber-
Cristãos Como Escravos": dade religiosa.

I -~~
~ H I S TORIA I LUS TRA DA DA f SC RAV I OÁO 0 E SC R AV O N A IDADE M~ OI A
bastante com o tráfico de pessoas para o sul da França e da Itália, e mesmo para mer- Um judeu não deverá comprar, ou manter como escravo, um cristão ou uma cristã, e
cados mais distantes. O s escravos que eles comercializavam eram valorizados pela se alguém violar essa lei, ao cristão será restitulda a liberdade, embora o j udeu, ao adqui-
habilidade no cultivo agrícola e na manufatura. ri-lo, talvez não soubesse que ele era cristão; mas se ele sabia disso ao comprá-lo, e depois
Todas as fés, portanto - cristãos, muçulmanos e judeus -, participaram do comér- foz tt.so dele como escravo, será condenado à morte por assim fazê-lo. Além do mais, proi-
cio de escravos na Idade M éd ia. Nenh uma delas hesitou em levar adiante o antigo bimos qualquer judeu de converter um cativo à sua religião, mesmo que o dito cativo pos-
e honrado negócio. Só a partir do século XII é que a Igreja proibiu os cristãos de tra- sa ser um mouro, 011 pertença a alguma outra raça bárbara. Se alguém violar essa lei, or-
fica r escravos cristãos. I: claro que permi tia aos comerciantes continuar comprando denamos que 0 dito escravo, que se tornou judeu, seja libertado e retirado do controle da
e vendendo escravos de o utras fés. M ilhares de eslavos e sa rracenos capturados exau- parte à qual ele ou ela pertencia. Se algum mouro, cativo de judeus, tornar-se cristão, se-
riam suas vidas como escravos nos m o nastérios da Europa. rá imediatamente libertado...
Mas a Igreja fazia objeção q uan do os judeus mantinham escravos. Temia a possibi-
lidade de que estes escravos pudessem adotar o judaísmo, uma conversão tentado ra, M ais tarde, na Idade M édia, a Igreja decretou q ue os judeus não podiam manter
quando se sabe que os judeus eram religiosamente obrigados a libertar o utro judeu da escravos cristãos po r m ais de três meses. Depois d isso, o escravo tinha que ser ven-
escravidão. A histo riadora moderna lris O rigo diz q ue "nos lares judaicos, os escravos d ido a um cristão. Q uando a Igreja fez cum prir essas leis, o efeito fo i afastar os ju-
geralmente eram muito m ais bem-tratados do que entre os cristãos". deus da agricultura. D estitu ídos da m ão-de-obra, os pro prietários de terra judeus
Tempos atrás, a Igreja proibira os judeus de converterem cristãos ao j udaísmo. Já tornaram-se mercadores. Q uando muçulmanos e cristãos travavam guerras constan-
em 339 d .C., sob a crescente influência cristã no Império Romano, o imperador tes entre si, os mercado res judeus, que não .~stavam envo lvidos na disputa, tinham
Constância 11 decretou que um judeu não podia possuir escravo cristão. A lei dizia: a permissão de ambos os lados para ir e vir livrem ente. Sob as condições favoráveis
oferecidas po r Carlos M agno e seu filho Luís, eles tornaram -se os principais repre-
Se alguém entre os judeus adquirir um escravo de outra seita ou narão, esse escravo de- sentantes d o com ércio internacional, negociando peles de an imais, mercadorias
verá ser imediatamente confiscado para o tesouro imperial. orientais e escravos.
Se, de foto, ele circuncidou o escravo adquirido, não s6 será multado pelo dano causa- Alg um tempo atrás, aind a na Idade M édia, os pró prios judeus tinham sido
do ao escravo, mas também receberá a pena capital. forçad os à escravidão. No século VII, m edidas o pressivas tom adas con tra eles pe-
Se, de foto, um judeu não hesitar em adquirir escravos - os membros daquela fé dig- los governantes visigodos da Espanha levaram -nos a tal desespero que chegaram
na de respeito {cristianismo] -, então todos os escravos encontrados em sua posse serão a planejar a derrubada d o império. D escoberta a conspi ração, toda a po pulação
imediatamente retirados. Não se deve causar demora, mas ele será destituído da posse da- judaica da Espanha fo i condenada à escravidão e entregue a vários senho res em
queles que fo rem cristãos. todo 0
país. Seus proprietários foram proibidos de libertá-los. C rianças de sete
anos o u m ais fo ram tiradas dos pais e d adas a cristãos. Somente depois de os mu-
Bem depois, na Espanha, o C ódigo das Sete Partes, de Castela, promulgad o em çulmanos vencerem 0 últim o d os reis visigodos, em 7 11 , é que os judeus recupe-
1348, prescrevia, na Lei X, "Que Penalidades M erecem os Judeus Que M antêm raram a liberdad e. Sob 0 d o mínio muçulman o, eles também o btiveram a liber-
Cristãos Com o Escravos": dade relig iosa.

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~ H I ST0RIA I L UST RADA DA ESCRAVIOAO 0 ESCRAVO N A I DAD E M (DIA ~
Santo lldefonsus debate com um judeu durante um perfodo de grande discriminação dos
judeus na Espanha. Biblioteca Medicea laurenziana, Florença
''PrH> nH Jt)J 1 UP'" "1 1 '\AI 1 • .

veu o rico toscano Francesco Datini a seu agente em Gênova, em 1393,


"\"- \ , , ..,,

j(JVem e robusta e de boa linhagem, forte e capaz de trabalhar duro... de modo que eu pos-
sa criá-Út do meu jeito e ela aprenda melhor e mais rápido, e eu possa extrair deúr melhor ser-
viço. Quero-a apenas para lavar os pratos e carregar a lenha e o pão para oforno, e trabalhos
dessa natureza... pois tenho outra aqui, que é boa escrava e sabe cozinhar e servir bem.

Dati ni era um dos muitos mercadores da Toscana cujo lar dependia do trabalho
escravo. A escravidão doméstica, que quase desaparecera do norte e do centro da
Itália d urante os séculos XII e XIII, havia sido restaurada em razão de duas causas
principais. A primeira foi a intensificação do comércio italiano com o Oriente, e a
outra, a catástrofe da Peste Negra.
Dois séculos antes, os italianos estabeleceram comércio com todos os portos do Me-
diterrâneo. Os genoveses assumiram o controle do comércio nos portos de Caffa (ago-
ra Feodossia, Ucrânia) e Tana, no mar Negro. Com destino a esses centros, vinham ca-
ravanas do Extremo Oriente, da Tartária e da vizinha Criméia. Comerciantes da Europa
e do Levante compravam seda, tapetes, peles de animais, especiarias e madeira, e ven-
diam vinho, figo, linho e roupas de lã. Mas o artigo mais lucrativo eram os escravos.
Quando a Peste Negra penetrou na Europa, vinda do Oriente, e atingiu as cidades
e os campos, devastou a população como se houvesse sido deflagrada uma guerra bac-
teriológica. A doença, que se acreditava ter origem na China, era basicamente de dois
tipos- peste bubônica e pneumônica - , com uma terceira forma que matava tão rapi-
damente que nem havia tempo para que os sintomas visíveis se desenvolvessem. Metade
da população de Florença morreu, e o tributo foi igualmente alto em muitos outros lu-
gares da Itália. Nos anos em que durou a epidemia, de 1347 a 1350, provavelmente ela
eliminou um terço da população da Europa. Não causa surpresa que o maior número
de vítimas fosse de pessoas pobres. Gente malcuidada, doente, faminta eram os que me-
nos podiam resistir à morte repentina. Necessitava-se desesperadamente da mão-de-obra
~ aiNndonam as cidades durante a eplct.nia de l'nte Negra na E~

H ISTORI A IL U ST R ADA D A ES C RAVIDÃO


sobrevivente para cultivar da terra. As cidades também estavam sem trabalhadores e ar- portuárias o u nos mares por piratas genoveses, e mu itas vendidas pelos próprios
tesãos, e os ricos mercadores clamavam por servos para suas grandes residências. pais, q ue estava m passando fo me.
Assim, mais uma vez o comércio de escravos era reativado. Submetendo-se à neces- A porcentagem de crianças escravas pode ser vista nos registros de um notário ge-
sidade, os priores de Florença decretaram que podia ser trazida qualquer q uantidade novês de C affa. Dos 28 escravos cujas escrituras de venda ele lavrou em um curto
de escravos estrangeiros, contanto que fossem infiéis, e não-cristãos. E logo as ruas da período, dezenove tinham 12 anos o u menos, um tinha 6 e outro 3 (vendido junto
Florença medieval e de outras cidades da Toscana estavam cheias de rostos estran hos com a mãe), e apenas sete eram maio res de 14 anos. Os mercadores de Caffa enviavam
- tártaros, russos, circassianos, gregos, mouros, etíopes. Nobres e m ercadores ricos algumas de suas aq uisições para os haréns d os sultões do Egito, e outras para o mer-
possuíam muitos; ninguém passava sem pelo menos alguns. M éd icos, boticários, esta- cado tártaro de escravos em Alexa ndria, onde seri am revendidos a mercadores de
lajadeiros - não importa quão modesta fosse sua casa -, todos tinham um escravo. muitas outras te rras.
Artesãos e lojistaS também achavam que tinham de ter escravos; sapateiros, carpi ntei- Os próprios genoveses, invejando as riq uezas que outros acu mulavam com o trá-
ros, tecelões que trabalhavam com o linho e a lã, todos compravam homens e mulhe- fi co humano, começaram a negociar escravos de o rigem ostensivamente não-cristã.
res dos m ercadores. Até mesmo padres e freiras possuíam escravos. Mas nem os genoveses nem os venezianos deixavam a questão do batismo interfe rir
Esses escravos quase sempre eram utilizados para fazer o trabalho de domésticos nos lucros. E m 1.3 17, o papa João XXII denunciou os genoveses por fortalecerem os
e artesãos. Sua função econômica não era tão essencial quanto em Roma, mas tam- infiéis, envian do-lhes escravos. E m 1425, o papa Maninho V ameaçou excomungar
pouco insignificante. os cristãos engajados na ve nda de cristãos aos infiéis e ordenou que os mercadores
Comerciantes de todas as nações e cores vinham para o grande mercado de escra- judeus usassem na roupa um a insígnia de infâmia, em parte para impedi-los de
vos do Levante em Caffa. Compravam os altos e loiros circassianos, os atarracados comprar cristãos.
e amarelos tártaros, os ruivos caucasianos, os negros etíopes. Em Caffa, escreveu o Ao m esmo tempo, o papado começou a acenar com a ameaça de escravidão em
espanhol Pero Tafur em seu livro do século XV, massa para manter os inimigos sob controle, fossem cristãos ou não. Em 1303, opa-
pa Bonifácio VIII ordenou a escravização da poderosa família Colonna e de seus se-
eles vendiam mais escravos, homens e mulheres, do que em qualquer outra parte do mun- guidores. Em 1309, Clemente V pronuncio u essa sentença em Veneza, Itália, e mais
do... Lá eu comprei duas escravas e um escravo, que eu ainda tenho em Córdoba com seus tarde Bolonha e Florença estiveram sob a mesma condenação. Para dissuadir os ingle-
filhos. A venda ocorre da seguinte maneira. Os vendedores fazem os escravos tirar toda a rou- ses de cerrar fileiras em torno da Reforma de H enrique VIII, o papa Paulo III (1534-
pa e vestir uma capa de feltro, tanto os homens quanto as mulheres. O preço é afixado. 1549) condeno u à escravidão rodos aqueles que desertassem da Igreja Católica. Eram
Depois, tiram-lhes as vestes e fazem-nos caminhar de um úzdo para o outro, para mostrar se oferecidos como butim a qualquer cruzad o q ue tentasse derrubar H enrique.
têm algum defeitofisico. Se há um tártaro entre eles, homem ou mulher, o preço é um terço Em Tana, outro importante mercado de escravos no mar Negro, um pároco de Ve-
a mais, já que se pode tomar como certo que nenhum tártaro jamais traiu seu senhor neza, Benedetto Blanco, atuava no comércio com o notário. Quando ele voltava para
casa, não perdia a oportunidade de trazer consigo vários escravos para o mercado ve-
Boa parte dos escravos vendidos em Caffa era formada de crianças. Algumas ti- neziano. Consta que um m ercador tártaro vendeu sua própria sobrinha de 14 anos
nham sido roubadas da C riméia por invasores tártaros, outras raptadas em cidades a um veneziano. Outros com erciantes vinham da Rússia, Armênia, D almácia,

·-- I
HISTORIA ILUSTRADA DA E SCRAVI DÃ O
INIM IGOS OOM tST I C OS ~
Um notário lavrava a escritura de cada compra, descrevendo a origem do escravo,
Alemanha. O comércio era suficientemente intenso para que Veneza e Gênova regu la-
preço, aparência, altura, doenças, defeitos, até mesm o falhas morais, como mau hu-
meneassem sobre a carga humana que suas galés tinham permissão para transportar.
(Os remadores das galés geralmente eram escravos.) Três escravos para cada tripulante mor ou tendência a fugir. Assim como na Grécia e na Roma antigas, os vendedo res

era o limite estabelecido por Veneza. Gênova permitia trinta escravos para navios de um eram ob rigados a especificar defeitos, o que fazia baixar o preço. Se eles os ocultas-

só convés, 45 para navios de dois conveses e sessenta para os de três conveses. sem, o comprador podia cancelar a compra e receber o dinheiro de volta. A autori-

Quando os escravos entravam nos portos italianos, eram descarregados nos cais dade absoluta que o comprador assumia sobre sua aquisição era especificada na escri-

e leiloados para intermediários que os enviavam a seus clientes . C h egan d o a seus tura: " ... com plenos poderes para possuir, manter, vender, alienar, trocar, desfrutar,

destinos, sobre eles incidiam impostos de im portação e de consumo, e seus nomes alugar ou deixar de alugar, dispor no testamento, julgar alma e corpo, e para sempre

passavam a constar no livro de registro da cidade. Veneza cobrava uma taxa de cin- fazer o que ele e seus herdeiros quiserem, de aco rdo com seu próprio desejo, e ne-

co ducados por cabeça para q ualquer escravo vendido fora de seu territó rio. nh um homem poderá contradizê-lo. "

Gênova comercializava escravos não só d o Levante , mas também d o M ed.Jterraneo


' Como nos tempos antigos, o senhor podia não só utilizar a mão-de-obra de um es-

ocidental, especialmente de Maiorca e Barcelona. Uma g rande quantidade era reex- cravo, mas também arrendar seus serviços, trocá-lo por outro escravo ou produto, ou

portada para outros países da Europa, o nde havia uma demanda por meninas para dá-lo como presente. Mas, ao contrário d os antigos romanos, os flo rentinos medievais

trabalharem como criadas dom ésticas o u servirem como concubinas . 0 EgJto


· que- não permitiam que seus escravos se vestissem como eles - mesmo que o senhor estives-

ria homens para preencher as fileiras de seu exército. se disposto a pagar o custo. As criadas não podiam usar os elegantes sapatos de solado

Os escravos mais jovens parece que alcançavam os melhores preços. Uma lista ofi- alto ou um vestido de cauda, nem casacos o u vestidos de cores vivas. Tinham que usar

cial de 357 escravos vendidos em Florença no final do século XIV mostra que, en- apenas roupas cinzentas de lã, rústicas, e tamancos de madeira com tiras pretas.

tre as meninas, 34 tinham menos de I 2 anos, 85 entre I2 e I8 , e apen as se1s


· eram Nos séculos XIV e XV, as famílias toscanas eram unidades sólidas e coesas, em

maiores de 30. Os preços mais altos eram pagos às moças que tinham acabado de q ue todos viviam sob o mesmo teto, incl uindo dependen tes, servos e escravos. O es-

passar da puberdade. cravo tornava-se parte da grande família e geralmente era tratado como os servos.

O valor de um escravo comparado ao de outros artigos pode ser visto nos preços Isso significa ser tratado de forma severa, pois o senhor detinha grandes poderes, ba-

pagos por Francesco Dacini, mencionados no com eço deste capítulo. Ele deu sessenta tendo na própria esposa e nos fil hos, açoitando-os com impunidade. Se ele matasse

florins por uma menina escrava de I Oanos e trinta florins por um exce1ente cava1o. seu escravo, porém, a lei às vezes interferia. Em Siena, o tribunal cortou a cabeça de

Para o vestido de noiva de sua filha, feito de damasco branco, ele p agou 68 fl onns.
· um homem porque ele apunhalara e matara seu escravo.

Assim, uma jovem escrava não chegava a valer mais do que melhor vestido da fi- Petrarca, poeta e erudito do século XIV, fazia eco ao antigo provérbio romano:
0

lha, porém duas vezes mais que um cavalo. "Todo escravo q ue possuímos é um inimigo que abrigamos'' , quando falava de seus

Alistagem florentina mostra as origens dos escravos: 274 tártaros, 30 gregos, I3 escravos como "inimigos domésticos". Outro au tor medieval disse: "Temos tantos

russos, 8 turcos, 4 circassianos, 5 bósnios ou eslavos, I cretense e restante árabes o u inimigos quanto os escravos que possuímos. " Os registros do tribunal transmitem a
0

sarracenos. A grande maioria era de m ulheres ou m enininhas. Quase t od os tm


· h am CI-· seguinte impressão da família que possui escravos - o escravo rancoroso e rebelde, o

catrizes, marcas ou tatuagens para identificá-los. senhor desconfiado e temeroso.

I "' ~~· I
L H I S l Oil i A I LUSTRAD A DA E S C RAVIDÃO IN I MI GOS OOMtSTICOS ~
Que os escravos envenenavam os senhores está evidente numa lei veneziana de tortura para ver se ti nha cúmplices, e enviado para a prisão, se o senhor assim o dese-

141 O que aprovou o uso da tortura para interrogar o escravo suspeito de tramar o jasse. Aquele que roubasse o escravo de outra pessoa ou o escondesse por três dias era

fim de seu senhor com uma erva ou poção, ou por meio de bruxaria. O escravo que enforcado. Se o fugitivo procurasse abrigo numa igreja, apenas adiava o seu fim. Pois a

confessava era brutalmente punido. Um escravo considerado culpado de tentar en- Igreja sempre o entregava, a não ser que fosse um escravo cristão fugindo de um senhor

venenar sua senhora foi marcado a ferro, chicoteado e teve o nariz e os lábios arran- judeu. Então a Igreja o ajudava.
cados. Ourro que confessou ter colocado veneno na comida de seu senhor foi cegado Como eles faziam qualquer coisa para recuperar sua propriedade, os senhores de

em ambos os olhos. Uma escrava cujo ve neno fo i eficiente em dar cabo da vida de escravos fugitivos raramente perdiam seu investimen to. O s escravos tinham que

um senhor foi tratada com todos os horro res que um tribunal florentino sabia apre- contar mais com a alfo rria, se nutriam alguma esperança de liberdade. Quando um

ciar: arrastada pelas ruas numa carroça aberta, e observada pelos habi tantes da cidade, senhor estava para morrer, poderia ser movido pelo ato generoso de libertar seus es-

sua carne foi arrancada com pinças quentes. Quando chegou à praça pública, o que cravos na esperança de assim reparar os pecados. Às vezes um senhor libertava uma

sobrou dela foi queimado vivo. Simples decapitação era o castigo para um escravo escrava se ela relatasse a infidel idade de sua senhora. O u o escravo era libertado pelos

que matasse ou às vezes apenas ferisse outro escravo. cuidados que dedicava aos filhos do senhor. Em seu leito de morte, Marco Polo, o

Os escravos dessa época, na Itália, parecem ter sido qualq uer coisa menos dóceis renomado mercador viajante, libertou um de seus escravos, Pietro, o Tártaro, dei-

e subm issos - como deveriam ser os "bons" escravos. Brigavam com os servos livres xando para ele uma considerável soma em d inheiro. Mais tarde, Veneza concedeu a

e entre si. Roubavam tudo que podiam do senhor. Recusavam-se a obedecer ordens. Pietro plenos d irei tos de cidadania.
Respond iam asperamente. Fugiam. E as escravas estavam sempre visitando a cama As formas de alforria para os escravos italianos variavam. A mais simples e mais co-

do senhor e de seus filhos. Q ueixando-se dos escravos numa carta ao marido ausente, mum talvez fosse aquela em que senhor e escravo apareciam diante de um notário,

a esposa de Francesco Datin i escreveu: "Eles são animais; não se lhes pode confiar a que lavrava um documento de liberdade, assinado por testemunhas. A alforria, na

casa: a qualquer momento podem insurgir-se contra nós." maioria das cidades da Toscana, colocava o liberto em pé de igualdade com o homem

O escravo que não conseguia suportar a servidão por m uito tempo fugia. Mas as nascido livre. Ele podia ter os mesmos direitos, exceto que a liberdade nada lhe dava

punições por fuga eram severas. As leis de todas as cidades italianas sustentavam que para começar uma vida nova. Geralmente saía quase sem dinheiro algum, apenas

o escravo fugitivo era um ladrão. Por quê? Porque ele era uma propriedade, como com as roupas do corpo. Raramente ele tinha uma aptidão ou ofício, pois os artesãos

um cavalo ou um colar, e fugindo estava roubando a si mesmo de seu senhor. livres mantinham os escravos fora de suas guildas. Os venezianos recusavam-se a trei-

Arautos proclamavam o nome e a descrição dos fugitivos nas praças da cidade. nar escravos na fabricação do vidro ou no comércio da seda, pois temiam que se o es-

Estranhos, quando vistos na cidade, especialmente se fossem de cor ou estrangeiros, cravo fosse vendido para outra cidade, pudesse transmitir os segredos do ofício.

com cicatriz ou marca, eram apanhados como suspeitos, e podiam ser interrogados Embora alguns senhores humanitários provessem para o futuro do escravo li-

por meio de tortura. berto, a m aioria era indiferente. N umerosas mulheres libertas tornavam-se pros-

~·~
. ~.
ti tutas, já que era 0 único meio d e sobreviver. A maior parte dos homens pegava

Funcionários municipais tinham que caçar os fugitivos e podiam entrar nas casas a estrada _ perambulando pelas cidades e vilas, sem lar, fami ntos, maltrapilhos,

ou nas lojas para fazer busca. Ao ser apanhado, o fugitivo podia ser interrogado sob sem esperança.

-~- I
I -~- ~
~ H ISTÓRIA I lUSTRADA DA ESCRAVIDÃO
INIM I GOS OOMES T I C OS
comércio de escravos tártaros e circassianos. Eslavos e gregos ainda podiam entrar
na Itália vi ndos da Dal mácia, e mouros e erfopes, da África, mas a demanda pores-
cravos di minuíra. Em primeiro lugar, as senhoras recusavam-se a tolerar a perturba-
ção de escravos domésticos, e também os preços haviam subido à medida que o su-
primento encolhia.
Agora somente os muito ricos podiam dar-se ao luxo de ter escravos, e continua-
vam a comprá-los. Mas em vez de usá-los para o serviço de rotina, percorriam os mer-
cados em busca de excentricidades. Com o mesmo prazer que tinham em juntar uma
coleção particular de animais exóticos, os príncipes do Renascimento colecionavam
escravos exóticos. Um cardeal Médici adorava exibir sua plêiade internacional de es-
cravos - arqueiros da Tarrária, cavaleiros da Turquia, lutadores da África, mergulha-
dores da Índia. O papa Pio li (I 4 58- 1464) costumava entreter os convidados com
um escravo músico negro. O papa Inocêncio VIII (1484-1492) distribuía escravos
mouros a seus cardeais e amigos. D uquesas em Mântua, Ferrara e Milão treinavam
crianças negras para agirem como animais de estimação e fazer palhaçadas nas cortes.
Em 1501, quando os franceses invadiram a Itália e tomaram Cápua, venderam mui-
tas mulheres para compradores romanos. Como as do passado, as guerras do Renas-
cimento escravizavam muitos prisioneiros.
N os séculos XVI e XVII, os grão-duques da família Médici faziam rápidas incur-
sões no litoral da África e do Levante para capturar escravos para suas galés e suas
casas. Só no começo do século XIX é que terminou a escravidão na Toscana. Nessa
época, milhões de negros africanos tinham sido apanhados no sul do Saara e comer-
Marco Pólo, gravura de 1857. O Phototheque d'Histone Nationale cializados como escravos para o Novo Mundo, onde a infame instituição ganhou vida
nova e formas até mais cruéis. Mas esse é um aspecto da história complexo e dife-

*
A Itália dos séculos XIV e XV estava cheia de ex-escravos que viraram mendigos
e ladrões para continuarem vivos.
rente e que requer rodo um livro.

No final do século XV, o uso de escravos na Toscana diminuiu consideravelmen-


te. Uma das razões foi a interrupção no fornecimento. O s turcos haviam assumido
o controle do mar Negro, fechando-o para os navios italianos. Isso acabou com 0

I ~~·
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~
H ISTÓ RIA I LU S TRADA DA E SC RA VI DÃ O
I NI M I GOS OOM ( STI COS
Pl'f\1111\.U If\'1{{) [)I' I. )! In! l)J [){)I) \'(111 \ ...... COVl·

O çou com as origens da escravidão no mundo antigo, acompanhando o cur-


so dessa instituição até o Renascimento. Descreveu com detalhes como ela
surgiu entre os povos primitivos; as formas que assumiu em civilizações como as da
Suméria, Babilônia, Assíria, Egito, Israel, Grécia e Roma; e os papéis que os escravos de-
sempenharam naquelas sociedades e na Europa medieval. O volume I examinou o sta-
tus legal dos escravos, sua função na evolução dos grandes impérios e os meios de obter
a liberdade, incluindo a revolta armada. Havia muitos métodos de aquisição de escra-
vos para o mercado, incluindo captura em guerras, pirataria, rapto, criação, punição por
dívida ou crime e a compra de crianças rejeitadas. Ao d iscutir o papel do racismo, mos-
tramos no primeiro volume que a escravidão podia ser o destino de qualquer pessoa,
não importando a cor da pele. Entre os grego~ e os romanos- bem como entre outros
povos - a cor não era uma linha divisória; brancos escravizavam brancos aos milhões.
Neste volume, a história começa com o Renascimento e termi na com a escravidão

Prefácio em nossos dias. Aqui focalizo a extensão e a natureza da escravidão na África antes
de o príncipe Henrique, o Navegador, enviar seus navios para a costa do Atlântico
naquele continente, e descrevo o surgimento do tráfico de escravos sob o controle
europeu depois que o hemisfério ocidental foi "descoberto" por Colombo. Incluí
um quadro da escravidão dos índios na América pré-colonial e uma discussão das
sociedades escravocratas no Brasil, Cuba e H aiti, que são exemplos das influências
portuguesas, espanholas e francesas. Considerável atenção também é dada à escravi-
dão na América britânica e nos Estados Unidos.
Finalmente, descrevo a continuidade da escravidão em outras partes do mundo e
em outras formas nos últimos cem anos.
A escravidão não desapareceu. De acordo com estimativas das Nações Unidas, em
muitos países milhões de homens, mulheres e crianças ainda são mantidos em regime
de servidão. O último capítulo indica o que está sendo feito agora na luta intermi-
nável para eliminar a escravidão.
Tanto por este volume quanto pelo anterior, sinto-me extremamente grato aos estu-
diosos e especialistas em cujos trabalhos se baseia meu relato. (As referências utilizadas

PR EF AC I O
são dadas na Bibliografia.) Não há nenhuma interpretação-padrão ou universalmente
aceita das origens e~o nôm icas e sociais da escravidão; em alguns casos, os investiga-
dores não concordam nem sobre os faros. Tentei apresentar uma visão geral e ofere-
cer insights sobre a natureza dessa "instituição peculiar", como alguns polidamente
a chamaram.

Deveria ser óbvio que num trabalho tão ab rangente como este, nem rodos os as-
pectos poderiam ser incluídos. O que escolhi levar em conta, é claro, é de minha pró-
pria responsa bilidade. Meu objetivo é ajudar o leitor comum a ver o padrão geral da
escravidão na história humana, e como ele moldou as nossas vidas.

H ! S T ORI A I L U S T R ADA D A E SC R A V I OAO


rP \I Ir r) I) I I r LI 1 \_ n a ' ' "' )J> 1 t • " r r \1 I • No século XV, Portugal liderava a expansão européia de além -mar. Forçando para
quando um pequeno navio português, comandado pelo jovem Anrão baixo o lado ocidental da península Ibérica durante centenas de anos, as forças milita-
Gonçalves, capturou 12 negros num ataque à costa atlântica da África. res po rtuguesas ralharam o desenho de Portugal que vemos hoje no mapa. Os portu-
Os prisioneiros foram levados de volta a Lisboa como presentes para 0 príncipe gueses eram navegado res habilidosos e destemidos. que se embrenhavam no mar atrás
Henrique, o Navegador (1394-1460). Encantado com seus novos escravos, 0 prín- de sardinha, atum e baleia. O príncipe Henrique, um nobre ambicioso e sagaz, resol-
cipe enviou um recado ao papa, pedindo sua aprovação para outros ataques. A res- veu avançar os d o mínios de Portugal no sul, além da península. Procuro u saber mais
posta do papa consentia, "a todos aqueles que estiverem engajados na dita guerra, sobre o oceano ocidental e buscou um caminho marítimo ao longo do desconhecido
total perdão de rodos os seus pecados". Em 1455, um a bula papal autorizava litoral africano. Juntou uma valiosa biblioteca de mapas e can as e leva ntou fundos pa-
Portugal a submeter à servidão todos os povos gentios. ra construir navios e contratar tripulações. Os melhores astrô nomos, m atemáticos e
cartógrafos árabes e judeus participaram da o peração de inteligência. Colheram rela-
tos sobre ventos, marés e o movimento de pássaros e peixes, e elaboraram tabelas pa-
ra calcular lo ngitude e latitude. Por intermédio dos árabes, souberam das invenções
chinesas para a navegação e construção de navios, o que possibilitou projetar embar-
cações capazes de suportar as águas agitadas do oceano e navegar contra o vento.
Com freqüência, a "equipe de consulto res" de Henrique tomava empréstimos on-
de pudesse, e o príncipe oferecia prêmios para encorajar a invenção de novos e aper-
feiçoados dispositivos de navegação e outros melhoramentos. A corte de Henrique
tornou-se um centro de estudos geográficos e de exploração prática. Seus marinhei ros
eram os mais bem -treinados e suas caravelas as melhores embarcações da época.
Equipados com navios e velas que podiam dominar o vento, a cada ano os portu-
gueses avançavam mais para o suL No final do século XV, Vasco da Gama conduziu três
navios que contornaram o cabo da Boa Esperança*, subindo a costa oriental da África
e cruzando o oceano até a Índia. O príncipe Henrique já havia morrido fazia quase 40
anos, mas o crédito pela abertura das grandes rotas marítimas da Europa para a Ásia e,
cruzando o A tlântico, para a foz do rio Amazonas, pertence a seu gênio e perseverança.
O s portugueses financiavam suas explorações trazendo escravos negros para tra-
balhar nas fazendas de cultivo de açúcar, localizadas nas proximidades do litoral da
Europa e da África. As ilhas Canárias, ilha da Madeira e ilha de Cabo Verde, além

·• Descoberto em 1488 por Banolomeu Dias, foi denominado "Cabo das Tormentas". Posteriormente, O João li o rebatiwu com o
Théodore de Bry. O porto de Lisboa no século XVI capital de Portugal · T · A ·
• no no e)o. rqutvo Torre do Tombo nome atual. (N. do E.)

I ~-~
L_ H ISTC RIA ILUST R ADA DA E SCRAVIDÃO
GENTE QUE V EI O DO CEU --
213 1
dos Açores, todas tin ham sido explora- equador e chegando a Angola, 3.700 quilômetros a sudeste do rio Senegal. Em troca de
das nessa época. Com o mercado do- produtos têxteis e cavalos, os portugueses obti nham ouro, couro, marfim e mais de três
méstico ávido por açúcar, o príncipe mil escravos por ano. Em 1552, os escravos em Lisboa chegavam a dez mil -numa po-
Henrique mandara trazer mudas de ca- pulação de cem mil habitantes. Havia mais de 60 mercados de escravos na cidade.
na-de-açúcar de C hipre e da Sicília e Mas, naquele tempo, a escravidão ainda não dominava o comércio com a África.
plantou-as na ilha da Madeira por volta Os primeiros mercadores europeus procuravam artigos de luxo, não mão-de-obra.
de 1420. Financiou o p rimeiro moinho Queriam seda, perfumes, drogas, especiarias e açúcar. E era a Ásia, e não a África,
para moer a cana em 1452. O açúcar da que produzia isso para exportação. A África oferecia marfim, peles de animais ra-
ilha da Madeira logo chegava aos mer- ros, penas de avestruz, ébano, ouro e escravos. O príncipe Henrique estava interes-
cados de rodos os portos da Europa. Na sado principalmente em ouro. Esperava alcançar os campos auríferos da Guiné por
década de 1460, fazendas de açúcar, al- via marítima, contornando os muçulmanos, q ue controlavam as rotas de comércio
tamente lucrativas, foram estabelecidas no Saara. Em 1509, os audazes navegado res de Portugal, passando pelo cabo da
nas ilhas de Cabo Verde e, na década de Boa Esperança, podiam fazer comércio ao longo da costa africana, do Senegal até
1490, em São Tomé. o mar Vermelho.
Até a época em que Colombo nave- Na costa oriental, os portugueses encontraram um próspero comércio de escra-
gou pelo Atlântico, muita experiência vos nas mãos dos árabes, que chegaram mais cedo a esses litorais da África, e desde
Príncipe Henrique, o Navegador. Seus marinheiros havia sido adquirida em estabelecer e 300 a.C, aproximadamente, tinham ali se estabelecido. Marfim, ouro, ferro e escra-
trouxeram os primeiros escravos das costas
manter colônias e em desen volver em- vos eram os produtos comercializados na África Oriental. Em alguns momentos, os
africanas. Museu de Arte Antiga, Lisboa
preendimentos agrícolas. A cana da ilha chineses e os malaios foram importantes no comércio, mas os árabes vieram antes e
da Madeira foi levada para as Canárias em 1503, e dali disseminou-se, primeiro nunca saíram. No século XV, o tráfico de escravos estendeu-se por toda a África
para o Brasil e Haiti e depois para o México, C uba, G uadalupe e Martinica. oriental. Agentes suaíles tratavam disso para os árabes, que enviavam os negros pa-
Doze anos após a viagem de Gonçalves, as pequenas e esporádicas incursões pa- ra a Arábia, Pérsia e fndia em seus dhows. A travessia marítima era terrível, às vezes
ra apanhar escravos na costa da .África deram lugar ao comércio organizado. Os chefes pior do que as infames viagens negreiras pelo Atlântico.
berberes do sul do Saara trocavam cavalos por escravos com os reis negros, geral- O s comerciantes suaíles trabalhavam com as tribos próximas ao litoral, que faziam
mente obtendo 1O ou 15 homens por um cavalo. Seda, prata e outros artigos eram incursões em busca de prisioneiros. Vindo para a costa em caravanas, os escravos car-
permutados por escravos e ouro. regavam marfim e outros artigos. Muitos morriam no caminho para os mercados em
Os escravos, por sua vez, eram vendidos pelos árabes aos portugueses. No início Dar-es-Salaam, Zanzibar, Malindi e ilha de Pemba. As agruras dos escravos na marcha
desse comércio, os portugueses compravam cerca de mil escravos por ano no porto de para o litoral, e também o sofrimento nos dhows, causavam a morte de muitos outros.
Arguin (uma ilha na costa norte do que é hoje a Mauritânia). Antes do final do sé- Os portugueses ergueram seu primeiro forte na África Ocidental em Elmina (el
culo, o tráfico de escravos avançara mais para o sul do litoral africano, cruzando o mina- a mina), na Costa do Ouro, em 1481. O castelo foi construído com muralhas

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HI STORIA ILUSTRADA DA ES C RAVIOAO GEN T E Q UE VEIO D O CEU ~
de nove metros de espessura e tinha 400 canhões que se projetavam das ameias. Suas
masmorras podiam abrigar mil escravos. Mas Elmina não permaneceu solitária por
muito tempo. Ingleses, franceses, suecos, holandeses, dinamarqueses e prussianos
construíram suas próprias fortalezas à medida que disputavam parcelas do comércio
na África.
O ouro ainda era o mais importante, pois a escravidão na Europa servia a fins do-
mésticos e era limitada. Em Elmina, os portugueses trocavam sal, tecido, ferramentas
e quinquilharias por ouro, fazendo negócio com intermediários - as tribos fanti, na
costa, que traziam o ouro dos produtores ashan ti, do interior do continente.
Em 1491, os portugueses chegaram até o povo banto, no Congo, trazendo ferra-
mentas e presentes. Batizaram o chefe Nzinga Knuwa como rei João I, e este fez uma
aliança em igualdade de condições com João 11 de Portugal. O s chefes banco forne-
ciam mão-de-obra escrava para as fazendas de açúcar que os portugueses estabeleceram
na ilha tropical de São Tomé, 960 quilômetros a noroeste da foz do rio Congo.
Um ano mais tarde, Colombo chegou ao Novo Mundo e instituiu um processo
de colonização construído a partir da mão-de-obra escrava. O "Almirante do mar
Oceânico" é por muitos considerado o descobridor do Novo Mundo, mas ele tam-

I~ bém merece ser lembrado por iniciar o tráfico de escravos para a América.
Vivendo em Lisboa uns dez anos antes, Colombo vira as frotas de caravelas por-
tuguesas no rio Tejo, carregadas de sacos de pimenta, presas de elefante, arcas cheias
de ouro em pó e comboios de escravos negros. Logo depois, ele navegou várias vezes
até o litoral da África, descendo até a base de Portugal em Elmina. Com seus com-
panheiros de viagem aprendeu a manejar uma caravela, quais as provisões necessárias
para longas viagens e que artigos negociar com povos "primitivos". Na África ele viu
os portugueses escravizando os negros. Como um homem de seu tempo, ele via a
escravidão como algo natural. A Igreja Católica tolerava. E em Lisboa pôde observar

I
os lucros que gerava.
Quando Colombo tocou as praias do Novo Mundo, não tinha idéia de que chega-
ra a uma massa de terra entre a Europa e a Ásia. Pensava que as ilhas encontradas eram
as Índias, próximo à costa da Ásia. Chamou às pessoas que vieram cumprimentá-lo

H ISTOR I A ILUSTRADA DA E SCRAVIDÃO


de los índios. Só depois de muiro tempo é que os europeus perceberam o engano, e Em seu diário, Colombo observou que os índios "são próprios para receber or-
já então o nome havia se associado permanentemente aos povos que viviam em todo dens e trabalhar". Em 1494, enviou um despacho a Fernando e Isabel, os soberanos
o Hemisfério Ocidental. de Espanha que financiaram suas viagens, em que apresenta um plano para comer-
Mais grave do que o erro do nome foi a incapacidade de exploradores e coloni- cializar escravos cari benhos. Como as caravelas teriam que fazer viagens regulares
zadores europeus entenderem quão diferente era a cultura dos índios. As sociedades entre a pátria mãe e as colônias para transpo rtar suprimentos, propôs que se embar-
indígenas não tinham quase nada em comum com as sociedades e uropéias e, come- cassem índios escravos para serem vendidos na Espanha.
çando por Colombo, os brancos europeus eram cegos para a realidade da vida e da As majestades católicas não responderam com entusiasmo, apesar da perspecti-
cultura dos índios. A princípio até mesmo debateram se esses índios não seriam al- va de ganhar novos fiéis e transformar os índios em máquinas produtivas. Mas Co-
guma espécie subumana, animais bípedes sem alma. Por não poderem compreender lombo seguiu em frente, começando com os tainos de Hispaniola (a ilha que hoje
as sociedades indígenas, os europeus rotularam-nas de selvagens ou bárbaras. contém o H airi e a República Dominicana), que ele chamava de o povo mais bon-
Não perceberam que o Novo Mundo continha muitos povos diferentes, cujas ca- doso, pacífico e generoso do mundo, quando os encontrou em 1492. Mas ele tam-
racterísticas raciais, culturais e lingüísticas eram tão variadas quanto as dos povos que bém havia escrito em seu diário que "essas pessoas são muito inábeis com as armas.
habitavam o Velho Mundo. (... ) Com cinqüen.ra homens, podiam rodos ser dominados e obrigados a fazer o
O primeiro contato entre os dois mundos mostrou-se catastrófi co para um deles. que eu desejasse".
A conquista espanhola do Caribe, que começou com a viagem de Colombo em 1492, Colombo capturou 1.500 tainos e embarcou 500 homens e mulheres, os "me-
literalmente destruiu a cultura indígena e eliminou populações inteiras por meio de lhores" entre eles, em quatro caravelas. Seus homens, com ordens para poderem ser-
matanças, escravidão e doenças. vir-se do restante, pegaram o utros 600. O s outros 400 foram libertados. Quando
A relação emre as duas culturas, porém, não começou dessa maneira. Em toda os navios aportaram na Espanha, em 1495, somente 300 daqueles escravos ainda
parte em que Colombo e os primeiros europeus chegavam no Novo Mundo eram estavam vivos, e metade doente. O mercado d e escravos em Sevilha vendeu os so-
recebidos com hospitalidade pelos índios, que nunca antes tinham visto homens breviventes, mas os compradores pouco aproveitaram da mão-de-obra indígena.
brancos. C olombo escreveu que os arauaques das Grandes Antilhas demonstraram A maioria logo morreu.
"tanta afetividade, como se fossem dar seus corações". Na ilha de Bahama, que ele Colombo começou a prática de impor um tributo sobre os índios que conquis-
chamou de San Salvador, achou o povo "extraordinariamente tímido. (. ..) Mas uma tava. Foi o surgimento das encomiendas que forçou os índios ao trabalho escravo.
vez vencido o medo, dão provas de uma tal inocência e generosidade, que mal se pode Nesse sistema, soldados e colonizadores espanhóis recebiam uma faixa de terra ou
acreditar. Não importa o que lhes peça, nunca recusam, e mostram-se contentes uma aldeia, acompanhada de seus habitantes. Como tributo, os índios de H ispa-
com qualquer preseme que recebem. (. ..)São pessoas de comportamento nobre". niola eram obrigados a extrair ouro dos leitos dos rios. Exigia-se deles uma certa
Mal Colombo terminara de admirar povo tão maravilhoso, escreveu para a Es- quantidade a cada três meses. A pressão era intolerável, e os índios fugiam ou re-
panha dizendo: "Daqui, em nome da Santíssima Trindade, podemos enviar todos os belavam-se. Colombo castigava-os com tortura ou execução, enviando cães para
escravos que possam ser vendidos. Quatrocentos, no mínimo, renderão vinte con- caçar os fugitivos nas montanhas. Milhares de índios preferiam tomar veneno a
tos [vinte mil escudos]." submeter-se.

I2 18
-- H ISTÓ R IA I LUSTRADA DA E SC R AVIDÃO G E N TE QUE VE I O 00 CEU
As morres fo ram por atacado. Da população indígena de Hispaniola, estimada em
300 mil habitantes em 1492, um terço foi eliminado nos primeiros dois anos. Até
1508, acredita-se que cerca de 60 mil índios ainda estavam vivos; em 1512, 20 mil.
Em 1548, um espanhol relatou que haviam restado apenas 500 índios.
Os direitos de exploração do Novo Mundo eram disputados entre Espanha e Por-
tugal, que remontavam suas reivindicações a várias bulas papais. Mas um novo pa-
pa, Alexand re VI, aragonês de nascimento, estabeleceu uma linha de 100 léguas a
oeste e ao sul dos Açores, dando tudo o q ue estivesse além desse limite para a Espa-
nha. Portugal ficou apenas com a África. Depois, uma revisão deslocou a linha para
o oeste, e a maio r parte do Brasil tornou-se também portuguesa. A divisão do espó-
lio foi imposta pelo poder do papa de excomungar qualquer cristão que ousasse não
respeitá-la.
Espanhóis, portugueses, e em pouco tempo pessoas de todas as outras nações eu-
ropéias, chegavam às Américas para saqueá-las. Essa "gente que veio do céu", como
os índios os chamavam, era violenta, cruel e gananciosa. A princípio bem-vindos pe-
los índios, que costumavam aj udar a construir as colônias, os europeus usavam os
nativos quando precisavam deles. Foram tão bem-sucedidos nisso que, segundo al-
guns historiadores, a dom inação do Novo Mundo foi possível ao se lançar um grupo
indígena contra o outro.
Um relato bem realista dos métodos utilizados pelos espanhóis foi deixado pelo
missionário dominicano Bartolomé de las Casas, cujo pai navegou com Colombo.
Escreveu o missionário:

[Os espanhóis} vieram com seus cavaleiros e armados de espadas e lanças, cometendo
devastações e massacres dos mais cruéis. (. .) Invadindo cidades e aldeias, onde não pou-
pavam nem sexo nem idade; nem tampouco sua crueldade apiedava-se de mulheres grá-
vidas, cujas barrigas eles rasgavam, tirando de dentro a criança para cortá-la em pedaços.
Freqüentemente faziam apostas sobre quem seria mais hábil para cortar um homem ao
meio. (...) As crianças, eles as pegavam pelos pés e batiam suas inocentes cabeças contra as pe-
dras, e quando estavam tombadas na água, com estranho e cruel escárnio eles as chamavam

GEN T E Q U E VEI O 0 0 C t U
para nadar. {...) Erguiam patíbulos (...)sobre os quais enforcavam treze pessoas, afirmando
em tom de blasfêmia que o foziam em nome d{) Redentor e seus Apóstolos, e depois quei-
mavam os pobres infolizes vivos. Aqueles que sua piedade resolvera poupar. eles manda-
vam embora com as mãos cortadas, pendendo pela pele.

O s índios que deram as boas-vindas não conseguiam entender tal sadismo. A um


deles, prestes a ser queimado vivo, foi oferecida a chance do batismo por um monge
que o tentava convencer das glórias do céu cristão. O índio respo ndeu que se era pa-
ra aonde iam os espanhóis, ele preferia ir para o inferno.
À medida que os espanhóis invadiam as ilhas, forçavam os índios a trabalhar nas
minas e as mulheres ao serviço doméstico e agrícola. Finalmente, desenvolveu-se um
padrão de fazendas, adaptado da experiência que os europeus adquiriram an terior-
mente. O próprio Colombo viajara e trabalhara nas colônias do mediterrâneo, desen-
volvidas pelos italianos, que haviam recebido propriedades de autoridades portuguesas
ou espanholas. Também visitara outras colônias no Atlântico antes de navegar mais
para o ocidente, até o Caribe.
No Novo Mundo, as fazendas de açúcar, tabaco e algodão, para ser lucrativas,
exigiam produção em larga escala e mão-de-obra barata em grande quantidade. Pri-
meiro foram utilizadas as pessoas que viviam nas ilhas do Caribe - os índios. De-
pois usaram-se europeus que eram exilados para executar várias formas de trabalhos
forçados- servos contratados e criminosos condenados. Finalmente, importaram-
se escravos africanos.
Para a infelicidade dos europeus, os índios logo morriam devido ao trabalho pe-
sado e às doenças transmitidas pelos homens brancos. O trabalho nas minas e nas
fazendas era desconhecido entre os índios. Forçados a trabalhar quatorze horas por
dia nas minas, geralmente morriam em poucos dias, refratários a~ cativeiro e incapa- lndigenas sendo torturados por exploradores no México. William Clements Library. Michigan
zes de suportá-lo. Primeiro a Espanha, depois Inglaterra e França tentaram utilizar
a mão-de-obra escrava, e ninguém a considerou lucrativa.
Desprovidos da força de trabalho nativa, os colonos poderiam contar com duas
fontes de mão-de-obra: Europa e África. Não havia força de trabalho suficiente na

HIS T0RIA ILUSTRADA DA E SCRAVIDÃO


Europa do século XVI, e os africanos, acreditava-se, estariam mais adaptados para Carlos V concordou que os es-
sobreviver no clima tropical das colônias hispânicas. É claro que era um mito que cravos negros seriam úteis e conce-
apenas os africanos poderiam suportar o clima quente. Na verdade, povos de qual- deu o asiento, uma licença para im-
quer raça, nas gerações seguintes, teriam sido igualmente resistentes ao clima doCa- portar escravos da África para as
ribe. O motivo mais importante de se buscar força de trabalho na África era que os colônias espanholas no Novo Mun-
escravos podiam ser comprados na costa ocidental deste continente. Há muito tem- do. Até 1540, dez mil africanos por
po que os africanos já conheciam a escravidão em seu próprio continente e vinham ano estavam sendo transportados
comercializando escravos internamente, antes da chegada dos europeus. através do Atlântico para as fndias
Havia africanos na costa de Hispaniola já em 1501, mas o tráfico propria- O cidentais, e mais ainda para o
mente dito começou em 1518, quando o primeiro carregamento de escravos che- México e América do Sul. Os afri-
gou às fndias Ocidentais vindo da costa da Guiné. Em 151 O, Las Casas juntou-se canos tomaram o lugar dos índios,
à ordem dominicana e tornou-se o primeiro padre a ser ordenado no Novo Mun- cada vez. em menor número.
do. Em Hispaniola, ele vi u e tentou deter o massacre, feito por soldados de Co- Las Casas logo percebeu que a
lombo, de índios revoltados contra a opressão espanhola. Pouco depois, ele foi escravidão era tão horrorosa para
designado para uma grande aldeia indígena em C uba, onde muitos índios tra- os africanos como para os índios.
balhavam no sistema de encomienda. Como os outros espanhóis, ele tentou a prin- "É tão injusto escravizar negros
cípio enriquecer com o trabalho de índios escravos. Mas teve uma crise de cons- quanto índios, e pelas mesmas ra-
ciência e, convencido da injustiça da escravidão, abriu mão dos índios escravos zões", escreveu ele num livro que
e começou a pregar contra o sistema. Viajou pelas ilhas, investigando, protestan- só foi publicado 300 anos depois
do e colhendo fatos para o seu Brevíssimo Relato da Destruição dos fndios, livro de sua morte, em 1566. Enquanto
que daria aos europeus um quadro devastador da violência espanhola contra o viveu, ele nunca atacou publica-
Novo Mundo. mente a escravidão dos negros ou
Las Casas foi para a Espanha, na primeira de 14 missões, a fim de defender a cau- exigiu sua abolição, e parece que Bartolomé de Las Casas, chamado de o Apóstolo dos
lndios. Este padre espanhol dedicou a vida à luta para
sa dos índios oprimidos. Em vez do brutal sistema de encomienda, que dava aos eu- ele mesmo manteve escravos ne-
abolir a escravidão indígena. Escreveu uma história das
ropeus direitos sobre a mão-de-obra e a produção de todas as aldeias indígenas, gros até por volta de 1544. lndias, revelando a devastação do Novo Mundo pe la
Até 1600, cerca de 900 mil es- Espanha. Archives des lndes. Sevilha
propôs comunidades-modelo, onde índios e brancos viveriam juntos, pacificamen-
te, em fraternidade cristã. Um cardeal espanhol enviou uma comissão para corrigir cravos africanos desembarcaram nas Américas. No século seguinte, cresceu a deman-
os abusos. Mas quando a comissão se mostrou indiferente à opressão dos nativos, da européia por açúcar, e holandeses, franceses e ingleses competiam pelo mercado
Las Casas apelou ao rei da Espanha para que poupasse os índios sobreviventes e im- com fazendas nas fndias Ocidentais. Em 1700, mais 2.750.000 escravos haviam
portasse africanos para as colônias. cruzado o Atlântico.

I --. --- I
~ HI STÓ R IA IL UST R ADA D A E SCRAVI DÃ O G E NTE Q U E VE I O 00 C E U ~
Os porrugueses não mais detinham o monopólio do comércio de escravos. Em
1642, haviam sido expulsos da Costa do Ouro pelos holandeses. No século XVTII, in-
gleses e franceses superaram os holandeses, rornando-se os dois principais concorren-
tes nesse tráfico. No final do século, os europeus operavam 40 "fábricas" de escravos
na costa africana. Os ingleses tinham I O, os holandeses, 15, e os dinamarg ueses, 4.
Os porrugueses, com 4 fábricas, transportavam seus próprios escravos de Angola e São
Tomé para as fazendas no Brasil. Finalmente, os britânicos ultrapassaram rodos os ri-
vais, assumi ndo o controle de mais da metade do tráfico.

H ISTÓRIA ILUSTRADA DA ES CRAVID ÁO


AJ]•. "I ,,, J) \I I '.l\ II)A(
I )\ f \ \ li I ( I I)() I ( I
os povos tropicais não tinham tecnologia para aperfeiçoá-lo. Mas para muitos afri-
so conhecer algo sobre a África, de onde foram tirados milhões de trabalha- canos, isso proporcionou comida e segurança d urante séculos.
dores negros. A costa africana do Mediterrâneo era fam iliar aos europeus des- A África é o continente de ocupação mais esparsa, com exceção da Austrália. As "ra-
de o Neolítico. Argel, T únis, Trípoli e Egito estavam ligados pelo mar aos povos da ças" africanas têm sido muito discutidas por antropólogos, mas nenhuma classificação
Itália, Espanh a, Grécia e do Oriente Próximo. Ao sul, no entanto, o grande deserto do de raças resiste à crítica moderna. E ninguém jamais demonstrou cientificamente que
Saara fo rmava uma barreira muito difícil de ultrapassar. Os povos que viviam acima e "raça" explica qualquer coisa sobre um grupo de pessoas. Quanto à cor, um antropó-
abaixo do Saara, separados uns dos outros, desenvolveram-se em relativo isolamento. logo afi rma que, se focal i1..armos a África a partir de Suez, e olharmos na direção do
A África sub-saárica, portanto, era como urna ilha, cujo lito ral norte era o deserto. sul e sudoeste, va mos chegar à conclusão de que as pessoas tendiam a ficar mais escu-
O continente ao sul do Saara é um vasto planalro que desce abruptamente para as ras à medida que aumentava a distância (excero pelos habitantes da floresta). Mas os
margens do oceano. t por isso que os grandes rios africanos formam-se no platô e africanos não apresentam uma pigmentação uniforme ou especialmente semelhante
despencam de sua borda em grandes cataratas até a estreita planície costei ra que mar- em outros aspecros. Há, entre eles, variações maiores que entre os povos do continen-
geia todo o continente. Penetrar em seu interior com navios vindos do oceano era te eurasiático. Houve tanta miscigenação que se podem encontrar pessoas cujas feições
impossível. Os portos não podiam acomodar navios europeus, e mesmo os pequenos e formatos da cabeça lembram as dos europeus e cujas peles são negras- ou vice-versa.
barcos tinham dificuldade em atravessar os imensos vagalhões e atingir a praia. Na África há todas as tonalidades de cor de pele, assim como estaturas que variam de
O continente é enorme, três vezes o tamanho dos Estados Unidos. A distância de muito baixa a muito alta, além de uma grande variedade de línguas.
Tânger até a C idade do Cabo é de 8.300 quilômetros; a parte mais larga da África E os padrões sociais africanos? Também aqui há uma ampla variedade. Algumas so-
rem 7.400 quilômetros. Na parte superior e inferior do continente, o clima e a vege- ciedades africanas fo ram altamente desenvolvidas, demonstrando aptidão para a in-
tação são do tipo medi&errâneo. No interior do continente há imensos desertos e ári- venção de intricados padrões de organização e cultura. A África conheceu impérios e
das planícies. Em direção ao equador, encontram-se amplas savanas, que formam a superesrados; vários existiam quando os navios do príncipe Henrique, o Navegador,
maior parte da África e são cobertas de altas gramíneas e árvores largamente espaçadas atingiram pela primeira vez a costa ocidental da África no século XV. Bem antes da
umas das outras. A faixa do equador é ocupada por uma floresta úmida. Em di re- chegada dos europeus, os Estados africanos haviam atingido grandes proporções em
ção ao norte e ao sul estão as terras secas e os desertos propriamente di tos. termos de tamanho, população e poder. Q uando os portugueses navegaram para o sul,
A falta de água sempre foi um dos incômodos problemas de recursos na África. encontraram grandes reinos africanos na costa da Guiné e na foz do rio Congo.
Com exceção do ouro, os minerais do continente não foram utilizados extensiva- A história completa dos primórdios da África ainda está para ser escrita. As des-
mente antes do século XIX.
cobertas dos arqueólogos nos contam algo sobre os primeiros povos e suas civiliza-
A maior parte do solo africano, como todos os solos tropicais, é pobre e facilmen- ções. Conhecemos muito mais coisas sobre os antigos Estados da África Ocidental.
te exaurível. As pessoas cultivavam a terra, arrancando a floresta ou as gramíneas, e Três dos mais conhecidos fl oresceram no oeste do Sudão, de 800 d.C. até o século
quando a fertilidade natural se esgotava, seguiam para outro pedaço de terra e repetiam XVI: Gana, Mali e Songai. Sua posição próxima à nascente do rio Níger, ao longo
o tedioso processo. O primeiro terreno ficava sem cultivo e recuperava a fertilidade de rotas que seguiam para o norte da África e Orien te Próximo, perm itia um fácil
- ou parte dela - por meios naturais. t um método destrutivo; de um modo geral intercâmbio, não só de mercadorias, mas também de idéias. Quando mercadores

I ---
~ H ISTÓRIA ILU S TRADA DA fSCRAVIDÂO
A Á fR I CA A N T E S DOS EURO P EUS
2~
contavam com outras que se especializavam no comércio como uma espécie de ofício.
Essas não eram nati vas dos lugares que freqüentavam; percorriam a África comercia-
lizando escravos, assim como os mercado res sírios, frísios e judeus faziam na Europa
no começo do período medieval.
O tráfico de escravos era ali mentado em parte pelas guerras que os impérios afri-
canos travavam entre si. Esses impérios geralmente baseavam-se no controle obtido
por uma das tribos ou grupos mais forres sobre seus vizinhos. O superestado era
construído com o apoio mi litar e monetário fornecido pelas tribos conquistadas.
Tributos na forma de escravos eram exigidos dos mais fracos pelos mais fortes.
Como não há registros escritos, não conhecemos os detalhes dessas rivalidades. O s
relatos que chegaram até nós são registros fragmentários de viajantes muçulmanos e
europeus que penetravam no inrerior do continente.
Os africanos, assim como outros povos em rodo o mundo, praticaram a escravi-
dão desde tempos pré-históricos. Capturavam prisioneiros nas guerras e os forçavam
a trabalhar para eles, assim como faziam com seus criminosos. Um holandês, descre-
vendo a Guiné do século XVI, registrou:

Os reis das cidades têm muitos escravos, que eles compram e vendem, e ganham muito
com eles; e para ser breve, nesses países não hd homens contratados para trabalhar ou que
Para os europeus do século XIV. os territórios meridionais da Africa eram desconhecidos. Esta folha de desempenhem alguma tarefa por dinheiro, mas escravos e prisioneiros, que passam o resto
um Atlas produzido em Majorca por volta de 1375 para o rei Carlos da França mostra a informação mais
da vida na escravidão.
atualizada disponível na época. Biblioteca Nacional. Paris

islâmicos desceram pelas rotas comerciais do Saara, o Sudão formou ligações com a Entre as sociedades africanas, a escravidão não significava a extinção legal dos direi-
grande civilização muçulmana. Naquela época, a África Ocidental era a principal ros humanos ou a negação da personalidade humana. Para os africanos, diz o antropó-
fonte do ouro que os países muçulmanos e cristãos desejavam. O sal, uma necessi- logo Paul Bohannon, o escravo era
dade que faltava em grande parte da Europa, formava a base do comércio, mas tam-
bém havia marfim, cobre, seda, artigos de metal, noz de cola'- e escravos. uma espécie de parente - com direitos diferentes dos outros parentes, diferentes posições
Esses produtos seguiam ao longo de rotas bem conhecidas que entrecruzavam o na família e no lar, mas, no entanto, uma espécie de parente. Os escravos tinham de ser
continente africano. O tráfico era controlado por comerciantes que faziam acordos com ou capturados ou adquiridos de seus parentes, que 'os vendiam como escravos': Isto signi-
vários governantes ao longo das rotas. Muitas tribos, que não tinham mercadores, fica que, como uma forma de exílio, alguns grupos pegavam seus criminosos ou, geralmente,

-~· I
HISTÓRIA ILU S TR A DA DA ESCRAVIDÃO
A Á FR ICA AN TfS DOS E UROPEUS ~
parentes não-desejados e executavam um ritual que "rompia o parentesco'; vendendo-os Detalhe da Carta de Cantono mostra

0 onteroor da Afroca Ocidental


depois. O povo que comprava esses homens trazia-os para dentro de seus próprios grupos Museu Brotánico, Londres
domésticos, agregando-os por vínculos de não-parentesco, mas semelhantes, às várias 'ca-
banas" de uma família. Esses escravos de foto trabalhavam- geralmente o trabalho mais
pesado - mas também casavam-se, inseriam suas fomllias no grupo social e formavam
uma parte legítima da fom!lia ampliada.

Bohannon acrescenta que até a chegada dos europeus, as guerras africanas eram
locais e pequenas, gerando poucos prisioneiros. Não muitas pessoas eram rejeitadas
pelos parentes. A instituição nativa, conclui, era uma "escravidão dominada pela fa-
mília e basicamente benigna".
Havia, no entanto, exceções. No Daomé, um dos reinos africanos, o governan-
te possuía fazendas administradas por capatazes, que tinham de extrair o máxi-
mo das propriedades. O s trabalhadores escravos eram tratados de forma desumana,
assim como seriam nas fazendas do Novo Mundo. Um grupo conhecido como os
nupes conquistou e escravizou as tribos mais primitivas do norte d a Nigéria,
forçando-as ao trabalho agrícola. No sudeste da Nigéria, os ibo usavam a mão-
de-obra escrava para produzir várias safras. O s ashanti utilizavam escravos na
agricultura sistemática e impunham um tributo de 2 mil escravos anualmente às
tribos derrotadas.
Mas o antropólogo Melville Herskovits conclui que, de um modo geral,

a posse de escravos era do tipo doméstico, com um grande número sendo propriedade
do chefe, e era importante, seja como artigos de exportação (para que os governantes pu-
dessem obter armas, pólvora, tecido europeu e outras mercadorias), seja como objetos ri- . d S . d ' lo XV. ao lonrro do médio Nlger, "escravos" dos povos não-
No remo e ongaz o secu • o
tuallsticos (para os sacrificios na adoração de seus poderosos ancestrais, exigência quase oresta eram amnlamente utilizados na agricultura. Estavam
muçufmanos da oria da fl r .
exclusiva da realeza}. estabelecidos na terra e ligados a ela. Em troca dessa subsistência, pagavam trtbuto a seus
senhores tanto em safras como em serviços pessoais. A servidão era relativa: tempo e costume
Nos Estados medievais da África, pessoas conquistadas na guerra eram tratadas · ·d las normas
davam-lhes novas liberdades. Sendo, no entanto, geralmente restrmgt os pe
como os vassalos feudais da Europa. Diz o historiador Basil Davidson:

I ~~~ A ÁFR ICA A N TE 5 DOS EU ROPE US


~
~ H ISTORIA ILU ~T RAOA DA E SC RA VI DÁO
funcio navam como uma proteção. Marrin R. Delany, o abolicionista negro norte-
ftudais quanto à diversidade de serviços que podiam exercn e às pessoas entrf as quais
podiam escolher suas esposas, esses "escrn11os " tendiam a formar castas ocupacionais. Tor- americano q ue conheceu as agruras e o racismo da escravidão, explorou o sul da Ni-

navam-se ftrreiros, constmtores de barcos, ca11alariços, compositores de cnnções, g;uardn- géria no final da década de 1850, quando escreveu:

costas do senhor soberano. fumo com os "camponeses livres ': cuja condição social. na ver-
dade, níio era muito diferente, esses "camponeses 11assalos" e "artesãos vassalos"formavam t. simplesmente um despropósito folar de escrallidiio, conforme se entende o termo, le-
a maior parte da população. galizada ou existente nesta parte da Africa. t. tolice. O sistema é patriarca~ não havendo
nenhuma real diferença, socialmente, entre os escra11os (chamados por seu protetor de fi-

U m detalhado exemplo do sistema de servos ou vassalos aparece nos textos do lhos ou filhas) e os filhos da pessoa com quem eles 11ivem. Tais pessoas se unem por casa-

erud ito africano Mahmud Kat i, nascid o em 1468. Seguidor do grande soberan o mento e freqüentemente se tornam os chefes de Estado.

de Songai, Aski a Muham m ud, Kati escreveu q ue q uan do o imperador ass um iu o tro-
no, em 1493, ele herdou 24 tribos de vassalos. Três tribos executavam serviços do- R. S. Rattray, um estudioso dos ashanti, descob riu que entre esse povo da floresta

m ésticos, a q uarta cortava forragem para os cavalos, a q uinta fo rnecia canoas e tri-
pulação para o transpo rte flu vial, e a sexta era dos servos pessoais e acompanhantes um escravo podia casar-se; ter propriedade; ele mesmo possuir um escravo; prestar ju-

do imperador. D a sétima à décima p rimeira eram fe rreiros. Cada fam ília de ferreiros ramento; ser testemunha competente; e por fim tornar-se herdeiro de seu senhor. (..) Em

tinha uma dívida anual de I 00 lanças e 100 flechas. poucas palavras, eram estes os direitos de um escravo ashanti. Em muitos casos pareciam

À medida que o tempo passava, a diferença de status entre o homem livre e o "es-
cravo" tornava-se menos nítida, assim como aconteceu na Euro pa, quando a última
etapa d o Império Ro mano se mesclou à primeira fase do feudalismo. E, como na
Europa, o faro r decisivo na África foi o alargamento da distância entre a no breza e
o resto do povo. O poder estava.centralizado nas m ãos dos senho res feudais. Entre
as pessoas comuns, a linha divisória q ue separava campo neses livres de servos q uase
não m ais existia. Todos estavam submetidos aos governantes po r aco rdos feudais
de deveres e obrigações mútuas. Era um sistema que variava de lugar para lugar ou de
época para época, mas era essencialmente um feudalismo tribal, que ainda persiste
em algumas partes da África.
Essa forma de escravidão fo i malcom preendida por alguns euro peus, que sobre
ela impuseram a estrutura romana, deixando de ver o significado da instituição afri-
cana no contextO m aio r das relações de família e de grupo. Embo ra tivessem status
inferior, os escravos africanos dispunham de certos direitos, e seus proprietários tinham Litografia que mostra o tráfico de escravos sendo conduzidos do interior da África para o litoral. In
Journal of Discovery t he Sources o f the Nile de Speke
deveres para com eles. O poder da lei tradicional e a respo nsabilidade com uni tária

A AFRI C A AN TE S oos E UROPEUS


H 1ST0RIA I LUST RA DA DA E SCRAVIDÃO
praticamente os mesmos privilégios normais de um homem livre ashanti. ( ..) Nove de ca-
da dez escravos ashanti possivelmente tornavam-se membros adotados dn Jàmília; e logo
seus descendentes misturavam-se e casavam-se com parentes do proprietdrio, de modo qur
só algum conheciam sua origem.

H avia, então, uma fluidez na sociedade que tornava possível para um cativo gal-
gar degraus, de vassalo a homem livre, e até mesmo a chefe. Ele não estava perma-
nentemente preso à servidão, com pouca ou nenhuma esperança de liberdade.
Quando os europeus se aventuraram pela costa ocidental da África, encontraram
Estad os e soberanos fo rres. N ão havia razão p ara os brancos considerarem os afri-
canos inferiores. O poder militar dos reis e chefes nativos tinha de ser respeitado.
Os Estados africanos não puderam ser invadidos com sucesso. Missões diplomáticas,
oferecendo amizade e alianças, eram necessárias para obter o privilégio de colocar
forres e postos de comércio aqui e ali ao longo da costa. Só no século XIX é que as
potências européias forçaram caminho no interior do continente .
. D e suas fortalezas litorâneas, portanto, os europeus conduziam um comércio pa-
cífico com os africanos. Cada uma das partes tinha produtos que a outra queria.
Cada lado conhecia a servidão humana. O s europeus medievais vendiam escravos
mesmo de sua própria fé ou nação, como faziam os africanos. Nenhum dos dois
continentes desconhecia o tráfico de escravos. Ambos há muito o aceitavam, e am-
bas as partes juntaram-se nessa prática.
Mas a escravidão que os africanos conheciam e aquela existente no Novo Mundo,
para aonde os deportados seriam por fim enviados pelos europeus, foram muito di-
ferentes. A experiência africana com a primeira não os preparar ia para a segunda.

I236
-- H ISTOP.IA ILUSTRADA DA E S CRAVIDÃ O
"i(. I\~ I~ I O DP ~~- I \/1 ~()·\') '\'0 '\'O - aguardentes e grande quantidade de outros produtos, chegando a quase 150 varieda-

C
0\1 O ( R' ti I{() f)J

vo Mundo, a demanda de escravos aumentou consideravelmente. Os mer- des, conforme me disse um holandês.
cadores africanos adaptaram-se à nova necessidade econômica. Seus aristo- Os ingleses, além de muitos dos artigos acima mencio11ados, th n mezmas largas e es-
cratas estavam ansiosos pelos artigos manufaturados da Europa. Cada nação européia treitas, nicanees.finas e grosseiras. muitos tipos de chintz, ou calicós indianos estampados,
supria seus postos litorâneos com artigos próprios e preenchia a lista com aquisições sebo, corantes vermelhos; vinho das Canárias. perpetuanas inferiores às holandesas e ensa-
feitas no exterior. John Barbot, um comerciante do final do século XVII, descreveu cadas em rillots pintados, com brasões ingleses; muitos tipos de calicós brancos; linho azul
a mercadoria que era negociada em troca de escravos: e bl"flnco, cetim da China, rum de Barbados, ou aquavita feito de açtícar, outras aguar-
dentes e bebidas alcoólicas, contas de todos os tipos, buckshaws, plaina galesa, boysades,
Os franceses habitualmente compõem seu carregamento para o comércio na Costa do romberges, ataduras, tafetás gungarus, âmbar, conhaque, flores, brawls de Hamburgo, e
Ouro, para comprar escravos e ouro em pó, principalmente de conhaque, vinhos brancos linho axadrezado bmnco, azul e branco e vermelho, tecidos axadrezados da Cuiné, em·ei-
e tintos, ros.solis (licor de pétalas de rosa), arcabuzes, mosquetes, pederneiras, ferro em bar- tos e Largos, chapéus antigos, contas ptírpums.
ras, contecarbe branco e vermelho, frisa vermelha, óculos, jóias finas de cora~ salsaparri-
lha, miçangas de vários tipos e cores, contas de vidro, pólvora, folhas de tabaco, tafetás, e Em toda a África, nessa época, havia permuta e troca por peso-padrão e valor. Na
muitos outros tipos de seda trabalhada, como brocatel, veludos, etc., calções, chapéus, pe- cadeia comercial, havia conexões entre africanos e árabes, bem como entre africanos
derneiras, calicós, sarjas, tecidos, etc. , além de outros artigos para um bom sortimento, que e indianos, e também a nova conexão África-Europa. Mas o comércio, conforme o
costumam trazer da Holanda. relato de Barbot, era "um negócio de reis, homens ricos e gra ndes mercadores, que
Os holandeses têm linho de Coesveld, sleysiger lywat, antigas velas de navio, sar- excl u ía os tipos in ferio res de negros".
ja de Leyden, anil para tintura, perpetuanas verdes, azuis e púrpuras: Konings- Em outras palavras, Barbot está dizendo que as pessoas comuns não estavam en-
Kleederen, annabas, largas e estreitas, feitas em Haarlem, artigos de Chipre e da Turquia, volvidas no comércio. Levavam uma vida de subsistência. A maioria garantia seu
tapetes turcos, tecidos vermelhos, azuis e amarelos, mantas de Leyden verdes, verme- próprio alimento e satisfazia suas próprias necessidades. Barganhavam com os vizi-
lhas e brancas, artigos de seda azul e branca; chaleiras de latão de todos os tamanhos; nhos quaisquer outras mercadorias de que precisassem. Não estavam particularmente
bacias de cobre, caçarolas escocesas, bacias de barbeiro (algumas ornamentadas, ou- interessados em comércio. Nas cidades, porém, onde ficava a corre real e os senho-
tras modeladas no martelo); recipientes de cobre, fechaduras de latão, trombetas de res feudais e nobres desfrutavam uma vida m elhor, era diferente. Ali os mercados
latão, argolas de peltre, latão e ferro, hairtrunks, travessas e pratos de peltre (de bor- existiam para a troca de necessidades e artigos de luxo. O com ércio servia predomi-
da estreita}; tigelas fundas, anzóis de todos os tipos e tamanhos, e linhas, chumbadas nantemente aos ricos e aos seus lares, e não aos pobres.
em lâminas e em tubos, três tipos de focas holandesas; miçangas de Veneza e contas De fato, 0 africano comum não tinha nenhum desejo de amontoar produtos o u
de vidro de várias cores e tamanhos; peles de carneiro, barras de ferro, pinos de latão, acumular riqueza. Isso incomodava e irritava os europeus, que não conseguiam en-
longos e curtos; sinos de latão, martelos de ferro, pólvora, mosquetes, alfonjes, cauris, tender pessoas que não desejavam dinheiro e na verdade não sabiam o que fazer
chintz, bolas de chumbo e projéteis de vários tipos; canecas de latão com alça, teci- com ele. Os africanos ac reditavam no trabalho apenas para satisfazer as necessida-
dos de Cabo Verde, Quaqua Ardra e Rio-Forcado; coral azul, vulgo akory, de Benin; des da família.

I ~~-
~ H 1S T0RIA I LUST RADA DA E SCRAVIDÃO 0 TRAFI C O DE ESCRAVOS
além do incômodo de recebê-los nos barcos", porque uma nação acabara de derro-
tar o povo vizinho e capturara um grande número de prisioneiros. Em ourras épo-
cas, escravos eram escassos, fosse porque havia muitos navios mercantes na costa
num mesmo período ou porque reinava a paz entre os africanos.
À medida que a demanda por escravos e o lucro de sua venda aumentavam, mu-
dou o padrão desse comércio. Os mercadores de escravos procuravam meios de au-
mentar o suprimento. Já em 1526, o rei Afonso do Congo escrevia ao rei de Portugal
para protestar com o que estava acontecendo com seu povo. Afonso, batizado e educa-
do por missionários, esperava obter dos portugueses um programa de auxílio técnico -
professores, médicos, carpinteiros, construrores de barcos - , em troca de produros do
Congo. Mas o que os portugueses queriam eram escravos. O tráfico ficava cada vez
mais brutal e maligno. Escreveu Afonso:

Não podemos avaliar a proporção dos danos, já que todos os dias os mercadores levam
nossos nativos, filhos da terra e filhos de nossos nobres e vassalos e parentes, pois os ladrões
e os homens de má consciência os capturavam, desejando ter as coisas e os produtos deste
reino que eles ambicionam; e tão grande, Senhor, é a corrupção e a licenciosidade, que
nosso país está sendo completamente despovoado, e
Um traficante branco paga a um negociante africano pelos escravos que estão sendo conduzidos
para o navio. British library, Londres
Vossa Alteza não deve concordar com isso ou aceitá-lo como sendo de vossa ordem. (. .. )
Para a maioria dos africanos, a idéia da propriedade privada era estranha. Entre Pedimos a Vossa Alteza que nos ajude e auxilie nessa questão, ordenando a vossos feitores
os bancos do sul da África, por exemplo, o chefe, como líder da tribo, administrava [corretores] que não enviem mercadores ou produtos, pois nossa vontade é que não haja
toda a terra ocupada por ela, mas não a possuía. A terra e tudo 0 que nela crescia nestes reinos nenhum tráfico de escravos nem demanda para eles. (. ..)
eram recursos naturais, propriedade comum da tribo. Esse sistema desenvolveu-se
ao longo dos séculos e possibilitou a sobrevivência de pessoascom um nível de ci- Em outro texto, Afonso queixava-se:
vilização pré-industrial.
Quando as nações do interior do continente. estiveram em guerra com aquelas Há uma outra grande inconveniência que é de pouca utilidade para Deus, e esta é que
mais próximas do mar, os comerciantes puderam obter grande número de escravos muitos de nosso povo, profundamente desejosos dos produtos e das coisas de vossos reinos,
de ambos os sexos e de todas as idades. Barbot observou que, em 1681, um merca- que aqui são trazidos por vosso povo, que a fim de satisfazer seu apetite voraz, capturam
dor de escravos na Costa do Ouro obteve 300 escravos "quase em troca de nada, muitos de nosso povo, homens libertos e livres; e com muita .freqüência raptam até mesmo

I ~-- ~. . I
~ H !STORIA ILU S TRA DA DA E SC RA VIDÃO
0 TR ÁFI C O DE ESC R AVOS ~
os nobres e os filhos dos nobres, e nossos parentes, levando-os para ser vendidos aos homens
brancos que estão em nossos reinos; e por causa disso eles os esconderam. e outros são tra-
zidos durante fi noite, de modo que.não possflm ser reconhecidos. E tão logo levados pelos
homens brancos, são imediatameme marcados fi forro...

A ânsia pelo lucro proporcionado pelo tráfi co de escravos resultou em gra nde au-
menro das guerras. As Juras passa ram a não ter nenhuma relação com a ho nra ou in-
justiças, nem mais eram controladas por acordos mútuos ou códigos religiosos. O
q ue antes tinham sido guerras locais, breves e geralmente de natureza cerimoniais,
to rnaram-se desesperadas batalhas por lucro. A riqueza de cada tribo era engo rdada
pelo número de prisioneiros capturados.
A grande n:taioria dos escravos era levada da África O cidental, ao longo de cinco m il
quilômetros de costa, do Senegal, ao norte, até Angola, ao sul. Alguns, mas não
muitos, vinham da África O riental. D e 65 a 75% dos escravos eram das regiões ao
.lffi IE N G lJJ lE ILA .
norte do rio Congo. Uma grande parcela dos cativos pertencia a povos que viviam
onde hoje se situam O ao mé, Gana e N igéria. O s escravos eram capturados em rá-
pidos ataques ou em guerras que ocorriam a uns 800 quilômetros da costa e depois
vendidos a intermediários africanos no litoral, que por sua vez ~egociavam os es-
cravos com os europeus. As bases portuguesas deslocaram-se para as ilhas de Cabo
Verde, enquanto franceses e britânicos faziam o tráfico em Goréia, perto do que
hoje é O acar.
Na Costa do Ouro, os europeus tinham muitos armazéns comerciais, todos alu-
gados das tribos locais dos fanti e dos akan. O s fanti obtinham escravos guerreando
ou negociando com os ashanti ao norte, e estes, que também negociavam d ireta-
mente com os holandeses, capturavam prisioneiros em guerras travadas ao norte do
país ou serviam de intermediários com os vizinhos.
Poucos escravos tinham origem em povos do litoral, que, protegendo sua prÓ-
pria gente, compravam ou capturavam pessoas de tribos que viviam n a retaguar-
da, que por sua vez se serviam de povos ainda m ais afastados. A zo na de escravi-
dão provavelmente estendia-se várias centenas de quilômetros pelo continente

H I STO R IA IL U S T R ADA D A E S C R AVIOÁO Johann Moritz Rugendas. Escravos negros, séc. XIX. In Viagem Pitoresca através do Brasil
adentro, valendo-se das regiões mais populosas da zo na d e fl oresta e dos campos Negros e brancos fizeram do rapro uma especialidade. Um negro, Ben Joh nso n,
de gram íneas mais além . foi ele mesmo raptado e vendido como escravo pelos irmãos de uma garota que ele
À medida que crescia a demanda dos norte-americanos por escravos, os ashanri uti- acabara de rapta r. Alguns capitães do mar atraíam negros para o navio com ofertas
lizavam novas armas, que compravam de mercadores europeus, para ampliar suas de tabaco e conhaq ue, e depois os algemavam, metendo-os no porão. Durante o d ia,
conquistas. O tráfico de armas tornou-se parte do drculo vicioso da escravidão. Os afri- mercadores compravam escravos na feira local e raptavam outros à noite. Geral-
canos vendiam escravos para comprar armas, que eram usadas para pegar mais escra- mente era difícil distinguir ataques e guerras de raptos e expedições de piratas. Um
vos. Aqueles que não estavam envolvidos no tráfico de escravos e não tinham armas rei cercava uma aldeia com seus soldados, ateava fogo às cabanas cobertas de colmo
modernas, eram levados, por uma questão de auropreservação, a vender escravos a fim e capturava os habitantes à medida que fugiam. G rupos de ladrões também faziam
de adquirir armas. Pólvora e armas, antes apenas uma pequena fração do comércio, emboscadas perto das aldeias e raptavam todos que pudessem surpreender.
conforme vemos na lista de Barbot, passaram a dominar os negócios. Essas práticas continuaram durante todos os anos de escravidão. Martin Delany,
Mas havia outros meios, além das guerras e dos ataques, pelos quais os afri ca- um negro norte-americano, relatou que, em sua visita à África em meados do sécu-
nos se tornavam mercadorias no mercado de escravos. O s criminosos podiam re- lo XIX, ficou sabendo que
ceber a punição de serem vendidos como escravos, um velho costume na África.
Quando o tráfico de escravos começou a florescer, chefes e reis ampliaram a lista escravos eram seqüestrados por nativos saqueadores, raptores e depravados, que, a exem-
de crimes que eram punidos com a escravidão. Quase qualquer transgressão podia plo dos bandos e das gangues de salteadores da Europa e da A mérica, percorrem o interior
servir, já que o motivo era o lucro. Mulheres culpadas de adultério eram escravi- roubando e assaltando mulheres e crianças indefesas, e homens que possam ser sobrepuja-
zadas. Ladrões eram escravizados. "Conspirar contra o rei" servia como uma acu- dos em número. Assim, aldeias inteiras às vezes eram vitimas desses monstros humanos, espe-
sação conveniente, e os "conspiradores" eram vendidos. Um homem endividado podia cialmente quando os jovens fortes estavam trabalhando no campo, os idosos eram mortos,
perder seus escravos domésticos, que eram vendidos, ou ele mesmo e sua família enquanto mulheres e crianças eram rapidamente encaminhadas para as feitorias de escra-
podiam ser vendidos.
vos, geralmente mantidas por europeus (quase sempre portugueses e espanhóis) e norte-
Em tempos de fome, os africanos vendiam-se a si próprios, ou os filhos, para so- americanos, em alguma parte isolatk da costa.
breviverem. Um capitão inglês encheu o navio de escravos famintos simplesmente
oferecendo-lhes comida.
]ames Perry, mercador de escravos de Liverpool, que navegou 11 vezes para a
Raptar pessoas para vender como escravas tornara-se prática comum no final do África Ocidental, declarou em 1789 que 14 mil escravos eram exportados por ano
século XVII. Barbot menciona que "muitos negrinhos de ambos os sexos também do delta do rio N íger. Em Bonny, na costa da Nigéria, o rei era o líder dos merca-
são roubados pelos vizinhos (...) nos campos de algodão, onde os pais os deixam o dia dores. Canoas grandes, com 40 remadores cada, viajavam 130 quilômetros Níger
todo para espantar as pequenas aves que devoram a plantação." acima até um mercado de onde compravam escravos de outros mercadores negros.
Alexander Falconbridge, um cirurgião de navio negreiro, disse num livro publi- Um grande número de vítimas constituía-se de crianças.
cado em 1788: "Tenho boas razões para acreditar que dos 120 negros comprados Fida, onde hoje é o Daomé, foi um dos maiores postos comerciais da costa da
pelo navio ao qual eu pertencia (... ) a maior parte, senão todos, foi raptada." Guiné. Ali, no começo do século XVIII, a cada ano entre 40 e 50 navios europeus

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~ H I S T ORIA I L U S TRADA D A E SC RAVIDÃ O
Q TRÁFI C O DE ESCRAV OS ~
faziam carregamentos de escravos. Antes que os europeus pudessem negociar com costa, a tal pomo que os cor-de-ardósia são forçados a mantr-los constanternmte a .forros e
alguém, tinham de comprar, a um determinado preço, o estoque de escravos do pró- a observá-los bem de perto para impedir que escapem. Geralmente siio presos colocando-
prio rei, geralmente de um quarto a um terço mais caro do que o preço normal. se a perna direita de um e a esquerda de outro no mesmo par de grilhões. Sustentando os
Depo is podiam bargan har com seus súditos de posição inferior. Além de empurrar grilhões com uma fieira, eles podem raminhar, mas bem lentamente. Com uma corda
seus pró prios escravos para os mercadores a um preço mais alto, o rei arrecadava o grossa ou com tiras de couro, cada quatro escrmJos são msim atados pelo pescoço; e à noi-
valor de 20 escravos em cada navio como imposto. Também se reservava o direito te coloca-se mais um par de grilhões em suas mãos. e às vezes passa-se uma corrente fina
de recusar todos os produtos trazidos pelo navio. em torno do pescoco.
A fim de reduzir o tempo necessário para reunir escravos, elaborou-se um siste- Aqueles que rnaniftstam si11ais de descontentamento são presos de maneira diftrente.
ma de armazenagem. Os escravos eram confinados em regiões do interior do conti- Corta-se uma tora de madeira de cerca de noventa centímetros, foz-se uma pequena chan-
nente, em depósitos, onde esperavam pela demanda. Centros de recolhimento - fradura num dos lados, e o tornozelo do escravo é preso à parte chanfrada por meio de ttma
chamados barracons- eram abertos pelos chefes no litoral. Os escravos ficavam ali dura presilha de ferro, cujas pontas passam em cada um dos lados do tornozelo. Todos esses
armazenados até os navios atracarem. grilhões e cavilhas são feitos com ferro nativo.
Os escravos eram trazidos do interior até os barracons em comboios, amarra-
dos uns aos o utros. H á relatos de comboios marchando centenas de quilômetros No litoral, os escravos eram negociad os com os europeus. Barganhava-se preço e
até o mar, em meio a grandes perigos - leões, crocodilos, selvas, saqueadores, epi- pagamento. Quase nunca se usavam moedas. Os d iários de bordo dos mercadores
demias. Frances Moore, agente inglês no rio Gâmbia, desc reve u o modo como os de escravos q ue chegaram até nós mostram que o pagamento era feito em mercadorias.
mercadores negros, geralmente mandingos (da África Ocidental), trazia m um O regateio podia arrastar-se por muitos dias, com diversões, presentes e bebidas pa-
comboio: "A maneira como os traziam era am arrando-os pelo pescoço com ti ras ra aj udar na transação. Logo os africanos torna ram-se tão sofisticados quanto os eu-
de couro, cerca de um metro de distância um do outro, 30 o u 40 numa fileira, ropeus no comércio e ap renderam com eles a arrancar o maior lucro possível.
rendo geralmente um fa rdo de milho, ou um denre de elefante, sobre a cabeça de O btinham uma concessão após outra, acumulando taxas e tri butos, exigindo paga-
cada um." mento pelo carregamento de mercadorias e escravos através das rebentações de o ndas
Mungo Park, o explorador escocês, conta ter viajado em 1797 com um combo io e por forneceram água, provisões e madeira para os navios.
de 73 escravos por uma distância de 800 q uilômetros. Levou dois m eses para chegar A qual idade da mercadori a humana era importante para a fixação do preço,
à foz do Gâmbia, e muitos escravos estavam quase morros de sede, fome e exaustão. é claro. William Bosman, feitor das Companhia das Í ndias Ocidentais H olan-
Park disse que por várias vezes os escravos lhe perguntaram se seus compatriotas desas, descreveu numa carta de 1700 como isso era determinado em Fida, na
eram canibais: costa do Daomé:

A idéia profUndamente arraigada de que os brancos compram os negros com o objetivo Quando esses escravos vinham para Fida, eram colocados todos em prisão, e quando
de devorá-los, ou de vendê-los para outros, de que eles possam ser devorados mais adiante, tratávamos de sua compra, todos eram trazidos para uma grande planície, onde eram
naturalmente foz com que os escravos contemplem com grande terror uma viagem para a totalmente examinados por nossos cirurgiões, nos mínimos detalhes, sendo que ficavam

I -·~ -·- I
~ HIST0R1A ILU ST RADA DA ESCRAVIDAO 0 TRÁFICO DE ESCRAVOS ~
nus tanto os homens quanto as mulhern, sem a menor distinção ou pudor. Os aprova-
dos são separados; e os estropiados ou defeituosos, colocados de lado como inválidos, que
aqui chamaremos de mackrons. Estes são os que têm mais de 35 anos. ou têm os bra-
ços, pernas, mãos ou pés mutilados, perderam um dente, têm cabelos grisalhos ou uma
película sobre os olhos; e também todos aqueles afetados por desarranjo venéreo ou por
várias outras doenças.
Descartados os inválidos e mutilados, como eu já disse, o restante é numerado, e ano-
ta-se quem os entregou. Enquanto isso, um ferro para marcar, com as annas ou o nome
tÚzs companhias, repousa no fogo; com o qual os nossos são marcados no peito...
Raramente nos detemos por muito tempo na compra desses escravos, pois o preço
já é estabelecido, as mulheres custando um quarto ou um terço mais barato que os
homens...
Quando entramos em acordo com os proprietários dos escravos, estes voltam para suas
prisões; onde, desse momento em diante são mantidos sob nosso ônus, custando-nos dois
centavos por escravo; o que serve para a subsistência deles, como os nossos criminosos, a pão
e água. De modo que para economizar tarifa, enviamo-los para nossos navios na primeira
oportunidade; antes do que, seus senhores despem-nos de tudo que os cobre; de modo que
sobem a bordo completamente nus, tanto as mulheres quanto os homens: em cuja condi- Traficante de escravos inglês prova o suor de um africano para determinar o estado de
saúde dele, 1764. Biblioteca Nacional, Pa ris
ção eles são obrigados a continuar, se o capitão do navio não for suficientemente caridoso
(o que ele geralmente é) para dar algo que lhes cubra a nudez. então, tendo lustrado e amaciado os escravos com azeite de dendê, não é nada fácil dis-
tinguir um velho de um de meia-idade, a não ser pela queda dos dentes. Mas o nosso
Outro mercador de escravos, o capitão Thomas Phillips, do Hannibal, contou co- maior cuidado é não comprar nenhum que esteja com vario/a, para não infestar os de-
mo o cirurgião de seu navio tentava evitar ser logrado por mercadoria defeituosa: mais a bordo.

Então cada um dos cappasheirs [mercadores africanos] apresentava seus escravos de Qual foi 0 efeito do tráfico de escravos sobre a África? Foi desastroso, especial-
acordo com o grau de qualidade, os melhores primeiro, etc., e nossos cirurgiões os exami- mente para as terras ao longo da costa. "A maioria das pessoas comuns", conclui o
navam em todos os aspectos, para ver se tinham boa saúde, fazendo-os saltar, estender os historiador Basil Davidson,
braços rapidamente, olhando na boca para avaliar a idade; pois os cappasheirs são tão
astutos que lhes raspam barba e cabelo pouco antes de serem vistos por nós, de modo que era ameaçada pela escravidão estrangeira ou envolvida nas brutalidades dessa prática.
nunca nos deixam ver cabelos ou pêlos grisalhos; e Mas os chefes e seus capangas geralmente lucravam com o tráfico tanto quanto os parceiros

I ~ -~ ~ ·- I
~ H IS T O R IA I LU S TRA D A DA E SC RA VID Ã O Q TRÁFI C O D E E S C RAVO S ~
europeus - mais ainda, pois o risco era menor. enquanto os capitães de escravos arrisca-
vam a própria vida em cada viagem.

O s governantes enriqueciam , m as seu povo nada ga nhava com a escravidão. O s


produtos trocados po r escravos geralmen re eram arrigos de luxo - e com freqüência
falsificados - o u armas, munição e bebida alcoólica. Como isso conrribuiria para
melho rar o padrão de vida comparado à perda de mi lhões de africanos saudáveis en-
viados para o exrerior acorrencados?

H IS TÓRIA I LUST RADA DA E SCRAVIDÃO


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ca para o Novo Mundo eram bem heterogêneos - criminosos e cristãos,


especuladores e aventureiros, cavalheiros e piratas, mari nheiros e cirur-
giões. Muito conhecido entre os primeiros capitães de escravos foi sir John Hawkins,
mais tarde conrra-alm irante da frota da rainha Elizabeth, quando esta derrotou a
Armada Espanhola.
Bem antes de Hawkins fazer sua primeira viagem para traficar escravos, mercadores
ingleses demonstraram interesse em fazer negócio tanto com a África quanto com
as Américas. Trocaram ferramentas e produtos têxteis por ouro, pimenta e marfim
na Guiné e no litoral brasileiro. Devido à sua exploração anterior da África Ociden-
tal e das ilhas do Caribe, a Espanha reivindicava o monopólio do tráfico de escravos
entre esses dois lugares. Os ingleses estavam ávidos por uma parcela dos lucros, mas
a Espanha mantinha os recém-chegados a distância.
Hawkins, filho de um capitão mercante que navegara até a Gui né, desde menino
aprendeu a lidar com navios e homens. Fez sua primeira viagem à África em I 562.
Anterio rmente, fizera uma viagem às ilhas Canárias, onde ouviu dizer "que os ne- Escravos amontoados no porao de um nav1o negr~>iro, a cammho do Novo Mundo.
gros eram uma mercadoria muito boa em Hispaniola, e que se podia facilmente Cada escravo podia ocupar um espaço de 1,8m por 40.6cm, e cada escrava, 1,Sm por 40,6cm, 1826.
Hull City Museum s and Art Galleroes
construir um depósito de negros na costa da G uiné".
Quando Hawkins chegou a Serra Leoa (na costa da África Ocidental) com seus
Q uando a notícia sobre a viagem de Hawlcins chegou aos ouvidos da rainha
três pequenos navios, capturou, "em parte pela espada, em parte por outros meios",
Elizabeth, ela a denunciou como uma aventura "detestável" que "atrairia a vingan-
conforme declarou, pelo menos 300 negros. N avegando em direção às colônias es-
ça dos Céus sobre os empreendedores". Mas ela se acalmou quando Hawkins exibiu
panholas do outro lado do Atlântico, seus navios foram detidos por uma calmaria,
seus lucros, e acabou investindo em sua próxima expedição de captura de escravos.
e os escravos arriscavam-se a morrer. Hawlcins, um piedoso protestante, confortou-
Com quatro navios, ele partiu da Inglaterra em 1564 e aportou na ilha de Simbula,
se com o pensamento de que Deus não permitiria que seu "eleito" sofresse. O vento
perto de Serra Leoa.
reapareceu e ele chegou a Hispaniola, onde trocou os escravos por couro de animais,
Ali descobriu que a tribo local tinha sido escravizada por outra tribo do continente.
gengibre, açúcar e pérolas. Embora os espanhóis proibissem severamente esse tipo
Hawkins resolveu escravizar ambas as tribos, e após vários djas de repetidos ataques, que
de intervenção em seus negócios exclusivos, a caminho de casa H awlcins tentou ven_,.
acabaram destruindo as aldeias, ele encheu os navios de prisioneiros. Seguindo para o
der parte da carga na Espanha. As autoridades confiscaram o que ele oferecia, mas
sul ao longo da costa, ele "desembarcava todos os dias para pegar os habitantes, quei-
os lucros com o tráfico de escravos tinha sido tão alto que o confisco não significou
mando e arruinando suas plantações".
muita coisa.

~
253 1
0 C A M IN~IO 00 ME I O - -
HISTORIA ILU S TRAD A DA E SC RAVIDÃ O
Com os navios carregados de escravos, ele cruzo u o Atlân tico em direção à e os escravos. e p ressionaram os funcionários a fazer negócio. Combinando na dose
Venezuela. Q uando o governador da colônia se recusou a comprar seus escravos, cerra fo rça e suborno, H awkins conseguiu sobrepuj ar a proibição do rei . Vendeu sua
H awkins colocou em terra cem marinheiros forremente armados para fazer 0 gover- carga e voltou para casa.
nante mudar de idéia. Voltando para casa como um homem rico, H awkins foi ho- Mas uma tempestade levou H awkins para San Juan de Ulua, o porto de Vera C ruz
menageado com um escudo de armas cujo timbre mostrava "um meio-mouro, em na costa do México, onde encontrou uma grande fro ra de galeões espanhóis forre-
sua cor natural, acorrentado". mente armados, e obviamente hostil. Os espan hóis ataca ram e infligi ram uma dura
O usando transportar escravos da África portuguesa para a América espan hola, derrota a Hawkins. Muitos ingleses foram morros e alguns dos captu rados foram
H awkins aca bou com a ficção de um monopólio hispano-lusitano do tráfico de conde nados à escravidão nas galés ou queimados na estaca como hereges. H awkins
escravos. O utros aventureiros ingleses seguiram seu exemplo de bucaneiro, mas 0
e Drake escaparam. Dos 400 homens que saíram de Plymouth, apenas um punhado
comércio de escravos inglês foi modesto até as fazendas de açúcar nas fndias O ciden- sobrevi veu e seguiu para a terra.
tais aumentarem o potencial de lucro. l à .lvez esse incidente tenha desencorajado os ingleses do tráfico de escravos. De qual-
Em 1567, Hawkins fez uma terceira viagem, desta vez partindo com seis embar- quer forma, fizeram pouco mais que isso durante I 00 anos. Só depois de 1660, quan-
cações. Ele conduzia a nau capitânia Jesus ofLubeck. A Grace of God era comandada do terminou a insurreição da Guerra C ivil, é que a Inglaterra estava preparada para
por seu primo de 22 anos, Francis Drake, já um veterano no tráfico de escravos. O s esse lucrativo ramo do comércio. Em 1672, Carlos II concedeu uma licença para a
dois maiores navios da frota eram de propriedade da rainha. Royal African Company, que não só dominou o tráfico de escravos durante 50 anos
C hegando à costa do Guiné, 200 caçadores de escravos desembarcaram em Cabo como fez de um inglês o maior mercador de escravos do mundo. Durante 30 anos, gra-
Verde para atacar uma aldeia, mas foram emboscados por 600 africanos. O s ingle- ças a um tratado com a Espanha, os navios que transportavam escravos da África
ses capturaram nove africanos e mataram outros tantos, eles mesmos com 25 mor- Ocidental para as colônias espanholas eram exclusivamente ingleses.
ros ou feridos. Os traficantes de escravos lutavam com armas contra arcos e flechas Somado ao tráfico com suas outras colônias, isso gerou um enorme lucro. Era
dos nativos, mas os africanos usaram pontas envenenadas, 0 que causou morres len- um grande triângulo comercial, com lucros distintos extraídos de ambos os lados.
tas e agonizantes entre os homens brancos. O s artigos baratos feitos na Inglaterra iam para a .África, onde se compravam os es-
Em Serra Leoa, Hawkins fez uma aliança com dois reis que estavam guerreando cravos que eram levados para o Novo Mundo. Nas fndias Ocidentais e nas Amé-
com um terceiro. Ajudou-os a atacar a cidade do inimigo "com a promessa de que ricas, eles eram trocados por minerais e gêneros alimentícios, que por sua vez se-
os negros capturados nessas guerras, fossem da parte deles ou da nossa, deveriam es- riam vendidos na Inglaterra. Apoiada no tráfico de escravos, a Inglaterra construiu
tar à nossa disposição". Hawkins capturou 250 prisioneiros, ganhou mais 60 e acres- sua supremacia comerciaL
centou mais I 00 ao seu carregamento negociando ao longo da costa. Londres, sede da Royal African Company, foi o principal porto doméstico dos
Sua frota então navegou para oeste durante 52 dias, até chegar ao Caribe. Os co- mercadores de escravos, até que Brístol e depois Liverpool começaram a ultrapassar
lonos espanhóis das ilhas foram proibidos pelo rei de negociar com 0 inglês, que não a capitaL Liverpool finalmente triunfou. Ficava mais perto das fábricas que forne-
tinha autorização; os escravos que Hawkins oferecia podiam ser confiscados, e as mer- ciam os artigos para o comércio com a Guiné. Também construía os navios m ais
cadorias, apreendidas. Os colonos, no entanto, acolheram com prazer as mercadorias longos, mais baixos e mais rápidos, além dos conveses para sustentá-los, fazendo de

~ H tS T ORIA ILU S TRADA DA E S C RAVIDÃO Q CAMI NH O 00 M E I O


Liverpool o maior porto do mundo. Os financia- da monarquia e do público. Os reis da Inglaterra, França, Holanda, Espanha e
'OAMBJA NEGROES. dores do tráfico de escravos eram mais severos e Portugal apreciavam os lucros obtidos com o tráfico e ofereciam seu patrocínio.
rigorosos do que rodos os outros, economizando Carlos li e Jaime li investiram no tráfico. Até 1783, o governo britânico fez tudo o
para vender mais barato do que os concorrentes. que pôde para encorajar o tráfico. Quando os colonos tentaram obter renda impondo
Por volta de 1800, Liverpool enviava 120 navios taxas sobre escravos importados, a Junta Comercial britânica se opôs, dizendo ser
por ano à costa africana, com uma capacidade to-
tal de transporte em torno de 35 mil escravos. A absolutamente necessário que um tráfico tão ben!.fico ao rei fosse conduzitÚJ com as maio-
cidade transportava 90% dos escravos para fora res vantagens. O devido suprimento tÚJs fazendas e das colônias com a quantiddde suficien-
da África. Em média, o lucro lfquido em cada via- te de negros a preços razoáveis, em nossa opiniiio, i o principal ponto a ser consideratÚJ.
gem era de 30%, embora não fosse raro chegar a
I 00%. A cidade inteira, disse um clérigo de Liver- Um dos defensores do comércio na Câmara dos Comuns foi Edmund Burke,
pool , "foi consrruída com o sangue dos pobres grande estadista e orador britânico, conhecido por suas idéias liberais. A Igreja tam-
Anuncio da venda de " negros de
africanos". Alfaiates, donos de mercearia, fabrican- bém apoiava o tráfico de escravos como um meio de converter os gentios. O comer-
Gambia" a 7 de junho de 1785, a
bordo de um nav1o negre1ro recém· tes de velas de sebo, advogados - todos tinham in- ciante John Newton costumava ordenar preces duas vezes por dia a bordo de seu
chegado. Hull Clty Museums and teresse em equipar os navios negreiros. O comércio navio negreiro, dizendo que nunca experimentou "momentos mais doces e mais fre-
Art Galleries
aproveitava a mão-de-obra de milhares de cons- qüentes de comunhão divina". Também os quacres- britânicos e americanos- por
trutores de barco, carpinteiros, tanoeiros, aparelhadores de navio, fabricantes de velas muito tempo acharam difícil estender seu não-conformismo para um investimento
náuticas, vidraceiros, marceneiros, ferrageiros, armeiros e carreteiros. Apenas dez com- tão lucrativo quanto o tráfico de escravos. Apropriadamente, um navio negreiro vin-
panhias na cidade controlavam dois terços do tráfico de escravos. A produção de merca- do de Boston, e que aportou em Serra Leoa, tinha o nome de Willing Quaker.
dorias para os navios cargueiros que iam para a África estimulava a indústria britânica, Mas as religiões organizadas nunca foram muito diferentes de seus membros.
gerava empregos para seus trabalhadores, trazendo grandes lucros para seus negociantes. Assim, os leigos da Igreja Anglicana aceitavam a escravidão que viam ao seu redor.
Boa parte desse capital comercial aj udou a impulsionar a revolução industrial. Era um fato da vida, e roda a sociedade britânica investira nisso. Figuras de "negros"
O quadro era igualmente verdadeiro para a França. Gaston-Martin, historiador talhadas em pedra decoravam a prefeitura de Liverpool. Correntes e cadeados, grilhões
francês do tráfico de escravos, escreveu: "Entre 17 14 e 1789, não havia um único para as pernas e algemas, anéis de tortura para apertar os dedos e abridores de boca
grande armador em Nantes que não comprasse e vendesse escravos; não havia ne- (para forçar escravos em greve de fome a comer) eram exibidos em vitrines de lojas
nhum que vendesse só escravos; e é quase certo que nenhum teria sido o que foi se e anunciados nos jornais. Nas ruas, moças elegantes desfilavam com seus negrinhos
não vendesse escravos. Nisso repousa a importância essencial do tráfico de escravos: escravos de turbante e pantalonas. Servos escravos eram comuns em famílias ricas.
de seu sucesso ou fracasso dependia o progresso ou ruína de todos os outros." Podiam ser comprados em leilão público e, como ós escravos de toda parte, sentiam-se
Esses pilares do comércio de escravos também eram os pilares da sociedade, que tão tentados a escapar que entre os deveres de um agente do correio estava incluída
conduzia seu negócio diário com seres humanos sob as bênçãos da Igreja, do governo, a captura de fugitivos.

HI STOR IA I LUST RADA DA ES CRAVIDÃO 0 CA M I NHO 00 ME IO


O tráfico de escravos não constituía nenhuma ocupação vulgar ou cruel que afas- Um tal capitão Japhet Bird perdeu 70 escravos de um total de 309. O capitão Phi-
tasse um homem do culto divino ou de honras. Envolvidos no tráfico britânico es- lips, do Hannibnl, desembarcou 372 vivos, dos 700 que embarcaram. Um capitão de na-
tavam duques, condes, lordes, condessas, cavaleiros - e reis. Os escravos da Royal vio de nome Hollden trouxe apenas 2 14 de 339, rendo perdido 125 no caminho para
African Company eram marcados com as iniciais O. Y. , do duque de York. Muitos as fndias Ocidentais. Defendendo-se dessa "triste" mortalidade, H ollden escreveu
prefeitos de Liverpool foram mercadores de escravos, e também vereadores da cida- para o dono do navio: "Tal mortalidade acho que nunca aconteceu com escravos que
de. Mercadores de escravos tiveram assento em ambas as casas do Parlamento. fazem a sua refeição todas as noites, e na manhã seguinte aparecem morros, dois ou
A escravidão nem sequer interferia nos atos humanitários de um homem. Merca- três numa noite, durante vários dias. (... ) Quanto ao gerenciamento, acho que não po-
dores de escravos faziam jus a monumentos por terem fundado escolas de caridade deria ter sido melhor. Sempre mantive as provisões em boas condições."
e orfanatos, por protegerem os pobres, construírem hospitais e "aterrorizarem os Para evitar esses golpes tão dolorosos nos lucros, o Parlamento britânico decretou
malfeitores". A estima que a comunidade tinha por Foster Cunliffe, um pioneiro do que não deveriam ser transportados mais que cinco escravos para cada três tonela-
tráfico de escravos, está gravada para sempre numa pedra na Igreja de São Pedro, on- das de carga de um navio de 200 toneladas. Mas poucos armadores ou capitães davam
de ele é descriro como "um cristão devoro e exemplar no exercício de cada dever pú- atenção a esses regulamentos, pois quanto mais escravos maior o lucro.
blico e privado, amigo da misericórdia, benfeitor dos aflitos, inimigo apenas do Assim, os escravos eram enfiados nos porões dos navios como toras, onde ficavam
vício e da indolência, viveu estimado por todos que o conheceram (... ) e morreu la- acorrentados uns aos outros. Quase não havia espaço para sentar-se, ficar de pé ou dei-
mentado pelos bons e sensatos". tar-se. O espaço reservado a um escravo adulto do sexo masculino não era maior do que
f duvidoso que esse "amigo da misericórdia" alguma vez tivesse cruzado o Atlân- o de um túmulo - 1,6m de comprimento, 40,5cm de largura e 0,6 ou 0,9m de altura.
tico em um de seus próprios navios negreiros. A viagem da África às Américas era Às vezes a altura entre os conveses de escravos era de apenas 45 centímetros. Estes ge-
um pesadelo que durava dois meses ou mais, sendo conhecida como o "Caminho ralmente dormiam sentados ou de lado, encaixados como se fossem colheres. Podiam
do Meio", pois era o trecho central do triângulo do tráfico. O que o tornava um hor- ficar em pé no convés alguns minutos por dia para tomar ar fresco e se exercitar. Para
ror era a intensa pressão para extrair o máximo possível de lucro no tráfico, não im- manter a forma, tinham de pular com suas correntes. "Isso era tão necessário à saúde
portando o custo para a mercadoria - o escravo. Às vezes os mercadores exageravam deles", dizia o Parlamento, "que eram chicoteados caso se recusassem a fazê-lo." Se o
e anulavam seus próprios objetivos, destruindo a mercadoria. tempo estivesse ruim, permaneciam lá embaixo. Os porões eram escuros, imundos, vis-
Superlotar os navios era a maneira óbvia de aumentar a taxa de lucro numa cosos, e fediam; a comida geralmente estragava, e a água estagnava.
viagem. Pequenos navios de 90 toneladas eram carregados com 390 escravos, Sem dúvida que essas condições explicavam a alta taxa de mortalidade no mar.
mais a tripulação e provisões. Um certo capitão Woodfin relatou a morte de 160 Muitos escravos morriam de "melancolia"; perdiam todo o desejo de continuar vi-
unidades de sua carga de negros ao chegar. "Tivesse ele levado apenas 400", na vendo naquela sufocante penúria. Poucos navios escapavam da varíola, disenteria,
estimativa de um agente da Royal African Company, menos teriam morrido. ou mesmo da temida oftalmia, que causava cegueira na carga e na tripulação.
Escreveu o agente: "Julgamos que a cobiça dos comandantes, apinhando seus es- Às vezes, escravos que adoeciam eram simplesmente atirados ao mar para evitar o ris-
cravos além da medida, para vantagem do frete, é a única razão da grande perda pa- co de uma epidemia. A epidemia era uma emergência, julgava o capitão; ele e a tripu-
ra a companhia". lação podiam ser infectados, bem como os escravos. Em 1783, o capitão do Zong, um

He stO RIA ILustRADA DA E sC RAV IO Ao 0 CAMINHO DO MEIO


navio negreiro de Liverpool, navegou até as fndias Ocidentais com 440 escravos e uma Mas os suicídios e as greves de fome não perturbavam seriamente os mercadores
tripulação de 17 homens. Na travessia, morreram mais de 60 negros e 7 marinheiros, de escravos. O tráfico era um negócio lucrativo, mesmo se perdessem um de cada três
e a disenteria atormentou a maioria dos outros. O capitão ordenou que 133 escravos se homens num carregamento. E o lucro, obviamente, era o mais importante.
lançassem ao mar vivos. Estavam "doentes ou fracos, ou provavelmente não viveriam", Em vez de morrer lentamente entre os conveses ou tirar a própria vida, alguns es-
argumentou. Se morressem de morte natural a bordo do navio, os proprietários arca- cravos revoltavam-se. Uma conspiração começou entre a população de Elmina, que
riam com a perda. Mas se fossem jogados vivos ao mar, o seguro cobriria a perda. O s planejou queimar a fortaleza holandesa. Quando o plano foi descoberto, eles quei-
seguradores finalmente recusaram-se a pagar e o caso foi a julgamento. O júri votou a maram suas casas e fugiram.
favor dos proprietários, com base em que "o caso dos escravos era como se cavalos ti- Em 1750, um jornal de Bosron noticiou uma revolta no mar quando um navio
vessem sido jogados ao mar". Os seguradores apelaram da sentença. Mansfield, o pre- de Liverpool, com 350 escravos a bordo, chegou perto de Guadalupe. Ao serem trazi-
sidente do Supremo Tribunal britânico, admitiu que a lei apoiava os proprietários. Mas dos para o convés, os escravos
neste "caso chocante", ajuiwu, aplicava-se uma "lei maior". Decidiu em favor dos se-
guradores. Pela primeira va, um tribunal decidiu que escravos não mais seriam consi- aproveitaram a oportunidade (..) e mataram o capitão e o imediato do navio, ej ogaram
derados mercadorias. Eles faziam parte de nossa humanidade. 15 homens ao mar, após o que enviaram o barco com dois rapazes brancos e outros três ou
Alguns dos escravos que não morriam de doença preferiam o suicídio ao cativei- quatro para descobrir que terra era aquela. Enquanto isso o navio seguiu a sotavento, o que
ro. As mortes ocorriam até antes de os navios zarparem. Escravos desesperados, deu aos rapazes a oportunidade de contar o caso ao comandante daquela parte da ilha,
colocados a bordo de navios em portos da África, geralmente pulavam no mar e se que imediatamente recrutou cerca de 100 homens, embarcando-os numa chalupa, que foram
afogavam. Se a tripulação conseguia detê-los, às vezes recusavam-se a comer e, con- em perseguição ao navio, capturando-o dali a algumas horas e levando-o para Port Louis.
seqüentemente, morriam de fome. Próximo de Uidá, na costa africana, disse oca-
pitão Phillips do Hannibal: "Tínhamos cerca de 12 negros que intencionalmente se Em 1700, John Casseneuve, primeiro-piloto do Don Carlos, partindo de Londres,
afogaram, pois segundo sua crença, quando morrem retornam ao lar, ao próprio testemunhou uma revolta em seu navio e relatou como aconteceu. O s escravos es-
país, de novo para junto dos amigos." tavam fazendo a refeição do meio-dia.
Aproximando-se de São Cristóvão, nas fndias Ocidentais, o capitão Bird, da Prince
of Orange, pensou que os problemas de sua viagem em 1737 tivessem terminado. A maioria estava porém no convés, muitos deles com focas que, imprudentemente, lhes
Mas em 14 de março, ele escreveu: havíamos dado dois ou três dias antes, sem sequer suspeitar de uma tentativa desta natu-
reza. Outros tinham pedaços de forro que arrancaram da porta do castelo de proa. Tendo
Verificamos muito descontentamento entre os escravos, especialmente os homens, que premeditado uma revolta, e vendo que toda a guarnição do navio, na melhor das hipóte-
continuou até o dia 16, por volta de cinco horas da tarde, quando, para nosso espanto, ses, estava fraca, e muitos bastante doentes, eles também tinham arrebentado as algemas
mais de cem escravos se atiraram ao mar. (..) Do total perdemos 33 homens, tão bons dos pés de vdrios de seus companheiros. O que lhes foi útil além das barras de ferro de que
quanto os que tinhamos a bordo, que não se empenharam em se salvar, mas resolveram haviam se suprido, e tudo de que podiam se apoderar, que imaginavam fosse de utilida-
morrer e afundar na dgua. de para sua iniciativa.

HI STÓ R IA I LUSTR AD A D A E SC RA V I OAO Q C AMI NH O 00 M EIO


Assim armados, caíram em bandos sobre nossos homens, desprevenidos no convés, e es-
Assim perdemos 27 ou 28 escravos, mortos por nós ou afogados, e os tendo dominado, man-
faquearam um dos mais robustos entre nós, ftrido por facas quatorze ou quinze vezes. que
damos que todos ficassem entre os conveses, onde foram repreendidos.
assim expirou. Em seguida atacaram nosso contramestre e cortaram uma de suas pernas,
quase atingindo o osso, e ele niio podia se mover, os nervos dilacerados. Outros cortaram
Para o período entre 1690 e 1845, o historiador Daniel P. Mannix encontrou re-
a garganta do cozinheiro, atingindo as vias respiratórias, e outros ftriram três marinhei-
latos detalhados de pelo menos 55 revoltas de escravos a bordo de navios e referên-
ros e jogaram um deles do castelo de proa ao mm; o quaL, porém, grllÇas à Providência, se-
cias a 100 outras. No mínimo, o mesmo número de navios negreiros foi destruído
gurou na bolina do traquete e salvou-se...
em portos ou próximo ao litoral por africanos que os atacaram. Entre 1750 e 1788,
as revoltas aumentaram, pois os mercadores de Liverpool reduziram o tamanho da
tripulação para economizar dinheiro, e tripulações pequenas eram alvos mais fáceis
para os amotinados.
Mas essas revoltas trouxeram poucas conseqüências para o tráfico. Mercadores de
escravos ávidos por lucro continuaram a amontoar seus carregamentos de infelizes
seres humanos em porões de navios, como se fossem sardinhas. Conseqüentemente,
o número de mortes no Caminho do Meio foi assombroso. "De 1680 a 1688", escre-
veu W. E. B. DuBois, "a Companhia Africana enviou 249 navios à África, embarcou
60.783 escravos negros, e depois de perder 14.837 no Caminho do Meio, entregou
46.396 na América". Foi uma perda de aproximadamente 25o/o. No século seguin-
te, as condições melhoraram um pouco e os ingleses computaram uma mortalidade
de 12,5% no Caminho do Meio, que coincidia com a experiência francesa. Os nú-
meros, porém, aumentavam na próxima etapa da viagem. Cerca de 4 ou 5o/o dos es-
cravos morriam nos portos das Américas antes da venda, e outros 33o/o morriam en-
quanto eram "acondicionados" ao trabalho. Assim, diz o professor John Hope Franklin,
"talvez não mais que metade dos escravos transportados da África tornavam-se tra-
balhadores efetivos no Novo Mundo".
Não se sabe ao certo o número de escravos que o Novo Mundo importou da
Johann Moritz Rugendas. Negros no porão, séc. XIX. In Viagem Pitoresca através do Brasil
África. Mas algumas cifras indicam que muitos milhões foram vítimas do tráfi-
co. Num período de 11 anos (1783-1793), apenas os mercadores de Liverpool
Pegamos em armas, atiramos nos escravos revoltosos, matando alguns e ferindo muitos.
trouxeram mais de 303.737 escravos. A literatura sobre a escravidão deixa a im-
O que amedrontou os outros que desistiram ... Muitos dos mais rebeldes pularam do navio e
pressão de que entre 15 e 30 milhões de africanos foram importados para as Amé-
se afogaram no oceano com muita resolução, demonstrando nenhum interesse pela vida.
ricas. A mais recente análise quantitativa, feita pelo professor Philip O. Curtin,

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~ HI S TOR IA ILUSTRADA DA ESCRAVIDÃO 263 1
0 CAMI NHO DO MEIO - -
revela, no entanto, que os historiadores mais antigos tinham simplesmente co-
piado os inconsisrenres palpites uns dos ourros. Poucos foram além disso para
descobrir dados originais. Curtin investigou os fatos apresentados em décadas de
estudos para tentar chegar a uma síntese mais precisa do número de pessoas que
atravessaram o Atlântico.
Partindo de informações reais, Curtin conclui que entre 1451 e 1870, cerca de
dez milhões de escravos vivos foram importados para as Américas. Este número
fica entre um terço e metade das cifras mais aceitas, que vão de 15 a 20 milhões.
Mas isso não significa que o dano causado às sociedades africanas fosse proporcio-
nalmente menor, pois não sabemos o tamanho da população africana que forne-
ceu os escravos.
É bom lembrar também que a África perdeu outros tantos milhões de vidas huma-
nas por outros meios - o envolvimento em guerras para suprir escravos, a marcha das
caravanas para a costa, a espera do embarque nos barracões, os rigores do Caminho do
Meio e, finalmente, o encontro com o novo ambiente insalubre das Américas.
É preciso dizer que o tratamento brutal que os mercadores de escravos davam aos
africanos na travessia do Atlânrico não era apenas produto do racismo. Europeus bran- Henry Chaumberlain. O mercado de escravos, 1822. Museu Castro Maya / IBPC, RJ

cos das classes mais altas eram igualmente indiferentes com os sofrimentos de campo-
Servos brancos contratados foram transportados pelo Atlântico, apinhados como
neses e trabalhadores europeus. As classes inferiores não tinham sentimentos, parecia
arenques em pequenos barcos. Em meados do século XVII, um carregamento de 72
supor a aristocracia, e certamente nenhum direito à solidariedade de um nobre.
servos foi encerrado sob o convés durante 38 dias, junto com os cavalos, de modo que
Durante as insurreições políticas e religiosas na Inglaterra entre 1640 e 17 40, a
"suas almas, com o calor e o vapor dos trópicos, desmaiavam". Um inspetor de uma
escravidão tornou-se um meio conveniente de se livrar de inimigos. Na Revolução
embarcação de emigrantes que chegava ao porto descreveu aquilo como um "sepul-
Puritana, Oliver Cromwell colocou à venda, em Brístol, centenas de prisioneiros
cro vivo". Uma aristocrata que viajava da Escócia para as Índias Ocidentais num na-
monarquistas. Muitos foram enviados como mão-de-obra escrava para as plantações
vio cheio de servos brancos con tratados escreveu em seu diário: "É quase impossível
de açúcar nas ilhas do Caribe. Vários prisioneiros irlandeses capturados por C romwell
acreditar que a natureza humana pudesse ser tão depravada a ponto de tratar seus
foram vendidos, através de mercadores em Brístol, como escravos para as Índias
semelhantes dessa maneira, em troca de tão pouco."
Ocidentais, assim como escoceses e quacres. Novamente, após a rebelião do duque
Os horrores da viagem marítima para camponeses alemães, que eram atraídos por
de Monmouth contra Jaime 11 em 1685, centenas de homens e mulheres do oeste da
agentes inescrupulosos e vendidos como servos, foram retratados por Gottlieb
Inglaterra, por punição, foram postos à venda como escravos - uma forma muito
Mittelberger, que descreveu a viagem que fez para a Filadélfia em 1750:
eficiente de calar a oposição.

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~ HI STú RIA IlU STRAD A D• Es c RAVIDAo
0 C AM I NHO DO M E I O ~
Dur.1;tte a viagem, o navio está cheio de deploráveis sinais de sofrimento- odores, ema-
nações, horrores, vômitos, vários tipos de enjôos, .frbre, disemeria, dom de cabeça, calor,
constipação, furúnculos, escorbuto, câncer. cancro na boca e aflições semelhames, todas
causadas pela idade e a alta salinidade da comida, especialmente a carne, além da água
imunda, que provoca a destmiçiío e a morte de muitos.
A escassez de comida acrescente a fome, sede, frio, calor. umidade, medo, penúria, ve-
xame e lamento, além de outras dificuldades. Assim, por exemplo, há tantos piolhos, espe-
cialmente nas pessoas doentes, que eles têm de ser raspados do corpo.

Quando surgiam tempestades no oceano, muiros estavam doentes demais para


sobreviver, e seus corpos eram atirados ao mar. Poucas mulheres que davam à luz a
bordo do navio escapavam com vida; elas e seus bebês geralmente acabavam no mar.
C rianças entre 1 e 7 anos raramente viviam até chegar ao porto. Em sua viagem,
Mirrelberger viu 32 crianças sendo jogadas ao mar. Famílias inteiras morriam de
doenças contagiosas, como sarampo e varíola.
Quando os sobreviventes chegaram à Filadélfia, ingleses, holandeses e alemães
afluíram ao navio para comprar aqueles que eram suficientemente saudáveis para
trabalhar. Os sobreviventes assinaram contratos que os vinculavam ao trabalho por
um período de três a seis anos. Muiros pais, não podendo pagar a própria passagem,
eram obrigados a vender seus filhos. Freqüentemente, separavam-se famílias e seus
membros ficavam anos sem ver um ao outro, se é que se viam.
Todo aho, milhares de infelizes alemães eram importados para a Filadélfia a fim
de satisfazer a demanda local por mão-de-obra não-qualificada. Os pobres - bran-
cos e negros- eram vítimas da impiedosa cobiça de uma classe que estava em posi-
ção de explorar a outra.

HI STÓ RI A ILU ST R ADA OA E SC R AVIOAO


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O mercadorias eriqueradas mais uma vez para venda. Nos últimos dias do
Caminho do Meio, liberrados de seus grilhões, os escravos eram engor-
dados e suas peles esfregadas com óleo até ficarem lustrosas. Avistada a terra, o navio
escolhidos. Os escravos, indefesos, confusos, apavorados, eram furiosamente puxados
de um lado para outro, arrancados por um comprador de outro. Alguns eram roma-
dos por tal pânico nessas escaladas na ilha de G ranada que saltavam pelo muro e cor-
riam como loucos pela cidade. Cerra vez, Falconbridge viu uma escalada a bordo de
ancorava em águas rranslúcidas. Passados os recifes de corais, os escravos podiam ver um navio no porto de Kingston. Quando os compradores entraram para agarrar suas
uma bela ilha do C aribe estendendo-se preguiçosamente atrás da praia de areias presas, cerca de 30 escravos pularam no ma r, mas logo rodos foram recaprurados.
brancas. Após o longo e fétido tormento da viagem, sem dúvida era um momento Ao ser comp rado uma segunda vez, o escravo também era marcado de novo. Na
que trazia esperança. M as não duraria muito, pois o estampido de uma arma acabava primeira vel, ele era marcado na costa africana com a marca do mercador ou com a pri-
com aquela calma e os sonolentos mercadores do porra desperravam . Chegava um meira letra do nome do navio, com ferro em brasa no peito ou no ombro. Na segunda
novo carregamento de escravos.
vez, era marcado com as iniciais do p roprietário.
Às vezes um carregamento era vendido antecipadamente por meio de negociações Já no século XVII, a Espanha não mais exercia controle exclusivo sobre o Caribe.
particulares com donos de fazenda - individualmente ou em grupos. O mais fre- França, Inglaterra, Dinamarca e Holanda tinham adquirido ilhas-colônias. Para ca-
qüente, porém, era o capitão do navio ser o responsável pelas vendas dos escravos. da nação européia, esses novos territórios eram uma importante fonte de renda.
Primeiro ele desembarcava os doentes, os feridos e os que estavam morrendo, levando- O suprimento de mão-de-obra era indispensável para as colônias do continente e
os até uma taverna para um leilão público. Talvez um especulador comprasse rodo 0 para as ilhas. Os mercadores traziam escravos para o Brasil, Colômbia, Argentina,
lote. Se não, iam por um dólar a peça. Todos sabiam que poucos desses escravos vi- Peru, México e Panamá, além do Caribe. Desses lugares eram encaminhados para
veriam o suficiente para compensar o preço. onde houvesse colonos que deles precisassem. No primeiro século da conquista
Depois que os "esqueletos ambulantes" tinham sido vendidos, vinham os escra- espanhola, uns 60 mil escravos entraram no México, e o dobro no século XVII.
vos saudáveis. Às vezes eram conduzidos pela cidade atrás de gaitas de fole e paravam Depois disso, as importações caíram abruptamen te. Já em 1524, a América Central
na praça pública para ser inspecionados por fazendeiros ou seus capatazes. Se um in- começou a receber africanos para trabalhar nas fazendas de índigo e nos ranchos de
termediário antilhano conduzisse as vendas a varejo, ele tirava 15% sobre o total e gado. Caracas, Cartagena e Panamá tornaram-se os portos mais movimentados da
mais 5% do rendimento liquido.
América espanhola.
A "escalada", porém, era a maneira habitual de conduzir uma venda. Por acordo Em toda a América do Sul e América Central, os negros trabalhavam nas minas
com os compradores, estabelecia-se um preço fixo para as quatro categorias de escra- de ouro e cultivavam tabaco, açúcar, cacau; também faziam serviços domésticos nas
vos - homem, mulher, menino, menina. Anunciava-se um dia para a venda. Quan- cidades. Os escravos distribuíam-se em ambas as costas do continente. A cidade de
do chegava a hora, disparava-se uma arma, abria-se a porra do depósito onde ficavam Lima tornou-se um mercado de escravos para os fazendeiros andinos no que são ho-
os escravos e uma horda de compradores precipitava-se "com toda a ferocidade dos je Venezuela, Equador, C hile e Peru. No censo de 179 1, registrou-se que um quar-
brutos", disse um homem chamado Falconbridge, cirurgião de um navio negreiro, to da população de Lima era negra. Devido aos registros precários e à notável fu-
que testemunhou várias escaladas. Cada comprador, empenhado em pegar a sua par- são de povos, é difícil determinar exatamente quantos escravos africanos havia nas
te do lote, tentava, por meio de uma corda, circundar o maior número de escravos colônias do continente.

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H lSTOR I A I lUSTRADA DA ESCRAVIDÃO
A NE C ESS t O A OE DE MÃO·O E· OBRA
No Novo Mundo, assim como no mundo do Mediterrâneo, a função do escravo
era principalmente suprir a mão-de-obra agrícola. No mais, não havendo diferen-
ças, os colonos brancos teriam preferido a mão-de-obra livre, pois o escravo, que não
rem nenhum imeresse no trabalho que executa, naturalmente trabalhará o mín imo
possível. O sociólogo e amropólogo brasileiro Gilberto Freyre diz que no Brasil "ha-
via muiros negros que preferiam deixar os pés apodrecerem, infestados de parasitas,
para não rerem que trabalhar". O escravo só trabalha sob coação; ele é sistematica-
mente degradado e lhe é negada qualquer chance de desenvolve r sua inteligência;
assim, ele perde natu ralmente o interesse em desenvolver habilidades ou versatilidade.
Superficialmente, ele cusra para seu senhor apenas a manutenção, mas na verdade
seu trabalho, inevitavelmente ineficiente, sai caro.
Os colonos, portanto, teriam preferido o trabalho livre, se as circunstâncias per-
mitissem. Mas a população da Europa era muito pequena na época da expansão do
Novo Mundo para fornecer a quantidade de trabalhadores livres necessária à econo-
mia de grande escala das fazendas. Como já vimos anteriormente, os colonos pri-
meiro recorreram aos aborígines. Um esforço continuado foi feito para escravizar os
índios, mas em toda parte falhou. Por exemplo, na Bahia, Brasil, 40 mil índios foram
utilizados como mão-de-obra escrava em 1563; 20 anos depois, apenas três mil esta-
vam vivos. Os índios não estavam acostumados ao trabalho agrícola. Como nôma-
des, eles odiavam o labor prolongado, opressivo, e não conseguiam sobreviver à dis-
ciplina rígida.
Em 1518, um funcionário colonial em Hispaniola pedia "permissão para com-
prar negros, uma raça robusta para o labor, em vez dos nativos, tão fracos que só podem
ser empregados em tarefas que exigem pouca resistência". Os fazendeiros do Novo
Mundo conseguiram o que queriam, e os negros "foram roubados na Áfricà', como
disse o historiador antilhano Eric Williams, "para trabalhar nas terras roubadas dos
índios na América".
O negro veio de uma cultura diferente da do índio, um modo de vida adaptado à
agricultura. No Brasil, como em outras partes do Novo Mundo, o africano mostrou-se
mais bem preparado do que o índio para o trabalho intenso e constante. O africano foi

A NECE SSI DADE DE MÀ O ·DE- O BRA


utilizado para o trabalho agrícola fLXo, bem como para a criação de gado. O índio nô-
made tinha de ser forçado a um novo rirmo de vida econômica e esforço físico. Sua cul-
tura era antagônica à nova cultura imposta, e quando seu equilíbrio de vida foi rom-
pido, ele perdeu a vontade de viver. Muitos índios morriam de melancolia, e muitos
outros escapavan1 de seu tormento comendo terra até morrer.
O nde, no entanto, os índios haviam previamente desenvolvido uma sociedade
agrícola, a escravidão foi bem-sucedida. Por exemplo, os incas de meados do século
X.V capturavam e escravizavam comunidades inteiras de índios agricultores na re-
gião andina, incorporando-as à sua economia agrária.
O faro de os africanos terem substituído os índios como escravos no Novo Mun-
do nada teve a ver com questões de passividade ou orgulho; a substituição foi antes
de tudo uma questão de condições culturais.

Hl STOiti A ILU ST RADA D A ES C RAVIOAO


I I I I li ) ' l >I I I I I \ 11 ""I\ f)(l a Cidade do México. Em algu-
Novo Mundo, a escravidão era conhecida entre os aborígines america- mas cidades o império impunha
nos. Os faros sobre a escravidão indígena, no enranro, têm sido ampla- altíssi mas taxas de escravos por
menre negligenciados ou ignorados pelos historiadores. A maior parte dos estudos ano, que elas remavam pagar en-
sobre os índios dedica apenas uma atenção superficial à escravidão. Uma das razões viando invasores armados contra
talvez seja porque não parece ter atingido a importância econômica da escravidão na outras cidades fora do império.
an tiguidade ou da escravidão negra nas fazendas das Américas. Por exemplo, o povo cihuad an,
Entre algumas das sociedades indígenas da América pré-colombiana havia dife- na costa do Pacífico, enviava pa-
renças bem marcantes de status e posição social. Existiam classes sociais com divi- ra o México prisioneiros tarascan
sões como nobres, plebeus e escravos. Nas regiões do Novo Mundo onde a terra era e cuidatec. O s cihuadans consi-
pobre, a população esparsa e a vida difícil, as diferenças de sta tus que não fossem ba- deravam-nos estrangeiros e bár-
seadas em sexo e idade eram raras. Mas a escravidão indígena de uma forma ou de baros, e como cais apropriados pa-
outra realmente existiu em muitas partes das Américas. Uma indicação de sua nature- ra a escravidão.
za e variedade pode ser dada com amostras de observações de exploradores, arqueólo- Para os astecas, certos crimes Senhor derrotado, com toucado. bast ão quebrado e uma
corda no pescoço, ajoelha·se diante do vencedor.
gos e anrropólogos. eram punidos com a escravidão. Kimbell Art Museum

Na época em que os europeus chegaram, a região mais densamente povoada do Quem cometesse um delito con-
Novo Mundo era a Meso-América, a terra dos maias e dos astecas. Agricultura inten- tra o Estado - digamos, um traidor - era leiloado como escravo, e a renda ia pa-
siva, grandes sistemas de irrigação e a arregimentação de mão-de-obra sob governos ra o tesouro público. Um homem que assaltasse uma casa era condenado a servir
despóticos tornavam possíveis as grandes populações. Astecas e maias desenvolveram- à pessoa que roubou, ou era vendido no mercado, e o dinheiro, entregue à vítima.
se do nível da simples lavoura até o da mais sofisticada civilização das Américas. O s Podia evitar a escravidão se ele ou a família tivessem como restituir a quantia rou-
Estados nativos da região tinham sistemas de status, posição e classe social altamente bada. Se alguém, sem autoridade, vendesse como escravo uma pessoa livre perdida
diferenciados. Abaixo de reis, nobres e cavaleiros vinham os plebeus, servos e escravos. ou raptada, ele próprio seria escravizado. Se alguma pessoa, que não fosse o filho
Plebeus e servos eram os grupos de agricultores que formavam a base da sociedade. do proprietário, interferisse na fuga de um escravo para o santuário em certos dias de
Entre os astecas, o escravo não era nem cidadão nem súdito; era um bem de seu festa, ela própria seria escravizada em lugar do fugitivo, que recebia permissão pa-
senhor. Sua condição assemelhava-se àquela do escravo da antigüidade, mas não era ra se tornar livre.
tão severa e terrível quanto a forma de escravidão que os espanhóis mais tarde im- Entre os maias, um homem podia vender a si próprio, ou seus filhos, como es-
poriam aos índios. Havia muitos tipos de escravos, e seu status variava bastante. Um cravo. Prostitutas vendiam-se como escravas em troca de comida, abrigo ou algum
homem tomado como prisioneiro de guerra podia ser vendido como escravo. As tri- ornamento. A sentença de morte para um criminoso acarretava a perda da proprieda-
bos também atacavam umas às outras em busca de escravos. O principal mercado de e a escravidão da sua família. Um dos crimes punidos com a escravidão era a ten-
de escravos era a cidade de Azcapuzalco, a uns quatorze quilômetros do que é hoje tativa de estupro.

H ISTORIA ILUSTRADA DA ESCRAVIDÃO A ESCRAVIOÀO ENTRE OS I ND IOS DAS AMERI C AS


Entre os astecas, os pobres costumavam vender a si próprios, a esposa e os filhos concediam alforrias em massa. Outros ainda compravam sua liberdade ou eram
para alimentar-se em épocas de fome. Nesses casos, testemunhas agiam como árbi- substituídos na servidão por um membro da família. Às vezes vários membros da fa-
tros para assegurar um preço jusro para o vendedor. Para saldar uma dívida, a família mília se revezavam para servir a um senhor. A escravidão nessas condições não era
podia oferecer um de seus membros como escravo. Isso assemelha-se de cerra forma uma condição imutável.
às práticas dos hebreus, gregos e romanos, descritas no primeiro volume. Aparentemente, a escravidão não era importante do ponto de vista econômico na
A venda de um escravo devedor era estritamente controlada pelos astecas. Tal es- Mesa-América. Se fosse, as condições podiam ter sido diferentes - e piores.
cravo não podia ser transferido sem seu consentimento, a não ser que tivesse sido Contrariamente às práticas dos maias e astecas, a escravidão entre as sociedades indí-
advertido algumas vezes diante de testemunhas por conduta preguiçosa ou repreensí- genas da costa noroeste da América do Norte era, de acordo com alguns historiadores,
vel ou por ter fugido. Se o escravo não melhorasse seu desempenho, era colocado "quase tão importante economicamente (... ) quanto a escravidão nos regimes de púm-
numa coleira, enviado para o mercado e vendido. Geralmente, esta era uma transação tation nas fazendas dos Estados Unidos antes da Guerra Civil". Outros, contudo, afir-
pública, feita na presença de testemunhas. Um escravo devedor vendido três vezes mam que os escravos não eram valorizados por sua produtividade tanro quanto pela evi-
atingia o limite. Seu último dono podia vendê-lo para ser sacrificado. Era assim que dência tangível do sucesso de seus proprietários na guerra ou na acumulação de riquezas.
os comerciantes e artesãos, que não podiam capturar prisioneiros de guerra, obti- A costa noroeste abrange a área que vai do sudeste do Alasca e da Colúmbia Britâ-
nham suas vítimas sacrificiais. Condenados a tal destino, esses escravos eram ritual- nica (onde viviam os famosos construtores de mastros totêmicos), passando por
mente lavados, ornamentados e conduzidos para morrer nas mãos de um sacerdote, Washington e Oregon, até a costa noroeste da Califórnia. A cultura dessa região es-
numa pedra em frente à estátua de um deus. tava entre as mais singulares da América do Norte aborígine, em parte devido ao seu
Por causa do grande número de observâncias religiosas que exigiam sacrifícios, os contato com a Ásia. Havia grande ênfase na aquisição e exibição de riqueza material.
astecas precisavam de um constante suprimento de escravos. Geralmente era sacri- As classes sociais e a escravidão hereditária que ali se desenvolveram isolaram a área
ficado um homem adulto. Mulheres e crianças provavelmente eram adotadas ou reti- de outras regiões não-agrícolas do continente.
das como escravas. O cativo dotado de algum talento inusitado podia ser comprado A pesca era o principal meio de subsistência nessa área, havendo um excedente
pelos ricos, tornando-se um escravo doméstico, em vez de ser sacrificado. As outras para satisfazer as necessidades da vida. Os índios viviam em casas de tábua e a posi-
prováveis vítimas sacrificiais eram escravos devedores, incorrigíveis e escravos trazi- ção social baseava-se numa combinação de riqueza e hereditariedade. As partes mais
dos de terras estrangeiras. produtivas da terra e do mar eram de propriedade de homens ricos, mas seu uso es-
Mas a maioria dos escravos astecas não morria sacrificada. Protegidos pelo "deus tava liberado para todo o grupo de parentesco. Ao longo de toda a costa, a sociedade
do céu noturno", eram dispensados do serviço militar, dos impostos e dos deveres dividia-se em chefes, nobres, plebeus e escravos. Com exceção dos escravos, as clas-
para com o Estado ou distrito. "Crenças, leis e costumes", diz o antropólogo Jacques ses não estavam rigidamente separadas. Adquiriam-se escravos com a captura de pri-
Soustelle, "tudo se juntava para proteger o escravo, para tornar sua condição mais sioneiros em ataques a outras tribos. Uma vez tornada escrava, a pessoa podia ser
fácil e para aumentar-lhe as chances de emancipação." comprada e vendida dentro de uma sociedade ou de uma sociedade para outra. Ela
Com a morte de seus senhores, muitos escravos eram libertados por testamento. era um bem em todos os sentidos, sem qualquer direito. O senhor tinha poder de vida
Outros ganhavam a liberdade das mãos do imperador ou dos reis, que geralmente e morte sobre seu escravo. O escravo podia ser morto após a morte de seu proprietário

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~ H ISTO RIA ILUSTR AD A D A E SCRAVIOAO
A E SC RA VIDÃO ENT R E OS I N D I OS DA S AM~R I C A S ~
ou ser esmagado sob o pilar principal durante a construção cerimonial da casa, ou,
como no ritual dos canibais kwakiud, devorado após ser sacrificado.
A morre também podia visitar o escravo no potlatch, a mais conhecida cerimônia in-
dígena da costa noroeste. Era uma festa para comemorar qualquer tipo de ocasião que
marcasse a mudança de status de um indivíduo. Podia ser um nascimento, casamento
ou a escolha de um herdeiro. Presentes extravagantes eram oferecidos; aquele que pro-
movia o pot!atch esbanjava o máximo possível, de modo a aumentar seu prestígio. Às
veLes um chefe rico matava um escravo valioso com uma clava chamada "matadora de
escravo", demonstrando assim sua superioridade em relação ao rival.
Por outro lado, às vezes, com a morte de um senhor, libertavam-se escravos ge-
ralmente mediante um resga te pago pelos parentes. Em alguns lugares a escravidão
era tão estigmatizada que a famíli a de um escravo recusava-se a redimi-lo. C hamar
alguém de escravo era o maior de rodos os insultos. Sob os laços de parentesco mais
fortes no norte, fi xava-se um resgate, pois o estigma podia ser eliminado com uma
cerimônia de purificação.
Nas tribos nootka, somente os reis e os chefes possuíam escravos. Os plebeus não
tinham nenhum, fosse porque não podiam se dar a esse luxo ou por ser considera-
do privilégio do grupo dominante. A porcentagem de escravos nas populações da re-
gião variava de 30 a 5. Entre as tribos mais fracas havia menos escravos ou nenhum,
pois essas tribos eram as vítimas das tribos mais fortes que capturavam escravos.
A escravidão por dívida também ocorria ao longo da costa. A incapacidade de pa-
gar um empréstimo ou uma dívida de jogo empurrava a pessoa para a escravidão. Mas
seu status não era o mesmo dos outros escravos, pois geralmente os parentes paga-
vam um resgate.
Entre essas tribos não-agrícolas, da idade da pedra, escravos eram o tipo de pro-
priedade mais valioso que existia. Quer capturados ou comprados, viviam na casa
do proprietário e faziam parte da família. Em alguns lugares eram tratados tão bem
quanto os homens livres mais inferiores. Em outros, os escravos recebiam a pior
comida e, quando morriam, eram atirados ao mar em vez de enterrados da maneira
normal. Escravos podiam casar entre si, mas os filhos continuavam sendo escravos.

A ESC R AVIDÃO ENTR E OS I NDI OS DAS AMERt CAS


Todos trabalhavam duro. Faziam todas as raref:'ls subalternas- buscar água, cortar Essa prática colocava as tribos menores e mais fracas na posição de um indefeso
madeira, construir e reparar as casas, fazer as canoas e colocar os remos, pescar e caçar, rebanho de animais domésticos. Ao norte da ilha de Vancouver essas pessoas eram
ajudar seus senhores na guerra, e às vezes furar por eles. Ocasional mente, os escra- vistas apenas como geradoras de escravos. Eram saqueadas roda vez que as tribos
vos do sexo masculino eram usados como assassinos para vingar afrontas perpetra- mais forres queriam prisioneiros para vender.
das contra seus senhores. Esc ravos estavam entre as muitas mercadorias comercializadas pelas tribos d o no-
As mulheres tinham que cozinhar, arrancar raízes, coletar frutos, fazer roupas e roeste. A região tinha provavelmente o mais extenso sistema de comércio da América
preparar as peles de animais. Eram as criadas. Sua sorte não era mui to pior do que indígena. Tanto os chefes quanto os membros ricos da tribo se envolviam nessa ati-
a de suas senhoras, exceto qu e as escravas tinham de estar sexualmente disponíveis vidade. Suas grandes canoas de 12 metros de comprimento eram conduzidas a remo
para qualquer um, incluindo as tripulações dos baleeiros norte-americanos. Uma es- por centenas de quilômetros em expedi ções comerciais. Os cativos geralmente eram
crava forte era considerada mais valiosa que uma esposa sem riqueza ou com uma levados 0 mais longe possível de sua terra natal para que os parentes não tentassem
família sem contatos úteis. recuperá-los. Essa prática também desencorajava os escravos de fugi rem de volta para
Um chefe tribal, quando perguntado por brancos se queria ir à Inglaterra, respon- casa. O s tsimshians tinham fama de grandes com erciantes. Eles negociavam cobre
deu que não. Disse que enquanto os brancos tinham de trabalhar para viver, "eu tenho do norte, escravos salishan capturados no sul, pele de lontra, óleo de peixe-vela e
escravos que caçam por mim, remam a minha canoa, e tenho uma esposa para me conchas de dentalium, um tipo de búzios.
ajudar. Por que pensar em sair daqui?" Os chinook também comercializavam escravos. Negociavam com índios do interior
Atacar outras tribos em busca de escravos era comum ao longo da costa no- do continente, geralmente em guerra entre si, comprando prisioneiros para revender
roeste. AJém da habitual captura de prisioneiros nas guerras de vingança, as tri- no norte e no sul ao longo da costa. Auferiram lucros tão elevados que se tornaram
bos mais fortes enviavam expedições contra as mais fracas para obter prisioneiros uma das nações mais ricas da região.
e vendê-los no tráfico de escravos intertribal. Bandos de jovens inquietos e agres- O povoamento nativo de Fort Simpson, no rio Mackenzie, em território tsimshian,
sivos conduziam suas canoas até povoamentos remotos e, depois de matar aqueles tornou-se um importante mercado· de escravos. O mesmo aconteceu com Dalles, uma
que resistiam, levavam os outros para vender às tribos vizinhas mais ricas e me- faixa de 24 quilômetros de corredeiras no rio Colúmbia. Nesse mercado de escravos
nos ousadas. podiam-se enconrrar crianças colocadas à venda por seus pais, os índios ldamath e
Os comparativamente ricos nookras de Cape Flaterry foram notórios fomentadores shasta do none da C alifórnia.
da escravidão. Incitavam as tribos de Vancouver para q ue atacassem umas às outras, de O s escravos do noroeste eram suficientemente produtivos para pagar sua própria
modo que eles pudessem comprar os sobreviventes. Um chefe nookta do começo do manutenção e mesmo para gerar um excedente. Os p reços que exibiam no merca-
século XIX gabava-se de ter uns 50 escravos, homens e mulheres. Praticamente uma do indicam seu valor. Por volta de 1860, os preços variavam do equivalente de 100
de cada três pessoas nas ricas aldeias nookta era escrava. a 500 dólares, ou mais. Em Dalles, uma mulher foi trocada por cinco ou seis pôneis
Embora o rapto de pessoas livres fosse um delito grave, punido com a escravidão garranos, e um menino, por um pônei. A medida que esses escravos subiam ou des-
na Meso América, na costa noroeste qualquer índio encontrado longe de sua tribo ciam a costa até chegarem a seu proprietário definitivo, o preço aumentava, cada
era considerado presa legítima para a escravidão - com guerra ou sem guerra. mercadoli· tirando·seu lucro ao longo do caminho.

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~ H ISTÓR I A ILUST R ADA OA ESCRAVIOAO A ES C RAVI OAO EN TRE OS I N D I OS D A S AM ~ R I C A S ~
Em Maricopa Wells, em 1868, cinco anos após a Proclamação da Emancipação

*
Há uma curiosa história dos índios do Paraguai, conhecidos como guaranis. Em
ter libertado o negro, os pim a estavam oferecendo prisio neiros apaches aos norte-
americanos por 40 dólares a cabeça, mas não achavam compradores. O motivo: os
147 1, um grupo migrou para os Andes bolivianos. Quando perambulavam pelas mon-
norte-americanos queriam pagar apenas 25. Aparentemente, estava sempre aberta a
tanhas, depararam com os chanes arauaques, na encosta oriental dos Andes. Esses ín-
temporada para ataques de c;tptura de escravos contra os apaches. M ilhares de crian-
dios pacíficos não formaram nenhuma defesa contra os agressivos e canibais guaranis.
ças e mulheres apaches e navajos eram escravizadas para os povoamentos do Novo
Cerca de 60 mil chanes foram mortos sem opor resistência; muitos morreram pelos ar-
México. Po r outro lado, os próprios navajos atacavam os índios pueblos em busca
cos e flechas de crianças. Um explorador espanhol encontrou cinco mil chanes escra-
de escravos. No acampamento de inverno, no alto do rio Arkansas, co manches, kio-
vizados por 400 guaranis, que massacravam alguns toda vcr. que ficavam com fome.
was, cheyennes e arapahoes ded icavam-se ao comércio de cavalos e de outros artigos
O s caribes, que viviam nas G uianas e nas Pequenas An tilhas, eram um povo ma-
de utilidade, incluindo escravos cativos.
rítimo, sempre guerreando por prestígio. Devoravam os prisioneiros do sexo mascu-
Os índios natchez do baixo Mississipi , que tin ham um extraordinário sistema de
lino e faziam das cativas suas esposas. Essas mulheres eram tratadas como escravas,
classes sociais (três grupos hierarquizados de nobreza e um único grupo de plebeus
mas seus filhos nasciam livres. Mesmo as próprias mulheres caribes conheciam
chamados de "fedorentos"), capturavam prisioneiros e os mantin ham como escravos.
apenas uma existência escrava. Nas regiões de flo resta tropical da América do Sul ,
geralmente os índios usavam os prisioneiros como escravos, mas permitiam que se
casassem nas tribos e assim se tornassem livres. Q uando chegaram os europeus, es-
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se costume mudou. Encorajados pelos m ercadores brancos a guerrearem uns com os
outros, as tribos caçavam prisioneiros e os vendiam para os brancos. Para dar apenas
um exemplo das conseqüências, em meados do século XVI 160 m il índios cativos
foram escravizados nas minas do México.
Mais para o norte, no que é hoje o sudoeste dos Estados Unidos, os espanhóis
exerceram a mesma pressão sobre tribos indígenas amistosas, incitando-as a captu-
rar prisioneiros de outras. O s piutes do sul de Utah e os halchidoma do rio Colorado
sofreram bastante com esses ataques para a captura de escravos. Em 1746, um padre
espanhol escreveu que os índios dessa região lutavam uns contra os outros e troca-
vam os meninos e as meninas que capturavam "por coisas de pouco valor".
Bem depois, em 1863, os índios pima e os papago estavam caçando apaches e
vendendo as crianças como escravas no Arizona e em Sonora. N esse período, os pi-
ma promoviam uma feira anual ao longo do rio Gila, onde vendiam escravos yuma
Charles M. Russel. Coronado na d ireção de uma cidade lendária de Cibola. qur· não é nada mais q ue um
e apache aos mexicanos de Tucson. Os compradores levavam-nos para 0 sul e vendiam-
povoado do sudoeste americano. Amon Carter Museum
nos como escravos domésticos em Sonora.

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~ H ISTORIA I L USTRADA DA E SC flA V IO.l O
A E S CRAV IO A O EN TR E OS I N OIOS DAS A M (RI C AS
Cortavam os tendões do peito do pé ou do calcanhar dos prisioneiros do sexo mas- uma espécie de corredor polonês e sobrevivesse à prova, poderia ganhar a liberdade.
culino para que não pudessem correr o bastante para fugir. Mulheres e crianças ti- Geralmente não se mutilavam mulheres e crianças. Eram tratadas como escravas até
nham seus cabelos cortados curtos como uma insfgnia da escravidão. Seu trabalho que se casassem ou fossem adotadas na tribo. Assim, não se desenvolveu uma classe
era triturar milho. A escravidão entre os natchez aparentemente não era hereditária. de escravos hereditários. Uma nação indígena derrotada na guerra era assimilada em
Os cativos podiam ser adorados e alguns atingiam altas posições. vez de aniquilada.
Na região sudeste do continen te, missões espanholas do século XVI estabeleceram O sistema de adoção tornava possfvel a indianização tanto de brancos quanto de
o primeiro contato com as tribos costeiras. No começo do século XVII, padres su- negros. Milhares de europeus escolheram viver com os fndios, ado tando totalmente
pervisionavam cerca de 20 mil fndios numa tentativa experimental de construir um seus costumes. (Po ucos índios tornaram-se europeus por escolha pessoal.) Como ob-
esrado indfgena cristão. N ão eram permitidos colonos europeus, e os índios da missão servou o agricultor norte-americano C revecoeur, os brancos encontravam na vida dos
não podiam ter armas.
índios "algo excepcionalmente cativante, muito superior" à sua própria sociedade.
Quando os ingleses estabeleceram povoações permanentes nas Carolinas, os ín- Até mesmo homens e mulheres brancas levados contra a vontade para viver entre os
dios da região tornaram-se instrumentos militares das duas potências coloniais em índios geralmente recusavam resgate, pois tinham se integrado na nova sociedade e
luta, os britânicos e os espanhóis. Os creeks e os yuchies juntaram-se aos ingleses em gostavam dos papéis que desempenhavam. Vários desses brancos tornaram-se chefes
sucessivos ataques contra as missões espanholas na Flórida e mataram ou escraviza- ou esposas dos chefes.
ram milhares de índios cristãos indefesos. Os ingleses compraram os prisioneiros para O escravo negro que fugia para as tribos indígenas geralmente encontrava socie-
ser usados como escravos em suas fazendas na Carolina. dades onde a hospitalidade, solidariedade, adoção e total integração social eram pos-
Ao mesmo tempo, os ingleses fizeram as tribos da Geórgia e da Carolina do Sul síveis. Tudo isso era-lhes negado pelos brancos. Na sociedade do branco o negro não
brigar entre si para capturar prisioneiros que pudessem ser vendidos aos brancos. era uma pessoa. Mesmo que ainda fosse um esçravo, entre os índios ele deixava de
Devastados por essas guerras, os índios sobreviventes desceram para a Flórida, onde ser coisa.
mais tarde se juntaram a muitos escravos negros que fugiram d IA · · 1 Nas tribos das florestas do leste, os escravos eram utilizados para fazer açúcar de
as co omas mg esas,
com quem se miscigenaram. Com o passar dos anos, a nova tribo mu!tiémica tor- bordo, coletar arroz silvestre, catar lenha e carregar água. Trabalhavam nos campos
nou-se conhecida como os semínolas.
e nos jardins, ajudavam os caçadores e serviam como remadores e carregadores pa-
A escravidão parece ter existido entre os índios da Louisiana até a Flórida, e subin- ra os nativos comerciantes.
do a costa atlântica até a Virgínia. Os ataques para captura de escravos ali existiram an- Quando De Soro encontrou os cherokees, em 1540, sua vasta região de caça avan-
tes da chegada dos europeus, embora aumentassem depois. Prisioneiros de guerra eram çava pelos Apalaches, indo até o norte da Geórgia e o Alabama. Chegavam a 25 mil
mantidos como escravos para sempre. A prática de mutilação dos pés para impedir a indivíduos e formavam uma das mais poderosas nações do leste. Eram então um po-
fuga era comum. Às vezes usavam-se os escravos para sacriRcios humanos, matando-os vo seminômade que vivia principalmente da caça, da pesca e da captura de animais
quando da morre de um chefe, de modo que este fosse acompanhado para 0 além. por armadilhas. Também capturavam e mantinham escravos, absorvendo especial-
No leste, os iroqueses torturavam prisioneiros do sexo masculino capturados em mente os jovens na vida familiar cherokee. No final do século XVII, mercadores in-
guerra, às vezes devorando-lhes os restos mortais. Se um prisioneiro passasse por gleses nas Carolinas começaram a pegar cherokees e vendê-los a fazendeiros das

~ H tST0RtA ILUSTRAD A DA E SC RA VID Ã O


A E S CRAVIO .l. O E N TRE OS I NO I OS DAS AMtR I CAS
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fndias Ocidentais. Os próprios guerreiros cherokees, depois de receberem armamen-
tos, atacavam creeks e catawbas em busca de prisioneiros que pudessem trocar, com os
brancos, por armas e munição. Sob a influência dos brancos, os cherokees desistiram
de suas plantações de milho comunitárias e começaram, individualmente, a cultivar
algodão. No começo do século XIX, estavam utilizando escravos negros. À medida que
as plantações cherokees se espalhavam pelo norte da Geórgia, crescia o número de es-
cravos negros que pertenciam aos índios.
Sob a in fluência dos brancos, muitos membros das cinco Tribos Civilizadas (co-
mo eram chamados os cherokees, chickasaws, choctaws, creeks e sem ínolas) desisti-
ram da agricultura comunitária e começaram a cul tivar plantações individuais.
Assim como seus vizinhos de terra, tornaram-se senhores de escravos, e por algumas
das mesmas razões.
A escravidão assumiu diferentes formas entre as cinco tribos. Os cherokees, que
adotaram em maior extensão do que os outros os métodos dos brancos, praticamen-
te reproduziram a mesma escravidão destes, embora fossem mais ind ulgentes com os
negros. D iferentemente dos brancos, incentivavam os jovens escravos negros a fre-
qü~ntar as escolas abertas para as crianças negras. Os creeks não demonstravam ne-
nhum racismo e tratavam os escravos à maneira patriarcal dos antigos hebreus.
As crianças que tinham com as mulheres negras eram criadas de maneira pratica-
mente igual às de sua prole e raça. Segundo registros, o status dos escravos negros foi
melhor entre os sem ínolas.
Finalmente, desenvolveu-se uma oposição à escravidão entre os cherokees. Os de
raça pura raramente mantinham escravos, acredi tando que todos os homens, inde-
pendentemente da cor, deveriam ser livres. A sociedade cherokee chamada "O Pino"
apoiava as crenças abolicionistas. Foram principalmente os mestiços, ou "índios
brancos", como eram conhecidos, que possuíam escravos e mais tarde ficaram do la-
do do Sul na Guerra C ivil.

H ISTÓR IA ILUST RAD A DA ES C RAV ID ÃO


t\.1 TOD\ \ llhr0RJ-\ LH -\0.11"RIC\ I \I IN·\, \ ACRI< L'IITR.:\ em extensões de terra que lhes eram designadas, introduziram as verduras na d ieta

E se tem baseado em vastas propriedades. Escravos cultivavam tabaco, milho, ca-


cau e outras culturas, e também a maioria dos frutos, legumes e verduras.
Trabalhav<tm nos grandes ranchos, nas minas, armazéns, docas e nos lares. Quando 0
brasileira, além de um maior uso de vegetais, óleo de cozinha, leite e mel. Às vezes
podiam complementar a dieta com frutas e até mesmo carne de animais selvagens.
N as fazendas patriarcais mais ricas e nos lares mais abastados das cidades, o escra-
açúcar foi introduzido ao longo da costa do nocdeste do Brasil, por volta de 1540, ace- vo, diz o historiador Gilberto Freyre, era mais bem nutrido e tratado do que nos
lerou-se a importação de escravos. Em 1580, funcionavam uns 60 engenhos de açúcar países industrializados, onde as relações pessoais entre senhor e escravo deteriora-
e um grande número de escravos estava sendo utilizado na imensa colônia portuguesa. vam-se a ponto de o escravo tornar-se u ma máquina, inferior até a um animal.
Por cerca de cem anos, o Brasil supriu a maior parte do açúcar consumido na Eu- O s capatazes das fazendas geralmen te eram brancos que ameaçavam, chicotea-
ropa. Provavelmente, cinco de cada seis escravos trabalhavam nas grandes proprie- vam e torturavam os escravos, para que esses trabalhassem. Co mo era comum nas
dades brasileiras, cultivando não só açúcar, mas também café, algodão e cacau. colônias espanholas e portuguesas na América, havia um código régio elaborado
Seus senhores eram, em sua maioria, homens dispostos a ficar ricos rapidamente. para controlar o modo como os escravos eram tratados no Brasil. Devia pro tegê-
Extraíam a última gota de suor dos escravos. Numa tarefa que exigia 30 escravos, los do tratamento cruel, mas era difícil pô-lo em prática.
eles mandavam dez fazer o trabalho. Nas fazendas de café, os escravos eram des-
pertados às três horas da manhã e não voltavam aos seus alojamentos antes das
nove o u dez da noite. A dieta diária consistia em uma papa de farinha de milho,
um naco de carne de porco salgada e abóbora cozida.
O dr. David Jardim, que observou esses escravos, escreveu em 1842 que os plan-
tadores de café "faziam desses infelizes verdadeiras máquinas de ganhar dinheiro".
Quando Jardim perguntou a um plantador como ele podia dar-se ao luxo de ter tan-
tos escravos doentes e morrendo, ficou sabendo que

a taxa de mortalidade não representava nenhuma perda, pois ele [plantador} compra-
va o escravo com a intenção de usá-lo por um ano, mais tempo do que poucos podiam so-
breviver, mas que extraía trabalho suficiente não só para pagar o investimento inicial, mas
até para tirar um bom lucro.

Os plantadores calculavam que estavam se saindo bem se, ao fim de três anos,
ainda lhes sobrassem 25 de cada 100 escravos. Nas melhores fazendas, onde os se-
nhores eram mais humanitários, os escravos comiam feijão e toicinho defumado,
milho, mingau de mandioca, inhame e arroz. Os próprios africanos, trabalhando Marc Ferrez. Escravos part em para a colheita do café no Brasil, c.1885. Coleção Part icul ar

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~ H ISTÓ R I A ILU STR ADA DA ESC RAV ID Ã O M AQUINAS DE FAZ ER DI N HEIRO ~
As técnicas industriais desenvolveram-se lentamente no Brasil, com os brancos uti- para 121, em 1625, e o número de escravos africanos igualmente cresceu. Eles planta-

lizando nelas o trabalho escravo. Usava-se pouca ou nenhuma máquina, "além do in- vam a cana, cortavam-na, traziam-na para os engenhos, purificavam o caldo nos caldei-

feliz escravo", escreveu um obs~rvador da região do Maranhão em 1822. "A força mo- rões, solidificavam o açúcar aquecido, refinavam, branqueavam e dele extraíam a aguar-

triz é suprida exclusivamente pela mão-de-obra escrava, e essas fábricas mais parecem dente. Quanto mais faziam os negros, menos faziam os brancos. Os senhores levavam

masmorras africanas do que um agradável e interessante estabelecimento industrial. " uma vida indolente. "H á muitos", escreveu um brasileiro, "que passam a vida de bra-

Os primeiros industriais brasileiros preferiam o menor uso possível de máqui- ços cruzados; e embora o homem tenha nascido para o trabalho, tudo que eles querem

nas e o maior possível de escravos. Com relutância, permitiam que bois e mulas é descansar. Alguns, num dia inteiro, não chegam a dar um só passo."

acrescentassem um pouco de força. Assim como os fazendeiros, os industriais não Os escravos to rnaram-se literalmente os pés de seus senhores, diz Freyre,

estavam interessados em estender a vida do escravo, dando-lhe alimentação e abrigo


de melhor qualidade. Vários testemunhos contemporâneos, no entanto, diziam enviando recados de seus proprietários e carregando-os em redes ou em palanquins.

que, naquela época, os escravos brasileiros tinham comida e abrigo melhores do que Também eram as máos do senhor- pelo menos a máo direita; pois vestiam-Lhes as calças

os trabalhadores e camponeses livres da Europa. e calçavam-lhes as botas, davam-lhes banho, passavam o escovão e catavam-lhes as pul-

A condição igualmente desafortunada das classes inferiores no Velho Mundo gas. Segundo uma tradiçáo, um pkmtador pernambucano chegou a utilizar a máo do negro
não devia causar surpresa. Pois uma sociedade cobiçosa explora qualquer um que para os detalhes mais íntimos de sua toalete.

tenha apenas a força de trabalho a oferecer e nenhum poder para se proteger. Por
exemplo, os pobres da Inglaterra, nesse mesmo período colonial, tornaram-se servos E ra uma vida vivida em uma rede, uma red e para o senhor dormir. Ele só cami-

dependentes e vendiam seus filhos como aprendizes. Os aprendizes eram tratados nhava o suficiente para dar ordens aos escravos, jogar gamão com um amigo, co-
com crueldade na Inglaterra elisabetana e dos Stuart. Açoites e marcações a ferro mer ou fazer amor.
eram comuns. Os pobres eram oprimidos quase tão furiosamente quanto os escra- Havia escravos em toda parte para fazer o trabalho. N as cidades do Brasil - Rio

vos. Sem trabalho e sem direitos, eles perambulavam pelas estradas, olhados com de Janeiro, Recife, São Paulo -, os escravos traziam água da fonte para beber, cozi-
desprezo e medo. Os andarilhos, disse William Perkin, um dos pregadores puritanos nhar e tomar banho. Tão numerosas eram essas tubulações vivas para o suprimento

da Inglaterra do século XVII, de água e transporte de excremento que não havia a preocupação de colocar hidran-
tes e canos nas cidades.
geralmente náo pertenciam a nenhuma sociedade civil ou corporação, nem a nenhuma Para carregar pessoas e pacotes, havia escravos de aluguel. Como cavalos ou mu-

Igreja em particular: e são como pernas e braços podres que pendem do corpo. (. ..) las, seus senhores os alugavam. Com almofadas para proteger a cabeça e vestindo
Percorrer de um lado a outro, ano após ano, estas paragens, para buscar o sustento do cor- apenas tangas, carregavam pesos incríveis pelas ruas lam acentas e sujas, malpavi-
po não é nenhuma vocação, mas vida de animal mentadas, isto quando eram pavimentadas. Como os senhores exigiam uma certa
quantia até o final do dia, os escravos trabalhavam mais do que bestas, transportan-
No século XVII, a venda de açúcar na Europa aumentou, e o preço subiu. Para sa- do sacas de café e engradados. Se não atingissem a cota do dia, eram punidos.
tisfazer a demanda, o número de fazendas de açúcar no Brasil cresceu de 30, em 1756, Quando grupos de carregadores trabalhavam juntos, trotavam ao ritmo do chocalho

M A Q U INAS DE FA ZE R D I N HEI R O
HI STÓR I A IL U S TRA DA DA ESCRAVID Ã O
de uma cabaça e cantavam canções para aliviar a labura. Normalmente, suas cargas Angola, o que provocou um aquecimento no tráfico de escravos entre o porto afri-
eram de I 00 quilos. Um visitante que esteve no Rio de Janeiro em 1860 ficou es- cano de Uidá e o Brasil. O trabalho nos campos auríferos era brutal, e a vida doses-
tarrecido ao saber que uns sete anos desse labor liquidavam um escravo. cravos, curta. Disse um missionário: "Sua lida é tão dura e o sustento tão precário
No interior do Brasil, os escravos trabalhavam ao lado das mulas e dos bois. que se pode dizer que viviam muito se agüentassem sete anos". Em 1734, um por-
Freqüentemente tomavam o lugar do vento ou da água como força morriz nos en- tuguês que estudou as condições nas M inas Gerais disse que os proprietários conta-
genhos de açúcar. O senhor desses escravos não queriam ver seus lucrativos humanos vam com não mais do que 12 anos de trabalho de escravos comprados quando ainda
substituídos por cavalos ou máquinas. "Esta é uma das razões que impede a adoção jovens. Nessa época havia cerca de 125 mil escravos na região e outros 13.500 nas
de maquinaria para reduzir a mão-de-obra manual , já que tantas pessoas querem áreas de mineração da Bahia, onde o ouro tinha sido descoberto em 1727.
que o trabalho seja executado apenas por escravos", observou um viajante estran- Quer trabalhassem ao longo de rios, quer em galerias subterrâneas, os escravos mi-
geiro na década de 1820. Não admira que a mortalidade para os escravos carrega- neradores trabalhavam duro e por muitas horas, sendo tratados, abrigados, vestidos e
dores fosse tão alta quanto a das mulas. alimentados muito mal. Costumavam ser forçados a comer e dormir onde trabalha-
Quando se descobriu ouro no Brasil , em 1695, muitos escravos foram coloca- vam; e "desde que começam a trabalhar, ficam banhados em suor", relatou Luis
dos para trabalhar nas minas. Ricos depósitos foram encontrados na região hoje Gomes Ferreira, "com os pés sempre na terra fria, sobre pedras, ou na água quando
conhecida como Minas Gerais. Era a realização de um sonho antigo de Portugal. descansam ou comem, seus poros se fecham e eles ficam tão gelados que se tornam
As atenções deslocaram-se das plantações de açúcar, no nordeste, para os campos suscetíveis a muitas doenças perigosas, tais como graves pleurisias, crises de apoplexia
auríferos do interior. Aventureiros chegavam em grande quantidade de todo o im- e paralisia, convulsões, pneumonia, e muitas outras doenças". Escravos mortos eram
pério português, aos quais se juntavam estrangeiros ávidos pelo ouro. Começava "empilhados diariamente". Como os mi neradores de qualquer lugar, freqüentemente
uma nova era no Brasil colonial. Jovens e velhos, ricos e pobres, nobres e campo- morriam ou sofriam mutilações em acidentes. Capazes de suportar seu fardo apenas
neses, leigos e clérigos vieram para as minas, conduzidos por uma febre do ouro quando fortalecidos pela aguardente, muitos tornaram-se alcoólatras.
que só seria igualada em 1849, na corrida do ouro na Califórnia. Vinte e cinco anos após a corrida do ouro em Minas Gerais, chegaram notícias
O método para extrair o ouro era o da lavagem de aluvião dos rios e de suas sobre a descoberta de ouro nos rios Cuiabá e Coxipó, nos confins do oeste brasi-
margens. Às vezes também cavavam-se poços e túneis bem fundos nas encostas das leiro. Dali a alguns dias, essa região também estava cheia de mineradores e seus es-
montanhas. Muitos mineradores eram brancos sem capital suficiente para dar cravos. Em 1726, Cuiabá tinha uma população de sete mil habitantes, dos quais
maior eficiência ao trabalho. Os brancos mais afortunados supervisionavam o tra- 2.600 eram escravos. Outros campos auríferos seriam descobertos nos próximos
balho de escravos negros. A maioria desses mineradores tinha cinco ou seis escra- 15 anos, fazendo com que hordas de aventureiros, a maioria sem nenhum centavo
vos. Muitos possuíam apenas um ou dois, enquanto os mais ricos dispunham de no bolso, comprassem escravos a prestação, pondo-os para trabalhar até a morte,
trinta a cinqüenta. Todos compravam escravos a crédito, a longo prazo. num frenético esforço para ficarem ricos da noite para o d ia.
As técnicas de mineração parecem ter sido trazidas da África Ocidental, pois os Então, em Minas Gerais, enquanto procurava ouro, alguém revirou pedras que
portugueses sabiam menos sobre mineração do que os escravos. Acreditava-se que um olho treinado reconheceu como sendo diamantes. Em alguns anos, nove mil es-
os escravos da Guiné fossem mais aptos para a mineração do que os homens de cravos estavam garimpando diamante. Quando os preços no mercado internacional

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~ HtSTOR IA ILUSTRADA DA E SC RAVIDÃO M ÁQUI NAS OE F A ZER D I NHEIRO ~
despencaram , a Coroa porruguesa reduziu o número de escravos que os fornecedores
de diamante utilizavam para um total de 600. Mas, sob um pretexto ou outro, os for-
necedores consegui am mobilizar pelo menos quatro mil escravos na caça aos diamames.
Assim como fizeram os escravos em roda a históri a, os escravos dos portugueses
vinh am roubando e vendendo ouro - arriscando um castigo de 400 chibatadas no
pelourinho público- e depois passaram a co ntrabandea r diamantes rambém. A lei
impunha penas rigorosas a quem comprasse diamantes de escravos. Rígidos con-
troles eram cri ados para detectar o contrabando. Os escravos eram vigiados de per-
to no trabalho e revistados no final do dia. Mas eles tinham truques engenhosos
para esconder os diamantes, geralmente guardando os m elhores para si e vendendo-
os, através de suas mulheres, para comerciantes brancos. Os escravos que trabalhavam
na garimpagem o cultavam ouro em pó ou em pepitas, e "desta maneira", diz o his-
toriador C. R. Boxer, "um considerável número de escravos pôde comprar sua li-
berdade, e a esperança de fazê-lo foi dada a muitos outros".
Na mineração do ferro, os africanos na verdade serviam como instrutores dos bran-
cos. Disse o historiador brasileiro João Pandiá Calógeras: "É deles o crédito pelo pri-
meiro processo para trabalhar diretamente o ferro nas forjas rudimemares das Minas
Gerais, fruto natural da ciência prática desses metalurgistas natos, os africanos".
Além de seu fundamental labor na agricultura e na indústria, os africanos fize-
ram outras contribuições ao desenvolvimento do Brasil. Foram mercadores, sacer-
dotes, barbeiros, arquitetos, dentistas, escultores, cozinheiros, músicos, acrobatas
de circo e instrutores dos meninos brancos. "Felizes os jovens que aprendiam a ler
e escrever com professores negros", disse Freyre. Eles eram mais gentis e bondosos
que os padres e mestres-escolas que ensinavam pela regra da vara.
O Brasil não tinha nenhuma lei que proibisse ensinar os escravos a ler e escrever,
assim muitos negros tornaram-se hábeis no uso da língua portuguesa. A lei exigia,
Escravos trabaiNindo na mineração de diamantes em Minas Gerais, séc. XVIII. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa
sim, que escravos recém-chegados fossem batizados antes que se passasse um ano.
Aceitos na Igreja Católica Romana, compareciam à missa e se confessavam. Ao de-
clarar que os escravos tinham alma, a Igreja Católica concedia aos negros um status
que a Igreja Anglicana da América do Norte nunca lhes dera.

M AQUI N AS DE FAZER D I NHEIRO


Ao mesmo tempo, porém, a Igreja não se opunha à escravidão. Os primeiros recém-chegados, e algumas casavam-se com comerciantes e cavalheiros ricos. In-
governos coloniais vendiam índios como escravos para obter fu ndos que seriam do morar em belas mansões.
destinados à construção de igrejas. E quando Igreja e donos de escravos entraram Mas sem um negócio ou sem um matrimônio, o escravo fugiti vo constatava que
em conflito sobre a guarda do Sabá, os teólogos concluíram que não era um pe- a vida na cidade não era nenhum paraíso. Enfiados em choças ou em cortiços, mal-
cado morra! para os escravos trabalharem nos domingos e dias santos nas fazen - alimentados, trabalhando ora si m ora não, os escravos podiam transformar-se em
das de algodão. Costume, necessidade e o "medo [dos plantadores] de perder lad rões, prostitutas, vagabundos ou mendigos. Nas cidades do Brasil, p roliferavam
muito dinheiro", disse um frei, eram razões suficientes. Franciscanos, dominica- aldeias de choupanas e cabanas, onde ta nto os negros fugiti vos quanto os libertos
nos, jesuítas, beneditinos, carmeliras- rodas essas ordens religiosas eram grandes tentavam recuperar os estilos africa nos de vida e a vida familiar africana.
proprietárias de terras e de escravos no Brasil. Dizia-se que a maioria tratava bem No começo do século XIX , foram adoradas cerras práticas na cidade destinadas a
seus escravos, dando-lhes treinamento religioso e raramente vend endo-os. Mas enfatizar o poder dos senhores sobre seus escravos. Em Recife era proibido "falar em voz
há um registro de um frei carmelira tão odiado por seus escravos que eles 0
cor- alta, berrar ou gritar nas ruas", medida que visava às cerimônias religiosas e festivais dos
taram em pedacinhos.
africanos. Os carregadores não podiam cantar nas ruas entre o cair da noite e o nascer
Para aliviar o fardo da escravidão, havia a esperança da alforria. Era amplamen- do sol. Escravos não podiam carregar porretes ou qualquer tipo de arma, visíveis ou es-
te incentivada pelo clero, que apelava aos piedosos para que dessem permissão. O s condidas, durante o dia ou à noite, sob pena de levarem de 50 a 150 chibatadas.
plantadores raramente morriam sem libertar, em testamento, alguns escravos de Somente os carregadores de redes ou fiteiras tinham permissão para carregar forquilhas
suas propriedades. O professor Alcântara Machado observa que o novo liberto era onde apoiavam suas cargas. Desde os primeiros dias de colonização, aos escravos foi
"quase sempre um bastardo, fruto dos amores do testador ou descendente de al- negado o uso de armas e também de jóias, ambos vistos como símbolos da raça domi-
gum membro da família e uma mulher negra da casa". nante. E armas, é claro, eram uma ameaça à segurança do senhor. Até mesmo jogos
Amas dedicadas geralmente eram libertadas. E era costume libertar a mãe negra praticados nas ruas, escadarias, praças ou praias eram proibidos. Banhar-se nu, também,
que tivesse gerado dez filhos. Não se colocavam obstáculos aos escravos que tinham tinha como punição a prisão ou o açoite. Em Salvador, em 1844, proibiam-se danças
conseguido o dinheiro para comprar sua liberdade. Aos negros que ganharam a li- e reuniões de escravos "em qualquer lugar e a qualquer hora". Os negros ressentiam-se
berdade dava-se a chance de progredir. Tinham acesso a posições no emprego públi- dessas restrições e se rebelavam contra elas.
co e na iniciativa privada, e também desempenhavam cargos públicos. Negros livres Aqueles escravos que fugiam para o interior estabeleciam colônias de fugitivos
tinham os mesmos direitos e privilégios dos brancos. chamadas quilombos. Já em 1607, o governador da Bahia foi surpreendido por
Mas nada disso tornava a condição do negro escravizado mais agradável. Ainda uma revolta de escravos fugitivos de etnia hausa (hausa era um povo do norte do
continuava sendo um sistema brutal. Desde o começo, os escravos brasileiros fu- que agora é a Nigéria.) No século XVIII, um bando armado foi enviado para des-
giam em busca da liberdade. Muitos abandonavam as fazendas e iam para as cidades, truir um quilombo estabelecido nos altiplanos onde viviam os índios parecis. Lá
onde tentavam passar por pessoas livres. Os mais afortunados, que tinham um co- os escravos fugitivos uniram-se a mulheres indígenas. Os soldados constataram
mércio, conquistavam não apenas a liberdade mas a chance de ascender profissional que a colônia de ex-escravos administrava grandes fazendas, onde plantavam al-
e socialmente. Mulheres bonitas podiam tornar-se amantes de imigrantes europeus godão, criavam aves domésticas e manufaturavam tecidos toscos. Tratava-se de

I ~~~ -~- I
~ H ISTORIA ILUSTRADA DA ESCRA VIDAO
MAQUINAS D E FAZ E R D I NHE I RO ~
O dever mais urgente dos bandos armados era procurar e destruir os quilombos
construídos em pleno mato. A maioria finalmente era descoberta, e os fugitivos que
resistiam à captura tinham a cabeça cortada e colocada em exibição. O s fugitivos
recuperados eram marcados a ferro com um F nos ombros. Se apa nhados numa se-
gunda fuga, teriam uma orelha cortada. Um terceiro crime acarretava a morre. Mas
nenhuma punição conseguia impedir os escravos de fugir. Eles passaram a valori-
zar a marca do F como sinal de hon ra.
O modo como diferentes povos da África se misturaram no Brasil aj udo u a
reduzi r o número d e revoltas de escravos. Por exemplo, uma revolta planejada
em 17 19 foi d esfeita antes de começar porque negros sudaneses e bantos se d e-
sentenderam sobre a questão de quem deveria assumir a liderança depois de
massacrados os brancos. Essas eternas rivalidades, conta o historiador C. R. Bo-
xer, foram a principal razão do fracasso nas conspirações de escravos nos anos
postenores.
A maior revolta de escravos no Brasil ocorreu antes disso, no século XVII ,
quando colonos holandeses e portugueses se envolveram numa guerra civil. O s
escravos fugi ram das cidades e fazendas localizadas entre a Bahia e Pern ambuco,
estabelecendo a República de Palmares no nordeste do Brasil. Encontraram abri-
go nas densas florestas e começaram uma vida nova de liberdade com a construção
Joaquim Cândido Guillobel. Figuras populares do Rio de Janeiro. Coleção Particular, RJ
de duas cidades no vale do rio Mundahu. Uma delas tinha cinco mil pessoas, e a

população rniscigenada, descendentes de pais negros e índi"os Ti d h . outra, umas duas mil. O s holandeses ocuparam a região e quase dizimaram os po-
· o os con ec1arn a
doutrina cristã e falavam português que aprenderam voamentos em 1644. Mas os negros agiram imediatamente e reconstruíram suas
' com os negros.
o~ bandos armados que percorriam o interior em busca de escravos fugitivos cidades ainda maiores. Novamente os brancos invadiram- desta vez os portugue-
ses, em 1676- e destruíram boa parte do que os escravos tinham criado. Recusan-
recebiam urna certa quantidade de ouro para cada negro que apanhassem . A recom-
do-se a desistir de sua república, os negros revidararn e conseguiram reconstruir
pensa t~rnava-se maior na medida em que aumentavam o tempo e a distância
Palmares uma terceira vez.
consumidos na operação. O s prisioneiros ficavam então numa prisão local até que
Em todos esses anos, Palmares foi um ímã que atraiu escravos fugitivos. A partir
seus senhores aparecessem com a recompensa. Os apanhadores de escravos freqüen-
temente raptavam negros inocentes que estavam tratando de n , . de duas cidades, cresceu até tornar-se urna rede de comunidades cuja capital era
egocws para seus
senhores e os mantinham até receberem a recompensa. Cerca Real do Macaco. A princípio vivendo de ataques às aldeias vizinhas, os negros
aos poucos organizaram suas próprias plantações, cultivando feijão, cana-de-açúcar

1 298
- - H IS T O R IA I lUS TRA DA DA E SCRAV IO Á O ~~~ I
M AQ U IN A S DE FAZE ft DI NH E I RO ~
e banana, que trocava m por outros produtos, incluindo armas para seus sold ados.
Faziam suas p róprias leis e viviam sob o governo de um rei e seus ministros. Na
década de 1690, Pal mares tinha 20 mil habitantes .
Em 1696, o governado r Bernardo Viei ra de Melo invadiu Palmares com um
exército de sere mil homens. Sitiou a capital fortificada numa longa e penosa luta.
Quando, por fim, conseguiu romper as defesas e seus soldados entraram na cida-
de, descobriram que os líderes negros preferiram matar-se, pulando de um alto
precipício, a se renderem.
Palmares cai u depois de quase 70 anos. Foi proeza que rivalizou com as revoltas de
escravos da antiga Sicília e de Espártaco. Insurreições ocorreram no Brasil repetidas ve-
zes: em 1756, 1757 e 1772. Por cinco vezes, de 1807 a 1835, os negros da Bahia, cuja
herança remontava ao Sudão muçulmano, planejaram, em seus templos e sociedades
secretas, rebelar-se contra os brancos odiados e também os negros que não se juntassem
a eles. Seu maior esforço foi o derradeiro. Invadiram a prisão, as casernas da artilharia
e vários posros policiais e do exército, matando e ferindo muitas pessoas e aterrorizan-
do roda a cidade. Quando a revolta foi esmagada, tão corajosos tinham sido seus líde-
res que a Bahia os homenageou executando-os com um pelotão de fuzilamento militar,
em vez de enforcá-los como criminosos comuns.
Em 1822, Dom Pedro declarou a independência do Brasil em relação a Portu-
gal, estabelecendo-se como im perador. Logo depois, os liberais começaram a exigir
o fim do tráfico e a preparação dos escravos para uma emancipação gradual. Em
1850, foi abolido o tráfico de escravos, selando a fonte externa de abastecimento.
Um forte movimento conduziu a luta pela abolição total, do Parlamento até as ci-
dades e nas próprias fazendas.
O passo seguinte foi dado em 1871, com a promulgação da Lei do Venere Livre,
Planta do quilombo Buraco do Tatu, Minas Gerais, uma forma de resistência dos escravos que declarava que todas as crianças nascidas de escravos eram livres, decretando as-
sim o futuro fim da escravidão. Em 1885, uma lei declarava que todos os escravos
que atingissem a idade de 60 anos eram livres. Mas isso ainda não conseguiu deter
a onda abolicionista. Negros livres apoiavam os escravos, que começaram a aban-
donar as fazendas em bandos. Insurreições brotavam em muitos lugares, com os

MA QU IN AS DE FAZER DINHEIRO
abolicionistas incitando à violência contra os senhores de escravos mais brutais e
ajudando aqueles a escapar.
A classe trabalhadora, a classe média das cidades e os intelectuais uniram-se em
apoio aos escravos militantes. À medida que a luta pela liberdade ameaçou trans-
formar-se numa guerra civil , uma boa parte da pol ícia e do exército recusava-se a
interferir ou fazia-o sem entusiasmo. A classe dos senhores sabia que o fim estava
próximo; nada podiam fazer para manter seus escravos. No dia 13 de maio de
1888, quando uma de cada 20 pessoas, numa população de 14 milhões de habi-
tantes, ainda era escrava, a "Lei Áurea" aboliu a escravidão de uma vez por rodas,
e sem compensação.

HI S TOR IA ILUST RA DA D A E SCR A VIDAO


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por Colombo durante sua primeira viagem. Era a maior ilha das fndias
Ocidentais, e Colombo morreu acredi tando que fazia parte do conti-
nente asiático. Com o formara de um peixe pulando do Caribe, a ilha se estende por
1. 170 quilômetros de comprimento e, em média, 80 quilômetros de largura. Em
área, é aproximadamente o tamanho do estado da Pensilvânia.
As cadeias montanhosas de Cuba, seus vales férteis, flores tropicais de cores vivas e
praias arenosas fizeram com que Colombo a chamasse de "a mais linda terra que olhos
humanos contemplaram". Os olhos espanhóis, no entanto, cobiçavam espoliar aquela
beleza. Em 1511 , Diego de Velasquez desembarcou com um exército particular para
conquistar Cuba. Ele havia acompanhado Colombo em sua segunda viagem a Hispa-
niola (1493), de onde extraiu riqueza suficiente do suor dos índios para equipar sua
própria expedição a C uba. D esembarcou em Barawa, estabeleceu sua base de governo,
depois seguiu para completar a conquista da ilha. Até 1515, ele havia construído sete
cidades, incluindo Havana, que se tornaram os centros políticos da vida na ilha.
A política espanhola era enviar brancos pobres para colonizar as ilhas. Mas a maio-
ria consistia principalmente de soldados, e não de camponeses ou trabalhadores. Os
colonos tentaram poupar-se do trabalho pesado, passando-o para os índios escraviza-
dos. Quando os espanhóis descobriram ouro suficiente em Cuba para que a minera-
ção fosse lucrativa, forçaram os índios a trabalhar nas minas. Estupefatos com a fero-
cidade com que os espanhóis procuravam ouro, os índios acharam que os estrangeiros
adoravam o metal como um poder sobrenatural. Os povos seminômades não estavam
condicionados a uma tal lida. Incapazes de suportá-la e sucumbindo facilmente às epi-
demias européias que varriam a ilha, os índios pereciam em grande número.
Conforme mencionado anteriormente, Las Casas, o padre dominicano que che- Primeiros contatos entre os europeus e os indios da América. In carta de Colombo De lnsulis lndie lnventis, 1493

gara a Cuba com Velasquez, protestou contra os cruéis maus-tratos aos índios. Para
os conquistadores, Las Casas e suas críticas à escravidão indígena e ao sistema de enco-
mienda eram um incômodo. Quando a Coroa emitiu ordens para proteger os índios,
os donos de escravos ignoraram-nas. Em 1528 os índios se revoltaram, formando
grupos de guerrilha nas montanhas.

HI S TO R IA I LU S TRADA DA E S C RAVIDÃO
Os colonos começaram a exigir escravos negros, e quando os africanos chegaram fo-
ram postos para trabalhar nas minas de Jacabo. A primeira revolta dos negros em Cuba
ocorreu em 1533, ao mesmo tempo em que os índios intensificavam sua rebelião. Os
negros desapareciam nas montanhas para se juntarem às guerrilhas indígenas.
Quando o suprimento de mão-de-obra diminuiu, os espanhóis enviaram expedições
para captura de escravos nas partes remotas e ainda não conquistadas de Cuba e na vi-
zinha Bahamas. "Guerras justas" era como chamavam essas caçadas. Supostamente, os
índios estavam se rebelando contra a Coroa. Na década de I 550, quando os nativos cu-
banos tinham sido quase dizimados, a Espanha aboliu a escravidão indígena.
Assegurado o domínio de Cuba, Velasquez voltou a atenção para novas frontei-
ras. Enquanto caçavam índios no lucatã, seus homens descobriram ouro. A Coroa
espanhola concedeu-lhe o direito à conquista, e ele enviou uma expedição sob o co-
mando de Hernando Cortés para dominar o México. À medida que se espalhava a
notícia da riqueza do império asteca, homens deixavam Cuba e outras colônias pa-
ra participar do saque ao México. Sob o comando de Hernando de Soro, em 1538,
Cuba também tornou-se a base para a conquista da Flórida. Negros cubanos toma-
ram parte das expedições de Cortés e de Soro. (Os negros também estavam com
Balboa, quando este chegou ao Pacífico; com Pizarro, no Peru; e com Coronado e
Vista das Fortificações de Havana, const ruídas com mão-de-obra escrava
Cabeza de Vaca, quando exploraram o norte do continente.)
Muito provavelmente, os escravos africanos estavam com Velasquez quando ele co- da terra. Artesãos brancos treinavam escravos negros, sem medo da competição, pois
meçou a conquista de Cuba. Alguns anos depois, uma dezena de negros foi enviada logo que um espanhol conseguia acumular dinheiro suficiente, ele geralmente com-
de Hispaniola para trabalhar nas fortificações de Cuba. Em 1518, carregamentos de prava terras e virava nobre.
escravos africanos começaram a chegar devido ao Asíento (a licença dada por Carlos Assim, a porta para as profissões especializadas estava aberta para os negros escra-
V autorizando a importação de escravos para o Novo Mundo) . Por volta de 1535, vos e livres. Mesmo quando começou a imigração em massa de brancos, no século
havia mil escravos negros em Cuba, e no final do século, dizia-se que eram 20 mil. XIX, não havia como arrancar os negros do trabalho especializado. Após a destrui-
Como os colonos brancos não vinham mais em grande número para Cuba pelo ção dos índios, os negros tornaram-se os mineradores em Cuba. Trabalharam nos
menos há 200 anos, os negros logo tornaram-se parte essencial da vida na ilha. O campos auríferos e depois aprenderam a lidar com a mineração e fundição do co-
sistema de contrato de servidão branca introduzido desde o início nas colônias nor- bre, instruídos por alemães. Foram os vaqueros nos ranchos de gado. Nas pequenas
te-americanas da Grã- Bretanha não vingou em Cuba. A maioria dos imigrantes es- fazendas (chamadas de estancías), que forneciam produtos para as cidades e frutas
panhóis saía com o intuito de fazer riqueza rápido e voltar para casa. Queriam viver frescas, legumes, verduras e carne salgada às frotas que fizeram de Havana o último

HISTÓRIA I LU STRADA OA ESCRAVIDÃO


UMA I L H A DOCE
porto de escala ames da travessia do Arlâmico, trabalhavam principalmeme negros. Em um século, a produção-de tabaco em Cuba chegou a quatro mil toneladas por
Algumas dessas estancias pertenciam a negros livres, enquamo em outras eles traba- ano. E estabilizou-se em torno desse vol ume, pois a criação de um monopólio por par-
lhavam para seus senhores. te da Coroa e seu rígido controle impediam os plantadores de auferirem grandes lucros.
Dentro das cidades cubanas, os negros estavam presentes em todos os tipos de ocu- A importação de escravos em grande escala era impossível nesse sistema. A população
pação. Em Havana, onde os navios geralmente ficavam no porto por alguns meses, negra de C uba, portanto, cresceu lentamente e chegou a 40 mil habitantes no final do
esperando um tempo favo rável, o jogo e a prostituição eram as diversões principais, século XVIII. Ao mesmo tempo, havia um contraste com o Hairi e seus 450 mil ne-
com negros atuando em am bas. As mul heres negras eram as lavadeiras e criadas do- gros e a Virgínia, com 300 mil.
mésticas, e adm inistravam a maior parte das estalagens, bares, pousadas e tavernas. A Ainda no final do século XVIII , uma grande mudança teve lugar em C uba , quan-
construção de prédios e fortes era quase roda fei ta pela mão-de-obra negra. Os ne- do os escravos negros do Hairi parara m de trabalhar, exigindo liberdade. Na longa
gros também trabalhavam nos estaleiros, bem como em muitas outras atividades co- Jura pela independência, a produção do H aiti caiu drasticamente. Isso abriu cami-
merciais essenciais para a vida da cidade. nho para C uba explorar os mesmos produtos e satisfazer a uma demanda que cres-
Nas cidades, a maioria dos escravos negros trabalhava sob o sistema de arrenda- cia rapidamente na Europa. O café foi uma das culturas que sub iu em importância.
mento. O escravo especializado tinha liberdade para alugar seus serviços. O escravo Co nhecido em C uba desde o começo do século XVIII, exigia um cultivo intensivo
arrendado pagava uma quantia fixa a seu proprietário em intervalos regulares. O que em plantations. Mas o capital para a mão-de-obra escrava necessária não estava dis-
ele ganhasse a mais era seu para dispor como quisesse. Isso lhe dava a liberdade de ponível, até a chegada de plantadores franceses fugidos do H aiti, que fizeram de
viver onde e como desejasse, e o poder de fazer contratos, etapas que o aproxima- C uba um dos principais produtores para o mercado internacional.
vam da liberdade. O mesmo aconteceu com o açúcar. O H aiti, outrora o maior produtor do mun-
Havia outros lugares para os escravos negros na agricultura cubana além das fa- do, cedeu luga r a C uba. "Nenhum p rodu to no mundo", diz o historiado r britânico
zendas agrícolas. Logo que chegaram , os espanhóis encontraram tabaco em C uba. H ugh Trevo r-Roper,- "nem arenques, nem especiarias, nem batatas- tem provoca-
Essa cultura tornou-se importante, no entanto, somente quando se desenvolveu um do tamanhas convulsões na história quanto o açúcar, que construiu cidades, susten-
mercado europeu. No século XVII, o cultivo do tabaco começou a transformar-se tou impérios, povoou e despovoou continentes. "
numa importante indústria cubana. Os plantadores utilizavam o solo rico ao longo Barbados tinha sido a primeira Ilha Doce das Índias O cidentais. Em 1643 conta-
das margens dos rios, mas o cultivo não era como nas grandes fazendas que produ- va com 18 mil adul tos brancos e somente 5 mil negros de ambos os sexos. Q uarenta
ziam o tabaco da Virgínia. Os grandes ranchos para criação de gado ocupavam ta- anos depois, com o crescimento das grandes fazendas de açúcar, havia 20 mil brancos
manha extensão de terra em Cuba que só eram possíveis as pequenas fazendas. de todas as idades e 46 mil escravos negros. A economia de púmtation exigia essa pre-
Muitos plantadores de tabaco arrendavam terras dos rancheiros e utilizavam escra- ponderância de escravos.
vos ou brancos pobres para o trabalho no campo. O s escravos não ficavam agrupados, O efeito do açúcar na população escrava de C uba foi im pressionante. Os espa-
como nas grandes propriedades, mas estavam espalhados entre as muitas pequenas fa- nhóis haviam trazido essa cultura para C uba no século XVI. Mas sua importância
zendas. Embora houvesse uma grande quantidade de mão-de-obra escrava, a maior foi pequena até a revolução no H aiti, quando se tornou disponível o capital para
parte dos trabalhadores era de brancos pobres, com alguns negros livres entre eles. máquinas de refinação. Entre 1790 e 1829, a ilha importou mais de 225 mil negros.

Ht sTORtA l t.uSTRADA DA ESCR A vtoAo UMA I LHA DOCE


309
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De 1821 a 1847, eram, em média, 6 mil por ano, sem contar os que entravam de con-
trabando. Entre 1833 e 1840, entraram de 33 a 50 navios por ano nos portos de Cuba
com carregamentos de negros africanos. Apenas em 1856, segundo o relato de uma co-
missão bri tânica, 60 mil escravos haviam sido transportados para Cuba.
O comércio em si era extremamente lucrativo. O preço de um negro em Cuba
era 30 vezes o que o especulador e transportador havia pagado na África. À medida
que as fazendas de açúcar se mul tiplicavam, ano após ano, a própria Cuba tornava-
se um mercado de escravos tão grande quanto já fora rodo o hemisfério um dia.
A produção de açúcar em Cuba dobrava a cada década. Em 1865, era 40 vezes o
que ti nha sido em 1775. Essa cultura tornou-se o pivô do comércio estrangeiro na
ilha, chegando a 75% do total de exportações. Na década de I 830, a tecnologia cuba-
na de produção de açúcar, que urilizava a máquina a vapor e o tanque a vácuo, era
a mais moderna do mundo; e a introdução de uma nova estrada de ferro permitiu
o rápido transporte da cana cortada para os engenhos. Assim, os plantadores podiam
ampliar suas propriedades, aumentar a produção e reduzir seus custos. Grandes fazen-
das eram a chave para uma produção eficiente. Um desses monstros, medindo 4 mil
hectares, empregava 866 escravos para produzir 2.670 toneladas de açúcar por ano.
O aumento das fazendas de açúcar introduziu uma mudança na escravidão cubana.
As estimativas variam, mas um especialista moderno, Franklin W Knight, sustenta
que três de cada cinco escravos trabalhavam nas imensas fazendas de açúcar. Ao la-
do da escravidão antiga, e relativamente branda, começava a surgir um sistema muito
mais rigoroso. A pressão dos investidores capitalistas por lucro era intensa. Havia
pouco espaço para o paternalismo que os escravos haviam conhecido nas pequenas
propriedades ou para o grau de independência que haviam experimentado como
trabalhadores na cidade.
Os plantadores de açúcar faziam exigências desumanas. O tempo necessário para
cultivar e colher era maior do que para os outros produtos. A natureza do trabalho
era m ais monótona e severa. Longas horas de labor, trabalho extenuante e capatazes
brutais aniquilavam os escravos rapidamente. Alguns plantadores utilizavam apenas
homens, mantendo as mulheres longe das propriedades, justificando que sua ausência

UMA I LH A D O C E
reduzia os "maus hábitos". Assim, em certas fazendas o casamento e a formação de parecessem limpos por fora, por isso eram Ciliados. Os próprios negros faziam o serviço. ( ..)
fa mília eram desencorajados, apesar de Cuba ser um país católico romano. As pessoas ficavam dentro dos quartos, que eram pequenos e quentes. A gente diz quartos,
Pode-se ter um relance da vida numa fazenda de açúcar em C uba através dos olhos mas na verdade eram fornos.
do dr. ]. F. G. Wurdermann, um médico dos Estados Unidos que visitou a ilha em 1840: Não havia árvores nem fora nem dmtro dos barracões, apenas espaços vazios solitá-
rios. Os negros niio se acostumavam a isso. O negro gostfl de árvores, florestas. A Africa es-
Os negros têm permissão para dormir só cinco horas, mas embora sujeitos a essa desco- tava cheia de árvores, ceibas, bânias, cedros. ( . .) Como os quartos eram tão pequenos, os
medida exigência de suas forças jlsicas, em geral preservam uma boa aparência. Antes da escravos se aliviallam naquiLo que era chamado de toalete e que ficava num canto do bar-
introdução dA máquina a vapor e do exemplo de um tratamento mais brando para o ne- racão. Todos a 1/Sa/Jam.
gro por parte de residentes estrangeiros, a pnda anual por morte era de pelo menos 10%,
incluindo porém os novos escravos, muitos dos quais morriam devido às mudanças climá- Montejo trabalhou por algum tempo no engenho de açúcar:
ticas. (..) Em algumas fozendas, no lado sul da ilha, ainda predomina o costume de ex-
cluir todas as escravas, e mesmo naquelas onde os dois sexos estão bem proporcionados em O sino ficava na entrada do engenho. O auxiliar de capataz costumava tocá-Lo. Às
número, eles não aumentam. (..) Que isso acontece por causa do tratamento fica prova- quatro e trinta da manhã, eLe tocava a Ave Maria - acho que eram nove badaLadas do
do pelo rápido aumento em algumas propriedades onde os negros são bem-cuidados. sino - e a gente tinha que Levantar imediatamente. Às seis eLes tocavam outro sino, cha-
mado sino da fiLa, e todos tinham que formar fiLa num Lugar fora do barracão, homens
Nas fazendas de açúcar, os escravos viviam em barracões. As condições num lu- de um Lado, mulheres de outro. Depois seguíamos para os canaviais até as onze, quando
gar chamado Flor de Sagua fo ram descritas por um ex-escravo, Esteban Mon tejo, comíamos carne-seca, legumes e pães. Depois, ao pôr-do-sol. vinha o sino da prece. Às oi-
em sua autobiografia: to e meia eles tocavam o úLtimo sino para todos irem dormir, o sino do siLêncio.
O auxiliar de capataz dormia dentro do barracão e mantinha a vigilância. Na viLa
Os escravos não gostavam de viver naqueLas condições: sentiam-se sufocados quando do engenho havia um vigia branco, um espanhoL, para ficar de olho em tudo. Tudo se ba-
trancados. Os barracões eram grandes, embora em algumas fozendas fossem pequenos; seava em vigilância e chicote.
dependia do número de escravos no povoamento. Cerca de 200 escravos de todas as cores
viviam no barracão de Flor de Sagua. Este era organizado em fileiras: duas fileiras de Para vestir, os homens recebiam calças de linho grosseiro, uma camisa e uma ca-
frente uma para a outra, com uma porta no meio e um pesado cadeado para trancar os pa de lã para o frio. Usavam sapatos baixos ou sandálias de couro cru. As m ulheres
escravos à noite. Havia barracões de madeira e barracões de alvenaria com telhas no teto. usavam blusa, saia e anágua. Elas se em belezavam com anéis e brincos de ouro com-
Ambos tinham pisos de barro e eram sujos como o diabo. Não havia ventiLação moderna! prados dos turcos ou dos mouros que vendiam suas bugigangas nos barracões.
Apenas um buraco na parede ou uma pequena janeLa com tranca. O resultado era que o Muitos escravos tinham permissão para cul tivar pequenas hortas perto dos barra-
lugar ficava infestado de pulgas e carrapatos, causando infecções nos reclusos e trazendo cões, onde plantavam batata-doce, quiabo, feijão, abóbora. Às vezes eles tinh am
feitiços malignos, pois aqueles carrapatos eram bruxas. A única maneira de se livrar deLes porcos, vacas e galinhas, dos quais não só se alimentavam , mas também supriam as
era com cera quente, e às vezes ne~n isso fUncionava. Os senhores queriam que os barracões necessidades dos brancos nas aldeias.

H tSTORIA ILU STR ADA DA ESCRAVIDAO U MA I L HA DOCE


Além dos jogos que praticavam nos barracões, os escravos divertiam-se nas taver- chamavam cata. Ayuka era dançada em pares, com movimentos arrebatados. As vezes eles
nas, que grudavam como carrapatos nas fazendas. Também serviam como armazéns, se movimentavam como pássaros, e parecia que iam voar, tíío rápido eles se moviam. Davam

onde os escravos podiam comprar muitas coisas- incluindo aquele copo de conha- pequenos saLtos com as mãos na cintura. Todos cantavam para animar os dançarinos.
que tão necessário para sustentar a energia de um homem -, negociando o que tinham Havia uma dança mais complicada. Não sei se na verdade era uma dança ou um jo-
arrecadado ou ganhado. O s escravos tinham permissão para visitar as tavernas du- go. pois eles davam murros uns nos outros, e com força. Essa dança eles chamavam de ma-
rante o dia, e alguns senhores permitiam uma ocasional visita à noite. ni ou dança do amendoim. Os dançarinos formavam um circulo de quarenta ou cinqüenta

As tavernas, construídas de madeira e casca de palmeira, exalavam os odores das homens, e começavam a bater uns nos outros. Quem fosse acertado entrava na dança. Eles
lingüiças, presuntos e mortadelas que pendiam do teto. Ali os escravos jogavam cartas usavam roupas comuns de trabalho, com foixas coloridas, de algodão estampado, em tor-
e outros jogos, apostando dinheiro ou bebida. no da cabeça e da cintura. (Essas foixas serviam para enfeixar as roupas dos escravos e levá-

No domingo não tinha trabalho. Logo que todos acordavam, os homens toma- las para lavar: eram chamadas de vayaja.} Os homens costumavam preparar seus punhos

vam banho e as mulheres ficavam nos barracões esperando sua vez para banhar-se com sortilégios mágicos para tornar os golpes do mani mais eficientes. As mulheres não

na única ou em uma das duas banheiras que havia em cada estabelecimento. Os ho- dançavam, mas ficavam em volta, em coro, batendo palmas e, às vezes, gritando de sus-
mens faziam a barba e a mulheres arrumavam o cabelo. Todos vestiam a roupa espe- to, pois geralmente um negro cala e não levantava mais. Mani era um jogo cruel. Os dan-
cial que se guardava para o domingo. As mulheres colocavam anéis nas orelhas e em çarinos não foziam apostas no resultado. Em algumas fozendas, os próprios senhores apos-
todos os dedos, e às vezes carreiras de braceletes de prata acima dos cotovelos. tavam, mas não me lembro disso acontecendo em Sagua. O que se fozia era proibir os

Era um dia animado, que todos os escravos aguardavam ansiosamente. Dizia escravos de darem golpes muito fortes, pois às vezes eles ficavam muito machucados para
Montejo: trabalhar. Os meninos não podiam participar, mas ficavam observando e viam tudo. Eu
mesmo não esqueci nada.
Não sei onde os escravos encontravam energia para isso. Suas maiores festas aconteciam
nesse dia. Em algumas fozendas, os toques dos tambores começavam ao meio-dia ou à uma Mas o domingo era só uma vez por semana. A vida era dura nas fazendas de açúcar,

hora. Em Flor de Sagua, começava muito cedo. A excitação, os jogos e as crianças corren- "trancado naquela sujeira e podridão", como disse um escravo. O corpo se esgotava ra-

do de um lado para o outro começavam ao nascer do soL Num instante o barracão ga- pidamente. Os escravos que se acostumavam àquilo ficavam com o espírito domestica-
nhava vida; parecia o fim do mundo. E, apesar do trabalho e de tudo, as pessoas acorda- do. Existem meios de domar os corações mais resistentes. O s plantadores tinham vários
vam alegres. tipos de punição, conforme descreveu Montejo:

A dança continuava o dia todo. Aquela de que Montejo melhor se lembrava era O tronco, que ficava na casa da caldeira, era o mais crueL Em alguns ficava-se em pé,
ayuka: em outros, deitado. Eram feitos de tábuas grossas, com buracos para a cabeça, mãos e pés.
Por causa de alguma transgressão trivial, os escravos ficavam presos ali durante dois ou três

Três tambores acompanhavam a yuka: o caja, o mula e o cachimbo. Ao fondo eles ba- meses. As mulheres grávidas também eram chicoteadas, mas deitadas de rosto para baixo,

tiam com duas varas em troncos ocos de cedro. Os próprios escravos foziam, e acho que se com um buraco no chão para encaixar a barriga. Açoitavam-na com for( a, mas tomavam

H I STÓRIA I LUSTRADA DA ESCftAV I DAO U MA I L H A DOCE


cuidado para niio danificar os bebês. pois queriam quamos deles fosse possível. A punição Já em 1542 havia leis que forçavam os negros a ficar em casa à noite. Patrulhas rurais
mais comum emm as chibatadm; estas emm aplimdas pelo captttaz, com u m chicote de eram criadas para vigiar os escravos fugitivos, e quando a patrulha não conseguia frear
couro cru, que fozia vergões na pelr. Tnmbém havia chicotes ftitos de fibras dr nlguma a onda de fugas, caçadores de escravos profissionais, chamados mncheatÚJres. ofereciam
plttma da jl01·ma, e qur doía como o dinbo f' armnmva a pt'le. Vi muitos negrões bonitos seus serviços. O s açoi tes eram aplicados aos escravos capturados, proporcionalmente
com ttS costas em carne viva. Depois, os Cortés eram cobertos com compressrts dt' folhas ao tempo de ausência. Se os escravos fossem apanhados na companhia de outros fugi-
de tabaco, urina e sal. tivos, eram enforcados. Aqueles que ajudavam os fugiti vos também eram punidos: ne-
gros livres, com a escravidão; brancos, com a deportação das fndias. A morte era o cas-
A crueldade era tão com um nessas propriedades que, nas cidades, se ameaçava tigo para quem mantivesse contato regular com os cimarrones.
vendê-los para as fazendas se saíssem da linha. A vida livre na floresta era uma ten- Mesmo assim, os palenques sobreviveram até terminar a escravidão, no final do sécu-
tação para muitos escravos que não conseguiam ou não queriam se adaptar à fazenda. lo XIX. Os freqüentes ataques por parte de funcionários civis ou soldados do governo
No clima tropical de urna gra nde ilha com grandes áreas desabitadas, não era difícil não conseguiram aniquilá-los. Uma vez a salvo dentro dessas aldeias, o escravo fugitivo
sobreviver. Freqüentemente os escravos desapareciam na floresta - com tanta fre- tinha boas chances de viver o resto de seus dias em liberdade.
qüência, de fato, que os senhores de escravos, carentes de mão-de-obra, facilitavam A fuga não era o único caminho para a liberdade em Cuba. Sob a lei, costume e
as coisas para o fugitivo que m udasse de idéia e voltasse, não precisando temer por tradição espanhola, não era tão difícil para um escravo obter a liberdade, como era
severas punições. na América do Norte. Tanto a lei espanhola como a doutrina católica - segundo a
Bandos de fugitivos (cimarrones) juntavam-se em esconderijos por toda a Cuba e qual rodos os homens eram iguais perante Deus- faci litavam a abertura dos portões
em outras ilhas do Caribe desde o começo do século XVI. Viviam com suas próprias da liberdade. A Igreja Católica Romana e a lei favoreciam a alforria. Incentivava-se
regras e aj udavam os inimigos da Espanha, fossem piratas ou expedições mili tares de o senhor a libertar seu escravo e este a buscar a liberdade. Prova dessa influência pode
pilhagem enviadas pelos impérios rivais. ser vista no tamanho e na importância da população de negros livres em Cuba. Em
Embora o interior das ilhas fosse aos poucos povoado com o passar dos séculos, 1800, havia mais negros livres na ilha do que em rodo o território das Índias
as colônias de escravos fugi tivos sobreviveram. Ocidentais Britânicas.
Eles se embrenhavam nas montanhas ou nas regiões pantanosas e construíam al- A principal fonte de libertação em C uba, afirma o historiador H erbert S. Klein,
deias cercadas por paliçadas, conhecidas como palenques. Eram verdadeiros ímãs que foi "a política de alforria, inspirada na religião". Os escravos e os negros livres eram
atraíam os escravos rurais, ávidos de liberdade. O fugitivo podia estabelecer-se entre bem-vindos na Igreja Católica romana, além de participarem de todos os sacramen-
os cimarrones, plantar sua comida e criar uma família, defender-se com armas. tos, incluindo o matrimônio. Os registros mostram que os escravos se casavam quase
Q uando suas necessidades excediam o que os palenques podiam suprir, ele trocava 0 na mesma proporção dos brancos. (Havia também muitos casamentos entre negros
couro das hordas de gado selvagem por artigos roubados pelos flibusteiros. Ou uti- livres e escravos.) O escravo e seu senhor recebiam igual tratamento da Igreja. Os pa-
lizava o palenque como base para atacar fazendas vizinhas. dres constantemente pressionavam os senhores para fornecer aos escravos roupa e
Os cimarrones tornaram-se uma constante fonte de perturbações para os senhores abrigo decentes. Também insistiam para que os escravos fossem libenados, como um
de escravos e o governo. A Coroa culpava-os de cada problema, desde roubo à rebelião. meio de elevar o prestígio perante os olhos de Deus. A Coroa coop·~rava, permitindo

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~ H ISTO R IA ILUSTRADA D A E SCRAVID AD UMA I l HA DO CE ~
que o proprietário alforriasse seu escravo simplesmente com uma declaração na igre- Logo que começava 0 pagamento das prestações, o escravo desfrutava novas liber-
ja diante de um padre local. dades. Podia até mudar de senhor, se encontrasse outro disposto a comprá-lo em sua
Muito importante foi a polftica cubana de coartación, o direito de um escravo nova posição de coartado. Vinham mais coartados das cidades do que do campo, pois
comprar sua liberdade a prestação. Ele podia pedir que seu preço fosse publicamente era bem mais fácil acumular um pecufium com os salários urbanos de trabalhador
estabelecido por um tribunal. Uma vez definido o valor, o escravo podia pagar em especializado. Mesmo nas fazendas, porém, os escravos podiam obter dinheiro de
prestações. O costume era comum em Cuba. Se o escravo valesse 500 dólares, por sua horta ou das galinhas, porcos e vacas que criavam.
exemplo, ele podia pagar em 20 prestações de 25 dólares. Logo que pagasse a pri- Em qualquer momento, portanto, houve muitos escravos em Cuba vivendo uma
meira prestação, podia sair da casa de _seu dono e continuar pagando o principal vida entre a escravidão e a liberdade. Mas um escravo nem sempre estava ansioso em
mais o juro sobre o restante. À medida que efetuava cada pagamento, estava deven- completar os pagamentos, pois os coartados tinham certas vantagens. Escapavam dos
do aq uela fração de sua liberdade. Depois de pagar 250 dólares, ele devia metade de impostos sobre a propriedade e não eram convocados para o serviço militar.
si próprio. Embora às vezes modificada ou combatida, a coartación durou três séculos, até o
Tal lei e costume davam à escravidão a condição de um contrato entre proprie- fim da escravidão em Cuba. Por volta da década de 1850, estimou-se que a cada ano
tário e escravo. Houvesse ou não um contrato por escrito, o Estado respeitava e 20 mil escravos eram libertados por esse sistema. Assim, a população de negros li-
cumpria. Quase desde o princípio, portanto, a escravid ão cubana, diz o historia- vres aumentava constantemente com a absorção de ex-escravos capazes e ativos.
dor Frank Tannenbaum, A terceira _ e a menos usada - rota para a liberdade entre os escravos era a eman-
cipação por parte do Estado. Em tempos de dificuldades - quando a ilha era ameaça-
deixou de ser "status·; ou "casta'; "lei da natureza" "inferioridade inata'; ou "justo jul- da por invasões de piratas ou tropas estrangei ras -, os escravos eram às vezes armados
gamento e providência da escritura sagrada'; para tomar-se mera questão de quantia dispo- para ajudar na defesa da propriedade e da segurança do senhor ou do Estado. Costu-
nível para a redenção. A escravidão tornara-se uma questão de competência financeira da mava-se oferecer a liberdade em troca de um serviço tão perigoso, liberdade garantida
parte do escravo, epor isso perdeu muito da degradante imputação a eúz associada, peúz quaL pela Coroa e geralmente honrada pelo governo local.
era vista como evidência de inferioridade moraL ou biológica. A escravidão podia ser elimi- Tão fácil era 0 caminho para a liberdade que os historiadores do começo do sé-
nada por um preço fixado, e assim sua nódoa não era nem profunda nem indelével. culo XIX contaram mais homens livres e filhos de homens livres do que escravos nas
colônias espanholas. Em Cuba, entre os anos de 1774 e 1877, pelo menos um de ca-
O que fez esse sistema dar certo em C uba foi uma outra instituição com origem da três negros na população era um liberto. Ao fim desse período, os libertos formavam
nas leis da Roma antiga: aquela q ue dava ao escravo o direito de possuir proprie- 55o/o da população escrava.
dade sua, seu peculium. Como os escravos dos tempos romanos, os cativos cuba- Era difícil a transição da escravidão para a liberdade? Não sob a tradição, a polí-
nos podiam formar seu próprio fundo privado de muitas maneiras. Um escravo tica e a lei das colônias de Espanha e Portugal. Tannenbaum diz:
podia vender produtos de sua horta, ganhar dinheiro nos domingos e feriados,
alugar seus serviços, e guardar o que recebesse acima da quantia fixada para ser Dotar 0 escravo de uma personalidade moral antes da emancipação, antes que atingisse
entregue a seu senhor. uma qualidade legal, tornava a transição da escravidão à liberdade fáci4. e sua incorporação

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~ H tS T O RIA I LUS TRA D A D A ES C RA VIOÁO UMA I L HA DOCE ~
na comunidade livre natural... Nunca houve a questão que agitou as p essoas tanto nflS
fndiflS Ocidentais {Britânicas] quanto nos Estados Unidos - o perigo da emancipação, a
falta de adaptação à liberdade. Nunca houve o espetáculo horrendo, tão freqüentemente
evocado nos Estados Unidos, de admitir um povo moralmente inferior e, portanto, por im-
plicação, biologicamente inferior, em termos de igualdade no corpo social.

Após a alforria, o liberto era realmente livre em C uba. Do ponto de vista legal e
prático, não havia nenhuma classe separada para os ex-escravos. Eles eram livres. Sua
cor e a condição prévia não constituíam barreira para o gozo dos plenos direitos ofe-
recidos a codos os cidadãos. O fato de terem desempenhado todo tipo de trabalho
antes da liberdade- geral mente como trabalhadores especializados ou artesãos- tor-
nava mais fácil para eles continuarem na mesma ocupação de antes, e quase sempre
na mesma loja ou fáb rica. A experiência na indústria dava aos negros cubanos uma
sólida posição na sociedade cubana. Eram parte essencial da vida econômica, tan to
na cidade quanto no campo, e com essa importância vinham os privilégios, que os
libertos norte-americanos rara mente desfrutaram , se é que alguma vez o fizeram .

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H ISTOR I A I LUSTRADA OA E SCRAVIDÃO


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ql( 'l)l lucrativas para a Espanha. Quando desembarcaram , não encontraram um ún ico
sobre o Haiti, descoberto em sua primeira viagem, em 1492. Partindo da sobrevivente do povoado original.
costa de Cuba, ele ancorou numa ilha que os nativos chamavam de Haiti Desde o começo, a nova colônia esteve dividida por causa de brigas internas e
(que significa país montanhoso) e a que ele deu o nome de Hispaniola (a ilha espanho- problemas com os índios. Sendo um explorador, não um administrador, Colombo
la), pois muito se parecia com a Espanha. Seus homens ergueram uma grande cruz num não conseguiu fazer com que seu bando de aventureiros gananciosos derrubasse a
promontório, como sinal de que Suas Majestades de Espanha tinham a posse da ilha, floresta, plantasse e construísse casas necessárias para um assentamento permanen-
"e, especialmente, como sinal de Jesus C risto nosso Salvador, e a glória do cristianismo". te. Estavam sempre atrás de ouro ou caçando os índios.
Com freqüentes desembarques ao longo da costa, Colombo via lugares encantadores, Os espanhóis, escreveu o historiador C. L. R. ]ames, "introduziram o cristianismo,
um após o outro, e pensou em estabelecer uma colônia "como um centro comercial pa- o trabalho forçado nas minas, o assassinato, o estupro, cães de caça, doenças estra-
ra a cristandade e principalmente para a Espanha, que deve dominar a todos". nhas e a fome artificial (com a destruição da lavoura para vencer os rebeldes pela fo-
Para Fernando e Isabel, ele escreveu: me) . Essas e outras exigências da civilização superior reduziram a população nativa,
de estimados meio milhão de habitantes, talvez um milhão, a 60 mil em 15 anos.
Que Vóssas Majestades saibam que Hispaniola, assim como Castela, vos pertence; na- Por volta de 1500, havia meia dúzia de povoados na ilha. As minas tinham sido
da mais é preciso fazer a não ser construir aqui um povoado. (. . .)É muito fácil tratar com abertas e iniciaram-se algumas plantações. O açúcar foi introduzido em 1506 e logo
estas pessoas, e liderá-las; podemos fazê-las plantar e construir cidades, e ensiná-las a usar tornou-se o produto principal.
roupas e adotar nossos costumes. Em 1629, uma companhia de franceses estabeleceu-se em Tortuga, na costa no-
roeste do Haiti. Logo eles se fixaram na ilha principal. Em busca de comida e couro,
Ele deu presentes aos índios amistosos que subiram a bordo de seus navios e rece- eles caçavam as imensas hordas de gado selvagem que percorriam as florestas da re-
beu pão de mandioca e água em troca, além de muitas pequenas pepitas de ouro. gião oeste. Apesar das lutas constantes com os espanhóis, cultivavam cacau, índigo,
Colombo achou que estava perto do lugar onde encontraria o tesouro que procura- algodão, açúcar e café. Em 1695, um tratado entre a Espanha e a França deu aos fran-
va. "Possa o Nosso Senhor, em sua bondade, guiar-me a essa mina de ouro", supli- ceses o direito de permanecer na parte oeste da ilha que tinham ocupado. A terra esta-
cou. Alguns dias depois, sua nau capitânia, a Santa Maria, encalhou e teve de ser va disponível para os muitos produtos que os colonos cultivavam no solo fértil do
abandonada. Os índios ajudaram a descarregá-la, de modo que nada se perdesse. Haiti. Tudo que faltava para gerar grandes lucros era a mão-de-obra.
Sobrou apenas um navio, e como ele não podia levar todos os seus homens nessa em- Como na maioria das colônias caribenhas, os europeus não vieram para se estabe-
barcação, resolveu criar uma colônia na ilha hospitaleira. Trinta homens se oferece- lecer em grande número. Eram marinheiros transitórios, soldados de guarnição dis-
ram como voluntários para ficar, e sua primeira tarefa era descobrir as minas de ouro. persados, alguns fidalgos, padres e funcionários administrativos. Os trabalhadores
Um ano depois, Colombo voltou a Hispaniola com uma grande frota de 17 na- geralmente eram escravos fugidos de galés, fugitivos da justiça, devedores fugindo
vios, trazendo 1.200 pessoas - artesãos, agricultores, padres e soldados -, além de de suas contas, soldados exonerados, desertores, ou homens livres contratados para
animais, sementes e ferramentas para fundar uma colônia. Estavam equipados para um determinado período. Os franceses que se mudaram de Tortuga para o Haiti
produzir sua própria comida e cavar para extrair o ouro que tornaria essas viagens eram liderados por bucaneiros. A porcentagem de mulheres era sempre muito baixa.

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_ H I S TORI A IL USTRADA DA E SCRAVID Ã O
BARRI S D E P0lVO RA
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A maioria dos europeus vinha para a colônia pretendendo ficar pouco tempo. Espe- mais de 600 fazendas de açúcar. E com elas crescia o número de escravos. No come-
ravam enriquecer rapidamente e voltar para a França. ço do século, o tráfico africano supria 2 mil negros por ano. Por volta de 1720, a
Sem dinheiro para pagar a passagem, os servos brancos (chamados engagés) penho- demanda cresceu para 8 mil por ano. Na década de 1760, a importação anual mé-
ravam a si próprios por um prazo de três anos. Durante esse período, eram tratados dia de escravos estava entre I O mil e 15 mil. Em 1786 eram 27 mil, e um ano de-
como escravos, e quando sua prestação de serviço terminava, nada lhes restava a não po is, 40 m il. A maior concentração de negros no Novo Mundo.
ser a força de seus músculos. Alguns brancos vinham para as colônias como escravos Como viviam os escravos do Haiti? Uma vez que o açúcar exigia uma jornada de
de faro, vendidos pelos espanhóis nos primeiros anos, assim como os negros foram trabalho extenuante, os escravos iam para os campos ao nascer do sol e às vezes só
vendidos. Toda vez que faltava mão-de-obra, recorria-se a rodas as fontes possíveis. parava m às dez horas da noite. Assim o viajante suíço Girod-Chantrans descreveu
Na década de 1730, cerca de 500 índios natchez foram trazidos de Louisiana, e mais os escravos que viu trabalhando:
tarde outros índios foram importados do Canadá.
O último grupo de colonos veio da nob reza francesa. Eram plantadores que ten-
tavam reproduzir no Hairi a vida de fidalgo rural que levavam na França. Sua vida
na fazenda era muito diferente da dos mercadores, comerciantes, advogados e fun-
cionários da Coroa que moravam nas cidades. As mesmas diferenças de classe, as
mesmas rivalidades e ódios que separavam as pessoas da cidade dos fidalgos rurais
na França brotaram no Novo Mundo.
Com a mão-de-obra escassa e não-confiável, os escravos foram importados, espe-
cialmente da costa ocidental da África. No começo do século XVIII, a grande mas-
sa da população, não só no Haiti francês, mas também em todas as colônias das
Índias Ocidentais, fossem espanholas, dinamarquesas, holandesas ou inglesas, era de
migrantes da África.
No Haiti, assim como na maioria das colônias, a mão-de-obra escrava torna-
Escravos trabalham na plantação de cana-de-açúcar, 1823. Museu Britânico, Londres
va-se necessária para produzir cana-de-açúcar. Nos vales férteis da ilha, quase
qualquer planta ou árvore tropical podia crescer com sucesso. Nos altiplanos, a Eram cerca de cem homens e mulheres de diftrentes idades, todos ocupados em cavar
maior parte dos legumes, verduras e frutas de climas temperados podia ser culti- fossos num canavial a maioria nua ou coberta de trapos. O soLbrilhava com força totaL
vada. O s plantadores cultivavam café, índigo, tabaco, algodão e cacau. Proporcio- sobre suas cabeças. O suor escorria de todas as partes do corpo. Seus membros, vergados pe-
nalmente a suas dimensões, nenhum país do mundo produzia tanta riqueza Lo calor, fatigados, com o peso da picareta, pela resistência do solo argiloso e suficientemen-

quanto o Haiti. te endurecido para quebrar seus implementos, retesavam-se para superar cada obstáculo.
Logo no começo, o açúcar assumiu a posição de produto mais importante, junta- Reinava um silêncio melancólico. A exaustão estampava-se em cada face, mas a hora do
mente com seus subprodutos, melaço e rum. Em meados do século XVIII, a ilha tinha descanso ainda não chegara. Os olhos impiedosos do administrador patrulhavam o bando,

B ARRIS D E P Ó L VO R A
H I S T Ú R IA I LUSTRADA DA E SC RAVIOÀO
e vários capatazes armados de longos chicotes movimentavam-se periodicamente entre eles, não apenas vivamos em sua sociedade a maior parte do dia, mas também que eles se en-
desferindo golpes pungentes a todos que, esgotados pela fadiga, se sentissem compelidos a des- volvam nos eventos mais insignificantes de noJSa vida diária. Se salmos de casa e vamos
camar- homens ou mulheres, jovens ou crianças. para as oficinas, ainda estamos sujeitos a ma estranha propinqüit:Útde. A isto se acrescente
que nossas conversas dizem respeito quase tão-somente à saúde dos escravos, suas necessi-
Os alojamentos dos escravos eram cabanas de varas trançadas, reboco e telhado de t:Útdes que devem ser atendidas, o modo como devem ser distribuídos pela propriet:Útde, e
colmo, formando um quadrado, algo como um curral aberto. A lei prescrevia um mas tentativm de revolta, e você vai entender que noJSa vida está identificada de tal ma-
nível mínimo de alimento, mas os senhores forneciam arroz ou aveia, arenque, bo- neira com a deJSes infelizes que, no final dm comas, ela é a mesma que a noJSa. E, apesar
lachas e melaço na quantidade que queriam. Para complementar sua precária ração, do prazer que possa advir do domínio qume total que nos é dado exercer sobre eles, quais
os escravos plantavam legumes e verduras, e criavam galinhas nos pequenos lotes de não são os pesares que nos aJSaltam diariamente por causa de noHa incapacidade dl' esta-
terra que lhes eram distribuídos. Vendiam o excedente na cidade para comprar rum belecer contato e correspondência com outras pessoas que não esses infelizes, tão distantes
e tabaco. Nenhuma escola pública foi aberta pelos colonos franceses. Os pobres e os de nós em ponto de vista, costumes e educação.
escravos não sabiam ler e escrever. As línguas africanas, espanhola e francesa mistu-
raram-se, produzindo o patoá crioulo do Haiti. Os filhos mais jovens dos nobres franceses, apêndices da monarquia absoluta, vie-
A ilha montanhosa oferecia um cenário selvagem e magnificente, mas tornava-se ra m para o Haiti como oficiais do exército ou administradores. Ficaram para cons-
monótona aos olhos de quem a contemplava todos os dias. A maioria dos plantado- truir fortunas e fina lmente tornaram-se o centro da sociedade branca. Poucos pude-
res teria preferido ficar na França. Voltavam para casa vários meses por ano, quando ram suportar a depravação da vida de plantador. A maioria passava o tempo com o
podiam, deixando suas propriedades com administradores e capatazes. Se tinham que rum e as concubinas negras.
ficar no Haiti, consideravam o sol escaldante e a umidade do ar insuportáveis. As A prosperidade que brotava do solo do H aiti graças ao trabalho dos escravos trou-
doenças eram comuns. Com tantos escravos para fazer o trabalho, não havia disposi- xe novas riquezas para a burguesia francesa. Como potência imperial, a França não
ção para sair da rede. Qualquer capricho podia ser satisfeito por algum escravo. A gu- era diferente das outras nações - ela acreditava que suas colônias existiam somente
la por comida e por mulheres era sempre saciada. Isolados, desinformados, entediados, para o lucro da pátria mãe. Sob aquilo que os franceses chamavam de Sistema
solitários -a maioria dos plantadores odiava a vida que levava. Ansiavam poder voltar Exclusivo (o nome britânico para isso era Sistema Mercantil), os colonos eram obri-
para a França. Seu estado de ânimo é expresso nesta carta de um plantador haitiano: gados a comprar todos os artigos manufaturados da França. O que eles produziam
tam bém só podia ser vendido para a França. Navios franceses tinham de transpor-
Tenha p iedade de uma existência vivida a duras penas, longe do mundo de nosso pró- tar toda a mercadoria. O açúcar bruto do Haiti tinha de ser refinado em refinarias
prio povo. Somos aqui cinco brancos, meu pai, minha mãe, meus dois irmãos e eu, rodea- fra ncesas. Comida e roupas para os escravos, máquinas para os engenhos de açúcar,
dos por mais de duzentos escravos. Só o número de negros domésticos chega quase a trinta. navios para transportar a carga, tudo era feito na França.
Desde cedo até a noite, para onde quer que olhemos, vemos aquelas faces. Não importa a A cidade de Nantes tornou-se o centro do tráfico de escravos, enviando navios
hora que acordamos, eles estão ao lado da noJSa cama, e o costume que aqui predomina carregados de mercadorias para vender na costa da Guiné e apanhando escravos que
de não se fazer o mínimo movimento sem a ajuda de um desses servos negros foz com que transportava para o Haiti e as outras colônias francesas. Bordeaux prosperava com

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~ H 1ST0RIA ILUSTRADA DA E SC RAVIDÃO
BARR IS DE PÓLVORA __
fábricas que refinavam açúcar, faziam conhaque e forneciam jarras, pratos e garrafas. condenado à prisão, mutilação ou morte sem um julgamento adequado; e limitava as
Marselha tinha quase tantas refinarias de açúcar quanto Bordeaux, e ambas as cida- horas de trabalho entre o alvorecer e o anoitecer.
des construíam os navios de que o comércio colonial precisava. Uma dezena de ou- Q uaisquer que fossem as reformas ordenadas pelo código, na longínqua Paris, po-
tras cidades francesas lucraram consideravelmente com as colônias, e milhões de diam ser facilmente ignoradas por um senhor no Haiti. A dieta do escravo ai nda esta-
franceses passaram a viver melhor por causa delas. va próxima da fome. Freqüentemente eram açoitados até a morte. A partir de regis-
"Quase todas as indústrias que se desenvolveram na França, durante o século XVIII ", tros oficiais nos arquivos coloniais franceses, e de outros documentos, esse quadro de
conta C. L. R. ]ames, "tiveram origem em produtos ou mercadorias destinados à costa brutalidade contra os escravos do Haiti foi assim descrito por C. L. R. ]ames:
da Guiné ou à América. O capital acumulado com o tráfico de escravos agiu como um
fertilizante para elas; embora a burguesia comercializasse outras coisas além de escravos, Não havia engenhosidade que o medo ou uma imaginação depravada pudesse arqui-
todo o resto dependia do sucesso ou fracasso do tráfico [de escravos]". tetar que não fosse utilizada para reprimi-Los e satisfazer a Lasclvia e o ressentimento de
A Fra nça havia do minado o H aiti na época de Luís XIV, quando Jean Baptis te seus proprietários e guardiães- ferros nas mãos e pés, blocos de madeira que os escravos ti-
Colbert tentava a rranca r a camisa de força econômica do a ntigo regime e fazer nham de arrastar atrds de si para onde fossem, a mdscara de lata destinada a impedir que
reformas sociais. A justiça e o comércio foram afetados por uma série de refo r- os escravos comessem a cana-de-açúcar, a coleira de ferro. Interrompia-se o açoite para pas-
mas, assim como a instituição da escravidão. O seu Code Noir de 1685 foi uma sar um pedaço de madeira quente nas nádegas da vitima; sa4 pimenta, cidra, brasas, aloés
lei destinada principalmente, é claro, a garantir a continuidade da escravidão e a e cinzas quente eram derramados nas feridas abertas. Mutilações eram comuns, membros,
prosperidade das fazendas das fndias Ocidentais Francesas. Até certo ponto, o orelhas e às vezes as partes Intimas, para despojá-Los dos prazeres a que podiam entregar-
código limitava o poder dos plantadores sobre os escravos. Estes continuavam sen- se sem despesa. Os senhores derramavam cera quente nos braços e mãos e ombros dos es-
d o bens, tão alienáveis quanto o cavalo ou a casa d o senhor, mas os proprietá rios cravos, despejavam o açúcar de cana fervente sobre suas cabeças, queimavam-nos vivos,
eram instruídos a alimentar seus escravos adequadamente. As crianças não po- assavam-nos em fogo brando, enchiam-nos de pólvora e os explodiam com um fósforo; en-
diam ser vendidas separadas da mãe até atingirem a puberdade. Por algum tempo, terravam-nos até o pescoço e cobriam-lhes a cabeça com açúcar, para que as moscas pudes-
o casamento entre o branco e a escrava que gerasse fi lhos dele era até permitido; sem devorá-Los; prendiam-nos próximo de formigueiros ou de ninhos de vespas; faziam-
a mãe e os filhos então tornavam-se livres. Conseqüentemente, havia muitos mu- nos comer seus próprios excrementos, beber sua urina e lamber a saliva de outros escravos.
latos livres, mas eles eram excluídos do serviço público, e a maioria vivia uma vida
difícil. Alguns foram educados na França, e outros tornaram-se defensores da li- Não se tratava de atos insanos de colonos enlouquecidos, afirma James, mas de
berdade. Mais tarde, porém, a prática de libertar mãe e filho deixou de existir, e "aspectos normais da vida dos escravos". Existiam bons e maus senhores, mas os
os filhos eram escravizados ou vendidos. primeiros não predominavam. De que outro modo explicar o fato de os escravos
Embora liberal em certos aspectos, o código ainda permitia que o senhor batesse do Haiti nunca terem sido capazes de gerar filhos suficientes para substituí-los? A
em seu escravo ou o acorrentasse, e que decidisse se iria marcar a ferro ou amputar vida na ilha matava-os rapidamente. Ficava mais barato para os plantadores fazê-
um membro de um fugitivo capturado; e se um escravo roubasse um branco ou o los trabalhar até morrer, substituindo-os por novos escravos vindos da África, do
atacasse, a pena era a morte. Mas o código também dizia que um escravo não podia ser que os preservar.

H IS T Ó R IA ILU S T RAD A D A E S C RA VIDÃO BARR IS DE Pó LVO R A


Embora a Igreja Católica estivesse presente no H aiti (como esteve no Brasil e em O chefe mais famoso , um negro de uma só mão, vindo da Guiné, chamado
Cuba) , nunca teve uma penetração tão efetiva quamo nas colônias espanholas e por- Mackandal, era muito forte e corajoso, além de excelente orador. Tinha visões do futu-
tuguesas. Não estabeleceu missões, e nem os senhores nem os padres eram zelosos ro que arrebatavam seus seguidores. Convencidos de que ele era imortal, seus discípu-
em doutrinar os escravos na fé. Nem a Igreja Católica nem o Code Noir mostraram- los o serviam com lealdade. Movimentava-se secretamente de um lugar para o outro,
se eficiemes no comrole dos colonos. O açúcar reinava, e a riqueza que ele gerava conquistando prosélitos e espalhando o terror por meio de ataques e envenenamemos.
deixava a Coroa disposta a pegar sua parte do lucro e virar as costas às práticas lo- Todo negro que se recusasse a obedecê-lo era morto. Durame vários anos elaborou seus
cais. Além disso, os plamadores franceses não eram tão sensíveis aos ensinamemos planos, construindo um exército negro que expulsaria os brancos do Haiti. Em 1757,
da Igreja quanto os plantadores brasileiros. Não ofereciam ao escravo nenhuma es- quando se aproximava o dia do ataque, ele foi traído enquanto visitava uma fazenda.

perança de emancipação. Capturado como prisioneiro, foi queimado vivo.


Como, emão, os escravos haitianos sobreviviam num mundo tão severo? Obvia- Não há nenhum registro de qualquer outra tentativa de revolta até o final do
mente, muitos não sobreviviam. Morriam jovens devido ao trabalho excessivo e à século XVIII. (Houve quatro revoltas no século XVI e duas no século XVII.) O s se-
pouca comida. O suicídio era comum, às vezes porque não havia razão para conti- nhores viviam em constante medo de insurreições e tomavam duras medidas para im-
nuar vivendo, às vezes só para contrariar o senhor. Com a morre viriam a liberdade e pedir futu ras revolras. Um plantador escreveu que "uma colônia de escravos é uma
o retorno à terra natal, dizia-lhes sua fé. Muitos, porém, matavam seus senhores em cidade sob constante ameaça de ataque; ali caminha-se sobre barris de pólvora".
vez de se matarem. O veneno era o meio mais comum, eliminando o senhor ou a
senhora da maneira mais inteligente e sutil e proporcionando ao escravo sua vingan-
ça por ter sido tratado como um ~mimai doméstico.
Nem rodos os escravos do Haiti, no entanto, foram vítimas de barbaridades.
As exceções eram os membros de uma casta favorecida e existente em todas as socie-
dades escravocratas- os escravos domésticos, cujo trabalho os ligava intimamente
à família de seu senhor. Viviam comparativamente melhor do que os trabalhado-
res do campo. Comiam as sobras dos alimentos, usavam roupas descartadas, imi-
tavam as maneiras aristocráticas do senhor. Muitos se contaminavam com os vícios
do senhor e da senhora, mas sempre existiram alguns que aproveitaram a oportu-
nidade para adqui rir conhecimentos sobre o mundo exterior e espalhar as semen-
tes da revolta.
Entre aqueles cujo trabalho criou as riquezas do Haiti, havia alguns que se recu-
savam a permanecer escravos e, da mesma maneira, rejeitavam o suicídio como uma
saída. Milhares fugiram para as montanhas e florestas. Juntaram-se a bandos de fugiti-
vos, cujos chefes os lideraram em ataques que partiam das fortalezas nas montanhas.

I ~~~ -~ · I
~ HI STO RIA ILU S TRA DA DA E SC RAVIDÃO
BA R R I S D E POLVORA ~
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A Haiti totalizava cerca de 570 mil habitantes. A imensa maioria - uns 500
mil - era de escravos negros, dois terços nascidos na África. Metade do res-
tante era formada por pessoas livres de sangue mestiço, e a outra metade, por brancos.
A classe média francesa, que enriqueceu com a mão-de-obra escrava no Haiti, foi
a responsável pela revolução. Enquanto os nobres afundavam cada vez mais na degra-
dação, a nova burguesia falava sobre revolução. E, como os ricos de Marselha, Nantes
e Bordeaux, os brancos do Haiti queriam ter voz no governo. Não faziam parte da
nação? E não eram a parte mais produtiva? Os colonos enviaram delegados à
Assembléia Nacional, solicitando a autonomia da ilha. O s plantadores queriam criar
sua própria assembléia e decidir sobre seus próprios impostos, sem a interferência da
Coroa. Em setembro de 1789, a Assembléia Nacional deu aos brancos aquilo que es-
tes queriam - o direito de governar o Haiti com uma assembléia própria.
Os negros e mulatos ricos e livres, alguns educados na França, também buscavam
representação. Fora das cidades do Haiti, os escravos observavam o movimento pela
independência com grande interesse. Logo começaram a bater seus tambores e can -
tar: "Melhor morrer do que permanecer escravo." Os radicais franceses estavam
cientes das estarrecedoras condições sociais no Haiti. Uma sociedade abolicionista,
os Amis des Noirs, propôs direitos políticos para os mulatos e a abolição gradual da
escravidão. Mas quando os proprietários não quiseram dar ouvidos à razão, os mula-
tos e os escravos ergueram a bandeira da revolta.
Havia uma tremenda tensão entre os dois grupos de rebeldes, revelada publica-
mente quando alguns plantadores insistiram para que os mulatos tivessem direitos,
de modo que se unissem com os brancos para refrear os escravos. Os mulatos temiam
que sua posição especial fosse ameaçada se os negros obtivessem os mesmos direitos que
eles exigiam para si próprios.
Em 1791, a Assembléia Nacional estendeu a Declaração dos Direitos Humanos
aos mulatos e negros livres do Haiti - mas não aos escravos. Imediatamente os brancos
exigiram que o decreto fosse retratado, e o governo local cedeu. Os escravos sabiam
que essa não era a revolução deles; teriam que fazer a sua própria. Pegaram em armas

H ISTOR IA I LUSTRAD A DA E SC RAV IOÀO


e proclamaram sua própria liberdade. Em 14 de agosto de I 79 1, o céu iluminou-se pela liberdade exigiria mais do que rebeldes exaltados,
com as chamas que ardiam nos engenhos de açúcar, canaviais e nas casas dos plantado- Toussaint passou a fazer da massa de negros iletrados
res. Escravos corriam para todos os lados, incendiando as propriedades dos senhores. e não-treinados um exército capaz de combater os sol-
Foi a primeira rebelião em tal escala nas fndias Ocidentais. Com seus facões, os escra- dados europeus. Começou com 600 homens escolhidos
vos abatiam homens, mulheres e crianças. Destruíam aquilo que, por séculos, lhes cau- para aprender a arte da guerra ao lado dele, em lutas
sara sofrimento, vingando-se de todos aqueles que os haviam roubado, estuprado, tor- destemidas contra os franceses e os colonos. Seu bando
turado e degradado. Por mais impiedosos que fossem em seu primeiro arrebatamento, logo cresceu em número e qualidade.
n unca se igualaram aos horrores que seus senhores lhes infligiram a sangue frio. No começo do ano de 1794, Belley, um ex-escravo
À medida que o movimento de massa avançava, os negros livres juntaram-se às for- do Haiti que comprara sua liberdade, levantou-se dian-
ças revolucionárias. O mesmo fizeram os mulatos, que antes desprezavam os negros. te da convenção em Paris. e fez um apelo inflamado.
Em algumas semanas, o exército insurgeme contava I 00 mil homens. Em setembro Li berdade e igualdade, parte do lema da Revolução
de 1792, chegaram navios franceses com 6 mil soldados e delegados representando Francesa, significavam bem mais para os negros do
Anne Louis Girodet. Jean-
a autoridade francesa. As condições tornaram-se tão perigosas para os brancos que que para os franceses, disse o representante, mas a re- Baptiste Belley. 1797. Ex-escravo
que comprara sua liberdade era
1O mil deles foram para os Estados Unidos. Grã-Bretanha e Espanha, em guerra com volução não dera nenhuma atenção aos negros escra-
o representante do Haiti na
a França e ávidas por riquezas coloniais, enviaram grandes expedições ao Haiti. vizados. Esse mal devia ser reparado. Belley prometeu Convenção Nacional em Paris,

Um mês depois de começada a insurreição dos escravos, Toussaint L'Ouverrure a lealdade dos negros à causa da revolução e pediu à em 1794. The Menil Collecti on

juntou-se à revolução. Era um homem de 45 anos, cabelos grisalhos, "muito peque- convenção que abolisse a escravidão. A Assembléia ficou de pé e os aplausos res-
no, feio e deformado", com "olhos que pareciam feitos de aço" e uma personalidade soaram em todo o recinto. Em 4 de fevereiro , veio o d ecreto oficial:
que lhe dava grande autoridade e prestígio entre os negros. Seu pai tinha sido filho
de um pequeno chefe de clã na África. Toussaint, o mais velho de oito filhos, foi A Convenção Nacional declara abolida a escravidão em todas as colônias.
capturado na guerra e vendido a um plantador haitiano. Batizado como católico, Conseqüentemente, declara que todos os homens, sem distinção de cor, domiciliados nas
tornou-se o favorito de seu bondoso senhor, homem de extraordinária inteligência. colônias, são cidadãos franceses e gozam de todos os direitos assegurados pela Constituição.
Incentivado por este, Toussaint leu sobre história, política e ciência militar e apren-
deu alguma coisa de economia e negócios coloniais. O senhor fez dele seu cocheiro Anos de discussões e trapalhadas chegavam ao fim. D esde 1789, aqueles que pro-
e depois administrador de toda a criação da fazenda, posição geralmente ocupada punham a abolição gradual da escravidão eram tratados como se fossem lunáticos.
por um branco. As responsabilidades assumidas por Toussaint desenvolveram-lhe o Não foi a abolição, mas a falta dela que causou um banho de sangue no Haiti.
talento para a administração, levando-o freqüentemente para a vizinha Le Cap, on- Ratificado o decreto abolicionista, Toussaint estava pronto para juntar-se aos france-
de aprendeu muito sobre o mundo em geral. ses, assumindo o cargo de comandante-geral das tropas da colônia. Isso significava que
Em Toussaint, o Haiti encontrara seu Espártaco. Ascendendo rapidamente, ele sua autoridade estendia-se até mesmo sobre os plantadores brancos. Foi a primeira vez
tornou-se o gênio organizador da revolução. Sabendo que uma luta bem-sucedida que um homem negro conquistara o poder numa colônia européia.

H I STO R I A ILU ST RADA D A E SCRAVIDÃO A EXPLOSÃO


Assinando a Paz de Basiléia em 1795, os espanhóis cediam São Domingos à cul tivassem pequenos lotes, produzindo apenas o suficiente para satisfazer às próprias
França e retiravam suas forças do H aiti. As forças britânicas conseguiram permane- necessidades. Os brancos podiam não ser confiáveis, mas sua habilidade e experiên-
cer até Toussaint expulsá-las, em 1798. Perderam cerca de 40 mil homens em com- cia eram necessárias. Para certificar-se de que os ex-escravos voltassem ao trabalho, ele
bate e para a febre amarela. Em 1801 , Toussaint havia restaurado a ordem, conquis- os man teve vi nculados às antigas fazendas durante cinco anos, prometendo-lhes o
tado a confiança de negros, mulatos e brancos e se tornado o chefe de roda a ilha, sustento e mais um quarto do que p roduzissem. Reduzi u-lhes as horas de trabalho e
governando como governador-geral, com a aprovação da França. garantiu que nenhum empregador ousaria chicotear seus trabalhadores novam ente.
Ele seria leal à pátria mãe enquanto ela permanecesse leal aos negros. O primei- Os plantadores que não obedecessem sabiam que a propriedade seria confiscada. Em
ro compromisso de Toussaint era com a causa de seu próprio povo. Ele planejava 18 meses, ele conseguiu quase um milagre - dois terços da terra cultivada no antigo
uni-lo num programa que transformaria o H aiti numa sociedade saudável, baseada regime foram reativados para o plantio.
no trabalho livre e numa agricultu ra próspera. Seguindo sua orientação e exemplo, os antigos escravos rapidamente ganharam
Parecia uma meta impossível para uma sociedade tão desorganizada. Os longos confiança e demonstraram grande iniciativa. Sabiam de sua força; tinham derrota-
anos de guerra arruinaram o que foi outrora a mais rica colônia do mundo. Um ter- do espanhó is e ingleses e conquistado a liberdade aos brancos. Tornaram-se deputa-
ço dos escravos havia morrido. Cerca de 1O mil negros livres e mulatos pereceram. dos, diplomatas, oficiais do exército, líderes do governo. Toussaint, outrora um es-
Restaram apenas 1O mil brancos - os outros tinham sido mortos ou emigraram. cravo cocheiro, agora era uma importante figura no cenário internacional. A pele
Centenas de fazendas foram destruídas. A violência, sempre latente numa sociedade negra deixava de ser sinal de vergonha.
escravocrata, explodi ra em revolta e guerra, e o povo estava impregnado dela. Mas as coisas não continuaram assim por muito tempo. O s plantadores brancos,
Toussaint recorreu à ditadura militar como a única man eira possível de trazer disci- sabendo que estavam seguros no regime de Toussaint, acatavam as regras, mas não
plina e ordem a uma nova sociedade que ainda lutava para sobreviver à sua infância. desenvolveram nenhuma simpatia pelos ex-escravos. Aqueles que agora eram livres
Toussaint demonstrou sabedo ria e intuição , que davam esperança de sucesso. Seu sentiam, por sua vez, que Toussaint estava sendo muito tolerante com seus velhos
poder tinha raízes profundas na massa negra. Deles e do exército exigia obediência inimigos. Temiam uma contra-revolução que lhes roubasse a liberdade. O erro de
inquestionável. O exército permaneceu formado predominantemente de negros e Toussaint, acredita C. L. R. Jam es, foi não confiar em seu próprio povo. Ele sabia o
ex-escravos. Seus auxiliares eram negros, mas ele utilizava muitos brancos como con- que estava fazendo e para aonde estava indo, mas não parou para explicar ao povo.
selheiros pessoais. Tinha como certo o seu apoio.
Para administrar a ilha, Toussaint dividiu-a em seis províncias. C om enorme ener- O s brancos locais nunca preocuparam Toussaint. Seu temor era a França. O
gia, passou a criar tribunais, reviu impostos e as finanças, criou escolas, construiu no- que faria Napoleão, agora ditador? As brilhantes conquistas de Toussaint deixa-
vos edifícios e incentivou a prática do catolicismo e a expansão da vida familiar. vam-no irritado. Sua inten ção era tomar de volta o Haiti d os negros, e Toussaint
A agricultura era o grande desafio. Toussaint incentivava os plantadores a come- sabia disso.
çar novamente a produzir em suas antigas propriedades, garantindo-lhes proteção Preparando-se, Toussaint importou armas, distribuiu-as entre os trabalhadores ne-
pessoal e à terra contra ex-escravos, que os matariam tão logo suspeitassem de trai- gros e deu treinamento militar a todo homem saudável. Para que a França soubesse
ção. Ele não queria fragmentar as grandes propriedades, pois temia que os negros como estavam as coisas, redigiu uma Constituição para o H aiti. Nela, a escravidão e

H ISTORIA ILUSTRADA DA E SCRAVIDÃO A EXPLOSÃO


a segregação racial eram abolidas para sempre, a Igreja Católica subordinava-se ao
Estado e roda auroridade concentrava-se nas mãos de Toussaint como governador
vitalício, incluindo o poder de nomear seu sucessor. A Constituição, publicada em
julho de 180 I , tornava o H ai ti praticamente independente da França, permitindo
por parte desta aconselhamento e auxílio, mas nenhum poder.
Napoleão, com ódio aos negros e ávido por recuperar os grandes lucros que a an-
tiga colônia acumulara, for mulou planos para destru ir Toussainr. A C onstituição
deu-lhe a justificativa. Acusou Toussaint de se vender para os bri tânicos e passou a
se referir a ele desdenhosamente como "um escravo rebelde". Mas ele não subestima-
va a força de Toussai nt. Designou o general Victor Leclerc, seu cunhado, para coman-
dar um efetivo de 20 mil soldados veteranos numa expedição ao Haiti. Seria a maior
que já havia sido enviada da Europa para a América até aquele momento.
E nqua nto Napoleão organizava a invasão, aumentavam os problemas domésti -
cos de Toussaint. Explodia no norte uma ampla revolta co ntra ele, liderada por
antigos revolucionários negros q ue rejeitavam a política de trabalhar para os se-
nhores brancos. Segui ram Toussaint enquanto acreditaram que seu objetivo era o
mesmo que o deles - total libertação da antiga degradação. Mas ele devolvera as
propriedades aos brancos e, pior ainda, permitiu que continuassem com seus pri-
vilégios. Ex-escravos n ão aceitavam que Toussaint acreditasse que esses b rancos
tinham aquilo de que o Haiti p recisava, e ele achava q ue semp re poderia contro-
lá-los. Toussaint foi rápido em esmagar a revolta e impiedoso com qualquer tra-
balhador negro suspeito de apoiá-la.
Em janeiro de 1802, Leclerc chegou com seu exército, posando de protetor da li-
berdade dos haitianos e restaurador da paz. Nas mãos de Toussaint foi colocada uma
carta de Napoleão, exortando-o a "ajudar o general Leclerc com seus conselhos, ta-
lento e influência. Q ual o seu desejo? A liberdade para os negros? Você sabe que em
todos os países onde estivemos, concedemo-la ao povo que não a tinhà'. Secretamen-
te, porém, Napoleão instruíra Leclerc a livrar-se de Toussaint e dos outros "líderes ban-
didos", como os chamava, e desarmar a população. E a Leclerc ele deu a autoridade
para restaurar a escravidão.

H rSTOFIIA ILUSTRADA DA ESCRAVIDÃO


A luta começou imediatamente. Os soldados de Napoleão sofreram mais danos
por parte dos ex-escravos do que jamais haviam sofrido na Europa. A ilha estava ba-
nhada em sangue. No auge da matança surgia a febre amarela. Leclerc implorava a
Napoleão mais soldados. Quando a força se mostrou incapaz de esmagar a "barata",
como dizia Napoleão, tentou-se a diplomacia. Leclerc negociou separadamente com
os generais de Toussaint, prometendo-lhes tudo que quisessem, e isolou-os um por
um . Finalmente, Toussaint não teve escolha a não ser aceitar uma oferta de paz.
Anunciou seu afastamento da vida pública, disse adeus aos soldados e foi para casa
cuidar de suas fazendas. Temendo que Toussaint liderasse outra revolta, Leclerc rap-
tou-o, enviando-o para a França, onde Napoleão o prendeu numa masmorra, com
instruções para que morresse de maus-tratos, frio e fome. Toussaint morreu no dia
7 de abril de 1803. Apenas sete meses depois, Napoleão desistiu da tentativa de res-
taurar a escravidão no Haiti. Toussaint vencera finalmente. Os franceses recuaram,
deixando 60 mil soldados e marinheiros mortos na ilha. No último dia do ano de
1803, o Haití proclamou formalmente sua independência.
As guerras distantes no Haiti mostraram sua futilidade a Napoleão. Ele desistiu do
sonho de reconstruir o império francês no Novo Mundo, e depois de ter abandona-
do o Haíti, vendeu a Louisiana para os Estados Unidos. Sofreu sua derrota final em
Waterloo, na Bélgica. Quando foi sua vez de tornar-se prisioneiro, aguardando a
morte em Santa Helena, perguntaram ao imperador branco sobre o tratamento da-
do a Toussaím I..:Ouverture. "Como poderia me interessar a morte de um mísero ne-
gro?", respondeu.

HISTORIA IL US TR AD A DA E SC RAVIDÃ O
Não potkmos nos esqueur de que a América foi constm ida sobre a Ajrica. Acima deles havia fidalgos, home ns de negócio e funcionários públicos, que vie-
De um mero entreposto entre a Europa e a Asia ou um fortuito depósito de ouro, ram para dominar a terra e fazer fortuna.
a América tomou-se, graças à mão-de-obra africana, o cmtm do império do açü- Mas era preciso trabal har duro para fazer com que a Virgínia produzisse rique-
car e do reino do algodão, além de parte integrante dos negócios internacionais que zas. Eram necessários muitos braços a mais para derrubar as florestas, arrancar os
gerarttm a revolução industrial e o domínio do capitalismo. tocos de árvore, arar a terra, construir casas. Os servos contratados faziam esse tra-
balho. Vinham da Inglaterra- trabalhadores do campo desempregados, crimino-
W E. B. DuBois sos condenados, prostitutas, prisioneiros capturados em guerras contra irlandeses e
escoceses, homens seqüestrados e forçados a entrar nos navios. (Em um ano, um
\\"0\ C \RRI"C \[)()<..; DI" I <..;CP \\'0\ )0 C0\11 ( -\R·\\1 \ homem chamado William Thiene pegou 840 pessoas. Esses agentes tornaram-se tão

N chegar às colônias inglesas da América do Norte na última parte do sé-


culo XVII. Muito antes, porém, escravos negros foram trazidos do Haiti
para o que pode ter sido a Virgínia. Em 1526, o espanhol Lucas Vasquez de Ayllon
comu ns na Inglaterra quanto suas conrrapartes na costa africana.)
Homens, mulheres e crianças eram vendid os como servos, às vezes para roda a
vida, se fossem rebeldes ou criminosos. Os navios que carregavam servos contra-
veio para fundar uma colônia com 500 brancos e I 00 escravos. Quando a febre ma- tados muitas vezes não eram melhores do que os navios negreiros. Alguns perdiam
tou o líder, alguns meses depois, os escravos se revoltaram e os colonos sobreviventes dois terços ou mais de carga de brancos na difícil travessia. No Novo Mundo, os
regressaram ao Haiti. servos contratados viviam em condições não muito melhores do que a dos escravos.
O povoado espanhol em St. Augustine, Flórida, utilizou escravos desde a sua Não recebiam salários. A compensação vin ha na forma de abrigo e alimentação,
fundação, em 1565. Mas a primeira colônia inglesa a receber negros foi Jamesrown, uma chance para aprender um ofício e, no fi nal do serviço, talvez roupas, ferra-
Virgínia. Ali aportou um navio de guerra holandês, sem nome, com um carrega- mentas ou a concessão de terras do governo. O senhor estabelecia as horas e con-
mento de "20 negros", provavelmente seqüestrados de um navio mercante espanhol dições de trabalho, além de determinar as punições por desobediência.
no Caribe. O governador da colônia comprou os negros do capitão holandês em O período colonial foi brutal. Maus-tratos físicos, agressões, marcação a ferro
troca de comida. ou acorrentamento não eram incomuns. A fuga acarretava chicotadas e a dupli-
Tecnicamente, os primeiros negros em Jamestown não eram escravos. A escra- cação ou triplicação do período de serviço. Alguns senhores tratavam seus traba-
vidão e o sistema de plantations ou fazendas ainda não existiam na Virgínia. Nem lhadores contratados de forma tão selvagem que se aprovavam leis para refrear os
tampouco os ingleses possuíam uma frota de navios negreiros ou forres na África. piores excessos. Se alguma coisa tornava mais branda a sina dos servos brancos
Não foi a transação em Jamestown que deu início ao tráfico de escravos, pois o contratados, talvez fosse a ausência de racismo e o conhecimento de que o servo
padrão de trabalho na colônia ainda contava com servos contratados. Provavel- logo estaria livre.
mente, metade dos imigrantes brancos que vieram nos primeiros anos da colônia Quando seu contrato terminava, esses servos geralmente mudavam-se para pe-
estava vinculada a seus senhores por períodos de 2 a 14 anos (e alguns para a vi- quenas fazendas d a fronteira. Por volta d e 1700, a pop ulação da Vi rgínia era de
da inteira). Os primeiros colonos que se fixaram na costa da América do Norte 70 mil habitantes, a maioria agricultores brancos pobres, alguns poucos donos de gran-
pertenciam, na maior parte, à classe dos artesãos e à população rural mais pobre. des propriedades.

345
H ISTORIA IlUSTRADA DA E SCRAVI DÃO (ONST RU IOA SO BR E OS OMB ROS D A Á F R IC A
Durante os primeiros 50 anos da colônia, os negros começaram a chegar aos pou-
cos. Como eram tratados não está claro ainda hoje. Não eram totalmente livres,
nem tam pouco os servos brancos contratados. Desde o começo, no entan to, são dis-
criminados nos registros como "negros". Os primeiros sinais da escravidão aparecem
em documentos da Virgínia por volta de 1640. Um servo negro fugitivo é condena-
do a prestar serviços a vida toda, punição que nenhum branco fugitivo jamais rece-
bia. E os negros estão sendo vend idos "para sempre", incluindo os futuros filhos.
Assim, a servidão hereditária, válida para a vida inteira - a essência da escravidão -,
penetrou aos poucos na legislação. Por volta de 1660, constava nos estatutos de
Virgínia e Maryland.
Logo depois, em 1672, Carlos II concedeu uma patente à Royal African Com-
pany para organizar o tráfico inglês de escravos. A intenção era ser um monopó-
lio, mas concorrentes franceses e holandeses entraram no meio, o mesmo fazendo
mercadores britânicos e norte-americanos que importavam escravos da costa da
Guiné por conta própria.
À medida que se aproximava o final do século, os negros começaram a chegar
em grande número às colônias do sul. O clima e a fertilidade do sol tornaram pos-
sível a produção agrícola comercial em grande escala: tabaco na Virgínia e na Ca-
rolina do Norte, índigo e arroz na Carolina do Sul e Geórgia. A mão-de-obra bran-
ca podia dar conta do trabalho, mas nenhum homem livre queria fazê-lo. Servos
contratados eram obrigados a trabalhar apenas por um tempo limitado, e alguns
fugiam para a fronteira antes mesmo de terminar o contrato. Os plantadores vol-
taram-se inevitavelmente para o trabalho forçado, barato, totalmente controlado e
cativo a vida toda. Na África encontraram o que queriam. No começo do século
XVIII - e por mais 150 anos - , a escravidão negra foi o fundamento sobre o qual
os fazendeiros do sul e os mercadores do norte construíram sua riqueza.
Q uando os holandeses colonizaram a Nova Holanda (New Netherland), também
tiveram dificuldades devido à sensível falta de mão-de-obra para a lavoura. Os pou-
cos servos trazidos pela Companhia das Índias Ocidentais holandesa paravam de
cultivar tão logo podiam, na esperança de enriquecerem com o comércio de peles.

HI STO RIA ILUSTRADA DA ESCRAVIOAO


A maioria dos holandeses não vinha para ficar, mas para acumular fortunas e voltar Os escravos, é claro, preferiam um sistema q ue era melho r do que a escravidão
para casa. Em 1626, a companhia desembarcava escravos na ilha de Manhattan para to tal, embora constantemente se queixassem de que não podiam trans mi ti r o sta-
trabalhar nas fazendas, projetos públicos e fortes. Com os escravos, a colônia instável tus aos fi lhos. Os colo nos holandeses juntaram-se aos negros nessas reivi ndicações,
obtinha alguma estabilidade. A maior parte dos escravos vi nha de C uraçao, o centro sinal de que estavam dispostos a promover o crescimento de u ma população ne-
de atividades comerciais holandês nas fndias Ocidentais. Diferentemente dos escravos gra livre. A raça, no entan to, era associada à escravidão, e os negros livres que não
vindos direto da África, que eram mais diRceis de controlar, esses escravos das fazen- dessem p rova de seu status corriam o risco de ser escravizados.
das da ilha estavam "abrandados" - domados por um processo brutal. Os holandeses não estavam preocupados com u m código rígido para os escra-
Com a mão-de-o bra escrava disponível, a lavo ura expandiu-se, es pecialmente vos, talvez po rque a escravidão tinha sido extinra no norte da Europa qua ndo foi
no vale do Hudson. A colônia prosperou tão rápido que a demanda por escravos fu ndada a Nova H olanda. Os colonos vieram para a colônia sem precedentes pa-
exced eu o suprimento. Os preços subiram até 600% entre 1640 e 1664 (quando ra o rientá-los, portanto imp rovisavam enquan to prosseguiam. Os tribunais davam
os ingleses ass umiram o controle da colônia e passaram a chamá-la de Nova Yo rk). aos escravos os mesmos d ireitos dos brancos. O tratamen to a eles concedido era
Sob o d o mínio dos ho landeses, diz o historiad or Edward ]. M cM anus, a escravi- relativamente humano, se o fato de não terem ocorrido conspirações ou revoltas po-
d ão não foi tão severa como nas outras colônias: de ser tomado como evidência. Os escravos até ajudava m a defender os povoados
holandeses contra os índios, e às vezes eram usados pelos p ro prietários de terra, os
Os pragmáticos holandeses viam a escravidão como um expediente econômico; nunca a patroons, contra-arrendatári os brancos rebeldes.
trataram como equivalente a uma organização social ou a controle racial. Nem a Compa- Apesar de sua condição ser relativamente livre de brutalidades, os negros não se
nhia das fndias Ocidentais nem os colonos defendiam as capciosas teorias da inferioridade resignava m à escravidão. Muitos fugi am , e os holandeses multavam quem desse
do negro, utilizadas em outros Lugares para justificar o sistema. j amais foi feita qualquer ab rigo ou alimento a um fugitivo. As colônias inglesas vizinhas incentivavam os
tentativa de tratar negros Livres diferentemente da população branca. (...) A raça como ins- escravos a fugir e geralmente lhes davam as ilo. O s próprios colo nos holandeses
trumento de opressão social simplesmente nunca existiu na Nova Holanda. costumavam correr o risco da punição para ajudar os fugitivos, sinal de que a mora-
lidade da escravidão incomodava muita gente mesmo nos primeiros anos.
Senhor e escravo nesse sistema trabalhavam nas mesmas tarefas e viviam nas Sob o controle dos ingleses, a escravidão em Nova York aumentava à medida que
mesmas casas. N ão havia nenhum código formal para os escravos. Nenhuma lei a Royal African C ompany desenvolvia esse novo mercado para suas valiosas cargas.
controlava os movimentos do escravo ou regulamentava seu caminho para a liber- Leis aprovadas em 1665 e 1684 tornavam a escravidão uma instituição legal na co-
dade. Um sistema de "semiliberdade" foi desenvolvido pela C ompanhia das Índias lônia. Uma alta de preço no varejo de I 00% fazia da escravidão um comércio por de-
Ocidentais, a maior proprietária de escravos, como recompensa para escravos de mais lucrativo para que um homem de negócios pudesse resistir. Corretores, comer-
mérito ou com um longo tempo de serviço. Aqueles aos quais se concedia a "semili- ciantes varejistas, advogados e escrivães, todos participavam . Ninguém questionava a
berdade" possuíam salvo-condutos que certificavam sua plena liberdade pessoal. moralidade do tráfico; as mais respeitáveis famílias de Nova York, tais como os
Em troca, eles davam um tributo anual à companhia (trigo ou um porco, por exem- Livingstons e os Ludlows, atuavam na importação de escravos. Quase todos os dias,
plo) e a promessa de executar trabalho em certas ocasiões. o martelo do leiloeiro rematava barganhas de corpos humanos no Merchant's Coffee

HISTO R IA ILUSTRADA DA E SC RAVIDÃO (ONST RU lDA SO BRE OS OMBR OS DA ÁFRI CA


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House, no Meal Market ou no Fly Market. O famigerado capitão Kidd transporta- com a contratação de escravos por dia, mês ou ano. Assim, até mesmo os agricul-
va escravos até Nova York, e outro bando de piratas entregava um lote de negros ao tores contratavam escravos para atender às necessidades sazonais. Quem não pos-
senhor de Philipse Manor em 1698. suía escravos podia ignorar os trabalhadores livres em favor dos negros cativos,
Depois de 1750, a demanda tornou-se tão grande que os escravos vindos da que lhes custavam menos d a metade dos trabalhadores brancos e mostravam-se
África eram vendidos tão logo colocavam os pés nos cais da cidade. Todos que ti- rão eficientes e produtivos quanto estes.
nham amor ao lucro participavam do tráfico. Depois que os holandeses passaram sua colônia para os ingleses, a sorte de um
Marinheiros comuns eram atraídos para juntar-se às tripulações de navios com escravo já não era tão boa. Mas comparada ao modo como geralmente se tratava a
destino à África, com a promessa de que poderiam ficar com um ou dois escravos mão-de-obra, não era tão ruim quanto nas colônias do sul. O código legal desen-
para vender. Quando se taxou a importação de escravos para aumentar a renda da volvido na costa leste da América indica não só como os escravos eram regulamen-
colônia, os comerciantes de categoria mais alta não hesitaram em contornar o impos- tados, mas as tentativas feiras para protegê-los contra punições cruéis e insólitas.
to, contrabandeando escravos para Nova York. Como acontecia em coda parte nas colônias, o status de um escravo dependia do de
A escravidão foi bem-sucedida em Nova York porque atendia à necessidade da sua mãe: o filho de um escravo com uma mulher livre era livre; o de um homem
colônia por mão-de-obra. Não se fez muito esforço para trazer servos contratados. livre com uma escrava não era. O s negros, enquanto uma classe, eram presumida-
Os trabalhadores livres que imigraram queriam ser agricultores independentes, co- mente escravos. A um negro livre reivindicado como escravo cabia o ônus de ter
merciantes ou artesãos, portanto havia uma fone demanda por escravos jovens e for- de provar sua liberdade.
tes para ajudar na lavoura, no lar ou na oficina. A maioria dos senhores de escravos Numa população de escravos tão especializados, a eficiência do trabalho depen-
possuía um ou dois cativos. Apenas sete em roda a província tinham dez ou mais. dia de como era a relação entre senhor e escravo. Apenas a força não produziria
Alguns grandes proprietários de terra, como os Van Planck, os Philipse ou os Morris, uma boa execução do trabalho. Em Nova York e nas demais colônias do norte, os
possuíam de 25 a 60 escravos. Essa aristocracia rural queria escravos não só para fa- escravos beneficiavam-se de concessões feitas para obter sua cooperação. Escravos
zer o trabalho, mas como um testemunho de sua posição social. especializados às vezes demonstravam poder de barganha suficiente para interrom-
Com a maioria dos senhores, os escravos tinham que ganhar seu sustento. per um leilão e declarar que não trabalhariam para nenhum dos arrematantes. Seu
Aprendiam a fazer tudo de que a cidade ou o campo precisavam. Eram curtidores valor como trabalhadores especializados geralmente lhes rendia alimentação, rou-
de couro e alfaiates, tanoeiros e carpinteiros, moleiros e pedreiros, ferreiros, tece- pas e cuidados médicos adequados. Muitos escravos tinham permissão para adqui-
lões, ourives, sapateiros, vidraceiros, veleiros, faziam escovas e velas. Tão habilidosos rir propriedade privada, da qual poderiam dispor da maneira que quisessem.
quanto os melhores artesãos brancos, geralmente eles tornavam-se temíveis con- Nenhuma lei os protegia nisso, mas o costume honrava a prática. Alguns escravos
correntes dos trabalhadores livres, pois a escravidão solapava a escala de remune- economizavam o suficiente para comprar sua própria liberdade. Para compensar as
rações e os padrões sociais desses trabalhadores. Em 1737, os tanoeiros de Nova privações da vida diária, outros gastavam o que ganhavam com roupas ou prazeres.
York pediram à Assembléia que proibisse "o pernicioso costume de adestrar escravos Regulamentos públicos e controles particulare~ operavam juntos para discipli-
em ofícios, o que reduz honestos e diligentes comerciantes à pobreza por falta de nar aqueles cativos que odiavam a escravidão e sentiam não haver nenhuma razão
ocupação". A Assembléia ignorou o apelo. A concorrência tornou-se ainda pior para conformar-se à lei do senhor. De um modo geral, a rebelião contra o cativeiro

HI STORIA I LUSTRADA DA E SCRAVIOÁO (ONSlRUIOA SOBRE OS OM B ROS DA Á FRIC A


não se expressava aberramente, mas a resistência era um poderoso movimento que o proprietário o reivindicasse. Ao reclamante bastava di zer que o negro encarcera-
corria abaixo da superfície da vida diária. Os escravos simulavam doenças ou es- do era seu escravo e pagar ao xerife as custas para resgatar o homem. Se ninguém
tupidez, vadiavam no trabalho, roubavam sistematicamente para obter o que lhe o reclamasse e o negro não tivesse dinheiro, poderia ser vendido como escravo para
• pagar as custas de sua detenção.
era devido , mas negado, incendiavam a propriedade e perrurbavam os brancos
com insolência, bebedeiras ou desordens. Os senhores interessados em obter o máximo de seus escravos sabiam que o me-
A cidade de Nova York tentava reprimir esse mau comportamento, proibindo lhor incentivo era a promessa de alforria. Os escravos eram às vezes libertados por
a presença de escravos adultos à noite nas ruas, impedindo-os de jogar, juntarem-se testamento, como recompensa por serviços prestados, mas a maior parte das alforrias
em multidão ou beber nas tavernas. Mas tais controles eram precariamente apli- em Nova York resultava do poder de barganha do escravo. Um escravo especiali-
cados. Cativos que não mais podiam suporrar sua condição fugiam ou participa- zado era altamente valorizado. Se o seu senhor não fosse naturalmente generoso,
vam de conspirações para revolta. o escravo fingia estar doente o tempo suficiente para fazer um acordo, garantindo-
Em 17 12, 27 escravos armados começaram uma insurreição matando nove lhe a liberdade por um determinado prazo. Em outras palavras, era uma operação
brancos e ferindo vários outros. Fugiram para a fl oresta e foram capturados pela tartaruga ou greve. Para muitos não se fazia necessário tal recurso - bastava a
milícia. Todos, exceto seis (que cometeram suicídio) foram executados. O medo da ameaça. A maioria dos senhores sabia que um bom serviço estava vi nculad o à es-
revolta intensificou-se de tal modo no início do século XV1 11 que, em 174 1, quan- perança de liberdade. Alguns escravos compravam seus títulos de liberdade com o
do uma serva contratada, de nome Mary Burron, acusou três escravos de tramarem que economizavam alugando seu próprio tempo. A compra era facilitada por se-
incendiar a cidade e matar todos os brancos, a cidade explodiu em histeria. Os no- nhores que concordavam em aceitar pagamento a prestação. (A liberdade a presta-
va-iorquinos convenceram-se de que um monstruoso complô de negros os amea- ção teve muitos paralelos na história da escravidão. Ver as referências ao peculium
çava com morte súbita e horrível. Houve julgam entos para 154 negros e 25 brancos no primeiro volume deste livro - Escravidão: Das Origens da Civilização Ocidental
foram acusados como cúmplices. Embora os depoimentos estivessem cheios de falhas ao Renascimento.)
e "confissões" obviamente falsas, 1O1 negros foram condenados: 18 enforcados, 13 Havia, no entanto, senhores que passaram a acreditar que a escravidão era al-
queimados vivos e 70 exilados. Dois homens e duas mulheres brancos foram tam- go errado. Emanciparam seus escravos para cumprir a vontade de D eus ou para
bém enforcados. Essa foi a última grande convulsão social do período colonial de servir à causa da humanidade. Uma lei de 17 17 exigia dos proprietários que li-
Nova York. bertavam seus escravos o envio, pelo correio, de um pequeno bônus, para garan-
Mas o problema das fugas nunca deixou de atormentar os proprietários de es- tir q ue os libertos não se tornassem fardos públicos. Alguns proprietários davam
cravos. Não há como saber exatamente quantos conseguiram ganhar a liberdade. a seus ex-escravos roupas, um pedaço de terra ou uma anuidade para ajudá-los na
D eve ter sido um número considerável, a julgar pelos freqüentes anúncios nos jor- doença ou na velhice. Outros, menos bondosos, faziam seus escravos pagarem
nais apelando para que os fugitivos voltassem para "casa" e fossem perdoados. O um imposto à propriedade do ex-senhor como condição para a alforria. Se o es-
fugitivo corria grandes riscos, pois qualquer negro podia ser preso por suspeita e cravo liberto deixasse de cumprir a obrigação, 'voltava à escravidão. Não impor-
ficar detido sem qualquer justificativa. Cabia a ele provar que não era escravo. Um tavam as condições da emancipação - é improvável que algum escravo rejeitasse
negro detido sob suspeita ficava encarcerado enquanto a imprensa solicitava que a chance de ser livre.

H ISTORIA ILUSTRADA DA E SCRAVIOÁO (ONSTRUIOA SOBRE OS OMBROS DA ÁFRI CA


Depois de Nova York, Nova Jersey tinha a maior população escrava das colô-
nias centrais. Os escravos de Nova Jersey trabalhavam na lavoura, madeiragem,
mineração e no comércio marítimo. Por volta de 1790, havia uns I I mil escravos
e 3 mil negros livres. Na colônia vizi nha de W illiam Penn , a população negra cres-
cia lentamente, em parte porque os quacres desaprovavam a escravidão em bases mo-
rais e éticas, em parre porque os trabalhadores brancos se op unham à concorrência.
Para os agricultores holandeses, suecos e alem ães dessas colônias centrais, a mão-
de-o bra escrava tinha pouca utilidade. A maioria dos observadores da colôn ia
achava que a escravidão na Pensilvânia era branda. Nem Nova Jersey nem a Pen-
sil vân ia tiveram as insurreições de escravos que aterrorizaram Nova York.

1 354 H ISTORIA IL USTRADA DA E SCRAVIOAO


I ) 11 I r. I \ \ • ) I \ I A I I \ n" Os puritanos, portanto, asseguravam sua própria liberdade, mas não a dos "es-
os escravos negros foram importados bem cedo. O primeiro proprietário tranhos". Com esse termo eles se referiam àqueles que não professavam a "verdadei-
de escravos provavelmente foi Samuel Maverick, que chegou em Massa- ra" religião ou não perrenciam à nacionalidade "correra". Como os povos do
chuserrs com seus dois negros. Os primeiros escravos chegaram a Boston em 1638, mundo antigo, os homens de Massachuserrs aprovavam a escravidão de cativos
trazidos pelo capitão William Pierce no navio de Salem, Desire. Pierce navegara até as capturad os em guerras "justas". Não tinha o Senhor entregado os pequot em suas
fndias Ocidentais para trocar um carregamento de índios pequot por outro de mãos numa guerra justa, possibi litando a troca por escravos negros? Não esq ue-
negros. Os colonos precisavam de mão-de-obra, mas escavam assustados com os ça, disse Emanuel Downing em I 645, que é mais barato manter 20 negros do
índios (não com as mulheres nem com as crianças, que eram escravizadas nas ca- que um servo inglês.
sas), e preferiam os escravos já amansados nas fazendas. Durante todo o perfodo Embora as diferenças de religião e a tradição do cativeiro fizessem a escravidão de
colonial , houve servidão contratada para índios, brancos e negros - além da es- índios e negros parecer aceitável , os puritanos tinham consciência das conflitantes
cravidão perpétua. injunções nas Escrituras contra a escravidão, além de com partilharem do típico or-
Nas colônias do norte, os escravos geralmenre eram rrazidos das fndias Ociden- gulho inglês pela liberdade. Quando dois bosronianos conduziram um ataque a uma
tais e não diretamente da África. Apenas um pequeno número era necessário no nor- aldeia africana, matando cem negros e levando dois para ser vendidos em Massachu-
te. Para os navios da Nova Inglaterra, Nova York e Pensilvânia, que faziam negócios serrs, eles foram presos pelo "pecado hediondo e gritante do roubo de homens".
regularmente com as ilhas produtoras de açúcar, era fácil adicionar alguns escravos Boston não se transtornava com o tráfico de escravos em si, mas pelo faro de que os
ao carregamento quando regressavam para casa. Esses escravos já tinham aprendido negros foram levados à força em vez de comprados - e no Sabá. Os negros, liberta-
alguns costumes europeus e um pouco de inglês e sobrevivido ao choque de serem dos, voltaram para a África. Embora as Escrituras exijam a morte para tais crimino-
arrancados da África. Foram colocados para trabalhar nos campos e florestas, nos es- sos, os marinheiros não foram executados.
taleiros e em pequenas fábricas, e em casas de família. O Boston News Letter, o primeiro jornal permanente estabelecido na América,
Os colonos da Nova Inglaterra estavam prontos para aceitar a escravidão, contan- continha m ui tos anúncios oferecendo negros para vender:
to que não ameaçasse sua própria liberdade. Massachuserrs foi a primeira colônia a
reconhecer oficialmente a instituição- antes até da Virgínia. Em 1641, a Colônia Dois homens negros e uma mulher e criança negras; à venda pelo sr. john Colmon, ne-
da Baía adorou o Código de Leis das Liberdades, que explicava detalhadamente gociante; podem ser vistos em Co!. Charles Hobbey, Esq., sua casa em Boston.
quem deveria ser livre:
I 0 de junho de 1704
Não deverá nunca haver escravidão, servidão ou cativeiro entre nós; salvo os cativos le-
gais, capturados em guerras justas, e os estranhos que se dispõem a vender a si próprios, ou Três homens negros escravos e três mulheres negras, à venda; pergunte por john
nos são vendidos: e tais terão as liberdades e os costumes cristãos que a lei de Deus, esta- Campbefl diretor da agência do correio, para saber mais.
belecida em Israel a respeito dessas pessoas, moralmente requer, contanto que isso não isente
nenhuma pessoa da servidão, a qual será julgada para esse fim pela autoridade. 1O de junho de 1706

I ~~~
~ Ht STORI A IlUSTRADA DA E SC RAV IDÃO
0 RU M E OS ESCRAVOS
357 1
Jovem negra. nllScida an Barbados, fala bem o inglês, à venda pelo sr. Grove Him. po-
de ser vista em ma casa em Trea-mont Street, Boston.

'
13 de setembro de 17 14
Negroes
.
...
for S .
Em 17 14, o jornal trazia um anúncio expondo que Samuel Sewall (que 14 anos l4 Cargo oJ very fine jovt Mera and
antes publicara um panfleto, A Venda de joseph, Um Memorial, protestando contra · l!lOMt:n, 'i• gt~o~ qrJer and fit f•r
o tráfico de escravos), ele mesmo estava envolvido no tráfico: imn:,eJ.iatc . ftroitf, juft importrá
frotn 'tl!c it'indQJard Coaft of ~fri·
A venda pelo sr. Samuel Sewall, negociante, em seu armazém perto da ponte giratória ......,;;-..;;..__..111'8:.-.,.. ctJ, i" the Slz ip 'f~'o B,rot ncrs.-
em Merchants Row, Boston, várias criadas irlandesas, a maioria com cinco anos de servi- Conditions are. ont haij· Cafo w P·,·odt.LCt:,. th,e. ul!lur
ço, um servo irlandês que é um bom barbeiro e fazedor de perucas, também quatro ou ' ha(f paya!Jlc tlte .fir.ft oJ pu.ary "';,t,
gifliug JJvnd
cinco meninos negros promissores. ~d~~~if~~n~ . . .
. Tht: Sàlt: to ·6e opened àt :"lo o'Cloc'k:tat], J)aJ in 1,

13 de setembro de 1714 ...Mr. Bourdeaux's Yartl, at No, 48, ou thr.-'Ba.y .


~lfl:Y tg, 1784. JOHN MI'fCiiELL..
Já em 1687, um refugiado protestante francês em Boston, observando o número
~-------------------~----------~._--~-------
de escravos negros, escreveu que "não há uma só casa em Boston, por menor que se-
ja, que não tenha um ou dois. Algumas têm cinco ou seis".
Thirty Seafoned Negroes
Em Rhode Island, a colônia fundada sobre os princípios da tolerância religio- · . ·To l•c Soltl f or C·rcdit, at P ri(J(l,tt: Sa.lt!.
sa e da liberdade de opinião, uma lei de 1652 proibiu a escravidão. A liberdade A l\1<)r\GS1" ·which is a CJrpcnter, · ~ne ~f
não era só para brancos ou ingleses, mas para toda a humanidade, dizia a lei. No
.1.'-'-\'Wlh) m ·arc kno'\vn to bc diil1oneH.
entanto, ninguém a obedecia. A pressão pelo lucro era muito grande. A escravi-
... /..!fo; to. bc f~ld for Cafh,. a re~ula r l red yotmg
dão espalhou-se por toda a Nova Inglaterra, embora nunca se tornasse tão im-
Negroc ~Ian-Cook, born tn tbts Country, ,..,ho
portante ou severa como nas colônias do sul. Os negros não passavam de 3% da
fcrvcd fcvcral ·y cars unacr an c:~:cecd ~ n g goo<l
população da Nova Inglaterra no século XVIII. A escravidão não fincou raízes
Frcnch COQk abr~d, and hi-s :V\, ifc a m iddle ageJ
mais profundas porque o clima e o solo tornavam impossível qualquer sistema
·"\wVaíhcr-\\~man~ (hoth very honcH.) a!ld their t:vo
de pfantation que exigisse contingen tes de mão-de-obra forçada para cultivar
"Chilàrcn. Liku~ ·i.;'~. a· yeHng 1\'Ian a Carpcnter.... .
A

produtos básicos. As necessidades da região podiam ser atendidas pela m ão-de-


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obra contratada. I

Anúncios de venda de escravos em um jornal colonial americano, 1784. Hulton Archive I Getty lmages

I -~~
~ H IST0 R I A I LUSTR A D A D A ESC RAV ID Ã O
Como a geografia era um obstáculo para os lucros das fazendas, os habitantes Rum - a Nova Inglaterra boiava cada vez mais alto numa onda do líquido mar-
da Nova Inglaterra voltaram-se para o mar em busca da riqueza. Mui tas forrunas rom-escuro que se tornou o esteio da economia, além da principal mercadoria tro-
foram consrruídas com o comércio, a pesca da baleia e a pesca em geral, constru- cada por escravos. O odor das destilarias permeava quase roda a Nova Inglaterra.
ção naval e, especialmente, o rráfico de escravos. O na vio de Salem, Desire, deu Milhões de galões eram tragados por agricultores e negociantes, baleeiros e pescadores,
início ao tráfico, e os empreendedores puritanos, percebendo o quanto se podia lenhadores e comerciantes de peles. Na época da Revolução Americana, a fabricação
ganhar com a demanda das ilhas produtoras de açúcar por mão-de-obra, rapida- de rum tornara-se a maior indústria da região.
mente volraram-se para o tráfico de escravos. Em I 644 , comerciantes de Bosron "Barcos de rum" era como os marinheiros chamavam os navios da Nova Ingla-
começaram a transportar escravos diretamente da África Ocidental para Barbad os, terra, pois geralmente a carga única, quando aportavam na costa da Guiné, era o
trocando os negros por carregamentos de vinho, açúcar e tabaco. A Companhia rum. Em 1756, um homem africano valia 115 galões, e uma mulher, 95. O rum nor-
das fndias Ocidentais, holandesa, e a Royal African Company, inglesa, opuseram te-americano substituiu o conhaque francês como a bebida favorita na África
fo rre resistência a esses intrusos. Muito fracos para revidar, os comerciantes de Ocidental. Assim como qualquer mercadoria, seu valor flutuava. Às vezes muitos
M assachusetts seguiram para a costa oriental da África para comprar negros. navios carregados de tonéis de rum chegavam à costa da G uiné quando havia escas-
Quando terminou o monopólio da Royal African Company, em 1696, qualquer sez de escravos, e tinham de baixar o preço da bebida.
cidadão inglês que quisesse podia entrar no tráfico de escravos. Os negócios na Os irmãos Brown, de Providence, Rhode Island, negociantes coloniais que se torna-
Nova Inglaterra aumentaram rapidamente, seus comerciantes ajudando a suprir ram uma das mais importantes famílias de comerciantes da América, aventuraram-se
de negros as colônias espanholas produtoras de açúcar, além de atender pronta- no tráfico de escravos em 1736. Um de seus navios, o brigue Sally, comandado por
mente à demanda por mão-de-obra nas colônias produroras de tabaco e arroz no Esak Hopkins, partiu para a costa da Guiné, em 1764 , com um carregamento de mais
sul. No século XVII, a Nova Inglaterra podia gabar-se de controlar a maior parte de 17 mil galões de rum, e também arroz, velas, tabaco, alcatrão, farinha, açúcar, café
do tráfico de escravos no Novo Mundo. e cebola. Seguia a bordo um pequeno arsenal - sete canhões de rodízio, dois pares de
Os navios fabricados com madeira da Nova Inglaterra eram pequenos, variando pistolas, oito armas pequenas, um par de bacamartes e 13 alfanjes. Junto com as armas,
de 40 a 200 toneladas e com uma tripulação de cerca de 18 homens e um menino. 40 algemas, 40 grilhões, três correntes e uma dezena de cadeados. Os Brown instruí-
O famoso triângulo descrito anteriormente tornou-se o padrão de seu comércio. Os ram Hopkins para trazer "quatro jovens escravos promissores" para uso deles. O capi-
navios deixavam o porto com carregamentos de feijão, ervilha, laticínios, peixe, tão podia pegar dez escravos para si próprio, uma comissão de quatro escravos para
cavalos, feno, aduelas de barris, madeira, tijolos, latão, chumbo, aço, ferro, peltre, cada 104 que ele conseguisse, e 5o/o da renda líquida pela venda dos negros.
calçados, rosários, velas, tecidos e mosquetes. Seguiam para as fndias Ocidentais, O modo como Hopkins obtinha seus escravos ilustra a pequena escala da opera-
onde vendiam essa carga e embarcavam rum. Navegando até a África, trocavam ção que cada yankee conduzia durante o século XVIII. A maioria dos negociantes da
rum, bugigangas e ferro em barras por escravos. Depois davam meia volta e traziam Nova Inglaterra tinha pouco capital (em contraste com as mercadorias de escravos
escravos para as fndias Ocidentais, vendendo os negros em troca de cacau, açúcar, de Liverpool) e comprava navios pequenos e baratos, que eles tripulavam com um
melaço, rum e outros produtos tropicais. Finalmente voltavam para a Nova Ingla- punhado de marinheiros. Hopkins trabalhava devagar, negociando um ou dois es-
terra, onde o açúcar e o melaço podiam ser destilados para fazer mais rum. cravos por vez. Escolhia seu primeiro escravo vendendo 156 galões de rum e um

H IST O R IA IL UST R AD A D A E SC RA V ID ÃO 0 RU M E O S ESC R AVOS


barril de fúinha por 17 libras, depois equilibrava a conta comprando uma garota No mesmo ano em que o SaLfy começava sua viagem, o escocês John Paul Jones,
por dez libras e um menino por sete libras. N um outro dia, ele vendeu rum, açúcar de 17 anos, tornou-se o terceiro imediato do King George, um "pássaro negro", co-
e cebola por umas 70 li bras, e com o dinheiro comprou dois homens, uma mulher, mo geralmente eram chamados os navios negreiros. Depois de servir dois anos, foi
duas meninas e dois meninos. Esse regateio arras tava-se por muitos meses. Por duas nomeado primeiro-piloto do navio negreiro Two Friends. Navio de propriedade bri-
vezes houve fuga de escravos, e ele teve que pagar a recompensa de três frascos de tânica, foi construído em Filadélfia e sua base era Kingston, Jamaica. Mal atingindo
rum para reavê-los. Uma vez ele trocou "um escravo cujo pé havia sido arrancado 15 metros de compri mento, com uma tripulação de seis homens, transportou 77
por um tubarão" por um menino. escravos da África em 1767, numa "viagem repugnante" a que muitos negros não so-
As doenças começavam reduzindo sua carga humana enquanto ele ainda a em- breviveram. Jones desistiu quando o navio aportou, nunca mais querendo saber da-
barcava. Um menino escravo morreu em abril. Em junho uma "mulher escrava quele "tráfico abominável", disse ele. Na Revolução Americana, ganhou fama como
enforcou-se entre os conveses", registrou em seus relatos. Após nove meses de nego- o comodoro John Paul Jones.
ciação, ele havia reunido 196 escravos. Vendera nove escravos enquanto ainda estava Os principais portos do tráfico de escravos na Nova Inglaterra incluíam Salem,
na costa africana e perdeu ourros 20 por morre, restando-lhe 167 para a sua longa Marblehead, Newburyport, Portsmouth, New London, Newporr e Brisrol. Boston,
viagem no Caminho do Meio, que começou em agosto de 1765. no entanto, esteve na dianteira até 1750. Suas famílias mais prestigiosas extraíam sua
Alguns dias no mar e mais escravos morreram. Então, em 28 de agosto, "os escra- riqueza em grande parte do tráfico de escravos. Desfrutavam posição, privilégios e
vos se rebelaram e fomos obrigados a atirar neles e matamos oito e vários outros fi- cargos de confiança pública. Assim eram os Cabot, os Belcher, os Waldo, os Faneuil.
caram gravemente feridos, um na coxa e outro com as costelas quebradas". Foram George Cabot foi um ancestral de dois senadores dos Estados Unidos, os Henry Cabot
32 mortos. Dia após dia, a febre levava outros tantos. Sufocado o motim, os escra- Lodge, pai e filho. Jonathan Belcher tornou-se governador de Massachusetts. Sa-
vos ficaram "tão abatidos", disse o capitão Hopkins, que "alguns se afogaram, alguns muel Waldo, um ancestral do escritor Ralph Waldo Emerson, era dono do navio ne-
morreram de fome e outros adoeceram e morreram". Quando o Sally chegou a greiro Africa. O presente de Peter Faneuil para Boston, o Faneuil Hall- mais tarde
Antígua, 88 escravos estavam mortos e o restante muito doente. Um mês depois, o conhecido como "berço da liberdade" -, foi possível graças aos lucros do tráfico de
número de mortos subiu para 109. escravos. Havia muitos outros aristocratas da Nova Inglaterra que começaram dessa
A viagem do Safly foi um desastre financeiro para os Brown. Três deles ficaram mesma maneira: em Charleston, Massachusetts, os Royall; em Kittery, Maine, os
tão desanimados- Joseph, Moses e Nicholas -que nunca mais investiram no tráfi- Peperell; em Salem, Massachusetts, o~ C rowninshield.
co de escravos. M as o quarto irmão continuou no ramo e era contundente na defe- Rhode Island tornou-se o próximo centro mais importante do tráfico. O pastor
sa do tráfico, enquanto Moses convertera-se aos quacres, tornara-se um dos líderes antiescravagista, Samuel Hopkins, disse em 1774 que sua cidade era
da oposição a "esse tráfico injusto" e organizou a Sociedade de Providence para a
Abolição da Escravidão. Lamentando que ele mesmo tenha possuído escravos e par- mais culpada, no que diz respeito ao tráfico de escravos, do que qualquer uma do con-
ticipado do tráfico, Moses declarou que aquilo era um "mal, que muito me cons- tinente, pois tem sido comtruída, em grande parte, com o sangue dos pobres africanos; e
trangeu e que deixou uma forte impressão e mácula em minha própria consciência que o único modo de escapar às conseqüências da desaprovação divina é ter consciência do
de algumas condutas na vida, se não de todas". pecado, arrepender-se e reformar-se.

I -~-
~ H ISTORIA ILUSTRADA DA E SCRAVIDÃO Q RUM E OS ESCRAVOS
Mas ninguém se arrependia. As melhores famflias do estado participavam do trá-
fico - em Newport, os Champlin, Ellery, Gardner e Malbone; em Narragansett, os
Robinson; e em Providence, como vi mos, os Brown. Algumas das recompensas colhi-
das com o tráfico de escravos eles doara m à Faculdade de Rhode Island, que, agrade-
cida, mudou o nome para Brown University.
Uma das mais proem inentes famílias de Rhode Island no com ércio de escravos
foi a dos Wolf, de Brístol. Amhony de Wolf veio de G uadalupe (nas fndias Ociden-
ta is) para casar-se com a irmã de Simon Potter, um mercador de escravos. De seus
15 filhos, quatro to rnaram-se capitães de navios negrei ros. In vestiram os lucros em
destilarias e, mais tarde, em fiações. ]ames de Wolf, o mais famoso dos irmãos, foi
julgado por homicídio por um júri de Newport, pois havia atirado ao mar uma mu-
lher africana que adoeceu com sarampo em seu navio. Chegou-se ao veredicto de
"culpado", mas ele fugiu do estado para escapar à punição. Mais tarde foi eleito pa-
ra o Senado dos Estados Unidos e morreu como um cidadão honrado.
Obviamente, assim como na Grã-Bretanha e na França, o tráfico de escravos na
Nova Inglaterra gerou boa parte do capital com o qual se construiu sua revolução
industrial. Na época da Revolução Americana, o tráfico de escravos era a base da vida
econômica da região. "O amplo comércio de açúcar, melaço e rum, a construção na-
val, as destilarias, muitos pesqueiros, o emprego de artesãos e marinheiros, até mes-
mo a agricultura - tudo dependia do tráfico de escravos", diz o historiador Lorenzo
] . G reene. No alvoroço com a proposta britânica de arrecadar dinheiro para a Coroa,
taxando o açúcar e o melaço, os negociantes de Massachusetts chamaram a atenção
para o fato de que esses produtos eram as principais mercadorias do comércio de es-
cravos. Cobrar um imposto sobre eles arrasaria as destilarias de rum, arruinaria os
pesqueiros e poria fim ao tráfico de escravos. Com o término do tráfico, 5 mil mari-
nheiros ficariam sem emprego e 700 navios apodreceriam nos cais. Tanoeiros, cur-
tidores de couro, fabricantes de barris, agricultores, todos quebrariam. Se o tráfico
de escravos parar, gritavam os negociantes da Nova Inglaterra, nós sucumbiremos.

H1 s TORIA ILU ST RADA DA E sc RAv l oAo


N
O\ ll·\1PO\ <.. t >I t )'.:1 \l\ !> \ \\11 RH \ l'\1 I H)<; \1 \I\ 1\1 utilizado-os em suas próprias fazendas, Laurens ti nha escrúpulos a respeito da escra-
porc~ntes negociantes. de e~cravos, que os mercadores da Nova Inglaterra vidão como instituição. Por fi m, desistiu do tráfico por causa de sua crença de que
supnam de mercadona, fot Henry Laurens, da Carolina do Sul. Era só- era um mal. Mas, como muitos de sua época, recusava-se a assumir responsabilidade
cio na A ustin and Laurens, a maior e mais próspera das empresas que atuavam no por sua existência na colônia, sustenrando que a Coroa havia forçado essa situação.
comércio varejista de escravos em Charleston. Cerca de um em cada quatro escra- Q uando começou a G uerra da Independência, seu filho John, um dos principais
vos vendidos no mercado da cidade passava pelas mãos da empresa. oficiais revolucionários, queria armar os escravos para o serviço militar e libertá-los.
Laurens, nascido em C harleston, em 1724, foi para Londres com a idade de 16 anos Laurens escreveu para o filho dizendo o seguinte:
para aprender sobre o mundo do comércio. Começou como funcionário num escri-
tório de contabilidade. Quando voltou para casa, logo tornou-se 0 principal agente Sabe, meu caro, eu abomino a escravidão. (..) Vi a religiíio cristíi e a escravidão cres-
comercial da colônia. Além de escravos, ele também negociava arroz, fndigo, rum, cendo sob a mesma autoridade. (..) Niío Lhe tenho apreço, no entanto. Nasci num país
cerveja, vinho e pele de veado. Era um dos maiores administradores rurais da onde a escravidão foi estabelecida por reis e parlamentos britânicos, e também por leis da-
Carolina do Sul e foi, é claro, um de seus principais cidadãos. quele pais muito antes da minha existência. (...) Não menos que 20 mil libras esterlinas
A extensa correspondência de Laurens com empresas da Grã-Bretanha, fndias renderam todos os meus negros, se vendidos no Leilão p1~blico, amanhã. Não foi eu quem
O cidentais e Nova Inglaterra revela muitos detalhes do tráfico de escravos. O clima, os escravizou; devem aos ingleses esse favor; não obstante, estou planejando meios de alfor-
as guerras, colheitas, pestes, depressões e concorrência afetavam o mercado de escra- riar muitos deles, e eliminar o Legado da escravidão. Grandes poderes a mim se opõem -
vos. Era preciso saber negociar para manter as margens de lucro. Em 1757, Laurens as Leis e os costumes de meu país, meus próprios costumes e a avareza de meus compatrio-
escreveu para os irmãos Vernon de Newport sobre o destino de um carregamento de tas. O que meus filhos dirão se eu despojá-Los de tantos bens? Essas dificuldades não são
~scravos trazido pelo navio deles da costa da Guiné para Charleston: insuperáveis. Farei o que puder em meu tempo, e deixarei o resto em mãos melhores que
as minhas.
Pareciam não ter esperança de recuperação. Sabe Deus o que faremos com 0 que restou, são
um bando de sarnentos, todos cheios de crockeraws - vários com os olhos bastante inflama- A frase que aparece na Declaração de Independência - "Todos os homens são
dos, três crianças muito franzinas e a isto acrescente a pior enfermidade de todas, que acom- criados iguais" - cristalizava os sentimentos de H enry Laurens. Como algum ho-
panha seis ou oito (isto é) a velhice - aqueles que a embarcação trouxe 0 ano passado eram mem podia ser escravo se todos os homens eram criados iguais? Dali em d iante, ele
muito apáticos, mas estes siúJ muito piores. (...) Chegou uma chalupa com 150 escravos de tornou-se um abolicionista. Representante no C ongresso Continental em Filadélfia,
primeira qualidade das feitorias de Gâmbia e da ilha de Bence, na noite anterior à venda foi eleito presidente para o ano de 1777- 1778, além de ter sido um dos membros da
dos seus negros, o que não teria de modo algum atrapalhado sua venda, se eles fossem bons, comissão norte-americana que negociou o tratado de paz com a Grã-Bretanha.
pois só fomos descobrir que o lote era excelente quando terminou 0 primeiro dia de venda. Até que ponto os homens que assinaram a Declaração de Independência acredi-
tavam que "Todos os homens são criados iguais"? A escravidão incomodava muitos
Ao negociar escravos, Laurens cobrava 10% de comissão, o dobro da taxa para que, como Laurens, se tornaram líderes da Revolução. Refletindo sobre a escravi-
outras mercadorias. Mesmo tendo enriquecido com o tráfico de escravos africanos e dão, Thomas Jefferson disse: "Estremeço pelo meu país ao pensar que Deus é justo,

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~ H 1 ST0 R I A I LUSTRADA DA E SCRAVIDÃO
R EVOLUÇÃO E ALGOD Ã O ~
que Sua justiça não pode hibernar para sempre." Patrick H enry declarou: "N ão
quero, não posso justificá-la. " E George Wash ington escreveu: "Ficarei feliz po r
estar equi vocado se, antes que se passem muitos anos, eles [os escravos] não se tor-
narem uma espécie de propriedade muito perturbada."
Esses ho mens eram proprietários de escravos. Monricello e Mo unt Vernon - as-
sim como rodas as grandes propriedades rurais - foram construídas e viabilizadas
pela mão-de-obra escrava e mantidas por escravos que cultivavam arroz, índigo,
açúcar, tabaco e algodão.
Em seu rascunho da D eclaração de Independência, Jefferson condenou o tráfi-
co de escravos (mais do que a escravidão em si), e o Congresso rejeitou seu ara-
que. Jefferson provavelmente não escava pensando nos negros quando escreveu
"Todos os homens são criados iguais", pois mais tarde afirmou que o negro era um
ser inferior - talvez por natureza, antes que apenas por condição. Jefferson e os
outros fazendeiros que expressavam sentimentos antiescravagisras raramente fa-
ziam algo concreto contra a escravidão. O que admitiam era uma maldição que
não tinham como destruir. Todos demonstravam a crença racista na inferioridade
dos negros e não estavam dispostos a desistir de sua propriedade ou de perder in-
fluência política por meio de uma oposição ativa à escravidão. O próprio Jefferson
libertou nove de seus "fiéis criados" e manteve os outros na escravidão até sua
morte. Laurens também fez planos elaborados para alforriar seus escravos - mas
nunca foram cumpridos.
É preciso dizer que a frase "Todos os homens são criados iguais" era interpre-
tada de forma limitada pelos pais fundadores . Eles pertenciam à elite colonial, e
seu objetivo não era a revolução social. As pessoas comuns e os porta-vozes radi-
cais - homens como Thomas Paine e John Woolman - entenderam a frase de
modo mais literal. Até mesmo os impo tentes escravos falavam abertamente, pe-
dindo a liberdade que reivindicavam como um direito natural. "Prosperem em
sua presente luta gloriosa pela liberdade", disse um grupo de negros à Legislatura
de Massachusetts em 1777, "mas saibam que temos em comum com todos os ho-
mens um direito natural e inalienável àquela liberdade que o Grande Pai/Mãe do

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-- H IS T ORIA I LUS TRADA OA E SCRAV I O AO
universo concedeu igualmente a roda a humanidade e que ela nunca perdeu por Mas quando a Constituição Federal foi redigida, em 1787, a escravidão no sul
qualquer pacto o u aco rdo". Os negros de New H ampshire exorta ram o estado a saiu fortalecida. Os representantes permitiram que continuasse sendo legal para
excluir o no me escravo "numa terra gloriosamente conquistada para os encantos manter o extremo sul (o nde a escravidão era importante para a produção de taba-
da liberdade". co, arroz e índigo) na União. C hegou-se a um aco rdo que permitia ao sul conta-
Várias vezes durante a Revolução, os negros exigiram o fim da escravidão, lem- bilizar três quintos de seus escravos como uma base para representação no Con-
brando aos 2,5 milhões de norte-americanos brancos como era estran ho gritar gresso. O tráfico de escravos africanos teve permissão para continuar por mais 20
"Liberdade ou Morre!" enquanto mantinham 750 mil negros no cativeiro. anos. E pediu-se aos estados que devolvessem os escravos fugitivos a seus donos.
Desde o início, os negros norte-americanos engajaram-se na luta pela indepen- Mesmo assim, a palavra "liberdade" permaneceu no Preâmbulo da Constituição
dência. O primeiro a ser morto com um tiro no Massacre de Bosron, em 1770, fo i d os Estados Unidos.
um ex-escravo, C rispus Arrucks. Ele havia fugido de seu senhor 20 anos antes pa- Quando George Washington assumiu o cargo de primeiro presidente da nação,
ra tornar-se marinheiro. O s negros lutaram nas batalhas de Lexingron e Concord cerca de 90% da população negra de 750 mil pessoas viviam no Sul. (O próprio
na primavera de 1775. Cerca de 5 mil negros, escravos e livres, serviram sob o co- estado do presidente, Virgínia, tinha o maior número - 300 mil.) Ao todo, havia uns
mando de Washington. 650 mil escravos no Sul, e mais 30 mil negros livres. Num país de poucas cidades,
Quando se formou o Exército Revolucionário, porém , os negros foram excluí- a população negra era predominantemente rural. Em constante crescimento, seu cen-
dos. Mas então os britânicos declararam que rodos os escravos que passassem pa- tro deslocava-se para o sul.
ra o seu lado seriam libertados. E as colô nias, não querendo arriscar uma deserção Por vários anos, após a Revolução, o sul passou por tempos difíceis. O s produ-
em massa de escravos para o inimigo, mudaram sua política. A m aioria dos negros tos agrícolas básicos - arroz, índigo e tabaco - iam mal no mercado, e o preço dos
serviu nas mesmas unidades dos brancos, tanto no sul quanto no norte. Havia escravos caía. Durante a era colonial, o algodão não foi um produto importante.
quatro unidades só de negros, recrutados em Massachusetts, Connecticut e em A roupa de algodão era bastante valorizada, mas a conversão dos casulos brancos
Rhode Island. Muitos negros também serviram na Marinha Continental. em fibras para fabricação do fio era lenta, e o processo, dispendioso. Somente o tra-
Apenas duas colônias - Geórgia e Carolina do Sul - recusaram-se a alistar solda- balho manual podia fazê-lo, por isso as colônias cultivavam um pouco de algodão
dos negros. Pagaram pelo racismo, pois cada uma perdeu cerca de 25 mil escravos, para uso doméstico e outro tanto exportava para as fiações inglesas.
que se juntaram aos britânicos. No final do século XVIII, a invenção, na Inglaterra, das m áquinas de fiar e te-
Quando a guerra terminou, a m aior parte dos escravos ainda não era livre. Vol- cer tornou o processo de produção tão barato que a demanda por tecidos de algodão
taram para casa com honradas dispensas, imaginando o que haviam conquistado disparou. Precisava-se de muito mais fibras de algodão para alimentar as fiações .
para seu povo. Ajudaram a garantir a liberdade da América mas não a sua própria. M as, embora o material têxtil pudesse ser fiado e tecido muito mais facilmente,
No norte, porém , a escravidão declinava, pois não havia uma forte demanda continuava o problema de encontrar um modo mais rápido e barato de separar a
por mão-de-obra escrava. As novas constituições dos estados do norte continham semente da fibra. Uma das soluções foi o desenvolvimento, nas ilhas Marítimas,
medidas que colocavam fim ao sistema escravagista. N a maior parte dos casos, os próximo à costa da Geórgia e da Carolina, de uma fibra longa e sedosa, muito me-
filhos nascidos de pais escravos seriam livres ao atingirem certa idade. lhor do que a fibra curta de semente verde. Os escravos podiam executar mais rápido

--· I
HI STORIA I LUS TRA DA DA E SC RAV I DÃO RE VOLUÇ Ã O E A LGOD Ã O ~
o uabalho d e separação e sem máquinas . Conseqüentemente, fazendeiros da
Carolina do Sul e da Geó rgia ampliaram suas plantações e passaram a utilizar
ma1s negros.
A fibra das ilhas Marítimas ajudou, mas não pôde ser cultivada em muitos ou-
tros lugares. Era necessário algum método mecânico para acelerar o processamento
do algodão de fibra curta. O mestre-escola ianque, Eli Whirney, resolveu o pro-
blema. Visitando o Sul em 1792, quando procurava emprego, ouviu falar da ex-
trema dificuldade em descaroçar o algodão. Segundo ele conta, fazendeiros da região
de Savannah disseram-lhe "que se inventassem uma máquina que limpasse o algo-
dão com rapidez, seria ótimo tan to para o país quanto para o inventor".
Colocando a cabeça para funcionar, em alguns dias W hitn ey elaborou um mo-
delo d esta máquina. D ali a seis meses ele tinha consuuído um mecanismo que
permitia a um homem descaroçar dez vezes mais algodão que antes, e com mais
efi ciência. Se a descaroçadeira fosse girada por um cavalo, seria 50 vezes mais.
Whitney não conseguiu o monopólio na fabricação da descaroçadeira, mas em
poucos anos sua invenção havia mudado a economia do Sul.
Uma vez que, comparativamente, era preciso pouco capital para cultivar algo-
dão, muitos fazendeiros deixaram o tabaco, o índigo ou o arroz. A produção su-
biu, mais terras foram utilizadas para o plantio do algodão, e mais mão-de-obra
negra foi comprada para trabalhar na lavoura. Logo o algodão era o principal produ-
to de exportação. As fiações da Europa pagavam bons preços por todo o algodão
que os fazendeiros pudessem fornecer. Com a chegada da prosperidade, o cultivo
em grande escala, e mais eficiente, feito pelos grandes fazendeiros expulsou os pe-
quenos agricultores subcapitalizados.
O algodão reinava. Em 1803, mais de 20 mil escravos foram introduzidos na
Geórgia e na Carolina do Sul por mercadores da Nova Inglaterra. A descaroçadei-
ra do mestre-escola ianque, que enriqueceu os plantadores de algodão, também
transformou milhões de negros em escravos. À medida que esgotavam o solo, os
plantadores iam penetrando cada vez mais no interior para obter m ais terra para
o cultivo do algodão. Das Carolinas e da Geórgia, eles empurraram o cinturão

R EVOLUÇÃO E ALGO DÃO


algodoeiro - o cotton belt- na direção do oeste, atravessando o Alabama, passan-
do pelo Mississipi, espalhando-se por toda a vasta região do delta do rio, chegando
ao Texas e co ntinuando até a orla do mar na Califórnia.
Em 1825, a produção norte-americana de algodão era de mais de 500 mil fardos;
por volta de 1860, as cifras ultrapassavam cinco milhões- uma safra que valia 200 mi-
lhões de dólares. Três quartos do algodão do mundo inteiro vinham do Sul.

HI STORIA ILUSTRADA DA E SCR AV IOAO


"''''r'" ")1\l\\\ '""'J( de mão-de-obra - neste caso, trabalho forçado, feito por escravos. Operando como

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Esta~os Unidos. A "pe~ul~ar i~stituição" era parte inseparável da vida norre- um capitalista, o fazendeiro via seus escravos como ferramentas de produção a ser
amencana. Mas a escravrdao nao desempenhava o mesmo papel na vida de to- utilizadas para maximizar o lucro.
dos os sulistas ou em roda parte do sul naqueles anos. O ópico homem do sul não era Em 1850, o chefe do recenseamento nos Estados Un idos esti mava que cerca
fazendeiro. Três de cada quatro sulistas brancos não possuíam qualquer vínculo com de 2.500.000 escravos estavam produzindo os cinco produtos básicos. Segundo ele,
a escravidão, fosse através de propriedade pessoal, fosse por famflia. (Em 1860, de 1.815.000 trabalhavam com algodão, 350 mil com tabaco, 150 mil com açúcar,
1.5 16.000 famflias livres, 385 mil possuíam escravos.) O sulista branco comum era o 125 mil com arroz e 60 mi l com cânhamo.
agricultor sem escravos, que trabalhava sua própria terra sem qualquer ajuda além da de Co mo era o trabalho deles? Um homem chamado Solomon No rthurp descre-
seus parentes. Passava a maior parte do tempo plantando para alimentar a família, às ve- veu a colheita do algodão. Negro, nascido livre, ele foi seqüestrado na cidade de
zes investindo alguns hectares num produto rentável no mercado. Havia também agri- Wash ington e escravizado por 12 anos na Louisiana. Ele contou sua história depois
cultores arrendatários, trabalhadores, artesãos, homens de negócio e profissionais liberais. de fugir, em 1853:
Um fazendeiro com uma posição considerável tinha que possuir pelo menos 20
escravos, e somente 12% dos fazendeiros pertenciam a essa classe. Aproximadamente Prepara-se o solo formando canteiros elevados com o arado - retrossulcamento, como é
metade dos proprietários de escravos possuía menos de cinco escravos. Os aristocra- chamado. Bois e mulas, estas quase exclusivamente, são utilizados no arado. As mulheres,
tas das mansões com pilares, retratadas nos filmes românticos, limitavam-se a umas com a mesma freqüência dos homem, executam esse serviço, alimentando, cuidando de suas
1O mil famílias. Aqueles que tinham mais de 50 escravos faziam parte de uma mino- turmas, e em todos os tZSpectos, fazendo o trabalho no campo e no estábulo...
ria. Talvez 3 mil possuíssem 100 escravos ou mais. O efeito da posse de um grande Os canteiros têm 1,8 metro de largura, isto é, de um sulco a outro. Um arado, puxa-
número de escravos, porém , era sua concentração nas mãos dos grandes fazendeiros. do por uma mula, corre ao longo da elevação, ou centro do canteiro, fazendo um sulco
A maior parte dessas fazendas situava-se mais no extremo sul. Em qualquer região mais estreito, onde uma menina geralmente deixa cair a semente que ela carrega numa
sulista, esses proprietários de escravos operavam onde a terra fosse mais adequada bolsa pendurada em torno do pescoço. Atrás dela vem uma mula com um rastelo, cobrin-
para os produtos básicos e onde os mercados fossem próximos. do a semente, de modo que duas mulas, três escravos, um arado e um rastelo são utiliza-
Por volta de 1860, a população escrava chegava a quase quatro milhões, 90% de- dos para plantar uma fileira de algodão.
la vivendo nas áreas rurais e mais da metade nos sete estados do sudeste, conhecidos Isso é feito nos meses de março e abriL O milho é plantado em fevereiro. Quando não há
como Deep South (Extremo Sul). Em dois estados - Carolina do Sul e Mississipi- os chuvas frias, o algodão geralmente aparece em uma semana. Depois de oito ou dez dias, co-
escravos eram maioria. Em muitos condados de fazendas, estes superavam em núme- meça o primeiro trabalho com a enxada. Esse trabalho é executado em parte, também, com
ro a população livre no mínimo de dois para um, e em alguns lugares, ati dez para o auxílio do arado e da mula. O arado passa o mais próximo possível do algodão em ambos os
um. Os estados limítrofes (Delaware, Maryland, Kentucky e Missouri) tinham ape- lados, fazendo um sulco. Em seguida vêm os escravos com suas enxadas, cortando a grama e o
nas algumas centenas de milhares de escravos. algodão, deixando montículos separados por 75 centímetros. A isso se chama raspar o algodão.
A grande fazenda, ou plantation, era um negócio dedicado à produção de um pro- Em mais duas semanas começa o segundo trabalho com a enxada. Desta vez o sulco é fei-
duto para venda no mercado. Como todo empreendimento, essas fazendas dependiam to na direção do algodão. Somente um talo, o maior, continua em pé em cada montículo.

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~ H ISTÓRIA ILUSTRADA DA E SC RA V IDÃO
NA FAZENDA ~
Dali a mais dum srmanas, mpina-se uma terceira vez, fazendo o sulco na direção do al- acompanhar o padrão normal. Esses trabalhadores siío retirados do campo de algodão e
godão, da mesma maneira que antrs e eliminando a grama e11tre m fileiras. rmpregados em outras atividades.
Em torno do dia / ' de julho, quando ti11er atingido 30 remímetros dr altura ou por
aí, é feita uma quarta r ríltima mpina. Agora todo o espaço entrr as jileirm foi lrwmdo, Os escravos ficavam nos campos do "raiar do dia ao cair da noite":
deixando um sulco de água projimdo no cmtro. Dumm e tts três tiltirnas capinas, o mper-
visor ou capataz Jegue os rscravos a cavalo, com um chicotr. (..) O mpinador mrris rápido Os trabalhadores precisam estar no campo de algodão de manhã, logo ao nascer do sol,
vai na frente. Geralmente ele está uns cinco metros rtdiantado em relação aos companhei- e, com exceção de dez ou quinze minutos que eles têm ao meio-dia para engolir sua cota
ros. Se um deles ultrapassá-lo, ele é chicoteado. Se alguém cair ou parar por um momento, de toicinho defumado frio, não lhes é permitido nenhum momento de folga até o anoite-
é chicoteado. De foto, o açoite IlOfT da manhã até a noite, o dia inteiro. A época de mondo cer, e quando é lua cheia, eles freqüentemente trabalham até o meio da noite. Eles não ou-
continua de abril até j ulho, mal se termina um campo e já se começa no11amente. sam interromper nem na hora do jantar, nem ousam voltar para os alojamentos, por mais
Na última parte de agosto tem inicio a colheita do algodão. Nessa época. cada escra- tarde que seja, antes que o capataz dê a ordem de parada.

vo recebe um saco. Amamtdo a esse saco, uma correia que passa pelo pescoço e que man- Term inado o dia de trabalho no campo, as cestas são carregadas até a casa de descaro-
tém a abertura do saco na altura do peito, enquanto o fondo chega quase até o chão. Cada çamento, onde o algodão é pesado. Não importa quão fatigado e exausto ele possa estar-
um também recebe uma cesta grande que comporta cerca de dois barris. É para colocar o não imp orta o quanto ele anseia dormir: e descansar-, o escravo, com sua cesta de algo-
algodão quando o saco estiver cheio. As cestm são carregadas para o campo e colocadas no dão, sempre se aproximava da casa de descaroçamento com medo. Se ela estiver abaixo do
começo das fileiras. peso - se ele não cumpriu totalmente a tarefa que lhe foi dada -, ele sabe que irá sofrer.
E se ele excedeu o peso em cinco ou dez quilos, p rovavelmente seu senhor fa rá as medidas
Norrhurp conta como é rratado o novato: do dia seguinte de acordo.
Assim, se ele tem muito pouco ou demais, sempre se ap roxima da casa de descaroça-
Quando um no11o trabalhador, ainda não acostumado ao serviço, é enviado pela pri- menta com medo e tremendo. N a maior p arte das vezes, eles têm muito pouco, e por isso
meira vez ao campo, ele é chicoteado violentamente, e nesse dia tem que colher o mais rá- não se sentem ansiosos por deixar o campo. D ep ois da pesagem vêm as chicotadas; então
pido possível. À noite, a colheita é pesada para avaliar sua capacidade de colher algodão. as cestas são carregadas para um depósito de algodão e seu conteúdo é armazenado como
Dali em diante, todas as noites ele tem que trazer o mesmo peso. Se trouxer menos, isso é feno, todos os trabalhadores tendo que amassá-lo com os pés.
considerado uma evidência de que ele foi lerdo, e o castigo é um maior ou menor núme-
ro de chibatadas. Mas não era ainda o fim do dia, disse Northurp:
Um dia normal de trabalho rende cem quilos. O escravo acostumado à colheita é
punido se ele ou ela trouxer uma quantidade menor que essa. Há uma grande diferen- Então cada um deve cuidar de suas respectivas tarefas. Alimentar as mulas, os por-
ça entre eles em relação a esse tipo de trabalho. Alguns parecem ter uma inclinação na- cos - outros cortam madeira, e assim por diante; além do mais, o empacotamento é todo
tural, ou uma rapidez, que lhes permite colher com grande velocidade, e com as duas feito à luz de vela. Finalmente, tarde da noite, eles chegam aos alojamentos, sonolen-
mãos, enquanto outros, seja qual for a prática ou o esforço, são totalmente incapazes de tos e vencidos por um longo e d iftcil dia de trabalho. Depois é preciso acender o fogo

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H ISTÓRIA IlUSTRADA DA E SCRAV lOAO N A FAZENDA
dentro da cabana, triturar o milho num pequeno moedor manual e prt•parar o almo- em casas de tabaco. A secagem, separação do talo e o processo de empacotamentO
ço e o jantar no campo para o dia seguinte. estendiam-se por semanas, e quando o tabaco estivesse nos tonéis, os escravos esta-
riam ocupados preparando uma nova safra. A rotina não tinha fim.
Na Virgín ia, a maior pane dos escravos trabalhava no cultivo do tabaco. Era uma Os plantadores de tabaco utilizavam um determinado campo uma vez a cada rrês
rotina monótona e penosa. No começo do inverno, a semente era plantada em can- anos, o que significava que os escravos estavam sempre derrubando mais florestas
teiros de humo, os cam pos cavados e sulcados em montículos separados por uma para o plantio. Também tinham que consertar cercas, fazer tonéis e cuidar de ani-
distância de cerca de um metro. Quando atingiam a altura cerra, isso durante a pri- mais e de culturas complementares.
mavera, os brotos eram tirados dos canteiros e transplantados para os campos. Não importa o produ to, os trabalhadores do campo eram exigidos até o máximo
Depois vinha um ciclo inalterável de monda e aradura para manter as plantas livres de suas forças, dia após dia, ano após ano. Geralmente chegavam a 16 ou 18 horas
de ervas daninhas e o solo fofo. Depois de surgir o número certo de folhas, as plantas por dia. Um escravo da Geórgia, John Brown, disse: "Trabalhávamos das quatro da
eram podadas para impedir seu crescimento. Em seguida, removiam-se os parasitas manhã até a meia-noite. " Especialmente nas fazendas maiores, o escravo rornara-se
e examinavam-se as folhas para ver se havia larvas. À medida que a safra amarelava, aquilo que Aristóteles chamou de "ferramenta animada" para gerar lucro.
cortava-se o talo quase rente ao chão, as folhas definhava m e depois eram secadas Frederick Law Olmsted, um jornalista do norte que percorreu o sul na década de
1850, explicou como isso funcionava;

Como regra geral, quanto maior o número de negros numa fazenda, mais eles são tra-
tados como simples propriedade, e de acordo com uma política calculada para garantir o
máximo de retorno pecuniário. Daí, em parte, o maior lucro proporcional dessas fazendas,
e a tendência que prevalece em toda parte, nas regiões de plantio, à absorção das peque-
nas propriedades e à ampliação das grandes. Talvez seja verdade que, entre aqueles pro-
prietários de escravos mais ricos, haja uma inclinação mais humanitária, um melhor dis-
cernimento, e mais habilidade para lidar com seus dependentes de modo condescendente
e liberal, mas os efeitos dessa inclinação são sentidos, mesmo naquelas fazendas onde o p ro-
prietário tem residência fixa, principalmente entre os escravos empregados em torno da casa
e nos estábulos, e talvez alguns velhos favoritos nos awjamentos. t mais do que compensa-
do pela dificuldade em adquirir interesse pessoal em meio a um grande número de escravos,
e familiaridade com as características individuais de cada um. O tratamento da massa
deve reduzir-se a um sistema, cuja idéia dominante será permitir que um s6 homem pos-
sa dirigir, ao mesmo objetivo de trabalho, os músculos de um grande número de homens,
Escravos trabalham na colheita do algodão nos estados do Sul. New York Historical Society de vontades diversas e geralmente conflitantes.

~-- I
H I STÓRIA ILUSTRADA DA ESCRAVIDÃO NA FAZENDA ~
Os fazendeiros organizavam o trabalho escravo com o "s istema de turmas" o u "A distância entre eles", disse o ex-escravo Frederick Douglass. "era grande demais

"sistem a de tarefas". Os trabalhadores do campo que atuavam em turmas eram para permitir ral conhecim ento."
forçados pelos ca patazes a um d esempen ho em rirm o veloz para cumprir a cora Os capatazes brancos pareciam-se muito com os senhores das pequenas fazendas.

de produção diária. No sistema de ta refas, cada escravo tinha suas próprias atri - Douglass fala da "arrogância repugnante e da ruidosa bravata" desses homens. Covey,

buições diárias, supostamente relacio nadas à sua capacidade o u força fís ica. O ca- o capataz desig nado para domar o rebelde e jovem Douglass, é descrito como "fri o,

pataz controlava o desempenho. Geralmente os fazende iros combinava m ambos distante, ma l-humorado, com uma face que exibia rodas as marcas do orgulho cap-

os sistemas, po is cada qual tinha suas vantagens e desvantagens. O quanto cada cioso e da rigidez maliciosa".
sistema era aplicado so bre o escravo dependia das exigências do senhor ou do su- Um gra nde fazendeiro podia rcr várias faze ndas, e de uma delas fazia seu lar.

pervisor. O senhor de Norrhurp, na Louisiana, por exemplo, considerava I 00 q uilos Visitava as outras talvez uma vez o u duas vezes po r ano. Estas eram administradas

de algodão uma boa colheita para o dia, enquanto o senho r de John Brown, na por capatazes munidos de plena autoridade, e cujo ún ico interesse consistia em ex-

Geórgia, contentava-se com apenas 50 . Mas no Mississi pi , em 1830, um senho r trair o máximo de trabalho dos escravos. Tendiam a ser cruéis, mas a menos que co-

extraía, diariamente, mais de 150 quilos de seus escravos. De qualquer forma, a metessem crim es que chamassem muito a atenção, o fazendeiro preferia deixá-los

m eta d o fazendeiro era a maior safra possível, e o melhor administrado r era aq ue- em paz.
le que podia o bter o máx imo possível dos escravos. Naturalmente, isso criava con- Mul heres e crianças trabalhavam nos campos ao lado dos homens. Os escravos

flitos entre senhor e escravo. Este n ão tinha nenhum interesse em faze r mais do eram classificados como trabalhadores "fracionários" segundo a quantidade de traba-

que arranjar-se com o mínimo de trabalho. lho que podiam executar. As crianças iam para os campos depois dos cinco ou seis anos

A maio ria das fazendas era supervisionada pelo próprio fazendeiro. Unidades pe- - ou quando o senhor mandasse -, carregando água ou ajudando a mãe. À medida

quenas, com menos de 20 escravos, não precisavam de supervisor, a não ser no caso que cresciam e ficavam mais forres, progrediam do valor um quarro, para metade, três

do proprietário ausente. Se o fazendeiro-administrador fosse generoso, os escravos q uartos e, finalmente, tornavam-se trabalhado res plenos. Quando a idade ou a doen-

estavam com sorte. Se fosse dominador e brutal, a vida dos escravos seria um inferno. ça fazia decl inar-lhes a força, começavam a regredir na escala. As crianças arrancavam

O único alívio estaria na fuga ou em sua venda - esperançosamente para um senhor ervas daninhas, limpavam o jardim, capinavam , enrolavam tabaco ou colhiam algo-

mais bondoso. dão. Após os 10 anos, geralmente tinham tarefas regulares no campo.

Os fazendeiros, como classe, não eram os aristocratas corteses descritos pelos no- Muitos fazendeiros alugavam seus trabalhad ores de campo por breves períodos

velistas do "luar" e da "magnólia". Em sua maior parte formada de agricultores de em troca de uma taxa. Às vezes os vizinhos trocavam mão-de-obra de acordo com

fronteira- caçadores de guaxinim, bebedores de uísque, mascadores de tabaco -, as necessidades sazonais. Duas mulas podiam ser trocadas pelo trabalho de um ho-

eram homens individualistas que prontamente recorriam à violência. Muito poucos mem para o m esmo período.
fazendeiros comparavam-se a homens civilizados e cultos como Thomas Jefferson. As grandes fazendas tinham escravos artesãos para o trabalho especializado. Tais ser-
Lutavam para emergir de baixo, com pouca ou nenhuma instrução, e viviam cons- vos não eram solicitados para o serviço no campo. Havia carpinteiros, tanoeiros, cons-

tantemente à beira da execução da hipoteca. N em esses senhores nem os poucos aris- trutores de carroças, sapateiros, tecelões, moleiros, pedreiros, oleiros, engenheiros, fer-

tocratas podiam saber muito sobre os reais sentimentos e pensamentos de um escravo. reiros. O s sen hores gabavam-se das habilidades de seus artesãos. William H. Russell,

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~ H ISTORIA ILU ST RADA DA ESCRAVIDAO
N A F AZE N DA
um repórter britânico que visitou o Sul, mostrou a ironia de um capataz da Louisiana Era por volta de tÚz horas quando os escravos aristocráticos conuçaram a se reunir, ves-
que se vangloriava da inteligência e habilidade de seus artesãos e, em seguida, queixa- tidos com a elegância refitgada. tÚ seu senhor e de sua senhora, enchendo-se de orgulho e
va-se da "total inutilidade e ignorância da raça negra, sua incapacidade de fazer algo com ares de imitação daqueles a quem eram obrigados a obedecer dia após dia.
bem-feito, ou mesmo de cuidar de si própria". Os servos da casa obviamente eram as "estrelas" da festa; toda a atenção concentrava-se
Em sua narrativa de fugitivo, )ames W. C. Penningron conta como, aos li anos neles para ver como se comportavam, pois entre os escravos são o que um militar chamaria
de idade, aprendeu o ofício de ferreiro com um outro escravo na fazenda de seu se- de "chefe de fiLa': Os trabalhadores do campo, e aqueles que geralmente têm sido excluldos
nhor, em Maryland. Trabalhou até os 2 1 anos e muito se orgulhava de sua perícia: da residência de seus proprietários, olham para os servos da casa como um modekJ de poli-
dez efidalguia. E, defoto, esse costuma ser o t~nico método de obter algum conhecimento das
Sempre quis ser digno de confiança, e sentindo um grande orgulho no trabalho com fer- maneiras do que é chamado de "sociedade elegante';. da! serem sempre vistos como uma clas-
ramentas, meu objetivo era trabalhar com diligência e habilidade. Meu orgulho e gosto se privilegiada; e às vezes são muito invejados: enquanto outros são rancorosamente odiados.
pela profissão de ferreiro fo ram o que me foz aceitar por tanto tempo permanecer escravo.
Procurava destacar-me nos ramos mais requintados do oficio por meio da invenção e do A pequena fazenda não se podia dar ao luxo da especialização. O cozinheiro po-
acabamento. Treinava freqüentemente as mãosfazendo armas e pistolas, colocando lâmi- dia também trabalhar metade do dia no campo. Na época da colheita do algodão,
nas em canivetes, fazendo martelos ornamentais, machadinhas, bengalas de estoque, etc. todos eram mobilizados para a tarefa. O s domésticos, é claro, tinham contato pes-
soal íntimo com os brancos. O senhor pode ter sido amamentado no peito de uma
A maioria dos senhores queria treinar escravos em aptidões especiais, pois isso au- de suas escravas. O s domésticos tinham livre trânsito entre os brancos em funções
mentava-lhes o valor. Penningron disse que os fazendeiros de M aryland "costumavam sociais e sentavam-se ao lado deles em veículos públicos. Desenvolveu-se um pater-
alugar os filhos dos eséravos para pessoas que não eram proprietárias de escravos, não nalismo que era uma espécie de tolerância da família em relação aos servos. Alguns
só porque isso poupava-lhes a despesa dos cuidados em relação a eles, mas dessa ma- escravos eram transformados em animais de estimação especiais, com privilégios e
neira conseguiam bons ofícios entre os escravos". O próprio Pennington aprendeu a comodidades, contanto que continuassem como dependentes bajuladores. Era um
ser não só ferreiro, mas também pedreiro e carpinteiro. (Como escravo fugitivo, ele paternalismo que a atriz e autora britânica Fanny Kemble observou na fazenda do
chegou à Europa anos mais tarde e conquistou o título de doutor em teologia em marido na Geórgia durante a década de 1840, que comparou "aquela ternura senti-
Heidelberg, uma das melhores universidades alemãs. Foi o primeiro negro norte-ame- mental de uma dama requintada por seu cãozinho de estimação".
ricano a escrever uma história de seu povo.) Com os escravos feitores e artesãos, os domésticos formavam a camada mais alta
Escravos treinados para o serviço doméstico também eram altamente valorizados. da sociedade escrava. Tendiam a ostentar sua superioridade diante dos trabalhado-
Quanto mais rico o fazendeiro, mais domésticos ele utilizava e mais especializadas res do campo, que odiavam aqueles que se davam ares de grandeza e imitavam "o
eram suas tarefas. A casa ficava cheia de cozinheiros, mordomos, garçons, lacaios, velho senhor". O escravo doméstico que tinha um senhor sensível e generoso podia
cocheiros, cavalariças, lavadeiras, costureiras, camareiras e babás. até sentir afeição por ele, mas isso não significava que o escravo gostava da escravi-
Em memórias de seus 22 anos como escravo, Austin Stewart descreveu o contras- dão. Podia ainda desejar ser livre e aproveitar qualquer oportunidade para fugir à
te entre os escravos da casa e os do campo, que se evidencia numa festa: servidão- como muitos faziam .

H tS TORIA I L USTRADA DA E SC R AVI OAO NA FA Z ENDA -


3851
-
De seus estudos sobre a escravidão norre-amen cana, o hisroriador Kenneth M.
Stampp conclui que "a emoção predominante e esmagadora que os brancos provo-
cavam na maioria dos escravos não era amor nem ódi o, mas medo". Os escritos de
ex-escravos contêm muitos desses sentimentos. As evidências também estão no mo-
do como os senhores descreviam os fugitivos quando an un ciava m seu rerorno: "fala
manso e rem uma aparência abatida" ... "expressão ansiosa" ... "muito deprimido" ...
"gagueja muiro" ... "facilmente confuso quando lhe dirigem a palavra". C harles Lyel l,
um visitante inglês no sul , disse que "a embriaguez predom ina a tal ponto entre os
proprietários que não posso duvidar que o poder exercido por eles deva geralmente
ser terrivelmente abusivo". A imprensa sulista estava cheia de relaros de tiroteios e
esfaqueamenros entre os brancos. Não admira que o pavor pesasse continuamente
sobre o espírito do escravo.

HI STOR IA I LUSTRADA DA ES C RAVIOAO


PJl l ) fi \ I \ \ Os homens também serviam como domésticos, embora em menor número. Tra-
1860, cerca de um em cada oito escravos trabalhava nas cidades ou fora da agri- balhavam como criados pessoais, mordomos, cocheiros, jardineiros e nos estáb ulos.
cultura. Às vésperas da G uerra Civil, havia 30 cidades com uma população de Deles se esperava que estivessem sempre prontos a atender ao chamado do senhor e
mais de 8 mil escravos. Sete dessas cidades tinham de 40 mil a 200 mil habitames, e executar tarefas servis. As crianças eram encam inhadas para o trabalho doméstico
os negros eram importantes para a vida econômica de todas essas pessoas. Eles faziam o bem cedo. Começavam com peq uenos serviços e eram treinadas para executar ou-
trabalho doméstico pesado, construíam ruas, pontes, estradas e canais, e trabalhavam tros mais difíceis à medida que cresciam. Quando menino, em Baltimore, disse
nas lojas, fiíbricas e nas wnas portuárias. Fora d as cidades, havia escravos trabalhando nas Frederick Douglass: "minha função era entregar recados e cuidar de To ny lo filho de
minas, pedreiras, serrarias, moinhos de cereais e na pesca. Nos barcos fluviais, eles eram seu senhor]; impedir que ele ficasse no caminho das carruagens e mantê-lo lo nge do
empregados como foguistas, fornalheiros e raifeiros de convés. Cortavam lenha nas flo- perigo de um modo geral".
restas do sul e trabalhavam nas serrarias. Milhares acuavam nos campos de terebintina. Parecia raro uma casa sem servo. Em cerro momento, a po pulação branca de
Proprietários de fábricas no sul utilizavam m ão-de-obra escrava em diversas ati- C harleston, com 14 mil habitantes, empregava mais de 5 mil escravos com o servos.
vidades. Escravos faziam cordame, aniagem de algodão e jeans. Na indústria de ta- Os bem -nascidos da cidade, no entan to, queixavam-se de que "não há servos sufi-
baco da Virgínia, a maioria dos 13 mil trabalhadores era de escravos. Na metalur- cientes para os serviços domésticos nas famílias de Charlesron". E em rodas as cida-
gia, atuavam na forja e na fornalha. Na década de 1840, a famosa Tredegar Works, des os senhores lamentava m-se de que era impossível conseguir um bom servo.
em Richmond, substituiu os trabalhadores livres por escravos, para diminuir custos. Outros senhores achavam que rendia mais utilizar os escravos em labores mais
Por menores que fossem as algodoarias da época, a maioria abria espaço para os es- produtivos. Hotéis e fábricas treinavam escravos como funcionários, mecânicos, car-
cravos, às vezes no mesmo tear que os brancos. reteiros e carroceiros. E mpresas empregavam grupos de escravos para construir canais
Nas cidades, os escravos eram utilizados numa grande variedade de ocupações. e rodovias. Em Richmond, os processadores de tabaco eram os maiores proprietá-
A maior parte do trabalho doméstico era feita por mulheres. Por mais pobre que fos- rios de escravos, vários deles possuindo pelo menos dez e alg uns até 7 0 ou I 00. Esses
se uma mulher branca, ela evitava o trabalho doméstico, se pudesse, pois, como escre- trabalhadores produziam até 14 horas por dia no verão e 16 no inverno, executan-
veu o editor suiista J. D. B. DeBow, ela "considerava tais serviços um nível de degra- do todas as tarefas, da mais simples à mais especializada. Quase rodos eram homens,
dação ao qual não podia descer". e muitos, crianças de 1O ou 12 anos de idade.
Os trabalhadores domésticos faziam a limpeza, lavavam e confeccionavam rou- Os escravos formavam a essência das fundições em Richmond. A Tredegar Com -
pas, cuidavam das crianças e dos visitantes, e também dos doentes. Cozinhavam, pany demonstrava para o sul quão adaptáveis à indústria pesada eram os escravos.
serviam as refeições e compravam comida no m ercado, negociando com os vendedo- O s negros davam conta tanto do trabalho comum quanto das operações mais espe-
res de carne, peixes, verduras e legumes, frutas e flores, todos eles negros. O trabalho cializadas. A mão-de-obra escrava também provou ser um sucesso nas refinarias de
não tinha fim, pois o senhor e a senhora recusavam-se a fazer qualquer coisa por si açúcar, moendas de farinha e de arroz e nas prensas de algodão. Em 1859, o New
próprios. O dia começava às cinco da manhã e seguia até tarde da noite. Domingo Orleans Daily Picayune dizia: "o sul pode manufaturar mais barato do que qualquer
raramente significava um dia de folga. As necessidades da fàmília vinham em primeiro lugar do mundo" , porque, primeiro, a mão-de-obra escrava, "sob qualquer circuns-
lugar e elas nunca pareciam satisfeitas. tância e em qualquer momento, é absolutamente confiável".

HtSTORIA I LUSTRADA DA ESCRAVIOAO


NA CIDADE
O mesmo sistema de aluguel que busca de mão-de-obra encontravam-se para fechar negócio. A prática era mais disse-
era útil para os fazendeiros dava às minada na parte mais alta do sul. (Por exem plo, estima-se que, na Virgínia, 15 mil
cidades maior flexibilidade no uso escravos eram alugados por ano na década de 1850.) O período, é claro, va riava da
de escravos. Senhores que tinham breve duração de uma ta refa específica até mesmo cinco anos. O preço dependia
mais domésticos do que podiam da habilidade do escravo, de seu valor de mercado e dos sahírios do traba lhador livre.
usar lucravam alugando-os a outros. Para trabalhos mais irregulares, que exigissem apenas algum as horas ou dias,
Muitas famílias preferiam alugar de não valia a pena redigi r um co ntrato. O trabalho de curto prazo era organizado
alguém a ser proprietárias de seus por um sistema de licenciamen w municipal. Os proprietários de escravos compra-
servos, assim como as lavanderias, va m um emblema que fi cava fixado à roupa do escravo. Isso significava que ele es-
os depósitos de mercadorias, esta- tava autorizado a trabalhar po r dia ou por hora sem contrato.
leiros e muitas outras atividades in- Logo os senhores estava m permitindo que seus escravos procurassem trabalho so-
dustriais. Turmas para a construção zinhos. Era mais fácil e mais compensador para rodos. O escravo pagava ao senhor
de ferrovias muitas vezes eram for- uma quantia fixa - sem anal, mensal ou anual - e podia guardar para si o que ga-
madas de escravos al ugados da vi- nhasse além disso alugando o seu tempo. Com esse acordo, mais fl exível, o escravo
zinhança. Artesãos brancos que não tinha um grau de liberdade muito maior. Depois de aprender o ofício de calafeta-
se podiam dar ao luxo de ter assis- gem num estaleiro, Frederick Douglass teve permissão para alugar seu tempo. "Eu
tentes alugavam-nos quando neces- procurava meu próprio emprego", escreveu, "fazia meus próprios contratos e reco-
sário. Os pequenos negócios, de ca- lhia meus próprios vencimentos." Ele gostava do sabor da liberdade.
pital limitado, geralmente achavam Alugar o próprio tempo de trabalho tornou-se comum na escravidão urbana.
Família de escravos provenientes da Luanda, 1792. mais bararo util izar escravos alu- Muitos brancos, porém, consideravam isso um grande mal, "golpeando diretamente
Hulton Archive I Getty lmages
gados. Alguns sulistas, como na Ro- a existência de nossas instituições", conforme a acusação de um grupo de Nova
ma antiga, investiam em escravos apenas para atender às demandas do mercado de Orleans. Eles não gostavam do afrouxamento das coerções rígidas. Quando um es-
trabalho. Lucravam alugando-os para empregadores com falta de mão-de-obra. Um cravo desfrutava uma margem de liberdade mais ampla, significava que os laços en-
suprimento tão fluido de mão-de-obra ajudava a satisfazer as necessidades de uma tre senhor e escravo estavam sendo enfraquecidos. Mas novas leis não podiam refrear
sociedade urbana complexa e mutável. essa prática, por mais perigosa que parecesse. Para senhor e escravo era conveniente e
O sistema de aluguel assumia duas formas básicas. Uma delas era o contrato escri- lucrativa, e a economia exigia a constante redistribuição da força de trabalho.
to para aluguel de propriedade escrava, um acordo que especificava duração de serviço, Com o passar dos anos, a limitada liberdade concedida aos escravos provocou um
natureza do trabalho, condições de tratamento e preço. A maior parte desses contra- maior relaxamento das restrições. Logo os escravos alugados não voltavam mais pa-
tos vigorava por um ano. O "dia do aluguel" ocorria por volta de 1Q de janeiro tanto ra os alojamentos do senhor à noite; alugavam moradia própria. O senhor não pre-
na cidade quanto no campo. Senhores com escravos para alugar e empregadores em cisava se preocupar em alimentar, vestir e dar abrigo a seu escravo. Geralmente não

H ts TORIA ILUSTRADA oA E sc R AvtoAo NA C I DADE


sabia o paradeiro do escravo ou quem o escava al ugando. Era melhor não ter notí- Outra vantagem que o escravo da cidade tinha sobre seu irmão da fazenda era

cias dele - isso apenas significava que ele estava em apuros -, exceto, é claro, na hora a superio ridade de sua vestimenta. Viajantes que percorriam o sul notavam a di-

do pagamentO. fe rença. O reverendo Nehemiah Adams fez uma observação sob re a roupa de do-

As condições de vida para os escravos da cidade eram diferentes daquelas da fazenda mingo em Savannah:

e geralmente melhores. Os pequenos lotes e os altos valores dos terrenos na cidade tor-
navam impossível a existência de alojamentos como os da fazenda. Os escravos urba- Ver escravos com ternos de tecidos finos de lã, camisas de bom corte e bem-passadas,

nos viviam numa construção anexa ou próxima à casa do senhor, no mesmo terreno. botas engraxadas, Luvas, sombrinhas, os meLhores chapéus, os jovens de casacos azuis

O padrão predominava em cada quarteirão, de modo que I 00 ou 200 pessoas podiam com botões reluzentes, na última moda, coLetes de MarseLha brancos, caLça branca,

viver em proximidade. A casa do senhor costumava ser na rua ou perto dela, e na par- broches no peito, correntes de ouro, bengalas eLegantes (...) era mais do que eu estava

te de trás ficavam os alojamentos dos escravos. Geralmente era uma construção longa, preparado para ver.
estreita e de dois andares. No primeiro ficava a cozinha, o depósito e talvez um estábu-
lo; em cima, os dormitó rios. Quando o número de escravos crescia, ou havia um ter- O utro viajante, Frederick Law Olmsted, antes m encionado, disse que viu "muito

ceiro andar para abrigá-los, ou o senhor simplesmente apinhava-os no espaço disponí- mais pessoas de cor bem-vestidas e elegantes do que brancos" enquanto passeava pe-

vel. Os quartos dos escravos eram pequenos e não tinham janela. Pela única porta, que la rua principal de Richmond, no domingo.

se abria para uma sacada, passavam luz e ar. A mobília era rosca; geralmente não havia Também a roupa d o dia-a-dia era melhor para o escravo da cidade. )ames Stirling,

cama; os escravos dormiam no chão. A aglomeração tornava as condições ainda piores. que viajou de Charleston para os distritos negros da Carolina do Sul, observou que

Em Charleston, em 1848, cada lote continha em média dez pessoas. Todo o traçado da "os negros nas estações ferroviárias têm uma aparência bem diferente dos elegantes

moradia de escravos, segundo o historiador Richard C. Wade, "era isolar os negros do servos de Charlesron". f claro que não precisava muito para estar melhor do que os

contato exterior". A vida do servo deveria girar em torno de seu senhor. trabalhadores do campo, com suas roupas pardacentas e esfarrapadas. A m aioria dos

Esse modelo, porém, sofria alteração quando forçado pelas circunstâncias. Exces- escravos da cidade era de domésticos, e seus senhores queriam que eles preservassem

so de escravos para o espaço disponível, escravos que trabalhavam na indústria ou a qualidade da casa onde estavam empregados. O s servos usavam roupas compradas

escravos que alugavam seu tempo- tais fatores faziam com que os escravos vivessem para eles ou peças usadas do senhor e da senhora. Quanto mais bem-vestido, menos

fora. Podiam achar um lugar para dormir num porão, galpão ou sótão. A lei desa- se parecia com um escravo.

provava, mas persistia a prática e ampliavam-se as fronteiras da relativa liberdade do Wade afirma:

escravo. Durante todo o período da escravidão no sul, de um modo geral a moradia


não foi segregada nas cidades. Negros e brancos viviam próximos uns dos outros. A Os brancos geralmente confUndiam a maior preocupação com a postura e a auto-esti-

moradia não era igual, mas tampouco separada. Os escravos viviam em todas as vizi- ma melhorada do escravo bem-vestido com orgulho pelo senhor. Talvez houvesse orgulho,

nhanças, de Baltimore a Nova Orleans. O objetivo do senhor não era promover a in- mas a importância das roupas era levar o negro, de um modo superficial porém relevan-

tegração; sua meta consistia em manter os negros divididos. Pois se os escravos estives- te, para longe da escravidão, na direção dos limites da liberdade. Para os observadores, o

sem dispersos pela cidade, ficavam isolados e representavam uma ameaça bem menor. resultado muitas vezes parecia ridiculo, mas para o cativo não era nada trivial.

I ~~~ 393 1
~ H ISTOAIA ILUSTI\AOA DA ESCRAVIDÃO
NA C IDADE --
Também a comida era melhor e mais variada para o escravo da cidade. Os do-
mésticos com iam o que havia na cozinha do senhor. Caso se tratasse de sobras, cer-
tamente ultrapassavam a cota da maioria dos escravos da fazenda. Os moradores da
cidade sabo reavam uma va riedade de peixes, carn es, frutas, legumes, ve rduras,
torras, bolos c doces bem maior do que a típica alimentação da fazenda, e seus ca-
tivos partilhavam dessa com ida abertamente ou por meio de ataques secretos à co-
zi nha e à despensa. O s escravos que morava m fo ra comp ravam seus próprios supri-
mentos. O s comerciantes não deveriam vender mercadorias para os escravos sem a
autorização de um senhor, mas o dinheiro geralmente superava os escrúpulos. E em
rodas as cidades havia lojas que vendiam aq uilo de que os negros gostavam.
Com um reto mais confortável , roupas inteiras em vez de trapos, e mais comida, os
escravos da cidade parecem ter sofrido menos doenças do que os negros que viviam no
campo. Isso, no entanto, é mais uma impressão do que um faro demonstrado, pois o
período apresenta escassez de dados médicos. O diagnóstico e a terapia eram tão limi-
tados que a recuperação dependia mais de cuidados que de reméd ios. Poucas medidas
de saúde pública eram tornadas e tanto brancos quanto negros sofriam freqüente-
mente epidemias de febre amarela, cólera e varíola. Se um escravo adoecia, seu se-
nho r era responsável pelo tratamento médico. Podia-se chamar o médico da fam í-
lia ou, se o escravo era alugado, o senhor temporário deveria providenciar para que
recebesse atenção médica. Se fosse necessária a hospitalização, o escravo ia para
uma ala separada do hospital local ou para o hospital de negros, mantido por algu-
mas cidades.
N esse sistema, muitos escravos sofriam negligências. Quanto menos utilidade ti-
nha um escravo para seu senhor, provavelmente menos cuidados receberia. O dr.
Joseph Nott, de Mobile, Alabama, dizia claramente: "Enquanto o negro for robus-
to e valer mais do que a quantia segurada, o interesse pessoal levará o proprietário a
preservar sua vida". Segundo o médico, quando aquele envelhecia ou ficava exausto,
"era visto como um cavalo aposentado".

H 1STORIA ILUSTRADA OA E SCRAVIOÁO


\f
Carolina do Norre e na Virgínia. Em 1844, a empresa Hughes & Downing, no
da escravidão era o tráfico de escravos africanos, que se tornou 0 alvo princi- Kemucky, comprou 13 negros, "bons e pro missores", nos condados de Bluegrass, e
pal dos primeiros humanitários. No final da Revolução Americana, cada esta- vendeu-os em Natchez, Mississipi, com o considerável lucro de 3 mil dólares.
do tomou providências para proibir o tráfico estrangeiro. Na Convenção Consti- O comércio no Sul baseava-se na agricultura, e esse sistema dependia da mão-de-
tucional, a resistência inflexível dos dois esrados mais ao sul, Carolina do Sul e Geórgia, obra escrava. Conseqüentemente, os estados sulistas ti nham um tráfico ativo que os
impediu que os delegados proibissem de v~ o tráfico. O compromisso a que se che- entrelaçava. "O s escravos", dizia o Charleston Mercttry, "são artigos de comércio, as-
gou para preservar a União foi um prazo de 20 anos para o término oficial desse tipo sim como o açúcar e o melaço que eles produzem".
de comércio. O objetivo era permitir que, nesse período, a Geórgia e a Carolina do O leilão era o centro do sistema; para o escravo, o símbolo de sua conversão de
Sul pudessem se abastecer de africanos, enquanto os proprietários de escravos doses- ser humano em objeto; para o senhor, uma operação comercial de rotina. Que ou-
tados do alto sul eram tranqüilizados com a certeza de que seus negros valeriam mui- tra maneira prática de redistribuir a mão-de-obra necessária e estabelecer preços
to mais depois de 1807. num mercado em variação? Para o escravo era um evento a ser remido, uma experiên-
O tráfico entre os estados, porém, não foi tocado pela Constituição. Desempenhava cia à qual seria submetido pelo menos uma v~ na vida, e ralv~ muitas v~es. Ele tinha
um papel importante na atividade escravista do sudoeste. Muitas famílias dirigiam-se medo do leilão porque, por mais que sua vida estivesse ruim, sempre poderia ficar
para os territórios recém-desbravados para fazer fortuna com a cana-de-açúcar e 0 al- pior. Somente aqueles escravos cujos senhores eram verdadeiros monstros estavam
godão. Levaram consigo seus escravos, mas descobriram que precisavam de mais para dispostos a arriscar-se numa transação.
trabalhar em suas grandes fazendas. Nos estados de onde tinham vindo _ Maryland, O tráfico de escravos era visível em toda parte no sul. Mercadores percorriam o
Virgínia e as Carolinas -, a economia de plantation declinara; os preços do tabaco caí- interior para conseguir bons negócios com corpos humanos. Freqüentavam tavernas
ram e a escravidão tornava-se não-lucrativa. A agricultura diversificada substituía as fa- e vendas; compareciam às feiras de condado; visitavam fazendas, à procura de pro-
zendas de monocu1tura e os proprietários de escravos do alto sul percebiam que sua prietários que precisassem de dinheiro imediato e propriedades em testamento ou
propriedade humana era um fardo cada v~ mais pesado. A demanda no oeste propor- em processo de liquidação. Colocavam anúncios em jornais, promovendo a alta
cionou-lhes a chance de despejar no mercado os escravos excedentes. qualidade e os bons preços do sortimento que tinham a oferecer, anunciando que
Aos poucos, o tráfico de escravos entre os estados cresceu em importância e lu- precisavam de escravos para reabastecer seu estoque e que pagariam os melhores pre-
cratividade. Já em 1793, um cidadão da Virgínia escrevia que "um grande número" ços. Bolton, Dickins & Company, a mais importante das empresas que comerciali-
de escravos havia sido vendido para o Kentucky e para estados mais ao sul. Em zavam escravos no Kentucky, tinha filiais em Memphis, Charleston, Natchez, St.
1804, os mercadores de escravos da Carolina estavam comprando cativos em Mary- Louis e Nova Orleans.
land e Virgínia e fazendo de Alexandria o depósito para suas transações. A moderada Os negros que os mercadores adquiriam na zona rural adjacente eram trazidos pa-
resistência à escravidão demonstrada nesses dois estados derreteu-se no calor do mer- ra a cidade e colocados em depósitos ou prisões para serem vendidos particularmen-
cado. Se os mercadores queriam comprar, os estados estavam prontos para vender. te ou em leilão público. Os municípios concediam licenças aos negociantes e esta-
Não recusariam um lucro tão fácil. Em 1803, o preço na Virgínia por um bom tra- beleciam regulamentos para organizar o tráfico. (O controle federal do tráfico entre
balhador do campo era de 400 dólares; o mesmo escravo rendia uns 600 dólares na os estados era possível, mas o congresso nunca exerceu seus poderes nesse caso.)

I ~~~
~ H ISTORIA ILUSTRADA DA ESCRAVIOAO 0 LEilÃO
Toda cidade tinha seu depósito de escravos, muitos dos quais eram estábulos, ar-
mazéns ou construções de fund o, infestados de parasitas e transformados em cárce-
res. Nas temporadas de venda, essas "prisões de negros" ficavam abarro tadas. As ci-
dades do leste e as de fro nteira concen travam escravos que eram trazidos do interior
e negociados com pessoas que quisessem comprá-los. Nova Orleans era o centro natu-
ral para o fluxo do tráfico vindo do leste e que se distribuía pelas regiões algodoeiras.
Sendo o maio r cenrro de tráfico do ex tremo sul , estava pontilhada de prisões de es-
cravos. Um único quarteirão perto do centro da cidade tinha sere depósitos de escra-
vos, e em uma das praças onze negocianres exibiam suas mercadorias.
N ão manrinham, porém , nenhum monopólio do tráfico, pois negociantes do ra-
mo imobiliário, corretores·, comerciantes e leiloeiros acrescenravam o tráfico de es-
cravos a seus outros negócios. Muitos pequenos mercadores do ramo passaram a ser
"especuladores de negros" em tempo integral. Até mesmo editores ganhavam a vida
honestamente atuando como agentes para aqueles que anunciavam em seus jornais.
Havia negócios suficientes para agradar a rodos. Em 1830 , Nova O rleans registrou
mais de 4.400 vendas.
Nas cidades maiores, as prisões para escravos eram muito semelhantes. O ex-es-
cravo Solomon Northurp, que esteve em várias delas, descreveu o depósito de escra-
vos administrado por um homem de nome Williams. Localizado à sombra do Ca-
pitólio, em Washington, com dois andares, parecia uma tranqüila residência quando
vista da rua. Seus quartos tinham cerca de 3,5 metros quadrados; as paredes eram
de sólida alvenaria, e o piso, de tábuas pesadas. Cada quarto tinha uma pequena jane-
la com barras de ferro e uma porta também de ferro. O quarto pelo qual Northurp
entrava tinha um banco de madeira e um fogão; não havia nem cama nem cobertor.
O quintal dos fundos era cercado por um muro de tijolos de uns quatro metros de al-
tura. Nesse espaço, de uns nove metros de profundidade, ficavam os escravos à espera
da venda. O quintal, com uma cobertura inclinada, formava uma espécie de galpão
aberto. Sob a cobertura havia uma parte elevada, onde os escravos podiam dormir à
noite ou procurar abrigo contra o mau tempo. "Em muiros aspectos, era como um cur-
ral de fazenda", escreveu Norrhurp, "exceto pelo fato de ter sido construído para que o

0 LEILÃO
mundo exterior não pudesse ver o gado humano aqui arrebanhado. " Havia um car- a frenu e para trás, enquanto os fregueses apalpavam nossas miíos. braços e corpos, nos gi-
cereiro encarregado. Seu serviço era supervisionar esse estábulo humano, recebendo, rávamos, perguntavam o que sabíamos fozer, nos foziam abrir a boca e mostrar os dentes,
alimentando e chicoteando escravos. exatamente como um j óquei examina um cavalo que ele está prestes a negociar ou com-
De acordo com Norrhurp, no depósito de escravos de Goodin, em Richmond, as prar. As vezes, alguém, homem ou mulher, em Levado para a casinha da área dos fundos,
condições eram muito semelhantes, exceto que o pátio tinha duas pequenas casas despido e inspecionado minuciosamente. Cicatrizes nas costas de um escravo eram consi-
onde os compradores examinavam os escravos ames de concluir o negócio. Na dé- deradas evidência de um espírito rebelde ou indomável, o que prejudicava a venda...
cada de 1850, havia mais de 30 mercadores de escravos na cidade. Durante o dia efetuavam-se várias vendas. David e Caroline foram comprados juntos
O depósito de escravos de Theophilus Freeman, em Nova Orleans, para onde por um fozendeiro de Natchez. Eles nos deixaram, com um sorriso la1go, e muito felizes
Northurp foi enviado em seguida, ficava em frente ao hotel St. Charles, num quar- pelo foto de não serem separados...
teirão de quase meio hectare de extensão. Três fileiras de quartos abrigavam os escra-
vos. Havia duas entradas, uma para os negros e outra para os compradores. Norrhurp Um dos compradores mostrou interesse por um menino de lO anos de nome
descreve os preparativos para um leilão de escravos no depósito de Freeman: Randall, que escava com sua mãe, Eliza, e a meia-irmã, Emily:

Em primeiro lugar, exigiam que nos lavássemos por completo, e os que tinham barba Fizeram o pequeno pular e correr de um lado para o outro, além de muitas outras proe-
deviam barbear-se. Cada um de nós recebia então um traje novo, barato mas limpo. Os zas, para que exibisse sua atividade e condição. Eliza chorava o tempo todo durante a
homens com chapéu, casaco, camisa, calça e sapatos; as mulheres com túnicas de calicó e transação, retorcendo as mãos. Ela suplicava ao homem para não comprá-lo, a não ser que
lenços para amarrar na cabeça. Éramos agora conduzidos para uma sala grande, na par- também comprasse a si própria e a Emily. Prometeu, neste caso, ser a escrava mais fiel que
te anterior do prédio ao qual se ligava o pátio, onde seríamos devidamente treinados, já existiu. O homem respondeu que não tinha dinheiro, e então Eliza explodiu num aces-
antes de entrarem os fregueses. Os homens ficavam de um lado da sala e as mulheres do so de desespero, enquanto ele, com o chicote na mão já levantada, ordenava para que ela
outro. Os mais altos eram colocados na frente da fila, seguindo-se em ordem decrescente parasse com aquele barulho, ou ele a açoitaria. Ele não toleraria tamanha cena, tamanha
até os mais baixos no final da fila. Emily estava no fim da fila das mulheres. Freeman nos lamúria; e a não ser que ela parasse naquele instante, ele a levaria para o pátio e lhe apli-
instruía para que nos lembrássemos de nossos lugares; insistia para que aparentássemos es- caria cem chibatadas...
perteza e vivacidade - às vezes ameaçando, e novamente oferecendo vários incentivos. Eliza encolheu-se diante dele e tentou enxugar as lágrimas, mas foi tudo em vão.
Durante o dia nos exercitava na arte de "parecer esperto" e de nos dirigirmos a nossos lu- Queria ficar com seus filhos, dizia ela, o pouco de tempo que lhe restava para viver. As
gares com exata precisão. carrancas e ameaças de Freeman não puderam silenciar totalmente a mãe aflita. Ela con-
Depois de alimentados à tarde, mais uma vez tínhamos de desfilar e dançar. Bob, um tinuou implorando e suplicando, piedosamente, para que não separassem os três. E conti-
rapaz de cor que por algum tempo pertenceu a Freeman, tocava violino... nuava repetindo sua promessa - como ela seria fiel e obediente; o quanto ela trabalharia,
No dia seguinte, apareceram muitos fregueses para examinar o "novo lote" de Freeman. dia e noite, até o último momento da sua vida, se pelo menos ele comprasse os três juntos.
O último cavalheiro era bem loquaz, estendendo-se por muito tempo sobre vários de nos- Mas de nada adiantou; o homem não tinha dinheiro. O negócio foi feito e Randall devia
sos bons aspectos e qualidades. Ele nos fazia levantar a cabeça, caminhar rapidamente para ir sozinho. Então Eliza correu para abraçá-lo ardorosamente, beijando-o várias vezes,

I ·~~
~ HIST ORI A IL USTRAD A DA ESCRAVIDÃO
0 lEI lA O
dizendo a ele para se Lembrar deút- o tempo todo suas Lágrimas caindo como chuva so- Quando tin ha cinco anos de idade, o escravo Josiah Henson vivia com a mãe, os
bre o rosto do menino. irmãos e as irmãs numa fazenda em Maryland. A propriedade faliu e os escravos foram
Freeman a amaldiçoou, chamando-a de chorona, rameira ben-mlfl, e mandou que IJOL- leiloados. Recordando o evento, Henson escreveu:
tasse para o seu Lugar e se comportasse, e tomasse vergonha. j urou que niio mportaria mais
aquilo. Logo Lhe dmia algo que 11 forill chorar de /Jerdade, se el.n niio tiiJesse muito cuida- M eus innãos e irmãs receberam ofertas primeiro, um por um, enquanto minha mãe,
do, e daquilo el.n poderia est11r certa. paralisada de medo, segurava-me pela mão. Chegou a ma vez, e ela foi comprada por
O fozendeiro de Baton Rouge, com su11s no/Jas aquisições, estava pronto para p11rtir. lsaac Riley, do condado de Montgomery. Depois me ofereceram aos compradores ali reu-
"Niio chore, mamãe. Serei um bom menino. Não chore'; disse RandaiL, olhando para nidos. Minha mãe, meio perturbada com a idéia de se separar para sempre de todos os seus
trás, enquanto eles saíam pel.n porta. filhos, avançou entre a multidão, enquanto corriam os lances para a minha compra, até
o lugar onde estava Riley. Caindo a seus pés e agarrando-se às pernas dele, ela suplicava,
Sendo o tráfico de escravos um negócio comprometido co m o lucro, tais divi - num tom de voz que somente uma mãe poderia proferir, para que comprasse seu filhinho
sões de família eram comuns. Separavam-se maridos das esposas, e mães e pais de e a ela também, e que lhe poupasse pelo menos um de seus pequeninos. Pois, acredite, es-
seus filhos. se homem, a quem se dirigiram tais apelos, foi capaz não só de ignorar as súplicas de mi-
No dia 2 de maio de 1849, J. T. Underwood colocou este anúncio no Louisville nha mãe, como de se desembaraçar dela com violentos golpes e pontapés, fozendo com que
Wt>ekry journal: ela se afastasse rastejando e gemendo por causa do sofrimento fisico e em soluços, com o co-
ração partido. Enquanto se arrastava, fugindo daquele homem brutal, ouvi-a lamentar-
Quero vender uma mulher negra e quatro crianças. A mulher tem 22 anos, bom cará- se: "Oh, Senhor Jesus, por quanto, quanto tempo devo softer desta maneira?"
ter, é boa cozinheira e lavadeira. As crianças provavelmente têm entre 6 anos e 1 ano e 0.
Vendo-os juntos ou separadamente, à vontade do comprador. Depois de efetuadas as compras nos mercados do norte, os escravos eram reuni-
dos e levados para o sul. No outono e no inverno preferia-se a rota fluvial; no verão,
Alguns senhores talvez tenham decidido nunca separar as famílias de seus escra- por terra. Supunha-se que a viagem a pé fortalecesse os escravos, preparando-os pa-
vos, mas se tal atitude se revelasse um mau negócio, o sentimento provavelmente ra o clima severo do vale do baixo Mississipi e do Texas. Caminhavam acorrentados
dava lugar ao interesse econômico. Famílias inteiras eram anunciadas como uma em comboios. Charles Ball, um ex-escravo cuja narrativa apareceu em 1836, descre-
só unidade para venda, mas se o regateio indicasse que se podiam obter preços ve um comboio do qual fez parte:
mais altos de outra forma, os escravos eram vendidos separadamente. O historia-
dor Frederick Bancroft declarou: "A venda individual de crianças, pública e priva- Meu novo senhor, cujo nome eu não sabia, me fez atravessar naquele mesmo dia o
da, era freqüente e notória." O tráfico de crianças tornou-se até uma especializa- Patuxent, onde me juntei a outros 51 escravos que ele havia comprado em M aryland; 32
ção de certos mercadores. Costumava-se dar pequenos escravos como presentes: eram homens e 19 mulheres. As mulheres ficavam amarradas umas às outras apenas com
um filho, neto ou afilhado muito querido podia receber um menino n.egro ou me- uma corda presa ao pescoço de cada uma, como se fosse um cabresto; mas os homens, dos
nina negra como brinquedo. quais eu era o mais robusto e o mais forte, estavam equipados de um modo muito diferente.

H ISTÓRIA ILUSTRADA DA EsCR AVI DÃO 0 l E i l ÃO


Uma pesadtt argow de ferro era encaixadtt, por meio de um cadeado, em tomo do pesco- Lewis C. Robards, q ue chegou a ser um dos principais mercadores de escravos

ço d e cada um de nós. Uma corrente, também de ferro, de u m 3 0 metros de compri- do Ke ntucky, desenvolveu sua própria especialidade. Mantinha um lote selecio-

mento paHava pelo ferrolho de cada cadeado, exceto nas dum extremidades. onde os nado de belas mulatas - "meni nas especia is"- em luxuosos apartamentos próxi-

ferrolhos paHavam por um elo da corrente. Além disso, éramos algemados aos pares, mos de seu depós ito de escravos em Lex ing ron, exib indo-as para compradores
com presilhm e pinos de ferro. Uma corrente curta, de um 3 0 centlmetros, prendia as que queriam adquirir amantes. "Com exceção de Nova Orleans", escreveu o his-

algemas em pares. Dessa maneira ficávamos acorrentados alternadamente pela mão es- toriador Bancrofr,
querda e pela mão direita.
Lexington era talvez o melhor lugar em todo o sul para essa especialidade (amantes ne-

O reverendo )ames H . Oickey, viajando por uma estrada no Kentucky, certa vez ou- gras}, p ois tratava-se de um grande centro ou de uma estação de veraneio muito procura-

viu o som de uma música que vin ha de trás de uma elevação do terreno. O lhando à M por prósperos criadores de cavalo, tu rfistas inconseqüentes, fazendeiros esbanjadores,

frente, ele viu uma bandeira norte-americana tremulando sobre um aclive. Supondo jogadores e devassos, em cuja libertinagem não havia preconceito de raça.

que estava prestes a deparar com um desfile militar, ele seguiu pela margem da estra-
da. Ao chegar ao topo da rampa, viu um comboio de escravos de cerca de 40 negros Robards ti nha ainda uma outra especialidade. Costumava adquirir escravos

acorrentados, e atrás deles umas 30 mulheres, em fila dupla, cada par preso pelas mãos. doentes cuja condição podia ser temporariamente ocultada. Comprava-os barato
"Uma tristeza solene manifestava-se em cada rosto", disse Oickey, e vendia-os rapidamente, a preços elevados, para clientes ingên uos. Outros mer-
cadores anunciavam abe rtamente escravos velhos e exauridos ou aqueles que so-

e o meÚlncólico silêncio dessa marcha de desespero era interrompido apenas pew som de friam de doenças crô ni cas e os enviava para o su l, onde capatazes de fazendas lu-
dois violinos; sim, como que para acrescentar insulto à dor, os pares dianteiros recebiam um cravam fazendo suas pechinchas trabalharem até a morte sob chicotadas. O se-
violino catÚz um; o segundo par era ornamentado com penachos; enquanto próximo ao cen- gui nte anú ncio, feito por um desses m ercadores, apareceu em jornais do alto sul
tro tremuúwa a bandeira republicana, carregatÚz por mãos literalmente acorrentatÚzs. em 1839:

Considerava-se mais seguro transportar escravos pela água porque era difícil fu- PARA FAZENDEIROS E PROPRIETÁRIOS DE ESCRAVOS!
gir. Às vezes, porém, havia surpresas. Em 1826, o mercador Edward Stone, do Ken- Aqueles que possuem escravos que se tornaram incapazes para o trabalho devido à

tucky, embarcou um carregamento de 77 escravos, num barco de fundo achatado, bouba, escrófola, diarréia crônica, definhamento, reu matismo, etc. e que desejem de-

para vender mais ao sul. Quando o barco descia o rio Ohio, subitamente os escra- les dispor em termos razoáveis, entrar em contato com]. King, No. 29 Camp Street,

vos se libertaram e atacaram Stone e sua tripulação de quatro brancos. Com machados, Nova Orleans.

facas e pedaços de pau, os amotinados mataram todos os cinco brancos, amarraram


pesos em seus corpos e os afundaram no rio. Depois fizeram um rombo no barco. Como os escravos afetavam o mercad o? Os registros de propriedade no conda-
Fugiram pelo campo, mas a maioria foi capturada. Os cinco considerados líderes fo- do de Fayette, no Kentucky, entre 1845 e 1847, mostram que meninos de 3 a 9 anos

ram enforcados publicamente, e os outros 47, vendidos rio abaixo. rendiam 250 dólares. Homens em plena atividade rendiam 7 50, e mulheres, 600.

H tSTORIA IlUSTRADA DA ESCRAVIDÃO


0 LEIL AO
Nos 15 anos seguintes, os preços subiram constantemente, à medida que os plan-
have r dú vida de que inúmeros proprier:írios de escravos deliberadamente se en-
tadores de algodão e cana-de-açúcar do sul realizavam maiores lucros. A deman-
ca rregaram de au mentar a quantidade de escravos ve ndáveis casando-os e enco-
da cresceu tanto que às vezes havia dez compradores para cada escravo oferecido.
raj and o a proliferação po r rodas as manei ras possíve is".
Em 1858, uma menina de 12 a nos rendia 865 dólares, um garoto de 16, I. O15,
À med ida que crescia a importância da mão-de-obra escrava, os estados de fro n-
e um homem de 23, 1.290. Um ano d epois, os escravos de primeira qualidade
teira começaram a procriar escravos para o mercado do extremo sul. Kentucky,
subiram para 1.500 dólares no mesmo condado. "Meninas especiais" rendiam
Maryland e Virgínia fi caram conhecidos como os estados "procriadores de escravos".
1.600, 2 mil ou mais.
De acordo com Frederick Law Olmsred , dava-se tanta atenção à procriação e desen-
Bancroft estimava que nessa época da "febre negra" o valor anual de escravos
volvimento dos negros quanto à criação de cavalos e mulas. O hisroriador Thomas
vendidos pode ter chegado a 150 milhões de dólares. Apenas um mercador de
R. Dew, da Virgínia, disse em 1832 que seu ''estado era um criador de negros" e que
Richmond ati ngiu vendas de dois milhões de dólares em 1856. A possibilidade
tinha exportado anualmente mais de 6 mil escravos para outros estados. Outro ha-
de lucro pode ser vista no exemplo de John R. White, um mercad o r de Sr. Louis,
bitante da Virgínia, o reverendo Moncure Conway, acrescentou que "a licenciosida-
Missouri . Em 1859, ele vendeu 186 escravos por um total de quase 250 mil dó-
de generalizada entre os escravos, para fins de grande multiplicação, é fo rçada por
lares, com um lucro de 50 mil. Alguns sulistas estavam ganhando mais com es-
alguns senhores e encorajada por muitos".
cravos do que plantando algodão ou tabaco.
O s experimentos com procriação começaram já em 1639, quando Samuel Ma-
Mas não muitos mercadores lucravam tanto assim. A maioria era de pequenos
verick, de Massachusetts, tentou a reprodução com um par de seus escravos. Tais
negociantes. Com pouco capital e sob condições altamente competitivas e espe-
experiências foram feiras com freqüência (e com discrição) em anos posteriores,
culativas, geralmente eles faliam. Os grandes mercadores d e escravos eram aque-
assim como um agrô nomo procura desenvolver novas e melhores variedades de
les que ac umulavam fortunas - homens como os aristocratas Thomas H.
milho. Mas o objetivo principal era produzir mais escravos para o mercado.
Gadsden e Henry Laurens de Charleston, os irmãos Campbell de Nova Orleans,
"Uma escrava", soube Olmsted na Virgíni a, "geralmente é pouco estimada por
ou o mercador de Memphis, Narhan Bedford Forrest. Ao contrário do mito, es-
suas qualidades de trabalho, muito por aquelas que dão valor a uma égua repro-
ses bem-sucedidos mercadores de escravos não eram alvo do desprezo social. De
dutora. " A fertilidade de uma mulher negra era um trunfo econômico que o se-
um modo geral, eram respeitados. Dizia-se que Forrest teve o lucro fabuloso de
nhor explorava ao máximo. Um senhor da Virgínia orgulhava-se de como suas
96 mil dólares em um ano. Como o general Forrest, o ex-mercador de escravos
escravas eram "procriadoras excepcionais". Cada criança, disse Olmsted, somava
tornou-se um dos mais famosos líderes da cavalaria da Confederação. Forrest
200 dólares à sua riqueza no momento em que vinha ao mundo.
capturou Fort Pillow no Tenessee e massacrou os soldados negros da guarnição.
Um indício do interesse dos proprietários na procriação pode ser encontrado
Depois da guerra, o nome de Forrest foi associado à Ku Klux Klan.
no coeficiente sexual de seus escravos. Um ou dois homens adultos combinados
Quando crescia a demanda por escravos, havia sempre preocupação com a
com muitas mulheres era o suficiente para uma operação de criação de escravos.
queda da oferta. Uma das soluções para o problema foi criar escravos. O histo-
A procriação começava com meninas de 13 ou 14 anos. Com a idade de 21 mui-
riador John Hope Franklin conclui que, "apesar das negações e justificações de
tas já tinham gerado meia dúzia de produtos para o mercado. Alguns proprietá-
muitos dos estudiosos da história da escravidão norte-americana, parece não
rios incentivavam suas escravas a produzir, oferecendo-lhes recompensas ou prêmios

· ~- I
~
HI STORI A I L US T RADA DA E S CRAV I OAO
0 LEILAO
para cada filho. As melho res procriadoras teriam menos trabalho para fazer e mais
roupas para se enfei tar.
Procriar escravos era uma coisa tida como natural. Proprietários que se dedica-
vam a essa prática não eram malvistos pelos vizinhos, como geralmente acon tecia
com os mercadores de escravos. Isso parece estranho, pois tanto a procriação
quan to o tráfi co eram atividades econômicas inseparáveis da escravidão como ins-
tituição. E tanto o criador quanto o mercado r viam os escravos como animais pro-
duzidos e vendidos com intenção de lucro.

408
H ISTO R I A IlU STR ADA DA E SCRAVI D ÃO
Unidos, o modo de conrrolar a população escrava sempre foi um proble-
ma que preocupou muitos brancos. Conseqüentemenre, desenvolveu-se
nas colônias e expandiu-se pelos estados um corpo específico de "leis para negros".
Essas leis complementavam o uso da recompensa, punição e da etiqueta de casta, pelas
quais os proprietários de escravos tentavam criar um escravo dóci l, submisso e depen-
dente, que se idenriflcasse com os inreresses do senhor. O escravo ideal não tin ha
pensamentos incoerentes com seu papel servil. Era leal, cooperativo e obediente.
Fidelidade era uma virtude que alguns senhores conseguiam inculcar em alguns
escravos, especialmente os favoritos. Mas havia muitos que apenas simulavam coope-
ração, e outros ainda que se recusavam a acei tar a servidão e lutavam abertamente
contra essa condição. Aceitação, acomodação e protesto não eram mutuamente ex-
clusivos. O s escravos podiam mudar de um estado de espírito para outro, dependen-
do do ambiente e de seu efeito sobre a personalidade deles.
Cada aspecto da vida do escravo era coberta pelos Black Codes ou Leis para Negros.
Essas leis variavam em detalhes, mas em sua essência estava a crença de que o escra-
vo não era uma pessoa, mas uma propriedade. A função das leis era proteger os di-
reitos de propriedade, defendidos para garantir a dominação do escravo por parte de
seu senhor e proteger o senhor de qualquer insubordinação por parte do escravo. "É
uma pena", escreveu um fazendeiro da Carolina do Norte, Charles Pettigrew, "que
de acordo com a natureza das coisas, a escravidão e a tirania devam caminhar jun-
tas e que não exista algo como um escravo obediente e útil, sem o penoso exercício
da autoridade desmedida e tirânica."
Não havia nada de sutil ou ambíguo nos BLack Codes. Foram feitos para ser re-
pressivos e usavam uma linguagem grosseira. Aos olhos da lei, os escravos eram
bens de que o senhor podia dispor a seu bel-prazer. Para o escravo, portanto, não
havia nenhuma política de direitos civis: não havia lugar para ele nos tribunais
nem direito a um julgamento por júri popular; ele não podia processar ou servir
como testemunha (exceto contra outros escravos ou negros livres), e seu juramento
não era considerado uma obrigação moral; não podia assinar contrato, incluindo o
August Stahl. Escravo, c. 1865. Coleção Particular

H ISTO RIA ILU STR ADA DA ESCRAVIDAO


contrato de casamento; não podia ter propriedade sua, salvo para algumas coisas Toda vez que o medo de uma insurreição negra se espalhava por uma região,
pessoais; não podia dar ou receber presentes; não podia faze r testamento , nem aprovavam-se leis mais duras para o controle dos escravos. Já em 1680, na Virgínia,
tampouco herd ar q ualq uer coisa; não podia golpear um bran co, nem mesmo em um pavor tomou conta da legislatura a ponto de fazê-la negar ao escravo o direito
legítima defesa. (Se ele fosse assassinad o por um branco, este provavel mente não de "carregar o u armar-se de porrete, bastão ( ... ) ou qualquer outra arma de defesa
seria julgado por homicídio.) ou ataque". Ele não podia "deixar o terreno de seu senhor sem um certificado", e se
As Leis para Negros cercavam o escravo com um m uro de proibições . Ele não ele "ousasse levantar a mão contra q ualquer cristão", levaria "30 chibatadas bem
podia deixar a fazenda sem uma autorização. N ão podia p ortar armas, jogar, to- aplicadas sobre as costas desnudas". Não mui to tempo depois, o estado da Virgínia
car corneta ou tambor, fumar em público o u jurar. Não podia se reunir com ou - negava aos negros o direito ao batismo (para que eles não reivindicassem a liberdade),
tros escravos, a não ser que um branco esti vesse prese nte. Não podi a ca mi nhar dizendo que nenhum negro deveria ser li bertado a não ser que seu emancipador ga-
com bengala ou "demonstrar alegria". Não podia andar de carruagem , a não ser rantisse sua remoção do país num prazo de seis meses. A partir do século XIX, os
como um servo. Não podia comprar o u vender produtos, exceto como interme- Black Codes coroaram-se ainda mais severos, imped indo qualquer possível acesso d os
diário de seu senhor. Não podia ter porcos, cavalos, ovelhas ou gado. N ão po- negros à liberdade ou m esmo à expressão pessoal.
dia visitar a casa de um branco ou de um negro livre o u entretê-los em sua ca- Na década de 1830, o estado da Virgínia estava proibindo os negros de freqüentar
sa. N ão podia viver em luga r separado de seu senhor. Não podia aprender a ler encontros relig iosos à no ite e negando-lhes o direito a ouvir pregadores negros. Se
ou escrever. Não podia adquirir, manter ou passar adiante nenhum tipo de lite- os escravos quisessem ir à igreja, tinham de ir na companhia de seus senhores, e so-
ratura "incendiária". mente durante o dia e para o uvir apenas pregadores brancos. Após as revo ltas lide-
É claro que havia exceções a essas leis ou códigos, especialmente nas cidades, on- radas por Gabriel Prosser e Nat Turner, acrescentaram-se ainda mais leis sobre os Black
de já se mostrou que escravos especializados geralmente obtinham um cerro g rau de Codes. O historiador Herbert Klei n chega à conclusão de que as leis na Virgínia eram
liberdade no trabalho e nas condições de vida. Mas essa liberdade poderia ser revo- "severas e brutais, deixando o senhor totalmente protegido contra seu escravo, e o ne-
gada, e a am eaça de uma dura repressão estava sempre presente. gro numa posição legal a mais degradada de toda a história da civilização ocidental".
Os Black Codes diziam que o escravo era inferior, e caso alguém não entendesse Tendo estabelecido a lei, os proprietários de escravos não negligenciavam os
isso, a Corre Constitucional da Carolina do Sul expressava diretamente: meios físicos para executá-la. O chicote era a lei.
~),
Um escravo não pode evocar nem a Magna Carta nem a Lei comum (..) conforme a A disciplina diária estava nas mãos do senhor. "Em nossos estados", disse o edi-
própria natureza das coisas, ele está sujeito ao despotismo. Para ele a Lei é apenas um pac- tor sulista J. D. B. de Bow em 1853, "dispensamos todo o mecanismo de polícia pú-
to entre seus governantes, e as questões que Lhe dizem respeito são debatidas entre eles. As blica e tribunais públicos de justiça. Assim, nós julgamos, decidimos e executamos
várias Leis relativas aos escravos refletem em seu totbJ a subordinação da classe servil a ca- as sentenças em milhares de casos, que em outros países iriam para os tribunais."
da individuo branco livre e impõe a severa politica que a relação entre senhor e escravo A maior parte dos pequenos delitos era punida com o açoitamento. Todo escravo que
necessariamente requer. Qualquer conduta do escravo que seja incoerente com a devida se recordava de suas experiências conta que já foi chicoteado. (Nada esclarecia as audiên-
subordinação transgride o propósito destas leis. cias nas reuniões abolicionistas mais rapidamente do que a exibição das cicatrizes nas

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~ H1ST0AIA ILUS TRADA DA ESCRAVIDAO A LEI f O C H ICOT E ~
costas de um escravo fugitivo.) Para infrações menores- como deixar uma folha seca ou punição proporciona/à sttn mmsgrmlio. fi r;erdnde pum e simples que se pode ouvir, na fo-
um pedaço de casulo no algodão, ou partir um galho no campo-, 25 chibatadas era 0 zentÚI Epps, o estalido do chicote, e o gemido dos escravos, 11indos da esmridão, até a hom de
corretivo usual. Pelas outras penalidades comuns, o escravo recebia de 50 a I 00 se fos- dorrnir, durante quase todo o período da época de colheita do algodão.
se algo "severo". Os delitos mais graves- responder para um branco ou fugir - pode-
riam resultar de 300 a 500 chicotadas, várias semanas de dor e agonia para a vítima. As Quando um propriedrio de escravos, como o senhor Epps, era também sádico,
costas - do homem ou da mulher - eram desnudadas e o escravo era açoitado enquan- a brutalidade ro rnava-se mais intensa. A cada duas semanas, Epps se embebedava,
to ficava estendido no chão, amarrado a uma árvore ou curvado sobre um barril. para terror dos negros. Meio enlouquecido, ele vol tava para a fazenda, pegava o chi-
O chicote utilizado nos escravos era o mesmo que se usava em touros selvagens cote e saía cambaleando em busca de vítimas. Durante horas, os escravos tentavam
ou em cavalos rebeldes. Instrumento inrrincadamente elaborado, foi ass im descrito esqu iva r-se dele, mas os menos afortunados sentiam o gosro do açoite, especialmen-
por John Brown, um escravo da Geórgia: te as crianças e os velhos, incapazes de correr o suficiente. Às vezes ele se escondia
atrás de uma cabana, com o chicote levantado, e golpeava o primeiro rosro negro
Primeiro escolhe-se uma ripa de madeira de comprimento apropriado, cuja extremidade que espreitasse cautelosamente num canto.
é chumbado para dor peso ao chicote. A ripa é então habilmente dividido em doze tiras até "Negros serão negros em astúcia, estupidez e teimosia", disse o Richmond
uns trinta centfmetros do extremidade. Uma peça de couro curtido dividido em oito tiras é Enquirer em 1859. "É impossível pensar em mudar sua natu reza, a não ser pelo chi-
encaixado na ripa, de modo que as tiras possam ser trançados. Isso é feito de maneira bas- cote, que é uma ótima instituição para esticar a pele dos negros e endireitá-los. " O
tante uniforme, até o couro ficar com a ponta bem fina, o chicote ao todo chegando a uns mesmo jornal continuava, advertindo seus leitores: "Ninguém jamais deveria usar o
dois metros de comprimento, e tão maleável e flexfvel quanto uma cobra. A tira de couro não relho contra um homem branco (.. .) porque a natureza humana do branco se revol-
causa contusões mas corta; e aqueles que são peritos em seu uso podem manejá-la com des- ta com um castigo rão degradante. "
treza tal que esfolam a pele efazem sangrar ou cortam direto até o osso. (. .) O correto é ro- Mas a natureza do homem branco não se revoltava contra o faro de infligir as
dopiá-la até que a tira ganhe uma certa impulsão, e depois deixar que sua extremidade caia mais arrozes punições sobre os negros. Em 1851 , um cidadão da Virgínia, de nome
sobre as costas, o braço sendo puxado para trás num movimento circular. Embora seja um Souther, forçou ao máximo a imaginação ao elaborar maneiras de punir Sam, seu
instrumento tão terrlvel, raramente é utilizado nos escravos para incapacitá-los. escravo. O caso foi parar no tribunal, e o registro revela:

Nas mãos do capataz ou supervisor, o chicote incitava os escravos relutantes a rea- O negro foi amarrado a uma árvore e chicoteado. Quando Souther cansou de tanto açoi-
lizarem seu trabalho não-pago. O capataz q ue não o usasse suficientemente era ele tar, chamou um de seus negros e ordenou-lhe que surrasse Sam com um sarrafo. Também
mesmo açoitado. "Raramente um dia se passava sem uma ou mais chibatadas", disse mandou uma negra surrá-Lo. E depois de bater e chicotear, ateou fogo ao corpo do escravo;
o ex-escravo Northurp. em suas costas, barriga epartes íntimas. Então fez com que ele fosse lavado com água quen-
te, na qual haviam sido embebidos algumas vagens de pimenta-malagueta. O negro tam-
Isso ocorria na época do pesagem do algodão. O escravo negligente, cujo peso diminuíra, bém foi amarrado a um tronco e ao pé da cama com cordas que o sufocaram, e foi chuta-
era levado para fora, despido, obrigado a deitar-se no chão, de bruços, quando então recebia a do e pisoteado por Souther. Esse tipo de punição continuou até que o n·tgro morreu.

I ...
~ H ISTÓRIA IlU STRA DA DA E SC RAV IDAO
A LE I E O CHICOTE
415 1
- -
Souther foi condenado por assassinato em segundo grau e sentenciado a cinco
anos de prisão.
Em lugar do chicote, às vezes usava-se uma pá especial, coberta de furos de uns
sete centímetros de diâmetro. Ao ser aplicada com força, levantava protuberâncias
na pele, que se desfaziam a cada golpe sucessivo. Era uma forma extremamente do-
lorosa de tortura.
Na fazenda, o pelourinho era um meio comum de punição. Para delitos como
roubar um melão ou violar o Sabá, os escravos podiam ser açoitados no pelourinho
e deixados sob o sol quente para que se arrependessem.
Os regulamentos da cidade permitiam que os senhores enviassem seus escravos à
prisão para serem disciplinados, especificando o número de chibatadas que deve-
riam receber. Em caso de infração pública, o tribunal decidia sobre a punição. Em
Richmond, o roubo de um acolchoado rendeu ao escravo dez chibatadas, e de um
par de botas, 39. Outro escravo, que pegou 30 dólares em dinheiro, recebeu 15 chi-
batadas e ainda teve a mão marcada a ferro. Em Mobile, a " imprudência" era punida
com 15 chicotadas. (Um senhor, cujo escravo o havia encarado com atrevimento ao
lhe ser dirigida a palavra, jurou que "tiraria o orgulho desse negrinho a chicotada".)
Por ter roubado 12 metros de linho, uma menina de Charleston recebeu duas sur-
ras de 20 chicotadas cada e duas semanas na casa de correção.
A cidade punia os escravos num pelourinho público, localizado onde todos pu-
dessem ver. Quando os açoites não bastavam, a cidade sentenciava-os a passar um
período na casa de correção e talvez na roda de moinho. Alguns escravos ficavam
presos por grilhões enquanto estavam na casa de correção.
A última medida de punição era o patíbulo. A pena de morte podia ser invocada
para muitos delitos, geralmente triviais. M as a justiça era amenizada não tanto por
misericórdia quanto pelo protesto do senhor contra a destruição de sua valiosa pro-
priedade. Mesmo quando o delito era o assassinato, o senhor poderia ser poupado
da perda de seu escravo se concordasse em vendê-lo para fora da região. Ainda as-
sim, havia enforcamentos suficientes para lembrar aos escravos o poder dos brancos.
As execuções ocorriam em público para que todos aprendessem com o exemplo.

J. B. Debret. Escravos com mllscara de ferro. Viagem Pitoresca • Histórica ao Brasil, séc. XIX
41 7 1
A LEI E 0 C H ICOTE --
A patrulha era um recurso da fazenda para fazer valer o Black Code. Tratava-se
de uma espécie de milícia de que os homens brancos deveriam partici par por perío-
dos de um , três o u seis meses. Os fazendeiros é que pagavam os salários. Deixar de
comparecer a uma patrulha resultava em multa. Dividia-se cada condado em setores
que eram patrulhados por um esquadrão armado. Na região de Louisiana, onde
Northu rp foi escravizado, a tarefa dos patrulheiros era capturar e chicotear rodo es-
cravo encontrado perambulando longe da fazenda. Comandada por um capitão, a
patrulha era organizada, armada e acompanhada por cães. A patrulha podia punir
qualquer negro apanhado fora da fazenda e sem o passe. Se o escravo tentasse escapar,
tinham permissão para atirar nele. As patrulhas estavam au torizadas a entrar nos alo-
jamentos dos escravos para procurar armas ou desfazer reuniões em que se podia es-
tar tramando uma conspiração.
Na cidade, a força policial substituía a patrulha da fazenda. Em 1857, Charleston
tinha um efetivo de 281 homens, 25 dos quais montados. Constituíam a maior des-
pesa no orçamento da cidade. O lmsted, passando por muitas cidades do Sul, ficou
surpreso com as precauções que viu em roda parte. "Você depara com um aparato
policial nunca visto em cidades sob governo livre: fortalezas, sentinelas, passaportes,
canhões e açoites públicos diário{. O toque de recolher em Charlesron ocorria às
dez horas da noite, quando os negros tinham que estar fora das ruas. Um visitante
disse que naquela hora a cidade de repente parecia uma grande guarnição militar. As
ruas principais eram tomadas por patrulhas de 20 ou 30 homens, marchando atrás
de pífanos e tambores. Lembrava a Olmsted uma cidade sitiada.

I418
- - H ISTO R IA I LUSTRADA DA E SCRAVIDÃO
a. ' .. I'\ ~ I\. I OI • f \I r. ( I \I. I\ I \( 11 .1\ ' ' ) \ O senhor costumava às vezes pegar mulheres pros homens, ele ficava esperando à beira
foi destruir o casamento e a família d o negro norte-americano, que fize- da estrada até passar uma carroça grande cheia de escravos. Então o senhor parava o mer-
ra parte de uma antiga tradição africana de vida familiar. A migração for- cador de negros e comprava uma mulher pra você. Não adiantava tentar escolher, porque
çada de sua terra natal para o Novo Mundo desintegrara sua cultura. Nas Américas o senhor níio pagaria muito por ela. Tudo que ele queria era uma jovem sauddvel que pu-
enco ntrou uma cultura estranha de origem européia. As vendas nos mercados mis- desse ter filhos, fosse ela bonita ou feia como o diabo. Emão ele Levava você e a mulher pa-
turaram muitas tribos de diferentes línguas e tradições. Ele vi nha sem a fa mília e ge- ra uma das cabanas e deixava você na varanda. Ele não entrava. Não, senhor. Ele ficava
ralmente sem mulheres. Não apenas foi separado de seu próp rio mundo; não lhe foi lá na porta e abria a Bíblia numa página qualquer e lia alguma coisa bem rápido. Então
permitido assim ilar a nova cultura da forma livre aos o utros povos imigrantes. À m e- ele fechava a Bíblia e terminava com este verso:
dida que o tempo passava, ele era cada vez mais afastado de suas raízes africanas. Tor- Essa la sua mulher,
nou-se propriedade, e como tal foi escravizado para a vida toda. Sua condição pas- Esse é o seu marido,
sava para os filhos e para os filhos dos filhos. Eu sou seu senhor,
Os Black Codes nunca concederam status social ao casamento de escravos. Con- Ela é sua senhora,
forme decretava um tribunal da Carolina do Norte, "a relação entre senhor e escravo Vocês estão casados.
é totalmente incompatível até mesmo com a relação qualificada de marido e espo-
sa, segundo se presume existir entre os escravos". Se houvesse restrições à venda de Em algumas fazendas patriarcais, porém, po diam-se encontrar três gerações de fa-
escravos para impedir a desagregação de famílias, o preço de mercado cairia brusca- mílias que haviam se casado pelo costume dos escravos. Conforme conta o escravo
mente. Os interesses da propriedade vinham em primeiro lugar; assim, tais conside- fugi tivo James W C. Pennington, esse tipo de ocorrência mostrava-se mais comum
rações humanitárias não afetavam a lei. onde o pai era um artesão cujas habilidades fossem altamente valorizadas. Mas até
Onde a vida na fazenda tornava-se estável e o senhor patriarca dominava o território, mesmo em tais situações a liquidação de uma propriedade o u a erupção de algu ma
as famílias de escravos podiam atingir um certo grau de permanência. Mas a estabilida- crise financeira podia romper os mais íntimos laços da vida familiar.
de da família podia ser rompida a qualquer momento pela vontade do senhor. Ele podia AJguns pais não mais conseguiam suportar impotentes os m aus-tratos contra suas
construir ou desfazer a família de negros. O casamento entre escravos, disse um juiz da famílias por parte de senhores cruéis. Henry Bibb, do Kentucky, era um desses es-
Carolina do Norte, "pode ser dissolvido à vontade de ambas as partes ou pela venda de cravos. Ele fugiu, e do Canadá escreveu para o seu senhor:
uma ou de ambas, dependendo do capricho ou da necessidade dos proprietários".
Este quadro do casamento é tirado das recordações de um velho ex-escravo que Ser obrigado a vê-lo chicotear minha mulher sem piedade, sem poder dar a ela algu-
viveu numa fazenda na Virgínia: ma proteção, nem mesmo oferecer-me para o açoite em seu lugar, era mais do que eu acha-
va ser o dever de um marido escravo suportar, enquanto o caminho estava aberto para o
Quando você se casava, tinha que pular três vezes sobre uma vassoura. Era a autoriza- Canadd. Meu filho pequeno também era açoitado com .freqüência pela sra. Gatewood, por
ção. Se o senhor via dois escravos muito juntos, mandava eles casar. Não fazia diferença se chorar, até sua pele ficar Literalmente roxa. Esse tipo de tratamento foi que me foz deixar
você queria ou não, ele colocava os dois na mesma cabana e fazia viver junto... a casa e a família e procurar um lar melhor para eles.

421
HI ST ORIA I LUS TR ADA DA E SC RAVIDÃO
JOGUE A CO ROA
Mesmo com o mais benevolente dos senhores, a vida em família para o escravo
dificilmente podia lembrar o padrão da vida dos brancos livres. Além de não ter ne-
nhuma aprovação legal, a família de escravos não podia desenvolver relacionamentos
e responsabilidades de uma família branca livre. O pai não tinha qualquer autorida-
de; roda ela era conferida ao senhor. O pai não sustentava a família. A escolha de
uma ocupação não era sua. Os deveres das mães eram, antes de tudo, para com o
trabalho em tempo integral designado pelo senhor, e não para com o marido e os fi-
lhos. O tempo ou energia que lhe restasse depois disso dedicava a seu papel de es-
posa, mãe e dona de casa. As crianças eram criadas pelas regras do senhor, sendo os
cuidados médicos controlados por ele. A criança logo percebia que o pai e a mãe não
eram nada em comparação com o poder do senhor que a possuía, corpo e alma.
A escravidão fragmentava ou arruinava o desenvolvimento de um padrão normal
de vida familiar para os negros. Não concedia ao casamento nenhuma aprovação ou
proteção; deixava que os brancos explorassem as escravas por prazer ou lucro; nega-
va ao homem seu papel de marido e pai; separava a esposa do marido e os pais dos
filhos. Essa mutilação das famílias negras teve um efeito imediato e direto sobre ge-
rações de escravos nos Estados Unidos. "As conseqüências para as gerações de negros
que se sucederam e mesmo as modernas", diz o sociólogo negro Andrew Billingsley,

talvez sejam menos diretas , mas não menos insidiosas. Em nenhum momento da his-
tória deste país, os negros experimentaram de modo sistemático e generalizado um apoio
da sociedade que sequer se aproximasse da intensidade do impacto negativo da escravidão.
A sociedade não apenas não fez grandes esforços para anular os danos da escravidão e in-
tegrar ativamente em seu seio o povo negro, com base na igualdade, como várias das con-
dições explícitas dessa mesma escravidão ainda existem no tempo presente.

O controle exercido sobre a vida familiar estendia-se ao culto. Ao escravo não era
proibido abraçar uma religião, mas as condições de sua prática eram determinadas
pelo senhor. Um "bom" senhor gostava de proporcionar a seus escravos o consolo
do culto divino - porém, somente através de um evangelho e de um pastor de sua
Famllia de escravos na Carolina do Sul, 1862. Hulton Ardlive I Getty lmages

JOGUE A CO R OA
escolha. Geralmente exigia-se que o senhor ou o capataz comparecesse às reuniões e aulas sobre a Bíblia para os adultos. Oravam pelos doentes e enterravam os mor-
religiosas do escravo. Na Carolina do Sul, não eram permitidas reuniões ou prega- ros. Sua própria independência e separação deixavam os brancos preocupados com
ções noturnas. Algumas igrejas do sul protestavam contra essas severas limitações, as "sementeiras da autonomia". A parti r da vida religiosa, os negros desenvolveram
mas de modo tímido e ineficaz. Os fazendeiros, que compunham um corpo laico, uma liderança que levou à emancipação.
ditavam ordens à igreja, que não tinha nenhum poder próprio. A religião não era o único campo de instrução mantido sob controle pelos brancos,
A maioria dos escravos nascidos na América adorou, no entanto, a religião cristã que remiam qualquer forma de aprendizado por parte dos escravos. Em rodo o sul era
com serie?ade. AJgo tinha de substituir as crenças perdidas quando as lembranças proibido ensinar escravos a ler e escrever. O senhor queria que o escravo aprendesse
da África foram desaparecendo e caindo no esquecimento. Nas fazendas visitadas apenas as tarefas não-especializadas designadas à maioria dos trabalhadores nas fazen-
por O lmsred, ele observou que as práticas religiosas eram a única recreação regular das. Os servos da casa e os artesãos poderiam aprender mais, porém não se tolerava ne-
de que dispunham os escravos. Participavam "com uma intensidade e veemência nhuma escolaridade sistemática para escravos. Quando homens ou mulheres brancos,
quase terríveis de se ver", disse ele. O s merodistas, com suas doutrinas igualitárias, suficientemente corajosos, tentavam ensinar os negros, suas escolas eram fechadas.
e os batistas c~nquisraram o maior número de seguidores entre a grande maioria dos A polícia da cidade invadia as reuniões de escravos e negros livres e confiscava todos
escravos que se juntaram às igrejas. Nas fazendas, os escravos geralmente conse- os livros, panfletos ou jornais que encontrasse, punindo os culpados.
guiam promover encontros religiosos secretos, às vezes rolerados pelos senhores, que A imensa maioria dos escravos não tinha nenhuma instrução. Em muitos casos,
sabiam de sua existência, mas achavam que os melho res escravos eram aqueles trabalhavam sob as ordens de senhores ou capatazes, eles mesmos iletrados ou semi-
que se mostravam mais piedosos. letrados. Ainda assi m, alguns escravos arrojados conseguiam aprender o ABC e daí
Nas pequenas e grandes cidades, os negros organizaram sua própria vida religiosa. seguiam para frente. Um proprietário bondoso podia fechar os olhos para a lei e aj u-
"Era uma necessidade profunda", conta o hisroriador Wade, dar, ou mesmo uma criança podia ensinar seus companheiros negros. Por meio de
trapaça ou roubo, alguns escravos obtinham livros ou jornais e aprendiam sozinhos,
pois a escravidão os despojara de qualquer padrão significativo de vida, além daquele ofe- em segredo. John Thompson, escravo autodidata de M aryland, uma vez pegou um
recido pelo senhor e pela servidão. A fomllia não tinha nada a oferecer. Nenhuma tradição jornal e viu um discurso de John Quincy Adam s defendendo o direito de solicitar
podia proporcionar raizes numa história sem submissão. Nem o hoje nem o amanhã ofere- ao Congresso a abolição da escravidão. "Eu escondi aquilo durante meses", disse ele,
ciam qualquer expectativa de uma vida sem o presente estigma. Destituldos da nostalgia "e o li até ficar tão amarrotado que mal conseguia distinguir as letras." Frederick
pelo passado e incapazes de encontrar qualquer significado no presente, os negros buscavam Douglass, aos 12 anos, encontrou uma cópia do The Columbían Orator, um livro
alivio e consolo num tempo distante. Na igreja, com os de sua própria raça, entre canções de escolar em que havia um diálogo entre senhor e escravo com os argumentos a favor
redenção e as promessas do Paralso, uma corda de salvação podia ser lançada ao foturo. e contra a escravidão. Foi num estaleiro que ele aprendeu a escrever, estudando as
palavras escritas a giz nos madeiramentos pelos carpinteiros e copiando as lições nu-
Essa agregação foi importante por outras razões. Nas cidades, os negros cuidavam ma cartilha descartada que encontrou na casa de seu senhor. Tudo isso era muito ar-
de suas próprias igrejas, que eles organizavam, planejavam e administravam para os riscado, pois se fossem apanhados com os livros ou escrevendo algum material, os
escravos e também para quem era livre. Ofereciam escolas dominicais para as crianças escravos eram rigorosamente açoitados.

I ·~ ·
~ HIST0RIA I LUS T~AO A DA ES C RAV I DÃO JOGUE A CORO A
Nas cidades, era impossível para os senhores impedir as oporrunidades que um es-
cravo rinha de aprender. H avia jornais, livros e panfleros por toda parre. Um escravo
determinad~ a aprender podia dispor de rempo suficiente longe dos olhos de seu se-

nhor para pegar os rudimemos da leirura e da escrira. O s sinais de rais progressos en-
fureciam os brancos. A alfabetização não combinava com a escravidão. Era perigosa.
A meme livre um dia liberraria o corpo escravizado. E nas cidades a alfaberização
cresceu e espalhou-se até que milhares de escravos aprenderam que havia um mundo
maravilhoso e difereme além das fromeiras da escravidão.

H tS lORIA I LUST RADA DA ES C RAVIOAO


c
cravidão?
que o sistema era tão opressivo que um grande número de escravos deve ter sido redu-
zido ao estereótipo do Sambo. Ele compara o efeito psicológico do sistema sobre o es-
cravo ao efeito que os campos de concentração nazistas exerciam sobre seus prisioneiros.
Outros historiadores, tais como John Hope Franklin, Kennerh Stampp e os ana-
O velho estereótipo costumava apresentar rodo escravo como um Sambo, 1 uma listas mais jovens da escravidão, ao contrário, enfatizam a rebeldia que o sistema de
criatura infantil, contente com seu benigno senhor. Uma visão posterior o vê como opressão gerava nos escravos. Parece não haver consenso sobre a freqüência com
um Nar Turner, ardendo em revolta. Mas, como rodas as vítimas da opressão, os es- que ocorriam as revoltas. C. Vann Woodward cita a insurreição de Nat Turner "co-
cravos norte-americanos reagiram de várias maneiras à sua condição. Alguns aceita- mo a única rebelião escrava importante na maior sociedade escravagista do mundo
vam a posição inferior que o homem branco lhe atribuía. Alguns tentavam adaptar- no século XlX". Por outro lado, H erbert Aptheker fala de centenas de insurreições
se à cultura do proprietário para conquistar um lugar nela. Alguns fechavam os e conspirações.
olhos à realidade do dia-a-dia, escondendo-se no seio da religião. Alguns nunca se Se era difícil ou impossível a organização de uma resistência em grande escala, o
entregavam à escravidão, mas sempre lutavam contra ela. Muitos passavam de uma mesmo não acontecia com o protesto individual. O lmsred observou sobre os trabalha-
reação a outra, às vezes mantendo duas ati tudes conflitantes ao mesmo tempo, in- dores do campo que "a principal dificuldade é superar a grande aversão que têm ao
capazes de resolver a ambivalência. trabalho". Notou que, nas fazendas de arroz, "o constante mau uso e desperdício de
Não há dados sobre os quais basear qualquer conclusão sobre o número de escra- mão-de-obra (...) é enorme". Os escravos sempre faziam objeções a métodos novos e
vos que escolhiam a acomodação ao invés do protesto. O s registros deixados pelos aperfeiçoados de aplicar o trabalho. Era impossível para o capataz prevenir-se contra
fugitivos mostram medo, servilismo e subserviência, mas também ódio, agressivida- todos os meios que os escravos utilizavam para criar desperdício. Dizia O lmsted:
de e rebelião. Geralmente, a atitude se alterava quando o tratamento que ele rece-
bia mudava. Se o escravo fiel sofresse ingratidão ou crueldade, seu "sangue fervia", Havia, por exemplo, sob minha observação, portões deixados abertos e trancas no chão,
como dizia o ex-escravo Josiah Henson, "e me transformava, de um sujeito jovial e apesar das ordens habituais; ripas removidas das cercas pelos negros, segundo se presume,
agradável, em um escravo selvagem, mal-humorado, perigoso". para acender suas fogueiras; mulas estropiadas e implementas quebrados, por uso descui-
A personalidade do tipo "Pai Tomás" geralmente denunciava as insurreições pla- dado; um barco amarrado de modo negligente, seguindo à deriva pelo rio; homens com
nejadas pelos outros escravos. Os senhores confiavam nesses espiões para se prote- ordens para transportar ripas para uma nova cerca, depositando-as de modo que seria ne-
gerem. H á relatos de escravos tão leais que mesmo quando enviados para território cessário um duplo trabalho para colocá-las, mais do que seria necessário se tivessem sido
livre para cumprir uma tarefa, preferiam voltar à fazenda a fugir. Eram tão depen- colocadas, como poderiam ter sido quase tão facilmente, depois de um leve exercício de pré-
dentes de seus senhores, que lhes davam abrigo e segurança, que não se arriscavam a via reflexão; homens, com ordens para tapar buracos feitos por jacarés ou camarões-de-
enfrentar os desconhecidos perigos da liberdade. O historiador Stanley Elkins afirma água-doce numa importante embarcação, que, então se descobriu, tinham feito meramen-
te um remendo externo, dando-se ao trabalho apenas de parecer que haviam executado a
' Palavra ofensiva que faz referência a uma história inlànri!, cujo personagem, um menino negro chamado Sambo, gostava de comer tarefa - não tendo sido supervisionados por um capataz enquanto ofaziam; homens, que não
panquecas. (N. do T.)
tendo executado os deveres que lhes foram confiados, fazendo declarações que seu proprietário

-~~
I -~~ I
~ H 1ST0AIA ILUSTRADA DA E SC RA V IDÃ O
S ABO TA GE M , F UG A , REVOLTA ~
era obrigado a ouvir como desculpa suficiente, embora, nos disse ele, tivesse certeza de que
mzm faLsas- ttttÚJ isso demonstrava a habitual negLigincia, indolincia e serviço ftito so-
mente sob vigiLância.

Difícil dizer se isto se tratava de sabotagem organizada. Mas demonstra que o es-
cravo se recusava a trabalhar mais do que era forçado a fazer. Mantinha em nível mí-
nimo o lucro do senhor com seu trabalho não-pago. Por outro lado, quando fazia
sentido para ele trabalhar - quando ele tinha esperanças de comprar sua própria li-
berdade -, não era preciso o chicote do capataz para que cumprisse suas tarefas.
No código escravo de comportamento, o roubo não era crime. O s proprietários
queixavam-se de que seus servos levavam embora qualquer coisa que pudessem car-
regar - comida, bebida, roupas, jóias, dinheiro. Podia ser um aro casual ou uma ati-
vidade planejada e contínua. Os escravos roubavam para melhorar a dieta, desfrutar
alguns confortos ou para trocar por outras coisas. Não viam nada de errado em levar
aquilo que a escravidão lhes negava. O código moral e legal do senhor colocava-se
contra os interesses do escravo, assim este aderia a seu próprio código. E isso incluía
o direito de incendiar a propriedade do senhor para acertar contas. Construções da
fazenda, usinas para descaroçar algodão, alojamentos, tudo era consumido pelas cha-
mas em tantas fazendas que os estados fizeram do incêndio premeditado um crime
capital e as seguradoras recusavam-se a emitir apólices nos estados escravagistas.
Numa nota de fuga de escravo que apareceu no ~stern Citizen em 6 de abril de
1822, o leitor pode ter uma idéia do tipo de rebelde que os fazendeiros temiam:

$50 mil de RECOMPENSA. Fugiu do signatário no dia 27 de março último uma


mulher negra de nome SARAH, cerca de 1,80 me bem magra; rosto comprido, com gen-
givas negras, dentes Longos, olhos brancos e cabelo trançatÚJ. Usava um vestitÚJ branco de
algodão grosseiro e Levou com ela um vestido vermelho e preto, parecido com seda, tam-
bém uma túnica branca e um vestido de riscatÚJ. Sarah é o pior demônio que existe, ten-
do envenenado um garanhão e incendiatÚJ um estábulo; também incendiou o estábulo e
o curral do general R. Williams, com sete cavalos e outros bens no valor de 1.500 dólares.

HI STORIA ILUSTRADA DA ES CRAVIDÃO


Ela foi alg~madtt ~ fogiu em Ruddles Mill, d~scendo o rio. i a quinta v~z qu~ ~la ~scapa
quando prestes a ser enviada para fora do campo. Darei a recompensa acima p~la dita ne- Sabotagem , mutilação, suicídio, assassinato, fuga - estas eram as medidas que os
gra se apanhada fora do estado, 25 dólares se apanhada dentro do estado e entregue a mim escravos tomavam quando lhes negavam a esperança de liberdade. E poucos alimen-
ou mantida em prisão até que eu possa pegd-la. Levin Adams. tavam essas esperanças numa sociedade que erguia enormes barreiras à alfo rria.
Onde florescia a escravidão, os senhores não simpatizavam com a emanci pação. Na
Outra forma de sabotagem era simular doença para evitar o trabalho. Os escra- década de 1840, as leis do sul tornaram quase impossível para um senho r libertar
vos ficavam doentes ou se aleijavam para despojar o senho r de sua m ão-de-obra. seus escravos. Nos estados de fronteira, mais ao norte, o nde as leis eram menos rí-
Podiam deslocar a articulação do próprio ombro, quebrar um_a perna, decepar uma g idas, escravos alforriados tinham de deixar o estado ou perdiam o direito à liberda-
das mãos ou todos os dedos, cortar um tendão. Quando o escravo alugado achava de. Ao contrário da Igreja Católica em C uba, o clero d o sul não podia pregar que a
que estava trabalhando demais ou ficava bravo com os maus-tratos, ele "se amuava" emancipação era um ato aprovado po r Deus, assim como não podia convencer os
ou " ia para o pântano", dizia Olmsted, voltando somente quando sentisse vontade. fazendeiros de que a escravidão fosse mo ralmente um mal. Na Virgínia, os senho res
Geralmente isso não acontecia ames de expirado o tempo pelo qual fora alugado. que possuíam centenas de escravos podiam libertar alguns em seus testamentos, mas
Muitos proprietários, satisfeitos por encontrar sua propriedade a salvo- e não mor- quase sempre libertavam-se os servos "fiéis" da casa e não os outros.
ta num pântano ou fugida para o Canadá-, dispensavam a punição e contratavam Incapazes de guardar dinheiro e totalmente dependentes de seus senhores, quan-
o escravo para outra pessoa. tos escravos tinham esperanças em comprar a própria liberdade, mesmo quando a
Um senhor disse a O lmsted que achava que seus escravos "nunca trabalharam lei permitia? O historiador Winthrop O . Jordan acred ita que, em 1806, quando o
metade de um dia que fosse. Não se podia fazê-los trabalhar duro; eles nunca dis- estado da Virgínia restringiu o direito d os senhores de alforriar escravos, foi "a gota
poriam de sua força gratuitamente, e era impossível obrigá-los a isso". Tratava-se de d 'água que levou a Appomatox2 e mais além".
uma forma de resistência passiva que deixava o senhor furioso, mas impotente. Sendo a liberdade por emancipação legal um sonho vão, só era possível escapar à ser-
O último extremo era o suicídio. O escravo fugitivo C harles Ball escreveu que vidão através da fuga. A propriedade do senhor geralmente desaparecia à noite. Milhares
"a autodestruição era muito mais freqüente entre os escravos da região algodoeira d o de homens e mulheres, geralmente jovens, fugiam anualmente. Assim como a sabota-
que geralmente se supõe". Esse horrível meio de se libertar da desgraça significava gem, a fuga era outra prova do quanto se odiava a servidão. O dr. Samuel Canwright,
para o senhor o pior dos delitos, pois ele perdia sua valiosa propriedade numa esto- de Louisiana, publicou, no entanto, uma teoria de que os negros sofriam de uma doen-
cada de faca ou num laço de forca. Fazia o máximo que podia para impedi-lo, e se ça peculiar chamada "drapetomania- doença que fazia os negros fugirem". Uma vez lo-
falhasse, para ocultá-lo. O infanticídio também é mencionado em muitas narrativas calizados os sintomas, dizia ele, o tratamento preventivo era chicotear o escravo inquieto.
de escravos. Dizia-se que a mãe de Nat Turner, nascida na África, teve um ataque de Naturalmente, rodo fazendeiro preocupava-se com infecções que qualquer escra-
histeria quando ele nasceu, e precisou ser amarrada para não matá-lo. vo pudesse contrair. Como disse um senhor em seu diário, ele "preferia que um
Aparentemente, muitas mães matavam seus bebês de propósito, deitando sobre eles
à noite. Uma das tarefas do capataz era vigiar os nascimentos para que nenhum "aci-
' Cidade da Virgínia onde o general Robert Lee, do exército dos Confederados, rendeu-se ao general Ulysses Grant, líder do exército
dente" tirasse do senhor sua mais nova propriedade. da União, terminando assim a Guerra Civil norte-americana. (N. do T.)

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__ H ISTORIA ILUSTRADA DA ES C RA VIOAO S A BOTAGEM, fUGA, RE VOLTA
negro fizesse qualquer outra coisa que não fosse fugir". Todo escravo que fugia era tomadas de pânico e desespero com a notícia da aprovação da lei. Naquele tempo,
uma prova viva de que a servidão não tinha de ser inevitável até a morte. Ele mos- talvez uns 50 mil fugitivos estivessem asilados acima da linha de Mason-Dixon .3
trava aos outros que a auto-emancipação era possível. Conseqüentemente, os pro- Agora ninguém se sentia seguro. "Sob esra lei", disse Frederick Douglass, "os juramen-
prietários de escravos faziam tudo para localizar os fugitivos. A propriedade ausente tos de dois vilões quaisquer (o captor e o reclamante) são suficientes para confinar
era valiosa, e sua perda, dolorosa. Todos os dias a imprensa sulista continha anún- um homem livre à escravidão para sempre."
cios oferecendo recompensas para a recuperação de fugitivos. Da noite para o dia, milhares de negros fugiram e atravessaram a fronteira com o
Durante a Convenção Constitucional de 1787, os delegados aceitaram uma Canadá. Alguns líderes abolicionistas negros buscaram refúgio na Inglaterra. O ter-
cláusula (artigo IV, parágrafo 2) que trata do retorno de escravos fugitivos: ror se abatera sobre os negros livres, que viviam em constante medo dos gananciosos
"Ninguém que esteja submetido a serviço ou trabalho em um estado, sob as leis apanhadores de escravos. Os abolicionistas - negros e brancos - vieram em sua de-
ali vigentes, fugindo para outro estado, deverá (. .. ) ser dispensado de tal serviço fesa, dispostos a pegar em armas para desafiar a lei odiada. Muitas tentativas foram
ou trabalho, mas terá de ser entregue a pedido da parte à qual pertence o servi- feitas para resgatar fugitivos das autoridades federais na década de 1850. Algumas
ço ou trabalho." Essa medida para extraditar fugitivos foi fortalecida pela Lei do deram cerro, outras falharam. Mas agora milhares de indivíduos abandonavam a re-
Escravo Fugitivo, de 1793 , e tornada ainda mais severa por uma nova lei de 1850. sistência pacífica à escravidão, prontos para pegar em armas em defesa da liberdade
Esta última, adotada no Congresso como parte do Acordo de 1850, estabelecia do homem negro.
que qualquer autoridade federal que não prendesse, a pedido, um citado fugiti- Seguindo o leito de riachos, atravessando pântanos e subindo montanhas na es-
vo poderia ser multada em mil dólares. O reclamante não precisava de nenhuma curidão da noite, os fugitivos continuavam a chegar. A rede de caminhos que eles
autorização para que um fugitivo ou suspeito fosse preso e entregue a ele. Apenas trilhavam era chamada de "Estrada Subterrânea". É difícil determinar os fatos, mas al-
deveria jurar ser o proprietário . O detido não podia solicitar julgamento ou tes- guns especialistas estimam que mais de 3 mil "condutores" negros e brancos ajudaram
temunhar em seu próprio nome. 75 mil escravos a escapar e ganhar liberdade nos 50 anos que precederam a Guerra
A lei também declarava que se alguém ajudasse um fugitivo, dando-lhe abrigo, Civil. A famosa Harriet Tubman, ela mesma uma escrava fugitiva, guiou mais de 300
comida ou qualquer outra assistência, estava sujeito a seis meses de prisão e mul- fugas para a liberdade, fazendo 19 audaciosas incursões na wna de perigo. Uma vez
ta de mil dólares. O policial que apanhasse um fugitivo recebia urna gratificação ela levou um grupo de 11 escravos até o Canadá. Williarn Still cuidava do posto na
- urna tentação que inevitavelmente levava ao rapto de negros livres por parte de Filadélfia; Thomas Garret, em Wilrnington; John Hunn, em Camden; Levi Coffin,
policiais corruptos, que não tinham dificuldade em achar reclamantes prontos pa- em Cincinatti; Douglass, em Rochester. Havia muitos, muitos outros como eles, de-
ra jurar falsamente que eram os proprietários, pagar um suborno e sair com um safiando a lei e sacrificando paz, segurança e às vezes a própria vida.
novo escravo. A maioria dos escravos não tinha ninguém que os tirasse da servidão. (Uma Harriet
A aprovação da lei de 1850 esquentou os ânimos no Norte. Escritores corno Tubman, por exemplo, era rara; e também brancos como John Fairfield, filho de um
Henry David Thoreau, Ralph Waldo Emerson ("Esse decreto terrível (... ) por Deus, proprietário de escravos da Virgínia, morto por ter ajudado fugitivos no sul; ou Calvin
não vou obedecê-lo!"), John Greenleaf Whittier e }ames Russell Lowell bradaram
acusações e ameaçaram não obedecê-la. As comunidades negras do norte foram ' Lirnire enrre os esrados de Maryland e Pensilvânia que separava os esrados escravagisus dos abolicionisus. (N. do T.)

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L:_ H I STORIA IL US TRADA OA ES CR A V IDAO
S A B O TA G EM, FU GA , R EVOLT A ~
Faübank, um nova-iorquino que resgatou mais de 40 escravos e passou 17 anos na trouxesse "uma grande libertação" para seu povo. Com a mulher, os irmãos e ami-
prisão por seus "crimes".) Quando os fugitivos entravam em solo nortista, havia gos, ele convocou recrutas durante meses, até que mil escravos estavam pronros pa-
muita gente para alimentá-los e escondê-los e providenciar que continuassem até o ra atacar. Fizeram armas primitivas - espadas, lanças, clavas - e juntaram velhos
próximo posto, talvez 15 ou 30 quilômetros adiante. Viajavam à noite e se escon- mosquetes. Na noite de 20 de agosto eles se encontraram em Old Brook Swamp, a
diam durante o dia. A maior parte do tempo era a pé, mas às vezes os escravos mais nove quilômetros de Richmond, prontos para marchar sobre a cidade, dominar os
ousados realizavam fugas sensacionais sob disfarce, até mesmo pegando navios ou pontos-chave e lança r uma revolta por roda a região. Mas irrompeu uma terrível
trens para o norte. tempestade, forçando-os a se dispersarem até uma outra data. Enquanto isso, dois
Mas nem todo fugitivo escapava para o norte. Alguns seguiam outros cam inhos deles haviam rrafdo os demais e o governador ]ames Monroe foi avisado. D eclarou-
para a liberdade. Na Revolução Americana e na Guerra de 1812, muitos passaram pa- se a lei marcial, tropas foram mobilizadas, e os negros, caçados e enforcados. Apavo-
ra o lado dos britânicos. Enquanto a Louisiana e a Flórida ainda eram espanholas, rados com a conspiração, as autoridades executaram Gabriel e mais 30 ou 40 escravos.
os escravos desapareciam nas vastas terras pantanosas. Os semfnolas da Fl órida mais As dimensões da conspiração abalaram a ilusão de muitos brancos de que a popula-
tarde deram abrigo aos fugitivos, muitos dos quais se miscigenaram com os índios. ção escrava era "feliz, pacífica e inofensiva". O efeito imediato foi o endurecimento
Os territórios do oeste e do México também tornaram-se as metas de fugitivos das das leis para os escravos contra o novo perigo doméstico e o colapso das recentes so-
fazendas do Delta ou do Texas. ciedades abolicionistas da Virgínia.
O s proprietários de escravos falharam em todos os seus esforços para impedir o No verão de 1822, uma rebelião supostamente tramada por Denmark Vesey aba-
fluxo de fugitivos. Em vez de encarar o fato de que a própria "instituição peculiar" lou Charleston, na Carolina do Sul. Os detalhes sobre o que aconteceu não são cla-
era a causa das fugas, os sulistas brancos começaram a culpar os abolicionistas e os ros, mas os brancos ficaram terrivelmente assustados com a crença de que os negros
negros livres. Eram eles que seduziam os escravos satisfeitos a deixar o paraíso do sul. - liderados por Vesey, um carpinteiro livre muito respeitado - haviam conspirado
Homens brancos "infames" e "ardilosos" "conspiravam" com "esquemas" para expul- para matar seus senhores, saquear a cidade e fugir para o Caribe. D izia-se que milha-
sar escravos. E negros livres "ignorantes"e "preguiçosos" ajudavam a promoverdes- res de escravos estavam envolvidos. Somente a traição de um escravo impediu a exe-
contentamento. Assim, o problema dos fugitivos podia ser explicado sem destruir a cução do plano. Num julgamento secreto, Vesey e cinco outros foram acusados de
imagem do escravo fiel e feliz. ser os cabeças. Foram enforcados no patíbulo sem confessar culpa ou alegar inocência.
A revolta- um recurso mais radical do que a fuga- era o pesadelo com o qual À medida que se espalhavam histórias sobre uma enorme conspiração, os brancos,
vivia o sul dos brancos. Os senhores haviam criado o conceito do escravo dócil, mas apavorados, temiam que cada negro fosse um assassino. Prisões ocorriam diariamen-
seus próprios Black Codes mostravam o quanto eles temiam os negros rebeldes e vin- te por toda a cidade. No fim, 35 foram executados e 30 transportados para fora do
gadores. Várias conspirações e alarmes incendiavam as páginas da imprensa sulista. estado. Outros 27 foram absolvidos. Todos, negros e brancos, presumiam que a
Das três conjurações de rebelião armada que dominam os registros, duas ocorreram conspiração fosse real, e à medida que o tempo passava, os vagos detalhes eram exa-
no campo e uma na cidade. gerados e ampliados.
A Conspiração de Gabriel foi planejada no condado de Henrico, Virgínia, no ano Richard Wade, que estudou minuciosamente a conspiração de Vesey, sustenta que
de 1800. Um negro chamado Gabriel Prosser acreditava que Deus queria que ele "há evidências convincentes de que não houve de fato nenhuma conspiração, ou na

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~ H I S T O RI A ILUSTRA D A DA E S CR AVI D ÃO
SABO T A G EM , FUGA, R EV O LT A ~
melhor das hipóteses um plano vago e não formu lado nas mentes ou nas línguas
de alguns homens de cor". Mas Roberr Starobin, outro estudioso da conspiração de
Vesey, depois de analisar os registros da corte, relatos de jornais e cartas pessoais, defen-
de que "na época, nenhum branco de C harleston, incluindo os céticos, achavam
que se tratava apenas de 'conversa fiada'".
Tenha existido ou não, a conspiração de Vesey resultou em severas represálias e
no recrudescimento da ansiedade entre os brancos. A polícia e as patrulhas foram
incrementadas, mais armas acumuladas e mais poderes acrescentados à lei.
Em agosto d e 183 1, a notícia d a rebelião de Nat Turner no condado de
Southampton, Virgínia, estarreceu todo o país. Turner, um escravo carpinreiro, era
um místico religioso que, antes de fazer 20 anos, sentiu que estava sendo chamado
como mensageiro especial de Deus. De acordo com seu testemunho, ele ouvira vo-
zes revelando que havia sido escolhido para um grande propósito do Todo-Poderoso.
Ele cumpriria a profecia do Cristo de que os primeiros seriam os últimos e os últi-
mos seriam os primeiros. Revelou sua missão a quatro escravos, nos quais confiava,
e eles passaram a planejar a grande obra. Quando surgi u o sinal, saíram com seu lí-
der negro para matar os inimigos com suas próprias armas. Na noite de sábado,
2 1 de agosto, o pequeno grupo de Turner começou a rebelião assassinando a família
do senhor dele. Adicionando recrutas a suas fileiras, atravessaram os campos durante
40 horas, matando 58 brancos, dos quais 34 crianças, 14 mulheres e 10 homens. O
bando provavelmente não tinha mais do que 60 ou 70 pessoas. Disseminado o sinal
de alerta, brancos armados, auxiliados pela milícia, chegaram rapidamente e sufoca-
ram a rebelião. Turner escondeu-se por várias semanas, mas finalmente foi capturado.
Quarenta e sete negros foram julgados por insurreição. Turner e 16 de seus seguidores
foram enforcados.
Morto, Nat Turner tornou-se uma lenda. O terror que ele desencadeou no sul
nunca foi esquecido. Os brancos tremiam ao ouvir seu nome. O negros lembram
dele como um profeta que morreu confiante na "Ressurreição Negra", um revolu-
cionário que acreditava na liberdade a todo custo.

H IS T OR I A I LUSTR A D A. DA E SC R AV I O A O
ll\PIJI1 I)() \!0\11 ,,, I \1 Oll ll\ I \1 \IH\' f)(.) ()l{!l livre era acusado de preguiçoso. ignorante e
começaram a proibir a escravidão, o número de negros livres cresceu. Al- perdulário. "Eles são párias", observou o es-
guns nasceram livres, alguns libertaram-se fugindo, alguns receberam a liber- critor britânico Fanny Kemble, quando visi-
dade de seus proprietários, alguns a compraram. Em 1800, um décimo do total de um rou o Norte, "privados de qualquer solidarie-
milhão de pessoas negras no país era livre. Em 1860, havia cerca de 500 mil negros dade, salvo enrre aq ueles de sua própria raça
livres, metade vivendo no sul e metade no norte. desprezada. ( ... ) Certamente, eles são livres,
Essa liberdade, no entanto, era apenas marginal. A cada década do século XIX, m as também são aviltados."
diminuía a m argem entre escravo e negro liv re. A lei concedia ao negro oportunida- Somente alguns negros conseguiam supe-
des tão precárias de defesa que os brancos podiam reivindicar qualquer negro como rar tais desvantagens e prosperar. Um deles
sendo seu escravo. Raptar um negro livre e forçá-lo à escravidão tornaram -se uma fo i Paul Cuffe, de Massachusetts, que era do-
John Brown, o abolictomsta curo nome se
prática tão comum que os negros viviam em constante pavor. no de vários navios. O utro foi James Forten, tornou uma bandeira

Mas havia ainda o utras dificuldades a suportar. No sul, negava-se ao negro o di- da Filadélfia, um fabricante de velas para barcos, e um terceiro, o Cyprian Ricard,
reito ao voto. No norte, somente cincos estados lhe concediam o sufrágio, quatro da Louisiana, que empregava I 00 escravos em suas faze ndas.
deles na Nova Inglaterra. Seu testemunho em tribunais não era aceito, se houvesse Praticamente sem qualquer poder político, o negro li vre tinha pouca influência
brancos envolvidos. Ele pagava impostos, mas em muitos estados não podia enviar sobre as leis e os legisladores. Proibido de votar, sem proteção legal, ameaçado por
seus filhos para a escola pública. As igrejas lhe fechavam as portas o u deixavam-no mul tidões assassinas, para ele o leito da liberdade era tão duro quanto uma rocha.
em bancos separados. Jim Crow - a segregação baseada na cor da pele - estava em Mas nada fazia os negros desistirem de lutar para tornar seu povo livre. Eles falavam
toda parte, no norte e no sul. abertamente contra a escravidão de seus irmãos. Alguns chegaram à liderança entre
Escravos alforriados ou fugitivos que viajavam para o norte constatavam que nin- os abolicionistas, usando voz e pena e organizando talentos para construir o movi-
guém os queria. A economia tinha pouco espaço para os negros. Se encontravam tra- m ento antiescravista. Já em 181 7, numa reunião na Ig reja de Bethel, em Filadélfia,
balho, ganhavam salários abaixo da média. Os trabalhadores brancos defendiam seus muitos negros livres, liderados por Richard Allen, Absalom Jones e )ames Forten,
empregos e às vezes recorriam à violência contra eles. Até mesmo ocupações subalternas, juntaram-se para se opor aos esforços da Sociedade Americana de Colo nização no
como as de garçom, carregador, gari, cavador de valas - outrora reservadas aos negros -, sentido de expulsá-los do país, enviando-os de navio para a África.
estavam sendo exercidas por imigrantes alemães e irlandeses. A maioria dos negros livres Embora o governo federal e muitos estados apoiassem os planos que resultaram
não tinha nenhuma habilidade especial. Alguns tornaram-se pequenos comerciantes - na república da Libéria, po ucos negros optaram por embarcar nos navios. Somente
barbeiros, alfaiates, donos de mercearia, boticários, vendedores ambulantes. Muitos vol- 15 mil viajaram , e muitos morreram no caminho ou logo após a chegada. Para a
taram-se para o mar e conseguiram trabalho em baleeiros e outras embarcações (em maioria dos negros norte-americanos, estava claro que o objetivo dos colonizadores
1860, os negros eram cerca de metade dos marinheiros da América). brancos era livrar-se dos negros libertos, a fim de não ajudá-los.
Sofrendo pressões tão implacáveis, muitos desanimavam e tornavam-se um fardo A necessidade de proteção e benefícios mútuos uniu os negros também em ou-
público. Sem trabalho e treinamento, sem os meios para viver com decência, o negro tras organizações. Em 183 0, representantes negros de sete estados, reunidos numa

H IST ÓR IA ltU ST f'AOA DA E SCR A V I OÀO QUE V EN HA A LI BE"- OAOE


convenção na Filadélfia, deram início a um movimento. Este ganhou força ano após Os abolicionistas negros insistiam em que não seriam beneficiários passivos dos
ano, à medida que os negros se reuniam em muitas cidades do norte para protestar esforços do homem branco. Essa era uma luta do homem negro, e ninguém mais
contra a escravidão e solicitar ao Congresso que li bertasse seus irmãos escravos. bem equi pado para liderá-la que ele próprio. Muitos ex-escravos que foram para o
Muitas dessas convenções enfatizavam a importância da educação e do treinamento norre tornaram-se os mais competentes porra-vozes da abolição. Frederick Douglass
profissional para ajudar os negros em sua luta pela li berdade e a cidadania plena. foi o mais impo rtante, mas houve muitos outros, tais como Sojourner Truth,
Fraternidades remontando aos dias pré-revolucionários espalharam-se rapidamente William Wells Brown, H enry Bibb, J. W. Loguen e H enry Highland Garnet. Eles
no norte, assim como organizações de igrejas negras baseadas num padrão estabeleci- sabia m falar, de modo inflamado, sobre "a profunda e maldita crueldade da escravi-
do por Richard Allen. Tais instituições produziram muitos líderes competentes. De dão americana". Em 1843, na Co nvenção Nacional do Povo Livre de Cor, em Buffa-
suas fileiras saíram grandes pregadores, editores, educadores, oradores e organizadores. lo, Nova York, Garnet, um pregado r abolicionista, fez um apelo para que escravos se
Esses talentos se destacaram onde mais era necessário - no movimento antiescra- rebelassem e matassem seus senhores.
vista. Até recentemente, porém, tão pouca atenção foi dada aos abolicionistas negros
que somente os nomes de W illiam Lloyd Garrison, Wendelt Phillips, Theodore Irmãos, rebelem-se, rebelem-se! Lutem por suas vidas e pela liberdade. O dia e a hora
Weld, James Birney, Arthur Tappan e de outros brancos dominam a história da cruza- são agora. Que todos os escravos nesta terra façam isso, e os dias de escravidão estarão con-
da contra a escravidão. Leitores desinformados facilmente acreditara m que se tratou de tados. Não poderão ser mais oprimidos do que já foram - não poderão sofrer maiores
um movimento do homem branco. crueldades do que já sofreram. Antes morrerem como homens livres que viverem como es-
D esde a época colonial, os negros se mobilizaram pela liberdade. Quando o mo- cravos. Lembrem que vocês são QUATRO MILH6ES!. .. Que seu lema seja resistência!
vimento pela emancipação foi acelerado pelo espírito da Revolução, brancos solidá- Resistência! RESISTlNCIA!
rios juntaram-se aos negros para pôr fim à escravidão no norte. Juntos, apelaram várias
vezes ao Congresso para que ela fosse abolida no sul. A consciência racial crescia à Assim como o Apelo de Walker, o incentivo de Garnet à violência era conside-
medida que os negros se organizavam independentemente ou por meio de igrejas, rado radical demais por muitos abolicionistas negros e brancos. Mas antes de ter-
fraternidades e convenções. C riaram-se jornais, começando com o Freedom's journal minar a década, mu itos haviam perdido a fé na persuasão moral e na não-resis-
em 1827, para dar, às diversas correntes de pensamento, canais de expressão sobre tência com o os únicos meios de pôr fim à escravidão. Esta fora a posição de
táticas e estratégias. Eles disseminavam informações sobre a vida dos negros e se em- Garrison o tempo todo, e agora ele via que alguns de seus segu idores o abando-
penhavam para acabar com a ignorância e a apatia. Com seu contundente panfleto, navam , incluindo o velho amigo Frederick Douglass. Em 1847, D ouglass fundou o
O Apelo de Walker, David Walker, um comerciante de Boston, expressou-se num jornal North Star, em Rochester, Nova York, e juntou-se a outros negros desse es-
tom revolucionário que alçou a militância negra a um novo nível, aterrorizando os tado, convicto de q ue a política de Garrison de "desunião" deixaria os escravos à
brancos do sul. D ois anos depois, em 183 1, apareceu o Liberato r, de William Lloyd mercê do sul. Acreditando que a Constituição era um contrato pró-escravidão,
Garrison, lançado em grande parte com o apoio de assinantes negros. No ano se- Garrison concluiu que o norte deveria separar-se da U nião. Isso acabaria com a
guinte, a Sociedade Amiescravista da Nova Inglaterra foi organizada na Igreja Batis- expansão da escravidão no território nortista, disse ele, e resultaria na li b.:rtação
ta Mricana, em Boston. dos escravos. Mas Douglass afirm ava que o efeito seria justamente o contrário, e

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H ISTO R IA ILU ST R ADA DA E SC R AVIDÃO
Q U E VENHA A L IB ERDAD E
d efendi a uma ação polftica d ireta e a necessidade de u ma força armada para ven- governo, em Harpers Ferry, e depois libertar os escravos, atuando a partir de forta-
cer a escravid ão. lezas nas mo ntanhas. Po r mais que o respeitassem por sua dedicaç.1o e coragem, nem
O s debates entre abolicionistas brancos e negros, e entre os próprios negros, em Douglass nem os outros líderes negros juntaram -se a Brown. Douglass descreveu
torno de políticas de ação continuaram no período que antecedeu a guerra. Na ver- Brown como um homem bra nco "solidário com os negros, e tão profundamente in-
dade, não terminaram nem mesmo quando a questão foi para o campo de baralha. teressado em nossa causa como se sua própria alma tivesse sido perfurada pelo ferro
A uniformidade de pensamento não era maior entre os negros do que entre os bran- da escravidão".

cos. "A mente não toma sua forma a partir da cor da pele", escreveu um ed itor negro Douglass tentou desencorajar Brown, pois achava que seu plano não tinha chan-

em 1849. No entanto, "no que diz respeito ao movimento abolicionista", disse o his- ce de ser bem-sucedido. Mas Brown seguiu adiante, recrutando cinco negros - dois
toriado r Benjamin Quarles, "a grande maioria dos negros preferia agir em comum deles escravos fugitivos, dois estudantes da Faculdade de Oberlin, em Ohio, e um
acordo com os brancos". jovem da Pensilvânia - para seu pequeno grupo de 2 I homens. Brown atacou

Com a aprovação, em I 850, da Lei do Escravo Fugitivo, aumentava o pessimismo Harpers Ferry em outubro de I 859, mas as tropas federais aniquilaram os rebeldes.

em relação ao futuro dos negros na América. O s negros reconsideraram a velha idéia Dos seguidores de Brown, dez foram morros, cinco fugiram e os outros foram cap-

de voltar para a África. Sendo a solução predileta do homem branco para "o proble- turados e enforcados com seu líder.

ma do negro", havia sido rejeitada pela grande maioria dos negros. Para alguns come- Embora tenha sido uma tentativa imprudente, a ação tornou dramática a crise da

çou a parecer mais atraente. Por que ficar num país onde não se podia ter a esperança escravidão. Algumas horas depois da captura, ferido, Brown avisou à nação: "Vocês
de um dia desfrutar a cidadania plena? A única cura para as vítimas do racismo era podem me liquidar com facilidade. Estou quase liquidado agora, mas esta questão

deixar a América, argumentavam. Martin R. Delany defendia a fundação de uma no- ainda não está resolvida - esta questão do negro, quero dizer- ainda não é o fim."

va nação negra na costa ocidental da África. "Amamos nossa pátria, nós a amamos Na manhã em que foi para o patíbulo, ele escreveu num pedaço de papel que deu

com ternura", escreveu ele em I852, "mas ela não nos ama - ela nos despreza, e nos ao carcereiro: "Eu, John Brown, agora tenho certeza de que os crimes desta terra nun-

manda embora, negando-nos seu abraço." Também sugeriu as fndias Ocidentais, o ca serão purgados, a não ser com sangue. "

M éxico ou as Américas Central e do Sul como metas de emigração. Outros lembra- Para os abolicionistas, Brown tornou-se um grande mártir. Garrison esqueceu-se

ram-se do Canadá, e para lá seguiram. M as apesar da profunda alienação expressa em de sua não-resistência e vociferou: "Ao disparar sua arma, John Brown simplesmen-

suas palavras, poucos emigracionistas seguiram seu próprio conselho. te nos disse que horas são. Graças a Deus, é meio-dia!". E Emerson falou com reverên-

À medida que avançava a década que precedeu a guerra, o país sentia a iminência cia de Brown como "um novo santo que tornará os patíbulos gloriosos como cruzes".

de um confronto pela força das armas. As sangrentas batalhas entre forças escravis- Em New Bedford, Massachusetts, um porto marítimo com grande população negra,

tas e antiescravistas no Kansas, para decidir se o território deveria ser admitido na John Brown foi aclamado como o maior homem do século XIX. Ele havia disparado
União como um estado escravista ou livre, demonstravam até que ponto ambas as par- os primeiros tiros na guerra que tornava impossível a conciliação com a escravidão.

tes estavam dispostas a chegar. A partir do Kansas, onde suas operações militares haviam Não podia haver meio termo entre a liberdade e a servidão.

eletrizado a nação, John Brown viajou para o leste com o objetivo de tentar ganhar o Em março de I861, tomou posse o presidente Lincoln, empenhado em pôr fim

apoio de abolicionistas negros e brancos para seu plano de apoderar-se do arsenal do à expansão da escravidão em novos territórios. (Embora fosse contra a escravidão,

Q UE VENH A A L I B ERDAD E
H IS T O~ I A I LUST RAD A D A E SC RA V I D ÃO
ele não promoveu a abolição imediata e rotal.)
Seis semanas depois, forças do Sul abriram fogo
sobre o Forre Sumter. Tinha início a Guerra C i-
vil. A princípio era uma guerra para preservar a
União, na visão do norre, mas logo, inevitavel-
mente, evoluiu para uma guerra para acabar com
a escravidão. Em 1• de janeiro de 1863, decretou-
se a Proclamação de Emancipação, que afetava
apenas os escravos naquelas regiões do país ainda
em rebelião e que se justificava como necessidade
militar. Mas os partidários da liberdade sabiam
que a causa que há muito defendiam agora esta-
va prestes a ser abraçada. O Exército da União es-
tava abe rto para os negros, e embora sofressem
tratamento desigual durante toda a guerra, luta-
ram gloriosamente pela liberdade de seu povo.
Abraham Lincoln, 1860. No fim, 250 mil negros haviam servido nas for-
Museu da Cidade de Nova Iorque ças armadas, e outros 250 mil ajudaram como tra-
balhadores. Ao todo, 38 mil deram suas vidas no campo de batalha para eliminar
a escravidão da América, para sempre.
Após o conflito armado, veio a ação política para confirmar a decisão no campo
de batalha. A 13•, a 14• e a 15• Emendas à Constituição trataram dos direitos sociais,
civis e políticos dos negros norte-americanos. A 13• Emenda aboliu a escravidão, a
14• protegia os direitos dos negros como cidadãos, e a 15•, seu direito ao voto.
Para milhões de pessoas, a terrível jornada da escravidão à liberdade havia termina-
do. Mas uma luta muito mais sutil, que duraria mais cem anos, estava prestes a come-
çar. E até que o último traço da insidiosa instituição pudesse ser apagado das leis, cos-
tumes e práticas norte-americanas, os negros ainda não seriam verdadeiramente livres.

H IS T O R I A ILU S TRADA D A ESCRAVID Ã O


' ' UDA {I 11 A( AJU'II f f'\ I\ I f'" ")A() '( \ ' \ l " \ ' ) r Dizia-se que apenas em Túnis havia mais de 30 mil escravos cristãos. O s Barbaros-
Unidos, mas em muitas outras partes do mundo essa peculiar instituição sa, famíl ia de piratas turcos do século XVT, foram capazes de conqu istar Argel e
ontinuava existindo. Na própria África, em terras árabes, no Brasil, em Túnis, além de pilhar e incendiar cidades costeiras européias até a Irlanda. Por muito
C uba, Porto Rico e Guiana Holandesa, a sociedade ainda continha senhores e escra- tempo, as potências européias pareceram incapazes ou não-dispostas a fazer alguma
vos. O tráfico de escravos, em seu quarto século de existência no hemisfério ocidental, coisa diante dessa ameaça, principalmente porque cada uma tentava usar os piratas
desembarcou cargas no Brasil e em C uba até 1880, pouco antes do fim da escravi- em seu próprio proveito contra os Estados rivais. Muitas nações pagavam por pro-
dão nesses países. O tráfico de escravos na África Oriental persistiu por muito mais teção aos piratas a fim de obter imunidade. O s comerciantes dos países que não paga-
tempo, e há evidências de que existe ainda hoje. vam estavam sujeitos a ser atacados no mar. Prisioneiros ricos podiam pagar o resgate,
Durante muito tempo os europeus nada fizeram para acabar com o tráfico. Eles mas os pobres eram vendidos como escravos.
sabiam que a escravidão tinha sido comum na África desde tempos pré-históricos. No começo do século XVTI, os piratas capturaram centenas de navios britânicos,
Os europeus que lidavam com escravos não achavam que estivessem violando uma roubaram suas cargas, escravizaram as tripulações e exrorquiram resgate dos mais ricos.
lei africana, e a maioria dos outros europeus nunca viu um escravo ou sentiu o que Enquanto isso, a Grã-Bretanha escravizava negros nas colônias das fndias Ocidentais
a escravidão significava para as vítimas. Na Europa dos séculos XVT e XVTI, o racismo sem causar o mínimo de indignação pública. Agora que seus próprios súditos eram as
era feroz, o que facilitava justificar a escravização dos africanos. Mas a escravidão era vítimas dos piratas da Barbária, despertava um impulso caridoso, e o governo pôs-se a
aceitável também por outros motivos. Nessa época de pobreza generalizada, contra- agir. Em 1662, os ingleses fizeram um acordo com Trípoli que proibia a escravização
tos de serviço e de escravidão virtual geralmente eram o destino de um homem. Os de súditos britânicos em Trípoli ou qualquer de seus territórios.
ingleses tentaram escravizar os andarilhos e marcá-los a ferro com um S. O s pobres Mas até o século XVTII, havia poucos protestos populares contra a escravidão ne-
não tinham direito algum - eram forçados a deixar suas terras, arrebanhados em fa- gra. Esta era por demais lucrativa para ser desencorajada, mesmo por aqueles que a
velas, coagidos a entrar para a marinha, enforcados por roubarem um lenço. Como desaprovavam por motivos morais. Na Inglaterra, esses poucos não fizeram nenhum
poderiam eles preocupar-se com o destino de africanos, de um remoto continente? progresso até que os fazendeiros das Índias Ocidentais começaram a levar seus es-
Interessante notar que as primeiras comoções de consciência ocorreram quando cravos domésticos para aquele país. Os cristãos que haviam sofrido um ataque de
brancos, e não negros, tornaram-se vítimas de escravização. Do litoral do norte da consciência, embora tardio, agora tinham evidências visíveis e vivas da crueldade
África, onde hoje é o Marrocos, piratas perambulavam pelo Mediterrâneo ocidental, da escravidão para fazer despertar o público. A Sociedade Antiescravista, organiza-
capturando e escravizando pessoas. Tanto tripulação quaJJ.to passageiros de navios da em 1765, exerceu pressão suficiente para preparar o caminho, em 1772, do que
europeus eram comercializados como escravos ou mantidos como objeto de resgate foi uma decisão histórica do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Mansfield,
pelos corsários da Barbária. (Antigamente, no tempo de César, o mesmo tipo de pi- num caso para libertar um escravo das Índias Ocidentais de nome Somerset. Ele sus-
rataria havia infestado de tal maneira o Mediterrâneo que foi preciso mobilizar uma tentou que, sob as leis inglesas, a liberdade era garantida a todos os homens. Na In-
operação gigantesca da marinha romana para acabar com isso.) glaterra, ninguém, não importa de onde viesse, podia ser escravo.
Quando o poder turco chegou ao norte da África, não reprimiu a escravização; A decisão do presidente do Supremo Tribunal de Justiça não afetou a escravidão
antes, acelerou-a. Dezenas de milhares de europeus foram lançados na servidão. nas colônias, mas libertou cerca de 15 mil escravos africanos que então viviam na

H ISTORIA I LUST RADA DA E SCRAVIDÃO VOLT AN DO- S E PARA O OR IE NT E


Inglaterra e deu esperanças aos humanitários de que a escravidão poderia ser aboli- finalmente se alinharam, de modo que em 1842 o tráfico de escravos no Atlân-
da em toda parte. Muitas sociedades surgiram nas colônias para dar prosseguimen- tico estava legalmente morto.
to à luta. Em 1807, o Parlamento declarou ilegal o tráfico de escravos por parte de Legalmente morto. O bem triunfara sobre o mal, com a importante aj uda do co-
súditos ingleses; quatro anos depois, aprovou outra lei para punir severamente quem mércio e do governo, mas era uma vitória só no papel. Embora a Marinha fosse acu-
continuasse no tráfico. sada de policiar os barcos britânicos, as Guerras Napoleônicas atrasaram a execução
C. L. R. }ames, em sua história da Revolução de São Domingos, afirma que a ver- das leis por muitos anos. O s mercadores britânicos continuaram operando com tri-
dade sobre a abolição britânica por muito tempo foi obscurecida por estudiosos que pulações britânicas. Ao serem interceptados por uma patrulha naval, hasteavam a
se deixavam levar pelo orgulho nacional. A Grã-Bretanha foi movida menos pelo bandeira norte-americana e alegavam imunidade. Quando os britânicos começaram
idealismo do que pelos interesses nacionais, diz ele. Assim como }ames, o historia- a verificar se os navios com a bandeira dos Estados Unidos eram legítimos ou de re-
dor Eric Williams, de Trinidad, sustenta que o primeiro-ministro William Pitt queria negados traficando escravos, a América protestou.
abolir o tráfico de escravos como um meio de arruinar a prosperidade de São Como nas colônias britânicas a escravidão ainda era legal, nada podia ser feito em
Domingos, colônia francesa que produzia açúcar e que dependia da mão-de-obra relação aos africanos que entravam de conrrabando. Assim, em 1834, o Parlamento
fornecida pelos mercadores britânicos. A Grã-Bretanha então poderia reconquistar libertava todos os escravos do império, compensando os antigos proprietários com
o mercado europeu com a ajuda de açúcar da fndia. Apesar de idealistas ingleses,
tais como William Wilberforce e Thomas Clarkson, condenarem o tráfico de escra-
vos por motivos humanitários, por trás deles estavam comerciantes e donos de ma-
nufatura que não m.Us se preocupavam com os fazendeiros das Índias Ocidentais e
da América do Norte. Haviam despejado os lucros do tráfico em novas atividades:
suas necessidades econômicas mudaram. Não estavam preocupados em procurar es-
cravos africanos, pois queriam mão-de-obra para suas fábricas no país e tinham de
encontrá-la dentro da Grã-Bretanha.
Assim, embora os fazendeiros das colônias temessem que a abolição os arrui-
nasse, os novos líderes industriais da Inglaterra não se importavam. Eles e seus
políticos estavam prontos para ouvir quando os abolicionistas juntassem a voz
popular para condenar o tráfico de escravos. Se os líderes industriais e políticos
pudessem suprimir o tráfico, isso permitiria um comércio mais amplo e legítimo
entre Europa e África, proporcionando mercados para as jovens indústrias ingle-
sas. Um movimento internacional contra o tráfico já havia começado com a ação
dinamarquesa em 1804. Os norte-americanos tornaram-no ilegal em 1808, os
Comerciante s árabes e seus agentes Swahili procuraram escravos por todo o leste africano. O artista americano
holandeses em 18 14, e os franceses em 1815. Quase todas as potências marítimas Frederic Remington esboçou este mercado árabe de escravos para a Ha rper's Mont hly em março de 1893.

HISTORIA ILUS T RADA DA E SC RAVIOAO VO LT A N DO - SE PA R A 0 OR I ENTE


20 milhões de libras. A Grã-Bretanha exerceu forre pressão contra países escravagis- tartaruga e chifres de rinoceronte. As terras árabes do norte tinham muitos escravos
tas, mas o contrabando continuou por um longo tempo. O comércio ilegal gerava africanos em 900 d.C., assim como a fndia e a China. Mas o tráfico de escravos ain-
lucros muito altos para que os mercadores de escravos o abandonassem. Embora es- da não sobrepujava o comércio no oceano fndico. De acordo com Basil Davidson,
te exemplo provavelmente seja extremo, em 1847 um comerciante podia comprar a África Oriental era mais importante como fornecedora de matérias-primas e pro-
um escravo dos ashantis por 1O dólares e vendê-lo em Cuba por 625 dólares. dutos naturais como ouro, prata, ferro, copa!, âmbar gris, copra e mangues. Por sua
Sendo a única nação que tentava seriamente pôr fim ao tráfico, a Grã- Bretanha vez, alguns dos principais produtos agrícolas da área originaram-se na Indonésia. O s
enfrentou problemas incontornáveis. Criminosos de rodas as nações levavam ad ian- especialistas acreditam que raízes africanas- raro, barata-doce e inhame- entraram
te o tráfico em navios que saíam de muitos portos. Todo tipo de sub terfúgio era no continente a partir da costa oriental.
utilizado para despistar as patrulhas navais britânicas. Estaleiros norte-americanos Até o século XlX, o tráfico de escravos na África Orienral era um empreendimento
estavam fornecendo aos mercadores de escravos muitos veleiros velozes e, portanto, de pequena escala, não mais importante economicamente que o tráfico existente entre
mais rápidos que as antigas e lentas embarcações britânicas. Nova York, Boston, Estados europeus no mundo medieval. Começou a tomar vulto após a viagem de Vasco
Porrland, Balrimore e Nova Orleans tornaram-se bases para as esquadras de contra- da Gama ao O riente. Os portugueses estavam avidamente determinados a saquear, es-
bandistas de escravos. Os Estados Unidos há muito haviam proibido o tráfico de escra- perando assim, "com a ajuda de Deus", assumir o controle do grande comércio que en-
vos africanos, mas os mercadores contornavam a proibição simplesmente hasteando riquecera os muçulmanos suaíles (descendentes de negros bantos e mercadores árabes).
uma bandeira espanhola, caso aparecesse um navio de guerra norte-americano. As esquadras de Portugal tomaram de assalto as cidades da costa oriental e, em dez anos,
O governo federal, controlado por interesses escravagistas, fazia vista grossa à vio- reduziram-nas a ruínas. Mais uma vez, como fizeram na costa ocidental, os europeus
lação indiscriminada da lei. Os capitães de escravos desembarcavam carregamentos jogavam um governante africano contra o outro. Os portugueses dominaram por cer-
não só em C uba, m~ também na Geórgia e nos portos do Golfo. Nenhum desses ca de 50 anos. Depois, devido à falta de efetivos e incapacidade de acompanhar as rá-
capitães ou comerciantes, no entanto, foi punido, até que Nathaniel Gordon, do pidas mudanças no mundo, deram lugar a holandeses, franceses e britânicos.
Erie, foi capturado quando deixava a costa africana com um carregamento de 6 12 No começo do século XIX, o tráfico de escravos era o principal comércio de
crianças, 182 homens e 106 mulheres. Os escravos foram levados para a Libéria e li- Moçambique, com 25 mil escravos transportados anualmente para o Brasil - po-
bertados. Gordon foi julgado e executado em 1862, mas somente porque os Estados rém, não era muito quando comparado ao tráfico da África Ocidental. Os franceses
Unidos estavam envolvidos numa guerra contra a escravidão. Era o fim do tráfico também começaram a se ocupar do tráfico de escravos para trabalhar em suas novas
de escravos norte-americano. O contrabando que restou se extinguiu quando o Brasil fazendas em Bourbon (agora Reunião) e nas ilhas Maurício. Em 1800, eles tinham
- o último dos grandes países a fazê-lo - aboliu a escravidão, em 1888. levado 100 mil escravos para essas ilhas do oceano fndico.
À medida que acabava o tráfico da África Ocidental, os mercadores intensifica- Por volta de 1840, mercadores árabes e seus agentes suaíles começaram a penetrar
vam suas operações na África Oriental. O tráfico nesses litorais vinha desde tempos em toda a África Oriental, indo até o lago Vitória e o alto Congo, a meio caminho pa-
antigos. Escravos negros eram conhecidos na Pártia, Pérsia e no antigo Egito. Por ra atravessar o continente africano. Mas eles não foram os primeiros a percorrer o lon-
volta de 200 a.C., os árabes controlavam o tráfico principal na costa. O maior in- go caminho até o interior da África Oriental. À frente estavam os nyamwezi, de
teresse então não eram os escravos, mas o mármore, o azeite de dendê, cascos de Tanganica, que estenderam suas rotas comerciais em todas as direções. Com o lucro

HISTOAIA I L U S T RA DA DA ES C R A V IDÃO VOLTANDO - SE PARA O OR I ENTE


obtido, compraram escravos para trabalhar suas terras. Os árabes dominaram alguns de Mercadores narre-americanos comercializavam regularmente na costa da África
seus negócios, pois tinham mais capital, melhor organização e as armas e munições que Oriental, trocando calicó barato e produzido em massa por escravos e mármore.
os governantes africanos queriam. Com armamento moderno, os governantes nativos, Veleiros ianques, muitos saídos de Salem, Massachusetts, zombavam da lei, exibin-
fortalecidos, saqueavam os mais fracos, capturando escravos para vender aos árabes. do bandeiras, nomes e números de registros estrangeiros. As pequenas patrulhas bri-
Juntando milhares de escravos, os árabes conduziam imensos comboios até o li- tânicas pouco podiam fazer para suprimir o extenso tráfico.
toral, de onde eram transportados para Zanzibar, uma ilha agradável e verdejante si- Como a viagem da África Oriental, contornando o Cabo, até Cuba e Brasil era bem
tuada a 38 quilômetros da costa. Capital do Estado árabe de Orná, Zanzibar era o mais longa do que a distância da costa ocidental, o custo em vidas era bem maior. Para
principal mercado de exportação de escravos e mármore para toda a costa da África os mercadores valia o risco, pois o preço dos escravos da África Oriental era muito infe-
Oriental. O sultão Said ampliou seus domínios com extensas fazendas, onde se cul- rior. Se sobrevivesse pelo menos um de cada dois, mesmo assim era bastante lucrativo.
tivavam cravo-da-índia, cacau e coco; e para tanto era preciso um grande número de O tráfico de escravos da África Oriental para a Arábia continuou após o fim des-
escravos. Alguns dos fazendeiros árabes de Zanzibar chegavam a ter dois mil escra- se comércio no Atlântico. De acordo com o historiador Daniel P. Mannix, de fato
vos. A escravidão era legal nos domínios de Said. Embora a exportação de escravos foi então que "ocorreram as piores crueldades, as mais amplas devastações e as maio-
tivesse sido proibida em 1845, todos ignoraram a proibição. Dos 20 mil a 40 mil res perdas de vidas humanas no tráfico de escravos".
escravos trazidos a cada ano para a ilha, cerca de um terço foi trabalhar nas fazen- Enquanto caravanas de mercadores de escravos vindos de Zanzibar dirigiam-
das. O restante era enviado ilegalmente para a Arábia, lraque, Pérsia e Turquia, on- se para as fronteiras de Buganda, comerciantes egípcios aproximavam-se de
de um escravo comprado originalmente por 10 dólares era vendido por 100. Buganda vindos do norte. Sob o comando de Muhammad Ali, o vice-rei do
Na década de 1850, a capital de Said evoluíra de uma aldeia de pescadores a uma Egito (de 1805 a 1848), foram reativados os ataques para captura de escravos.
cidade cosmopolita de 60 mil habitantes, cujas ruas ficavam apinhadas de mercado- Com o tráfico de escravos no Nilo Branco em suas mãos, Ali pôde garantir o ~u­
res e escravos. Os escravos mais caros eram meninas bonitas de 12 anos ou mais, pre- xo de escravos necessário para o serviço doméstico, mão-de-obra e exército.
ferivelmente abissínias ou circassianas, vendidas como concubinas para os haréns de Durante 30 anos, seu governo devastou as terras entre o Nilo Azul e o Nilo Bran-
árabes ricos por até 500 dólares a peça. Mais barato era o tipo comum de escravos. co, escravizando ou massacrando o povo da região. Depois, empreendimentos
W Coke Devereux, da fragata britânica Gorgon, descreveu o mercado de escravos em privados atuando a partir de Cartum negociaram o con trole do tráfico de escra-
1860 como estando cheio de árabes, turcos e abissínios escolhendo pechinchas: vos e do comércio de mármore. Árabes empreendedores navegavam para o sul,
pelo Nilo, com seu bando de algumas centenas de homens armados. Fazendo
O primeiro lote, uma fileira de criancinhas de cerca de cinco anos, foi avaliado em dois alianças com chefes nativos, seus soldados e membros dessas tribos atacavam ou-
dólares. Segundo lote, meninas de dez: preço de quatro a doze dólares. Terceiro, jovem de tras aldeias durante a noite, incendiavam as cabanas e matavam aqueles que re-
dezenove, sujeitos robustos valendo de quatro a doze dólares. Quarto, mulheres acabadas sistissem. Saqueavam gado, grãos e mármore das aldeias, e as mulheres e crianças
e velhos. Estes custavam barato, cerca de um dólar cada, jd estando nas últimas. Quase eram conduzidas até o rio para ser enviadas aos mercados próximos a Cartum.
todos meio adormecidos, suas pobres cabeças pendendo de pura fadiga e seus pobres corpos Conseqüentemente, a região do interior ficava despovoada e as aldeias eram lan-
perseguidos, secos como uma lasca de madeira. çadas umas contra as outras em guerras incessantes.

H tsTORtA ltusrRADA DA E scRAv t oAo V 0 l T A N 0 0 - S E P A R A 0 0 RI E N T E


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roubados do Sudão e vendidos no Egito e na Turquia. Outros milhares morriam
Milhares de árabes ocupavam-se do tráfico, extraindo talvez 50 mil escravos por
antes d e chegar aos mercad os de escravos. O dr. Georg Schweinfur th, explorador
ano da região do alto Nilo. Sob contratos estatais, alguns mercadores árabes contro-
alemão , relatou que os mercado res infestavam o Sudão, fazendo suas próp rias
lavam o que chegava a ser verdadeiros baronatos privados, saqueando a terra e o povo
leis. Longe de tentar controlá-los, o corrupto governo egípcio promovia o tráfico.
em busca de lucro pessoal.
Scheinfurrh previu que as tribos africanas desapareceriam, a não ser que se desse um
Finalmente, relatos dos danos causados pelas incessantes expedições de captura de
fim ao tráfico.
escravos chegaram até a Europa, despertando o horror público. Foi o missionário
Mas não importa quem governasse o Egito: o tráfico continuava. Na década de
David Livingstone que, por meio de suas viagens africanas de 1853 a 1873 e dos li-
1880, ganhou vida nova e alcançou proporções de u m grande negócio no Sudão.
vros que daí resultaram, despertou a Inglaterra vitoriana para as atrocidades do tráfi-
Os escravos acorrentados entre si formavam lo ngas filas nas margens do rio, como
co de escravos. Missionários britânicos, franceses e alemães entraram na África, em
produtos aglomerados em armazéns, esperando para ser vendidos. Aos olhos dos
grande número, para tentar deter o tráfico. A atividade econômica legítima tinha si-
europeus, pareciam tão resignados à servidão quanto ani mais domésticos. O tráfi-
do desencorajada porque era mais fácil e mais lucrativo para os africanos conquistar
co de escravos continuou enquanto se considerou natural que um homem vivesse
seus vizinhos e vendê-los para os europeus. Os missionários atuavam ao lado de co-
a vida escravizado.
merciantes liberais ou de africanos amistosos, com a esperança de substituir o tráfi-
Enquanto tantos sofriam, alguns poucos prosperavam . O califa Abdullah, cuja
co de escravos por "cristianismo e comércio".
tribo baggara formava a facção dominante no Sudão, no final da década de 1880,
Confiantes em sua superioridade moral, os europeus queriam converter os africa-
utilizava mil escravos em sua propriedade rural pessoal e 400 em seu harém. As es-
nos ao cristianismo e melhorar o modo de vida dos primeiros, transformando-o no
posas mais importantes tinham cada uma seus próprios estabelecimen tos, onde tra-
modelo europeu. Mas esses objetivos não poderiam ser alcançados sem se conhecer
balhavam equipes de escravos e eunucos.
mais sobre o interior da África. Durante séculos os europeus ficaram confinados ao
Em Darfur, região desértica de uns 220 mil quilômetros quadrados, situada a oes-
litoral do continente por reis que negociavam escravos e por chefes intermediários.
te do Sudão central, três de cada quatro nativos tinham sido capturados como es-
Não sabiam quase nada sobre o interior. Apoiados por corporações religiosas e cientí-
cravos, de acordo com o explorador Richard Burton: Ele estimava que, a cada ano,
ficas, missionários e exploradores começaram a sondar além da barreira litorânea. A
8 mil garotos eram castrados e utilizados como eunucos nos haréns. Cerca de um
intenção era não somente mapear a geografia da África, mas denunciar as devasta-
quarto deles morria por causa da operação (geralmente executada por um cirurgião
ções do tráfico de escravos. Voltaram suas energias especialmente para a África
inexperiente). Um relato de 1888, sobre o fornecimento de eunucos para o harém do
Oriental, onde árabes e egípcios eram os mercadores dominantes. Para o público eu-
sultão do Marrocos, observava que 28 dos 30 meninos morreram devido à operação.
ropeu, as proezas desses missionários e exploradores eram tão emocionantes quanto
David Livingstone ficou sabendo que a escala do tráfico de escravos que encon-
os vôos espaciais dos astronautas de hoje.
trou era uma expansão relativamente recente, remontando à penetração no interior
Finalmente, o tráfico de escravos foi banido do Nilo, mas isso não pôs fim à
da África por parte dos árabes. Mas o que os exploradores retratavam numa enxurrada
maldição. Simplesmente transferiu-a para o deserto, onde os mercadores abriram
de livros levava os europeus a acreditar que a escravização era um fenômeno nativo
novas rotas terrestres para o Egito e o mar Vermelho. O explorador italiano Ro-
dos povos da África Oriental e Central, e que sempre viveram com. essa devastadora
molo Gessi disse que, entre 1860 e 1876, mais de 400 mil escravos haviam sido

·-- I
~ H ISTÚ R I A I L US T RAD A DA ESC RAV IDÃO
VOLTANDO- S E PA R A O ÚR I EN TE ~
desgraça. Os europeus não sabiam ou não entendiam como as formas tradicionais
de escravidão doméstica foram deturpadas sob enorme pressão - pressão européia -
em escravidão competitiva por lucro. A partir de suposições equivocadas (facilmen-
te inferidas, considerando-se o racismo europeu na época), surgiu a convicção de que
os africa nos eram "naturalmente" indiferentes à vida humana, de que não sabiam
cuidar de si próprios e precisavam dos generosos cuidados do "grande pai branco".
A "África Sombria" era agora o "fardo do homem branco". Essa piedosa su'p osição
foi repetida inúmeras vezes. Aos poucos, começando com o desejo humanitário de
suprimir o tráfico de escravos promovido pelos árabes, os europeus, de uma forma
ou de outra, passaram à ocupação, conquista e total anexação colonial.
Em 1884, representantes de todos os países estrangeiros interessados na África
reuniram-se em Berlim para decidir o futuro do continente. C!: claro, não havia ne-
nhum africano presente.) A essa altura, os europeus tinham pouco mais do que pos-
tos de comércio ao longo da costa, com exploradores e missionários espalhados por
todo o interior. Somente os alemães, seguindo-se à unificação do país sob o coman-
do de Bismarck, haviam lançado uma ofensiva para ocupar partes da África. C omo
fizeram reivindicações territoriais, franceses, britânicos e outros europeus começa-
ram a fazer o mesmo. Rivais nacionais na Europa, eram concorrentes mutuamente
suspeitos na África. Ninguém estava disposto a ver o continente controlado por um
rival. Na Conferência de Berlim, concordaram sobre a regra básica do novo jogo co-
lonial: um país poderia reivindicar um território apenas se realmente ocupasse esse
território. Foi o tiro de largada para o que todos chamaram de "competição pela
África". Grã-Bretanha, França, Bélgica, Portugal e Alemanha, cada um apossou-se
de pedaços da África, alterando o mapa do continente quase da noite para o dia.
Fronteiras foram demarcadas e chefes indicados, enquanto as rédeas do poder eram
controladas do exterior.
Quando teve início o século XX, quase toda a África estava sob o controle de uma
ou outra potência européia. Ao término da Primeira G uerra Mundial, com a derro-
ta da Alemanha, esta perdeu seu quinhão na África. Mas o domínio colonialista só
foi interrompido de vez após a Segunda Guerra Mundial.

H ISTO RIA I LU STR A DA DA E SCRAVI DÃ O


IA.NDO C0\11 ('011 () )FCl I() XX \ F\CR \\ Jl) \(. \1"\[)A faziam serviço pesado, despercebidas, sem esperanças. Muitas eram surradas e mar-

Q
d tcJOna
ozava de situação legal em muitas nações. Era comum em várias regiões
o sudeste asiático. Lá os indivíduos eram escravizados pelos meios tra-
aptura em guerra, condenação por crimes, ataques de piratas ou mer-
cadores profissionais, venda de dependentes da família (geralmente de crianças por
cadas a ferro. Em 1930, cerca de quatro milhões dessas crianças foram escravizadas
na C hina, embora o país tivesse abolido a escravidão em 1909. Pouco antes da
Segunda Guerra Mundial, esse tipo de escravidão expandiu-se durante um período
de dificuldades econômicas generalizadas.
parte dos pais) e endividamento. Apenas uma geração atrás, nas regiões mais remo- Numa época tão recente quanto 1958, houve prática intensa de escravidão na re-
tas de Borem, Camboja, Celebes, Laos, Mindanau, Molucas e da Alta Birmânia, gião montanhosa do sudoeste da China, ao longo das fronteiras de Yun nan, entre
guerras tribais levaram à captura de prisioneiros para mão-de-obra e serviço militar. uma minoria étnica de muitos milhões de habitantes. O jornalista britânico Alan
As crianças eram especialmente procuradas no tráfico de escravos. Essa forma de Winnington visitou a região na época e descreveu os narsu, proprietários de escra-
servidão era chamada de mui tsai, um termo que os chineses originalmente usavam vos e chefes hereditários de tribos selvagens que vivem nas montanhas, e que realiza-
para a adoção. Tradicionalmente, na família chinesa o marido tinha plena autoridade vam ataques de captura de escravos até 1949, ano em que se estabeleceu a Repúbli-
sobre seus dependentes imediatos. Sob pressão de uma pobreza extrema, a escravi- ca Popular da China. Winniogton relatou que no final da década de 1950, o governo
dão infantil tornou-se comum. Uma garota podia ser vendida pela própria família comunista estava próximo de extinguir essa forma de escravidão com o uso de mé-
para ser usada como criada doméstica, sem salário e sem a liberdade de ir embora todos pacíficos, incluindo a compra dos escravos.
quando ela ou a família quisessem. Essas crianças tornaram-se escravas não só para A pobreza e a superpopulação no Japão também significaram tráfico de menores.
o trabalho doméstico, mas também para a prostituição, tanto na China quanto en- Meninos e meninas foram ilegalmente vendidos pelos pais em comunidades rurais
tre os chineses que emigravam para o sudeste asiático. pobres, em troca de pagamentos em dinheiro. A maioria das crianças era formada
J á na dinastia Han, no século III a.C., era sancionada a venda de crianças por pais por garotas, muitas usadas na prostituição. Em 1953, cifras do Ministério do Tra-
que viviam em total pobreza. A prática continuou até os tempos modernos em toda balho japonês, citadas no Manchester Guardian, mostravam que, naquele ano, mais
a C hina. Aos quatro ou cinco anos de idade, as meninas começavam na escravidão de 40 mil pessoas haviam sido vendidas. A maior parte era de meninas destinadas
doméstica. Outras crianças pequenas tinham de trabalhar em minas, fábricas e lo- aos bordéis. No mercado de escravos, elas rendiam de 25 a I 00 dólares.
jas. O costume espalhou-se; há registros de que existe ainda hoje em Hong Kong, Na Birmânia, a política de compensar os proprietários pela libertação de escravos re-
Malásia, Japão, Cingapura, Sarawak e Ceilão, no Oriente, e do outro lado do Pací- sultou em 9 mil pessoas livres até 1929. Segundo relatos, alguns anos depois, libertou-
fico, no Peru e na Bolívia. se o restante. Uma campanha contra a escravização de meninas em Hong Kong e na
Na era moderna, o mui tsai tornou-se pior para suas vítimas. À medida que as ci- Malásia reduziu seu número em dois terços entre 1929 e 1939, mas dez anos depois o
dades cresceram e o transporte ficou mais eficiente, as crianças foram levadas para mui tsai novamente aumentou. Nessa época, o preço médio por uma garota comprada
mais longe de seus lares. As chances eram bem menores de que pudessem algum dia na C hina era de cinco dólares; após a passagem pelos funcionários da imigração, ela po-
ver novamente a família e maior a oportunidade de seus senhores explorá-las impiedo- dia ser vendida por 500 dólares no mercado secreto de escravos em Cingapura.
samente. Meninos pequenos realizavam tarefas subalternas na casa do senhor ou traba- O trabalho forçado tornou-se a forma de escravidão típica do século XX em muitas
lhavam em turmas para projetos de labor. Alguns eram alugados. Crianças "adotadas" partes do mundo. A Libéria, para onde vieram várias levas de negros norte-americanos

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~ HISTÓRIA ILU ST RA D A DA E SC RAVID ÃO
T R ABA LHO F OA ~ADO ~
anos. Mas, mesmo que assinasse alguma coisa, de nada valia para os africanos. Tudo à vontade. Começaram a se preocupar em esconder o tráfico ou fazê-lo parecer um
que ele sabia é que havia sido entregue para um homem branco como escravo. Sabia pouco mais respeitável.
também que se tentasse fugir, seria surrado, assassinado ou vendido novamente. Nevinson observou que
Nevinson visitou fazendas para ver como funcionava o "trabalho contratado".
Longas filas de homens e mulheres (muitas com bebês presos às costas) arqueados, exceto aos oLhos de uma Lei que raramente é cumprida, a escravidão existe quase irre-
trabalhando com a enxada. Labutavam das cinco da manhã até às seis da noite, to- primida. Escravos trabaLham nas jàzendas, escravos servem os mercadores, escravos jàzem
dos os dias, exceto no domingo. "Nenhuma mudança, pausa ou esperança" até a as tarejàs tÚJmésticas. Existem nas cidades e entre os carregadores assaLariados Livres, mas,

morte chegar lentamente ou de repente, e o corpo exausto ser colocado sob um como regra, em todo o país o sistema de trabaLho baseia-se na escravidão, e muito poucos
montículo de terra. portugueses ou estrangeiros residentes em AngoLa hesitariam em admiti-Lo.
Se algum contrato havia sido feito, seus termos nunca foram observados. O limi-
te de cinco anos estendia-se até a morte. Os africanos nunca voltavam para casa. Em 1913, houve outra rebelião, dessa vez do povo bakongo. Mas os portugueses su-
Nem seus filhos eram livres; tornavam-se a principal fonte de trabalho dos fazendeiros. focaram-na e ampliaram o sistema de trabalho forçado. Quando, em 1926, o dr. Anto-
Quando se vendia uma fazenda, os trabalhadores eram entregues em bloco ao novo nio de Oliveira Salazar subiu ao poder como ditador de Portugal, graças a um golpe mi-
proprietário, como tantos animais. litar, ele fez quase rodos os homens africanos adultos sujeitarem-se a trabalhos forçados.
No porto de Benguela, no oeste de Angola, Nevinson soube que os mercadores Tinham de trabalhar para um empregador pelo menos durante seis meses num ano, o
compravam um homem adulto por cerca de 100 dólares e vendiam-no por 150 para que geralmente se estendia para toda uma vida de servidão. De acordo com as novas leis,
os plantadores de cacau da ilha de São Tomé. Pagavam 75 dólares por uma mulher nenhum africano podia reivindicar direitos civis, a não ser que "ganhasse" o status de as-
e 50 por uma criança. Numa aldeia em Biké, Nevinson deparou com um chefe que similado, ou "pessoa civilizada"; menos de 1o/o da população negra obtinha esse status.
trocara a esposa e todos os filhos por rum. Outra mulher foi vendida em troca de Em 1947, a raxa de mortalidade das pessoas submetidas a trabalhos forçados havia
36 metros de tecido e um porco. subido para 40%. (A mortalidade infantil era de 60%.) O inspetor de colônias de Por-
Sob a falsa aparência do "contrato de trabalho", sustentava-se que os africanos ti- tugal, capitão Henrique Galvão, escreveu um relatório acusador, pelo qual foi preso.
nham ido para as fazendas por livre e espontânea vontade. "Era a livre e espontânea Chamou o sistema de "pior que a simples escravidão. (...)Somente os mortos", disse ele,
vontade da ovelha indo para o matadouro", comentou Nevinson. Ele ouviu muitos an- "estão isentos do trabalho compulsório". Em 1954, o historiador Basil Davidson, em
golanos brancos argumentarem que a escravidão era uma necessidade salutar, tudo pe- visita a Angola, encontrou um terço de todos os homens adultos aptos envolvidos em
lo bem dos nativos. Revoltado com a hipocrisia, ele respondeu que "o único motivo trabalhos forçados, e concluiu que "provavelmente havia mais coerção do que antes".
para a escravidão é ganhar dinheiro, e o único argumento a seu favor é o lucro". O resultado foi a grande rebelião de escravos de 1961, que se transformou numa
Em 1902, uma pequena rebelião dos negros no distrito de Bailundu fracassou. guerra de guerrilha. A resposta de Portugal foi uma campanha de terror. Em três me-
Foram 400 rebeldes massacrados e três portugueses mortos. O sistema continuou o ses suas tropas mataram 20 mil homens, mulheres e crianças africanos. Todos os dias
mesmo, exceto pelo fato de que os mercadores pararam de conduzir suas turmas de aldeias eram bombardeadas. Em um ano, 2 15 mil africanos fugiram de Angola e
trabalhadores acorrentados pelo pais, chicoteando, queimando, torturando e matando buscaram refúgio no Congo.

TR A BAL HO FO R ÇADO
H tsTOR IA ILU STR AD A DA EscRAVIOAo
Desde 1961 , Portugal esbanjou milhões de dólares e milhares de soldados, tentan- trabalho tornaram-se o meio de corrigir o cidadão que se desgarrara. Assim, confor-

do suprimir o ímpeto por liberdade dos negros de Angola. Mesmo depois da mor- me a teoria, ele ajudaria a construir uma nova sociedade, enquanto se redimia.

te de Salazar, em 1971, Portugal persistiu com seus esforços de sufocar a rebelião. À medida que os novos líderes empenhavam-se para consolidar suas posições após

Sem dúvida, as polfricas do regime totalitário de Salazar teimarão em subsistir, e 1917, as prisões ocorriam em maior escala. Muitas pessoas foram detidas como me-

provavelmente muito sangue será derramado em Angola antes que o sistema escra- dida preventiva. Ou seja, eram presas não porque tivessem feito alguma coisa, mas

vista seja eliminado. porque havia algo sugestivo a respeito de sua personalidade, origem social, família,

O uso do trabalho forçado, que é simplesmente a escravidão sob outro nome, pa- amigos ou colegas, ou mesmo de sua casa, que poderia causar algum dano ao Estado.

rece que se tornou um elemento orgânico de regimes totalitários no século XX. Na Qualquer sinal interpretado como deslealdade potencial podia levar ao que rem si-

União Soviética, Alemanha nazista e C hina comunista, prisões generalizadas, seja do chamado de prisão "profilárica".
por pretensos delitos ou por motivos de prevenção, colocaram a força de trabalho Sob ral sistema, as oportunidades para se livrar de inimigos pessoais, para solu-

de milhões de pessoas à disposição do Estado. De acordo com numerosos estudos e cionar ressentimentos, para prender rivais no amor ou no trabalho e para tomar pos-

relatos, essas três potências fizeram do trabalho forçado em grande escala parte inte- se de um apartamento melhor eram muito fáceis.
gral da estrutura política e econômica. Um terror tão palpável quanto o odor de um matadouro obscurecia a vida sovié-

Quando se comemorou o qüinquagésimo aniversário da Revolução Russa, em tica. O medo de meter-se em dificuldades com a lei estrangulava a iniciativa, a ima-

1967, o Partido Comunista Soviético proclamou que "a Revolução de Outubro ginação e o empreendimento. A ameaça da polícia secreta pairava constante na mente

marcou o início da libertação da humanidade em relação à exploração ... " Apenas das pessoas. Nesse clima, os cidadãos tornavam-se supersensíveis a cada disposição

um ano depois da revolução de 1917, o artigo i • do primeiro código trabalhista de- de ânimo, palavra, ato ou relacionamento que pudesse colocá-los em perigo. A rea-

clarava que "rodos os cidadãos estão sujeitos ao trabalho compulsório". lidade dos campos de trabalhos forçados e o risco de ser recolhido a um deles eram

Na maior parte da fascinante história da Rússia, a oposição ao Estado, mesmo o meios poderosos de controle da população e de supressão de discordâncias.

pensamento não-ortodoxo em política e economia, foi considerado um crime. E a O trabalho forçado para condenados tinha sido comum na Rússia czarista.

punição geralmente foi a morte, a prisão, o exílio, ou o confinamento num campo Prisioneiros foram usados como escravos de galés no começo do século XVIII. Gra-

de trabalhos forçados. Depois da revolução, os novos líderes adotaram os métodos do ças ao trabalho compulsório, Pedro I construiu a nova capital no Báltico. Seus con-

Estado policial dos czares, tornados ainda mais eficientes para reprimir as orienta- denados trabalhavam nas minas de sal, construíam fortalezas e portos, prospectavam

ções não-ortodoxas. Aqueles que fossem suspeitos de oposição ou dissidência eram ferro e prata. Os exilados da Rússia ajudaram a colonizar a Sibéria e o Extremo

removidos de seus cargos ou empregos pela polícia secreta. Pessoas eram presas e Oriente. Em 1914, pouco antes da revolução, o número de condenados designados

condenadas sem julgamento. Esse tipo de justiça administrativa tornou-se normal ao trabalho pesado na Rússia era de 30 mil.
na União Soviética. Com os soviéticos, a amplitude do trabalho forçado aumentou consideravelmente.

Segundo os soviéticos, a maneira de reabilitar elementos anti-sociais era reedu- O labor escravo tornou-se um importante fator econômico no regime de Stalin, que

cando-os. Já que os pensadores socialistas sempre consideraram o labor uma obriga- utilirou milhões de prisioneiros políticos numa grande variedade de projetos de traba-

ção para com a sociedade e uma questão de honra para o indivíduo, os campos de lho, especialmente na Sibéria, Ásia Central e acima do Círculo Ártico. Eles trabalhavam

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~ H ISTORIA I LUSTRA DA OA ESCRAVIDÃO
T RABALHO fORCADO
na pesca, madeiração, agricultura e manufatu ra. Construíam estradas de ferro e hid roe- do autor- Um Dia na Vida de Ivan Desinovich -,escrito por Alexander I. Soljenitsyn,

lérricas, cavavam canais e túneis, erguiam alojamentos, construíam estradas e faziam a novelista russo que serviu oito anos em campos de trabalho, seguidos de três anos

manutenção, extraíam carvão, ouro, cromo, minério e petróleo. Alguns economistas no exílio, por ter cri ticado Stalin. "Condenados a morrer de fome", d isse ele, "fo-

sustentam que os campos de trabalhos forçados, administrados pelas agências da polí- mos esquecidos pela sociedade." Q ue os trabalhos fo rçados que ele e inúmeros outros

cia secreta, tornaram-se a maior força econômica individual na União Soviética. experimentara m era semelhante à escravidão fica claro nas revelações sobre essas

A fome, e não o desejo por salários, era o principal incentivo nesses campos. A prisões. Em alguns aspectos era até pior. Antes de tudo, praticava-se o trabalho for-

quantidade de trabalho que o prisioneiro realizava determinava a quantidade de co- çado na União Soviética para "libertar a humanidade da exploração". Uma socieda-

mida obtida. Naturalmente, a principal preocupação seria conseguir comida sufi- de socialista, dedicada aos mais elevados ideais de fraternidade, igualdade e justiça,

ciente. Era um meio de compulsão que tornava o trabalho menos eficiente, mas a que oprime milhões de pessoas em campos de trabalho escravo é uma contradição

imensa massa de mão-de-obra utilizada compensava. difícil de racionalizar. Além do mais, o escravo como mercado ria, em oposição ao

Alguns especialistas afirmam que as prisões eram feitas como um meio de obter escravo poHtico, tinha valor pecuniário. Eram tratados, na maioria dos casos, pelo

mão-de-obra necessária para os projetos de trabalho. Outros contestam essa afirma- menos como animais de fazenda. Viviam junros - homens, mulheres e crianças -,

ção, pois muita gente que possuía habilidades bastante úteis para a economia nacional fosse em fam ílias reconhecidas ou não, e geralmente não ficavam isolados do resto

era utilizada em trabalho braçal não-especializado. Conclui-se que preponderava um da sociedade. Na União Soviética, os homens eram arrancados de seu mundo nor-

motivo polltico para as prisões. O efetivo humano reunido dessa maneira era obri- mal e despachados como gado para as regiões mais inóspitas, onde trabalhavam além

gado a trabalhar sempre que necessário. do suportável, passavam fome e congelavam até morrer. Em alguns campos eles mor-

Não é possível determinar com precisão o número de pessoas levadas para os riam numa taxa de 30% ao ano.

campos de trabalho durante o regime de Stalin (1927-1953). O governo não publi- Ao contrário do escravo mercadoria, entretanto, sempre havia a possibilidade de

cava estatísticas. Estudiosos de assuntos soviéticos fizeram estimativas que variam de o prisioneiro soviético voltar a ser livre depois de completar sua sentença. Muitas

alguns milhões até 25 milhões. Uma vez que a grande maioria dos que estavam nos testemunhas, porém, afirmam que esses termos geralmente eram estendidos, e mesmo

campos era de homens, a estimativa mais alta significaria que uma parcela incrivel- após a libertação, como no caso de Soljenitsyn, o prisioneiro podia ser forçado a per-

mente elevada da mão-de-obra masculina havia sido presa. As cifras mais prováveis, manecer no exílio.

muitos sustentam, estão entre 5 e 8 milhões de pessoas nos "campos de trabalho cor- Depois da morte de Stalin, em 1953, e da revelação, em 1956, dos horrores de

retivo". Considerando as muitas décadas de existência do regime, isso significa que seu regime no famoso "discurso secreto" de Khrushchev, concedeu-se a anistia a um

quase todas as famílias soviéticas em algum momento devem ter tido um de seus grande número de prisioneiros. Muitos dos que foram libertados, no entanto, rece-

membros levado para esses campos. Segundo o Conselho Econômico e Social das beram ordens para ficar em regiões específicas e geralmente remotas. O s campos de

Nações Unidas, havia, em toda a Europa Oriental, em 1947, de 10 a 12 milhões de trabalhos forçados passaram do controle do Ministério do Interior para o Ministério

pessoas em campos de trabalhos forçados. da Justiça. Comissões locais especiais foram formadas para supervisionar campos e

Têm sido publicados muitos relatos sobre as condições nos campos de trabalhos for- prisões. Embora o código penal sofresse reformas, as regulamentações em relação aos

çados da era Stalin. O mais conhecido é o registro ficcional do próprio aprisionamento crimes contra o Estado (isto é, crimes políticos) ainda permitiam a supressão de

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~ H IS T OR I A I LUST R ADA D A E SC RA VI D ÃO
TR A B AL H O FOR ÇAD O
qualquer oposição, real ou imaginada. E sob a Lei Antiparasita, pessoas não-rreina- culpados de pequenos deliros e aquele que, por várias razões, não possuem meios
das na magistratura - geralmente indicados pelo Parrido C omunista- tinham o po- de existênci a".
der de condenar inocenres de qualquer deliro indiciável a anos de rrabalhos forçados. Um relató rio so bre a C hina, publicado em The Nation de 14 de dezembro de
t. difícil determinar quanras foram as vítimas desse sistema após a morre de Stalin. 1992, dizia que "cenrenas de milhares de desaforrunados prisioneiros políticos
A União Soviética dissolveu-se em dezembro de 1991 , após a renúncia do chefe de ainda estão encarcerados nas imensas redes de campos de trabalho" do país, des-
Estado, Mikhail Gorbachev. Foi substituída por muitas nações independenres, in- crevendo-os como "instalações medonhas".
cluindo a maior, a Rússia. O "trabalho corretivo" ainda existe na amiga União Trata-se de uma violação dos direitos humanos aprisionar dissidentes políti-
Soviética, mas não há números disponíveis sobre o rotal de pessoas envolvidas. cos. Mas, além disso, durante anos a política oficial da China tem sido explorar
Em 1951 , dois anos depois da Revolução Comunista na C hina, o novo governo sistematicamente a mão-de-obra de prisioneiros para produzir mercadorias a bai-
introduziu a "reforma através do trabalho", de acordo com o historiador Richard L. xo custo para exporração. O s principais mercados são Estados Unidos, Alemanha
Walker. Ele cita relatos no China People's Daily daquele ano referindo-se ao rrabalho e Japão. Funcionários do governo chi nês negam repetidamente que a China ex-
forçado como um meio de modelar o novo homem socialista. Assim como na União porre artigos fabricados por trabalho forçado, mas os boletins da Asia Warch , um
Soviética, os infratores políticos eram forçados a trabalhos intensivos na construção comitê do Human Righrs Warch, têm publicado amplas evidências de que eles
de estradas de ferro e rodovias, e em projeros de preservação de água. "mentem deliberadamente".
Em O outro lado do rio: a China vermelha hoje, Edgar Snow eira as "Normas Es- Desde 1930, os Estados Unidos proíbem a importação de produtos fabricados
tatais sobre a Reforma Através do Trabalho" adotadas em 1954, que sancionavam o em prisões. Mas, no caso da C hina, a lei não rem sido estritamente aplicada.
uso de prisioneiros para qualquer tipo de trabalho, de nove a dez horas por dia. Uma Produtos têxteis, sapatos, bicicletas, placas de circuitos, ferramentas, canos de
lei suplementar permitia aos administradores de um Grupo de Reforma do Trabalho aço soldado, couro, chá, vinho, tungstênio e muitos outros artigos fabricados
compelir trabalhadores a permanecer no serviço mesmo depois de libertados e res- com trabalho forçado têm sido comprados por clientes do exterior. Geralmente
taurados seus direitos. "O uso de prisioneiros para trabalhos de rodos os tipos é, por- não há uma etiqueta "made in C hina" no produto; a origem é disfarçada com in-
tanto, inquestionável", disse Snow. dicações erradas. Relatórios de funcionários das prisões gabam-se de que "quase
Em s'éu relatório de 1957, o Comitê sobre Trabalho Forçado, da Organização toda província (ou cidade) rem uma grande comunidade de empreendimentos de
Internacional do Trabalho, descobriu que "a legislação da República Popular da reforma pelo trabalho. (... ) Incluem muitas diferentes indústrias com ampla va-
China havia formado um sistema altamente organizado de trabalho forçado, em riedade de produtos".
prisões e em campos de trabalho, com o objetivo de coerção e educação política Esses relatórios confidenciais, diz a Asia Watch, deixam claro que
e para fins econômicos". Originalmente, a lei de 1954 tinha como alvo pessoas
hostis ao regime, descritas geralmente como "elementos contra-revolucionários, é prdtica comum na China os prisioneiros dos campos de reforma pelo trabalho serem
senhores feudais e capitalistas burocratas". Em 1959, o comitê da Organização retidos, à força e indefinidamente, como trabalhadores após o término de suas sentenças,
Internacional do Trabalho descobriu que o sistema havia sido ampliado para incluir de modo que a produtividade orientada para a exportação não seja reduzida com sua sal-
outros setores da população- "vagabundos, pessoas que se recusavam a trabalhar, da do sistema.

H I S TO R IA IL U S T R A DA DA E SC RA VI O A O T RA B A L H O F O R <A O O
De acordo com o Asia Watch, os prisioneiros dos campos de trabalho sofrem dos compradores estrangeiros a verdadeira natureza desse ripo de empreendimento
abusos gritantes: chinês. Mas, sob críticas cada vez maiores, funcionários do governo chinês admitiram
que alguns produtos feitos em prisões chegaram ao outro lado do oceano através
Ar condições de trabalho são impúzcáveis, exaustivas e geralmente bastante perigosas. de " brechas na administração".
Segundo um periódico oficial chinês da área de direito, os prisioneiros às vezes são forçados O trabalho na prisão em si não é condenado pelos grupos de direitos hu ma-
a executar tareftZS como a manipulação de explosivos e operações de dinamitação de mintZS nos, podendo desempenhar uma função reabilitadora se for mantido um certo
de superflcie. Na prisão o atendimento médico varia de rudimentar a ausente. As rações padrão de condições de trabalho. Mas as condições em que a maioria dos prisio-
alimentares, de acordo com ex-prisioneiros, geralmente são drasticamente reduzidas devido neiros chi neses é forçada a trabalhar são, segundo todos os relatos fi d edignos,
a transgressões de disciplina ou incapacidade de cumprir as metas de produção. E a puni- aterradoras. As poucas "unidades-modelo" mostradas aos estrangeiros podem ser
ção flsica, incluindo surras e torturas por parte de fimcionários que usam bastões elétricos e um pouco melhores, mas geralmen te as condições de trabalho para os prisionei-
prolongados confinamentos em solitárias, é aplicada com liberalidade contra prisioneiros ros na China são brutais e perigosas- não muito diferentes da escravidão.
vistos como "resistentes à reforma': Os prisioneiros geralmente não recebem pagamento pe- Da região do Caribe vêm relatos de trabalho forçado sendo praticado atual-
lo seu trabalho. Em algumas prisões-modelo e unidades de reforma pelo trabalho há um mente. H aitianos, migrando ilegalmente de seu país, cruzam a fronteira e passam
pagamento simbólico de alguns yuan. E sob o tratamento de "regime rigoroso·; fteqüente- para a vizinha República Dominicana. Capturados por soldados dominicanos,
mente imposto a prisioneiros políticos, ou a "contra-revolucionários" (considerados peúz lei têm sido vendidos para trabalhar compulsoriamente em fazendas de açúcar per-
como a mais perigosa categoria de criminosos), aplicam-se as seguintes condições drásticas, tencentes ao Estado.
de acordo com reúzto oficial: "Confinamento solitário e as 'quatro suspensões' (de visitas, di- Seguindo outro caminho para o trabalho forçado, milhares de cortadores de
nheiro pessoal, cartas, atividades de úzzer)". Em muitos casos, de foto, os prisioneiros po- cana haitianos têm sido importados por uma rede clandestina de agentes haitia-
líticos nunca deixam as ceúzs em que estão solitariamente confinados: executam suas alie- nos e dominicanos, e vendidos por três a cinco dólares cada a dominicanos que,
nantes tarefas de produção sozinhos, sem ao menos o limitado consolo e alívio do contato por sua vez, vendem as vítimas ao Conselho Açucareiro Público Dominicano.
diário com os outros prisioneiros na oficina. Padres da cidade dominicana de San Pedro Macoris - onde se localiza a maioria
dos engenhos de açúcar- denunciaram os constantes ataques contra a população
Nas detenções de suspeitos que se seguiram à supressão do movimento pró-de- haitiana em seu próprio país, além do tratamento brutal dispensado aos cortado-
mocracia em junho de 1989, um grande número de prisioneiros de consciência res de cana haitianos.
foi levado para os campos de reforma pelo trabalho. Também eles foram força- Diante de uma persistente escassez de mão-de-obra para a colheita da cana-de-
dos a produzir artigos para exportação, como o "Vinho Dynasry", amplamente açúcar, o governo dominicano não fez nenhum esforço para eliminar os ataques e a
comercializado no Ocidente por uma grande fábrica de bebidas francesa, a Remy captura de residentes haitianos em seu próprio país, levados para o trabalho com-
Marrin. Business Week, Financiai Times e outras revistas têm identificado muitos pulsório e não-remunerado nas fazendas do governo. A Antiescravidão Internacional
exemplos de produtos chineses feitos em prisões e exportados para o Ocidente. relata que o governo "fez vista grossa à cumplicidade das fo rças armadas e dos
Funcionários de campos de trabalho chineses fazem o que podem para ocultar funcionários do Conselho Açucareiro nesse verdadeiro tráfico de pessoas".

HIS T ÓR I A ILUSTRADA DA E SCR AVIOAO l RA8AlHO FORÇ A D O


Ci nco d écad as antes, na Alemanha nazista, o trabal ho forçado fazia parte dos O Grupo Central do Exército pretende prender de quarenta a cinqüenta mil crianças
planos de Hitler para a guerra total. Em maio d e 1939, alguns meses antes de o entre 10 e 14 anos (...) e enviá-las para o Reich. A medida foi proposta originalmente pelo
ataque à Polô nia dar início à Segunda G uerra Mundial , H itler d isse a seus chefes Nono Exército... A intenção I distribuir esses jovens principalmente no comércio alemão
militares que as populações dos territórios não-germân icos do Leste seriam exi- como aprendizes. (...) Essa ação está sendo muito bem recebida pelo comércio alemão, pois
gidas co mo mão-de-ob ra. Um mês depois, quando decidiu convocar 7 m ilhões representa uma medida decisiva para aliviar o problema da falta de aprendizes.
de alemães para seu exército, esboçaram-se os planos para que o tra balho escravo Essa ação não visa apenas a impedir um reforço direto da capacidade do inimigo, mas
os substituísse. também uma redução de seu potencial biológico.
Quando os alemães invadiram a Rússia, proclamaram publicamente que o obje-
tivo era pilhar o território e escravizar o povo. A princípio, os prisioneiros de guerra As vítimas eram capturadas naquilo que um oficial alemão chamou de uma
russos foram tratados com selvageria. Centenas de milhares morreram de fome e de
frio nos campos de concentração. Mas em 1942, quando ficou claro que a guerra se selvagem e impiedosa caçada humana (..) praticada em toda parte, na cidade e no
prolongaria mais do que esperava Hitler, os nazistas perceberam que precisavam de campo (..) nas ruas, praças, estações, até nas igrejas, à noite nos Iam. Qualquer um es-
russos vivos como mão-de-obra não-especializada. Até o final de 1944, três quartos tava sujeito ao perigo de ser inesperadamente capturado e enviado para um campo de
de um milhão de soldados e oficiais russos estavam fazendo trabalho forçado em fá- montagem. Nenhum parente sabe o que aconteceu com ele.
bricas de armamentos, minas e nas fazendas da Alemanha.
Enquanto isso, civis de todos os territórios conquistados na Europa tinham si- As condições d o trabalho escravo podem ser imaginadas a partir das diretrizes
do recrutados para servir de mão-de-obra. Eles eram arrebanhados e encerrados em expedidas por Fritz Sauckel, que era o encarregado do programa. Eles deveriam
vagões de carga fechados. Transportados para a Alemanha, geralmente não tinham "ser explorados ao máximo com o menor custo possível".
comida, água ou instalações sanitárias. Trabalhavam em fábricas, nos campos e em Para conseguir os milhões de trabalhadores que utilizou em fazendas na Alemanha,
minas, sendo "humilhados, surrados, além de passar fome", escreveu William L. Hitler recorreu principalmente a eslavos e italianos. Não havia limites para as suas ho-
Shirer, "e com freqüência deixavam-nos morrer por falta de alimento, roupas e abri- ras de trabalho. O s fazendeiros podiam punir seus trabalhadores do jeito que quises-
go". No final de 1944, havia 7, 5 milhões desses civis, mais outros dois milhões de sem e deveriam alojá-los não em casas, mas em estábulos ou coisa parecida. Dos três
prisioneiros de guerra, labutando pelo Reich de Hitler. milhões de civis russos enviados para trabalhar como escravos, mais da metade com-
Como os senhores de escravos de antigamente, Hitler não hesitava em separar fa- punha-se de mulheres. Na Alemanha, faziam trabalho doméstico em casas de família,
mílias quando as deportava. Maridos, esposas, filhos e pais iam, separadamente, pa- sendo tratadas exatamente como escravas. O utras mulheres, porém, eram encaminha-
ra diferentes panes da Alemanha. Quando diminuía o fornecimento, até mesmo das para fazer trabalho pesado em fazendas ou indústrias.
crianças eram raptadas para o trabalho escravo. Shirer cita um memorando do líder As extensas fábricas da Krupp, onde eram produzidas armas, tanques e munições
nazista Alfred Rosenberg, datado de 12 de julho de 1944, que mostra o papel dos para Hitler, utilizavam um grande número de escravos. As conquistas de Hitler al-
generais alemães no arrebanhamento de crianças na Rússia ocupada: çaram a então já poderosa Krupp a um nível tal de grandeza que suas fá bricas, mi-
nas e estaleiros espalhavam-se por 12 nações da Europa ocupada. De acordo com

H ISTORIA ILUST RADA O A Es C RAVIO ÁO TRABALH O FORÇ A DO


......
Os tentáculos de Kmpp. de William Manchester, Krupp e muitos outros industriais Agentes da Krupp percorriam a Europa ocupada, em busca de mão-de-obra para
alemães utilizavam de bom grado escravos de rodas as idades e nações. Documentos suas F.íbricas. Com a ajuda das autoridades de Hitler, eles removiam à força um contin-
nazistas mostram que Krupp e os outros nunca fo ram forçados a aceitar mão-de-obra gente de trabalhadores para toda uma F.íbrica, às vezes transportando os mais imperti-
escrava. A maioria estava satisfeita por tirar vantagem dos escravos que Hitler lhes ofe- nentes algemados. Os Krupp encomendavam escravos em massa, como faziam os im-
recia. Durante roda a guerra, Krupp pediu homens, mulheres e crianças. E com a in- peradores romanos dois mil anos antes. Q uando a Alemanha sucumbiu, em 1945, a
vasão da Rússia, milhares de escravos foram despejados nas fábricas de Krupp. Avisos Krupp utilizava I 00 mil escravos em cerca de I 00 fábricas. Às vezes ela "tomava em-
do lado de fora de suas fáb ricas proclamavam que "eslavos são escravos". Os memo- prestado" ou "alugava" os internos de 138 campos de concentração para suas fáb ricas.
randos comerciais da empresa empregavam abertamente termos como "tráfico de Em 1942, Krupp escreveu para Hitler dizendo que todos os membros do par-
escravos", "mercado de escravos", "escravos", "proprietários de escravos". Quando os tido eram a favor de liquidar "judeus, sabotadores estrangeiros, alemães anrinazis-
judeus foram trazidos em trens, cunhou-se para eles a frase "gado judeu". tas, ciganos, criminosos e elementos anti-sociais". Mas por que não extrair algo
As instruções prescreviam que cada grupo étn ico ou nacional de escravos rece- deles a ntes de morrerem? Assim, desenvolveu-se uma polftica de "extermínio
beria uniformes ou símbolos distintos. Não eram permitidos no mes. Assim co- através do trabalho". Krupp estava disposto a pagar a Hitler quatro marcos por
mo se tatuavam números na pele dos internos dos campos de concentração, bor- pessoa por dia (tirando sete décimos d e um marco para a alimentação). Hitler
dava-se um número na roupa que bastava para identificar máquinas humanas. concordou com o plano. No campo de concentração d e Auschwitz, por exemplo,
Os supervisores da Krupp tinham a incumbênc ia de fazê-los trabalhar pelos trabalhado res judeus especializados eram utilizados na fabricação de peças para
meios que fossem necessários. Conseqüentemente, os escravos eram tratados co- armas automáticas, numa fábrica mo ntada ali mesmo , por Krupp, em junho de
mo animais. Punhos, botas, porretes, cassetetes e chicotes ga rantiam o desempe- 1943. A maioria desses trabalhadores m orreu, é claro.
nho d as tarefas. "A maioria dos alemães", diz Manchester, "parara de pensar em Uma das vítimas de Krupp, Ted Goldsztaj n, sobreviveu à guerra e disse que a
seus escravos estrangeiros como seres humanos." O termo mais comum para de- situação dos trabalhadores judeus era inferior até à dos tradicionais escravos.
signá-los era "animais" ou "gado". "Valíamos menos que as máquinas de Herr Krupp, das quais cuidávamos", disse
Na fábrica da Krupp em Berthawerk, onde trabalhavam uns 6 mil escravos, a ele. "O equipamento era bem-conservado. Era operado com cuidado, lubrificado,
brutalidade era comum. Um trabalhador escravo (na época com 16 anos) disse engraxado e poupado; protegia-se sua longevidade. Nós, por outro lado, éramos
mais tarde: como um pedaço de lixa que, usado uma ou duas vezes, torna-se inútil e é joga-
do fora para ser queimado no lixo."
O menor engano, uma ferramenta quebrada, um refogo - coisas que acontecem to- A idade mínima para o trabalho escravo a princípio era de 17 anos. Mas, em
dos os dias em fábricas do mundo todo - deixava-os irritados. Batiam em nós, davam 1944, crianças de 6 anos estavam sendo designadas para o trabalho. Um médico
chutes, apanhdvamos com tubos de borracha e barras de ferro. Se eles mesmos não que- da Krupp que inspecionou os campos de trabalho escravo relatou:
riam se aborrecer com punições, chamavam o Kapo e ordenavam que nos desse 25 chico-
tadas. Até hoje, durmo de bruços, hdbito que adquiri na Krupp por causa dos ferimentos Em todos os campos, as condições para os trabalhadores estrangeiros eram extremamen-
nas minhas costas. te ruins. Estavam superlotados. (...) A dieta era totalmente inadequada. (...) Somente carne

H ISTÓR I A IL USTRADA OA E SC R AVIDÃO


TRABA L HO FORÇADO
por divida, tráfico de pessom e venda d e órgiios humanos, explornçiio da p rostituiçiio,
e certas práticas em regimes coloniais e de apartheid.
I \ I ) I ( I I 11 \f I I 1t \

Nent'il ma estimativa pode ser mais que um palpite. Alguns governos não fa- Essas várias fo rmas de escravidão geralmente se ocultam. Isso torna difícil co-
zem nenhum recenseamento. Em quase rodos os países, a escravidão agora é ile- nhecer a proporção da escravidão contemporânea, "para não dizer revelá-la, pu-
gal. Se um governo publicasse um relatório sobre o número de escravos, estaria ni-la ou elimi ná-la", diz o Centro. O que dificulta mais ainda é que as vítimas
se expondo à acusação d e ou tolerar a escravidão ou não tomar medidas para em sua maioria são de gr upos sociais os mais pobres e vulneráveis. Temerosos e
proibi-la. Ninguém, portanto, pode forn ecer estatísticas verificáveis sobre a es- desesperados para sobrevive r, não costumam chamar a ate nção.
cravidão contemporânea. Ainda assim , há evidências suficientes para demonstrar que práticas semelhantes
M as o que se quer dizer com a palavra escravidão? Em 1956, a Convenção Su- à escravidão são mui to comuns. Vejamos apenas um fato: I 00 milhões de crianças
plementar sobre a Abolição da Escravidão, do Tráfico de Escravos e das Insti- são exploradas por seu trabalho, de acordo com recente esti mativa da Organização
tuições e Práticas Similares à Escravidão, promovida pelas Nações Unidas, definiu-a Mundial do Trabalho. Muitas outras evidências vêm de grupos de direitos huma-
como a condição de alguém sobre o qual se exercem poderes associados ao direito nos, de investigadores de campo e de repórteres. Suas descobertas mostram que é
de propriedade. difícil separar diferentes formas de escravidão: trabalho em cativeiro, trabalho for-
A Convenção das Nações Unidas compromete os Estados que a assinaram a erra- çado, trabalho infantil , prostituição infantil. Unindo-os todos, o fator comum da
dicar a escravidão por posse, servidão, escravidão por dívida, exploração de crianças pobreza extrema.
e as formas servis de casamento. (O trabalho forçado e o tráfico de "escravas brancas", Uma das principais regiões de escravos estende-se ao longo do Saara até a penín-
ou escravidão sexual, são temas de outras C onvenções.) sula Arábica. Ali a escravidão é bastante disseminada, embora tanto a lei secular
A Antiescravidão Internacional tem evidências que levam a estimar que, con- quanto a religião muçulmana a proíbam .
tadas as cinco formas de servidão consideradas pela convenção, pode haver muitos O Carão, complementado pelos decretos do governante, é a lei da terra nos paí-
milhões de escravos no mundo de hoje. Uma ou mais dessas formas de escravi- ses do islã. No século VII, na época do profeta M aomé, a escravidão era uma ins-
dão ainda persistem, diz a Antiescravidão Internacional, em dezenas de países em tituição quase universalmente aceita, e o Carão a reconhecia. Assim como a
todo o mundo. Bíblia, o Carão é aberto a várias interpretações da questão. A maioria dos estudio-
Hoje a palavra "escravidão" passou a significar uma variedade maior de viola- sos do islã afirma que os ensinamentos do Carão são contrários à escravidão.
ções dos direitos humanos. Num relatório de 1991 sobre formas contemporâneas Maomé pregou a grande virtude de libertar os escravos e pediu que fossem bem
de escravidão, o Centro de Direitos Humanos das Nações Unidas sustenta que: tratados. Em seu discurso de adeus, ele disse:

Além da escravidão tradicional e do tráfico de escravos, esses abusos incluem a ven- Quanto aos vossos escravos, homem e mulher, alimentai-os com aquilo que vós m es-
da de crianças, prostituição infantil, pornografia infantil, exploração do trabalho in- mo comeis e vesti-os com aquilo que usais. Se não puderdes mantê-los ou se eles come-
fantil, mutilação sexual de meninas, uso de crianças em conflitos armados, escravidão terem alguma falta, dispensai-os. São gente de D eus como vós, sejais bondosos com eles.

I ·--
~ H I S T O RIA I LU STRADA D A f SCRAV IDAO
A ESCRAV I DÃ O H OJ E
O Corão, afirmam os especialistas modernos, aboliu rodo tipo de escravidão, ex- e às vezes um pequeno salário. Ocasionalmente podem ganhar presentes ou pri-
ceto a que resultasse de prisioneiros capturados em guerra legítima. O roubo e 0 vilégios especiais. Alguns escravos tornam-se confidentes de seus senhores e aré
tráfico de escravos foram condenados, sendo absolutamente proibido reduzir mu- mesmo guardiões de seus fi lhos. Sabe-se que outros ficaram ricos e influentes, gra-
çulmanos à escravidão. Mas, como em rodas as religiões, rem havido uma grande ças a seus próprios esforços.
distância entre a pregação e a prática. A escravidão ainda é praticada em terras mu- O escravo árabe não goza de direitos legais e pode apanhar ou ser morro, com
çulmanas. A criação de escravos também rem sido prárica comum na Arábia e no chances mínimas de punição. Mas ele pode casar-se com a permissão de seu se-
lêmen. Em toda família economicamente importante, os escravos são considerados nhor. Suas opções estão restritas à sua própria classe ou a alguém inferior- a filha
uma necessidade. Assim, onde houver uma forre demanda, os mercadores de escra- de um ferreiro, laroeiro ou de um escravo liberto. A filha do mais pobre beduíno
vos arriscarão fornecê-los por um alto preço.
é proibida para ele.
Em 1935, o rei Ibn Saud, fundador da Arábia Saudita, aboliu o tráfico de escra- A alforria é possível em troca de um serviço dedicado. Um escravo também po-
vos num decreto destinado a aliviar as condições de servidão. Mas a lei nunca foi de comprar sua liberdade, e às vezes é libertado devido à idade ou porque se torna
cumprida. Quando, após a Segunda Guerra Mundial , os rendimentos do petróleo inútil. Uma v~ que o islã vê a libertação de um escravo como um aro digno de louvor,
começaram a despejar enorme riqueza em terras árabes, cresceu bastante 0
núme- muçulmanos idosos podem providenciá-lo em seus testamentos como um modo de
ro de escravos trazidos anualmente, assim como seu preço. expiar pecados. Em toda a Arábia existem comunidades não-tribais de escravos li-
As crianças costumam fazer parte do tráfico de escravos. São compradas de bertos que, segundo se diz, foram assi miladas à população sem preconceito. Mas o
pais pobres ou geralmente são raptadas. Nos países árabes onde existe a escravi- escravo que se rebela não é tratado com generosidade. Há relatos de fugitivos que
dão, os escravos fazem rodo tipo de trabalho. Um pesquisador encontrou-os tra- foram capturados e surrados até a morre com porretes.
balhando como "servos domésticos, porteiros, carregadores de água, cavalariças Até hoje, a escravidão ainda é encontrada em algumas partes do continente afri-
e criados pessoais. Nos oásis trabalham na agricultura, e os escravos dos beduí- cano. Na República Islâmica da Mauritânia, com uma população de dois milhões
nos são usados no pastoreio e para cuidar dos camelos". São cozinheiros, garçons, de habitantes, 20% negros, funcionários do governo afirmam que a escravidão não
jardineiros, motoristas, vigilantes e guarda-costas. Alguns tornam-se balconistas existe mais, e que há muitos anos não existe. Mas relatórios indicam que ainda existe,
de lojas e secretárias, e outros funcionam como agentes de seus senhores nos ne- e que seus vestígios permeiam toda a sociedade, estendendo-se até outros países on-
gócios, na administração de terras, atividades públicas ou em atividades privadas. de os mauritanos estão trabalhando. Há relatos de pessoas raptadas para ser escravas
Os pescadores de pérolas no Golfo Pérsico são predominantemente escravos. As e de severas punições para escravos fugitivos que são apanhados.
escravas são utilizadas especialmente como servas domésticas, criadas e babás de Em 1990, Mustafá, 48 anos, um escravo que recentemente havia escapado, foi
crianças pequenas. É claro, sendo propriedade do senhor, muitas tornam-se con- entrevistado pela Africa Watch. Disse ele:
cubinas. As crianças geradas pelas garotas do harém são escravas do proprietário,
para sempre ou até que ele as venda.
É claro que a escravidão ainda exíste hoje na Mauritânia. A razão é simples.
Embora os escravos árabes tenham um status social inferior, geralmente são Quaisquer que tenham sido as emancípaçóes, continuamos a trabalhar para o mesmo
bem tratados, contanto que esqueçam a liberdade. Recebem roupas, alimento, teto senhor, contínuamos a fazer o mesmo tipo de trabalho sem nenhum pagamento e a viver

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~ HISTOR IA IlUSTRAD A DA ES C RAV ID ÃO
A ESCRAV I OAO HO J E ~
sob ns mesmns condições. Nada mudou, exceto nas pnlavms. Não recebemos nem 11 edu- J:. raro ver um escravo freqüentar uma mesquita. O islã permite apenas a presen-
cnção nem os meios econômicos pnm tomarmos consciência de nossos direitos e deles ti- ça de "pessoas livres".
rarmos vantngem. O pior é na zonn rural, onde vive a mniorin dos escravos. Ali I n "Se algum dia os escravos fo rem livres", disse Bilal, um jovem pescador e ex-es-

Mnuritânia antiga; escrnvos nem snbem que têm direitos, e nada snbem sobre emanci- cravo, "a educação será sua arma mais fundam ental." Assim, os senhores impedem
pação. Ouvi folar em abolição, mas isso não teve n enhum eftito prático em minha vida. que os escravos freqüentem as escolas modernas. As crianças têm permissão de ir às
escolas religiosas, mas somente se não houver necessidade de seu trabalho. Tradicio-

Existem dezenas de milhares de negros escravos que continuam sendo proprie- nalmente, escravos não têm direito ao casamento ou à formação de família. Os fi -

dade de seus senhores brancos, apesar de um d ecreto do governo, de 1980, abo- lhos de uma escrava são propriedade de seu senhor.
lindo a escravidão pela terceira vez na história da Mauritânia. Os escravos estão Todo trabalho é feito por escravos, seja tomar conta de animais, seja cultivar a ter-

totalmente sujeitos à vontade do senhor, trabalham longas ho ras sem nenhum ra, buscar água ou fazer os serviços domésticos. Disse um professor: "O centro da or-

pagamento, não têm acesso à educação nem a liberdade para se casarem ou se as- dem social é o senhor branco, que tem o direito de não fazer nada, enquanto os ne-

sociarem com outros negros. gros realizam rodo o trabalho. Nenhum homem branco faz trabalho doméstico."

Dão fim à sua escravidão não com o exercício de seus direitos "legais", mas O s amigos escravos encontram grande dificuldade para conseguir emprego.

principalmente através da fuga. No entanto, diz a Africa Watch, "o medo de ser Não tiveram nenhum treinamento e não têm para aonde ir. Os ho mens conse-

apanhado, o conhecimento da tortu ra selvagem imposta aos escravos que tentam guem apenas os piores trabalhos, como a coleta de lixo, enquanto as mulheres

fugir e a falta de habilidades profissio nais num país empobrecido desencorajam vendem cuscuz, às vezes ab rem pequenos restaurantes, ou freqüentemente en-
uma tentativa de fuga". tram na prostituição.
Q uando o senhor de M ustafá soube que seu escravo tinha ouvido falar sobre Moçambique, país de 15 milhões de habitanres, situado na costa sudeste da Áfri-

o decreto de abolição da escravidão ao falar com aldeães vizinhos, demonstrou ca, há muitos anos sofre com a guerra civil. Além disso, há a exportação de me-

sua ira fazendo o escravo tirar a roupa e mandando chicotear-lhe as costas sob ninos e meninas que percorrem uma rota de tráfico de escravos até a África do

um sol escaldante. À noite, manteve-o deitado no chão frio, enquanto se despe- Sul, onde são vendidos para executar trabalho forçado ou como escravos sexuais.
java água gelada sobre o seu corpo. Em Moçambique, atingido pela fome , armas e escravos tornaram-se lucrativos no

Escravos ainda são comprados e vendidos na Mauritânia, embora não mais no comércio de exportação. Meninas adolescentes cruzam ilegalmente a fro nteira

mercado aberto. O tráfico é feito discretamente, sem publicidade. A religião é com a África do Sul, esperando arranjar trabalho na lendária Johannesburgo, mas

utilizada por senhores como meio de perpetuar a escravidão. Embora o islã reco- geralmente terminam vendidas como prostitutas, escravas, ou são forçadas a se

nheça a prática da escravidão, só permite a escravização de prisioneiros não-islâ- casar com homens que querem ter uma segunda esposa na cidade, enquanto a
micos apanhados em guerras santas, e com a condição de q ue sejam libertados primeira trabalha na agricultura em sua região natal.
tão logo se convertam ao islã. O s juízes das cortes islâmicas tendem a proteger a es- Meninos adolescentes que procuram trabalho na África do Sul freqüentemente aca-

cravidão, em vez de usar sua autoridade para erradicá-la. Os escravos são ensinados bam fazendo trabalho forçado em projetos de construção, nos d istritos ou em fazen-

por seus senhores e pelos líderes religiosos de que a servidão é um dever religioso. das, onde ganham apenas o suficiente para a subsistência. Esses trabalhadores, como

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~ H tsrOA t A IL US TRADA DA EscRAvtoAo
A ES C RAV I OÀ O H OJ E~
mínimo que deve ser pago a rodos os trabalhadores, incluindo os criados domés-
entraram ilegalmente na .África do Sul e não dispõem de autorização para trabalhar,
não têm quaisquer direitos. Temem a deportação de volta para Moçambique e acredi- ticos , e as horas de trabalho também são regulamentadas.
O Sudão foi um centro bastante ativo de tráfico de escravos até o começo do
tam que estão fisicamente mais seguros trabalhando sob condições estarrecedoras do
que se retornarem ao horror da guerra em sua pátria devastada e faminta. século XX. Em algumas áreas, a "cultura escravista" permanece ai nda hoje. Maior

Gana, com cerca de 15 milhões de habitantes de várias etnias, está localizada país da África, 0 Sudão tem ago ra um a população de 27 milhões de habitantes.
É independente desde 1956. H á uma zona muçulmana ao norte e uma região
na costa sul da África Ocidental. As pessoas que trabalham como servos domés-
ticos em Gana são escravas em tudo, menos no nome. Executam tarefas sem cristã-animista ao sul. Devido aos constantes conflitos en tre eles, a guerra civil é

qualquer direito correspondente. Quando os colonizadores europeus chegaram, uma das principais causas do ressurgimento da escravidão nos dias de hoje.

utilizaram os africanos nos serviços domésticos e em outros afazeres. Esses servos Conflitos étnicos, tribais e religiosos têm sido ressuscitados pelo governo ce ntral ,
especialmente desd e a eclosão da gue rra civil. Os árabes do norte julgam-se mo-
eram explorados e tratados com um desprezo racista, assim como os cidadãos do
país de um modo geral. ralmente justificados em escravizar os africanos do sul.
Durante a guerra civil, o governo sudanês parece ter aurorizado operações mi-
Com a independência de Gana, em 1957, roda a instituição da servidão domés-
tica e suas práticas, dominadas pelos colonizadores brancos, foram assumidas pelas litares da milícia contra as populações africanas negras do sul. Aceitou-se a captura

elites africanas. Políticos, executivos, burocratas, profissionais, acadêmicos - rodos de reféns e, segundo relatos, a escravização de prisioneiros tem sido uma prática

sentiram necessidade de possuir servos domésticos, em parte porque, com o mari- comum. Crianças são forçadas a trabalhar na agricultura e como servas domésti-

do e a esposa trabalhando fora, precisavam de alguém para tomar conta dos filhos cas, enquanto mulheres jovens são obrigadas a se tornar servas e concubinas. O s
nomes de alguns proprietários de escravos têm sido divulgados; vários são oficiais
e da casa, em parte como símbolo de sua posição social recém-adquirida.
A maioria dos servos é recrutada pela elite nas aldeias e cidades do interior, de de alta patente no exército regular.
onde supostamente veio a elite, geralmente num passado vago e remoto. Os pais, "Às vezes as crianças são vendidas pelos próprios pais, por causa da extrema

sem saber o que ocorre na cidade, de bom grado oferecem espontaneamente suas pobreza e da fome a que a guerra os levou", diz um relatório de 1992, do Comitê
dos Direitos da Criança das Nações Unid as. Na maioria dos casos, os pais não sa-
filhas para o que parece ser um trabalho de prestígio, pois segundo se promete, a
menina fará parte da família. Mas, uma vez recrutadas, não há nenhum contra- bem para aonde os filhos são levados.
to, seja verbal ou escrito, entre senhor e servo. As tarefas são tudo e nada em par- Na década de 1990, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e o

ticular. O dia começa já às cinco da manhã e não termina antes das dez da noite. Asia Watch, uma divisão da Human Rights Watch, fizeram relatórios sobre for-

A carga de trabalho é tão pesada - limpar, lavar, cozinhar, servir as refeições, cui- mas d e escravidão em regiões da Ásia. Em Mianmá (a antiga Birmânia; o nome

dar do jardim e, é claro, das crianças - que escravidão é a única palavra para ca- do país foi mudado em 1989), os muçulmanos foram vítimas de ofensivas militares

racterizar tais condições. Não há pagamento, pois afinal de contas a vítima está contra minorias étnicas e ativistas de oposição. Refugiados da zona de guerra, na

"vivendo em casa de família". região noroeste, relataram "homens sendo capturados para fazer trabalho força-

Gana e outros países africanos não possuem nenhuma política pública ou lei do, mulheres sistematicamente estupradas, casas, terras e animais sendo tomados

especial sobre essa questão. No Zimbábue, por outro lado, a lei define o salário pelos soldados". As turmas de trabalho forçado eram obrigadas a nivelar colinas,

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A ES C RAVIDÃ O HOJE --
H IS T ORIA IlUSTRADA DA ES C RAVIDÃO
construir estradas, cavar canais de irrigação, transportar cargas pesadas e carregar Enrre os métodos de coerção, revela a Comissão de Direitos H umanos das

armas e suprimentos na linha de frente das perigosas zonas de guerra. N ão rece- Nações Unidas, estão:
biam pagamento, comida ou água enquanto trabalhavam. Muitos têm sido sub-
metidos ao trabalho forçado por mais de dez anos. A surra de vara, queimaduras por cigarros e a imersão da cabeça dn mulher na

Quando as pessoas fugiam durante o trabalho forçado , suas famílias eram ata- água. Então, brutalizadas, elas são vendidas aos proprietários de bordel por cerca de
cadas. Quando apanhados, os fugitivos geralmente apanhavam até morrer, assim f 00 a 200 libras. O preço é determinado por idade, aparência e atração sexual.

como aqueles muiro doentes ou lentos para continuar trabalhando. A malária


também causava grandes sofrimentos. Não havia cuidados médicos. Carregado- A pumçao para aquelas que tentam escapar à escravidão sexual é a morte.

res fugitivos incluíam não só homens jovens, mas aposentados, mulheres grávi- Quando algumas birmanesas conseguiam fu gir e cruzavam a fronteira d a Birm â-
das, mães e crianças de 12 anos. nia, eram apanhadas pela polícia, trancafiadas durante um mês, agredidas, estupradas
Refugiados que escaparam atravessando as fronteiras da Birmânia contaram à e depois libertadas. Quase imediatamente elas eram apanhadas pelos mercadores de
Asia Watch sobre as escravas e levadas de volta para a prostituição na Tailândia.
Um número imenso de crianças - cerca de 80 m ilhões - é vítima da escravi-

medonhas atrocidades nas mãos tÚJ exército birmanês. Era comum o estupro de mulhe- dão no subcontinente da Índia. Apesar dos disposit ivos constitucio nais e das leis,

res depois que seus maridos e pais haviam sitÚJ capturatÚJs para fazer trabalho forçado. As nenhuma atitude tem sido tomada para eliminar a exploração de crianças e do

vezes as mulheres eram levadas para um campo militar próximo, onde as separavam por trabalho escravo nesse país, Ba~gladesh, Nepal, Paquistão e Sri Lanka.
beleza. Em alguns casos as mulheres eram mortas; em outros, podiam voltar para casa. As crianças que trabalham nas indústrias de tapetes da Índia, Paquistão e Nepal es-
tão entre as piores vítimas. Mais de um milhão, de 6 a 7 anos de idade, vivem em
A Asia Watch diz que a junta mili tar que governa Mianmá "tornou-se um dos regime de servidão. Em 1992, várias crianças libertadas do trabalho escravo deram seu
governos mais violentos da Asia". testemunho em Nova Delhi, num seminário do sul da Ásia sobre o Trabalho Infantil

Uma triste conseqüência da fuga da Birmânia é o crescente número de mulhe- com Tapetes. Uma criança de 7 anos, da Índia, mantida em cativeiro durante três anos,

res birmanesas atraídas e vendidas como escravas quando cruzam a fronteira da disse: "Eu era forçado a trabalhar quatorze horas por dia. Se eu ficasse doente ou fosse
Tailândia. Elas vêm de vários grupos étnicos e são mantidas contra a vontade em lento no trabalho, eles me batiam. Meu empregador, o dono da tecelagem, tinha uma
bordéis. Algumas têm apenas 10 anos. Numa cidade fronteiriça, Ranong, estima- pistola e sempre ameaçava atirar em mim se eu tentasse fugir." Outro menino, de
se que 1.500 mulheres birmanesas são prostitutas, segundo relatórios recebidos 8 anos, perdeu a visão durante seus quatro anos de trabalho. Ele contou que era mal
pela Antiescravidão Internacional. alimentado e que apanhava. "Nunca recebi nenhum salário, embora um ' intermediá-

A pobreza na Birmânia, represálias militares e falsas promessas de emprego levaram rio' tivesse feito muitas promessas aos meus pais para me tirar da minha aldeia."
a essa situação. O tráfico de escravos existe há muitos anos e proliferou com a disse- O seminário estimou que Índia, Nepal e Paquistão são responsáveis por mais

minação da AIDS e a demanda por prostitutas que não fossem portadoras da doença. de dois terços do comércio de tapetes no mundo. E 70% da força de trabalho são

Uma vez na Tailândia, muitas mulheres são forçadas a entrar na prostituição. de crianças de menos de 14 anos. Elas vivem e trabalham em condições subumanas.

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~ H I S TO RI A I LU S T RA DA DA E SC RAVI D Ã O
A ESC R A V I D Ã O HO J E ~
A preferência por crianças, e não por adultos, é porque elas são física e mentalmen- Em algumas áreas, a venda e compra de trabalhadores escravizados são um se-
te vulneráveis. Elas não conseguem se opor à exploração, são proibidas de formar gredo aberto. Não há nenhuma lei contra o sistema. Apesar dos protestos nacio-
sindicatos e não podem ir aos tribunais. nais e internacionais contra desumanidade do trabalho escravo, ele continua. "A
Nesses três países, as condições de trabalho na indústria de tapetes são terrí- máfia dos senhores de escravos", de acordo com um relatório feito em 199 1 para a
veis. As crianças vivem e trabalham em esquálidos barracões com teares, sem ven- Comissão de Direitos Humanos da ONU, "geralmente recorre à pura violência e
tilação ou luz apropriadas. Trabalham 17 ou 18 horas por dia, sere dias da semana. às tentativas de assassinato para reprimir e calar a voz que clama por justiça social. "
A maioria sofre de doença pulmonar, pois inala constantemente partículas de lã. Um sistema de trabalho escravo também existe em Bangladesh, controlando
Anemia, tuberculose, doenças da pele, corres, deformação da espinha e perda da aqueles que trabalham nos fornos de tijolos, na agricultura e os catadores de papel.
visão são problemas comuns. Eles trabalham de doze a dezoito horas por dia, jun to com os filhos, e recebem
As formas de punição incluem surras, privação de com ida e queimaduras com cerca de dois dólares por dia. Não podem deixar o lugar sem permissão dos con-
cigarro. As meninas sofrem os piores abusos, sendo geralmente estupradas e ven- tratantes. O sistema impede que os trabalhadores desistam, a não ser que paguem
didas para bordéis. o dito adiantamento, que supostamente lhes foi dado, transformando-os em ví-
A fndia adotou duas leis contra essa forma de escravidão infantil - em 1978 e timas da servidão por dívida.
1986 -, no entanto o próprio governo promove e subsidia a manufatura e expor- Embora a escravidão seja ilegal desde a lei da abolição de 1948, a servidão por
tação de tapetes feitos por crianças em regime de escravidão, zombando assim de dívida é encontrada ainda hoje na parte oeste do Nepal. O s trabalhadores traba-
suas próprias leis. lham em terras que não lhes pertencem, submetidos aos termos e condições de um
No Paquistão o trabalho infantil é ilegal. Mas o próprio governo patrocina os sistema de servidão por dívida. Um estudo realizado por um grupo de direitos
Centros de Tecelagem de Tapete de Pequenas Indústrias em quatro províncias, onde humanos do Nepal relatou em 1992 que as horas d e trabalho dessas pessoas são
trabalham 50 mil crianças. Variam de 4 a 12 anos de idade e recebem cerca de quatro essencialmente ilimitadas. Elas trabalham o tempo todo, exceto quando estão efe-
dólares por mês pelo opressivo trabalho de tecer tapetes. Além do mais, no setor reser- tivamente comendo ou dormindo. Embora devessem trabalhar nos campos, foram
vado da indústria de tapetes, aproximadamente meio milhão de crianças trabalham encontradas tomando conta de búfalos, cortando grama, cavando canais, cortando
como escravas. Em certas regiões, um quinto das crianças é vítima de adicção por nar- madeira e feno, trabalhando em moinhos e servindo como aj udantes em tratores.
cóticos. Excesso de trabalho e doenças como tuberculose matam 50% das crianças tra- Cultivam a terra durante a temporada e depois têm de fazer qualquer trabalho de-
balhadoras antes de completarem 12 anos. Por trás da beleza de tapetes tecidos à mão signado pelo senhor. São dezoito horas de trabalho por dia.
está a total violação dos direitos humanos das crianças. Elas vivem suas vidas curtas Os salários cobrem apenas uma pequena cota alimentar, que não é suficiente
sem leite, sapatos, roupas, abrigo, brinquedos ou livros. para uma família média de seis pessoas. Os trabalhadores não podem sair nem
Refugiados das guerras no Afeganistão invadiram o Paquistão e entraram no faltar quando estão doentes, e não há compensação para acidentes de trabalho.
mercado de trabalho escravo. Adultos e crianças - meio milhão - agora traba- Uma vez submetidos ao contrato, eles deverão servir a seu senhor o ano inteiro,
lham em fornos de tijolos, na agricultura, em pedreiras e catando trapos e papéis. e não poderão desistir. Mulheres recém-casadas geralmente sofrem abusos sexuais
Vivem na mais subumana das condições. por parte do senhor.

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~ HI ST ORIA IL UST RAD A OA E SCR AVIOAO
A ESCRAV I DÃO HO JE ~
A incidência de trabalho escravo aumentou no oeste do Nepal, embora o go-
verno não admita que existem abusos.
Na região do Amazonas, no Brasil, o trabalho forçado e a escravidão por d ívi-
da são. relações típicas de quem trabalha com desmatamento, na produção de car-
vão e na mineração. A Antiescravidão Internacional aponta que empreendimentos
de destruição ambiental como esses geralmen te recorrem a práticas avi ltantes de
trabalho. A escravidão por d ívida agora ta mbém se espalha pelos estad os do sul
do Brasil - Rio G rande do Sul e Paraná.
Trabalhado res rurais costumam ser recrutados em outros estados para traba-
lhar no desmatamento. As grandes distâncias que eles p recisam percorrer exigem
que acumulem dívidas para pagar o transporte e alimentação. Embora lhes pro-
metam salários e condições adequados, quando chegam ao seu destino encontram
alojamentos deploráveis e com ida ruim. São forçados a trabalhar longas horas em
condições perigosas para saldar a dívida. O preço que têm de pagar pela comida,
roupa, remédios e até mesmo ferramentas é várias vezes mai or que os valores de
mercado. Isso os aprisiona num ciclo de dívidas que eles nunca conseguem pagar.
Em muitos casos, eles nunca recebem dinheiro vivo, po is os salários compensam
as dívidas acumuladas nas cantinas do empregador. Geralmente, os trabalhado-
res não têm como verificar o cálculo dos gastos.
A Comissão de Direitos Humanos da ONU assim d escreve os métodos físicos
de controle utilizados no Brasil:

As condições de servidão são enfatizadas com o uso de homens armados que vigiam
os grupos de trabalhadores, ameaçando aqueles que buscam pagamento ou pensam em
deixar as propriedades. São freqüentes os relatos de agressões, tratamento cruel, desuma-
no e degradante, e de assassinato de trabalhadores que tentam fugir dessas condições.

Mesmo assim, os trabalhadores conseguem fugir. A Pastoral da Terra, uma or-


ganização da Igreja Católica, ao monitorar o trabalho forçado, registrou 27 em-
presas rurais de onde os trabalhadores fugiram devido a "condições de trabalho

H tS T O R I A I LUS TRADA DA E SC RA VI DÃ O
A incidência de trabalho escravo aumentou no oeste do Nepal, embora o go-
verno não admita que existem abusos.
Na região do Amazonas, no Brasil, o trabalho forçado e a escravidão por dívi-
da são relações tÍpicas de q uem trabalha com desmatamento, na produção de car-
vão e na mineração. A Antiescravidão Internacional apo nta que empreendimentos
de destruição ambiental como esses geralmente recorrem a práticas aviltantes de
trabalho. A escravidão por d ívida ago ra também se espalha pelos estados do sul
d o Bras il - Rio G rande do Sul e Paraná.
Tra balhadores rurais costumam ser recrutados em o utros estados para traba-
lhar no desmata mento. As grandes distâncias que eles precisam percorre r exigem
que acum ulem dívidas para pagar o transpo rte e alimentação. Embora lhes pro-
metam salários e condições adequad os, quando chegam ao seu destino encontram
alojamentos deplo ráveis e comida ruim. São forçados a trabalhar longas ho ras em
condições perigosas para saldar a d ívid a. O preço que têm de pagar pela comida,
ro upa, remédios e até mesmo ferramentas é várias vezes maior que os valores de
mercado. Isso os aprisiona num ciclo de d ívidas que eles nunca conseguem pagar.
Em muitos casos, eles nunca recebem dinheiro vivo, pois os salários compensam
as d ívidas acumuladas nas cantinas do emp regador. Geralmente, os trabalhado-
res não têm como verificar o cálculo dos gastos.
A Comissão de Direitos Humanos d a ONU assim descreve os métodos físicos
de controle utilizados no Brasil :

As condições de servidão são enfatizadas com o uso de homens armados que vigiam
os grupos de trabalhadores, ameaçando aqueles que buscam pagamento ou pensam em
deixar as propriedades. São freqüentes os relatos de agressões, tratamento cruel, desuma-
no e degradante, e de assassinato de trabalhadores que tentam fugir dessas condições.

Mesmo assim, os trabalhadores conseguem fugir. A Pastoral da Terra, uma or-


ganização da Igreja Católica, ao monitorar o trabalho forçado, registrou 27 em-
presas rurais de o nde os trabalhadores fugiram devido a "condições de trabalho

HI STO R IA ILUSfRAOA DA ESCRAVIOÁO


r

escravo". Só em 1991, 4.833 trabalhadores ousaram escapar. Embora submeter Em 1966, o Brasil ratificou a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Es-
alguém à escravidão seja crime no código penal brasileiro, a polícia pouco faz para cravidão, Tráfico de Escravos e Instituições e Práticas Similares à Escravização,
que se cumpra a lei. As poucas medidas tomadas limitam-se aos pistoleiros e peque- patrocinada pela ONU. "É lamen tável", diz a Comissão de D ireitos H umanos da
nos subcontratantes. As grandes empresas, como bancos e corporações, que se be- ONU, "que a escravidão, tão comum nas Amé ricas durante os 500 anos que se
neficiam da prática ilegal, nunca sentem a força da lei. seguiram a Colombo, ainda seja prática corrente. "
A escravidão por dívida também é comum na produção de carvão a partir de ma- A escravidão do méstica é encontrada em vá rios níveis em quase todas as par-
deira nativa ou em fazendas de reflorestamento. Os trabalhadores atuam em peque- tes do mundo. Mulheres de um determ inado país costumam ser exportadas para
nas turmas. Para cumprir as cotas de produção de árvores a ser derrubadas e quei- outros países, quando os ricos ali se instalam du rante curtos ou longos períodos.
madas, família inteiras, incluindo crianças pequenas, são empregadas num trabalho Não muito tempo atrás, em Londres, duas pri ncesas do Kuwait- Sheika Faria ai
sujo e perigoso. Famílias são forçadas a uma jornada de trabalho de doze horas co- Sabah e Sheika Samiya- trouxeram com elas uma criada que haviam comprado
letando madeira, e crianças a partir de 9 anos empilhando-as, trabalhando próximo de um recru tador na fndia. Durante quatro anos ela trabalhou tanto que costu-
de fornos de carvão de altíssimas temperaturas. No Mato Grosso do Sul, estima-se mava dispor de apenas duas horas de sono por noite. T inha que dormir no chão
que entre 4 mil e 8 mil pessoas são obrigadas a trabalhar sob tais condições. e do lado de fora da cozinha, que ficava trancada, além de ser privada de comida
Os mineradores também são vítimas da escravidão por dívida e da coerção. Há cen- adequada. Não recebia salário, nunca podia sai r e era chicoteada todos os d ias,
tenas de sítios de mineração na Amazônia, para os quais afluem trabalhadores pobres, de tal modo que seu rosto ficou com cicatrizes permane ntes. A princesa escon-
na esperança de fazer fortuna. Milícias particulares são utilizadas para vigiar as minas deu-lhe 0 passaporte, o que a colocava to talme nte nas mãos das kwaitianas.
e intimidar os mineradores, que só podem deixar a área se pagarem as dívidas de trans- É muito raro se fazer justiça, mas o caso d e Lakshmi Swami chegou à Corte
porte e de suprimentos. Os proprietários das minas monopolizam a venda de alimen- Suprema em Londres. As princesas foram forçadas a pagar pelos pesados danos
tos, combustível e peças de reposição para a maquinaria, determinando o preço. As do que foi descrito como uma vida infernal.
minas ficam tão isoladas que os mineradores dependem dos contratantes para o trans- No Reino Unido, as domésticas vêm de mui tos países do Terceiro Mundo:
porte fora da área, tornando-se assim presas fáceis da coerção e da ilegalidade. Bangladesh , Brasil, Colô mbia, Et iópia, Eritréia, fndia, Indonésia, Marrocos, Ne-
No Brasil, intimamente ligada aos sistema de exploração está a prática da pros- pal, Nigéria, Filipinas, Serra Leoa e Sri Lanka. A esmagadora maioria, talvez
tituição forçada. Mulheres e moças têm sido atraídas das cidades, com a prom essa 90%, é das Filipinas. E a maior parte dos empregadores é originária do Golfo e
de altos salários, para trabalhar em cantinas e restaurantes. Mas quando chegam dos Estados do O riente M édio.
aos campos de mineração ou aos projetos d e construção, trazidas por um inter- A doméstica típica do além-mar, no Reino Unido, é uma filipina solteira, na
mediário que cobra pelas despesas, são forçadas a trabalhar como prostitutas pa- faixa dos 20 anos, que quer ajudar financeiramente na educação de seus irmãos
ra pagar o transporte e outras dívidas. Os donos de bordel pagam o intermediá- mais novos. Ou, então, está na faixa dos 30 ou 40, tentando criar uma família
rio que efetivamente vendeu as mulheres, e estas têm que ressarcir o proprietário com pouca ou nenhuma ajuda. Geralmente é viúva.
do bordel. Maus tratos, surras e aprisionamento são comuns. Aquelas que tenta- Agências de recrutamento em Manila obtêm empregos para mulheres, princi-
ram fugir foram torturadas e mortas. palmente na região do Golfo, e a maioria trabalha como criada, quaisquer que

I ·~·
~ H ISTÓRIA I LUST RADA DA E SCRAVIDÃO A ES C RA V I DÃO HO J E -
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sejam as aptidões ou a experiência, pois são esses os trabalhos mais fáceis de con-
seguir. M uitas caem no esquema de escravidão por dívida porque tomam din heiro
emprestado, a juros exorbitantes, para pagar as taxas d e recrutamento. Antes que
possam enviar dinheiro para casa, têm que resgata r essas dív idas.
Geralmente, essas domésticas são trazidas para Lo ndres, onde são m altratadas
e humilhadas pelo empregador, como no caso de Lakshmi Swami . O assédio se-
xua l também é comum, mas não se tem notícia de estupro. Elas não podem mu-
d ar de emprego, seja por questões legais, seja por co ibições físicas. Essas condi-
ções configuram escravidão.

HISTORIA ILU STRADA D A E SCRAVIOAO


sejam as aptidões o u a experiência, pois são esses os trabalhos mais fáceis de co n-
seguir. Muitas caem no esquema de escravidão por dfvida porque tomam dinheiro
emprestado, a ju ros exo rbitantes, para pagar as taxas de recrutamento . Antes que
possam enviar dinheiro para casa, têm que resgatar essas dívidas.
Geralmente, essas do mésticas são trazidas pa ra Lond res, onde são maltratadas
e humilhadas pelo empregador, como no caso de Lakshmi Swami . O assédio se-
xual também é com um, mas não se tem nodcia de estupro. Elas não podem mu-
dar de emprego, seja por questões lega is, seja por coibi ções físicas. Essas condi-
ções configuram escravidão.

H ISTóRIA IluSTRADA DA Es CRAVIO .AO


Os relatos precedentes sobre escravidão no fi nal do século XX são ilusrrações que

Q, I \ ~I ll p \ ll \ I I\ I' ' ' \ f I ' ) \ f [)"

Que a escravidão existe em tantos países não significa falta de condenação. Todo
Ir\-\1
mostram que a prática ainda persiste nos dias de hoje e que não será fácil erradicá-la.
Pois a escravidão está profundamente enraizada na história, nos costumes e na
tradição. Ao mesmo tempo, é um fenômeno econômico. Não pode ser eliminada

Estado que é membro das Nações Unidas oficialmente deplora a escravidão. (A Con- por um simples ato legislativo ou decreto do executivo. Algumas pessoas têm suge-

venção sobre Trabalho Forçado, de 1957, foi ratificada por mais de 11 O Estados.) rido que a escravidão deveria ser considerada crime internacional, e que autoridades

Mas poucos problemas têm sido tratados com tanta cautela e relutância. Pouco ou policiais deveriam ter o direito de cruzar fronteiras para investigar e fazer com que
nada tem sido feito para assegurar uma ação efetiva. a referida nação processe todos os criminosos. Mas isso significaria interferir na so-

A palavra-chave é "efetiva". Já houve muitas ações, mas restritas principalmente a berania de uma nação, algo que nenhum poder deseja ou tolera.

palavras no papel. Entre 1834 e 1890, foram assinados mais de 300 tratados inter- A Antiescravidão Internacional tem sua própria visão de como erradicar essa práti-

nacionais sobre a escravidão. Nada realizaram, pois não foi providenciado nenhum ca. A abolição, diz ela, é antes de tudo uma tarefa dos governos envolvidos. Para obter

mecanismo ou corpo permanente de supervisão para que se cumprissem. reformas, esses governos
Em 1975, porém, as Nações Unidas criaram o Grupo de Trabalho sobre Formas
Contemporâneas de Escravidão. Sua responsabilidade geral é estudar todos os aspec- devem ser encorajados, auxiliados ou pressionados pela vergonha a tomar uma inicia-

tos da escravidão. Consiste em cinco especialistas independentes, escolhidos com tiva. Isso dependerá do desenvolvimento de uma consciência social nas classes dominantes

base em justa representação geográfica na Subcomissão de Prevenção da e da educação das classes exploradas que lhes possibilite reivindicar seus direitos humanos.

Discriminação e Proteção das Minorias. O grupo se reúne durante uma semana a A ajuda dada pelos países ricos aos países pobres deve ser destinada a facilitar o desenvol-

cada ano e apresenta relatórios oficiais à Subcomissão. (Muitos de seus recentes re- vimento econômico, a fim de reduzir a extrema pobreza que existe em muitos países e que

latórios formam a base do Capítulo 23 deste livro.) cria a oportunidade para a exploração.
Além de monitorar a aplicação das Convenções Internacionais sobre a escravidão
e analisar a situação no mundo inteiro, cada ano o grupo seleciona um tema para Toda vez que o fraco- ou seja, o faminto, aquele que não sabe se expressar, o ig-
atenção especial. Programas de ação, nacionais e internacionais, para lidar com es- norante - puder ser explorado por lucro, prestígio ou prazer, a escravidão persistirá.

ses problemas são elaborados pelo Grupo de Trabalho. Mas não importa o nível de pobreza de um país, pois ele pode tentar satisfazer estas

O Grupo de Trabalho recolhe informações de várias fontes - governos, agências quatro condições necessárias à abolição da escravidão:
da ONU, organizações intergovernamentais e não-governamentais como a Anties-
cravidão Internacional e as várias divisões da Human Rights Watch. • A desaprovação da escravidão por parte da opinião pública, a ponto de exigir, aju-

Embora a base essencial de acordos, leis e procedimentos de execução seja estabe- dar a implementar e manter a abolição.
lecida em nível nacional e internacional, a longa experiência mostra que somente • A existência de condições sociais e econômicas em que seja possível reacomodar
ações oficiais não eliminarão a escravidão em suas muitas formas. O que também
os escravos emancipados na economia livre.
deve ser mudado são atitudes e costumes.

H I S T ÓRIA I LUSTRADA DA E SC RAVI D Ã O ( OMO ACASAR CO M I SS O ?


• Legislação contra toda espécie de propriedade escrava. • Incentiva r organizações religiosas e leigas a ser ativas na conscientização de seus
membros e do público em geral sobre o caráter desumano de formas de explora-
• A existência de uma força judjciária e policial razoavelmente eficiente e não-corrupta.
ção muito comuns.

A segunda condição parece impossível de alcançar, à medida que aumenta cada • Propor, através de organizações esrudanris e de pais e mestres, que as escolas uti-

vez mais a distância entre nações ricas e nações pobres. lizem várias técnicas, tais co mo exposições arrísticas e concursos de ensaios, para

Quanto à opinião pública, em rodo país em que a escravidão resiste, sabe-se que levar até o lar a discussão sobre as danosas conseqüências de práticas escravagistas.

o resto do mundo a condena. Preocupados com sua reputação, esses países torna- • Tentar despertar o interesse da mídia - televisão, rádio, jornal e revistas- sobre as
ram a escravidão ilegal quase sem exceção. Talvez tolerem sua existência clandestina questões da exploração, tanto por meio de informações quanto por fo rmas de
porque de algum modo lucram com isso, ou porque o governo não tem força sufi- entretenimento.
ciente para fazer valer a lei. Seja como for, essas nações detestam a publicidade sobre
• Recrutar a aj uda de personalidades públicas em suas presenças na mídia para pro-
a escravidão em seu território.
mover o respeito pelos direitos humanos e conscientizar as pessoas sobre os pro-
Pode haver esperança então de que a escravidão seja abolida no mundo intei-
blemas da exploração.
ro num futuro previsível? Trata-se de um problema trágico, mas um entre mui-
tos, inextricavelmente ligado a outros. A explosão populacional, aumento da • Elevar o nível de interesse pelas práticas exploradoras e suas conseqüências para a
pobreza, racismo, destruição do ambiente, perigo de guerra nuclear - são todos saúde e o desenvolvimento das pessoas envolvidas- enrre os grupos que defendem
problemas de grande importância e urgência. A perspectiva social que tolera a os interesses das mulheres, crianças, consumidores e da indústria do turismo.
existência da escravidão é a mesma que ou ignora ou não conseguiu resolver ou-
• Fazer campanha com esses e outros grupos por uma marca ou selo especial em
tros problemas.
certos artigos que garanta que não fo ram produzidos por trabalho escravo, .traba-
Q uando as .pessoas se tornam conscientes da difícil situação das vítimas das
lho forçado ou trabalho infantil. Os mesmos grupos podem ajudar a educar os
modernas formas de escravidão - especialmente quando há crianças envolvidas -,
consumidores a exigir apenas produtos com o selo de garantia.
geralmente perguntam o que pode ser feito, o que eu posso fazer? Em resposta a
tais perguntas, o Centro de Direitos Humanos, em Genebra, mostra que h á uma • Fazer campanha pela ratificação de acordos e convenções internacionais sobre di-
função para todo aquele que deseja acabar com a exploração desumana. Muitas reitos humanos, onde a iniciativa ainda não foi tomada.
coisas podem ser feitas em nível nacional e local, por associações e por indiví-
• No Dia dos Direitos Humanos, 1O de dezembro (aniversário da proclamação, em
duos. Por exemplo:
1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos), aproveite a ocasião para
focalizar a atenção nos problemas da exploração por práticas escravagistas.
• Apoiar os grupos de direitos humanos que procuram proteger aquelas pessoas
Organize concertos para angariar fundos, para desenvolvimento de projetos, ser-
mais vulneráveis - crianças, mulheres, povos indígenas e trabalhadores escraviza-
viços de advocacia, program as de treinamento e criação de escolas.
dos por dívida.

(OM O A C A B AR COM I S SO ?
H ISTÓ R IA ILUSTRADA DA ESCRAVIDÃO
as referências que utilizei. Uma lista completa dos títulos sobre a escravi-
dão seria imensa; e nem mesm o seria completa, pois novas informações são
adicionadas anualmente. Num catálogo atual da Biblioteca Pública de Nova York
Nota constam 1.680 títulos, cobrindo vários aspectos do amplo tópico da escravidão -
tais como abolição, emancipação, insurreição, vida fam iliar, importância econômi-
ca, tratamento pela ficção e pelas o utras artes e, é claro, a instituição da escravidão
em todos os continentes e em muitos países. Os leitores interessados poderão satis-
fazer interesses específicos reportando-se a essas fo ntes.

N OT A
PARTE 1
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-·~ I
8 1 8 L I OGRAF I A ~
H t STÓRI A I LUSTRADA DA E SCR A V I DÃO
Agamênon, 52
A Agostinho, Santo, 175, 176
Abdullah, Califa, 457 Agricultura, uso dos escravos na, 15, 66-67,
Abiss{n ios, 454 92, 96, 119, 126-131, 173, 192
Abol ição, 82, 181, 286, 302, 306, 337, Akiba, 44
362,367,37 1,413,435,436,442-446, Akidamas, 84
449-452, 463, 481-482, 483, 487-490 Alemanha nazista, e o trabalho forçado,
Abraão, 42 474-478
Açoitamento de escravos, 378, 413, 414- Alemanha, 458, 474, 475-478
416,417,433 Alexandre VI, 221
Acordo de 1850, 434 Alexandre, o Grande, 160
Acorrentados, 130 Alexandria, 395
Açúcar, 214, 216, 222, 225, 254, 264, Alexandrinos, I 1O
288,290-29 1,323,324,325,356,360, Alforria. Ver Emancipação
377,450,473 Alfredo, o Grande, 183
Adam de Bremen, 189 Algodão,371 , 373,374,377-379,380,
Adams, John Quincy, 425 389
Índice Adams, Nehemiah, 393 Ali, Muhammad, 455
Adriano, 110 Allen, Richard, 441, 442
Aelfric, bispo, 184 América do Sul, e escravidão, 344-446
Afonso, 241 Amis des Noirs, 334
África do Sul, 485, 486 Amoritas, 26
África Ocidental, escravidão na, 213-216, Androcles, !54
371,448,452,454,458,486 Andrômaca, 52
África Oriental, escravidão na, 452-456, Anglo-saxões, 178, 182
457-458 Angola, 215, 242, 293, 463-466
Africa Watch, 483-484 Angolanos, rebelião de escravos, 465-466
África, 20, 50, 86, 94,110,127, 159, 188, Aníbal, 94
190, 205. Ver também Cartago; Egito; Antiescravagista, pensamento, 47-48, 82-
Líbios; Sudaneses 84, 149-150, 152, 176
África, colonialismo na, 458 Antiescravidão Internacional (Grã-
África, norte da, 448 Bretanha), 449, 480, 488, 492, 499-501
Africanos, tráfico de escravos por, 230-236, Antigo Oriente Próximo, mapa do, 25
454,455,464 Antigo Testamento, 30, 44

-·- I
IND I C E ~
Anrígua, 362 Asia Watch, 47 1, 487 Barbária, co rsários da, 448-449 Boxer, C.R., 295, 299
Anrínoo, 155 Asiento, 225 Bárbaros, 57, 67, 172 Brancos, como escravos, 264-265, 324,
Antonino Pio, 144 Assassinato de senhores, 159 Barbarossa, 449 448-449
Anúncios para ve ndas de escravos, 357- Assíria, 28-30. 32-33, 43 Barber, Noel, Brasil, dieta dos escravos no, 288-289;
358,359,402, 405 Assurnasirpal li , 29 Barbot, John , 238, 239, 240, 244 emancipação, 302;
Apaches, 283 Astecas, 274, 275, 276, 277, 278 Barcelona, 191 , 200 escravos alugados, 291;
Apelo de Walker, 442-443 Atenas, 18, 60, 6 1, 63, 69, 70, 72, 73, 78- Barracoons, 246, 312-313, 314 escravos fugitivos, 296, 298-299;
Apiano, 102, 104- 105, 153, 166 79,84, 111 Belcher, Jonathan , 363 escravos nas cidades, 291, 297;
Apolôn io, 149 Ateneu, 110 Belley, Jean-Baptiste, 337 escravos nas fazendas, 290-291;
Aprendizado dos escravos, 134 Athenion, 163 Beloch, Julius, 11 O escravos nas minas de diamante, 293;
Aptheker, Herbert, 429 Ática, 60, 63, 79 Beneditinos, 181 escravos nas minas de ouro, 292-295;
Apúlia, 159, 169 Atores, I I4 Berberes, I 90 tipos de trabalho escravo, 288, 295,
Aquílio, Manio, 164 Atrucks, C rispus, 370 Bibb, Henry, 421, 443 492-495;
Aquino, Tomás de, 18 1 Augusto, 94, 109, li O, 116, I 18 , 127, Bíblia, 425, 481 tráfico de escravos proibido, 30 I
Arabes, l10, 190,200,2 13,452-458,48 1- 137, 140, 153, 158, 159 Billingsley, Andrew, 423 Breasted, James H ., 128
483 Auschwirz, 477 Bird, Japhet, 259, 260 Brístol , 182, 363
Arábia Saudita, 482 Autoridade dos proprietários de escravos, Birmânia, 460, 46 1, 487, 483, 489 Brown, irmãos, 361-362, 364
Arábia, 454, 48 1, 482, 483 17- 19 Birney, James, 442 Brown, John (escravo), 381, 382, 4 14
Arapahoes, 283 Ayllon, Lucas Yasquez de, 344 Birínia, 101 , 11 0 Brown, John, 441, 444-44 5
Arauaques, 218 Bizâncio, 95, 174, 184, 187- 188 Brown, Universidade de, 364
Argel,449 Black Codes. Ver Leis para escravos. Brown, William Wells, 443
Aristófanes, 77 B Blanco, Benederro, 199 Brutalidade,45, 76, 77, 160,202
Aristóteles, 67, 70, 76, 77, 82, 83, 84 Babilônia, 26-34 Bloch, Marc, 186 Buganda, 455
Aristóteles, definição de escravo, 38 I Baggara, 457 Bohannan, Paul, 23 1-232 Burke, Edmund, 257
Armênia, I 99 Bolívia, 460 Burron, Richard, 457
Bahia, 27 1, 293, 297, 299
Arrendatários, escravos, I 86 Bolton, Dickins & Co., 397
Bailundu, revolta de escravos em, 464
Arrendatários, servos, 186
Arroz, 360,366, 371,373, 377, 389, 429
Artesãos, 30, 53, 6 I, 63, 68, 116
Bakongo, revolta de escravos em, 465
Ball, Charles, 403, 432
Bombeiros, 11 4
Bonaparre, Napoleão, 339-342
Bonifácio Vlll, 199
c
Cabot, George, 363
Baltimore, 389, 392
Artistas, I 14 Bonny, 245 Caçadores de escravos, I 58-159
Bancroft, Frederick, 402, 406
Ashanti, 2 16, 232, 235, 242 Borem, 460 Café, 288, 289
Bangladesh, 489, 49 1
Ásia Menor, 50, 56, 60, 61 , 96, 100, I IO, Bósnios, 200 Caffa, I 96, I98, 199
Banto,216,240, 299,453
160, 163 Boston News Letter, 357 Calcedônia, 73
Barbados, 360
Bosron, 356, 360, 363, 442 Calígula, I 09

H ISTÓRIA ILUSTRADA DA ES CRAVID ÁO IN oI c E


Calisto, 154 Céfalos, 68 Colberr, Jean Baptiste, 328 C rianças escravas, 25, 33, 40, 52, 53, 62,
Camboja, 460 Ceilão, 460 Coliseu, 136, 139 63, 98, 103, 111 , 119, 122, 129, 143,
Caminho do Meio, 258-263, 268, 362 Celebes, 460 Colombo, C ristóvão, 214,2 16,218 , 219, 144, 146, 179, 182, 184, 185, 188,190,
Campos de trabalho forçado, 466-475 Celtas, 182 220, 221 , 304, 322, 323,495 193, 196, 199, 200, 205, 275, 283,
Canaã, 42 Coioni, 172, 173 285,286,328,357,358, 36 1,362,
César, Júlio, 94, 95, 9 7, 112, 154, 158, 448
Canadá, 42 1,435,444 C hanes, 282 Colonialismo, 258, 463 370,383,384,389,401-403,421 ,460-
Canais, 388, 389 Charleston Mercury, 397 Colonna, famflia, 199 46 1,463-464,470,473, 474 , 480,48 1-
Cânhamo, 377 C harleston, 366, 389, 392, 393, 4 17, 418, Cólquida, 61 482,485, 488
Cápu~ 166, 170,205 437 Comanches, 283 Criméia, 196, 198
Caracas, 269 Cherokees, 286 Companhia das fndias Ocidentais Criminosos escravizados, 244, 275, 460
Caralbas, 282 C heyennes, 283 Holandesas, 346, 348, 360 Cristianismo e escravidão, 174- 176, 181 -
Catcopino, Jerome, 11 O China People's Daily, 470 Comunistas, 135 183, 186, 188, 19 1-192, 199,203
Cária, 61 C hina, 453, 460, 46 1, 470-473 Concubinas, 454, 487 C rixus, 168, 168, 212,216, 221,256-257,
Carlos li, 255, 257, 346 C hinook, 28 1 Conferência de Berlim, 458 295.317-318,330,367,424, 425, 433.
Carlos Magno, 181, 193 Ocero, 103, I 40, 152 Connecticut, 370 449,456,483
Carlos V, 225 C ilícios, 1O1 Constâncio li, 192 C romwell, O liver, 264
Carolina do Norre, 346, 420 Cimarrones, 3 16 Constantinopla, 184, 187, 188, 189 C rowninshield, cais de, 363
Carolina do Sul, 346, 366, 370, 373, 376, C imon, 62 Constituição dos EUA, e escravidão, 37 1, C rueldade com os escravos, 219, 221, 223,
393,396,412,437 Onicos, 84 396,434 258-259, 260-264, 284, 289, 311' 315-
Carolrngeos, 186 C ipião, o Africano, 94 Contenau, Georges, 32 316,328-329,410, 413-4 17,464
Carragena, 269 Circassianos, I 98, 200, 205 Contrabando de escravos, 452, 454, 461 Cruzada das C rianças, 190
Carrago, 89, 92 Otia, 61, 73 Conway, Moncure, 407 Cruzadas, 190
Cartum, 455 C larkson, Thomas, 450 Cor. Vt>r Preconceito racial Cuba:
Carrwright, Samuel, 433 Cláudio, 109, 144, 155 Corão, 48 1, 482 condições de vida, 312-3 16;
Casamento de escravos, 25, 32, 40, 143, C lemen te V, 199 Córdoba, 198 efeito da revolta haitiana em, 309;
235-236,279,282,285,297,3 17, C leon, 162-163 Cortés, Hernando, 306 emancipação, 31 7-320, 433;
420-426 Clima quente: suposta causa da escravidão, Costa do Ouro, 215, 240, 242 escravidão, 224;
Casamento entre livres e escravos, 25, 33 224 Costureiros, 69 escravos especializados, 307;
Casseneuve, John, 261 Clubes para escravos, 148 Cozinheiros, I 13, 11 4 escravos no cultivo de tabaco, 308-309;
Carão, o Antigo, 97, 128, 130, 142 Coartacion, 319 C rasso, 112, 114, 169 escravos em fazendas agrícolas, 307-308;
Catawbas, 286 Code Noir, 328, 330 C reeks, 284, 386 fazendas de açúcar, 309-313;
Cativos, 189 Código de Castela, 192-193 C rera, 18, 50, 101 fugitivos, 316-317;
Caucasianos, 198 Coffin, Levi, 435 C revecoeur, Hector St. John, 285 lucros com o açúcar e com escravos,
C riação de escravos, 32-33, 111, 172 309, 3 11;

I ~-- ~-- I
~ HISTO R !A ILUSTRADA DA ESCRAVIDAD INDICE --=:J
negros livres em, 307; Devedores escravizados, 16, 25, 28, 33, 44, Egeu, mapa do mundo, 62 por compra, 244, 460;
primórdios da história, 304, 306, 307, 60. 92,244,276,279,460,480 Egito, 16, 36-40, 42, 50, 6 I, li O, I 22, por conquista, 14-16, 23-26, 29, 40, 52,
308 Devercux, W. Coke, 454 160, 190, 200,452,456-457 60-64, 92-98. 172, I 78, 182, 184,
C uffe, Paul, 44 I Dew, T homas, 407 Elias, 44 189, 205;
Cunliffe, Foster, 258 DeWolf, Anrhony, 364 Elizabeth I, 253 por nascimento, 16, 33, 111, 185, 346;
Currin, Philip D., 263-264 DeWolf, ] ames, 364 Elki ns, Stanley, 428 por pi rataria, 16, 46, 53, 449, 460;
Dickey, ]ames H ., 404 Elmina, 215,26 1,216 por rapto, 16, 46, 53, 24 1, 244-24 5,
Dinamarca, I 82 Emancipação, 33, 47, 76-78, 11 9, 152-156, 280, 377, 440;
D Dinamarqueses, 189 184, 187, 189, 203, 276, 279, 285, 296, voluntária, 16, 244, 275, 460
Dácios, I lO Dinastia Han, 460 30 1, 302,3 17-320,330,337,35 1,353, Escravidão, no século XX, 460-496
Dalmácia, 199, 205 Diocleciano, 144 358,433,446,461 Escravidão, primórd ios da, 14-16
Damófllo, I 62 Diodoro, 122- 123, I60, 161 , I64 Emerson, Ralph Waldo, 363, 434, 445 Escravos alugados, 33, 68, 76, 350-351,
Danúbios, li O Dioniso, 92 Encomienda, sistema de, 219, 224 383, 390-392
Daomé,232,242,245 Direitos dos escravos, 33-34, 64, 142-150, Enfermeiros, 11 3 Escravos, compra da própria liberdade, 33,
Darfur, 457 183, 18~ 20 1, 276, 27~ 279, 285, En na, 16 1 76, 78, 153
Datini, Francesco, 196, 200, 202 308,318,328,350, 352, 410-41 3, Enomaus, 168 Escravos donos de escravos, 33, 119
Davi, 43 414-417,4 18, 465 , 480; Entretenimento, 11 4, 134 Escravos intendentes, 130
Davidson, Basil, 232, 453, 465 \tér também Leis que afetam a escravidão. Epicteto, 150, 154 Escravo fugitivo, lei para, 371, 434, 435-
DeBow, J.D.B., 388, 4 13 Diversões de escravos, 148- 149 Epicuristas, 84 436,444
Deceléia, 79 Domésticos, escravos, 40, 52-53, 69-70, Epidamnus, 73 Escravos na indústria, 388-39 1
D écima Q uarta Emenda, 446 77, 92, 11 2,269,280,285,330,350, Erecteu, 69 Escravos, uso de:
Décima Quinta Emenda, 446 384-385, 388, 460 Eritréia, 495 como glad iadores, 134- 140;
Décima Terceira Emenda, 446 Domiciano, 144 Escandinavos, 189, 190 na administração pública, 33, 73, 114,
Declaração de Independência, 367-370 Douglass, Frederick, 383, 389, 391, 425, Escravidão. \tér também Trabalho forçado 156;
Definição de escravidão, 16- 19 435,443,444,445 Escravidão, definição, 480-481 na agricultura, 40, 66, 92, 96, 126-131,
Delany, Martin R., 235, 245, 444 Downing, Emanuel, 357 Escravidão, fo ntes da: 173, 192;
Delaware, 376 Drake, Sir Francis, 254, 255 como punição para crimes, 16, 184-185, na construção, 30, 40, 42;
Delos, mercado de escravos de, I 00-1 O1, 162 DuBois, WE.B., 263, 344 244, 275, 460; na manufatura, 58, 66, 67, 68, 119;
Democracia, idéia de, 58; crianças rejeitadas, 62; na mineração, 63, 67, 77, 12 1-124, 172;
e escravidão na Grécia , 84 para saldar dívida, 15-16, 25, 28, 33, 44, 60, nas profissões, 11 4;
Demóstenes, 68 E 92, 111 , 184-186, 244, 276, 279, 460; no artesanato, 30, 53, 63, 68, 198;
Descaroçadeira, 371 , 372 Educação e escravidão, 425-426 para se livrar dos inimigos, 264-266; no comércio, 72, 118-121;
De Sotto, Hernando, 306 Éfeso, 95 por ataques e guerra, 240-242, 244, no pastoreio, 92;
274,277,280,282-285,306,460; no serviço militar, 32, 40, 154, 200;

I -~~ --· I
~ H ISTORIA I LUSTRADA DA ESCRAVIDAO I NO I CE ~
nos lares, 40, 52, 70, 72, 77, 92, 112, no cultivo do cacau, 454, 463;
189, 190, 196-205; no cultivo do café, 289, 29 I, 309; F Florentino, 144
Flórida, 436
nos negócios, 33-34, 70-73, 118, 1 I 9; no cultivo do coco, 454; Fairbank, Calvin, 435, 436
Fórmio, 73
nos templos, 33; no cultivo de cravo-da-índia, 454; Fairfield, Joh n, 435
Forrest, Nathan Bedford, 406
para cui dar do gado, 96, I 26 no cultivo do índigo, 269, 346; Fakonbridge, Alexander, 244, 268-269
Forren, ]ames, 44 I
Escravos nos EUA: no cultivo do tabaco, 222, 346, 380; Famílias de escravos: separação das, 40 1-
França e a escravidão, 181, 185-187, 192
alimentação dos, 394; no serviço doméstico, 269, 279, 285 , 403,420-424,469,470
Francos, 185-187
atitudes para com os brancos, 386, 4 I O, 330, 384-385,388,389,455,460; Família, vida em (na escravidão), 142- I 50
Frank, Tenney, I 56
428; no serviço militar, 367, 455, 460; Faneuil Hall, 363
Franklin, John Hope, 263, 406, 429
co mpetição com o trabalho livre, 350, Escritura de venda, para escravo, 200 Faneuil, Peter, 363
Freedom's journal, 442
354; "Eslavo", significa ndo escravo, 16- 17 Fanti, 21 6, 242
Freeman, Theophilus, 400
controle dos, 41 0-418; Eslavos, 16, 186, 190, 192, 200, 205 "Fardo do homem branco", 458
Freyre, Gilberto, 271 , 289, 29 1, 295
moradia dos, 39 1-393; Espanha, 12 1- 123, 184, 188, 191, 192, 193 Fazendas, escravidão nas, 126- I 3 I; Vér
Frígios, 61 , I lO
quantidade nas colheitas, 377; Espanhóis, 11O também Latifundia
Frfsios, 188
tratamento médico, 394; Esparta, 60, 61 , 78-80 Fazendeiros, EUA:
Fugitivos, 284, 297, 298, 299, 316-317,
vestuário, 393-394; Espárraco, 166-170, 30 I, 336 como classe social, 382, 383;
330, 352-353, 384, 386, 430, 433-436,
Escravos, uso de: J:squilo, 83 motivo do lucro, 381-382;
440, 445
como assassinos, 280; Essênios, 47, 174 número e distribuição, 376-377;
Fugitivos, escravos, 28, 30, 46, 79-80, 143,
como procriadores, 281 , 407; Estados onde se criam escravos, 407 organizam "sistema de turmas", 382;
154, 158-1 59, 161, 185, 188, 202, 203
como vaqueiros, 307; Estados Unidos, I I uso de capatazes, 382, 383
como pescadores de pérolas, 482; Estados Unidos. Ver entradas sobre Fazendeiros em Zanzibar, 454
como prostitutas, 280, 460, 461, 485, 488;
como vítimas sacrificiais, 276, 279, 284;
Escravidão, escravos
Estóicos, 84, 150, 152, 176
Fenícios, 53
Fernando Po, 463
G
Gadsden, Thomas H., 406
em tarefas não-agrícolas, 388-392; Estrabão, 100 Ferrara, 205
Galé, escravos de, 200
em ofícios especializados, 307, 350, 35 1, Estrada Subterrânea, 435 Ferrei ra, Luis Gomes, 293
"Galês", significando escravo, 178
383-384; Estradas de ferro, 388, 389 Feudalismo e escravidão, 172-205
Galstonbury, 184
na criação de gado, 269, 27 1; Etiópia, 495 Fida, 245
Galvão, Henrique, 465
na mineração, 222, 292-295, 307, 388; Etíopes, 11 O, 198, 205 Filadélfia, 363, 441
Gama, Vasco da, 213, 453
nas cidades, 388-394; Etrúria, 159 Filêmon, 84
Gana,229, 242,486
no cultivo do açúcar, 222, 225, 309-313; Etruscos, 86-89, 92, 134 Filemônides, 67
Garnet, Henry Highland, 443
no cultivo do algodão, 222, 371, 373- Etrusco, Cláudio, 155 Filipinas, 495
Garret, Thomas, 435
374, 377-379; Eunucos, 11 2, 188, 190, 457 Filo, 46, 47
Garrison, William Lloyd, 442, 443, 445
no cultivo do arroz, 346; Eunus, 161-163 Finley, M.I., 66, 80, 110, 161
Gasron-Marrin, 256
Florença, 198, 200, 202
Gauleses, 95, 110, 167, 168, 182

H ISTO R IA ILUSTR A DA DA EsC RAVIO A O


I N oI c E
Gênova, 196, 199, 200 Gregório I, 182 Heb reus. \Jér Judeus Idade Média, 174, 176, 178, 192, 193
Georgia, 346, 370, 371, 381, 385, 396, G uaranis, 282 Heitor, 52 llíada, 50
452 G uerra Civil, 286, 446, 448 H élade, 57, 61 Ilíria, 61, 96
Germanos, 16, 11 0, 168, 173, 185- 187, Guerra de 1812, 436 Helenos, 57, 60 Imperiais, escravos, I 12
200 "Guerra dos Glad iadores", 166-170 Henrique, o Navegador, 2 12-215, 229 Império Romano:
Gessi, Romolo, 4 56 Guerra de Tróia, 50 Henrique VIII, 199 escravidão no, I 08- 176 ;
Gibbon, Edward, I 09 G uerra do Peloponeso, 60, 78, 79 Henry, Patrick, 368 mapa do, 129
G ibralrar, I 02, I 05 Guerra Judaica (70 d.C.), 111 Henson, Josiah,_403, 428 Incêndio premeditado, 430
Gladiadores, 134- 140, 166- 167 Guerras persas, 60, 78 Herculano, 168 fndia, 453, 489, 490, 495
Glorz, Gustave, 70 Guerras Púnicas, 89, 92, 134, 159 Heródoto, 37 Indianos, li O
Goldsztaj n, Ted, 477 Gui lherme, o Conquistador, 178- 179, 185 Hesíodo, 66, 134 fndios escravizados, 218;
Gonçalvez, Antão, 2 12, 2 14 G ui né, 252, 254, 292, 327, 331 , 36 1, Herskovits, Melville, 232 escravidão entre os, 274-28 1, 282-
Gordon, Nathaniel, 452 366 Hicsos, 42 286;
Gorrina, 18 Hilotas, 78-80 tratamento dado aos escravos negros
Grã-Breta nha, movimentos contra a Hipônico, 67 pelos, 285, 286
escravidão, 449-450, 452; H Hispaniola, 219, 22 1, 224, 252, 271, 304, fndigo, 269,366,371,373
no tráfico de escravos, 226, 252-255, Haiti, 309, 344; 306, 322 Indústria do ferro, 388, 389, 390
256-257, 260-264, 346, 450; abolição da escravidão, 337; Hitler, Adolf, 474, 475-478 Inglaterra, escravidão na, 178-1 79, 182,
Graco, T ibério, 162 Code Noir, 328, 330; H omero, 50-54, 134 183- 186
"Grande Cativeiro, 0", 30 condições de vida dos escravos, 325, 330; Homérico, período (escravidão no), 50-54 Inocêncio VIII, 205
Grécia: crueldade com os escravos, 330-33 1; H omossexualismo , 146 Instrutores, I 14
atitude dos gregos, 64, 82-84; cultivo do açúcar, 324-325, 327; Hong Kong, 460, 46 1 Investimento em escravos, 67-69
conquistada por Roma, 89, 137; escravos domésticos, 330; Hopkins, Esak, 361 Iraque, 22, 454
em 800-600 a.C., 56-58; independência, 342; Hopkins, Samud, 363 Isidoro, G.C., 112, 155
emancipação na, 77-78; primórdios da história, 322-324; Horácio, 130 Isócrates, 69
escravidão na, 50-84; Revolução Francesa e, 336-339, 340, 342; Hughes & Downing, 397 Israel, 43
mundo de Homero, 50-54; revolta de escravos, 336-339, 340, 342; Human Rights Watch, 47 1, 498 Israelenses. Ver Judeus
papel dos escravos na, 66-74; vida dos fazendeiros franceses, 326-328 Hunn, John, 435 Itália:
população escrava da, 63; Hamiras, 36 Hungria, 189 escravidão na, 86- 106;
tráfico de escravos na, 62-63; H amurábi, Código de, 26-29, 32 Império Romano, 108-176;
tratamento dado aos escravos na, 66-74 Haréns, 190,457, 482 p rimórdios, 86-87;
Gregos, 20, 22, 46, 50-84, 86, 96, 100, H arpers Ferry, 445 I República Romana, 86-1 06;
111 , 118 Hawkins, Sir John, 252-255 Ibn Saud, 482 Toscan a, 196-205
Ibo, 232

H ISTÓR I A ILU S TRADA OA ESCRAVIDÃO


INO I CE -
525 ,
-
Lincoln, Abraham, 445 Marcação a ferro, 32, 67, I28, 143, 242,
Kiowas, 283
J
Jaime 11 , 257, 264
Klein, Herbert S., 3 17
Knight, Franklin W., 3 11
Lisboa, 2 I 5, 2I6
Liverpool, 225, 256, 257, 263, 36 1
258,269, 299,448,46 I
Mário, 94
James, C.L.R., 323, 328, 329, 339, 450 Livingstone, David, 456, 457 Marquardt, J ., li O
Krupp, fábricas Ja, 475, 476-478
Japão, 460, 47 1 Loguen, J.W., 443 Marrocos, 448, 457
Krushchev, Nikica, 469
Jardim, David, 288 Londres, I82, 255, 495 Marselha, I 90
Kuwait, 495
Jefferson, Thomas, 367-368, 382 Louisiana, 284, 324, 377-380, 418 , 44 1 Martinho V, I99
Jeremias, 45 Louisville Weekly }ournal, 402 Maryland, 376, 384, 396, 403, 407
Jericó, 30 L Lowell, James Russell, 434
Lucrécio, 123
Massachusetrs, 356-358, 364, 370 , 407,
441
Jerusalém, 30, 43, 111 I.:Ouverture, Toussa.int, 336, 337-340, 342
Jesus, 46, 47, 174 Luís XJV, 328 Massacre de Boston, 370
Lacônia, 78
Jim C row, 440 Luís, I93 Matronália, I4 9
Lagash, 23
João XXII, 199 Lyell, Charles, 386 Maurício, 453
Laos, 460
Jones, A.H.M., 70, 111 Mauritânia, 483-484
Las Casas, Bartolomé de, 221, 224, 225, 304
José, 42 Maverick, Samuel, 356, 407
Latifondia, 127, 160, 179, 186
Josué, 42 Laurens, Henry, 366-368, 406
M McCloy, John J., 478
Johnson, Charles S., 463 Machado, Alcântara, 296 McManus, Edward J. , 348
Laurens, John, 367
Jones, Absalom, 441 Mackandal, 331 Mecenas, 130
Laurion:
Jones, John Paul, 363 Maias, 274, 277 Medici, 205
minas de, 66-67;
Jordan, Winthrop D., 433 Maiorca, 200 Médicos, 113
revolta em, 162
Judeus, 16, 30, 32, 42-52, 94, 110, 174, Malásia, 460, 461 Megallis, 16 1
Leclerc, Victor, 340, 342
176, 192-193, 199. 203 Mali, 229 Memphis, 397
Leilões de escravos, 95-98,398, 400, 401-403
Judá,30, 43 Malta, 6I Mercadores (de escravos) suaíles, 2I5, 453,
Leis para escravos, 289, 328, 349, 35 1,
Judaísmo, 192 Manchester Guardian, 461 454
410-4 15,418,420,430,436
Judeus, em trabalhos forçados, 476-478 Manchester, William, 476 Mercadores árabes, 2I4, 452-458
Leis que afetam a escravidão, 26-29, 33,
Mandingos, 246 Mercadores chineses, 2 I 5
44, 46-47, 142-146, 193
Mannix, Daniel P., 263, 455 Mercadores de escravos, 20, I 00- I OI , I62,
Liberator, The, 442
K Liberdade, idéia de, 19, 58
Mansfield, William M., 260, 449 I72, I 85, I89, I90-192, I 96-20I
Kansas, 444 Mâmua, 205 Mercadores dinamarqueses, 226
Libéria, 441, 452, 461 , 463
Kati, Mahmud, 234 Manufatura, escravos na, 58, 66, 67, 68, II9 Mercadores espanhóis, 218-2 I9, 22 I-222,
Libertos, 77-78, 116, 121, 148, 152-156,
Kemble, Fanny, 385, 441 Maomé, 481 224,225
187, 203, 205,319,320,440-445,446
Kemucky, 376, 396, 397, 404, 407 Mar Negro, 106, I89, 196, I 99, 204 Mercadores franceses de escravos, 226
Líbios, 38, 61
Kidd, Capitão, 350 Mar Vermelho, 105, 188 Mercadores holandeses de escravos, 226,
Lídios, 110
Kiev, 189 Marblehead, 363 346, 348

IN o I( E
HtSTO~ I A IL U STRADA DA ESCA.AVIDAO
Mercadores malaios de escravos, 21 5 Movimenro ami-escravagista, Vt>r abolição. Two Friends. 363: Nova Jerscy, 354
Mercadores portugueses de escravos, 2 12- Muçulmanos e escravidão, 48 1-485 Wil!ing Quaker, 257: No~ a Orlcans, 392, 397
216, 240-241 , 463 Muçulmanos, 190, 19 1, 192, 193 Zong, 259 Nova York, escravidão em, 348-354
Mercados de escravos, 62, 95-98, I 00-1OI , Muhammud Askia, 234 Nazistas, 135 Novgorod, 189
178, 182, 188, 189, 190, 192, 196-201, Mui tsai, 460. 4G I Nebucodonosor 11, 29-30, 32, 43 Novo Mu ndo, 205
2 15-2 16,2 19,268-269,274-275,281 , Múmio, Lúcio, 94 Negros livres, 307, 308, 348, 349, 35 1, Novo Testamento, 174
348, 349,357-358,366,396-397, 399, Músicos, 69, 11 4 377,4 12,436,440-446 Núb ios, 110
401 -407, 453, 454-455 Mutilação de escravos, 284, 285, 328 Negros, 20, 198, 205 Nupe, 232
Merovfngeos, 185 Nepal, 489,491 ,495 Nuremberg, julgamentos de, 478
Mesopotâmia, 22, 43 Nero, 95, I 09, 140 Nya mwezi, 453
Messênia, 78 N Nevinson, Henry W., 463-464
Metecos, 64 Nações Unidas, ação contra a escravidão,
México, 274-276, 282, 306, 436
Mianmá, 487
480-48 1,487-488,498-499
Nacionalismo negro, 444
New London, 363
New Netherland, 346, 349 o
O Outro Lado do Rio: a China Vt>rmelha
Newburyport, 363
Milão, 205 Nações Unidas, 11 Newport, 363, 366 Hoje, 470
Minas Gerais, 292-293, 294 Narciso, 15 5 Newton, John, 257 Odisséia, 50
Mindanao, 460 Narsu, 46 1 Nicarete, 72 Odisseu, 50, 52, 53, 58
Mineradores, 66-68, 121 -124, 173,222, Natchez, 397 Nícias, 67 Oleiros, 68
292-295, 307, 388 Natchez, índios, 283, 324 Níger, 229, 245 Olmsted, Fredrick Law, 381-382, 393,
Missionários para a África, 456 Nation, 471 Nigéria, 232, 235, 242, 495 407,418,429
Mississipi, 376 Navajo, 283 Níneve, 28 Omã, 454
Missouri, 376 Navio negreiro, esboço, 253 Nomes de escravos, 11 1 O rganização Internacional do Trabalho,
Mittelberger, Gotrlieb, 265-266 Navios negreiros: Nooktas, 280 Comitê sobre Trabalho Forçado, 470
Mobile, 394, 41 7 Africa, 364; Nórdicos, 189 O riente Médio, escravidão no, 22-34, 42-
Moçambique, 463, 485, 486 Desire, 356, 360; Normandos, 178 52, 188
Moisés, 42 Don Carlos, 461; Norte, escravidão acabou no, 370-37 1 Origens sociais dos escravos, 19-20, 11 1, 200
Molucas, 460, 461 Erie, 452; North Star, 443 "O s que trazem pagamento", 68
Montejo, Esteban, 3 12-3 13, 3 14, 315 Grace ofGod, 254; Northurp, Solomon, 377 , 378-379, 399- Os Tentdculos de Krupp, 476
Moore, Frances, 246 Hannibal, 248, 259, 260; 400,414,418 Óstia, 101
Mortalidade entre os escravos, 221, 258- Jesus of Lubeck, 254; Nova Inglaterra, escravidão na, 356-358;
259, 260-264, 288-292, 306 , 312, 330, King George, 363; negros livres na, 440
362,455,465 Prince of Orange, 260; no tráfico de escravos, 360, 361-362,
p
Mouros, 193, 198, 205 Sally, 361-363; 363-364, 366 Patlagônia, 61
Nott, Joseph, 394 Pai Tomás, 428

H IS TÓRIA ILU STR ADA DA E SCRAVIDÃO IN o I ( [


Primeira Guerra Mundial, 158 Quilombos, 297, 300
Paine, Thomas, 368 Philips, Wendell, 442
Prisioneiros de guerra escravizados, 14 -145, Qu10, mercado de escravos de, 61, 95
Pa/enques, 316, 317 Pierce, William, 356
24, 29-30, 38, 40, 56, 60-64, 92-98,
Palestina, 43 Pietro, o Tártaro, 203
172, 178, 182, 184, 188, 189, 205,
Palias, 155
Panamá, 269
Pima, 282
Pio 11, 205
24 1,242,244, 274,277,283- 284, R
285,306,460 R1cismo, 264, 286, 345, 348, 367-368,
Papago, 282 Pirâmides, 37
Prisões de escravos, 128, 397, 399-402 405,412,440,458, 500
Paquistão, 489-490 Pirataria, 16, 20, 53. I 00-1 06, 111
Prisões, produ ros fabricados ern , 47 1- Rapto e ~upri mento de escravos, 16, 47, 53
Parecis, 297 Pirataria, 449
472 Rattray, R.S ., 235
Park, Mungo, 246-248 Pireus, 63, 72
Proclamação de Emancipação, 446 Rauching, duque de, 186
Partenon,69 Pitt, William, 450
Produtividadf' do escravo, 130-131 , 172, Rebeldes, vendas de, I 1 1
Pártia, 452 Piures, 282
285-286 Reino Unido, 495
Panos, 110 Piarão, 70, 77, 82, 84
Propriedade esç;-.n·•. 16-! 8; Religião e escravidão, 42-48, 174-1 76,
Pasion, 72-73 Plínio, 96, 127, 148
lucros da, 126-127; 179- 184, 187, 188, 190-192, 199,
Paulo III, 199 Plínio, o Jovem, 112, 140
taxas sobre a, 63, 153 203,212,216, 221,256-257.317-
Paulo, Emflio, 92 Plurarco, 98, 101-103, 166
Prosser, Gabriel, 413, 436, 437 318, 330,367,423-424, 425,433,
Peculium, 118-119, 181, 318-319, 353 Políbio, 123
Prostituição, 33, 63, 72, 146, 203, 280, 456, 477-478, 483
Pedreiras, 388 Policiais, 73
460,461,488-489,490 Religião, entre os escravos, 413, 423-425,
Pedro, Dom, 301 Polltica, 82
Protesto de escravos: assassinato, 437-438
Pedro, São, 175 Polo, Marco, 203, 204
auromurilação, fuga, revolta, roubo, Renascimento, 205
Pennington, )ames WC., 384, 421 Polônia, 189
sabotagem, suicídio, 158-170, 201-203, República de Palmares, 299, 301
Pensilvânia, 354 Pompéia, 127, 137
428-430, 432, 433-434, 435-437, 438, República Dominicana, 473
Pequots, 356, 357 Pompeu, 103, 105,111,112, 158,170
444-445,446,464-466, 481 República Popular da C hina, 461;
Péricles, 60 Portugal:
Providence, 361 , 363 e o trabalho forçado, 469, 470
Perkin, William, 290 em Angola, 463-466;
Públicos, escravos, 74, 94, 114, 116 República Romana, escravidão na, 86-1 06
Perry, )ames, 245 na África Ocidental, 212-215;
Pueblo, 283 República, A, 80
Persas, 30, 60, 61, 67, 78 no Brasil, 288-290, 291-293, 295-297,
Puritanos, sobre a escravidão, 357, 360 Reunião, 453
Pérsia, 452, 454 299,301
Revoltas de escravos, 79-80, 219, 260-263,
Pertinax, 153 Preconceito racial, 20, 47, 77
297-299, 301-302, 331, 334-342,
Peru, 269, 460
Pesca, 388
Preços de escravos, 24-25, 33, 54, 63, 110-
111 , 172, 182,205,281,283,328, Q
Quacres, 257, 354, 362
351-353.362,404,413,428-429,
436,437-438,443,444-445.~46,
Peste Negra, 196, 197 361-362, 371 , 391, 397, ·l05-406, 452,
Quantidade de escr.tvos, 19-20, 40, 42, 52, 464-466;
Petrarca, 20 1 454,455,461,463-464
63. 70, 94, 109, 112, 113, 123, 155, 185 lideradas por Espártaco, 166-170;
Pettigrew, Charles, 41 O Primeira Guerra dos Servos, 160-163
Quarles, Benjamin, 444 na S!dlia, 160-164

I. o IC E
HI S TOA I A I LuS tR ADA oA Es c-A .:~ttv . loAo
Starobin, Roberr, 438
s
Servidão, 37, 173-1 74, 178- 179
Revolução Americana, 363, 364, 367, 370,
Servus, I 79 Stéphane de Cloyes, 190
396,436,442
Saara, 205 Sewall, Samuel , 358 Steward, Ausrin, 384
Rhode lsland. 358,361,363-364,370
Sabotagem, 429-430 Shirer, William L , 474 , 478, Srill, Will iam, 435
Rhodes, 50, I 00
Sa.id, 454 Sibéria, 467 Srirl ing, James, 393
Ricard, Cyprian, 44 1
Salazar, Amon io de O liveira, 465-466 Sicília, 63, 92, 127, 158; Srom;, Edward , 404
Richmond Enquirer, 415
Salem, 356, 360 revoltas de esc ravos na, 160- 164 Sudaneses, 38
Richmond, 388, 389, 4 17
Salomão, 43 Side, 100 Sud ão, 230,457
Robards, Lewis, C., 405
Salústio, 165 Siena, 201 Suecos, 189
Rochester, 435
Sálvio, 163 Sila, 169 Suicídio de escravos, I 58- 159, I 63, 164
Roma:
Santa Isabel, 463 Singapura, 460, 46 1 Suicídio de escravos, 259, 260, 330, 331 ,
cenrro de tráfico de escravos, I OI, li O;
São Domingos, 338, 4 50 Siracianos, I I O 362, 432
conquistas ampliam a escravidão, 92-95;
São Tomé, 464 Si racusa, 92 Suméria, 22-26, 42
declínio da escravidão, 172- 175;
Sarawak, 460 Sírios, 38, 61, 96, 101 , 160, 187, 190
derrota de Espártaco, 166- 170;
Sardenha, 127 Snow, Edgar, 470
escravidão nas fazendas, 126- 13 1;
população de escravos no império, 109-
Sármatas, 1 I O Sociedade Americana de Colonização, 44 1 T
Sarracenos, 192, 200 Sociedade Ami-escravagista da Nova Tabaco, 222,346, 360,37 1,373, 377,
110;
Saturnália, I 49 Inglaterra, 442 380,381 , 38 8,389
primórdios de, 86-89;
Sauckel, Fritz, 475 Sociedade Ami-escravagista, 11 Tafur, Pero, 198
revolta em, 162;
Saud, rei lbn, 482 Sociedade de Providence para a Abolição da Tailând ia, 488-489
tipos de trabalho escravo, 118- I 24;
Saúde, 67, 122-1 23 Escravidão, 362 Tainos, 219
tratamento dado aos escravos, 142-150;
Saul, 43 Sócrates, 67 Talmude, 46
Romana, escravidão, 234
Savannah, 393 Sófocles, 69, 83 Tana, 196, 199
Rosemberg, Alfred, 474
Schweinfurth, Georg, 457 Sólon, 60 Tanganica, 453
Roubo de escravos. Ver Rapto e suprimento
Segunda Guerra dos Servos, 163- 164 Solzhenitsyn, Alexander, 469 Tannenbaum, Frank, 318,319
de escravos; Pirataria
Segunda Guerra Mundial, 458, 46 1, 474- Somerset, caso de, 449 Tapete, indústria do, 489, 490
Roubo,430
478 Songai, 229, 233 Tappan, Anhur, 442
Roupas dos escravos, 201
Semínolas, 284, 286, 436 Sousttelle, Jacques, 276 T ártaros, 198, 199, 200, 203, 205
Royal African Company, 255, 258, 263,
Semitas, 26, 28, 36 Sprecher, Drexel A., 478 Taxação, na venda de escravos, 63, 200
346,349,360
Sêneca, 127, 140, 143, 150, 160 SriLanka,489,495 Tebas, 38, 79, 80
Rurn,360, 361, 364,366, 463,464
Senegal, 2 15 Sr. Augustine, Flórida, 344 Teofrasto, 70
Rupílio, Públio, 162-1 63
Serra Leoa, 495 St. Louis, 397 Terapeutas, 47
Russell, William H., 383
Serviço Militar, escravos no, 32, 40, 154, Stalin, Joseph, 467-469 Terceira Guerra dos Servos, 166-1 70
Russos, 189, 198, 199
200,367,455,460 Starnpp, Kenneth, 386, 429 Terebintina, 388

I
-
532
- HI S TÓRIA ILUSTRADA DA ESCRAVIDÃO
I N o I c E
Texas, 403, 436
Thompson, John, 425
nos brancos, 264-266, 324, 448-449;
pela Nova Inglaterra, 360, 361-362, 363- v
Valenriniano, 173
Whimey, Eli, 373
Whinier, John Greenleaf, 434
Wilberforce, William, 450
Thoreau, Henry David, 434 364, 373;
Tibério, 155 pelos árabes, 452-453, 454-456; Varínio, 168 Williams, Eric, 27 1, 450
Tigre-Eufrates, região do, 22-34 pelos espanhóis, 218-219, 221-222, 224, Varrão, 128, 130, 142 Winningron, Alan, 461
Timarco, 68 225; Velasquez, Diego de, 304, 306 Woodward, C. Vann, 429
Tipos de escravos, I4-I6 pelos holandeses, 346, 348, 453; Venda de joseph, A, 358 Woolman, John, 368
Tiro, 11 I , I 36, I38 pelos ingleses, 252-255, 256-259, 260-264; Vendedores, 388 Wulfstan, Arcebispo de, I 83, 184
Torrura, 135, 143, 144, 160, 161 ,202 pelos muçulmanos suafles, 453; Veneza, 190-192, 200, 202, 203 Wu rdemann, J.F.G. , 3I2
Toscana, escravidão na, 196-205 pelos portugueses, 212-216, 24I , 242, 453; Verdun, 190
Trabalho conrrarado, 265-266, 308, 344- quantidade enviada, 225, 263-264, 269, 325 Vesey, Denmark, 437
345,346,350,360,448,464 Tráfico triangular, 256 Vespasiano, 122, 136, 144, 153 X
Trabalho forçado, 222, 323, 346, 377, Trajano, I I O, I 37 Veterinários, cirurgiões, 11 3 Xen6fanes, 70
460-475, 484 Tratados sobre a escravidão, 498 Vikings, 183-184, 190 Xenofonte, 66, 72
Trácia, 61, 94, 96, I I O, 136, 166 Tredegar Works, 388, 389 Virgínia, 308, 344, 396, 397, 407, 413,
Tráfico americano de escravos, 216 420, 433;
Tráfico de escravos enrre estados, 396-397,
Trípoli, 449
Truth, Sojourner, 443 cultivo do tabaco, 346, 380; y
399-400, 40 I -408 Tsimshians, 281 evolução da escravidão em, 344-346; Yuma, 282
Tráfico de escravos africanos, 224, 23 I, Tubman, Harriet, 435 revoltas de escravos em, 436, 437-438
236, 448, 463-465; Visigodos, 193
proibido pelos Estados Unidos, 369,
450-453;
Tucídides, 60, 79, 80
Túnis, 449 "Viver forà', 68 z
Zanzibar, 454, 455
Turcos, 205
proibido pelos europeus, 449-453;
Tráfico de escravos:
Turner, Nat, 413, 428, 429, 432, 438
Turquia, 457 w
Wade, Richard, 392, 393, 437
Zedequias, 30, 45
Zimbábue, 486
ação da ONU contra, 487-489 Tutmés III, 38
nos EUA, 396-397, 399-400, 40I-408; Waldo, Samuel, 363
Walker, David, 442
como base para a revolução industrial,
255-256, 364, 371;
como ocupação, 258, 407;
u
Ulpiano, 144
Walker, Richard, 470
Washington, D.C., 377
efeito sobre a África, 249-250; Um Dia na Vida de Ivan Denisovich, 469 Washington, George, 368, 371, 312
lucro auferido, 349, 358, 396-397, 405- União Soviética, e o trabalho forçado, 466- Weld, Theodore, 442
408,449,452,454,455,456,458,465; 469 Westermann, William, 80, 126
na África O riental, 452, 453-456; Ur, 42 Western Citizen, 430
White, John, 406

I ~- · -- ~ I
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