Você está na página 1de 233

~

OSWALDO LAMARTINE DE FARIA

'SERTOES DO SERIDO

BRASILIA - 1980
r

Outros Estudos do Autor:

A Caça nos Sertões do Seridó. Rio de Janeiro, Serviço de Informação Agrícola, 1961.
A.B. C. da Pescaria de Açudes no Seridó. Recife, Instituto Joaquim Nabuco de Pesqui-
sas Sociais, 1961.
Algumas Abelhas dos Sertões do Seridó. Natal, Instituto de Antropologia da UFRN, v.
1, nv 2, 1964.
Conservação de Alimentos nos Sertões do Seridó. Recife, Instituto Joaquim Nabuco de
Pesquisas Sociais, 1965.
Vocabulário do Criatorio Norte-Rio-Grandense. Rio de Janeiro, Serviço de Informação
Agrícola, 1966 (co-autor Guilherme de Azevedo).
Encouramento e Arreios do Vaqueiro no Seridó. Natal, Fundação' José Augusto, 1969.
Uns Fesceninos. Rio de Janeiro, Editora Artenova, 1970. (Edição limitada, fora do co-
mércio para bibliófilos).
Açudes dos Sertões do Seridó. Natal, Coedição Fundação José Augusto/Coleção Mos-
soroense, 1978.
À memória de Isadora
(* 21/ago/45 t 21/ago/72)
'9PJ.lâS op Optp o VIlVtuV SJVtu 01Jntu snb
VIHV~ 3:0 3:NI.LHVWV'I 'IVN3:Aflf
md runu Op V!.l9tuâtu V
"

lNDICE
Fci-g
APRESENTAÇÃO . 1·:1

AÇUDES DOS SERTOES DO SERIDO . ,-


I - De como era no princípio . . :23
1. O açude . 23
2. E como começou . 23
3. Adonde foi e quem aqui fez ó açude primeiro . 25
4. Adonde os faziam construir . 27
5. E de como se fazia . 28
II - E depois . 31
L Daí apareceu a Inspetoria . 31
2. O bê-a-bá da Inspetoria . 32
3. E de como aprenderam a lição . ;32
a) Véspera de começo . 33
b) Do arrancho . 33
c} Do apronto dos ferros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . :34
d} Da cunhagem das fichas .. ;34
e} Das caçambas . 34
f) Das horas de trabalhar e de comer .. . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . :35
4. Das bitolas da parede e do sangrador . :36
5. Da cavagem do alicerce . 36
6. Da escolha, do cavar e do carguejar ti terra , ,
7. De alguns cantos de trabalho , .. . .
8. Dos que viviam e morriam da pedra . , . '':'~
9. Do alevantar da parede " ";1_1

10. Do tempo que se foi ', 41


.;-:
III - E DA CONTAGEM DE CADA UM '
.;;,
CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS NOS SERTOES DO SERmO ', ">v

I - EM QUE SE FALA DOS SERTOES DO SERIDO '


1. Adonde é encravado e de como está retalhado ,
2. O povo que lá vive ,
3. E de como chegaram e se fizeram '
4. Do chão, das chuvas e dos matos . -50
li - As comidas e de como as guardavam . .J.

1. Da água ,
2. Do gado , 59
a) Carnes , r30
o) Leite . b,

9
Pág.
c) Gorduras """" 72
d) Sangue""""""""""""",.""".",."""""""."""" 74
3, Das sementes .""""""""""""""""""""'.".""""".,,, 74
a) Legumes, , , .. , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , . , , , , , , , , , , , , , , . , , , , . , , .. , , . , , , , , . . 76
b) Cereais"""""""""""""""""""."" .. ",."""""", 81
4, De outras comidas .. , , .. , , , .. , , , , , .. , , .. , , , .. , , , . , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , 82
a) Batata""., , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , . , . , , . , , , , . , , , .. , , , , , . 82
b) Farinha , .. , .. '""""""""""""",."" .. '""",.", ... "... 83
c) Jerimum , , , , , . " , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , . , , , , . , , , . , . , , , . 84
d) Rapadura",.""."""""""."" .. ", .. ", .. ,.", .. " ... , .... ,.. 84
m- EM QUE SE FAZ A CONTAGEM DOS HOMENS, DOS BICHOS, DAS SAFRAS
E DAS CHUVAS "" ... , .. ", .. " .. ",.""", .. "",.""",."",.""".",",., 87
IV - EM QUE SE PROCURA IDENTIFICAR AS PLANTAS CITADAS, ,,,,,,,,,,, 95

ALGUMAS ABELHAS DOS SERTOES '" ,'.. , ,, , , , , .. , , , , . , , .. . 101


1- GEOGijAFIA E POVOAMENTO , , .. , , , , , .. , , .. , .. , , , .. , , , 107
li - O SERTÃO SEM MEL .. ' , , ,.,, ,, ,, ,,,,, ,,, 108
m - AS PERGUNTAS E AS RESPOSTAS, , , , . , , , , , , , , . , , , , , . , , , , . , , , . , , , . , . , , , . 114
- Identificação da Apifauna do Seridó , , , , . , , , . , , , , , , . , . , . , , .. , , , , . , , , ... , . , . 115
IV - O QUE SE CONCLUI ", .. "" " , .. ,...... 116
V - AS ABELHAS NA BOCA DO POVO , .. , .. " , .. , .. , "., , .. , 117
A,B.C. DA PESCARIA DE AÇUDES NO SERIDO , " .. , .. ,' "' .. , .. ,,.' 121
A CAÇA NOS SERTOES DO SERIDO .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 157
I - O COMEÇO DOS SERTOES DO SERIDO , . , .. , , , , , , . , , , , , " , , , , , , , , , , , , . , , , , 159
1. As primeiras datas, , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , . , , , , , , , .. , . , , . , . , , , .. , , , , , . 159
2, Os currais, .. , , , , .. , . , , , , .. , , , . , , , , , .. , , . , .. , , , , . , , , , , .. , , , , , . , , . , , , , , , . . . 160
3, A raiz de algodão, , , , .. , . , , , .. , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , 164
4, O sertão de agora, , , , . , , . , , , , .... , , , . , . , .. , , , , ... , , , , .... , , , .. , , , . , , , , , .. , 167
li - O MUNDO SERIDOENSE , , , , . , , , , . , , , , , , . , , , , , , , , , , , . , , , , , , , , , , , .. , , . , . , , , 171
1. As ribeiras ", .. ",'.",' ... ,' .. '""".",.",.'", .. ", .. ",.", .. ",... 171
2, O tamanho da terra """""",."."".',.'""""".".""",.""" 171
3, Contagem de gente" '" , , '" , .. , "., ,. '" .. , " .. ", .. , " ,. , , ,. ", .. " ,. .. 171
4, O chão e os matos , , , , , , , . , , , , , , , , , , , . , , , , , , , . , , , , . , , , , , , , , , , , , , . , , , . , , , , . 172
5. Os invernos ,."."".,."" ... " .. ", .. , .. ",.",.", .. ,."."""" .. ,'. 174
6, "Kalendário" das secas "".'"".",.", .. ",.", .. ,.".""""."""" 175
7. O caminho das águas""" .. """""",.""""",.", .. ",., .. ", ... , 175
8, As serras e os quatro aceiros , , , , , , . , , , , , . , . , , , , , , . , , , , . , , , , , , , , , , . , , , , , , . , , 177
9, Dinheiro de pedra """ .. ".",.,.", .. """.""."" .. "'., ... " .. ,.,, 178
10. Do ambó ao Itans """""""",.""""'.'",.", .. ", .. ",., .... ,,., 179

m- A CAÇA NOS SERTOES DO SERIDO . , , , , . , , , ... , , , . , ..... , , .. , , , . , , , , , , . . 183


1. Indumentária ,."""""",."""""""""."""",."""" .... ", 183
2. Instrumentos e apetrechos , , , , , , , , , , , . , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , . , , , , .. , ... , 188
3. Métodos de caça. , , , . , , , , , , , , , .. , , , , , , , , , .. , , , , , , , , , , , . , , , . , , , . , , , . , , , , , . , 190
a) Por perseguição ,.,.""""",.".""" ... '", .. ", .. ", .. ,........ 191

10
~
I
1,
b) Por espera . :~
c) Por armadilha . . ~c

4. Crendices •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 0.0 ••••••• 0.0 ••• ••••••


2'=;-
N - E POR DERRADEffiO ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211
Anexo - Quadros Estatísticos e da Fauna 221

11
APRESENTAÇÃO

As ruas estão repletas, Senhor, repletas de Ma-


nelões,

Senhor, amanuelarom o mundo, compadecei-


vos, Senhor, do vate

(José Bezerra Gomes)

Há poucos dias, lendo nova edição de "Cinco Livros do Povo" dç mestre Cas-
cudo, um professor de importante universidade paulista comentava comigo como
a produção científica já teve o brilho da subjetividade talentosa, constituindo-se,
por isso, fonte motivadora de convergência espiritual, sempre revisitada, obra
marcada pelo sentido do duradouro.

Em contraste, estaria a sensaboria do esquálido linguajar científico de nossos


dias, anêmico, desplacentado, bebê da proveta empirista, com pavor de adjetivo,
na medida do possível hermético. Aliás, recomenda-se escrupulosa parcimônia no
uso dessa ferramenta imprecisa e dúbia que é a palavra, esquiva e equívoca;
concede-se uma prosinha, aqui e ali, prosa-prosaica, só para agradar a algum
Monsieur Jourdain financíador de projetos. Na realidade, enjeitar palavras é que é
galgar os pináculos ... números, grafos, gráficos, tabelas, curvas; figuras, formali-
zações, eis a receita do sucesso. Por trás de tudo isso, de um lado, assoma o feti-
chismo da objetividade, já que trouxeram às ciências do bicho-homem metodolo-
gias reveladas eficazes no cascavilhar da natureza inerte; de outro lado, o intuito
de distanciar-se da massa ignara, não adentrada nos rituais iniciáticos onde se
elabora, com jargão, o território privativo da "intelligentia", já tão bem desmas-
carado por WRIGHT MILLS em "O Artesanato Intelectual".

Mas, felizmente há os abencerragens, rari nantes in gurgite vasto. Aqui está


um deles - Oswaldo Lamartine de Faria - nestes SERTÕES DO SERIDÕ, en-
volvente epifania de rude solo e de invencida gente, cinzelada em vigoroso e estre-
me estilo.

Efetivamente, nos ensaios aqui reunidos, o leitor identificará, de imediato,


um sentido de revelação de todo um universo físico e cultural, que o autor assimi-
lou amorosamente. A propósito da construção de açudes, da pescaria que neles se
efetua, da conservação de alimentos e de abelhas destrinça-se o multifacetado
mundo seridoense, em perspectiva interdisciplinar.

13
r ~ o cerne de tudo, a peleja desigual do homem contra uma natureza arisca, o
calvário das secas, os males do desmatamento, a erosão do solo e, sobretudo, o de-
sacerto de políticas:
... " por todos esses anos de perguntação e pedição não conseguimos
obter nem convencer os técnicos da importância da açudagem particular

Parece que a economia reinante só empresta valor significativo aos


grandes açudes .

Papel cabe tudo - dizem lá nos sertões. E dos tempos velhos para cá
muitas resmas foram gastas em diagnósticos e meizinhas para a econo-
mia sertaneja."
Em passagens como essa, os ensaios de Oswaldo Lamartine assumem a face
da denúncia, inconformado libelo de um estado de coisa que se arrasta de remotas
eras. Já o venerando Felipe Guerra dizia, em 1909:
As condições especiais da vida, dos costumes, do solo e da natureza
desta parte sertaneja sujeita às secas, não têm sido devidamente aprecia-
das; não são mesmo conhecidas. Daí os disparates de certas medidas,
aconselhadas para a solução do problema das secas, algumas vezes por
aqueles que são chamados a dar a palavra oficial sobre o empreendimen-
to. Medidas verdadeiramente extravagantes que nós, os incompetentes
de cá, não podemos levar a sério, têm sido patrocinadas e apresentadas
por profissionais competentíssimos e de reputações firmadas.
(Secas contra a Seca)
As primeiras linhas do trecho acima parecem sintetizar a preocupação prima-
cial das investigações levadas a termo por Oswaldo Lamartine: dissecar as "con-
dições especiais de vida", as peculiaridades dos sertões seridoenses, solo, flora,
fauna, bicho-homem e o que ele cria, sua cultura, tudo historiado, tim-tim por
tim-tirn, porque tudo estava ali encasquetado lá nele, no saber de experiência fei-
to.
Ensina Foucault que a semelhança exerceu papel fundamental na formação
cultural do Ocidente. Dentre as quatro similitudes do pensador francês, aqui des-
taco a simpatia, que deve ser entendida no seu sentido etimológico de sentir com.
Simpatia implica identidade, aproximação, movimento.
Elle est le príncipe de mobilité: elle attire les lourds vers Ia lourdeur
du sol, et les légers vers l'éther sans poids; elle pousse les racines vers
l'eau, et elle fait virer ave c Ia courbe du soleilla grande fleur jaune du
tournesol .
La symphatie est une instance du Même.
O sertão de Lamartine não existe como objeto exterior de pesquisa, distancia-
=. ~ ie impessoal investigador. É espaço interior, vívenciado, incorporado ao mun-
:::1". valores, crenças e cuidados do escritor: até parece ter-se cristalizado no seu
::~_.-:.:~~~:ocraticamente seco, tímido, quase ascético.
Nem mesmo a linguagem vem interpor-se, carreando opacidade a= :::~~~-s=
desse-mundo que se narra e se desnuda pela mão do ensaísta. Aqui o se:&.: ~ ~-
terpreta a si mesmo, sertanejamente. Com efeito, nenhum dialetólogo conse~..::::a
retratar com igual perfeição a linguagem sertaneja, como se encontra na obra ce
Oswaldo Lamartine, transparente, diáfana, perfeita expressão de conteúdos ex;s-
tencialmente capturados, no mais genuíno sentido do logos grego, cosmificador do
caos, em função demiúrgica. Oswaldo pode dizer com Drummond:
Palavra, palavra
(digo· exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Deste combate sai vitorioso: recado dado, lição transmitida, mensagem ade-
quadamente construída. Na obra oswaldiana, difícil seria delimitar fronteiras
científicas. Sem falar na torrente de erudição nos domínios histórico e geo-
econômico da Região, onde terminaria, por exemplo, o dado etnográfico e onde co-
meçaria a informação sociolingüística?
Faço-lhe apenas um reparo: há um excesso de notas de rodapé, explicando
termos e expressões, evidente concessão ao etnocentrismo do leitor. Melhor seria
deixar que este embatucasse e fosse caçar o sentido das coisas, aprendendo a res-
peitar nosso dialeto regional, puro e belo como qualquer outro. Afinal, o autor
mesmo, embora bem nascido, aristocrata, é cidadão "sem bondade", escreve à
moda a gente, que nem se fala por estas bandas, arrepunando requififes de pracia-
nos lordes, cheios de bestidade. Sertanejo de vergonha, tinindo.
Poeta Zé Bezerra Gomes, a amanuelação não foi tão geral assim. O vate está
aqui, nestes SERTÕES DO SERIDÓ, prometéico, vivo, irredentível.
Francisco das Chagas Pereira

15
AÇUDES DOS SERTOES
DO SERIDO
, ,

o
•• XI

f
Q

, I

19
Vendo d'água a terra cheia
Eu sinto doce lembrança
Do meu tempo de criança,
Dos meus açudes de areia (*)

(*) BARROS, José Lucas de. In VANDERLEY Rômulo C. - Panorama da poesia norte-rio-
grarulense.
DE COMO ERA NO PRINCIpIO

1. O açude

Espia-se a água se derramando líquida e horizontal pela terra adentro a se


perder de vista. As represas esgueiram-se em margens contorci das e embastadas,
onde touceiras de capim de planta ou o mandante de hastes arroxeadas
debruçam-se na lodosa lama. O verde das vazantes emoldura o açude no cinzento
dos chãos. Do silêncio dos descampados vem o marulhar das marolas que morrem
nos rasos. Curimatãs em cardumes comem e vadeam nas águas beirinhas nas ho-
ras frias do quebrar da barra ou ao morrer do dia. Nuvens de marrecas caem dos
céus. Pato verdadeiro, putrião e paturi grasnam em coral com o coaxar dos sapos
que abraçados se multiplicam em infindáveis desovas geométricas. Gritos de socó
martelam espaçadamente os silêncios. O mergulhão risca em rasante vôo o espe-
lho líquido das águas. Garças em branco-noivo fazem alvura na lama. É o arreme-
dar, naqueles mundos, do começo do mundo ...

O rio, estancado em açude, continua depois, em verde sinuoso de capinzais,


copas de mangueiras, leques de coqueiros ou canaviais penteados pelo vento. Mi-
lhões de metros cúbicos de água-doce, fria e cheirosa - é que a água nos desertos
também cheira - esbarrados pela muralha da parede, aninham peixes, criam va-
zantes, dão de beber à criação, fazem crescer raízes, caules, folhas, flores e frutos e
se esclerosam em veias pela terra adentro, esverdeando em folhas os sedentos
chãos cinzentos daqueles sertões.

2. E como começou

Quem primeiro esbarrou a carreira das águas de algum córrego ou riacho pa-
ra, prisioneiras, delas tirar o seu proveito? De quem e em que chãos o bicho-
homem aprendeu ou arremedou o engenho de escravizar as águas que caíam dos
céus e escorriam de ladeira abaixo para a servidão do nunca mais?

23
Talvez, quem sabe, ao espiar uma garganta de terra por onde corria um ria-
cho, engasgada por uma barreira deslizada, uma pedra rolada ou uma árvore em
baleeiro caída.
Ou, o mais fatível, a lição aprendida de um bicho menor - o castor - que
apenas com as ferramentas da engenharia que Deus lhe deu, derruba árvores, a
poder de dentes, roendo os troncos, entope com eles as ombreiras dos pequenos va-
les e argamassa com barro e pedra as suas grosseiras paliçadas. As águas cativas se
espraiam em aguadas onde esses miúdos engenheiros, sem réguas de cálculo,
níveis nem trigonometria - represam, trabalham, se recream e, biblicamente, se
recriam ...
Regulando pouco mais ou menos o tamanho da nossa capivara, também roe-
dor de hábitos aquáticos, o castor é um trabalhador sem canseiras, como um joão-
de-barro da engenharia hidráulica. Vive em alguns cantos da Europa, Ásia e da
América do Norte. Suas barragens, embora pequenas, chegam a medir 1,50 a
1,BOm de altura'.
Vestindo uma pele das mais ambicionadas pela estupidez da moda humana, as
raras colônias de castores sobrevivem hoje nas áreas de reserva com que o governo
dos EE. UU. defende a sua fauna e flora da ganância predatória do bicho-homem.
E foi, quem sabe, arremedando o trabalho desse pequeno bicho roedor que o
bicho-homem fez suas tapagens primeiras ...
Um dia alguém atinou que depois da fartura das chuvas minguavam aS á-
guas, os rebanhos fanavam as carnes e as plantações murchavam o verde e em
amarelo caiam mortas as folhas.
Daí, a precisão de guardar as águas. Em um lugar qualquer um córrego se es-
treitava entre duas ombreiras. E quando tapado, o rio se espraiou em lago, guar-
dando as águas daquele dia para o amanhã de outros dias. Engatinhava a enge-
nharia hidráulica das barragens. Outros espiaram e arremedaram o engenho.
Amagotados, famílias, tribos ou povos erguiam paredes de terra ou talhavam pe-
dras. Isso aconteceu há bem uns oito ou dez mil anos nas terras gordas dos chãos
da Mesopotâmia, entre as populações flageladas pelos caprichos do velho Nilo e
na milenária China.
Os sumerianos e depois deles os babilônios e os assírios ergueram barragens,
irrigaram terras, drenaram brejos e cavaram aquedutos com a sua velha e sábia
engenharia de cinco mil anos. O canal de Nahrwan, com 120m de largura e 320 km
de extensão, trazia as águas do Tigre para a cidade de Babilônia. Nínive, no reina-
do do assírio Senaguerib - oito séculos antes de Cristo - gastava água escorrida
de um aqueduto com 50 milhas de comprimento. Hoje o Iraque, herdeiro daqueles
chãos, tenta e sonha repetir o milagre para vencer o deserto em que se virou.
Na China, o imperador Yu (2.205 anos a.C.), construiu um importante siste-
ma de barragens que adomava a violência das cheias. E na ensolarada Arábia, Í2

1 No Estes Park (Colorado, EE. UU.) havia uma com 600m de comprimento. Outras, menores, a-

tingem de 60 a 70m de extensão. (CULLEN, Allan H. - Rios Prisioneiros).

24
séculos antes de Maomé, os Sabeus ergueram um dique de 15m de altura com
enormes blocos de pedra seca.
E Assuã - a represa orgulho do povo egípcio - nada mais é que um arremedo,
em tamanho graúdo, do engenhoso sistema que existiu no velho Nilo de 3.400 anos
a. C.
E foi assim, é de se imaginar, que diferentes povos em diferentes chãos do
mundo, na sua astúcia ou arremedando a astúcia do castor, aprenderam a'es~ravi-
zar as águas dos seus rios para matar a sede de sua gente e de seus bichos, para ir-
rigar suas lavouras, ou para fazê-Ias escoar dos brejos ganhando mais terras e fa-
zendo crescer suas safras.
3. Adonde foi e quem aqui fez o açude primeiro
Quando o marinheiro colonizador embrenhou-se de sertão adentro alevan-
tando os currais de aroeira como marcos de penetração - é de se imaginar que su-
bia os caminhos das águas dos rios, daqueles mundos. É que, mesmo apartados
das águas nos meses de seca, aqui ou acolá, fazem-se em poços ou permitem a ca-
vagem de cacimbas em suas areias. E nos baixios daquelas terras, é bem fatível,
há maior fartura de caça. Também arredados dos caminhos das águas a marcha se
empalhava mais tarda pelas sovelas do espinho do juazeiro, jurema, sajadeira,
quixabeira, rompe-gibão, macambira, xique-xique, cardeiro e favela se entra-
nhando e rasgando as carnes do cristão intruso.
Alevantados os currais e situadas as fazendas, o rastro-fêmea do boi pisava os
chãos enladeirados daquelas lonjuras, fazia veredas no rumo das melhores pasta-
gens e nos caminhos das bebidas. E de ferra em ferra crescia em cabeças, pois bi-
cho que mija pra trás é que empurra o dono pra diante - como sentencia a sabe-
doria sertaneja ...
Mas, apartado o inverno, os rios também se apartam em filetes d'água que
morrem depois em escassos poços. De sol a sol, de poço em poça, mingua a água
enlodoada em verde.
E principia a luta das cacimbas com o homem cavando e depois cavoucando o
chão em busca do molhado que mais se esconde nas entranhas da terra. É tempo
das vacas magras, das esperanças e das desesperanças. Esgotado o recurso derra-
deiro, quando a derradeira cacimba minguada em água deu no barro de salão',
cortado foi o último feixe de ração e o gado em passos trumbicados se deixa ficar a
mugir pelos pátios das casas ou se afoita, pela caatinga e sem forças caído se faz
carniça viva como pasto de urubus. Resta o amolar das facas para esfolar os cou-
ros, juntar os teréns, atramelar as portas e ganhar as estradas no ciganismo das
procissões flageladas no rumo das pancadas do mar. Assim foi o sertão e assim é
para os minguados de recursos de água que não ergueram acudes.
Até que de uma feita um mais engenhoso ou mais diligente, palmeando as ve-
redas de areia dos córregos, atentou para um apertado onde as ombreiras engasga-
vam o correr de um riacho. E veio a astúcia de emendar uma barreira na outra

2 Barro de salão - Terreno impermeável proveniente da decomposição da rocha mater.

25
para esbarrar a carreira das águas. É que represadas, o cativeiro das águas seria
um refrigério aos gastos do bicho-homem e dos seus bichos. Mas, adonde ou quem
fez o açude primeiro naqueles sertões não deixou o rastro.
Em 1706, o Pe. Manoel de Jesus Borges, sabendo de:
"... alguns esconderijos e velhacoutos do gentio tapuya canindé, de
nasão janduim, "requereu terras" para que se mettam muitos gados (. ..)
e fazer assudes aonde houver capacidade. Ficão nos supés das serras e
nas chans deltas de uma a outra banda que ficão nas nascencias e cabe-
seiras dos rios Tassima, Jacu, Pituassu e Acauon e entre o dito rio A-
cauon e o rio Curimataú."
Adiante alegava que "o gentio as não quer descobrir dizendo que não
tem agoas, o que he falso porque tem passos nos ditos rios, alagoas e olhos
dagoa nas Serras e entre elles que desagoam no rio Curimataú e noutros
rios ". 3
As terras requeri das pelo padre, a julgar pelos mapas de hoje, ficavam nas
imediações da Serra de São Bento, ao Sul do Estado. É que o rio Tacima vem la-
vando chãos de Araruna (PB) e no Rio Grande do Norte corre no rumo do Curima-
taú que banha Nova Cruz. O Jacu também traz águas da Paraíba, e em nosso Es-
tado banha Japi, São José do Campestre e Santo Antônio do Salto da Onça.
Não conseguimos localizar nos mapas consultados 4 os rios Pituaçu e outro
Acauã que não seja o seridoense que passa em Acari.
Teria o Reverendo alevantado naquelas ribeiras a parede do açude primeiro
ou o argumento de mettam logo muitos gados, gentes e fazer assudes, servia em
parte para facilitar o deferimento das terras requeridas. Ou, quem sabe, não en-
controu local onde houver capacidade de assudes. Ademais, é preciso não esquecer
que ele próprio alega que as terras são servidas de aguadas e possas nos ditos rios,
alagoas e olhos dagoa ...
Depois da petição do Pe. Manoel de Jesus Borges perdemos o rastro da açuda-
gem em ribeiras norte-rio-grandenses. Construído de terra carreada em arrastão de
couro de boi ou apenas sepultado no papel do requerimento, a verdade é que o re-
curso de erguer açudes já era idéia vingada naqueles tempos. O antecipado Pe.
Brito Guerra (1777-1845), Senador do Império pelo Rio Grande do Norte, dizia que
o problema das secas estaria resolvido no dia em que as águas caídas das chuvas
não chegassem ao mar - educando e desasnando o sertanejo na sua luta contra as
estiagens e fazendo-o compreender que a água é o melhor de todos os adubos ...
Perdidos os vestígios de feitos antigos, cortamos rastro catando papéis velhos,
perguntando daqui e dacolá, a Deus e ao mundo, até esbarrar com um dos maiores
dizedores do sertão de nunca-mais. E foi ele, o Dr. José Augusto Bezerra de Me-
deiros (Caicó 1884 - Rio de Janeiro 1971), quem nos contou que o açude do Re-

3 GALVÃO, Hélio - Um precursor da açudagem.


4O'GRADY, Ornar - Esboço do mapa do Estado do Rio Grande do Norte, Esc: 1.500.000,
dez/1927. IBGE-CNG - Estado do Rio Grande do Norte. Esc: 1:500.000, 1957.

26
creio, de primeiro, era conhecido como da Velha Merência. Isso porque sua pro-
prietária daqueles tempos chamava-se Emerenciana. Quando da pesquisa para o
estudo conservacionista A caça nos sertões do Serido", em 1959, o nosso informan-
te no município de Caicó, Daniel Duarte Diniz, esclarecia que o mais antigo açude
do município era o do Recreio, antigo Mabanga, construído em 1842e com capaci-
dade aproximada de um milhão e quinhentos mil metros cúbicos (1.500.000 ma).
E de se imaginar que as vantagens do açude se espalharam por aqueles mun-
dos e devem ter acudido viventes dos quatro aceiros daquelas ribeiras para espiar,
com os olhos que a terra tinha de comer, o viço da rama de batatas nas vazantes, a
desova da curimatã nas primeiras águas, o capim de planta, de barreira a barrei-
ra, dando nos peitos de um homem ou o sítio de fruteiras no fresco das juzantes. E
de boca em boca as vantagens eram contadas e cantadas no fresco das redes dos
alpendres antes da hora de assoprar os candeeiros ou nos encontros na rua para as
feiras, as missas dos domingos ou nas obrigações do júri.
Assim é que em 1859já encontramos o Presidente da Província, Antônio Mar-
celino de Nunes Gonçalves (1858-1859), sancionando a Lei Provincial nv 433, de 29
de março, que dispunha:
O Presidente da Província fica autorizado a mandar construir um
açude na Freguezia de São Bento, para o que dispenderá até a importân-
cia de um conto e duzentos mil réis.
Passados uns dias - 14 de abril do mesmo ano - era assinada a Lei Provin-
cial nv 441, cujo art. 19 decretava:
O Presidente da Província fica autorizado a dispender, desde já, a
quantia de três contos de réis com a construção de um açude na cidade de
Imperatriz.
E COmoem carretilha, onze dias depois, era assinada a Lei Provincial nv 445,
que:
Autoriza a Presidência a dispender 1:000$000 rs com a factura de um
açude na Vila de Macáo.
Talvez, quem sabe, esse afã de açudar vinha acudir reclamos das gentes da-
queles cantos. Ou o Presidente Nunes Gonçalves era um entusiasta das barragens.
Vale lembrar que não parecia haver naquele ano de 1859 um clima emocional
maior para açudagem. É que o sertão vivia em verdes de fartura. Phelippe Guerra"
registra como anos de estio naquelas eras, apenas 1844-5, embora já em 1860 a ve-
lha de chapéu grande tenha voltado a castigar os sertões.
4. Adonde os faziam construir
A diligência dos tempos velhos era, pouco mais ou menos, a usada pelos serta-
nejos nos dias modernos. Apenas os engenhos de como fazer é que melhoraram a
trabalheira da construção.

5 Rio de Janeiro, Serviço de Informação Agrícola, 1961.


6 GUERRA, Phelippe. Secas do Nordeste.

27
Condenado a cada ano de seca a principiar tudo de novo e vendo nas terras do
vizinho, do compadre ou nas de muitas léguas por onde ciganou, a vantagem de
guardar as águas que escorrem e se somem, um dia, o cidadão se destina a alevan-
tar também o seu berreiro', E' apenas um açudeco para o refrigério da casa e da
criação, um capineiro para o gado de curral e uma vazante de batata-doce e feijão
para ajudar a escorar a panela. Dá um balanço em suas posses e principia a can-
seira de caçar um canto.
E' um penitente a subir e descer pernas de córregos e riachos. Devagar, aqui e
acolá esbarrando, botando reparo nos chãos, na qualidade da terra, na altura das
ombreiras e nas riscas de marcas deixadas pelas águas das grandes cheias dos in-
vernos de castigo como o de 1924 e 1940... Atrepando-se nos caculos, fazendo con-
tas de cabeça para a decisão do dá ou não dá - faz ou não faz - se deixa a ficar
perdido em cismas de contas, economias e sonhos ...
Esbarrando com o lugar carece descobrir os chãos dos matos para uma melhor
especulação. Assim, findado o inverno e as colheitas, cuida logo em botar a broca",
O mato derrubado, encoivarado e queimado - deixa a descoberto os chãos, as vol-
tas do riacho, os apertados das ombreiras, os cordões de pedra e os baixios.
Aí torna a especular sobre o local e os gastos. E quando de uma vez se decide a
pegar no serviço - principia as providências. Primeiro tem de marcar a altura da
parede e, de acordo com ela, o nível do sangradouro. Mas isso é ciência de mestres.
Quando é uma obra pequena, um barreiro com parede de poucas braças, um co-
nhecido mais curioso que já trabalhou ou ajudou mestres afamados se inicia no en-
genho da marcação ...
5. E de como se fazia
Logo que o cidadão se determinava a levantar o açude, no principiar dos me-
ses de seca, cuidava em brocar o lugar escolhido e diligenciava os ferros de trabc-
lho", a ração e o caroço de algodão'? para a boiada mansa.
Os trabalhadores de rede-nas-cosias" que para ali acudiam na caça de ganho
se arranchavam debaixo dos pés de pau de melhor sombra (oiticica, juazeiro,
umarizeiro, etc.) ou faziam latadas de ramos por perto da frente de trabalho. Mui-
tos eram moradores da fazenda e dormiam em casa, amanhecendo no serviço com
o sol fora (6 h) do dia que principiava e ali mourejavam até o chegar das sombras
da noite.

; Ambó. barreira. açudeco e açude - são as designações crescentes em grandeza visual.


K Brocar - desmatar e queimar (ou retirar) a vegetação derrubada para "descobrir" o terreno.
Após o corte retiram a madeira de serventia (estacas e lenha). aceiram o terreno, acamam o mato mais
fino que sobrou e, quando seco e em dia de pouco vento, botam fogo. O sobejo da queimada é encoiva-
rado sobre os tocos, para uma queima final e definitiva.
" Pás, picaretas, chibancas, enxadas, alavancas, marretas, etc.
111 "Até 1877, cultivava-se o algodão, mas em pequena escala. Não aproveitavam o caroço, que era

quase sempre queimado depois da safra." DANTAS, Manoel - Homens de Outrora.


11 Trabalhador de rede-nas-cnstas: Dizem do trabalhador nômade que se desloca em busca de ser-
viço. O fato de caminharem com seus trastes enrolados na rede de dormir que conduzem a tiracolo, ge-
rou a designação.

28
No abrigo dos ranchos eram guardados os teréns e trastes do seu viver de arri-
bação. O caixote de roupas que fazia às vezes de mala e assento; a sela, cangalhas
e arreios de viagem pendurados em ganchos; o pote d'água acomodado à moda
cantareira numa forquilha de três pernas ou escorado com pedras em trempe; a
caneca de lata para beber; as panelas de barro no milenário fogão de trempe; os
sacos de mantimentos - um com farinha e rapadura, um com milho e o outro com
feijão; uma pedra de amolar num canto junto às ferramentas e as redes de dormir
enroladas nos esteios. É que rede desarmada nas horas do dia só para doente ou
tresnoitado. Daí dizerem em seu falar de poucas palavras e muita sabedoria:
amansar uma rede, com o sentido de preguiça, indolência ...

O trabalho principiava com o balizamento de uma ombreira a outra, atraves-


sando o riacho, marcando a cama aonde tinham de despejar, amontoar e espalhar
a terra para erguer a parede. Depois, então, é que pegavam a cavar a terra - um
magote deles no lugar do porão'? e outro pras bandas de uma ponta de parede,
onde tivesse terra de boa qualidade, i.e, barro vermelho traçado com pedra mole
de massa.
Na pegada do serviço se valiam, como ainda hoje se valem, da alavanca, da
picareta e da chibanca para afofar a terra primeira e nela poderem fazer uso da en-
xada e da pá. Era o trabalho que reclamava maior sustância, a força de ferir as en-
tranhas do chão até Seformarem barreiras e banquetas que vão sendo crescidas à
custa de muito muque e do golpear emendado por horas a fio.
A terra era conduzida no arrastão - o couro de uma rês graúda atrelado e ar-
rastado com o lado do cabelo para cima e do carnal para o chão. Uma junta de bois
mansos puxava o couro ajoujado ao cambão com relhos de couro cru. Para cada
junta de bois, dois couros; enquanto um estava sendo enchido, o outro era arrasta-
do para o local de despejo na parede. Duas juntas, três couros, era a regra. E para
cada couro, um enchedor que trabalhava com a pá nas escavações de empréstimos
de terra. Quando usavam duas boiadas (ou juntas), dois enche dores alimentavam
o enchimento do arrastão. É que enquanto as boiadas arrastavam um couro cheio
no rumo do despejo, os enche dores diligenciavam em acocular o couro-reserva ali
desatrelado no caminho de volta.
Um menino-guia puxava a boiada no mesminho vai-e-vem que principiava
nos cavadores de terra e ia esbarrar no despejo da parede. No coice do arrastão,
um tange dor com uma vara de ferrão, tangia e falava aos bois. No fim de cada via-
gem que terminava no lugar da parede, esvaziava o couro, revirando-o. E assim fa-
ziam, fazendo a boiada voltar por cima do rastro ...

O chão se alisava pelo arrastar do vai-e-vem dos couros. Guias e tange dores
cantarolavam aboios e falavam aos bois - falas meigas, carinhosas, prevenidas ou
praguejantes ... Nos pontos de cavagem o canto era o coco - tirado por um e res-
pondido pelos outros - cantiga que dava cadência ao trabalho.

12 Porão - A parte escavada do lado montante do açude. É a mais profunda e quase sempre está
situada nas imediações da parede.

29
r

Na parede, um espalhador ia desmanchando com u'a enxada os torrões e co-


culos da terra despejada pelo arrastão.
Trajavam apenas um cutango= e um chapéu de palha de carnaúba ou de cou-
ro. Lá uma vez ou outra um deles se ausentava para a precisão de matar a sede
numa borraclur" ou cabaça d'água ou mesmo para a necessidade de ir ao mato":
Para as distâncias mais pequenas, de poucas braças - arremates ou carreto
de pedras - de comum se valiam e ainda se valem da padiola. Dois homens de
maior tutano em cada ponta alevantam, carreiam e despejam o material no prá-lá
e prá-cá do trabalho que se espicha por todo o dia.
O sol de estio tostava e curtia a pele viva sem o afago de uma nuvem. E era
naquelas horas de mormaço, quando golpeavam a terra sem sombras, que faziam
de cada gesto um acordar de músculos vergonteados na pele lambuzada de suor e
barro, que se viravam em estatuária viva, se bolindo, bela e ignorada pelos artis-
tas ...

,.\ Cutango - Calça cotá, tarada pouco abaixo dos joelhos, usada pelos trabalhadores das cons-
truções.
,. Borracha - Saco de couro de bode de guardar água. Quando o rancho estava mais distanciado
das banquetas de trabalho, a água era guardada numa borracha ou cabaça, abrigada numa sombra
mais' perto. de modo a não empalhar o serviço.
,'. Ir ao mato - Defecar. O mesmo que dar de corpo,

30
E DEPOIS ...

1. Daí apareceu a Inspetoria ...


No governo do paraibano Epitácio Pessoa (1919-1922)ganhou alento a Inspe-
toria Federal de Obras Contra as Secas - IFICS (hoje DNOCS), criada desde
1909 16. Com ela vieram os botânicos, os geólogos, os agrônomos, os topógrafos, os
meteorologistas e os engenheiros - internando-se de sertão a dentro - estudando
plantas, espremendo folhas e flores em herbários, cascavilhando, catando e cavou-
cando pedras, tirando retrato, medindo chuvas, furando poços, abrindo picadas,
construindo estradas, mata-burros, pinguelas, pontes e açudes. Eram estrangeiros
naqueles mundos. Homens de ciência e saber, dessa e da outra banda do mar 17,
ajudados pelo muque do sertanejo que de tanto almocrevar, guiar, carregar, fazer
mandos e trabalhar, botando reparo como se fazia, e aqui ou acolá se atrevendo a
uma pergunta, arremedava ou aprendia alguma coisa ...
E foi nessa servidão sagrada de ajuda e aprendizagem que o sertanejo se fez
cassaco'" e se desasnou nos segredos das barragens. Os mais diligentes se viravam
em topógrafos práticos licenciados, os cavouqueiros, os cavadores de poços e os
mestres de parede.
José Lourenço da Silva, raça dos Batista do Seridó, tora de homem, de fala
gritante e gestos estabanados, trabalhador sem canseiras, cortou o imbigo nas ri-
beiras do Acari nos idos de 1901 e por lá mesmo recebeu a água sagrada e salgada
do batismo.
Menino ainda (1909), ganhou seus primeiros vinténs no vaivém de sol a sol do
tardo caminhar e amontoar do arrastão de couro de boi para o alevantamento da
parede-lombo-de-peba'v do Açude Quiporó (Fazenda Quiporó, propriedade de
Joaquim Caetano, Acari, RN).
Rapaz, já taludo, caçava ganho nos meses de seca pelas construções do Gover-
no. E foi trabalhando, servindo, espiando e aprendendo, como se fazia e porque se
fazia cada coisa e cada serviço, que de servente se fez mestre. E mestre dos bons.
Bom carapina, melhor pedreiro e mestre maior de açudes ...

Decreto nv 7.619, de 21/out/1909.


11;

]7Alberto Lofgren, Roderic Crandall, Horace Williams, Horatio L. Small, Léo Zehntner, Philipp
Von Luetzelburg e outros.
18 Cassaco - trabalhador nômade com certa especialidade funcional que vive no ciganismo das
construções públicas.
'" Parede-lombo-de-pebc - eram assim chamadas as primitivas paredes das barragens de terra,
alongadas e achatadas, fazendo lembrar o casco do peba (Euphractus sexcinctus).

31
,
Dezenas e mais dezenas de paredes se alevantaram com sua engenharia rude
e tosca, cujos instrumentos se resumiam em um novelo de barbante e, como dizia
ele, um niuel" de pedreiro. Era homem de muito poucas letras e muita sabedoria e
habilidade no trabalho. Quando terminou de erguer e cortar os 640 metros de ex-
tensão que formam a parede do açude Lagoa Nova (Fazenda Lagoa Nova, Ria-
chuelo, RN), nele se podia correr a vista ou o instrumento, de ponta a ponta, sem
esbarrar num catombo ou barroca em todo aquele espichão de terra arrumada a
lombo de jumento ...
José Lourenço da Silva, uma das derradeiras sementes dessa nação de gente
que está se finando, já setentão (1971) só se arredou do trabalho quando o sangue
aguado de leucemia roubou suas últimas sustâncias. Em suas terras, sob as suas
telhas, nas quebradas da Serra Branca (Riachuelo, RN), colocaram em suas mãos
calosas a vela do derradeiro adeus ...
2. O bê-a-bá da Inspetoria

E muito se fez e muito se perdeu. :\em carece se falar nas chuvas de castigo;
bastava um inverno mais pesado para carregar muita parede de terra erguida com
o sacrifício da poupança sertaneja. Terra, água e esperança levadas para o mar. ..
"Em todo o sertão, ou em outros distritos onde existem açudes parti-
culares, nota-se um grande número de paredes arrombadas. A maior par-
te deles são construidos por fazendeiros sem qualquer conhecimento das
dimensões de uma represa, as quais por economia são ordinariamente por
demais reduzidas. Pelo que observei no sertão, neste ano de 1910, julgo
que as perdas causadas aos pequenos fazendeiros pelos diques arromba-
dos se elevam a mais do total dispendido pela IFOCS, com a sua verba de
1.000 contos; e enquanto o povo for deixado aos seus próprios recursos se-
rá sempre assim. "21
A servidão sagrada de dezenas de anos de lição repetida e demonstrada em
tudo o que fazia, fez de muitos os que se fizeram cassacos da IFOCS, mestres-
apóstolos que arremedavam com sua astúcia e pouco saber a engenharia e o enge-
nho dos doutores engenheiros. E cedo aprenderam e arremedaram que a segurança
de um açude dependia da qualidade do material, da largura do sangradouro, do
alicerce, da desmasia do coroamento e das rampas das paredes.
Mas isso está nos livros ou - pouco mais ou menos - nas cacholas dos mes-
tres de parede. É o engenho e a engenharia das barragens ...
3. E de como aprenderam a lição
Negócio de uns tempos para cá, coisa duns 50 anos, e por certo depois da
aprendizagem da Inspetoria, é que o alevantar paredes de açudes fez-se ciência de
maior saber.

"Em Gil Vicente encontra-se nivél; em F. M. Pinto, liuél ( ... ) F. J. Freire preferia a forma com
20

n (sem dizer nada da acentuação) por mais conforme ao francês "niveau", de onde julgava oriunda.
Herculano usou liie]. tendo a outra variante por deturpação." AMARAL, Amadeu - O dialeto coipi-
ra.
'1 CRANDALL, Roderic - Geographia, geologia, supprimento d'água. transportes e açudagem
(nos Estados Orientais do Norte do Brasil: ('pará, Rio Grande do Norte, Paraiba).

32
Daí é que principiaram a atinar para a quantidade de terra da barragem. Es-
pecularam a terra a ser cavada, transportada, apiloada e cortada para o erguer do
lombo da parede. E os que não confiavam nas gaguejantes contas de "pouco mais
ou menos", se valiam dos mais letrados que rabiscavam cálculos de maior aproxi-
mação.
Conhecida a cubagem restava saber o como se ia fazer. Tinham, de comum,
dois jeitos. O primeiro e o mais usado - quando era administrado pelo próprio do-
no. E o outro - a empreitada da obra ou de trecho dela com terceiros.
a) Véspera de começo - Entrada a seca e faz de conta que o cidadão, ele
mesmo, se determinou a alevantar o seu açude ou açudeco, cuidou em providen-
ciar o cercado de solta para acomodar os jumentos; tratou de apalavrar o aponta-
mento dos ferros com o ferreiro mais perto e espalhou a notícia no mundo. E de
boca-em-boca na rede dos alpendres, nas bodegas das beiras de estrada, nos do-
mingos de missa e nas feiras sertanejas, espalhou-se o acontecido ...

b) Do arrancho - Daí principiaram a chegar os primeiros trabalhadores da


maca nas costasí? e os tropeiros. Tropas de 4, 8, 10 e até 15 ou 20 jumentos.
O dono da tropa com seus teréns, mulher, menino e algumas vezes um traba-
lhador parente ou aderente daquela família. Eram os mais remediados de recuv-
sos que no amanhã da açudagem foram tangidos das obras pelos donos de cami-
nhão - isso já bem pelos fins das eras de 30 e no pegar das de 40.

Também alguns moradores= raspavam do fundo da cumbuca os derradeiros


tostões, compravam uns jumentos, cangalhas e, na tosca carpintaria de restos de
caixotes, eles mesmos faziam suas caçambas nas medidas de lei. Diferente dos
cassacos, eram homens da enxada que aventuravam um remedeio para o tempo da
entressafra.

Aí era cuidar cada um em fazer o seu rancho, o mais perto do trabalho e das
precisões: do peador dos animais e da água de beber. Uns agasalhavam-se na
sombra de um pé-de-pau mais frondoso: juazeiro, oiticica, trapiá, umarizeiro, etc.
Faxinas de ramos, esteiras ou encardidos panos, arremedavam paredes divisórias.
Estacas-esteios para armar as redes, ganchos-cabides para pendurar arreios e sa-
cos de mantimentos, uma forquilha à moda cantareira para o pote, caixotes para
se abancarem, teréns vários - e estava terminada a barraca ou rancho ...
Quando a vegetação mais graúda rareava sombras - erguiam latadas de
rama de oiticica, folhas de coqueiro, catolé ou outras de maior duração.
E logo tratavam de aparelhar arreios e cangalhas. Pequenos consertos ou re-
montes - remenda daqui, costura dacolá, melhora o enchimento de outra, etc., ao

22 O mesmo que trabalhador de rede nas costas (V. nota anterior).


2:,Morador - Parceiro agricultor (meeiro). No Seridó, recebe casa, o terreno cercado e destocado,
a semente para a planta (algodão), capinadeira, bois de tração, financiamento sem juros e direito de
criar um animal de trabalho e uma rês em terras da fazenda - contra a 1/2 da safra do algodão. A cul-
tura intercalada (lavoura branca) é de exclusiva propriedade do morador.

33
mesmo tempo que cuidavam em encabar alguma ferramenta que deles estava
mais carecida.
c) Do apronto dos ferros - O proprietário diligenciava as ferramentas que o
trabalho ia precisar: enxada, enxadão, pá, picareta, alvião ou chibanca, alavanca
pequena, barra-mina, carro de mão, padiola, marreta, marrão, pichotes, pólvora,
estopim, etc., de acordo com a precisão da obra.
A jnaior ou menor fartura dos matos por perto é que apontava a escolha da
madeira para encabar a ferramenta. Está bem visto que haviam as preferidas.
Qualquer enxadeiro famoso sonhava com uma vergôntea madura de quixabeira
assada para acunhar a sua enxada. Outros ferros, outras madeiras escolhidas.
Nesse ínterim, outros batiam os ferros para torná-los mais vazados, i. e. del-
gados, finos e cortadores ... "Mas ao sair da fábrica / Não fica concluída: / Pois, an-
tes do seu uso, / Precisa ser batida. "24
d) Da cunhagem das fichas - Também as fichas tinham de ser providencia-
das antes da pega do serviço. Eram os "recibos" entregues pelo ficheiro aos tropei-
ros por cada carga de terra transportada.
Quase sempre eram cortadas a vazador em latas de folhas-de-flandres, Re-
dondas - mais miúdas ou graúdas - oitava das ou retangulares, de acordo com o
valor estabelecido para cada uma. Impressas a rebaixador costumavam ter um
número valor de um lado, e no outro o desenho do ferro do proprietário (marca de
ferrar o gado).
Quando da construção do açude Lagoa Nova, 1941-825 (Fz. Lagoa Nova, Ria-
chuelo, RN), o ferreiro de lá, Mestre Irineu, "cunhou" para os serviços da obra,
centenas delas com alumínio de sucata de avião de guerra. Apenas numa das faces
tinha como efígie o ferro da fazenda; na outra, os valores convencionados: 1, 10,
50, 100 e 1.000.
Semanalmente, aos sábados ou em dias incertos quando havia suspeita, as fi-
chas eram recolhidas e conferidas de modo a evitar clandestinas inflações ...
Também, uma vez ou outra, em vez do pagamento por cargas, usavam a
cubagem da terra (em m"), nas banquetas de cavagem. As banquetas eram demar-
cadas para cada banqueteiro e cubadas no recebimento do serviço aos sábados.
Quando o chão era de altos e baixos costumavam, aqui-acolá, deixar um coculo de
terra intacto - a testemunha - que servia de indicador da altura média do nível
do solo escavado.
e) Das caçambas - Do prosear com os mais velhos de como era, de como se
fazia e de como ou adonde começou, disseram eles - se o juízo não me engana -
haver o jumento tomado o lugar do arrastão quando principiaram as obras da Ins-
petoria (IFOCS depois DNOCS). A partir daí, pouco mais ou menos, é que a can-
galha do jegue fez as vezes da canga do arrastão.

24 ACCm L i, Marcus - Nordestinados.


2" 1" etar : set/1941 a jan/1942; 2- etapa: 1947-8.

34
No princípio, usavam uma parelha de caixotes que era coculada no enchi-
mento e esvaziada no despejo. Com o tempo, um mais astucioso imaginou eu co-
piou a caçamba de fundo falso, fazendo o despejo mais ligeiro e poupando muito
muque e canseira. Quem foi, quando foi e adonde foi - ninguém guardou na me-
mória nem no papel para o amanhã da história.
O invento é assim. A caçamba tem a tábua do fundo (lado interno) presa em
dobradiças. Na parte de cima, também pelo lado interno, a caçamba tem um par
de alças que se prendem aos cabeçotes da cangalha. Ainda na tábua do fundo, do
lado oposto das dobradiças, e bem no meio da tábua, fazem uma saliência onde é
lançado o relho que mantém o fundo falso fechado. Na caçamba do costa 1 oposto,
uma saliência mesminha a outra serve para prender o relho que, passando por
cima da carga vai laçar, quando fechada, a tábua do fundo da outra caçamba.
Daí, para fazer o despejo é só desatar o relho de um lado; incontinente as tábuas
dos fundos se escancaram, deixando "a terra cair no chão ..."
Em abril/1969, na fresca do alpendre da casa-grande da Fz. Lagoa Nova, mes-
tre Zé Lourenço nos desasnava dizendo sobre as regras da bitola das caçambas:
- Um caixão de medida, de gás, tem uns 30x60cm. O volume carreado por
cada carga depende da qualidade do material. Assim de oitiva se sabe que, para
cada m" de terra a regra é, pouco mais ou menos:
- 30 cargas de terra barreada e bem entorroada de barro cabeça-de-gato, ou
- 16 cargas de terra comum, ou
- 12 cargas de areia tipo peneirada.
Lá uma vez ou outra quando o material a ser transportado era a lama-grossa,
o barro cabeça-de-gato do mais graúdo ou seixos de pedra - costumavam se valer
de caçambas abertas, i. e., de fundo fixo e sem o testo lateral externo.
f) Das horas de trabalhar e de comer - Obedecia-se a hora solar. Ainda ao
quebrar da barra (5,00 h) cuidavam das obrigações do rancho: lenha para a trem-
pe e água para o pote; o jejum era quebrado com um café sem isca adoçado com ra-
padura ou, quando na fartura das vazantes, um café de duas mãos, i. e., com
batata-doce. Sol fora (6,00 h), tinia o trilho" ou zoava o búzio - quando acudiam
ao trabalho. Daí era o mourejar de cada um até as horas de sol alto (8,00 h) quando
faziam um alento para o almoço: feijão com ossos ou alguma carne, munguzá, fari-
nha de mandioca e rapadura. Quando tzabalhavam por produção ou tarefa, nos
dias de maior mormaço, alguns preferiam o cochilo de uma ou duas horas, no pin-
go do meio-dia, para poupar as forças e recuperar a tarefa nas frescas das madru-
gadas ou nas noites de lua ... Na viração da tarde (14,00 h) a janta: mesminho al-
moço, podendo variar o munguzá por arroz. Daí voltavam ao trabalho para só es-
barrar na hora do sol se pôr (18,00 h), quando ceavam uma palangana de coalhada
adoçada com rapadura e café com isca de batata-doce. O afagamento desse ou da-
quele de-comer dependia da fartura e do preço de cada um nesse ou naquele tem-
p027.

111 Pedaço de trilho pendurado que fazia as vezes de sino.


27 Informações de um cassaco daqueles tempos ao engv Vauban Bezerra, em Natal, abr/72.

35
4. Das bitolas da parede e do sangrador
Para a altura, a tabela aprendida da Inspetoria, era a da quarta parte: 1m na
vertical para cada 4m na horizontal. Com um nível de pedreiro espiavam visadas
a partir do chão de areia do riacho que se ia balizando com estacas de 50 em 50 em,
até a derradeira altura, onde terminavam o coroamento.
A regra mandava que a parede tivesse cerca de uma braça (2,20m) de sobejo
acima do nível das águas do sangrador.(sangradouro) - era a desmasia chamada.
Em cima, no' divisor das águas, ao correr do lombo da parede, o coroamento que
regulava em derredor de 1,50m de largura; nos açudes maiores, por volta de uma
braça (2,20m).
Sempre que a topografia do terreno ajudava, o sangrador era feito mais arre-
dado da parede. Assim evitavam que numa cheia grande o remanso da água viesse
a comer a terra da ponta da parede, botando em perigo a obra.
No mais das vezes o nível do sangrador, em todo o seu correr, é feito em
cordão-de-pedra argamassado de calou cimento ". E quando ele é cortado e nive-
lado numa ponta de parede, também a ombreira dela e o caminho das águas de
sangria até a jusante do riacho, são em pedra-seca argamassada.
A largura do sangrador era e é calculada de acordo com a capacidade do ria-
cho e sempre com bastante sobejo. Daí a sentença tantas vezes gaguejada por
aqueles sertões:
- Quem segura açude é alicerce, material e sangrador. ..
5. Da cavagem do alicerce
O alicerce foi lição trazida pelos doutores da Inspetoria (DNOCS). No sertão
velho, nos açudes erguidos com arrastão de couro de boi, o uso era apenas raspar o
espelho da terra onde ia se acamar a parede. Daí a maior revência e a pouca du-
ração da água de quase todos eles...
A largura do alicerce - ou fundação, COmochamam os entendidos - regula-
va, está bem visto, com o comprimento da parede, a qualidade da terra e o volume
d'água a ser represado. De comum, tem .pouco menos de uma braça, i. e. 1,50 a
2,00m.
A cavagem principiava depois do cordeamento que riscava no chão a trinchei-
ra a ser aberta. Daí era cavar em toda a fundura, retirando a terra, os seixos, as
raízes, a areia - até esbarrar nos duros (terreno impermeável).
E tinha de se botar reparo em qualquer brecha de pedra, quer fosse fixe ou fo-
fa, de modo a não deixar caminho para a água se infiltrar. Assim, cada pedra fo-
veira era retirada a muque de alavanca e mesmo as brechas das rochas mais firmes
entupidas com argamassa de cimento.

'.< "O primeiro veículo a motor aparecido em Currais Novos, de meu conhecimento, foi um Bingh-
four, em 1914, de passagem para o Acari, levando cimento inglês em barricas, para o açude Gargalhei-
ras ... " (OTHON FILHO - Antônio - Meio século da roça à cidade.)

36
Terminada a cavagem do alicerce, a diligência era tratar de entupi-lo, por ca-
madas, com barro de louça bem esfarinhado e apiloado até chegar ao nível do
chão.

6. Da escolha, do cavar e do cargueiar a terra


A terra de maior fiança que depois de bem esfarinhada e apiloada mangava
dos tempos e das águas, era o barro-vermelho traçado com pedra-mole de massa.
Na falta dela ou de sua maior lonjura, também outras costumavam ser usadas.
Bastava que quando umedecidas e espremidas na mão - formassem bolo. Perdi-
das para qualquer serventia eram o barro de piçarra e a areia - ensinava o mestre
Zé Lourenço ...
Comumente, a cavagem principiava em terras de montante, vizinhanças da
saia da parede ou ribanceiras do riacho. Essa escolha de lugar, comum a quase to-
dos os açudes, se explica porque à medida que vai crescendo a escavação vai, con-
seqüentemente, aumentando a capacidade de armazenagem d'água. Assim, de-
pois do açude feito, fica sendo o canto de maior fundura - daí ser chamado de po-
rão.
Nas banquetas de cavagem o trabalho variava com a qualidade do chão. Cada
grupo cuidava em formar barrancas para desmoronar maior quantidade de terra.
Assim, quando esbarravam com um terreno muito duro, tinha de ser aluído e afo-
fado à força de alavanca, escavado a golpes de chibanca para depois com a pá, pa-
lear a terra para as cargas de caçambas.
O trabalho mais pesado e penoso era o de alavanca. Carecia o homem ter tu-
tano para agüentar o erguer, o ferir a terra e aluir barrancas ao peso de uma barra-
mina. Quando a escavação tinha maior fundura, tinha vez que os paleadores fa-
ziam foguetão, sacudindo a terra a grande altura. A pá cambalhotava no ar e tor-
nava às mãos do cassaco enquanto o bolo de terra subia destacado e ia cair no alto
da barranca. Fazia gosto espiá-los nesse malabarismo ...

7. De alguns cantos de trabalho


Na construção do Itans (Caicó, 1932-1936),os cassacos da terra costumavam
tabelar o trabalho ao som do coco Tamanqueiro que era puxado por um e o refrão
- quer' um pá - respondido pelos demais:

- Ôi tamanqueiro
eu quer'um pá,
quer'um pá.
Eu quer'urn pá
de tamanca prá dançá ...

- Tamanqueiro eu num digo tu quem sois (Quer'um pá)


Qui é para num fazê vergonha ao povo. (Quer'um pá)
Teu suó só me fede a urubu-novo (Quer'um pá)

37
~--

Tua barba raspada, dá ueneno. (Quer'um pá)


E me parece qui 'aqui dentro do salão (Quer'um pá)
Uma ticaca -assanhada fede menos ...

Os versos se sucediam. Alguns improvisados, outros repetidos do afamado de-


safio de Raimundo Pelado com João Martins de Athayde - da antologia popular
oral do Nordeste.

Mais das vezes era circunstancial. Uma caçoada entre eles, uma novidade,
uma história, um sucedido ... De 1939 para 40, pegamos na construção de um açu-
de (Fz. Lagoa Nova, Riachuelo, R~). Era um ano de seca e tinha uns trabalhado-
res de fora, gente de rede-nas-costas. ~o meio deles um banqueteiro, quarentão
casado com uma caboclinha nova. E vai daí, a mulherzinha engraçou-se de outro,
anoiteceu e não amanheceu ... A notícia ganhou a boca dos trabalhadores. E o
"viúvo" trabalhava calado e sisudo na humilhação de seu abandono, enquanto o
vizinho caçoava, cantando:

Óia seu Zé
qui casá dá prejuízo,
o homem perde o juízo
cum ciúme da muié.

Óia seu Zé,


Seu Zé, seu Zé,
Cum'anda tão cacundo
Cu 'um chifre maió do mundo
quem butô foi a muié.

Muié gaieira
qui bota gáio no home,
merece morrê de fome
prá sabê gáio o que é...

E nem carece dizer que a peixeira cortou as rimas, a poesia, e as carnes ...
8. Dos que viviam e morriam da pedra
Mais das vezes, quando uma pedra mais graúda ou ponta de serrote'" atra-
vaneava o seguimento da parede ou podia perigar a segurança da obra, tratavam
de retirá-Ia. O cavouqueiro espiava e estudava, palmo a palmo, a grã e a veia da
pedra. Conhecia as que podiam ser quebradas de marreta (gnaiss) e onde golpear
cada uma. Sendo pedra mais graúda ou de grã mais dura (granito) que nem a mais
cerosa, bucho-de-sapo, a diligência era a de brocar para nela dar um fogo.
E era serviço que sempre corria perigo. Os que ganhavam a vida na pedra se
mutilavam ou perdiam a vida com a pedra - mote que serviu de carretilha ao

29 Elevação pedregosa ou pedra de grande dimensão.

38
poeta: A vida corta a pedra/Mas ao cortar se corta/Na pedra quase-viva/A vida
quase morta". :jO
o furo principiava com um cavouqueiro sustentando com as mãos limpas um
aço de broca para dois marreteiros malharem. A cada pancada o cavouqueiro gira-
va a broca que golpe a golpe mergulhava nas entranhas da pedra. O giro depois de
cada tinido de pancada servia para não deixar que o aço ficasse chumbado na pe-
dra. Uma rodilha de pano em volta do furo protegia os trabalhadores dos besou-
ros. ai

As marretas desciam no assobio-aviso de cadência que morria tinindo na ca-


beça da broca - mas o marreteiro profissional não arredava a vista delas. E justi-
ficava:
- Se o freguês espiá de banda, erra a pontaria ...
Cassacos-marreteiros faziam malabarismos com a marreta que fugia pelo so-
vaco e era alcançada por riba do ombro, na pancada do lupe ("loop"). A cadência
dos golpes era mais das vezes marcada pelo canto. Na seca de 1932, na construção
do Açude Itans (Caicó, RN), o Coco do malhador cadenciava os trabalhos da pe-
dra:

- O máia, seu mata


O máia, maiadô, vamo maiá, seu maw.
Vamo maiá, segundo a marcha do tempo:
é roda-pé, cama-de-vento,
é ferro-novo de engomá ...

De vez em quando esbarravam para descansar a vista e aproveitavam para es-


gotar o furo do pó da pedra que ia se juntando. Aí metiam nele uma varinha embe-
bida n'água e o pó que nela se grudava era tirado pra fora.
Assim, no aluir, no quebrar, rolar ou acamar grandes blocos de pedra no tini-
do da marreta ou no muque da alavanca barra-mina - o esforço se fazia na cadên-
cia do coco. É que diziam:
- A pedra fica mais maneira ...
Terminado o furo ou os furos precisos para cada fogo - aí principiavam a so-
car a pólvora com um soquete de madeira e depois "espoletar" com pavio ou esto-
pim e comprimir com barro-de-liga. Era a hora mais séria e perigosa pois bastava
um instante de descuido para dali se fazer uma arte ... Muitas das pedras que leva-
ram fogo naqueles saartões da terra, guardam em suas entranhas e nos seus silên-
cios de eternidade os epitáfios não escritos e enodoados com suor e sangue de um
cavouqueiro anônimo que ali se finou."

:lO ACCIOLY, Marcus - op. cito


:ll Fragmento de pedra que se estilhaça zunindo aos golpes da marreta.
32 Em abr/1969, um cavouqueiro ganhava Cr$ 5,00/dia, quando o salário mínimo mensal em Na-

tal, RN, era de Cr$ 79,20.

39
r ~~~~~~~~~
I

Correndo algum risco por perto, cobriam o fogo com couros e esteiras velhas
de modo a abafar a força da explosão e os "coriscos" arrebolados pelo papouco do
tiro.
De boca em boca era avisada a hora do fogo - de comum, nos intervalos de
trabalho. E no momento de acender o pavio, o grito ecoava de todos e por todos os
cantos: Fooooooooogo! Fooooooooogo!!!
A dinamite, mais dificultosa, era uso de poucos e apenas usada nas obras
maiores ou quando a pedra resistia à força da pólvora.
Parece que o ensino primeiro de talhar a pedra para o alevantar das obras de
maior vulto foi servidão e escola do mestre Estevão. Espanhol, meão de altura, to-
rado no grosso, ele chegou com a Inspetoria para a construção do Açude Gargalhei-
ras, no Acari, aí pelas eras de 12 ou 14, e quem sabe (?) entretido pela fartura de
pedras nos sertões do Seridó - por lá mesmo deixou-se ficar."
Por volta do fim do século ou nas primeiras eras deste, veio para o Acari, dos
lados do Caicó, o mestre Manoel Alexandre - feitor de cerca de pedra. Situou-se
no Sítio do Arroz e de lá principiou empreitadas nessa ou naquela fazenda, ofício
que sustentou enquanto lhe duraram sustâncias. Depois, seus dois filhos, Manoel
e Bernardino, continuaram no ofício e escola de trabalho onde muito ajudante de-
pois se fez mestre. 34
9. Do alevantar da parede
Cordeada a largura da parede na quarta parte, i.e., para cada 1m na vertical,
4m na horizontal (considerando ainda o coroamento final que costuma ter pouco
menos de uma braça, de acordo com a importância da obra), raspavam o espelho
da terra de capins, raízes, terra vegetal, etc., para principiar o despejo.
Tropas de jumento convergiam tangi das para os lugares de despejo. As mais
de perto vinham da cavagem do porão ou de um alto de ponta de parede. Outras,
de cantos mais distantes, carguejavam às vezes terra de melhor qualidade para
garantia da obra.
O mestre ia mostrando os locais de despejo. E cada carga despejada era des-
torroada e espalhada a enxada, em camadas de 0,25m, pelos espalhadores. Um
bom espalhador costumava dar conta da terra carguejada por 20 a 25 jumentos. 35
Assim era a regra. O apiloamento era feito mesmo pelo vaivém dos cascos dos ju-
mentos.
Cada tangedor, despejadas as caçambas de sua tropa, recebia do ficheiro as
fichas correspondentes ao número de cargas daquela viagem. Aqui e acolá uma
advertência:
- Diga aos seus enchedô que cuide de coculá mais essas carga ...

'l;: Inf. de Jayme Santa Rosa, em 6/ago/72.


:34 Id.
:l.1 Em abril/1969, um espalhador ganhava Cr$ 3,OO/diae um banquete ira (espalhador que corta as

saias das rampas), Cr$ 5,OO/dia.Inf., do mestre Zé Lourenço. A diária do salário mínimo, para o Esta-
do, era de Cr$ 3,28.

40
As tropas de jumento disciplinadas no vaivém do carguejar. seguiam de
cargas coculadas em passo tardo para o despejo e voltavam escoteiras e ate em
chouto no alívio do peso para os lugares de cavagem. Os tangedores - meninos de
10 para 14 anos - tangiam com um chiqueirador, falando a cada anirna l":
- Êêê Rouxinho! Fasta pra lá Paturi! 'sbarra-aí Canário! ...
Às vezes, na volta do despejo, num pinote ganhavam a garupa do jumento do
coice e vinham sentados de banda, uma das mãos agarradas ao cabeçote da canga-
lha, chiqueirador ao ombro e desenfadando daquela canseira.
Espiados assim do alto mais pareciam um formigueiro assanhado naquele afã
de cavar, carregar e carguejar terra em suas trilhas que iam esbarrar no estirão da
parede ...
E depois de cada camada de terra (0,25m) o mestre tornava a cordear e pique-
tar a nova forra, cada vez mais estreita e mais alta, consoante a rampa da parede.
As camadas ou forras se sucediam, uma sobre a outra, apiloadas a casco de ju-
mento e deixando entre uma e outra, nas rampas da montante e da juzante, os na-
turais batentes do recuo reclamado pelo declive. Assim, depois de terminada a pa-
rede e vista em corte transversal, formava a figura que os livros chamam de trape-
zio (com as rampas em degraus). '\.
Não esquecer que a construção de um açude era sempre principiada nos pri-
meiros meses de seca depois que o riacho da represa apartava as águas. Mesmo as-
sim, quando era uma obra de mais vulto, se receava uma pegada de inverno mais
cedo ou se o riacho vinha de muito longe e era desses malcriados - nunca toma-
vam a passagem dele. Era serviço que ficava para o fim já nos arremates derradei-
ros da obra.
Aí também a terra era sobreposta em camadas de 0,25m, bem apiloada, e
amarrada nas ombeiras das paredes que tinham sido levantadas de um lado e do
outro. A amarração era feita em cada camada, dente ando uma na outra. Nesse
tempo também o sangra douro já estava terminado e capaz de despachar qualquer
cheia que viesse sem se esperar ...
O arremate derradeiro era o cortar a parede e o acabamento do coroamento.
As rampas eram cordeadas e, pela bitola dos barbantes esticados em piquetes de
cima para baixo, o espalhador banqueteiro, vigiado pelo mestre, cortava a parede,
alisando os degraus deixados pela superposição das camadas de terra em cada
uma das faces (montante e juzante). O sobejo da terra que escorria do corte e se es-
palhava no pé da parede de um lado e do outro - eles chamavam de saia da pare-
de.
o coroamento era a camada de terra derradeira, levemente abaulada que nem
estrada de rodagem, para não deixar as águas das chuvas nela se empoçarem.

36 Quando da construção do Açude Lagoa Nova (1947-8), Fz. Lagoa Nova, Riachuelo, RN, havia
uma mulher, Luzia de tal, das bandas do sertão, dona de uma tropa de jumentos e que muitas vezes se
revezava com um dos meninos no tanger dos burros.

41
Dada' por terminada a obra, retocada aqui e acolá, o proprietário mandava
matar umas criações ou uma rês gorda - consoante o número de trabalhadores -
para a panelada e a carne fresca do festejo da festa daquele açude ...
Mas ainda ficava faltando um sobejo de serviço para depois. Era a surra de
::;.:e:e. Para isso tinham de esperar a primeira chuva quando o espelho da terra fi-
casse enchombrado'". Então eram cortados uns cacetes compridos ~ coisa de uma
braça (2,20), e com eles os trabalhadores golpeavam palmo a palmo as rampas da
parede. Era a maneira de encascorar o espelho da terra para evitar os estragos da
erosão quando dos invernos mais pesados ...

10. Do tempo que se foi...


Das eras de 30 para cá principiaram a trocar as caçambas das tropas de ju-
mento pelo lastro mais taludo dos caminhões. E catingando a caatinga de gasolina
e diesel, rodam agora as rodas dos tratores de pneu, dos tratores de lâminas, dos
scrapers, dos rolos compressores pé-de-carneiro e toda a intrincada engrenagem
das máquinas com a zoeira dos motores.
Mas isso está nos relatórios oficiais, nos livros técnicos e ainda é imagem dos
olhos de todo o mundo que sobrou ...

37 Enchombrar - Umedecer, molhar levemente sem encharcar,

42
E DA CONTAGEM DE CADA UM

Cuidamos, quando principiamos a rabiscar estas notas em, no arremate da


obra, poder contar um por um o número de açudes de cada município seridoense.
Mas, por todos esses anos de perguntação e pedição não conseguimos obter
nem convencer os técnicos da importância da açudagem particular. Sabemos o
que ela representa para a economia sertaneja. E, por ouvir dizer, que o Seridó é a
zona mais açudada do mundo, tendo o município do Caicó mais de mil barragens
represando águas!
Parece que a economia reinante só empresta valor significativo aos grandes
açudes - públicos ou construídos em cooperação. Mas para estes não carece titu-
bear - o DNOCS sabe cada um aonde fica, quando foi construí do e a cubagem da
água nele represada.
Ou talvez, quem sabe, tudo isso não passa de visões tronchas pela quentura
do sol daqueles mundos (?). Mas, se assim é, por que as estatísticas contam as ga-
linhas do terreiro, os cortiços de abelhas, os silos e tudo o mais que farta ou min-
gua a despensa sertaneja?
E para quem tiver a humildade de catar os escritos dos sertões velhos, encon-
trará, ainda em 1909, o registro:
"Aqui no Seridó, já tem havido quem se tenha proposto a construir à
sua custa, açude de outrem, tendo como remuneração o peixe que pescar
no mesmo açude, em 10 anos consecutivos, 38.

Papel cabe tudo - dizem lá nos sertões. E dos tempos velhos para cá muitas
resmas foram gastas em diagnósticos e meizinhas para a economia sertaneja. Mas,
se o juízo não engana, parece que a contabilidade da pequena, média e grande

38 GUERRA, Phelippe & Theophilo - Seccas contra a secca.

43
açudagem ainda está por fazer. As poucas notas do nosso acanhado saber foram
desenterradas dos livros antigos e lamentavelmente esgotados e esquecidos.
Em 1909 - quem diz é Phelippe Guerra - só no município do Caicó exis-
tiam, entre grandes e pequenos, 210 açudes. E apenas para virar a ponta do prego,
vale transcrever as contas culturais do açude da fazenda Oliveiras do Cel. Porfírio
Fernandes Pimenta:
" ... construído em 1883,representa um pequeno capital de 3:000$000
- dois para a construção e um para reparos posteriores. A parede mede
98 braças de comprimento sobre 20 de largura e 46 palmos em sua maior
altura (...) e sobe pelo riacho cerca de 1.500 braças.
Em 1898 o peixe produziu uma renda bruta de 3:684$000; e a renda
das vazantes foi de 600$000 não incluindo o consumo da grande família
do proprietário.
Foram mantidos e tratados com os recursos e resíduos das vazantes,
400 animais (vacum, cavalar, muar); e durante a seca tiraram recursos e
meios de subsistência 30 famílias, com cerca de 250 pessoas.
Na seca de 1900 o produto das vazantes foi de 2:000$000, a renda
líquida do peixe 5.750$000 (...) e forneceu trato para 160 animais."
Registra ainda o Desembargador Phelippe Guerra rendimentos de outros açu-
des, como o da Fz. Dominga (Caicó - propriedade do Cel. Gorgonio Nóbrega) e
das Oiticicas (José Calancio Dantas) - com valores maiores e mais graúdos. Mas
repetir cada um deles é dizer de cocada de coco de coqueiro ...
E ainda é daqueles tempos em que os técnicos não eram turistas das secas nos
sertões, mas neles viviam ou deixavam rastros. Nas selas, no solão das canseiras,
nas secas, nos invernos, nos pousos das oiticicas, nas comidas de alforjes, nas
águas de borracha e na sabedoria das universidades das redes dos alpendres. Um
agrônomo daqueles mundos, J. Garibaldi Dantas, apresentou uma memória, lida
e aprovada em 13 de setembro de 1920, ao VI Congresso Brasileiro de Geografia
(Belo Horizonte, MG), onde explicava:
"Em 1915, a zona seridoense contava 710 açudes, assim distribuídos:
Município de Currais Novos, 52 açudes, fertilizando 500.000 braças.
Município de Acari, 82 açudes, fertilizando 784.000 braças.
Município de Jardim, 106 açudes, fertilizando 1.000.000 braças.
Município de Flores, 35 açudes, fertilizando 400.000 braças.
Municípios de Serra Negra, 35 açudes, fertilizando 400.000 braças.
Município de Caicó, 400 açudes, fertilizando 4.000.000 braças.
Total, 710 açudes fertilizando 7.084.000 braças quadradas.
Destes açudes, mais de dois terços não resistem às secas prolongadas, e gran-
de parte deles são mal construídos, perdendo-se muitos durante os invernos mais

44
rigorosos. Só ultimamente, com as lições tomadas, é que o sertanejo vai demons-
trando mais capricho e cuidado na construção de seus açudes.
É incontestável que se deve aumentar mais a capacidade dos açudes, permi-
tindo que eles possam passar um ano ou mais de seca completa.
O município de Jardim, por exemplo, tem 106 açudes, dos quais só 17 podem
resistir a mais de um ano de seca; há 25 que podem suportar um ano, e o resto ape-
nas poucos meses de estiagem.
O custo dos primeiros orçou em 90:000$ mais ou menos; estes açudes rendem
em vasantes 50 contos, mais de 50% do capital empregado.
O município de Serra Negra tinha em 1915, 35 açudes pequenos; nenhum des-
tes reservatórios podia resistir a mais de um ano de seca; os seis maiores custaram
25.000$, os proprietários tiraram deles 19 contos, só em peixe.
Esta quantia não representa o valor real do peixe no açude, em virtude do
processo de pescaria mais em uso: "a meiação", mas apenas a metade e muitas ve-
zes menos.
Dos 29 açudes restantes, de capacidade para resistir a menos de uma seca o
custo foi de 48 contos e o rendimento em peixe de 18 contos; o peixe aumenta na
razão direta do tamanho do açude; um açude pequeno, secando em pouco tempo,
não pode criar como um açude grande."
E, em 1954, adiciona José Augusto: Hoje estão acrescidos de algumas cente-
nas a mais. 39
Também o engenheiro Saturnino de Brit040 andou pelos sertões do Nordeste
fazendo rastros, viu, se convenceu e escreveu:
"... as gotas d'água caídas devem ser preciosamente recolhidas, e
que, portanto, devemos multiplicar os açudes, por menores que sejam as
bacias e por mais próximas que estejam. "
E para encurtar conversa e papel que fique, por derradeiro, na lembrança de
cada um:
19 - Nos açudes maiores, capazes de guardar água de dois invernos para
mais, a média de pescado/hectare/ano anda pela casa dos 150 kg. "Cerca de
100.000 toneladas de peixe são apanhadas nos açudes dos municípios, inclusive no
açude público, Cruzeta."!'
29 - O valor de água para serventia dos bichos e do bicho-homem. "Quanto
mais longe vai beber o boi mais magro volta aos pastos" - é sabedoria de qual-
quer vaqueiro sertanejo.
39 - E também dos recursos das vazantes: batata-doce, feijão, jerimum, me-
lancia, forrageiras etc., cultivadas na montante, além das culturas de jusantes:

39 AUGUSTO, José - Seridó


40 RODRIGUES DE BRITO, F. Saturnino - As sécccs do Norte.
41 GOES, Terezinha de Jesus M. - Noções de Geografia e História do Município de Cruzeta, RN.

45
cana-de-açúcar, coqueiros, mangueiras, e toda uma mescla de fruticultura tropi-
cal.
49 - Que a contagem de cada um, ambó, barreiro, açudeco ou açude, vai ser
dificultosa de ser calculada em metros cúbicos. :E que o sertanejo a mais das vezes
ignora essa cubagem. Sabe sim, de cor e salteado, que esse ou aquele açude san-
grando, leva tantos meses para secar ...

Nome do Açúde Municipío Capacidade Ano da Consto


(m3)

SERRA NEGRA Serra Negra 57.000 1915/1920

ZANGARET.....HAS J. do Serid6 7.916.000 1954/1957

lTANS Caicó 31.000.000 1932/1933

MUNDO NOVO Caic6 3.600.000 1912/1915

GARGALHEffiAS* Acarí 40.000.000 1912/1959

ACARI Acari 285.000 1915/1917

CRUZETA Acari 29.760.000 1920;1929

TOTOR6 c. Novos 3.941.000 1932/1933

CU:n.RAIS NOVOS c. Novos 3.815.000 1954

SABUGI S. João Sabugi 65.334.000 1965

(o Oficialmente denominado "Marechal Dutra.",

FONTE: - DNOCS, of Ol/DOS, 04/jan/73.

46
AÇUDES CONSTRUínos EM COOPERAÇãO COM O mmes ~ft
REGIãO no SERiOÓ· RU ATÉ DEZ /1972
Nome do Açúde Munícípio Propriedade Capacidade Ano da
(m3) Const

RCH. DAS· OITICICAS Acari Prefeitura 514.700 20.01.56

INl!:S Caicó JoeI A. Araújo 421.604 08.02.15

DOMINGA Caicó Hornero Nóbrega 8.807.875 10.12.49

GURGEL Caicó Edmundo Gurgej 1.991.800 02.08.52

TORRES ARAÚJO Caicó J. Torres Araújo 730.075 22.01.53

PAI LUIZ Caicó J. Josias Fernandes 716.300 27.07.54

BARBOSA DE BAIXO Caic6 Fco. Medeiros 2.179.400 14.05.58

BARRA VERDE C. Novos Tomás de MeIo 624.760 20.12.55

SACO DOS VEADOS C. Novos Tomás Galvâo 827.750 14.05.59

IMBURANA C. Novos Prefeitura 385.026 06.11.50

UMARI PRETO Florania Laurentino Cruz 334.760 18.10.12

ARVOROU Florania Laurentino Cruz 71.550 26.12.12

RCH. DOS BOIS Florania Joaquim Medeiros 45.400 31.01.14

QUINQUl!: Florania J. Bezerra Araújo 643.600 14.12.51

CRAUBEIRA Parelhas João P. da Silva 624.700 23.12.49

CACIMBAS S. Negra Eduardo G. Araújo 3.000.000 31.12.42

BOM SUCESSO rr S. Negra Arthefio Cunha 958.000 19.12.45

ENTRE SERRAS S. Negra Arthefio CUnha 1.756.000 21.07.54

FONTE: - DNOCS, or. Ol/DOS, 04/janI73.

47
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACCIOLY, Marcus - Nordestinados. Recife, UFP, 1971.


AMARAL, Amadeu - O dialeto caipira. São Paulo, Ed. Anhembi, 1955.
AUGUSTO, José - Seridó. Rio de Janeiro, Borsoi Editor, 1954.
CRANDALL, Roderic - Geografia, Geologia, suprimento d 'água, transportes e açudagem nos Estados
Orientais do Norte do Brasil: Ceará, Rio Grande do Norte e Parahyba. 2- Ed., Rio de Janeiro,
Imprensa Inglesa, 1923.
CULLEN, Allan H. - Rios Prisioneiros, Belo Horizonte, Editora Itatiaia, 1964.
DANTAS, J. Garibaldi - Geographia econômica do Rio Grande do Norte. Revista do Instituto His-
tórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, vIs. XX, XXI e XXII, 1923-5, Natal, 1925.

DANTAS, Manoel - Homens de outrora. Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti Editores, 1941.
FARIA, Oswaldo Lamartine de - A caça nos sertões do Seridó. Rio de Janeiro, MA/SIA, 1961.
GALVÃO, Hélio - Um precursor da açudagem. Diário de Natal, Natal, 14/mai/1950.
GOES, Terezinha de Jesus M. - Noções de geografia e história do município de Cruzeta, RN. Recife,
Editora de Pernambuco, 1971.

GUERRA, Phelippe - Secas do Nordeste. Natal, Centro de Imprensa, 1951. & Theophilo
- Seccas contra a secca. Rio de Janeiro, Typ, Liv. Cruz Coutinho, 1909.
OTHON FILHO, Antônio - Meio século da Roça à Cidade. Recife, Editora de Pernambuco, 1970.
RODRIGUES DE BRITO, F. Saturnino - As secas do Norte. Recife, Imprensa Industrial, 1913.

WANDERLEY, Rômulo C. - Panorama da poesia norte-rio-grandense. Rio de Janeiro, Ed. Do VaI,


1965.
Mapas: BRASIL, IBGE/CNG - Estado do Rio Grande do Norte, 1957.
O'GRADY, Ornar - Esboço do mapa do Estado do Rio Grande do Norte, esc. 1:500.000, dez/1927.

48
CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS
NOS SERTOES DO SERIDÓ
EM QUE SE FALA DOS SERTOES DO SERIDO

1. Adonde é encravado e de como está retalhado

Quem sai da cidade do Natal pelo Bairro das Quintas e dá as costas para o
mar tomando o rumo do sertão - segue a velha estrada-tronco na qual os técnicos,
de tempos em tempos, fazem a plástica das curvas, das rampas e do piso,
batizando-a cada vez com siglas ou nomes estrangeiros àqueles mundos.
Rodando no asfalto que se espicha léguas adentro, cobrindo os primitivos ca-
minhos de terra solta ou piçarrados, vai-se comendo chão. Para trás, fica o cheiro
das vacarias e, depois, o da maresia do Potengi. De banda vão ficando as dunas, o
rio, os tabuleiros de mangabeiras, para mais adiante se cortar a cidade de Macaí-
ba. Daí, em direção de As Marias, o chão vai ficando mais barrento e mais tranca-
do com a vegetação do agreste' - é o marmeleiro, a sarjadeira, o velame e a ma-
cambira fazendo a saia das raras essências de maior porte que escaparam, só Deus
sabe por que, ao gume do machado e à coivara. Os facheiros se destacam ... De As
Marias a Bom Jesus de Panelas é um pulo. Vem depois Caiada de Baixo e o chão
se despindo na caatinga nos arredores de Serra Caiada. A encruzilhada de outro
caminho fez nascer Riacho. Sobe-se em procura de Santa Cruz do lnharé; ali, em
quilômetros, a estrada é um corredor de paredes verdes pela cor do aoeloz" que ta-
pa, ladeira acima e abaixo, as cercas divisórias. Da estrada se avista o Açude do
Inharé, 17.600.000 m" dágua salobra represada; dizem por lá que "nem maribondo
bebe e, de sabão, nela ninguém consegue tirar espuma ... " O asfalto termina; a es-
trada continua em piçarra - aqui e acolá um catabi- - enladeirando-se cada vez
mais e de vegetação mais rala, espinhenta e contorcida.
Adiante é sempre bom tomar fôlego, pois depois se esbarra na subida da Serra
do Doutõ', As léguas ficam mais compridas pelo cansaço das curvas e das ladeiras

1 A divisão ecológica aqui adotada é a de DUQUE, J.G. - O Nordeste e as lauouras xerófilas.


2 Euphorbia gymnoclada Boiss., fam. Euforbiáceas.
3 Catabi - Irregularidade no leito da estrada que motiva solavanco brusco do veículo.
4 Serra do Doutô - contraforte da Borborema; o nome é oriundo do português de Trás-as-Montes,
Dr. Antônio José Teixeira de Morais (?-1765) que ali viveu.

51
- ganhando em horizontes que destampam em maior alcance, até o alento da chã
da serra onde a cruuianar afaga a canseira da subida. É o espinhaço da Borbore-
ma, refrescado pela maior altitude (500 m), colorindo em verde os matos da caa-
tinga, abrandando o clima, as culturas, os pastos e apartando as duas regiões.
Mais para diante, entre as nascentes do Riacho dos Angicos que corre para Este e
as do Mulungu, que descamba para Oeste - a estrada enladeira-se, de cabeça-
a oaixo, pisando os chãos do Seridó. A serra aceirou o que ficou para trás. O vento
amorna, o chão se enladeira de quebrada em quebrada, com a nata da terra lambi-
da pela erosão, estampando lajedos e serrotes" onde domina o espinho'; e mais
rala é a caatinga, já que as raízes carecem se espalhar na superfície para sorver a
minguada umidade que, na pegada8 das chuvas, alivia e estoura em verde a paisa-
gem cinzenta".
No Rio Grande do Norte, o Seridó mede 9.386 km". As sesmarias primitivas
foram retalhadas, de tempos em tempos, pelo crescimento das populações e decor-
rentes necessidades político-administrativas. Hoje o Seridó soma dezesseis mu-
nicípios: Acari, Caicó, Carnaúba dos Dantas, Cerro Corá, Cruzeta, Currais No-
vos, Florânia, Jardim de Piranhas, Jardim do Seridó, Jucurutu, Ouro Branco, Pa-
relhas, São Fernando, São João do Sabugi, São Vicente e Serra Negra do Norte.

Confrontados com outras terras, de modo a oferecer melhor visualização da


área, os 9.386 km2 do Seridó medem oito vezes mais que o atual Estado da Guana-
bara (1.171 km").
2. O povo que lá vive
Cento e quarenta e seis mil, duzentos e noventa e três viventes moram naque-
les 9.386 km2 de chão, formando uma densidade demográfica de 16 hab/km". Em
vista dos 1.157.258 habitantes contados pelo censo de 1960 para o Estado, como
um todo, representa a população do Seridó 12,6% da do Rio Grande do Norte.
A maior parte dos seridoenses vive na zona rural, i. é., 66,13% - enquanto
33,86% se acomodam nas ruas das vilas e cidades que, devagar, também vão cres-
cendo e se enfeitando por aquelas paragens.
As primeiras contagens de gente de que temos notícia (José Augusto - Seri-
dó), confrontadas com as de agora, mostram como cresceram.
1782 3.630 hab.
1842 6.366 hab.

Cruuiana - vento frio comum às madrugadas.


6Serrote - elevação pedregosa.
7 Espinho - dizem no sentido de recurso forrageiro advindo das cactáceas, principalmente do
xiquexique.
8 Pegada - início, princípio, começo.
9 "As chuvas no Seridó rio-grandense e paraibano ocorreram de janeiro a maio, com variações de

127 mm a 916 mm, por ano, no período de 1930a 1955, ou seja, a média de 497 mm, anuais, na estação
meteoro lógica de Cruzeta, RN. O mapa das isoietas de 22 anos apresenta esse Seridó envolvido pelas
curvas de 400 a 600 mrn. Não há orvalho. A insolação média é de 2.988 horas de luz solar, por ano. A
temperatura média das máximas é de 33°C e a das mínimas de 22°C. O índice de aridez, na fórmula
que adotamos, é de 3,3". (DUQUE, J.G. - O melhoramento dos pastos no Nordeste),

52
1855 15.921 hab.
1872 31.281 hab.
1890 40.514 hab.
1900 41.800 hab.
1920 85.840 hab.
1940 125.802 hah.'?
1950 o ••••••••••••••••••• .- •••••••••••••••••••• 137.426 hab.
1960 146.293 hab.
Uma espiada na tabela anexa (Crescimento da população por município)
mostra que a percentagem da população seridoense, em relação à do Rio Grande
do Norte, nos anos de 1940, 1950 e 1960, oferece os índices minguantes: 16,4%,
14,2% e 12,6%. As retiradas - êxodo - explicam essa rarefação: ainda nas eras de
40, a fartura do dólar americano na Base Aérea de Parnamirim e o engodo impune
do Exército da Borracha, para não falar nas secas de 1942/3 e 1958. Na de 50, três
anos emendados sem chover (1951/3), 1957desmantelado e 1958, a maior seca que
assolou o Nordeste depois de 191911• Uns dizem da pressão demográfica e outros
documentam o crescente ciganismo organizado dos "araras" no rumo das panca-
das do mar», dos cafezais do Sul e, mais recentemente, do chamariz de Brasília.

3. E de como chegaram e se fizeram


E os brancos lá chegaram, rompendo pelos caminhos das águas - subindo os
rios ou a areia deles - de vez que por todos aqueles mundos os cursos d'água apar-
tam nos meses de seca. A marcha, é de se imaginar, era empathada= a cada légua:
carnes rasgadas pela flecha do caboclo-brabo" ou o espinho da sarjadeira, da jure-
ma, da macambira, da quixabeira, do juazeiro, do cardeiro ou do xiquexique - já
que as plantas ali também se defendem; esbarrada pela furada mais venenosa da
jararaca e da cascavel ou pela secura da água - escassa, ausente ou salobra a pon-
to de "arripunar" (repugnar).
Dizem os homens que escreveram a história que em 1679eram doadas as da-
tas de terra do Acauan, no Acari (José Augusto - Seridó). É de se crer que, pisado
no rastro do homem, vinha o gado, para garantir a posse. Poucos escravos, já que
o vaqueiro era um parente menos remediado ou um mestiço. Branco, mestiço ou
negro o vaqueiro acudia a uma fazenda e tomando os couros'>, "sinhõ" e vaqueiro
partilhavam os trabalhos de campo. A parição crescia de ano para ano e currais
eram assentados em novos logradouros'".
E viveram bem uns cem anos, naqueles mundos, do que lhes dava o rebanho
- em pleno ciclo do couro, no dizer capistraneano. A seca dos dois setes (1877) fez

1() A partir de 1940, inclusive, do Anuário Estatístico do Brasil.


11 V. Efeitos da seca sobre a economia pecuária do Nordeste - 1958.
i a Pancadas do mar - litoral, praias.
1:1 Empalhar - retardar, remanchar, demorar.
14 Caboclo-brabo - o mesmo que indígena, no dizer sertanejo.
L-, Tomar os couros - encourar-se, vestir véstias; o mesmo que enervar-se.
16 Logradouro - local que apresenta recursos forrageiros e de água onde situar os rebanhos.

53
muito fazendeiro perder o [erro'", Outras já os tinham aflagelado'", mas aquela
deixou ensinos ... De lá para cá é que principiaram as culturas de vazantes nos lei-
tos secos dos rios'? e a tirarem partido da maior resistência e sobriedade do burro-
mulo. Arruados de casas caiadas cresciam à força do estrume de curral. A comida
que não vinha do boi nem da criação miúda era trazida a lombo de burro de outras
ribeiras mais distantes'", Daí por diante o algodão mocó (Gossypium purpuras-
cens Poir), de fibra mais longa, pegou a dar dinheiro. E muitos usaram de permeio
com as véstias, o machado e a enxada - brocando+ as várzeas -- onde situar seus
roçados. Com o tempo, a raiz de algodão tomou as várzeas, se alastrou pela caatin-
ga e até pelas chãs das serras - limitando em cercas de madeira, pedra, espinho
ou farpas de aço, as pastagens do rebanho. É ainda o algodão a lavoura-dinheiro
do Nordeste seco, safrejando no Seridó, em 1960, 64.159 arrobas de 15 k.

"... análises feitas nos EE. Uil., em 1959, de amostras coletadas em


campos comerciais do Nordeste brasileiro, revelaram comprimento de
fibra de 1,1/4 de polegada, aproximadamente igual ao comprimento da
variedade Lambert do Sudão. Pelos padrões brasileiros, o comprimento é
de 36 a 38 mm. Testes de resistência de fibra, feitos ao mesmo tempo,
mostraram que esse algodão mocó é igual em resistência a algodões de
fibra extra-longa, tais como o Karnak do Egito, o Sakels do Sudão e o
Americano-Egípcio cultivado nos Estados Unidos. Quanto à finura, a
fibra do Mocó comercial é igual a dos algodões de fibra extra-longa bem
conhecidos no mundo. "22

Daqueles mundos brotou o algodão branco-cremoso, fibra de 36/38 mm e ar-


bóreo - que ainda ontem era bem de raiz nas heranças sertanejas. De semente
nua, escura, que é ver o estrume do mocó'", donde, talvez, seu apelido - bem pode
se alastrar por imensas áreas de ecologia favorável no Polígono, de vez que, ao con-
trário dos competidores, não reclama solo irrigado para produzir. E a indústria -
dizem os economistas - tem fome de fibras longas. Se assim é, carecemos apenas

17 Perder o ferro - perder todo o rebanho por seca ou morrinha, não sobrando mais gado para ser
marcado.
18 "1559,1564, 1592, 1614, 1690-2, 1723-7, 1744-6, 1766, 1777-8, 1808-9, 1814, 1817, 1825-6, 1833,
1837, 1844-5, 1860, 1868-9, 1877-9, 1885, 1888-9, 1891-2, 1898, 1900, 1902-4, 1907-8, 1915, 1919, 1930-2,
1942-3, 1946, 1951-3, 1957 e 1958". (Até 1942, inclusive, Felipe Guerra - Secas do Nordeste.)
19 "Tanto nos oásis africanos como nas vazantes nordestinas, vamos encontrar a mesma textura
de culturas variadas num aproveitamento intensivo dessas limitadas zonas onde a água se apresenta
excepcionalmente. A mesma técnica de horta e de pomar, a mesma finalidade de poliagricultura de
sustentação". (Castro, Josué de - Geografia da fome).
20 "Quatro viagens anuais abasteciam suas dispensas: uma, de milho no Teixeira (PB); uma, de
feijão no Brejo (Esperança, PB); uma, de sal em Macau (RN) e a quarta, de rapadura, no Cariri do
Ceará." (Oswaldo Lamartine - Notas sobre a pobreza).
'1 Brocar - derrubar e queimar os matos para o plantio dos roçados.
" Bar, George W. - In Banco do Nordeste do Brasil (ETENE), Resultados da I e II reunião de
técnicos em algodão mocó.
," Mocó - roedor maior que uma cobaia e pouco menor que a cotia, da família dos Cavídeos (Ke-
rodon rupestris); é de cor cinza tendo os pelos em derredor do ânus, afogueados. Daí a comparação ser-
taneja para os indivíduos de cabelos avermelhados: "cabelo de fundo de mocó ... "

54
de que as estações experimentais não sejam capadas em suas verbas, para que
possam oferecer sementes selecionadas ao fomento e à engatinhante extensão agrí-
cola; e a esperança de que estas induzam o matuto a cultivá-!o segundo as reco-
mendações técnicas.
Na última guerra os gringos vieram cascavilhar os chãos e mostrar ao sertane-
jo os seixos de que carecia a indústria bélica. Nascia o garimpeiro, em plena caa-
tinga, e alguns saíram das catagens a céu-aberto e se enlocaram de chão adentro
no faro das veias de minérios. E em pouco se exportavam a scheelita, a tantalita e.
o berilo.

Mas a vocação histórica do sertanejo é o gado. Espremido em cercados reta-


lhados a cada herança, pendeu para uma pecuária serni-extensiva, "fazendo raça"
com as cruzas euro-zebuínas e passando a viver dos peitos das vacas. Em Caicó e
Currais Novosos recursos das vazantes dos rios e dos açudes fizeram aparecer uma
bacia leiteira que chega a acudir mesmo os mercados de fora".

"... destacando-se, nítidos, à meia luz dos crepúsculos, dão a ilusão emocionante de círios enormes,
fincados a esmo no solo, espalhados pelas chapadas, e acesos .. , "
(Os Sertões - Euclides da Cunha.)
Xiquexique (foto de Guaraci de Lavar)

24 V. RIBEIRO, José Assis - Indústria leiteira no Rio Grande do Norte, ' .. Bacia Leiteira do Rio
Grande do Norte, v. XI, nv 11, da Comissão Nacional de Pecuária do Leite.

55
4. Do chão, das chuvas e dos matos ...
O chão é enladeirado em serras pedregosas, cuja altitude média deve ficar,
pouco mais ou menos, em 250m. A nata da terra lambida pela erosão das águas e
dos ventos (de 2 a 20 km/hora) estanca, mais das vezes, na chá de algumas caatin-
gas ou nas várzeas dos rios; aí a terra é gorda, sílico-argilosa, profunda e tomada
pelas raízes do algodão mocó.
"É a região mais erodida do Nordeste; já não existe solo nas colinas e
as àruores e arbustos se localizam muito distanciados pela dificuldade de
enraizamento "25.
As chuvas são esparsas e mal distribuídas; 4 meses de molhado para 8 secos
- é o que Deus dá nos anos normais de inoerno": Mas, tão cedo caem as primei-
ras chuvas, a vegetação estoura em verde nos arbustos - a rama - e o chão se
atapeta de ervas e capins - a babugem. É o tempo da fartura em que o sertanejo
tira a barriga da miséria, melhora de carnes, cria sustância e, na força do feijão,
vai se fazendo crescer em natalidade ...
O Mapa Pluviométrico do Brasil registra a média (1914/1938) de 398.3 mm
para o posto de Currais Novos. A mediana simples, não acumulada, de 1912/1959,
para o mesmo posto (nov/mai), somou apenas 251.0 mm".
O mato é ralo, arbustivo, retorcido, um pé-de-pau aqui e outro acolá, predomi-
nando as cactáceas (xiquexique, cardeiro, facheiro e coroa de frade) e outros agrupa-
mentos xerófilos (faveleira, jurema, marmeleiro, imburana, catingueira, pinhão,
pereiro, puíba, etc.) de folhas caducas que caem durante os meses de estio, dei-
xando à mostra os esqueletos dos galhos.
* * *
Hoje o trabalho daquela gente, traduzido em números estatísticos, mostra
uma economia assentada no tripé: minérios, algodão mocó e gado.

25 DUQUE, J.G. - Solo e água no polígono das secas.


26 Inverno: no dizer sertanejo é o período das águas.
27 Informações pluviométricas selecionadas do poligono das secas em 1960.

56
AS COMIDAS E DE COMO AS GUARDAVAM

1. Da água

É de se imaginar que os primeiros marinheiros= que ali se situaram, ainda no


século XVII, assentaram seus currais e alevantaram suas moradas nas vizi-
nhanças de algum poço ou cacimba capaz de oferecer refrigério nos meses de seca.
E raros poços se formavam nas águas apartadas dos rios. A cacimba é que era e
ainda ~ cavada em suas areias - algumas fartas, capazes de despachar maior peso
de gado - outras mais ronceiras, obrigando o sertanejo a mudar, mais dias menos
dias, os paus de bebida'" até esbarrar no salãoê". Espiando melhor o solo e a vege-
tação ou mesmo em tentativas de aventura, cavoucavam cacimbas longe dos rios,
sem outro instrumento que o muque no cabo da alavanca, picareta e pá - palmo a
palmo - até dar nos veios de água da pedra-mole ou na desesperança da rocha
mais dura.

A água é que garante a fixação e do chão é que tinham de tirá-Ia para o gasto
dos homens e dos bichos, durante os oito meses de seca. E nem sempre era fina e
leve; algumas pesadas, salobras e turvas, parecendo mais, na cor, caldo-de-cana.
Ocasionalmente, quando algum serrote= ou algum lajedo apresentava maior cavi-
dade - o tanque - capaz de juntar as águas da chuva ou que para ele corriam -
era e ainda é, limpo, varrido e coberto, de modo a serem dali carregadas ou servi-
rem para, em derredor, lavar roupa.

28 Marinheiro - designa o sertanejo aos tipos louros e claros - reminiscência, provável, do portu-
guês colonizador.
29 Paus de bebida - tronco roliço, preferivelmente de carnaúba, colocado nas cacimbas limitando
a terra da "praça" da água, para que esta não se tolde com o pisoteio do gado quando ali bebe.
:)0 Salão - subsolo argiloso, duro e impermeável.
31 Serro te - pequena elevação pedregosa.

57
o açude veio depois, trazido pela ciência da outra banda do mar ou pela lição
de alguma grota, de ombreiras apertadas, onde algum cordão-de-pedra" fazia re-
presar as águas de um riacho.
Embora o Pe. Manoel de Jesus Borges, ainda em 1706, tenha requerido terras
nas ribeiras do Curimataú (Agreste paraibano, limites com o Rio Grande do Nor-
te) para fazer assudes aonde houver capacidade=, no Seridó, ao que parece, o mais
velho açude, de que temos notícias, é o do Recreio (Caicó), construí do em 1842.
Hoje é a região mais açudada do Nordeste e, no município de Caicó, contam os de
lá, na ponta do lápis, mais de mil barragens, entre grandes e pequenas. Em enque-
te que procedemos (dez/1958), somava o Seridó, entre barreiras, açudecos e açu-
des particulares (construídos sem auxílio do D~OCS) e capazes de guardar água
por mais de um ano, 694 unidades ...
Garantida a água, em poços ou cacimbas, para o homem e o gado, careciam
carregá-la para os gastos de casa o que, primitivamente, deve ter sido feito em re-
cipientes preparados com os recursos do lugar; borrachasê', ocos de imburana sec-
cionados, fechados em testo e as clássicas cabaças já de uso índio - grandes, pe-
quenas, compridas (marimbas I. redondas ou de-colo, usadas como cumbucas ou
serradas em cuias. Com o tempo e na tentativa de arremedar barris comprados na
"praça", é que se atreveram a fazer suas primeiras ancoretas" que presas, aos pa-
res, aos cabeçotes das cangalhas, fizeram do jumento o veículo-tanque daqueles
sertões.
A cerâmica local, paralelamente, contribuiu com a quartinha+, o pote e a jar-
ra. Esta, de maior capacidade, nas casas, apóia-se em forquilhas ou suportes - as
cantareiras. Louçeiro é chamado o artesão que manufatura as cerâmicas. E os há
afamados, feitores de louça fina, bem acabada, bem queimada e esfriadeira, i.é
reoedoro/", de vez que a evaporação da água na superfície exterior provoca maior
resfriamento no vaso.
Os cuidados de higiene eram rudimentares, como rude era e ainda é a vida por
aqueles mundos. A cacimba de beber - assim chamada a de uso das pessoas - é,
diariamente, esgotada, seca da água velha, e contida em uma armadura de tábuas
ou um pote perfurado com tampa também de madeira. Assim fazem, para os bi-
chos do mato e as criações nela não chafurdarem. Em casa, a água é coada na boca
do pote em um pano de algodãozinho e nela ainda alguns colocam pedaços de en-
xofre. Dizem que faz bem à saúde e impede a criação de martelos=í Os potes e jar-

32 Cordão-de-pedra - Formação rochosa, granítica, disposta em reta ou em forma de muro de ar-


rimo, transversalmente às "perna de corgo" ou riachos.
3:' GALVÁO, Hélio - Um precursor da açudagem.
34 Borracha - saco de couro para transportar água; odre.
:1õ Ancoreta - pequeno barril provido de alças que se conduz aos pares presos aos cabeçotes da
cangalha; há dois tipos de ancoretas: um com capacidade para uma lata (18 litros) e outro parã duas
:a.:as e meia. As cargas, em jumento, são arrumadas com 4 ou 2 ancoretas, de acordo com a capacidade
::a.5 mesmas. (Inf. de Pery Lamartine).
Quartinha - moringa, bilha.
?ó: f" - filtrar, deixar passar líquido.
_'.::-~,<~- ninfa de muriçoca (pernilongo):

l
ras são conservados tampados com um testo de tábua em a.ça: a caneca. neles
mergulhada para tirar água, costuma ser de flandres, provida de cc=-~;:~:éocabo e
tendo os bordos dentados para evitar que alguém, menos avisado. ne.a '.-ê::-~2aa be-
ber. Algumas canecas mais engenhosas tinham sistema de pipeta.
Quando a empreitada de algum trabalho em léguas dista da fonte cie a5-..:.a ::-~a
cabeça ou na borrachar? conduzem o líquido de que necessitam. 1\as diliger.c :a~
mais distantes, reclamando a ausência de alguns dias, a água era carregada err;
borrachões=, na carga de um animal, juntamente com a matalotagem da boca.
instrumentos de trabalho, rede de dormir, etc.
A água potável é para o sertanejo, mais que para outro vivente, uma constan-
te preocupação. Ainda hoje, quando após os intermináveis meses de estio, as pri-
meiras nuvens de inverno começam a fiar e a água a correr farta nas goteiras,
avexam-se em -lavadas as telhas pelas primeiras pancadas de chuva - arreba-
nhar todo o vasilhame de casa (jarras, potes, alguidares, latas, etc.) para guardar
água-de-chuva. Água boa, não só para os gastos de casa, como para bater" e alve-
jar a roupa encardida pelas águas pesadas dos meses de seca.
Os de maior posse constroem cistemas=; algumas com capacidade para tirar
toda a seca, i.é, abastecer a família no período de estio. São depósitos de alvenaria
impermeáveis e estanques para onde canalizam, por meio de calhas, a água dos te-
lhados. Mais raramente, e quando um lajedo sucede aflorar nas proximidades da
morada, fazendo carreira-dágua durante as chuvas, fazem um tanque de alvena-
ria, tampado, tendo na entrada um ralo ou tela de filtração e a saída em torneira.
Ali entesouram zelosamente a água de beber de que carecem para atravessar os
meses de seca.
2. Do gado
Está bem visto que os rumos do bicho-homem, como o de qualquer outro ani-
mal pelos chãos do mundo, são traçados pelo instinto de conservação de cada um,
que os leva à procura dos meios indispensáveis à sobrevivência - o abrigo, a água

39 "A água conduzia-se na borracha, saco de couro que a tornava fria e límpida; nome vindo do
português. Os indígenas amazônicos faziam-na com a seringa e daí denominar-se borracha ao látex da
seringueira". (CASCUDO, Luís da Câmara - História do Rio Grande do Norte). "Saco para carregar
água de uso universal. Segundo Teodoro Sampaio: mipibú - corrutela de mbi-pibú, o odre, o saco de
couro.r vulgarmente borracha" (CASCUDO, L.C. em n.t. de Viagens ao Nordeste do Brasil - Henry
Koster).
40 Borrachão - borracha grande, tendo a boca no meio, manufaturado de couro curtido (bovino),
tendo capacidade para, pouco mais ou menos, três latas dágua, ou sejam 60 litros. Era conduzido, aos
pares, em cargas de animais. Até 1905foi de uso comum prestando-se, inclusive, para conduzir mel-de-
furo dos engenhos do Brejo para o Sertâo (Inf. José Braz Galuão, Fz. Talhado, Acari, RN).
41 Bater - o mesmo que lavar a roupa; a expressão vem, provavelmente, do fato de as lavadeiras
ensaboarem a roupa e baterem-na de encontro a uma tábua ou laje no ato da lavagem.
42 "As cisternas eram muito numerosas da Palestina, visto como o povo dependia muito das águas

de chuva. Nas cidades construíam as cisternas nas torres dos muros que as encerravam. Também as fa-
ziam debaixo das casas e dos pátios internos para onde canalizavam as águas pluviais que desciam dos
telhados. Nos campos abertos, as bocas das cisternas eram cobertas com grande pedra e nos lugares de-
sertos, além da pedra, ainda a cobriam com terra para a esconderem melhor". (DAVIS, John D. - Di-
cionário da Bíblia).

59
e a comida - em lugares ou épocas do ano, quando mínguam os alimentos. Assim,
os recursos de conservação dos alimentos, a maior ou menor capacidade de
transportá-los e o local onde se resguardar do frio, da chuva ou do calor, é que
traça a geografia dos seus rastros.

É de se imaginar a fome dos que ali chegaram, naqueles sertões, em luta com
a canseira das léguas, a agressividade do meio e a brabeza do gentio. E mais difi-
cultosa que a jornada, deve ter sido a escolha dos logradouros onde alevantar os
primeiros currais, construir a primeira morada e fazer recursos para comer até a
pegada do outro inverno, i.é, com que atravessar os meses de seca.

Mais abundante era a caça, e os bichos do mato devem ter participado em


maior volume nas panelas dos nossos antepassados. O gado, por outro lado, ajuda-
va a garantir o sustento e a própria economia trancada naqueles ermos. Tempos
depois é que, pela maior parição e multiplicação dos rebanhos, tangeram seus bois
de ferro e sinal 43 para as feiras de gado mais próximas.

A natureza foi, é de se imaginar, quem apontou ao homem o jeito de fazer du-


rar mais, sem se estragar, as comidas de que carecia. Talvez frutos dessecados ou a
carne de bichos sepultados nos bancos" de sal - dizem os livros - é que abriram
os olhos do homem para o b-a bá da conservação dos alimentos.

Diferente das terras frias e geladas, onde a baixa temperatura ajuda o homem
a conservar seus recursos alimentares, as zonas áridas e semi-áridas oferecem
uma maior abundância de sol, vento e menor umidade atmosférica, concorrendo
assim para um elevado índice de evaporação e conseqüente maior presença do sal.

E coerente com a afirmativa de Semller - nos desertos é que devemos procu-


rar a solução para o deserto - o sertanejo seridoense, como o vivente de outros ser-
tões secos perdidos na geografia dos povos, tem se valido também do que é farto
por lá para fazer guardar suas comidas.
2 - a. Carnes

Antes do branco fazer morada nos sertões, já o gentio por ali vagava, e sentia
também - naturalmente em menor espaço de tempo, dada a sua economia mais
imediatista - a necessidade de guardar as sobras das suas caçadas e pescarias.

Ademais, escasso, é de se imaginar, ter sido o uso do sal pelas tribos do Seri-
dó", já que as terras lavadas pelo mar eram chãos dos tupis, i.é, potiguaras"'.

43 Boi de ferro e sinal - dizem do gado nascido e criado na própria fazenda.


44 Banco - camada de terra sedimentada.
45 "O fato de não usar o sal puro na alimentação não foi privativo de algumas de nossas tribos, de

vez que os habitantes de outras regiões do globo ingeriram os alimentos com a própria cinza, quando
não se serviam da própria urina e das fezes, no sentido de corrigir as falhas da alimentação deficiente
de sais". (SILVA, Walter - A alimentação dos selvagens brasileiros).
46 No Seridó e em ciganismo pelas vizinhanças, identificam-se os grupos línguo culturais: Tarairiú

I Genipapos, Canindés e Paiacus), Kariris e talvez os Ikós e Pegas.


A intensidade da vida física dos índios sob o sol daqueles sertões. esta :')E::-.
visto que os fazia beber mais água e sofrer maiores perdas orgânicas, gerando tOE::
de sal. Mas a freqüência de cacimbas salobras e a dieta mais carnívora ofereciam a
compensação reclamada. Também o trabalho de rastejar e identificar os pontos de
bebida, morada, dormida e comida da caça - provavelmente os fez esbarrar com
os lambedores ou barreiras de terra salitrada freqüentados pelos animais.

Parca, em vegetais, devia ser a alimentação deles. Alguns frutos da flora re-
gional (umbu, cardeiro, quixaba, catolé, carnaúba), batatas e farinhas, algumas
raízes (umbuzeiro) e até mesmo sementes como a da [aueleira'" - sem dúvida,
participaram do cardápio-índio. Raras verduras; talvez a beldroega e o manjongo-
me, pois, ainda hoje, o sertanejo diz que "não é lagarta prá comer folha" ... A carne
era o sustento maior, de vez que a alimentação vegetal caracteriza, na história do
bicho-homem, o amanho da terra e o conseqüente sedentarismo.

Lá uma vez perdida, quando em uma caçada mais feliz, conseguiam abater
carne capaz de fartá-los, ou o tinguijamento'" de algum poço deixava coalhada de
peixe toda a água - surgia o problema do sobejo da comida a preservar para o
amanhã. Recorriam, provavelmente, ao moquém, i.ê, numa grelha de varas à
moda jirau, erguida sobre um braseiro, faziam o peixe ou carne assar ou secar.
Era, ao que parece, uma variante de outros processos constantes na geografia cul-
tural do homem:

o comércio de peixe salgado e defumado já era feito no antigo Egito;


sabe-se também que muito antes de Cristo, os fenícios mandavam a Je-
rusalém peixes salgados e defumados. "49

Para o consumo mais imediato, cavavam um buraco no chão que era forrado
de pedras e folhas; nele colocavam a carne - temperada, e coberta do mesmo mo-
do: com uma camada de folhas, pedras e terra - acendendo sobre a cova uma fo-
gueira. Era o biaribi ou biaribu registrado pelos cronistas".

" Favela - Cnidoscolus phyllacanthus Pax & K. Hoffm. fam. Euforbiáceas. Produtora de óleo
alimentício e a farinha é rica em sais minerais e principalmente proteínas. V. SANTA ROSA, Jayme
- Oleo de favela.
48 Tinguijar - envenenar a água por intermédio de plantas tóxicas com o fito principal de matar
os peixes.
49 RIBEIRO, Paulo de Assis - Conservação da carne pela salga e dessecação.
"O Biaribu. ou barreado - "Tanto ameríndios como africanos conhecem esse processo. Os indíge-
nas do Maranhão chamavam-no biaribu "cozinhado em covas abertas com folhas verdes, lenha e fogo"
(Francisco de Paula Ribeiro, lndios do Maranhão, Rev. trimestral do Instituto Histórico Brasileiro, v.
IH, 190). O autor escrevia em 1819. Os negros da África equatorial preparam as melhores peças de caça
com essa forma. Os indígenas Sioux, do leste do Mississipe e Ohio, do grupo dos Assinoboines, entre o
Yellowstone River e o lago Winipeg, eram denominados Stoneboilers porque cozinhavam o alimento
em buracos cavados no solo e rodeados de pedras aquecidas". (CASCUDO, Luís da Câmara - Dicic-
nário do folclore brasileiro).

61
Botador d'água ou aguardeiro, como o chamam os livros do Sul- ancoretas que, presas aos pares aos
cabeçotes das cangalhas, fizeram do jumento o veículo-tanque daqueles mundos. (Entalhe de Chico
Santeiro em imburana. Coleção Escola Doméstica de Natal. Foto do autor).

o grosso do tempero era a pimenta" misturada com sal ou mesmo cinza e


condimentos picantes mais disponíveis. L.C. CASCUDO (Dicionário do folclore
brasileiro) registra:

"O uso geral da pimenta nas refeições de carne e peixe, sendo nestas
particularmente empregada a de "cheiro ", com molho forte, picante,
chamado de mulata, ou fraco, pouco ardente, chamado de viúva, vem
dos índios, do seu "Iquiataia", a pimenta seca ao sol, reduzida a pó, e
misturada com sal, como ainda se usa, porém pisada, misturadamente,
com farinha de mandioca, e assim, pulverizada no anguzo e no bobo (Pe-
reira da Costa - Vocabulário Pernambucano, 583)".

No ciganismo em que viviam, de chão-em-chão, no rumo das safras das frutas


do mato, da piracema, de melhores pastos de caça ou nas empreitadas guerreiras
- naturalmente careciam também, como o soldado de hoje, de conduzir a sua
ração de guerra. E o faziam em pequenos cestos, cumbucas ou mesmo com embi-

'>I Pimenta: "Quanto as nossas pimentas, continuam duvidosamente situadas na sistemática. As


pimentas, principalmente a malagueta, entre os aborígenes, fazem as vezes de sal. São americanas,
:akez do Brasil". (BRAGA, Renato - Plantas do Nordeste, especialmente do Ceará).
ras em folhas de plantas. Era a paçoca, ração de viagem ainda hoje :::::'&:5 a: z : ,,:_
do sertanejo seridoense. Tem os que agora o fazem pilando a carne-cie-s:. ~::::::.::.:-:-
nha de mandioca para melhor parelha com banana (preferivelmente <'1 ,,-,,:-:12 :.,,:.'"

leite), rapadura e queijo. O Dicionário do folclore brasileiro registra:

"Alimento que consiste, ordinariamente, numa mistura consenc c,:


carne seca e farinha de mandioca, ou milho, às vezes acrescida de rape-
dura. Foram os aborígenes que no-la forneceram. Paçoca: corropoçoca.
ger-supino de poçoc, esmigalhar à mão, desfiar, pilar, esfarinhar. Paçoca
é pois o desfiado, o pilado, o esfarinhado. É o alimento preparado com
carne-assada e farinha, piladas conjuntamente, constituindo isso uma es-
pécie de conserva, mui própria para as viagens do sertão (Th. Sampaio -
O tupi na geografia nacional, 253). A composição da paçoca não possui
unidade, bem como seu preparo, no todo do país. Num mesmo Estado,
pode a paçoca alterar de composição, conforme a região. Enquanto no
Sul da Bahia, p.ex., é feita de banana-da-terra com coco ralado, no Cen-
tro e no Norte passa a ser obtida da carne seca pilada com farinha e rapa-
dura, ou sem esta. Desigual também é entre os ameríndios. Bertoni veri-
fica: Passoká - farinha, mel e certas amêndoas assadas (Castanhas de
Bertholetia, noz de Pachira, amêndoas de palmeiras. ")
A paçoca de peixe tinha o nome de piracui e pouco diferia, em seu preparo, da
outra. O peixe era moqueado, seco, pilado e passado em urupemas (peneira vege-
tal), anota STRADELLI, E. - Vocabulário da língua geral. E adianta:
"... para ser posto em paneiros forrados de folhas de arromã, e ser
guardado no fumeiro. Preparado desta forma o peixe se conserva por
muito tempo, e serve especialmente, nas viagens escoteiras por terra, em
que não há tempo a perder. As qualidades do peixe que melhor se pres-
tam para fazer o piracui são os peixes de escama; e entre eles os de médio
tamanho, pouco importando as espinhas, mas devendo-se escolher de
preferência o que não for muito gordo. As espinhas que não ficam pulveri-
zadas no pilão, ficam na peneira. A gordura torna rapidamente rançosa a
farinha".
Carne pilada com farinha e pimenta, queijo ou rapadura - preparada de um
jeito ou de outro, paçoca de carne ou o piracuí - paçoca de peixe - constituíram as
rações de guerra dos caboclos brabos que pelos sertões vagavam. Arremedaram-nos os
vaqueiros, conduzindo-as aos alforjes quando tinham de dar campo mais
longe de casa; também os comboieiros nas suas jornadas pelos caminhos da caa-
tinga e mais tarde os viajantes dali ou que por ali passaram. Até o tocaieiro,
marchante-de-gente que empreitava vidas e fazia chorar viúvas. Daí, naturalmen-
te, a expressão em voga naquelas bibocas: " ... 'stá lambendo uma rapadura", i.e,
na espreita, espera, tocaia, onde se deixavam ficar horas e dias aguardando a pas-
sagem da caça - bicho do mato ou mesmo do bicho-homem ...
A carne de charque, conhecida no sertão por jabá ou carne do Ceará, já nos
derradeiros anos do século XVII, era industrializada no Norte do Ceará (Camocim
e Aracati) e nas ribeiras do Açu - Oficinas - lugarejo lavado do mapa pelas en-

63
chentes de 1924 52. Hoje, viajada do Sul, remedeia lá uma vez perdida a panela
sertaneja. Porque em preço por preço é a came-de-sol= a comida rica, sadia, de
todo-o-dia e que dá sustância àquela gente. Carne-de-sol é parelha para todo o
cardápio deles; é carne de viagem, carne de paçoca, mistura preferida para ser
comida de permeio com coalhada, pirão, farinha, canjicão, arroz, feijão ou queijo.
O Lunário não diz54 mas, tenho para mim, que o processo de conservação da
carne pelo sol, sal e vento - é artimanha comum à grande parte dos viventes das
terras secas, fartas de sol e de menor umidade atmosférica. E tanto assim é que, C.
SANZ ENGANA (Enciclopedia de Ia carne), citando Obermaier, faz observar:
"No hay que olvidar que Ia carne puede ser conservada mucho tiempo
por medio de una carbonización superficial o ahumándola. Esta conser-
vación se conseguia también enterrando Ia en ceniza caliente e secándola
ai aire. "
E por certo o marinheiro da península aprendeu dos mouros'" e para aqui
trouxe a maneira de fazer carne-de-sol de vez que por lá também a fazem e co-
mem:
"Dantin Cereceda informa que na meseta espanhola se usa muito a
carne de vaca secada ao sol, chamada de tasajo. "56
Os primeiros cronistas, que pelos sertões andaram, dela dão notícias.
François Pyrard de Laval, em 1610, na cidade do Salvador, encontrou "carne-de-
sol exposta à venda, com grande consumo local"?". Maria Graham, na mesma ci-
dade, em 1812, conta que os escravos comiam carne-seca com pirão de mandioca.
Spix e Martius, em 1810, nos sertões da Bahia, viram o povo se alimentando de
carne-seca, ervas e onde havia carne e requeijão, leite e imbuzada'".
Da conversa que tivemos com os mais velhos, parece que o processo de sua
preparação ainda é o mesmo dos nossos tataravós.
Em princípio é sabido que só o gado em boas carnes ou gordo dá carne-de-sol
de melhor qualidade. Daí a expressão para designar uma rês gorda: " ... está de
carne seca", i. é, em condições de ser abatida para esse fim.
Francisco Lins de Oliveira, seridoense, quarentão, filho de vaqueiro e criado
em riba de uma sela, hoje, vaqueiro na Fz Lagoa Nova (São Paulo do Potengi, RN)
e José Braz Galvão, setentão, proprietário da Fz. Talhado (Acari, RN) - nos ex-

r"~ "Um cearense, José Pinto Martins, fundou em 1780o primeiro estabelecimento para fabricação
de carne-do-Ceará no Rio Grande do Sul, uma légua da foz do Rio Pelotas, na sua margem direita".
(L.C. CASCUDO - Dicionário do folclore brasileiro) .
.,,' Também conhecida como carne-seca, de vento ou carne do sertão.
G' Lunário Perpétuo - almanaque que representou para o sertanejo, até bem pouco tempo, verda-
deiro breviário de consulta. De uns tempos para cá o Almanaque do Pensamento passou a constituir o
livro de maior tiragem e popularidade da nossa gente.
f,r, "Los árabes y marroquies preparan Ia kodyd o khlia, com carne de vacuno desecada y depués
adobada; otros pueblos africanos del Sur y del Oeste preparan el bültong como alimento de guerra,
para viajes o caza". (ENGANA, C. Sanz - Enciclopedia de Ia carne) .
.'6 La alimentación espafíola, 1934. In CASTRO, Josué - Geografia da fome.
S7 CASCUDO, L. C - Uicionário do folclore brasileiro.
;; LIMA, Jamile Japur T. de - Notas de estudo sobre alimentação no Brasil.
plicaram, tim-tim por tim-tim, de como se procede na preparação da carne-de-sol.
E disseram por aqui assim:
a) A rês é morta a bala (com um tiro no redemoinho da testa), machado,
marreta ou chuçada no cabelouro'" sendo, logo em seguida, sangrada.
b) Risca-se, pela barriga, o esquadrejamento para tirar o couro. O fato (vísce-
ras) é retirado logo - diligência necessária para a carne ficar cheirosa. Completa-
se a tiragem do couro.
c) Rola-se (aparta-se) na altura da costela-miruiinhai? - ficando esta para o
lado dos quartos e separam-se os quartos na altura da inserção da cauda.
Penduram-se em um brabo ou trave as duas bandas dos quartos.

d) Inicia-se o despencar" da carne. A partir da costela-mindinha, no rumo do


quarto, cada lado tem as seguintes mantas: costela-mindinha, chã de dentro (on-
de se localiza o filé; quando seca é a melhor carne de paçoca), chá de fora ou chan-
danca (abrev. de chã da anca; ótima para assar) e patim.
e) O quarto dianteiro, em cada um dos seus lados, permite despencar de 4 a 5
mantas - de acordo com o tamanho da rês. Denominam-se: lombo de cernelha
(pronunciam sarnelha; muito boa para assar, quando gorda), posta-gorda, peito,
pescoço e pá. No gado mais movido= a manta do lombo da cernelha é tirada junto
com a posta-gorda.
f) Quando a carne dos quartos traseiros é muito espessa ou gorda, costu-
mam desdobrá-Ia em duas camadas mais finas, de 3 a 4 em, que se mantém uni-
das por uma das margens.
g) Despencada a carne é, em seguida, golpeada nas pertes mais grossas - ao
correr da manta - e salgada com sal fino. Para uma rês de 10 arrobas= são neces-
sários de 25 a 30 k de sal.
h) Feito isso, as mantas são empilhadas, sobrepostas, na sombra - em local
ventilado. Só depois que toma o sal, i. é., que o mesmo se derrete - são levadas ao
sol e estendidas em varões ou arames, mantendo-se a parte mais gorda para o lado
de cima. Essa operação é feita nas primeiras horas da manhã de vez que o gado é

59 Cabelouro -ligamento nervoso da nuca. Quando cozido é de cor amarela.A superstição manda
que se coma o cabelouro lembrando a fisionomia de uma pessoa bonita, receita infalível para ficar pa-
recido com a mesma.
60 Costela-mindinha - a costela menor; a última das costelas flutuantes.
61 Despencar - dessecar, separar por camadas.
62 Movido - raquítico, atrofiado, pequeno, morto na cuia - com alusão a rês que, em bezerro,
não teve oportunidade de mamar o suficiente para se desenvolver.
6;1 Arroba - a arroba de carne no Seridó corresponde a 16 k e no Agreste do Rio Grande do Nor-
te, a 15 k. Também a arroba de algodão difere de uma região para outra; assim é que no Seridó pesa
16 k e no Agreste (RN), 20 k.

65
sempre abatido ainda com escuro. Com 1/2 dia de sol, de superfície já queimada
seca), a manta é virada com a parte gorda para baixo, permanecendo no estaleiro
I.

até as primeiras horas da noite, quando é de novo empilhada para voltar a ser
estendida na manhã seguinte. Esta operação é repetida por 3 a 4 dias - depen-
dendo da intensidade do sol e do vento. A carne está pronta para o mercado quan-
do bem enxuta e antes de ficar quebradiça.
i) Durante o tempo em que a carne está no estaleiro é preciso botar sentido"
por causa dos urubus ou mesmo cachorros vadios. Para isso, mais de vezes, os
marchantes criam cachorros, já ensinados para esse serviço, que são verdadeiros
sentinelas contra outros cães, gente ou bichos.

j) Mais para trás, contam os mais velhos, quando o fazendeiro ainda não ti-
nha o hábito nem as facilidades de transporte que lhe permitiam o abastecimento
semanal nas feiras das "ruas" sertanejas - matavam antes do cair das carnes",
para comer até a pegada do inverno vindouro. A carne depois de preparada, como
ainda hoje se faz, era empilhada em caixotes ou malas de couro, em camadas
sobrepostas, entremeadas de sal, ficando as faces gorda com gorda e carne com
carne. Assim estocadas duravam por todos os meses de seca. Quanto às de hoje,
dado o consumo mais imediato, suportam bem de um a dois meses.
k) De maior importância na preparação da carne-de-sol é que a rês a ser aba-
tida não esteja aperreada'", Quando isso acontece, a despeito do sal e do sol, a car-
ne se deteriora com 1 a 2 dias e o seu consumo provoca violento xiriri", Dizem ain-
da os marchantes que a rês fêmea aperreia-se com mais facilidade que o macho.
1) As mantas melhores, da preferência sertaneja, são as traseiras: patim, chã
de fora ou chandanca e chã de dentro. Daí serem vendidas por melhor preço. Nas
reses cevadas o lombo da cernelha também é considerada carne de primeira.

m) A carne de criação ou miunço'", após a tiragem do couro e do fato, é pen-


durada, golpeada e salgada sem desossar. Recebe sereno por uns dois dias e sol, po-
dendo se conservar em boas condições para/ o consumo de um a dois meses. Dois a
três quilos de sal são necessários para uma criação adulta.
A carne, enfardada em esteiras de carnaúba, era conduzida em lombo de bur-
ro para as feiras de maior consumo. OTONIEL MENEZES - Sertão de espinho e
de flor ---'-anotando de como viviam naqueles tempos, escreve:

. ':'. "A carne-de-sol, mesmo que esteja mofada, readquire o aroma


pnm~two, ~ua~d? enrolada, durante algumas horas, em folhas de mar-
meleiro. FOL pratica proverbial de muitos "marchantes" que, ao tempo

64 Botar sentido - vigiar, cuidar, p~storar, prestar atenção.


6:' Cair das carnes - emagrecer.
'6 Aperreada - no sentido nordestino de agitada, afobada, agoniada, assanhada.
i-: Xiriri - o mesmo que chega-e-vira, descansar, destemperar, vazar-se, desaguar, disenteria .
. ;:"" :'e piriri,
_---:~_::- o mesmo que miunça; caprinos e ovinos.

L
do tráfego em comboios (5 a 6 dias de marcha, do Seridó a Natal), tra-
ziam o produto às feiras do agreste,"
Hoje as rodagens se estiram pelas caatingas de todos aqueles municipios,
criando um novo tipo de negociantes - os que se aieiram'" atacando, vendendo ou
retalhando a mercadoria carreada pelo pé redondo e mais ligeiro do caminhão,

Dê-se por vista que em qualquer feira sertaneja das mais fortes não e difícil
anotar placas de caminhões de ribeiras mais distantes e até dos Estados vizinhos.
E a estirada de caminhos do Seridó a Natal que os comboios de ontem levavam cin-
co, seis ou mais dias - hoje é engulida em 6 ou 8 horas. É o caminhão ou misto ~,
carregando cargas e costumes de outras terras, com suas sentenças de para-
choque, cores berrantes e um mais berrante rádio, ensinando e desensinando, ou a
música mais autêntica de uma asa-branca ou Maria Júlia arrancada da buzina de
sete gaitas?'.
Da carne de porco pura, temperada ou misturada com outras, também fa-
ziam e ainda fazem por lá a lingüiça. Atividade caseira que pouco ou nada varia
das usanças de outras ribeiras. Talvez, de tudo, valha lembrar apenas a originali-
dade do apelido de espeto-de-virar-tripa dado às pessoas lazarinas, i. é., magras e
altas, em alusão à vareta usada para esse fim na manufatura da lingüiça ...

2- b. Leite

E muitos, por aquelas bibocas, vivem dos peitos das vacas. Em menor núme-
ro, delas também fazem diligências para viver, os que não criam gado, mas são
queijeiros profissionais. É que de posse de uma desnatadeira, compram leite por
ali em derredor, desnatam, vendem a nata para os centros consumidores de mer-
cado mais forte (Natal, RN; Campina Grande, PB e Recife, PE) e fazem do leite
desnatado o queijo magro.

A maior fome do mercado e a popularização da desnatadeira nos dias de hoje


deu lugar a que a quase totalidade da fabricação queijeira do Seridó seja manufa-
turada com leite desnatado. Produzem, assim, um queijo magro para o consumo
mais imediato. O queijo-de-manteiga gordo, de miolo - coração de negro como
era chamado - capaz de aturar facilmente dois anos, guardado em jiraus, alisado
de tempos em tempos, comida rica e tempero melhor de feijão - ficou para trás e
hoje é artigo de encomenda e encomenda de maior preço.
Os queijos destinados ao comércio são, mais das vezes, marcados no cascão
com o mesmo ferro da fazenda que se usa no gado. É a "marca registrada" dos de
maior fama ...
As receitas aqui transcritas nos foram fornecidas por Pery Lamartine (Hy-
pérides), filho, neto e bisneto dos Gorgônio da Timbaúba (Caicó, RN) - onde ge-

69 Afeirar - negociar de feira em feira.


70 Misto - caminhão de 2 ou 3 boléias para conduzir passageiros.
71 Ver VILAÇA, Marcos Vinícios - Em torno da sociologia do caminhão.

67
rações se criaram nas lides do pastoreio, ao redor de um tacho, fazendo queijo para
guardar e, mais recentemente, para os mercados da praça.
A tradição e a fama do queijo-de-manteiga, correndo de ribeira em ribeira, fez
com que fosse também apelidado de queijo do Seridó ou do sertão. A receita diz
que, por lá, fazem-no assim:
"a) Deposita-se o leite cru, recém-ordenhado, em vasilhas de barro para coa-
lhar pelo processo natural - o que leva de 8 a 10 horas;
b) a coalhada assim obtida é colocada em um saco de algodãozinho e pendu-
rada durante umas três horas a mais, a fim de escorrer o soro;
c) a coalhada-escorrida é depositada em um tacho e batida até atingir uma
consistência pastosa;
d) a ela se faz juntar leite cru, em proporções adequadas, mexendo-se conti-
nuadamente para que solte o creme-espumoso que bóia e é recolhido com uma
cuia para depois ser apurado no fogo e transformar-se em manteiga líquida;
e) a mistura da coalhada-batida com o leite é levada ao fogo brando para
"juntar", ao mesmo tempo que se recolhe o creme que sobe na superfície líquida;
f) quando a coalhada "junta", toma a consistência de massa de pão e separa-
se num todo da mistura de leite cru e coalhada - restando no tacho um líquido es-
verdeado, soro-de-queijo, do qual mais tarde é retirada toda a gordura para a
fabricação da manteiga (juntamente com o creme citado nos itens d e e.);
g) a coalhada "junta" é retirada do fogo, com ajuda de uma cuia e botada
para escorrer em uma urupema que cobre a boca de um alguidar grande;
h) depois de escorrida espreme-se, manualmente, e separa-se a coalhada em
pedaços para ser salgada, a gosto do fabricante;
i) é, em seguida, esquentada a fogo-brando, na manteiga, onde permanece
até virar uma massa uniforme, de coloração própria, sendo no tacho deixada a fim
de receber uma boa fervura para que fique cozinhada por igual;
j) retirada do fogo é colocada nos cinchos, operação feita com ajuda de peque-
nas cuias; no cincho é deixada ficar pelo menos uns dois dias, quando consistente e
indeformável (já queijo), é retirado e consertado com ferro quente - para criar
cascão e tomar boa aparência. "72
Explica a receita que uma lata (18 litros) de leite cru dá 1/4 de coalhada-
escorrida que carece de 1/2 lata de leite cru para "juntar" e mais uma garrafa de
manteiga (tamanho cerveja) para cozinhar - produzindo, essas ditas medidas,
por volta de uns 2 1/2 k de queijo de manteiga.
Nas fazendas é num cômodo anexo à casa-grande ou à casa do vaqueiro - co-
zinha de queijo - que se cuida de sua fabricação. Geralmente coberta de telhas,

.- I:'.:·'Jrmaçõestécnicas sobre o processo de fabricação generalizado no Nordeste, podem ser co-


~=-
:::: o RIBEIRO, José Assis. "15. Queijos fundidos, b) Requeijão do sertão". In: Fabricação de
de chão acimentado ou de barro-batido e de paredes corr, espaços §.Taóeadospara a
saída da fumaça - ali fazem guardar, além de jarras CG:::::' 8.§:"'':'ii para 8.:; diferentes
lavagens, toda a catreoage'? usada na luta:' de queijo:
"Alguidar - depósito de barro cozido, de boca larga. C'Lo::" :&Z"::-. &_;·..:.,,:a~ a
urupema. Tem diferentes utilidades, razão por que sempre d:::,pl~e=-. c:e C:::::,
três, de tamanhos diversos. Serve para receber o soro do queijo, da c:5..::&c:&. ar-
mazenar borra, etc.
Batedeira ou palheta - peça de madeira, em forma de pequeno remo. que se
destina a bater a coalhada e a borra.
Caneca - depósito de folha de flandres, com capacidade de 3 a 5 litros.
Cincho - forma usualmente desmontável, de madeira e formato variável.
onde se coloca o queijo fresco ainda quente e pastoso para esfriar e tomar consis-
tência.
Colher de pau - colher de madeira de proporções avantajadas (1,60m pouco
mais ou menos), usada para mexer o queijo quando no fogo.
Cuia - metade de uma cabaça, serrada no sentido longitudinal. Utilizada na
manipulação da coalhada, do queijo quente e também à guisa de caneco.
Ferro de consertar ou de queijo - é um ferro de engomar, do tipo antigo que
não dispõe de depósito de brasa; esquenta por irradiação e é usado para consertar
os queijos, i. é, corrigir pequenas deformações, dando-lhes melhor aparência e
maior resistência no transporte.
Jirau - estrado de madeira, confeccionado com ripas largas, fixadas em pa-
ralela, onde são armazenados os queijos. Geralmente são localizados nas cozinhas
ou dispensas. Quando de menor tamanho, são pendurados nos caibros com arame
e protetores de lata ou cuias contra a passagem dos ratos. Os mais avantajados são
montados sobre pés que repousam no solo.
Lata - depósito para leite feito de uma lata de gás (querosene) sem o testo
superior. Tem capacidade de 18 litros.
Legre - raspador de tacho, à moda faca, de lâmina de aço recurvado em 90".
Var. de legra.
Pano de cincho - peça de algodãozinho, retangular, que serve para forrar o
cincho sobre a tábua.
Pano da leite - peça de algodãozinho branco, costurada em forma de funil,
destinado a coar o leite.
Relho - peça de corda ou de couro-cru, que se prende aos caibros das telhas
ou a um galho de árvore a fim de pendurar o saco de coalhada quando é posta a es-
correr.
Saco da coalhada - saco de algodãozinho branco onde se bota a coalhada a
escorrer.

Catreuage - utensílios, objetos diversos.


" Luta - atividade, afazer.

69
Ancoretas de zinco com testos de madeira. Feira de Currais
Novos, RN (Foto do autor).

Tábua do cincho - prancha de madeira onde se faz assentar o cincho.


Tacho - preferivelmente de cobre ou ferro; usado para levar o queijo ao fogo.
Trempe - três pedras grandes (de pouco mais ou menos uma arroba, cada),
com boa sentada, dispostas em forma triangular, onde repousa o tacho. De uns
tempos para cá tem aparecido um tipo de forno apropriado que substitui com van-
tagem a trempe.
Urupema - peneira de taquara ou fibras vegetais onde é colocada a coalhada
"junta" para espremer e escorrer o soro".
Observa ainda o informante que o aparecimento da desnatadeira é que fez
surgir o queijo-magro. A fabricação deste obedece a mesma seqüência dada,
empregando-se em todas as fases, o leite desnatado. Quando bem fabricado tem o
mesmo sabor do queijo-gordo mas resseca muito depressa não servindo por isso
para guardar.
Queijo~de-coalho - é, naqueles sertões, feito mais pelos que dispõem de me-
nor quantidade de leite - pequenos proprietários, vaqueiros de cabra e morado-
res. Daí o tamanho mais minguado que apresentam (200 a 500g) e também por as-
sim oferecerem maior facilidade de manufatura.
Utilizam sempre o leite de vaca ou de cabra e, lá uma vez perdida, o de ove-
lhas, de vez que, por lá, não se costuma ordenhá-Ias. Quando feito de leite de

70
cabra oi; C\·:<:-..", c:.:fere em sabor, no que é mais s.precac.c -;=.~~.:-.Õ :: ~~: .:õ::.'
outros.

É o (r~eijo-de-coalho de consumo mais imediato, de V8;.,; C:l~'- :e:l,=>:" G __ ~~_

dureciclo 8. medida que vai ficando velho. .

Talvez o fato de fazerem o leite coalhar artificialmente explique o nome (er::·.


cue e conhecido. O coalho 75/mais apreciado é o do mocó (Kerodon rupestris i q~?
conservam salgado, preso por um cordão a um caibro ou ripa que recebe a fumaça
=~o fogão. Na falta desse - já rareado pela dizimação da fauna cinegética local-
recorrem ao do preá (Caoia aperea) ou mesmo a um pedaço de estômago de um ru-
minante (cabra ou ovelha).

Pery Lamartine, ainda desta vez, é quem nos manda dizer das diferentes eta-
pas da fabricação caseira do queijo-de-coalho:

"a) Mergulha-se o coalho nágua para fazer o soro-de-coalho;

b) bota-se o leite cru, recém-ordenhado, numa vasilha e despeja-se nele o


soro-de-coalho (1 copo para 1/2 lata de leite);

c) deixa-se o leite em repouso e 1 a 2 h depois está coalhado;

d) espera-se mais algum tempo a fim do soro ficar bem separado da coalhada
e com uma concha de cozinha retira-se o soro;

e) coloca-se a coalhada no cincho, em camadas finas, entremeadas de sal fino;

f) cobre-se o cincho com um pano e espreme-se a coalhada com as mãos, por


cima do pano para fazer sair o soro restante;
g) depois de bem espremida, já com consistência de queijo, retira-se cuidado-
samente do cincho e despeja-se sobre ela soro quente ou água fervendo;

h) o queijo é deixado sobre uma tábua, polvilhado de sal;


i) passadas algumas horas, vira-se o queijo para que enxugue por igual e
repete-se a viragem, diariamente, de modo a ganhar boa aparência e perder o ex-
cesso de umidade."

A introdução da desnatadeira fez aparecer, paralelamente, as prensas mecâni-


cas, de madeira, e de manufatura local. Passaram assim a fabricar também quei-
jo-de-coalho de-leite desnatado, de qualidade bem inferior aos que faziam antiga-
mente; apenas mais graúdos, já que são expremidos com mais muque pela pren-
sa ...

75 Coalho - para o seridoense é o estômago dos roedores silvestres mocó ou preá, ou mesmo um
fragmento deste órgão retirado da ovelha ou da cabra. É usado para fazer coalhar o leite.

71
2 - c. Gorduras

Manteiga do sertão - também conhecida por manteiga de garrafa." foi, até a


popularização da desnatadeira, a manteiga mais usada por lá. Bem fabricada e
guardada em lugar fresco, dura, sem receio, de um ano para outro. Foi e ainda é
tempero rico e preferido para o feijão-verde, feijão-de-corda, farofa, bolacha frita,
etc.

É de se imaginar que, pelo fato de ser guardada em garrafas, tomou esse no-
me. Para o consumo doméstico, usam mesmo a garrafa de cerveja que também fa-
cilita o controle das proporções na fabricação do queijo. Para comércio, são prefe-
ridas as garrafas incolores que dão melhor aparência e permitem verificar a trans-
parência e a coloração do produto.
O informante, Pery Lamartine, diz que "é conseguida através da fervura do
soro-de-queijo que sob ação do calor faz soltar uma espuma; recolhida a mesma
com uma cuia, é posteriormente levada ao fogo para apurar. Esta última operação
é demorada pois requer toda' atenção a fim de evitar que o produto fique com gosto
de queimado. No final, resta no fundo do tacho a manteiga líquida e a borra que
são separadas através de um pano. A presente operação tem a seguinte rotina:

a) Toma-se o soro-de-queijo (v. item f da fabricação do queijo-de-manteiga)


e leva-se ao fogo forte, no tacho, até a fervura.
b) No correr da fervura, com ajuda de uma cuia, colhe-se toda a espuma que
sobe à superfície e junta-se a mesma em uma lata; o soro permanece no fogo en-
quanto soltar espuma.

c) A espuma recolhida é posta no tacho e levada ao fogo brando para apurar.


A ela se faz juntar o creme-espumoso (colhido conforme o item d da fabricação do
queijo-de-manteiga) e também o creme da borra-batida (item b e c atrás citados).
d) A apuração da manteiga leva nada menos de 2 h, devendo em toda ela
permanecer uma pessoa mexendo, a fim de evitar "pegar", i. é, tomar gosto de
queimado.
e) À medida que a fervura se intensifica, vai aparecendo a manteiga na mas-
sa líquida que por si se separa da borra; a permanência ao fogo é de mais ou menos
2 h e se prolonga até a coloração da borra se apresentar escura ou quando se res-
pinga no fogo a manteiga e esta não produz mais estouro.

76 "O Dr. Thompson informa que nem os antigos nem os modernos orientais preparam a manteiga
conforme o nosso modo. A manteiga que Jael deu a Sísara era leite azedo, que os árabes chamam leben.
A manteiga de que fala o Pv 30, 33, é produzida da seguinte forma: enche-se de leite a pele de um pe-
queno búfalo, previamente preparada para servir de vasilha, ou odre, que as mulheres agitam até que o
:e:te se converta em manteiga. Depois, tira-se o conteúdo que vai ao fogo para cozinhar ou derreter, e
c:.·..:e novamente se recolhe em outras vasilhas, feitas de pele de cabrito. No inverno tem a aparência de
:::'f: crist alizado, e no verão parece óleo. A versão brasileira traduz leite azedo e coalhada nas seguintes
;:=_"a~ens: Gn 18, 8, leite azedo; Dt 32,14, coalhada; e em Is 7, 15, 22, manteiga". (DAVIS, John D.-
= .::::-.=-~:'J da Bíblia).
f) Ao atingir o ponto, retira-se do fogo e co.oca-se c tacr.o EIT.pcsicào inclina-
da para facilitar a coleta da manteiga. Esta é feita COITo a'':L~:: C.E'.:~a concha e
diretamente coada e engarrafada.
g) As garrafas devem permanecer destampadas ate que a r=.a::-o:e:;aesrr;e.
Mal apurada, coagula nas garrafas ao esfriar, reclamando qUEseja aC!'':êC:C."
para
ser retirada. A manteiga ordinária, rançosa ou "pegada" (queimada nà: C.ê-;E: 5E:r
usada na fabricação do queijo pois a ele transmite aquele sabor.
h) A borra que sobra no tacho é armazenada em depósitos de barro pequeno I

alguidar) e, posteriormente, voltará a ser apurada, conforme o item c deste cap.tu-


10."
Acrescenta ainda o informante que, na época da pastagem madura, quando o
leite apresentar maior teor gorduroso, um queijo que gasta na sua manufatura
duas garrafas de manteiga, devolve três.
E diz: "A borra é o resíduo que sobra da manteiga depois de apurada. Tem
aspecto de cera de abelha ordinária, embora apresente cheiro e sabor agradável e
característico" .
Na luta do queijo, a borra vai sendo juntada diariamente em vasilha de barro,
para depois ser submetida a um tratamento próprio, a fim de soltar a manteiga
que nela esteja entranhada. Para isso, usam-se dois processos:
"Bater a borra - é colocada em um alguidar e mexida com a palheta, demo-
radamente, juntando-se um pouco de soro-de-queijo para melhor amolecer. De-
pois de bem batida é lavada com água limpa para separar as impurezas; resta um
creme-espumoso (semelhante ao citado no item d da fabricação de queijo-de-
manteiga) que é apurado ao fogo, conforme item c da manteiga do sertão."
"Dissolução da borra - o soro-de-queijo obtido, conforme item f da fabri-
cação do queijo-de-manteiga, é posto ainda quente no tacho e, com o auxílio das
mãos, vai-se desmanchando nele as pequenas quantidades da borra. É logo depois
levado ao fogo e, a partir daí, procede-se como no item b (manteiga do sertão)."
Todas as sobras da fabricação dos queijos ou manteiga são deixadas a esfriar
em depósitos de maior capacidade, e empregadas como ração de engorda para os
porcos.
Também do cabeça-baixa ou, com a licença da palavra - porco - guarda-
vam o toucinho??oE o faziam em potes, mergulhado em uma solução de vinagre,
pimenta do reino, cominho, alho e sal?",

77 Informação de Pedro Ourives.


7R "A pimenta do reino (Pipper nigrum Linn., fam. Piperáceas) é originária do arquipélago indo-
malaio e foi introduzi da no Brasil no tempo de D. João VI". (BRAGA, Renato - Plantas do Nordeste,
especialmente do Ceará). Os demais condimentos já eram de uso dos povos bíblicos: "ALHO (Ailium
sativum Linn., fam. Liliáceas) os egípcios comiam-no sempre, e os israelitas também se habituaram a
ele, durante o cativeiro. Heród. 2. 125; Nm. 11.5. CEBOLA (Allium cepa Linn., fam. Liliáceas; os
hebreus chamam de besel e os árabes de basal; cultivada desde muito no Egito e em várias partes do
Oriente. Nm. 11. 5; Heród. 2. 125. COMINHO (Cominum cyminum Linn., fam. Umbelíferas) do
hebráico kammoum e do arábico kammum; planta que se cultiva pelas sementes e quando madura
bate-se com vara para separar-lhe as sementes. Is, 28. 25; era uma das miudezas de que os fariseus pa-
gavam os dízimos. Mt. 23.23". (DAVIS, D. John - Dicionário da Bíblia),

73
2 - d. Sangue

Poucas sobremesas são servidas na mesa sertaneja. Uma das mais ricas e de
maior sustância é o chouriço - que fazem à moda de doce com sangue de suíno e
comem, de preferência, com farinha seca.

"... Uma receita secular de chouriço, documento de familia do autor,


vai aqui transcrita para indicar uma das mais velhas e deliciosas sobre-
mesas de outrora: uma tigela de farinha de mandioca peneirada e outra
tigela contendo os seguintes temperos: erva-doce, pimenta-da-reino
(bem pilada em almofariz), um pouco de gengibre pisado com um pou-
quinho de farinha, cravo pilado, castanha assada de caju (bem seca), ger-
gelim pisado com um pouco de farinha e tudo passado na peneira, junto
tudo e misturado numa tigela. Faz-se o mel da rapadura, esfria-se e
mistura-se no fogo brando com sangue de porco, até ferver, mexendo-se
com colher de pau para não encaroçar. Depois de bem fervido, coa-se e
adiciona-se à farinha e aos temperos. Depois cai-se despejando deuagar a
banha derretida de porco e mexendo-se sem parar em fogo esperto, para
que fique a mistura perfeita. O chouriço só está no ponto de tirar quando
se vai despregando do tacho deixando o fundo da uasilha limpo. Demora
umas duas horas. Enfeita-se com castanhas inteiras e come-se frio, com
farinha bem fria". (L. C. CASCUDO - Dicionário do folclore brasileiro).

3. Das sementes"
É de se imaginar que os cuidados de conservação das sementes se intensifica-
ram quando o seridoense cuidou em brocar as várzeas para situar suas primeiras
lavouras, de vez que nas primeiras eras do pastoreio a agricultura se limitava a um
pequeno cercado de onde comer oerde'" no inverno.

Com a cultura do algodão surgiram os primeiros moradores (parceiro agricul ..


tor), menos remediados, e trabalhando de meui" numa terra onde a irregularidade
das chuvas ainda é a maior lição de poupança. Também, de princípio, os roçados
eram menores, pois puxando cobra p'ros péSB2 não podiam dar conta de maior área
que, só mais tarde, a capinadeira de tração animal, e já hoje o ronco de alguns tra.
teres, fez ampliar.

79 Semente na designação regional, é o caroço de planta usado para a formação de novas culturas.
"O Comer verde - enriquecer o cardápio sertanejo de verduras: feijão e milho verde, maxixe, to-
mate miúdo e bredo manjongome.
81 A meia, na grande maioria das fazendas do Seridó, difere da parceria praticada em outras re-
giões do país. Ali o proprietário fornece gratuitamente a moradia, a terra destocada e.cercada (e quan-
do não, estes trabalhos são empreitados com o próprio morador), bois de capinadeira (e alguns a pró-
pria capinadeira), a semente do algodão e o financiamento, parcelado e sem juros, da safra. O morador
tern ainda o direito de criar um animal de carga (jumento) e uma vaca. Cabe a ele, parceiro agricúltor,
S releia do algodão, entregue ao proprietário pelo preço do mercado, e a safra integral das culturas con-
~:iadas (feijão, milho, fava, jerimum, etc.) que são obrigados a fazer com os cuidados de espaçaruen-
::2·:essários a não prejudicar ao algodoal.
?-~XC1.- cubra p 'ros pés - trabalhar de enxada.
Nos anos de fartura, sucedia e ainda sucede a prec.sác C:E :::-~2.~=::-::-~''':'::::::'Ero
é~e
braços para a apanha e, principalmente, debulha do /c:i:' . ~:~:"' ='''; ;::::'~.'::J.
Acodem-se com o adjutorio'" dos vizinhos. A debulha do Íe::ª-=. ;::::'2.:" C;'':ê:''':'~~2
qualquer tarefa da lavoura, parece ser a mais festiva reunião dacie.a i'ê:-.:é, F::::-.~
cipia nas primeiras horas do escuro e se espicha pela noite adentro. acci-ar.do ES-
tórias e evocações dos mais velhos e o namoro da rapaziada. Nela o donc ca C252-
entra apenas com o gás (querosene) para alumiar o serviço e o cafezinho para es-
pantar o sono dos mais molengas ...
Também debulham a cacete - quando o feijão ou milho bem seco ao sol.
sobre esteiras, é açoitado e depois aventado em urupemas.
Estando a lavoura de subsistência na posse do morador (parceiro-agricultor) é
explicável a quase inexistência de máquinas de beneficiamento. Lá um ou outro
matuto mais as tu cioso engendra ou arremeda máquinas de debulhar. Manoel
Moçoró (morador na Fz. Lagoa Nova, S. Paulo do Potengi, RN) fez uma tosca de-
bulhadeira para feijão e fava que funciona a contento, quando as vagens estão
bem secas.
Consiste em um alimentador de tábuas que converge para um eixo de madei-
ra tocado a manivela. No eixo inseriu carreiras de pregos que, em movimento, se
desencontram com outros cravados em uma das margens em cuja direção gira o ei-
xo. A vagem é assim quebrada, fazendo libertar a semente.
Por todo aquele oco do mundo tinha e tem ainda o morador, meeiro do algo-
dão, a posse total da safra de legumes e cereais que cultiva nas ruas do algodoal.
Nos anos bons, quando o inverno é como de encomenda, i. é, "do tamanho e
nos dias que pediu", em São João ou Sant'Ana, já se pode comer verde, fazendo a
apanha do feijão de arranca e a quebra do milhos" necessários à feitura dos pratos
regionais juninos. Daí para diante, vão colhendo o necessário ao reforço da panela
caseira em comida quase gostosa e de maior substância, até chegar o tempo da co-
lheita geral. São os dias de fartura louvados em prosa e verso:
"Se pega a chuva em janeiro,
Faz o povo a plantação;
Em fevereiro e em março
Quatro ou cinco limpas dão;
De vinte de abril em diante
Já comem milho e feijão ...
Chega a abundância,
Reina a alegria,
Passa a carestia,

83 "Os arqueólogos, segundo D. Bois, asseveram que os feijões somente foram conhecidos na Euro-
pa, no meado do séc. XVI, depois do descobrimento da América". (PEIXOTO, Ariosto - Feijào).
84 "Favas - produto vegetal que se usa como alimento, 23m 17, 28. Nos dias de fome de Jerusa-
lém, as favas trituradas com outros cereais serviam para o fabrico de pão, Ez 4.9. A fava comum, Vicia
[aba, ainda é conhecida na Palestina pelo antigo nome". (DAVIS, John D. - Dicionário da Bíblia).
85 V. docümentário sobre a cooperação vicinal em GALVAO, Hélio - O mutirão no Nordeste.
86 Quebr& do milho - apanha, colheita.

75
Passa a circunstância,
Com exuberância,
A lavoura duplica
E uma vida rica
Passa o sertanejo;
Carne gorda e queijo
Pamonha e canjica ... 87
Mais raras vezes, quando a safra chega a ser um despotismo'", a quem nem os
dias trocados em adjunto conseguem dar vencimento - chegam a oferecer de
terça o feijão a ser colhido, i.é., uma parte para o apanhador e duas para o dono do
roçado.
Terminada a apanha, o produto é levado para casa em sacos, caçuás ou urus,
na carga de um jumento. Dali, após a debulha, os mais imprevidentes ou necessi-
tados carregam para a feira mais próxima ou, se vendido na folha89, fazem entrega
ao comprador.
Mas, de regra, o seridoense é aprendido das lições de fome ensinadas pelas se-
cas vividas ou das que de boca-em-boca, de pai pra filho, ouviu dos mais velhos.
Secas como a dos dois setes (1877), a dos três oitos (1888), a de quinze (1915) e de-
zenove (1919), deixaram ensinamentos naquela gente. E sofrida na fome de cada
seca, aprendeu a guardar as sobras das colheitas para lhe garantir o sustento nos
meses de estio.
Muito daí explica o valor que representa para eles qualquer depósito ou vasi-
lha onde possam armazenar cereais ou legumes.
3- a. Legumes
O que mais se planta por ali, no salto90 do algodão, é o feijão e, mais raramen-
te, a fava. A fava, dizem eles, dá mais sustância e é mais fácil de guardar, de vez
que é estocada, em vagem, no recanto seco e arejado de um quarto, sem qualquer
cuidado preventivo - exceto o de um bichano ou de uma cobra-preta (muçurana)
para espantar os ratos.
A sistemática sertaneja designa os feijões ali cultivados em:

feijão-fava, enxofre,
{ cavalo claro e azul
I
gorgotuba Ciclo: 60 a
Arranca 75 dias.
mulatinho
{ vermelho, branco,
carrapatinho e canário
R = 1:80/100

roxo
Macássar ou {
estendedor vermelho
branco
} Ciclo: 3 meses
Rendimento = 1:400

., A vida sertaneja - Antônio Batista Guedes in Vaqueiros e Canta dores - L.C. Cascudo.
" Despotismo - grande, avantajado, no dizer regional
.~ \ 'end er na folha - vender na entressafra.
~:::: - rua, intervalo, praça, espaço entre uma fileira de cultura e outra.
o feijão de arranca, mais cultivado em vazantes é, de cornurr.. c·:~::-_::: =.:::-_::=.
verde, nos meses de S. João ou Sant'Ana como reforço da panela empobrec.c a ;'=-
los meses de seca. Tão cedo o fazem, vale como designativo de fartura: "Fu.ar.: _-a
está comendo verde ... " Já o macássar é mais plantado nas ruas do algodão: apa-
nhado depois de maduro ou seco fornece o grosso de estocagem do sertanejo. É :ié.,:
como mais sestroso e ensilado perde o poder germinativo com 2 a 3 anos ou mesmo
antes, se o silo recebe direta ou indiretamente o calor do sol. O macássar-branco
quando guardado mais tempo fica duro-a-fogo. Os gorgotubas são tidos como me-
nos sujeitos ao ataque do gorgulho.

Nos anos bons de inverno, o macássar, de ciclo maior, 3 meses, faz o sertanejo
sentenciar: "Plantar em S. José (19/IlI) para colher em S. João (24NI) ... "
"Se plantam em janeiro
e a chuva não falta,
não tendo lagarta,
até fevereiro,
vai logo estendendo,
o milho crescendo,
já no fim de março,
não tendo embaraço,
alguns vão comendo.
No fim de abril até maio,
já é enorme a fartura,
já estão batendo feijão,
tem muita fava madura,
dão princípio a virar milho,
está a lavoura segura". 91

Debulhado e aventado, é exposto ao sol quente, em lajedos ou sobre esteiras,


para eliminar o excesso de umidade - quando estará em ponto de ser guardado.

3.a.a. Saca de couro - Foi, é de se imaginar, o depósito que antecedeu aos de


uso atual. Consistia em um couro grande de boi, inteiro, que após ser espichado e
aparado das garrasê", era costurado pelas beiras com a face do cabelo para fora. A
boca da saca ficava no lugar da cabeça do couro. Em seguida era deixado por uma
noite no sereno para enchombrar": Pelos buracos das orelhas era dependurado em
um brabo'" e cheio, socado, de feijão ou milho. Costurada a boca, era deitado e re-
virado, diariamente, até ficar completamente seco, quando o faziam guardar, de
pé, em um recanto da parede, sobre tábuas".

91 ATHA YDE, João Martins de - Suspiros de um sertanejo.


"' Garras - partes do couro que correspondem aos membros; é considerada de inferior qualidade.
9" Enchambrar - umedecer.
94 Brabo - travessa grossa de madeira que sustém as linhas no emadeiramento das construções.
9" Informação de Pedro América de Oliveira, mais conhecido por Pedro Ourives, filho de Serra Ne-
gra (1883) e, presentemente, residindo na Fz. Lagoa Nova (S. Paulo do Potengi, RN).

77
3.a.b. Em latas - A lata de gás (querosene) ou gasolina 96, com capacidade
aproximada de 20 litros, representa para o sertanejo menos remediado o silo que
lhe permite estocar seus legumes e cereais. Guarda-a, de ano para ano, com o
maior zelo, chegando alguns a protegê-Ia com uma pintura de piche para evitar a
ferrugem. Cheia, socada de feijão ou milho, é tampada e vedada com cera de abe-
-lha, sabão da terra ou mesmo solda. Alguns as possuem às dúzias, empilhadas no
escondido das camarinhas.· Também, de uns tempos para cá e sempre que mais
abonados em dinheiro, adquirem tambores (200 litros) que utilizam como arreme-
dos de silos.
3.a.c Silos - Os de maior capacidade, na posse dos proprietários ou comer-
ciantes da rua. Os primeiros, para a armazenagem de um maior volume das sa-
fras, para garantir os gastos da fazenda ou aguardar a alta dos preços nos meses
que antecedem o inverno; os segundos, para a compra na folha ou nas feiras, espe-
culando com a oscilação periódica dos gêneros. Nas mãos de um ou de outro so-
mam, provavelmente, uma tonelagem muito aquém das safras ou da capacidade
de consumo - insuficientes, assim, para se refletir como equilíbrio de preços nas
oscilações da entressafra. São, em quase totalidade, metálicos e muitos de manufa-
tura local. Poucas vêzes o morador ou mesmo o pequeno proprietário dispõe de
pequenos silos, produtos de uma ou de outra tenda de ferreiro mais capaz. Neles
também os cuidados de armazenagem sofrem os mesmos princípios (semente lim-
pa, bem seca ao sol, etc.). Raros, e só os mais esclarecidos, fazem o expurgo - coi-
sa moderna - ainda ontem usado com auxílio do bisulfureto e já hoje ensinado,
aqui ou acolá, com os produtos da moderna química.

o feijão, como o milho, quando está para adoecer, i. é., sofre o ataque do gor-
gulho, tem febre (elevação de temperatura). Cuidam então em espalhá-lo de novo
ao sol e expurgá-lo. Para o milho, o produto mais utilizado ainda é o Gesarol.

A maior valorização do vasilhame está levando o sertanejo a artimanhas de


desmanchar latas de querosene para transformá-Ias em silos. Ainda outro dia
(set/62), Francisco Zuza (Fz. Lagoa Nova, S. Paulo do Potengi, RN) nos disse da
sua feitura:
a) Desmancham, retirando os testes, 12 latas de querosene.
b) Batem as latas, pelo lado interno, cilindrando-as, i.ê, fazendo-as passar
do formato quadrangular ao cilíndrico.
c) Recolhem toda a solda retirada das mesmas.
d) Soldam os 12 cilindros, um sobre o outro e nos testos superiores e inferiores
fazem aberturas para alimentação e descarga. O silo assim manufaturado é prote-
gido com piche contra a ferrugem.

o, Gás - "O querosene, que começou a aparecer pelos anos de 1860, substituiu o azeite de coco e
:'~ carrapato dos nossos antigos candieiros e candeias, fazendo assim desaparecer do mercado aqueles
::~: ::'':::~ industriais. Em 1863, quando era ainda pouco vulgar, anunciavam os jornais o verdadeiro gás
. .0-:: =..-: '. de superior qualidade, a 600 rêis a garrafa. (COSTA. Pereira da - Vocabulário Pernambu-
• :-:-
A maior valorização do vasilhame está levando o sertanejo a artimanhas de desmanchar, cilindrar,
ressoldar e pichar latas de gás (querosene), à moda silos - ganhando com toda essa. trabalheira um
maior volume de estocagem. (Fz. Lagoa Nova, S. Paulo do Potengi, RN. Foto do autor).

Toda essa trabalheira lhes faz ganhar uma maior capacidade de estocagem,
de vez que um silo de 12 latas comporta 320 litros. Comparativamente, se utiliza-
das as 12 latas como depósitos isolados, comportariam apenas 192 litros (16 litros/
lata).

3.a.d. Sebov" - A preservação, no caso, é feita apenas com o legume que se


destina ao consumo doméstico, de vez que, assim tratado, se desvaloriza nos mer-
cados sertanejos.

97 "A preservação do feijão com substâncias graxas contra o ataque do caruncho é o sistema mais

aconselhável, menos perigoso e de grande facilidade. As experiências feitas pelo Dr. A.A. de Toledo, do
Instituto Agronômico de S. Paulo, foram em tempo (1943) publicadas por CHÁCARAS E QUINTAIS e
agora, a pedido de um leitor, vamos resumi-Ias: "Foram tratados diversos lotes de feijão com banha
derretida, na base de 0,5 1 e 2 cc p/k de feijão. A infestação dos lotes foi garantida pela colocação de
adultos de Bruchus obso/etus. Os lotes testemunhas, depois de 6 meses, eram os mais atacados; os tra-
tados com 0,5 cc de banha apresentavam 9~é de ataque, os com 1 e 2 cc de banha, nenhum ataque. Nas
testemunhas o ataque era de 54'[. O tratamento não afeta as qualidades de feijão para semente ou
para consumo; 1 cc de banha por quilo de semente é a quantidade aconselhada, o que corresponde a I k
de banha para 15 sacos de feijão de 60 quilos cada um". (Contra o caruncho do feijão - Chácaras e
Quintais).

79
Normalmente recorrem ao sebo de gado (bovino) que é previamente derretido
e posto a coalhar. No ato do tratamento das sementes, voltam a derretê-lo,
traçando-o cuidadosamente com o feijão e polvilhando-o de sal fino. A proporção
mais freqüente é a de uma xícara das de café-com-leite de sebo para cada dez li-
tros de feijão. Assim tratado, pode ser guardado em sacas de pano ou de esteiras
até o momento do consumo, quando deverá ser previamente escaldado. A gordura
de porco é menos usada, mas quando o fazem com ela, o método e as proporções
são os mesmos.
3.a.e. Azeite de carrapato - É o óleo extraído das sementes da carrapateira,
designação regional da mamona (Ricinus communis Linn, fam. Euforbiáceas), ou
melhor, o popular óleo de rícino. Após a besuntagem das sementes, o que é feito na
tabela de um litro de azeite para cada alqueire'" de feijão, fazem o polvilhamento
com sal fino. No Agreste do Estado, ouvimos dizer da usança, na falta de azeite,
da própria semente da carrapateira pilada: 5 litros para cada 60 litros de legume;
macerada a semente, adicionam um pouco de água de sal para a besuntagem,
quando pode ser guardada. No momento do consumo escalda-se o feijão, como nos
demais, antes de ser levado à panela.
3.aJ Rapadura - É quebrada aos pedaços e posta ao fogo com água para ser
desmanchada em mel (melaço). Um litro de melaço dá para o tratamento de 100
litros de legume. Depois de besuntada a semente, nela se polvilha 400 a 500 g de
sal fino. O mel (melaço) assim obtido, ou importado dos engenhos de cana do lito-
ral, deve ser fino para não açucarar.
3.a.g. Água fervendo - Em um caldeirão de água fervente mergulham rapi-
damente o feijão, em sacos, o tempo suficiente, dizem eles, para "matar a semen-
te". Em seguida é posto a secar ao ar livre, podendo depois ser guardado. O legu-
me assim tratado fica duro-a-iogcê" e, conseqüentemente, desvalorizado.
3.a.h. Torrado - Em um forno de casa de farinha, a fogo brando, a semente
toma calor suficiente para matá-Ia. Como no processo anterior, fica duro-a-fogo.
3.a.i. Carbureto - Do mesmo usado na iluminação, que é colocado em um
depósito de maior capacidade e sobre ele o feijão. Respinga-se água e, gerando gás
acetileno, fecha-se o depósito, deixando passar algum tempo. O processo é pouco
usado e dele ouvimos apenas referência e descrição. Como os dois últimos métodos
citados, também o legume fica moroso de cozinhar.
3.a.j. Paióis - Depósitos, geralmente de alvenaria ou taipa, construí dos em
um compartimento da própria casa do sertanejo ou em armazéns, onde costumam
fazer a estocagem dos gêneros.
a. Areia - para nela guardar, carreiam-na dos rios, lavada, livres de sal e de
qualquer matéria orgânica, como as que se usa nas construções. Em camadas fi-
nas. é espalhada para melhor secar ao sol e ao vento. Quando bem seca, quente
ainda, fazem a primeira camada, de 10 a 15 cm sobre o piso do paiol. Sobre ela, é

. AlquE'irE' - medida regional de volume utilizada no comércio de sal, legumes, cereais. farinha,
z~::-:a.etc. Corresponde a 160 litros. O alqueire seridoense mede 16 cuias de 10 litros e, o do agreste, 32
- _._- -'~ cuin has) de 5 litros.
: - -:-:::-:'Jgo - o que demora mais tempo para cozinhar.
espalhada uma camada de feijão (ou milho). em grãos. cie cerca cie 2':' a ·.:>U em.
Uma segunda camada de areia, com igual espessura a da pr.rr.e.ra. e cerramada
sobre o gênero. Pisoteada, é coberta com outra camada de ieg-..::::::e5.
:\.33::::::. 3:':Cé3-
sivamente, até cercar com uma última e mais grossa de areia' ':'..:-'_:::::e. 3'~':::e f;;-
ta, uma proteção de esteira de carnaúba, tabuado ou tijolos. As pereces ~a:e::-a:s
internas também são isoladas do gênero com areia. A proporção é de ::::~... e. é.:.ias
partes de feijão para uma de areia.
b. Cinza - usada para menores quantidades de gêneros. É preferida a cinza
do estrume de gado ou do pinhão roxo. A boa cinza é a lavada, quer dizer. aque.a
que resta da produção de de-quadra-'" para fabrico de sabão da terra.
Muitos fazendeiros consideravam o sistema de conservação de feijão pela cin-
za de de-quadra o melhor entre todos, antes do aparecimento do processo do silo e
das latas fechadas. O feijão apresentava, depois de um ano ou mais de guardado, a
característica de novo.
3 - b. Cereais
Na lavoura seca e consorciada do Seridó, o milho representa ainda o cereal de
maior significado. É alimento para o homem, participando em diferentes pratos
da culinária regional e ração básica para animaisv", suínos e aves.
O rendimento por hectare tem, provavelmente, decrescido de ano para ano,
devido ao cultivo continuado das mesmas áreas - notadamente várzeas - sem os
cuidados de reposição dos elementos retirados do solo. Tanto assim é que, morado-
res e fazendeiros sabem, pela experiência das sucessivas safras, o local das man-
chas de terra em cada roçado onde ainda podem plantar o milho compensadora-
mente. Nas demais, a terra cansada quando muito lhes daria tamboeiros'?',
A despeito da ausência de números estatísticos para estribar a afirmativa,
vale dizer que os brejos paraibanos e o agreste do Estado - mormente nos anos
desmantelados - fornecem o milho necessário ao consumo do seridoense.
A cultura do arroz é mais nova. Principiou depois da açudagem, encabelando
a água mais rasa dos açudes. Com o tempo, e à medida que as ombreiras dos ria-
chos foram sendo tapadas em represas, o sertanejo cuidou em aproveitar melhor
aqueles pequenos oásis. Nas terras umedecidas das margens - vazantes - já se
plantavam a batata doce, o feijão, o jerimum, etc. Depois é que passaram a se-
mear o arroz em canteiros e fazer o transplante para a água mais rasa. Ganharam,
assim, mais uma área de cultivo para os meses de seca e o arroz-de-muda, no ser-
tão, tomou a testa dos números estatísticos no Rio Grande do Norte':".
100 De-quadra - soluto impuro de potassa, obtido fazendo-se passar água através de cinza de ma-
deira, contida num pote de barro, perfurado na parte inferior. Potassa deriva do alemão puttashe, cin-
za de pote.
101 Animal - eqüinos, muares e asininos, no dizer regional; da mesma maneira que por gado de-
signam os bovinos.
102 Tamboeira - espiga mal granulada, mirrada.
IU:I "No Riacho do Poção (Ouro Branco, RN), existe talvez a maior cultura de arroz-vermelho do

Estado. O riacho foi represado em pequenas barragens permitindo, assim, a cultura intensiva do arroz-
de-muda. Todo esse trabalho é executado pela família Miranda, na localidade denominada "As La-
ges" ". (Inf, de Pery Larnartine).

81
o milho, muitas vezes, é colhido mais tarde - nos intervalos dos trabalhos da
lavoura algodoeira. Daí a necessidade de virá-lo 104 de modo a poder adiar a quebra
sem se estragar. Colhido, carreado para casa, debulhado a máquina, a cacete ou
manualmente, é, como o feijão, secado ao sol. Seco, pode ser guardado em silos ou
paióis, pelos processos atrás descritos.
Outros o guardam na espiga - vestido, como dizem. Quando assim fazem,
são separadas as espigas mais bem vestidas, de ponta coberta, bem protegidas e
sadias - livres do ataque de pragas ou doenças.
3. b.a. Ati - De uso mais freqüente e quando a quantidade de milho é pouca
e se destina, geralmente, ao plantio-?". Feito o ati, é pendurado ao solou fumeiro
da cozinha.
3.b.b. Jirau -- Mais das vezes, é feito à moda faxina, em uma divisão interna
da morada. Nele, as espigas empalhadas são arrumadas, deitadas, ponta com
ponta. Previamente, costumam mergulhar a extremidade das mesmas em água de
cal. Quando o jirau é construí do ao relento, as espigas são arrumadas de ponta
para baixo. O formato pode ser quadrado ou circular.

3.b.c. Cal- O milho é arrumado, em palha, encostado a uma parede e sobre


tábuas para evitar a umidade. Deitado, ponta com ponta, em carreiras duplas e
sobrepostas. Os intervalos entre as pontas são preenchidos com cal extinta.
3.b.d. Estrume de bode - O esterco de caprimo, bem seco, é ocasionalmente
c'sado, como no processo anterior, fazendo a vez da cal.
4. De outras comidas
4- a. Batata doce!"
É, no Seridó, uma cultura típica de vazantes, de vez que é feita nos meses de
seca, quando os rios apartam as águas e os açudes principiam a descobrir terra de
planta. As batatas de açude são tidas como mais saborosas e melhores, embora
nos mercados não sertanejos sejam menos preferidas; é que exteriormente são
mais sujas, dado o solo mais argiloso do açude. As vazantes do rio, ao contrário das
de açude, reclamam adubação. O matuto recorre ao estrume de curral para
fertilizá-Ias. Nas imediações da Serra do Bico da Arara (Acari, RN) também plan-
tam com estrume de andorinha, de melhor rendimento, e procedente da Furna das
Andorinhas (Serra do Bico).
Os cuidados para guardar a batata principiam ainda na fase da arrancar" que
é feita, está bem visto, quando está madura. Evitando pancadas e ferimentos, são

1114 Virar - quebrar o pé de milho, abaixo da inserção das espigas, de modo que estas, ficando de
ponta para baixo, dificultem a penetração lia água e o ataque dos pássaros.
111', Ati - Espigas de milho nuas mas com a palha aderida na parte da cabeça que serve para
encangá-Ias, aos pares, uma na outra.
'",' Para melhor identificação das variedades cultivadas no sertão do :'\'ordeste, consultar :'\'EVES.
Carlos Alves das - A batateira-doce e sua cultura no sertão e nas bacias de irrigação dos Açudes do
Nordeste,
111; Arranca - colheita da batata e da mandioca,

82
apartadas as mais sadias, livres de tamanjuá=" e transportadas para casa onde são
arrumadas no chão, em um canto de parede de um aposento mais arejado e escuro.
É, assim, comum, naqueles sertões, se esbarrar com um paiol - no dizer lá dêles
- de uns 4 palmos de largura por 5 a 6 de altura em todo o correr de uma parede.
Cuidadosamente arrumadas, umas sobre as outras, ali ficam estocadas, saindo de
ração para acudir a panela do sertanejo.
4 - b. Farinha
A farinha de mandioca é que fazia e faz o grosso da mistura da mesa sertane-
ja. É parelha para carne (paçocas), pírão, rapadura, banana e até café.
A lavoura de mandioca sempre foi minguada por aquelas brenhas e se fazia
mais nas chãs de algumas serras. O gasto é completado pela que vem trazida de
longe, dos Brejos ou do Agreste. Naquele tempo, dada a maior dificuldade de
transportes, era entes aura da em enormes caixões de imburana ou cumaru de onde
saía para o gasto de cada dia. A tradição fala de certo proprietário do século passa-
do que, de tão sovina, alisava a superfície do depósito e rubricava o nome sempre
que tinha de se ausentar de casa ...
As antigas casas de fazenda tinham, de costume, o corredor que ligava o co-
piar ao interior da casa, forrado em sótão, onde se fazia construir o depósito de fa-
rinha.
A outra farinha, a do reino (trigo), era luxo e artigo de uso raro.
A desmancha ou farinha da ainda hoje pouco difere de uma região para outra
nos sertões do Nordeste'?". O aviamento é montado em telheiros agüentados por
colunas de madeira ou alvenaria e dele melhor ensino faz GUSTAVO BARROSO
- Terra de Sol:
"A mandioca, entulhada ao meio da casa, é, comum ente, raspada
por mulheres, sentadas ao chão, armadas de quicés. Uma, raspa a raiz
até o meio; outra, acaba de raspá-Ia. Quando apostam para ver quem
vence em ligeireza na raspagem, chamam jogar capote. Jogar capote é o
divertimento preferido dos namorados nesses dias, numa amorosa conso-
lação, para ver quem leva o outro de oencida.
"Raspada a mandioca ralam-na num caitetu de lata, preso a uma es-
pécie de mesa com bordas, o cevador, e acionado pela polia de relho de
uma grande roda, que chia irritante, tangida por dois homens robustos,
nus da cintura para cima, untados de suor, com músculos que reluzem,
como tendões de bronze, no esforço. Em algumas fazendas move-o uma
bolandeira, grande roda puxada por bois ou burros. Aquela papa de man-
dioca ralada, a massa, vai então para a prensa, enorme armação de ma-
deiras rijas, o braço ou parte superior de pau-d'arco empenado, as vir-
gens, madeiros de sustentamento, de aroeira; tudo de grande força e de

108 Tamanjuá - broca de batata-doce.


109Documentário completo sobre a etnografia da mandioca pode ser encontrado em SCHMIDT,
Carlos Borges - Lavoura Caiçara.

83
grande rusticidade. A mandioca, encartuchada em palhas de camaúba e
depositada numa parte funda, uma espécie de caixa, armada na mesa da
prensa, e espremida por um grosso e pesado chaprão, empurrada por um
brinquete, um toro curto de forte madeira. O braço da prensa,
abaixando-se vagarosamente por meio de um alto parafuso feito de gros-
so ceme, movido pelo prenseiro, pesa no brinquete que vai empurrando o
chaprão sobre a massa.
"Depois de imprensada a massa, e peneirada no cocho e torrada num
grande forno de alvenaria, com as fendas dos tijolos largos mal tapadas
de barro. Mexe-a com uma longa vara um mestiço indolente, o forneiro,
mascando o mapinguin, resmungando em voz baixa versos toscos do ser-
tão, rindo simiescamente das prosas das raparigas da tulha, de quando
em quando tossindo sobre a farinha alvadia, à inaturável afumadura da
lenha resinosa, escapando-se pelas frinchas da malfeita parede. "
4 - c. Jerimum
Nos roçados é comum aproveitarem algum caculo=", terra de formigueiros
mortos, onde semear o jerimum. Sendo uma planta que se espalha, ocupando
muita terra, evitam seu maior plantio nas ruas do algodão para não afogá-lo;
cultivam-no mais nas vazantes.
É prato do gasto sertanejo e do norte-rio-grandenseem geral, apelidado que é
de papa-jerimum+': As variedades mais cultivadas são a de leite e o caboclo, sen-
do esta última mais apreciada e valorizada!". É comida louvada quando amassa-
do com leite cozido e açúcar, e tanta é a sua fama que sentenciam: é tão gostoso
que o freguês enche a barriga mas não mata a vontade ...
É guardado em rumas, destalado, em lugar seco e ventilado. E as sementes
dos mais saborosos e enxutos, separadas para o plantio no outro inverno, ficam em
cumbucas (cabaças) ou mesmo garrafas, misturadas com cinzas de lenha.
4 - d. Rapadura
Doce no sertão é açúcar; as goiabadas ou marmeladas industrializadas e que
ali são vendidas nas bodegas, o sertanejo chama de doce-de-lata:
"A dieta sertaneja é dieta de poucas, de raras sobremesas ... "11:\
A rapadura é comida parelha de feijão, queijo, batata e farinha. Adoça o café
dos mais pobres e, diluída nágua, é garapa para menino enganar a fome. Raspada,
adoça a coalhada com mais gostosura que o açúcar branco. E como a paçoca, é

110 Caculo -Munduru, saliência, montículo de terra. Var.: coculo.


111 Papa-jerimuni - "Dizem que Lopo Joaquim de Almeida Henriques, governador da Capitania
(1802-1806), pagou os funcionários públicos com espécies colhidas nos roçados. Virá daí o nome de
papa-jerimum?" (CASCUDO, Luíz da Câmara - História do Rio Grande do Norte).
112 "Jerimum (Cucurbita Pepo Linn., fam. Cucurbitáceas); as variedades cultivadas entre nós-
caboclo, de leite, jandáia, etc. - ainda não foram convenientemente estudadas. Veio da Ásia meridio-
nal. O vocábulo jerimum provém do tupi yururn-un, o pescoço curto." (BRAGA, Renato - Plantas do
Nordeste, especialmente do Ceará).
11:1 CASTRO, Josué de - Geografia da fome.

84
ração de viagem, lanche, comida-alforge para os campos distantes ou para a espe-
ra da caça e do bicho-homem:
"Quinzenas de noite escura,
lambendo uma rapadura,
de tocaia a algum Dom-João ... "114
Mas a rapadura afamada, de primeira, clara, de bom doce, vem de longe,
transportada ainda ontem em lombo de burro e hoje no espinhaço mais taludo do
caminhão; é a do Cariri cearense!'". Têin formas diversas, variando o tamanho
com a região de origem; as mais afamadas são: cariri (CE), bancos (Seridó, RN) e
japecanga (S. José de Mipibu, RN). Variam de peso, forma, cor e sabor-".
A importância da sua participação na mesa sertaneja vem sendo de há muito
estudada e valorizada pelos nutricionistas:
"... a rapadura que é muito superior ao açúcar por seu conteúdo tan-
to em ferro como em outros princípios minerais. "11,
Aqui cabe apenas as usanças de como a fazem conservar ... Vale adiantar que
nem toda rapadura pode ser guardada. Só a de boa qualidade, comum ente fabri-
cada de cana-soca'!", bem cozinhada e que carece de estar bem seca. Ainda assim
a fazem retirar dos garajaus'í" e deixam-na lagartear uns dois dias, nas horas de sol
quente, para eliminar qualquer umidade. Guardada úmida, cedo começa a
derreter-se, chorar como dizem eles, e o prejuízo é certo: chora a rapadura e o dono
dela ... Sobre tábuas é arrumada, afastada da parede, em aposento seco e arejado.
As antigas casas de morada nas fazendas do Seridó, ainda possuem um sótão -
geralmente no corredor que ligava o copiarv" ao interior da casa - para a guarda
de gêneros, principalmente rapadura.

114 MENEZES, Otoniel - Sertão de espinho e de flor.


115 "A produção de Crato, p.ex., que é de 5.075.00 k, equivale a 64.400 cargas de rapadura. Os cin-
co municípios do Cariri (Barbalha, Crato, Missão Velha, Juázeiro e Jardim) produziram, em 1954,
21.565 toneladas de rapadura" (FIGUEIREDO FILHO, José de - Engenhos de rapadura do Cariri).
116 Cariri (CE) 800/900 g garajau 50 unido
Bancos (Seridó, RN) 800 50
Japecanga (S. José, RN) 750 50
Ceará Mirim, (RN) 350 lUO
Brejo (PB) 350 100
117 CASTRO, Josué de - Geografia da fome.
11R "No Cariri as canas que mais se desenvolvem são as dos brejos. Enquanto nos pés de serras as

socas duram de 2 ou 3 anos, nos brejos podem chegar até a mais de lU anos e sempre bem grossas e su-
culentas". (FIGUEIREDO FILHO, José de - Engenhos de rapadura do Cariri).
119 Gcrajou - armação de varas, ajoujada à embira, de formato quadrangular, onde são acondi-
cionadas as rapaduras nos engenhos. A armação protege folhas de cana (folha mais quente, dizem eles)
que isolam a rapadura do contato externo. Uma carga de jumento. para ser conduzi da em cangalha, é
composta de dois garajaus; a de burro-mulo comporta três garajaus, um de cada lado e o terceiro, entre
os dois.
1'" "Para a latada abria-se uma porta e esta dava para a sala da frente, que aqui no Rio Grande do
Norte chamamos cupiá e também numa certa região cearense. Para os pernambucanos é a varanda, e
isto deu razão a uma conversa pelos jornais com o querido e saudoso .Iose Mariano Filho. Não atináva-
mos, os dois, que o mesmo nome possa indicar coisas diversas." (CASCUDO, Luís da Câmara - Dicio-
nário do folclore brasileiro).

85
Criadas na força do estrume das vazantes nas areias dos rios ou no barro gordo do fresco dos açu-
des, depois de arrancadas, são arrumadas em paiol para os gastos dos dias vindouros. Paiol de batata-
doce na Fazenda Ingá, Acari, RN. (Foto do autor)

86
EM QUE SE FAZ A CONTAGEM DOS HOMENS, DOS BI-
CHOS, DAS SAFRAS E DAS CHUVAS
SERIDó - CRESCIMENTO DA POPULAÇAO, POR MUNICíPIO, SEGUNDO OS CENSOS
p O P u L A ç A o
Area Hab/kmZ
MUNICíPIOS 1 9 6 O
Km~("') 1910 1950 (**)
. I Total.1 ~._LJrb~~_~RU~ _
I I r ---1-- '--r--
Acarl •... •... . . 669 15.375 I 8.170 I 7.984 j 2.878 I 5.106 I 11,93
Calcá . 1.413 25.233 I 24.214 I 27.447 I 16.233 I 11.214 I 19,42
Carnaúba dos D. (1) ...• •. .. 248 3.473 I 4.223 I 1.453 I 2.770 I 17,03
Cêrro Corá (2) .... •... . . 415 7.405 I 6.679 I 1.152 I 5.527 I 16,09
Cruzeta (3) .•.. . . 242 4.675 I 5.207 I 1.951 I 3.216 I 21.52
Currais Novos .. 973 23.279 21.028 I 31.300 I 8.522 I 12.778 I 21,89
Floránia .... .. 602 12.692 8.808 I 8.439 I 1. 346 I 7.093 I 14,02
J. Piranhas (4) •.•.•.•.••.••... 391 5.750 I 6.283 I 1.265 I 5.018 I 16,07
J. Serldá . '" . 797 14.803 11 . 713 I 11 . 901 I 3.344 I 8.557 I 14,93
Jucurutu .... 946 9.672 9.366 I 10.803 I 1.925 I 8.878 I 11,42
Ouro Branco (5) 213 4.334 I 4 .406 I 980 I 3.426 I 20',69
Parelhas .... 835 14.117 13.418 I 13.044 I 4.569 I 8.475 I 15,62
São Fernando (6) .. ..•...•. 371 3.554 I 345 I 3.209 I 9,58
S. João do S. (7) .. 410 4.494 4.681 I 1.306 I 3.375 I 11,42
São Vícerrte (8) ...• . . 214 3.636 3.252 I 831 2.421 I 15,20
Serra Negra do N. . . 647 10.631 6.942 7.090 I 1.401 I 5.689 I 10,96
SERIDó .... 9.386 125.802 137.426 146.293 i 49.541 96.752 I 15,59
'70 s/Estado . II 17,7c;~ J6.4';;' 14.2% 12.ôfJo I 11,4% I 13,4% I
R.G. do NORTE . ... ........ I 53.015 768.018 967.921 1.157.258 I 435.189 722.069 I 21,83
I I
Fonte: IBGF. - Os dudos referentes ao ano ele 1940 fomm coleta dos no Anuário Estatistlco do Brasil, a no VIII, 1947; 08 correspon-
dentes a 1950 e 19GO, elo Anuàrto Estatístico do Brasil, 1961, Inclusivo as áreas dos muntclplos (*). A densidade dernogrâ-
fica foi calcutuda à base do censo ele 1960 (hab/km~**).
(1) Criado pcln LeI. Est , 1028 de 11/12/53, dcsmembrndo de Acnrt ,
(2) CrIado pela Lei Est, 1031 de 11/12/53, rlcsm erubrado de Currais Novos.
(3) Crle,do pela LeI Est. 915 ele 22/11/53, desmcmbrado de Acnrt ,
(5) Criado pela Lei Est. 907 de 21/11/53, clesrn embrudo de J. Serldó.
(6) CrIado pela Lei Est. 2333 de 31/12/58. desmembrndo de Catcó ,
(8) Crludo pela LE'I Est. 1030 de 11/12/53, dcsmembrndo de Floràhin.
-o
o

SERIDO - RN. REBANHO BOVINO, OVINO, CAPRINO E SUíNO - 1950/60

BOVINOS I OVINOS t CAPRINOS t SUINOS


MUNICíPIOS
~o I 1960 1 1950 I. 1960----1 ~1950 ·~-1--1960 1 1950 1960
-·-···-------11 11 11···· ==0
--11--------,- __ I II' ~-=
Acarl .. .. . • 1 10.864 I 3.750 1 8.902 1 3.850 1 2.795 2.250 1 2.367 1 3.400
Calcó 1 21.977 I 16.000 1 15.419 ! 14.300 1 4.166 10.400 1 3.393 1 4.050
Carnatiba dos Darrtas . 1 - 2.400 1 - 1 1.200 1 - 1.300 1 - 1 1.100
Cêrro Corá 1 -- I 3.400 \ - I 2.800 1 - 1.400 1 - 1 1.800
Cruzeta " 1 - I 4.135 I - 1 3.110 1 - 1.504 1 - 1 1.800
Currais Nevos I 10.325 11.000 1 9.760 1 5.000 1 6.665 2.500 1 5.034 1 5.000
Florãnla .. .. .. .. .. I 6.606 I 5.800 \ 5.258 i 2.000 I 3.893 2.500 I 3.169 1 2.000
Jarálm de Piranhas .. I 4.078 ~ 7.270 1 4.811 1 7.200 1 1.600 810 I 1.293 1 1.500
Jarálm do Serldó 1 8.251 3.652 1 9.888 1 13.350 I 3.461 1.100 I 1.513 1 720
Jucurutu 1 9.309 II 10.000 I 11.401 1 10.000 I 4.372 5.000 I 3.065 I 3.500
Ouro Branco .. .. .. 1 - 1.120 1 - 1 7.500 1 - 500 1 - I 500
Parelhas I 5.141 I 3.500 1 4.435 I 2.200 I 4.889 2.000 I 1.046 I 2.100
São Fernando .. .. .. I - I 3.400 I - t - I - 3.000 1 - 1.050
S. João do Sabugl .... I 5.676 I 5.500 1 6.298 I 5.600 1 1.754 3.000 1.407 2.200
Silo Vlcente .. .. .. .. I - I 1.590 I - I 953 I - 906 - 707
Serra Negra do Norte I 9.246 I 8.154 I 6.140 I 11.080 I 2.735 6.100 2.981 4.330
SERlDó I 91.473 \ 90.671 I 82.312 1 90.143 I 36.330 44.270 25.268 42.120
% sObre o RN .. .. .. 1 19,7% I 17,12% I I 27,21% I 0,77% 10,55%'
Rio Grande do Norte .. I 462.867 \ 529.331 I 320.769 I 423.641 1 242.753 410.798 130.679 399.171
I 1 1 I I
1 I 1 1

Fcmte: 1950 - IBGE, CNE - Censos Econômicos; 1960 - SEP, Ministério da Agricultura.
SERIDó ~ Rio Grande ào Norte

Leite
MCNIC1PIOS
(Lit rc s \
~f~lntp~2,a Qc;eiJo

Acarí .... .... .... . ... 58.0.000 16 400 2) 044


Cr.icó . 3 013.920 5 ';00 ~.; 5UO
c, r nnúba dos Dn n tas .. 1. 500 000 .000 1.200
CiLO Corá . 1,,0. coa 50') OIJO
Ct uxe t.a .... 85U. eco 15.009 19 '-J,j.;
C\l.rrr..is Novos .... .... .... .... . ... 622.000 1.20G f,.OuQ
Pl'JTún~<l .. 5')9.800 11.200 o·,
~" 3:jO
.Ja rclIm de pj ra nbris .... 3.960.000 20.0GO 40. COJ
.Jard nn do Eeridó 462.400 200 7.2CO
Jucurutu .... 1. 201).0(;0 30 OCO 40.000
Ouro Branco .... 154.133 .500 3.800
Parelhas .... 1. 900.000 2 300 2. ,,00
Sao Fernando .. . 770.000 2.48) 2J.540
São João do Sa b ugi 9CU.OOO 2.050 3~.lOO
São Vieen te .... 1:J7.6;:W 2.'756 5.536
Serra Negra do Nor t e .... . ... 2.016.000 2.000 6').830
SERIDÓ 13 840.933 119.295 344. C94
Rio Gr.inclo do Norte 49 272.357 261. 641 692.614
(;,;; sóbro o Estado .. .... . ... 38,2',; 45,6' ~ 49,/";;

Pente: Depnr tamerrto Estadual de Estatística, RN.

(") O Censo Econ órn íco do VI Recenseamento Geral, 1950, detalhou. no ano de
1949, para a regtão do Seridó, 8.í64 estabelecimentos, 1.ê, 25,5r-, em relação
ao RN COD10 um todo. E acrescenta va : 17.053 vacas orden nadas (25,31"~ do
RN) com uma produção de 10,838,70G litros de leite (33,4 do Est ado r , 23,991
k de creme (63,5';0 do RN), 38,2,,4 k de manteiga (56,0';;; do RN) e 259,319
k de queijo, ou seja, 64,6% do Estado,

91
SERlDó - PRODUÇAO AGRíCOLA SEGUNDO AS CULTURAS DE MAIOR VALOR ECONOMICO

1951/1960

Area cultivada (ha) Quantldad.e produzida Valor em Cr$ 1.000

Produt06
I
1951 1960 1951 I 1960 1951 1960
===J~~~urud'd=e =
I
"~=l'
Algodão mocó arrõba 58.416 54.159 376.000 I 1. 486.361 54.137 752.581
I
Arroz . sc/60kg 704 970 9.360 I 12.550 1.493 9.1181
I
Banana cacho 128 134 233.700 ! 287.960 4.183 40.639
I
Batata doce tonelada 2.544 3.305 6.405 I 24.428 5.578 48.1211
i
COCo da Bahla cento 25 95 2.207 i 5.913 436 3.919
I
Feijão sc/60kg 5.377 13.884 10.020 I 57.540 2.304 41.853

I
1C11ho sC(60kg 2.740 10.840 8.510 I 56.630 1.035 25.464
!
Mandioca tonelada 166 253 271 I 1.189 59 1.728

I
Bisal . kg v , 320 612 6.000 I 940.000 36 16.455
I
Outros 755 818 :196.238 I 456.050 1.61,6 6.360
________________
-L ~ ~ ~ ~I ~ ~ _

Fonte: SEP - Ministério da Agricultura.


Ob8.: A maior dlsparidade entre os números, resulta do fato do ano de 1951 ter sido sêco na área do Nordeste; v. Efeitos da sllclZ
sobre a economia agro-pecuária do Nordeste. Fortaleza, ETENE- BNB, 1959. pub , n .> 72.
MINISl ERIO DA AGRICULTURA
SERVIÇO DE METEOROLOGIA
OBSERVAçóES METEOROLóGICAS

Estação: C R U Z E T A Estado: RIO GRANDE DO NOH-TE Período: 1930 a 1942

0
Latituàe: 6 26' S Longitude: 36"35' W. Grw. Da estação (Ha i ) 232 m .
•4ltitude
Da cuba do barômetro (H~).) 232 rn ,

TEM P E R A T U R A DOA· R (oC) PREClPITAÇAO


C) 1----- '"
'" o
o _
I I ~ :;;-~ '" ~~ u"
I 'r'dl ABSOLCTA. MíNIMA ABSOLUTA ._ o MAXIMA r;M 24 ns. o '<l>
I
e Ia,
M'd' J.~e a I MÁXIMA I Media ~- '"" - Altura
Meses das
II das
I,----- "'.....
VV'"
......"pen- ~ >
"
'"E ;; fi rota:
,,"i;!' '"
<l>
;:5 '" "'
máximas: lllinimasl G D t sa :la t:l '" (rn m . ) -
o "
I "'j "'
<=i
I ra 1I5 n " iI G ru us II Da ta '>;
"'" - I Dota
•..o
H .r::
, =.~=
I __~ .-I t . ~._
I I I I I I I --I~'-~-'I I I I . - ... T .'---
Jan. I 35.0 I 23.1 I 39.0 I 26-942 I 21.0 I 14-940 " 28.5 I 60.6 4.6 38.61 '17.4 I 21-939 I 246.8
Fev. I 34.3 I 23.0 I 37.7 I ~~-910 i 20.6 I 27-937' 28.1 I 64.9 i 5.3 I 77,6 80.0 I 11--!)33 I 216.0
Mar. I 33.6 I 22.6 I 38.3 I 3-·942 I 19.6 I 10-938 I 27.6 63.8 I 5.3 I 129.3 85.1 I 1:1·-932 I 2·11.5
Abr. I 32.9 I 22.5 I 38.3 I 2-942 I 19.8 I 7-938! 27.3 70.1 I 5.3 I 98.0 I 77.2 I 27--933 I 241.2
Mal. I 32.2 I 21.8 I 36.3 I 6·-942 I 17.6 I 26-938 i 26.9 67.0 4.6 56.8 I 57.5 I 1-937 I 2348
JUIl. : 31.4 21.2 35.9 I 28-940 I 17.8 I 15-940 I 26.0 66.1 I 4.6 I 36.6 I 63.2 25-936 I 226.5
Jul. I 3~.5 20.6 35.7 I 26.1.~2 I 17.0 I l.V ... 1936 I 25.R 61.9 4.1 I 7.4 I 19.4 I 22-9~9 I 243.6
Ago. I 3~.5 20.5 36.9 i 1.. ·939 I 17.0 I 1-936 I 26.2 58.8 I 3.4 I 1.9 5.0 I 28-931 I 275.3
Set. 133.9 21.3 37.1 I ~8--940 118.0 i 4-937 [ 27.3 55.7 I 2.9! 0.8 I 5.1 I 24--932 I 280.1
Out. I 34.9 22.2 I 37.7 25-942 I 18.8 I 24-940 I 28.0 55.1 I 3.2 I 5.6 I 27.2 I 20-939 I 298.3
Nov. 135.2 22.6 137.3 I 10-935 20,0 I Dtv... 28.4 54.G I 3.5 I 1.1 I 5.2 I 29-{)35 I 2RI.5
Dez. I 35.3 23.0 I 37.5 ! 22-·942 20.4 I Dtv ... i 28.0 56.6 I 4.0 I 11.1 I 29.3 I 28-933 I 28G.7
ANO I 33.6 22.0 r 39.0 I 12-·934 20.0 I 15--937 I 27.4 61.7 I 4.2 I 464.8 I 85.1! 13.3.932 I 3.072.3
I I I I I I

'-O
W
EM QUE SE PROCURA IDENTIFICAR AS PLANTAS CITADAS

IDENTIFICAÇÃO DAS PLANTAS CITADAS 121

ALGODÃO MOCO - Gossypium purpurascens Poir, fam. Malváceas.


ARROZ - Oryza sativa Linn., fam. GramÍneas.
AVELÓS - Euphorbia gymnoclada Boiss., fam. Euforbiáceas.
BANANA - Musa paradisiaca Linn., fam. Musáceas.
BATATA DOCE - Ipomoea Batatas Poir., fam. Convolvuláceas.
BELDROEGA - Portulaca oleracea Linn., fam. Portuláceas.
BREDO MANJONGOME - Talinum paniculatum Gaertn., fam.
Portuláceas.
CABAÇA - Lagenaria vulgaris Ser., fam. Cucurbitáceas,
CARDEIRO - Cereus chrysostele Vaupl., fam. Cactáceas.
CARNAÚBA - Copernícia cerifera Mart., fam. Palmáceas.
CARRAPATEIRA - Ricinus communis Linn .. fam. Euforbiáceas.
CATINGUEIRA - Caesalpinia Bracteosa Tul.. fam. das Leguminosas Ce-
sal pinióides.
CATOLÉ - Syagrus picrophylla Barb. Rodr., fam. Palmáceas.
COROA DE FRADE - Melocactus Ernestii Vaupel., fam. Cactáceas.
FACHEIRO - Cereus squamosus Guerke, fam. Cactáceas.
FAVA - Vicia Faba Linn., fam. Leguminosas Papilionadas,
FAVELA - Cnicoscolus phyllacanthus Pax & K. Hoffm., fam. Euforbiáceas.

121 V. BRAGA, Renato - Plantas do Nordeste, especialmente do Ceará.

95
FEIJÃO - Phçseolus uulgaris Linn, fam. Leguminosas Papilionadas.
IMBU - Spondias tuberosa Arr. Cam., fam. Anacardiáceas.
IMBURANA - Bursera leptophloeos Engl., fam. Burseráceas.
JERIMUM - Cucurbita Pepo Linn., fam. Cucurbitáceas.
MACAMBIRA - Bromelia laciniosa Mart., fam. Bromeliácea.
MANDIOCA - Manihot esculenta Crantz., fam. Euforbiáceas.
MANGABA - Hancomia speciosa Muell., Arg., fam. Apocináceas.
MAXIXE - Cucumis Anguria Linn., fam. Cucurbitáceas.
MARMELEIRO - Croton hemairgyreus Muell. Arg., fam , Euforbiáceas.
MILHO - Zea Mays Linn., fam. Gramíneas.
PIMENTA - Capsicum annuum Linn., fam. Solanáceas.
PINHÃO ROXO - Jatropha gossypiifolia Linn., fam. Euforbiáceas.
QUIXABA - Bumelia Sartorum Mart., fam. Sapotáceas.
TOMATE MIúDO - Lycopersicum cerasiforme Dun., fam. Solanáceas.
VELAME - Croton campestris St. Hil., fam. Euforbiáceas.
XIQUEXIQUE --Cereus Gounellei K. Schum, fam. Cactáceas.

96
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATHA YDE, João Martins de - Suspiros de um sertanejo. Recife s. ed. 1943. 16 p.


ATLAS PLUVIOMÉTRICO DO BRASIL (1914-1938). Rio de Janeiro, Div. de Águas, Seco Hidrologia,
DNPM do Ministério da Agricultura, 1948. 109 p. (BoI. nv 5).
AUGUSTO, José - Seridó. Rio de Janeiro, Borsoi, 1954. 258 p.
BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. Fortaleza - Efeitos da seca sobre a economia agropecuária
do Nordeste - 1958. Fortaleza, BNB, 1959. 22 f. mimeog. (Pub. nv 72).
__ -- Informações pluviométricas selecionadas do Polígono das Secas em 1960, Interpretação
estatística. Fortaleza, BNB, 1960. 19 f. mimeog. (Pub. n? 94).
BAR, George W. - In Banco do Nordeste do Brasil (ETENE) - Resultados da I e II reunião de
técnicos em algodão mocó. Fortaleza, BNB, 1960. 114 f. mimeog. (Pub. nv 99).
BARRETO, João Ferreira - O sal e a pecuária brasileira. Rio de Janeiro. Serviço de Informação
Agrícola, 1961. 88 p.

BARROSO, Gustavo - Terra de sol. 5~ Ed. Rio de Janeiro, Livraria São José, 1956. 265 p.
BRAGA, Renato - Plantas do Nordeste especialmente do Ceará. Fortaleza, Centro de Divulgação
Universitária, 1953. 524 p.
BRASIL. Comissão Nacional de Pecuária de Leite, DNPA - DFPA, Ministério da Agricultura. -
Bacia leiteira do Rio Grande do Norte, v. XI, n? 11 s.d. - mimeog.
CAPISTRANO DE ABREU, J. - Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Rio de Janeiro, Edição
da Sociedade Capistrano de Abreu, Livraria Briguet, 1930. 271 p.
CASCUDO, Luís da Câmara - Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do
Livro, 1954. 660 p.

__ - História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro, Serviço de Documentação do MEC, 1955.
525 p.
__ - Quem deu nome à Serra do Doutor. A República, Natal, 30 de maio e I? jun. 1957.
__ - Tradições populares da pecuária nordestina. Rio de Janeiro, Serviço de Informação Agrícola,
1957. 78 p. (Doe. da vida rural, v. 9).
__ - Vaqueiros e cantadores. Porto Alegre, Globo, 1939. 274 p.
CASTRO, Josué de - Geografia da fome. 2~ Ed. Rio de Janeiro, Empresa Gráfica O Cruzeiro S/A,
1948. 428 p.
CHÁCARAS E QUINTAIS. São Paulo, Ed. Chá & Qui, 1943.

97
CUNHA, Euclides da - Os sertões. 2~ Ed. Rio de Janeiro, Laemert & C. Editores, 1903. 618 p.
DAVIS, J. D. - Dicionário da Bíblia. 2~ Ed. Rio de Janeiro, Casa Publicadora Batista, 1960. 660 p.
DUQUE, J. G. - Solo e água no polígono das secas. 3~ Ed. Fortaleza, DNOCS, 1953. 306 p. (Brasil,
MVOP, DNOCS. Série I-A. Pub. nv 154).
__ - O melhoramento dos pastos no Nordeste. Fortaleza. Banco do Nordeste (ETENE), 1962. 104
p. mimeog,
FARIA, Juvenal Lamartine de - Velhos costumes de meu sertão. Tribuna do Norte, Natal, 1954.
F.ARIA, Oswaldo Lamartine de - Notas sobre a pobreza. Diário de Pernambuco, Recife, mai, 1948.
FIGUEIREDO FILHO, José de - Engenhos de rapadura no Cariri. Rio de Janeiro. Serviço de
Informação Agrícola, 1958. 74 p. (Doe, da vida rural, v. 13).
FREYRE, Gilberto - Casa-Grande & Senzala. 4~Ed. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1943.2 v.
(Doe. brasileiros, 36 e 36A).
__ - Nordeste. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1937.
GALVAO, Hélio - O mutirão no Nordeste. Rio de Janeiro, Serviço de Informação Agrícola, 1959.
75 p. (Doe, da vida rural, v. 15).
__ - Um precursor da açudagem. Diário de Natal, Natal, 14 mai. 1950.
GUERRA, Felipe - Secas do Nordeste. Natal, Centro de Imprensa S/A., 1951. 33 p.
GUERRA, Paulo - Noções de irrigação. Fortaleza, Serviço Agro-Industrial, DNOCS-MVOP, 1962.
46 f. mimeog.
IBGE - Conselho Nacional de Estatística. Anuário estatístico. Rio de Janeiro, 1950 e 1960.
KOSTER, Henry - Travels in Brazil. Trad. Luís da Câmara Cascudo (Viagens ao Nordeste do
Brasil). São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1942. 595 p. (Brasiliana, v. 221).
LIMA, Jamile Japur T. de - Notas de estudo sobre alimentação no Brasil. A Gazeta, São Paulo, 9 e 16
jul. 1960.
LINS, Ulysses - Um sertanejo e o sertão. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1957. 387 p.
MENEZES, Otoniel- Sertão de espinho e de flor. Natal, Departamento de Imprensa, 1952. 270 p.
MENEZES, Djacir - O Outro Nordeste. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1937. 243 p. (Doe.
brasileiros, 5).
MORAES, Adelaide Vieira de - Bibliografia brasileira do sal. Agosto 1877 - abril 1962. Rio de
Janeiro, Instituto Brasileiro do Sal, 1962. 110 p.
NEVES, Carlos Alves das - A batateira doce e sua cultura no sertão e nas bacias de irrigação dos
açudes do Nordeste. In Boletim da I.F. O.C.S., Rio de Janeiro, v. 16, nv 2, out/dez. 1941.
PEIXOTO, Ariosto - Feijão. Rio de Janeiro, Serviço de Informação Agrícola, 1958. 72 p. (Produtos
rurais, nv 8).
PEREIRA DA COSTA, F.A. - Vocabulário pernambucano. Recife, Revista do Instituto Arqueológico
Histórico e Geográfico de Pernambuco, v. XXXIV, 1936, nv 159/162.
RIBEIRO, José de Assis - Fabricação de queijos. 2~Ed., rev. Rio de Janeiro. Serviço de Informação
Agrícola, 1961. 207 p. (SIA, nv 773).
__ - Indústria leiteira no Rio Grande do Norte. Natal, SAFP-DNPA, Ministério da Agricultura,
1952. mimeog. (pub. nv 7).
RIBEIRO, Paulo de Assis - Conservação da carne pela salga e dessecação Revista dos criadores. São
Paulo, novo 1948.
SANZ ENGANA, C. - Enciclopedia de Ia carne. Madrid, Espasa-Calpe 1948. 966 p.

98
SANTA ROSA, Jayme - Oleo de favela. Rio de Janeiro, Instituto Nacional de Tecnologia, 1943.55 p.
__ - Plantas xerófilas do Nordeste e o aproveitamento industrial de seus produtos. Rio de Janeiro,
Confederação Nacional da Indústria, DEP-SESI-DN, 1959. 22 p. (Tese apresentada ao Semi-
nário para Desenvolvimento do Nordeste - Garanhuns).
SEMLER, Heinrich - Plantas úteis do deserto. Boletim do Ministério da Agricultura Indústria e
Comércio, Rio de Janeiro, 1913.
SCHMIDT, Carlos Borges - Lavoura Caiçara. Rio de Janeiro, Serviço de Informação Agrícola, 1958.
79 p. (Doe. da vida rural, v. 14).
SILVA MELO, A. da - Nordeste brasileiro. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1953.410 p.
SILVA, Walter - A alimentação dos selvagens brasileiros. Actas Ciba, ano XIII, Rio de Janeiro, ago.
1946.
STRADELLI E. - Vocabulário da língua geral: portuguez-nheêngatú e nheêngatú portuguez,
precedido de um esboço de gramática nheêngatú-embuê sáua miri e seguida de contos em
língua geral nheêngatú poranduua. Rio de Janeiro, 1928. 768 p. (Destacado da Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 104, v. 158, 1928).
VILAÇA, Marcos Vinicios - Em tomo da sociologia do caminhão. Recife, Instituto Joaquim Nabuco
de Pesquisas Sociais, 1961. 162 p.

99
ALGUMAS ABELHAS
DOS SERTÕES DO SERIDÓ

(Notas de carregação)

Oswaldo Lamartine de Faria


Hypérides Lamartine
103
"Quem nunca passou
pelo Seridó
e no Piancó
nunca viajou
não saboreou
o mel do abreu;
um desses nasceu
em hora esquecida
passou pela vida
porém não viveu".
(João Martins de Athayde)
L GEOGRAFIA E POVOAMENTO

Dezesseis municípios;' ao Sul do Estado, formam a região do Seridó no Rio


Grande do Norte.
Com uma área de 9.386 km", i.ê, oito vezes maior do que o Estado da Guana-
bara (1.171 km'') e uma população de 146.293 hab., apresenta o Seridó uma densi-
dade de 15,6 hab/km".
A topografia da região é ondulada, devendo a altitude média estar, pouco
mais ou menos, na cota dos 250m. O solo é compacto, raso, erodido e pedregoso,
dificultando o enraizamento das plantas. A vegetação - caatinga - é espinhenta,
arbustiva, rala, dominando as cactáceas e outras formas xerófilas.
Os inoernos' são escassos e irregulares, detendo o posto de Currais Novos a
menor média do Estado: 398.3 mm/anuais contra 1.450.2 da cidade do Natal."
O gentio que por ali vagava antes do colonizador requerer terras, dela tomar
posse e situar a estaqueada dos currais, já caçava" abelhas - verbo arremedado
pelo homem primitivo nos matos dos quatro cantos do mundo.
Ao lado da caça, do peixe e dos frutos, o mel participava dos hábitos alimen-
tares do nosso caboclo brabo", Alimento e remédio também usado pelo branco.
Mas, nem o índio nem o colonizador exploraram racionalmente a abelha. A fartu-
ra delas, naqueles tempos, é de se imaginar, não induzia o homem a se ocupar de

1 Acari, Caicó, Carnaúba dos Dantas, Cerro Corá, Cruzeta, Currais Novos, Floránia, Jardim de
Piranhas, Jardim do Seridó, Jucurutu, Ouro Branco, Parelhas, São Fernando, São João do Sabugí, São
Vicente e Serra Negra do Norte.
2 Cf., o Censo de 1960.

:l Inverno: período das chuvas, no dizer regional.


4 Cf. Atlas pluviométrico do Brasil.

:, Caçar: além do sentido de perseguir é, no Nordeste, também empregado como ato de procurar.
alguma coisa.
6 Caboclo brabo: indígena

107
cortiços. Limitavam-se, um e outro quando mais necessitados, a caçá-Ias ou quan-
do muito, depois de colhido o mel, situarem a colônia em uma cabaça ou oco de
pau e trazê-lo para as proximidades da morada.
E assim viveram e procederam por todo o ciclo do couro que se espichou até
meados do século passado. O gado no Nordeste era e ainda é criado à solta na caa-
tinga, cuja mescla de espécies forma as forrageiras nativas de que se alimentam".
Assim, é de se presumir que por todo aqueles tempos o bicho-homem pouco tenha
contribuído para a diminuição da fauna apícola local, de vez que a minguada agri-
cultura existente devia ocupar pequenas nesgas de terra.
A valorização do algodão é que fez reclamar mais terras e mais braços. Daí as
derrubadas e a coivara fazendo cinza da vegetação de maior porte das várzeas e
chãs das serras onde a terra mais gorda fazia crescer a lavoura-dinheiro - o algo-
dão mocó."
De lá para cá a raiz do algodão tomou conta das melhores terras agrícolas da-
quelas fazendas e hoje, já subindo pelo alto das caatingas, domina a paisagem.
Agora as raras essências de maior porte sobrevivem no enladeirado de algumas
serras, e há municípios onde, dificilmente, se encontra um tronco que dê um mou-
rão de porteira. Ameniza o cinzento dessa saarização galopante, o plantio de ave-
lós como cerca-viva, a recente introdução da algaroba, as fruteiras e vazantes da
açudagem pública e particular. O crescente uso dos derivados de petróleo e, mais
recentemente, já outro dia, as torres de aço de Paulo Afonso trazendo energia elé-
trica, fazem poupar a lenha para as bocas dos fogões e das caldeiras ...
n. O SERTÃO SEM MEL
É de se imaginar que um minucioso estudo dos hábitos das nossas abelhas sil-
vestres, relacionado com a rarefação da flora nectarífera e das essências onde mais
nidificam, ofereça melhor resposta à extinção de algumas espécies ou até mesmo à
proliferação de outras, como o arapuá. A grosso modo, o que podemos concluir é
que o gume do machado abrindo claros cada ano maiores na rala vegetação nativa
promoveu o desequilíbrio biológico, fazendo minguar as condições de sobrevivên-
cia da fauna apícola.
Hoje, até nos anos bons de inverno, dizem os mais velhos, é fácil perceber,
mesmo a olho, a rarefação de abelhas nos pés-de-pau floridos, como ainda ontem
era visto e cantado:
"Quando chove as abelhas
Começam a trabalhar:
Moça-branca e a pimenta,
Mandaçaia e mangangá;
Canudo, Mane-de-obreu;
Tubiba e arapuá.

, Cf. GALVÃO, José Braz de A. - Forrageiras nativas do Seridó. Seleções Agrícolas. Rio de Janei-
ro, set, out, nov., 1960.
B Cossypium, puspurascens Poir. Ver BARR, George W. - O algodão mocó. Fortaleza, Banco do
Nordest.e do Brasil, 1960.

108
Ronca a tataíra,
Faz boca o limão,
Zôa o sanharão,
Trabalha a jandaíra,
Busca flor a cupira,
Faz mel o enxu,
Zôa o capuchu,
Vai à fonte o jati,
Capeia o enxuí,
Faz mel a uruçu"."
A rarefação crescente da fauna veio tornar desvantajosa as atividades daque-
les que viviam do mato. Assim, os que nele se embrenham para caçar bichos ou
abelhas o fazem agora como atividade ocasional. E no caso das abelhas, mais das
vezes para acudir uma encomenda de gente da rua'", usar o mel como meizinha"
de alguma tosse-braba ou tirar a abelha achada quando estavam noutro serviço
qualquer.
Encontrada a morada da abelha, tratam de cortar o pau em que está situada
- mesmo em se tratando de uma essência de maior valor ou que, de futuro, venha
a dar obrar", Lá um ou outro mais previdente é que se limita a fazer um corte por
onde extrair o mel para depois tapá-Io com barro, cortar as duas extremidades da
tora e, à noitinha, levá-Ia para as proximidades da casa e pendurá-Ia no beiral das
telhas. Porque o comum, é abrir o ninho, fartarem-se do mel e abandoná-Io à vora-
cidade dos seus inimigos naturais (formigas, pássaros, lagartixas, etc). Daí, é de se
imaginar, um dos maiores fatores de decréscimo da fauna apícola regional.
Quando se trata de uma abelha mais agressiva - como a tubiba - ou de um
vespídeo, costumam defumá-Ia antes com estrume de gado.

Vale anotar como curiosidade o fato de que fomos testemunhas, mais de uma
vez, quando em suas atividades agrícolas, esbarravam com uma "casa" de boca-
torta": Mesmo sem se protegerem, algumas vezes até nus da cintura-para-cima,
limitavam-se a passar as mãos nos sovacos suados e, devagarinho, aproximá-Ias
da "casa", até esmagá-Ia, esfregando uma na outra, sem sofrer uma única ferroa-
da.
Poucas abusões conhecemos ligados aos caçadores de abelhas. Uma mais es-
tranha e que parece comum a todo o sertão nordestino, é a de que o mel da
abelha limão, tirado no mato, tem de ser comido em silêncio. Se um dos tiradores,
acabada a refeição, diz para o outro: - "Vamo imbora", fica completamente be-
bado, lançando> e areado": De alguns sertanejos ouvimos essa afirmativa como

9 ROMANO, Francisco (1840 - 1891) - O Inverno no Sertão.


10 _ Rua - o sertanejo assim designa o povoado, a vila ou a cidade mais próxima donde reside.
11 _ Meizinha - remédio caseiro da medicina popular.
I' _ Dar obra - Dizem para significar que uma matéria prima pode ser aproveitada na manufa-
tura de alguma utilidade
IJ _ Boca-torta - vespídeo social (Polybia occidentalis Oliv).
14 _ Lançar - vomitar
Li _ Areado - perdido, desnorteado.

109
verdadeira, embora nunca tivéssemos oportunidade de testemunhá-Ia. A literatu-
ra regional registra o fato nos sertões cearenses.
"Na serra da Barriga, também em Sobral, o mel de certa abelha, co-
lhido em certa época do ano, produz a embriaguez, principalmente, nos
tempos de seca.
Uma coisa singular: o embriagado, por esse mel, no delírio da
embriaguez, dá para berrar como bode, como querendo dizer que foi o
mel que o embriagou". (SOBREIRA, J. G. Dias - Curiosidades e fatos
notáveis do Ceará).
Os "beiradeiros" do Sergipe e das Alagoas também, por lá, dizem o mesmor"
"... a abelha limão é também conhecida por "come e não vamo". Se
se comer e convidar a pessoa para ir embora, ela fica bêbada, por isso,
coma e saia quieta, não fale nada, adiantou-nos Anísio Jacaré". - (A-
RAUJO, Alceu Maynard - Populações ribeirinhas do baixo São Francis-
co).
Francisco Julião (fz. Lagoa Nova, S. Paulo do Potengi, RN), tem para ele
que: - "qualquer mel quente embebeda; ou então estando no tempo da flor da
maniçoba'" ou da fior-de-seda", Já Arthephio Bezerra (Serra Negra do Norte,
RN) acredita que a embriaguez é causada unicamente pela flor da maniçoba'".
Alguns sertanejos mais sagazes, de tanto caçarem abelhas para atender as en-
comendas de suas freguesias e face à crescente rarefação delas - aprenderam a
rastejá-Ias. Raros os que são capazes desse feito, de vez que isso carece muita pa-
ciência e astúcia.
Assim, nos meses de seca, procuram as perdidas bebidas existentes - cacim-
bas, barreiros'", etc - e lá se acocoram atocaiando as abelhas que ali vão beber.
Algumas podem vir em maior quantidade e freqüência. Espiam. Escolhem as que
tomam mais altura no vôo de volta e dizem que elas assim fazem porque têm mo-
rada mais perto. Quando o cortiço está mais longe - justificam - as abelhas vão
ganhando altura mais devagar, vencendo pouco a pouco o vento e a distância.
Faz de conta que seja uma jandaíra ... Espiam uma a uma as que bebem e o
rumo que tomam de volta. Sentem a direção do vento. Atentam para a altura do

16 Em carta de 7 mar. 63, o Dr. Paulo Nogueira Neto nos informava: "Infelizmente as pesquisas
que estou realizando, juntamente com o biologista Renato Jaccoud, sobre o mel tóxico, ainda não che-
garam a sua conclusão. Penso que os casos graves de intoxicação sejam devidos ao néctar de uma plan-
ta, que ainda não conseguimos localizar. Mas não estamos longe disso. Quanto aos casos-de simples
tontura (embriaguez) parece mais difícil descobrir a causa. Possivelmente também seja alguma planta
a responsável ou em alguns casos, uma tendência diabética. Certo tipo de intoxicação, com diarréia,
etc., está sendo estudado farmacologicamente pelo Dr. Domingos Valente. Ele escreveu um artigo (não
publicado ainda) a esse respeito sobre experiência com material que lhe fornecemos".
17 Maniçoba - Manihot sp. da família das Euforbiáceas.
18 Flor-de-seda - Calotropis sp. da família das Asclepiadáceas.
19 Nos subtítulos "mêis tóxicos" e "plantas indesejáveis", Paulo Nogueira Neto - A criação de
abelhas indígenas sem ferrão (Meliponinae). 2~ed. São Paulo, Tecnapis, 1970 - identifica e estuda de-
talhadamente o assunto.
20 Barreiro - pequena barragem; em ordem crescente de grandeza visual há o ambó, o barreiro, o
açudeco e o açude.

110
vôo. Andam mais algumas braças naquele mesmo rumo e, de novo, botam sentido
na passagem delas. Vêem passar a primeira, a segunda, a terceira ... está confirma-
da a direção. Adiantam-se outras tantas braças e recomeçam o balisamento ... E
de lance em lance, vão bater no pau em que está situada a jandaíra. Nele botam o
ouvido, auscultando-o com pequenas batidas e chegam a "diagnosticar" se é de
morada velha, se está gorda ou magra. As pobres de mel são chamadas magras,
tanto assim que o enxus', em certa época do ano que tem pouco mel e abundante
ninhada de larvas, serve de comparação aos indivíduos de família numerosa. "Fu-
lano tem fio que só enxu magro ..."
A diligência é naturalmente facilitada ou dificultada pela maior ou menor
identificação do homem com o seu mundo - a flora melífera, sua distribuição nas
redondezas, épocas de floração, pontos de bebida, hábitos das diferentes espécies,
etc.
Os mais curiosos conhecem tim-tim por tim-tim o mundo que os cerca. Sa-
bem de cor as madeiras que se apresentam mais freqüentem ente ocadas -a im-
burana, a catingueira e o cumaru - morada natural das nossas abelhas silvestres.
E a literatura oral comprova essa preferência:
"Xique-xique é pau de espinho,
Imburana é pau de abelha;
Gravata de boi é canga,
Paletó de negro é peia ... "
Nada distingue a indumentária do caçador de abelhas do sertanejo comum.
Apenas, em trabalho, nunca se aparta do seu instrumento de corte e destruição-
a foice - e da clássica cabaça-de-colo+ (ou de pescoço) alçada em embiras, em
que recolhe o mel de sua rapina.
Em Serra Negra deitaram fama e ainda hoje são lembrados os feitos dos raste-
jadores como o negro velho Donato (nasc. 1857 - fal, 1952), escravo de Manoel Pe-
reira Mariz (faz. Solidão) e do velho Marcolino Fidelix (? - 1890).
Sendo os 9.386 km2 que formam os chãos do Seridó, semi-áridos, mal vesti-
dos de uma vegetação rala, mal umedecidos por chuvas escassas e mal distribuí-
das - é de se imaginar - existir ali uma menor quantidade e qualidade de abe-
lhas do mato. A produção nativa de mel e cera decresce, naturalmente, nos anos
de seca, para se normalizar nos anos de maior fartura. A julgar pelos números con-
tados pelo Serviço de Estatística da Produção do Ministério da Agricultura, em
1960, rendeu, em quilos, apenas:
Municípios Mel Cera
Cerro Corá . 40 5
Currais Novos . 60 6
Serra Negra . 108
208 11
Rio G. do Norte . 14.128 2.443

" Enxu - vespa social que nidifica nos ramos das árvores.
22 Cabeça-de-colo (ou de pescoço) Cucurbito legenaria Linn, da fam. das Cucurbitáceas.

III
Desconhecemos estatísticas de períodos anteriores que possam servir de ele-
mentos de comparação. Vale acrescentar, entretanto, que para o restante do Esta-
do houve, está bem visto, uma participação numérica positiva, face à florescente
exploração de abelhas do reino (Apis mellifera L) que vem sendo fomentada nas
imediações da Capital e zonas de ecologia mais favorável.
Na região do Seridó, exceto alguns núcleos trazidos ainda pelo então bispo do
Caicó, D. José de Medeiros Delgado, não conhecemos qualquer tentativa de explo-
ração de abelhas européias.
Escapa naturalmente às estatísticas oficiais o maior volume da produção de
mel e cera por se tratar de uma atividade rural típicamente extrativa.
Fala a boca da grande maioria da inutilidade e perda de tempo em cuidar de
cortiços da abelha silvestre. Na verdade, poucas são as melíponas das que ali vi-
vem, capazes de oferecer uma compensação econômica direta.
Há, entretanto, na apifauna regional algumas espécies perfeitamente passí-
veis de serem exploradas pois, além de razoável rendimento, apresentam sobre a
abelha do reino a vantagem de um insignificante empate de capital, mais fácil
manuseio e completa ausência de agressividade. Dia a dia o Nordeste, e com ele o
Seridó, faz crescer a sua capacidade d'água armazenada em açudes. Conseqüente-
mente, à jusante dos maiores reservatórios, cria-se ou tende a se criar a exploração
de uma fruticultura tropical de mercado perfeitamente assegurado em toda a re-
gião. Assim, mesmo esquecendo os rendimentos diretos em mel e cera, a essa api-
cultura caberia o importante papel econômico de polinização e conseqüente mul-
tiplicação das safras. Nos EE. UU., as estatísticas dizem que:
"... a polinização das flores pelas abelhas aumenta a produção anual
de frutos e grãos do país, num valor de 2,065.883.000 dólares; e uma col-
méia que produz anualmente 5 dólares em mel e cera, dá um lucro de 100
dólares no aumento da produção de frutos e sementes. "23
Desconhecemos, infelizmente, informes de rendimentos nas diferentes espé-
cies arroladas naqueles sertões. Apenas na Fazenda Talhado (Acari, RN), a invul-
gar figura de um Louis Bromfield sertanejo, José Braz Galvão, vem, faz tempos,
criando em cortiços sob as fruteiras que cultiva à jusante do seu açude, a abelha
ali chamada de canudo ou limão.
A literatura que palmeamos sobre a mesma, quase sempre em informes da
nossa maior autoridade na exploração racional de meliponínios - Paulo Nogueira
Neto - repisa, a cada página:
"Canudo - nome freqüentemente dado a diversas abelhas, uma das
quais é Lestrimelitta Limão (SM). Esta é um meliponínios que só vive de
rapina e seu mel é freqüentem ente tóxico. Os ninhos velhos dessa abelha
têm uma entrada grande, de cerume, com diversas protuberâncias e às
vezes até com diversos tubos. Essa abelha joga fora os detritos da colônia

" VAN TOL FILHO, Pedro L. - Criação racional de abelhas.

112
na beira da própria entrada da colméia. O fato foi descoberto em 1933
pelo entomologista Rau. "24
Talvez haja um equívoco gerado na sinomínima vulgar e o canudo ou limão a
que se refere o ilustre pesquisador e que também embebeda os caçadores no mato,
não seja o mesmo a que apelida José Braz Galvão. Ou, quem sabe, não pastam
néctar tóxico naquele local (?). Oportunamente tentaremos coletar material que
venha esclarecer essa dúvida. A verdade é que, na Fazenda Talhado, segundo in-
formes de seu proprietário, a criação tem oferecido, em relação às demais espécies
nativas, razoável rendimento e maior rusticidade. Diz José Braz:
"É feita em cortiços de tábuas de imburana, com dimensões aproxi-
madas de 1,00 x 0,18 x 0,15 m. O rendimento médio de 30 caixas, soma
nos anos bons de inverno ou regulares, de 2 a 3 litros/cortiço. Em 1962, a
venda, na fazenda, se fazia a razão de Cr$ 300,OO/litro.A cera do canudo
é muito dura, valendo por isso a metade do preço da amarela ou moça-
branca que, naquele ano, foi paga a Cr$ 60,00 por hg."
O finado Zuza Gorgônio (Timbaúba dos Gorgônios, Caicó), nas primeiras eras
deste século, chegou a ter 80 cortiços de jandaíra em pequenas caixas de madeira
ou toras de imburana ocadas. Deles restam uns 40 na posse de seu filho Gorgônio
Artur da Nóbrega, com um rendimento de pouco mais de 1 litro/ano.
É ainda a jandaíra, em todos aqueles cafundós, a abelha mais apreciada pelo
sertanejo. Dela gabam o mel, a cera e o trabalho. Nos anos bons de inverno a safra
é coletada nos meses de abril para maio.
Está bem visto que esses rendimentos podem ser considerados pelos apiculto-
res da abelha-do-reino como um lambuzado de mel. É preciso, entretanto, não es-
quecer as despesas de material (colméias, quadros, suportes, cera-alveolada, ara-
mes, fumigador, centrífuga, etc.), assistência e conhecimentos especializados re-
clamados pela abelha européia. Ademais a meliponicultura pode constituir, em
muitos casos, um degrau educativo à exploração racional de Apis mellijera.
Talvez, dentro da nossa própria apifauna venha a se identificar outra abelha
que naquela região ofereça maior compensação. A uruçu, uma das que goza de me-
lhor conceito, pelas entreyistas realizadas com os mais velhos, concluímos não ser
nativa naqueles sertões'". E o seu mel para ali levado, ontem como ainda hoje, é
mercadeado do litoral, brejos paraibanos ou do Cariri cearense. Em Barra do Cor-
da (MA), em 1952, ouvimos falar, da boca dos caçadores, de uma abelha rara, bem
maior que a européia e produzindo muito mel, ali conhecida como uruçu-boi'",

24 Chácaras e Quintais, v. 105, p. 542 - mai/1962.


25 "A delimitação da área do uruçu no Nordeste ainda não está precisamente fixada, entretanto,
no Rio Grande do Norte pelo menos, já se pode afirmar que a uruçu é uma abelha da zona agreste, lito-
rânea, estando ela presente desde a fronteira da Paraíba, até o Cabo de São Roque, numa faixa que
não vai além de 50 km de largura, em média". LAMARTINE, Hypérides - A área da abelha uruçu no
Nordeste. Cha & Qui, São Paulo, dez/1962.
26 "Talvez seja a Melipona [lauipennis, abelha que parece uma pequena mamangaba, sendo real-
mente maior que a Apis mellífera. O nome uruçu designa muitas vezes qualquer abelha grande; em
Mata Grande (AI), p. ex., é a abelha que vocês chamam de jandaíra (Melípona fauosa)". (Observações
de Paulo Nogueira Neto em carta a nós endereçada de 21-8-63).

113
E não atalhando a conversa sobre a uruçu, vale aqui lembrar que, ainda em
1863 e 1871, ela foi introduzida na Europa pelo naturalista francês Louis Jacques
Brunet. Vingt-Un Rosado que já há um bocado de tempo anda no piso dos feitos
desse francês é quem teve a bondade de nos permitir espiar os escritos ainda inédi-
tos que reconstituem os seus rastros pelo Nordeste. De onde copiamos:
"Louis Jacques Brunet, viajando à França em julho de 1871, levou
um ninho de uruçu.
L-ma t entatii:a anterior de sua introdução no Museu de Histórià ]\Iã-
tural. em 1863, fracassou, porque foi feita em período de muito frio, oca-
sionando a morte dos insetos .

.'vias, a iniciativa de Brunet coroou-se do melhor êxito e a ele coube o


pricilegio de ter sido o introdutor da uruçu na Europa. Brunet deu um ni-
nho de Scutellaris a M, E. Lafon, proprietário em Sainte-Croix-du
Mont:
Lafon cedeu a colônia a E. Drory, um inglês radicado na França e
apicultor há alguns anos, que também exercia os cargos de Diretor e
Redator-Chefe de uma publicação mensal: "Le rucher du Sud-Uuest",
publicada em Bordeaux.

Drory criou experimentalmente as abelhas do Brasil e escreveu uma


" monografia: "Quelques observations sur Ia Melipone Scutellaire ", edita-
da em 1872, em Bordeaux.
A abelha que Brunet introduziu na França despertou a atenção de
diversos apicultores e cientistas,

Drory diz que ela era "ainda muito pouco conhecida em nossos
dias", o que justificava a curiosidade de criadores e entomélogos.
O zoólogo Siebold fez comunicações a Drory sobre a espécie brasilei-
ra, baseado em espécimes por este remetidos, Outro a observá-Ia foi Pier-
re Huber.

Brunet vela pela preservação da uruçu, na Europa. Em maio de 1872


ia fazer noua remessa a Drory, "uma ou duas colônias de Meliponas,
mais bem acondicionadas e mais povoadas que as primeiras ", quando o
inglês esperava poder continuar as suas obseroações.
Drory temia que o frio na França fosse um sério inimigo da Melipo-
na, ameaçando a sua aclimatação. "27

m. AS PERGUNTAS E AS RESPOSTAS
Dada a impossibilidade de uma pesquisa mais detalhada em cada zona carac-
terística de cada município através de amostragem ou com entrevistas junto às
pessoas mais de perto identificadas com o problema - tivemos de nos cingir, nes-

27 ROSADO Vingt-Un - (De um livro em preparo sobre Louis Jacques Brunet).

114
sas notas preliminares, a um simples questionário endereçado às prefeituras mu-
nicipais ou a sertanejos ali residentes.
Algumas poucas com unas deixaram de atender ao nosso apelo. Assim, para
corrigir essa lacuna, consideramos as respostas do município vizinho de condições
ecológicas mais aproximadas.
A leitura mais cuidadosa dos resultados, para cada município ou para a re-
gião como um todo, comporta diferentes conclusões, dentre as quais vale ressaltar:
1. Os municípios que apresentam maior número de espécies extintas (Jardim
do Seridó e Óuro Branco, 27,7%; Caicó, Carnaúbas dos Dantas e Parelhas, 22,2(;()
são, provavelmente, os que sofreram um maior desgaste na sua reserva florística
face à expansão algodoeira.
2. Vale salientar que Jardim do Seridó e Ouro Branco têm, em relação aos de-
mais, uma superfície pouco ondulada e nas serras é onde ainda resta pequena
amostragem da flora regional.
3. O município de Ouro Branco possui a menor área - (213 km-) do Seridó,
detendo em contrapartida a maior densidade demográfica regional (20,7
hab/km").
4. Paralelamente, vale acrescentar que, em levantamentos procedidos no
período de 1956-828, esses dois municípios não dispunham de reservatórios de
maior capacidade - construí dos pelo DNOCS ou em cooperação com aquele ór-
gão - embora detenham expressivo número de barragens particulares. Vale
lembrar que, na pequena açudagem, quase sempre a água não resiste de um ano
para outro.
IDENTIFICAÇAO DA APIFAUNA DO SERIDÓ:29
1. AMARELA - Friscomelitta varia (Lep)
2. ARAPUÃ - Trigona spinipes F.
3. CANUDO - Lestrimelitta limào (Friese)
4. CAPUXU - Myschecyttarus ater (vespa social I

5. CUPIRA - Partamona cupira (F. Sm )


6 .. ENXU - Nectarina lecheguana Latr. fam. Vespideos
7. ENXUÍ - Polybia sedula Latr. fam. Vespideos
8. JANDAIRA POTIGUAR - Melipona [aiosa subnitida Ducke
9. JATI - Tetragonisca jaty (F. Srn)
10. MIRIM ou REMELA - Plebeia sp.

28 In A Caça nos sertões do Seridó.


29 Compulsada da pequena literatura técnica de que dispúnhamos e revista pelo Dr. Paulo No-
gueira Neto. É nossa intenção futura fazer coleta de material in loco para remessa aos entomologistas,
visando assim corrigir prováveis equívocos.

115
11. MOSQUITO - Plebeia mosquito (F. Sm)
12. MUMBUCA ou PAPA-TERRA - Cephalotrigona capitata (F. Sm) (?)

13. PIMENTA - ?
14. RAJADA - ?
15. TATAIRA OU CAGA-FOGO - Oxytrigona tataira (F. Sm)
16. TUBIBA - Scaptotrigona tubiba (F. Sm)
17. URUÇU - Melipona scutellaris Latr.
18. ZAMBOQUE - ?
IV. O QUE SE CO:-;CLUI
A análise do questionário, acreditamos, pode ser emparelhada com a geogra-
fia de cada município, considerando-se ainda, na quebra do equilíbrio biológico:
a) Substituição da flora típica regional de maior porte, localizada nas faixas
de melhor solo - várzea dos rios e chãs das serras - pela cultura algodoeira.
b) Ocorrência das secas periódicas que intensifica no homem, minguado de
recursos, o ato de caçar abelhas em um processo tipicamente predatório.
c) Crescente densidade de população, dando, conseqüentemente, maior pro-
cura de mel até mesmo para as meizinhas da farmacopéia sertaneja, de vez que o
homem é ali o maior inimigo natural das abelhas silvestres.
d) Uso crescente de inseticidas de maior efeito residual na lavoura algodoei-
ra.
e) Inexistência de qualquer política conservacionista.
Favoravelmente, longe contudo de neutralizar os fatores adversos, deve ter in-
fluído:
a) Diminuição dos inimigos naturais da fauna regional-".
b) Crescente volume d'água represado pela açudagem.
c) Raras e isoladas criações de abelhas.
d) Fomento ao plantio da algaroba.
e) Menor gasto de lenha e carvão, face os derivados de petróleo e o recente
prolongamento da energia de Paulo Afonso; idem de madeira para cerca, face ao
plantio do avelós.

V. AS ABELHAS NA BOCA DO POVO


O adagiário e as comparações do linguajar sertanejo são pobres no falar de
suas abelhas. Dos poucos que conseguimos arrebanhar, a maioria foi coletada por
Leonardo Mota.

:l0 Em menos de 50 anos foi extinta 13% da fauna cinegética regional (Cf. A Caça nos sertões do
Seridó).

116
- Desgraça de farinha é mel em casa.
- Negro que não gosta de mel é ladrão de cortiço.
- Pinica-pau não tem machado e come abelha.
- Questão de jaty é pau não ter ôco (a réplica a quem opõe contrariedade
na conversa, dizendo: "A questão é que ... ")
-Descobrir o mel de pau (corresponde, a "descobrir a poloora").
-Até maribondo tem casa",
- Escutar (auscultar) a gente, como quem procura abelha em pé de pau.
- O pobre que se destina
A cantar na terra alheia
Vive de cara pra cima,
Que nem caçador de abelha ...
- No galho do pau mais alto
Eu vi a abelha frechar:
Abelha que não dá mel,
Dá cêra, dá saburá ...
- Mula estrela,
Mulher faceira
E tubiba de aroeira":
O diabo que as queira ...
Agradecimentos:
Ao Dr. Paulo Nogueira Neto pela sua inestimável ajuda em diferen-
tes fases da pesquisa. Aos amigos e prefeitos dos municípios seridoenses,
pela maior boa vontade no preenchimento dos questionários: José Braz
Galvão (Acari), Gorgônio Artur da Nóbrega (Caico), João Henrique Dan-
tas (Camaúba dos Dantes), Cerro Corá, Joaquim Lopes Pequeno (Cru-
zeta), Francisco Nobre de Almeida (Florãnia), José Melo (São João do
Sabugi), e Ramiro Monteiro Dantas (Serra Negra do Norte).

31 Sendo a aroeira uma das madeiras mais rijas do sertão reclama, para ser cortada, mais trabalho

e destreza do machadeiro. Daí o receio de tirar a tubiba - abelha valente - quando nela está aninha-
da.

117
-~
o o ..... cIl
rfJ U '"O bJl f-<
cIl
'cIl
f-<
cIl
,..c: >=:
cIl >=:
;:l
.c ...,
Q)
bJl
..o o rfJ
o cIl >=:
'o ...,;:l f-<
rn cIl >=:
Q)
SERIDÓ- Abelhas silvestres -1963 ';:l C) ...,
cIl
t> 'S cIl .....
'"O
;:l ÇQ
cIl
.,..c: >=:
f-<
cIl
ir: u
Q)
.....•
Z
.....• ,o cIl
o Q) o f-< f-< f-< .-< Q)
,.-;; cIl
f-<
cIl
U
.~
>=:
f-<
f-<
f-<
N
;:l Z
<cIl
f-<
o ~ r:n
Q) ;:l
o
o
f-<
Q)
f-< ~ >- f-<
f-<
U
<t: Ü
cIl
C) C)
Q) f-<
C) C) ~
,.-;; "";) "";)
;:l ;:l
O
c,cIl a: a: ir: ir:
Q)
1. Amarela, Abreu ou Moça-
Branca p E P R P R R R E R E P R P R R
2. Arapuá ou Sanharó ........... p p p p p P R R P R P P R P R R
3. Canudo ou Limão ............ P R E R E R E N R R R E N E R N
4. Capuxu ..................... R E P P P P R P E R E P P P R P
5. Cupira ...................... R - R R R R R - - R - R - N R -
6. Enxu ....................... R P P P P P R P P R P P P P R P
7. Enxuí ...................... R R P P P P R P R R R P P P R P
8. Jandaíra Potiguar ........... P P P P P P R P P R P P P P R P
9. JatiouJataí ................. R E P N E N R N E R E P N P R N
10. Mirim, Morim ou Remela ..... R N N R N R - N N - N N N P - N
11. Mosquito ................... - R P R R R R E R R R P E P R E
12. Mumbuca ou Papa-Terra ..... R - E N N N - N - - - E N N - N
13. Pimenta .................... R R E N N N R N R R R E N N R N I
14. Rajada ...................... R P P P P P R E P R P P E P R E
15. Tataíra ou Caga-fogo ........ - E N N N N - N E - E N N N - N
16. Tubiba ...................... R E E R N R R E E R E E E R R E
I
17. Uruçu -,..................... N N N N N N - N N - N N N N - N
18. Zamboque .................. - R P N E N R N R E R P N P R N
_ •...._L...
Obs: E = extinta; N = nunca existiu; P = presente e R = raras.
REFER8NCIAS BIBLIOGRAFICAS

ARAÚJO, Alceu Maynard - Populações ribeirinhas do baixo São Francisco. Rio de Janeiro, Serviço
de Informação Agrícola, - 1961.
ATHA YDE, João Martins de - Suspiros de um sertanejo. Recife, s. ed., 1943.
Atlas Pluviométrico do Brasil (1914-1938). Rio de Janeiro, Divisão de Águas, SH-DNPM do Ministério
da Agricultura, 1948.
AUGUSTO, José - Seridó. Rio de Janeiro, Borsoi Editor, 1954.
BARR, George W. - O algodão mocó. Fortaleza, Banco do Nordeste, 1960.
BRAGA, Renato - Plantas do Nordeste, especialmente do Ceará. - Fortaleza, Centro de Divulgação
Universitária, 1953.

CARVALHO, Rodrigues de - Cancioneiro do Norte, 2~ed., Paraíba do Norte, Tip. da Livraria São
Paulo, 1928.
DUQUE, J. G. - Solo e água no polígono das secas .. 3' ed. Fortaleza, DNOCS, 1953.
FARIA, Oswaldo Lamartine de. A caça nos sertões do Seridó. Rio de Janeiro, Serviço de Informação
Agrícola, 1961.

GALVAO, José Braz de A. - Forrageiras nativas do Seridó. Seleções Agrícolas, Rio de Janeiro, set-
out-nov/1960.

LAMARTINE, Hypérides - A área da abelha uruçu no Nordeste. Cha & Qui, São Paulo, dez/1962.
MAIO, Celeste Rodrigues - Considerações gerais sobre a semi-aridez do Nordeste do Brasil. Revista
Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, n. 4, ano Ill, out-dez/1961. 1962.

MOTA, Leonardo - Sertão Alegre. Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas, 1928.
__ No tempo de Lampião. Rio de Janeiro, Oficina Industrial Gráfica, 1930.
NOGUEIRA NETO, Paulo - Cha & Qui (artigos diversos em diferentes números). São Paulo.
ROSADO, Vingt-Un (De um livro em preparo sobre o naturalista Louis Jacques Brunet).

SOBREIRA, J.G. Dias - Curiosidades e fatos notáveis do Ceará. Rio de Janeiro, Tip. Desembargador
Lima Drummond, 1921.

VAN TOL FILHO, Pedro L. - Criação racional de abelhas. São Paulo. Edições Melhoramentos.
NOTA DE REDAÇÃO - O presente trabalho foi cedido para publicação nos "Arquivos do L A.",
pelo diretor do Instituto "Juvenal Lamartine", da Fundação "José Augusto".

119
A.B.C. DA PESCARIA
DE AÇUDES NO SERIDÓ
"ESSA HISTÓRIA QUE ESCREVI
NÃO FOI POR MIM INVENTADA
UM VELHO DAQUELA ÉPOCA
TEM AINDA DECORADA,
MINHA AQUI SÓ SÃO AS RIMAS
EXCETO ELAS, MAIS NADA ... "

À memória de BONATO LIBERATO DANTAS (1897-1955) que, nos serões


da Fazenda Lagoa Nova, em 1943, nos explicou, tim-tim por tim-tim, como pesca-
va nas ribeiras do Seridó, para quem melhor caberia este verso de João Martin de
Ataíde.
A barcam as ribeiras do sertão seridoense, no Rio Grande do Norte, os municí-
pios de Acari, Caicó, Carnaúba dos Dantas (a), Cerro Corá (b), Cruzeta (c),
Currais Novos, Florância, Jardim de Piranhas, Jardim do Seridó, Jucurutu, Ouro
Branco (d), Parelhas, São João do Sabugi, São Vicente (e) e Serra Negra do Norte
- medindo 9.544 km2 que vem a ser 18,6% da área total do Estado (51.105 km").
O censo de 1950 contou, naquelas ribeiras, 137.426 sertanejos, dando assim 15
hab/km", i. é, 14,19% da população do Rio Grande do Norte.
A caatinga se alastra por aquele mundo com sua vegetação retorcida, espi-
nhenta, rala - dominando as cactáceas, bromélias e outras formas xerófilas. Nos
meses de inverno! cria a folhagem a que chamam "rama" e o chão se cobre de er-
vas rasteiras - a "babugem". Caducas, caem no período da seca, deixando à mos-
tra o esqueleto engarranchado de galhos nus e de um solo esturricado.
Os rios são transitórios e apartam as águas no estio - ficando apenas cami-
nhos tortuosos nas várzeas de solo profundo, sílico-argiloso, onde se concentra a
sua lavoura-dinheiro: o algodão mocô". A caatinga é ondulada, erodida, de solo
raso e compacto, esturricado por quase 3.000 horas de luz por ano que o escalda a
60°C nos meses de seca e varrida por ventos de 2 a 20 km/hora".
Os invernos são escassos. Nos anos bons, quando sucede chover, têm de 4 a 5
meses de molhado para garantir a safra e fazer água nos açudes. O desembargador
FELIPE GUERRA (Secas do Nordeste) contou, do ano de 1559 a 1942:

"... uma seca de cinco anos, cinco secas de três anos, oito de dois
anos e dezesseis de um ano: 1559, 1564, 1592, 1614, 1690-2, 1723-7, 1744-
6, 1766, 1777-8, 1808-9, 1814, 1817, 1825-6, 1833, 1837, 1844-5, 1860, 1868-
9, 1877-9, 1885, 1888-9, 1891-2, 1898, 1900, 1902-4, 1907-8, 1915, 1919,
1930-2 e 1942."
Daí por diante, some-se a de 1943, 1946, 1951-53, 1957 desmantelado e 1958 de
"virar cinza'". Vinte e oito anos de anotaçõespluviomêtricas- no posto de Currais
Novos, marcaram uma média anual de 398.3 mm - a menor medida no Rio Gran-
de do Norte.

a) Criado pela Lei Estadual 1.028 de 11-12-53; desmembrado de Acari


b) Criado pela Lei Estadual 1.031 de 11-12-53; desmembrado de C. Novos
c) Criado pela Lei Estadual 915 de 22-11-53; desmembrado de Acari
d) Criado pela Lei Estadual 907 de 21-11-53; desmembrado de J. Seridó
e) Criado pela Lei Estadual 1.030 de 11-12-53; desmembrado de Florânia
I Inverno - no dizer sertanejo, é o período das chuvas.
2 Algodào mocó - Ver NASCIMENTO, Fernando Meio do - Estudo sobre o melhoramento do
algodão mocó (Tese apresentada a ENA - Universidade Rural do Rio de Janeiro para câtedra de agri-
cultura e genética especializadas ... s.l., s. ed., 1957. 50 p .
•1DUQUE. J.G. - Solo e água no Polígono das Secas, 3' ed., Fortaleza, DNOCS, 1953,306 p. (Brasil.
M\i'OP. DNOCS. Série I-A. Pub. n' 154)
• GFERRA. Felipe - Secas do Nordeste. Natal, Centro de Imprensa S.A., 1951, 33 p.

125
Os sertões do Seridó (Rio Grande do Norte)
B em visto está que as sesmarias foram requeridas para povoar com seus gados,
e estiveram no ciclo do couro serrando de cima, até os derradeiros decênios
do século passado. De lá para cá, foram perdendo chão para raizes do algodão mo-
có que, mais rico, logo tomou conta das várzeas e foi subindo pela caatinga das en-
costas. Algodão de fibra longa, 36/38 mm, embarcado para o estrangeiro e trocado
no mercado no tinir de libras esterlinas. A segunda Grande Guerra fez o matuto
cavoucar a caatinga e arrancar as pedras que os gringos queriam - iniciando a
fase da mineração estratégica.
C ordão de pedras esbarrando a carreira de algum riacho, fazendo empoçar á-
gua, à moda repressa - bem pode ter sido o b-a bá do sertanejo no trabalho
de açudagem. Ou, quem sabe, a astúcia de algum marinheiro" que carreou para o
sertão a experiência trazida de outros sertões da outra banda do mar. Mais tarde,
em 1909, é que veio a IFOCS - hoje DNOCS - construindo as grandes barragens

.-,BANCO DO NORDESTE DO BRASIL - Efeitos da Seca Sobre a Economia agropecuária do


Nordeste - 1958. Fortaleza, jan. 1959, 22 p., pub. nv 72.
6 Cordão de pedra - fileira de pedra, natural, comum à caatinga seridoense.
7 Marinheiro - é como o sertanejo ainda designa os tipos louros e claros - provável reminiscência
do português colonizador.

126
que em outubro de 1959 acumulavam 170.367.000m3 d'água no Seridó. Isso sem fa-
lar nos particulares ou construídos por cooperação com aquela entidade.
Qual o mais velho açude no Seridó, não o sabemos. José Augusto Bezerra de
Medeiros acredita ser o da Velha Merência (abreviatura de Emerenciana), no mu-
nicípio de Caicó. Uma enquete que procedemos em dezembro de 1958, dizia ser o
do Recreio, também naquele município, construído em 1842. Na certa, parede le-
vantada no arrastão do couro de boi (1) e à custa de muque de negro escravo.
E logo o sertanejo aprendeu que sua melhor forma de fazer economia era guar-
dar água em açudes. Dali tirava as vazantes para comer verde nos meses de seca,
batata para si, para as feiras e para melhorar o trato do seu gado. A jus ante úmida
onde fazer um sítio de fruteiras (coqueiro, mangueira, mamoeiro) e criar capim de
plante" para o trato dos animais. Água onde fazer desovar e engordar peixe. Água
boa e doce para a gente e para a criação".

Pequenos oásis feitos a muque de escravo e arrastão de boi. Mais tarde a suor
de cassaco'? e lombo de jumento e agora a zoada de motor - gasolina e óleo die-
sel. Pequenos barreiros - a mais das vezes - ou pequenos oceanos doces do
DNOCS, uns e outros mostrando ao matuto a lição de uma poli cultura que tende a
aumentar com o crescimento dos recursos técnicos.
Com o tempo, o açude ganhou de importância na economia do fazendeiro que,
sabedor do quanto representava, não tomava pé em sacrifícios para construí-Io.
Muitos limparam os fundos dos baús de qualquer tostão guardado, minguaram a
compra das mudas de roupa, se desfizeram das melhores vacas de leite, venderam
algodão na folha!' e deixaram de mandar os meninos à escola - para alevantarem
as paredes de seus açudes. Sabiam que valorizavam suas terras e seriam, no ama-
nhã, melhorados pelo sacrifício daquele gesto. Tanto assim que já em 1909 o de-
sembargador FELIPE GUERRA (Secas Contra a Seca) escrevia:

"Aqui no Seridó, já tem havido quem se tenha proposto a construir à


sua custa, açude de outrem, tendo como remuneração o peixe que pescar
no mesmo açude, em 10 anos consecutivos".
D e certo que muito antes do açude já pescavam por aquelas ribeiras. Nos rios
- quando açoitavam as cheias nos anos bons de inverno - ou mesmo quan-
do apartavam deixando em alguns cantos poços que guardavam água por muitos
meses. Em Secas Contra a Seca, conta FELIPE GUERRA quena seca de 1774:
"Os moradores do rio Piranhas se viram na precisão de desmanchar
as redes de dormir para a pesca do peixe, sendo este tão magro que só ti-
nha a escama e a espinha e sem outra mistura que água e sal".

8 Capim de planta - Panicum barbinode Trin., fam. das gramíneas.


9 Ver FARIA, Oswaldo Lamartine de - A caça nos sertões do Seridó, Rio de Janeiro, Serviço de
Informação Agrícola. 196L
1() Cassaca - Trabalhador nômade das construções públicas (estradas e açudes) do interior do
Nordeste.
11 Vender na folha - Vender na entressafra.

127
A atividade da pesca vem desde o engatinhar da história do homem sobre a
terra. Naturalmente que os processos e instrumentos evoluem com ele através das
gerações ...
E spiando os métodos de pesca usados pelo sertanejo e na tentativa de conhe-
cer suas raízes, distinguimos:
1. Européia: tarrafa (2), rede (3), anzol (4), explosivos e sifão.
2. Indígena: anzol, tingui (5), bulha (6), pescaria a mão (7), armadilhas (ji-
quiás ou covos) e espera (flechar).
Na verdade, alguns dos instrumentos de pesca acima enumerados são co-
muns às duas culturas. Soluções que parecem ter surgido ao homem nas diferentes
terras sem que para isso tenha havido, obrigatoriamente, contato entre eles. As-
sim, não nos atrevemos a formas rígidas de admitir uma raiz comum para certas
etnias.
Faz-se a pescaria de açude por processos mais ou menos idênticos, pouco va-
riando com o passar dos anos. E muitos dos pescadores de hoje são filhos de
pescadores, que sentiram o despontar da barba e o engrossar da voz ajudando os
mais velhos a escalar peixe, consertar e estender as redes, mergulhar nos porões de
açudes'? para desenganchar uma tarrafa ou mesmo arremedando lances à beira
d'água com suas tarrafas de menino.
Os açudes estão crescendo de tamanho. Mesmo sem falar nos do Governo. É
que hoje o fazendeiro pode construir em cooperação com o DNOCS13e quando, no
chão de suas terras, se formam ombreiras, apertando um riacho, e sobra algum di-
nheiro da safra - cuida em fazer uma aguada que possa tranquilizá-lo por mais de
um ano de seca. Reservatórios de maior volume, profundidade e peixados com no-
vas espécies - vão influir, naturalmente, nos tradicionais processos da pescaria
sertaneja. Daí a nossa pressa de relembrá-los para que, amanhã, os nossos filhos
encontrem resposta à natural pergunta: Como era naquele tempo? ...
Gabados são os açudes bons criadores de peixe, gordos de plâncton, lamacen-
tos às vezes, e que nos lances da pesca, dão redes cheias. Raros, os maus cria-
dores e, menos raros, os temidos pela infestação da piranha. Peixe malvado, que
estraga os outros, arranca chaboque" dos beiços e das tetas do gado nas bebidas, e
faz respeito ao bicho homem.
Os proprietário, sempre que podem, lançam mão de tudo para exterminá-Ias:
a) Dinamite - mais usada antes da pegada do inverno, quando o açude está
mais baixo. Rebolam carne-verde na água para atrair a piranha e quando o cardu-
me fervilha no engodo - sacodem 15a dinamite.

12 Porão de açude -;- O lugar mais profundo, próximo à parede, de onde, normalmente, foi escava-
do terra para a construção.
1:l Lei nv 1.918 de 24-7-53, combinada com o Regulamento expedido pelo Decreto n': 19.726, de 20-
2-31.
14 Sacudir - no Nordeste é sinônimo de atirar, lançar, arremessar.
l' Chaboque - naco, pedaço.

128
Gravura do livro de Staden, 1554.
" ...São destros em caçar e pescar com flechas. Quando aparece um peixe, atiram, e raro erram ... E,
quando querem pescar de rede, juntam-se vários, e batem para espantar o peixe e tangê-lo para a re-
de." (HANS STADEN - Suas viagens e cativeiro entre os índios do Brasil. 4' ed., São Paulo, Cia.
Editora Nacional, 1945).

b) Sifão (ou rasgar a parede do açude) - usado para esgotar a água permitin-
do o mais fácil extermínio do peixe.
c) Tingui - empregam o ninho do arapuá(8) o mussambê (Cleome aculeata
Linn., fam. das Caparidáceas), cabacinha (Luffa operculafa Cong., fam. das Cu-
curbitáceas), a casca da timbaubeira (Enterolobium Timbouva Mart., fam. das

129
Mimosóideas) e o cipó-capeta ou cindi-capetaf"). Não sendo este último comum à
flora da região, é trazido dos cariris cearenses.
O ninho do arapuá é esfarelado e cozinhado até virar pirão - quando é distri-
buído em cestos pela água.
O uso de ervas é mais comum. Amontoa-se o tingui na água rasa, onde perma-
nece de molho de 2 a 3 dias. No fim do terceiro dia bate-se de cacete a erva, que faz
desprender seu efeito tóxico.
'I'ingui, para o sertanejo, é toda planta ou substância que tinguija, i. é, intoxi-
ca, o gado ou "embebeda" os peixes!". Daí a quadrinha que ouvimos lá para
as bandas do Ceará:
"Lá no rio do Beberibe
Minha sogra se banhou,
Distante de meia légua
Os peixe se embebedou ... "
d) Dentre as recomendações feitas pelo Serviço de Piscicultura do DNOCS lí
como medida profilática de combate à piranha, destaca-se a construção de san-
gradouro com um desnível médio de 1,50m na parte final 10.
H ~mem de merecimento tem de ser o chamado dono da pescaria ou das redes.
E ele o cabeça, o proprietário das redes, quem toma conta do transporte do
material e o responsável pela compra do peixe.
Apartado o inverno (período das chuvas), quando a água dos açudes baixa de
nível deixando a descoberto melhor chão para as oazantes'" - de setembro a ou-
tubro - os pescadores principiam a despesca, de açude em açude, até que os pri-
meiros relâmpagos ou a fala mais grossa do pai da coalhada'? façam-nos então
trocar a tarrafa, pelo cabo da enxada. Pescadores profissionais de entressafra, i. é,
durante a seca e agricultores, ou de atividades diversas, nos meses de inverno.
E no ciganismo da despesca de um açude para outro, ainda viajam muito a
pé, em turmas de 10 a 20 homens com arreação ll, redes, tarrafas e landuás na
carga de dois ou três jumentos. Dizem ser o mais brincalhão e pornográfico em
suas pilhérias, de todos os tipos sociais do Seridó. Nas distâncias maiores e dada a
atual facilidade de transportes - já usam o caminhão.
I mportância maior é a da prova do açude para as negociações de compra. Dois
ou três tarrafeiros, dos mais experimentados, lanceiam nas diversas águas da
barragem para avaliar a quantidade e qualidade do peixe. A compra pode ser:
a. Dentro d'água - por prazo de dias determinados.

16 Ver GALVAo, José Braz - Forrageiras nativas nos sertões do Seridó. Rio de Janeiro, Seleções
Agrícolas, out. novo e dez. 1960.
17 Ver MENEZES, Rui Simões de - A piranha nos açudes do Nordeste. Fortaleza, Serviço de Pis-
cicultura do DNOCS, pub. n' 134, mimeog.
18 Vazantes - Cultura de subsistência que fazem nas margens frescas dos açudes e leito seco dos
rios.
19 Pai da coalhada - trovão, que prenuncia as chuvas e a fartura do leite.

130
b. De meia - em que é dividido o peixe entre o dono da pescaria e o proprie-
tário do açude. Este entra com a metade do sal a ser gasto e, quando é um açude
sujo (com garranchos, cercas submersas, etc.), costuma fornecer trabalhadores
para ajudar na "limpa".
Acertado o negócio, começam os trabalhos para o levantamento do "rancho".
J uazeiro é que dá sombra boa para a gente se arranchar no sertão. Mas pesca-
dor prefere mesmo é uma latada de rama'? na beira do açude. É que o sal do
trato do peixe mata os pés de pau ...
Alevantado o rancho, enterram algumas estacas na beira dágua, separadas de
3 a 4m uma da outra, para secagem e conserto das redes. Daí por diante cada um
cuida de sua obrigação, assim distribuída:
Tarrafeiros - A tarrafa é de propriedade particular, como também os lan-
duás. Apenas as redes pertencem ao "dono da pescaria". Os tarrafeiros são diaris-
tas, ganhando a mesma cousa que um operário especializado". Tarrafeiros bons e
maus percebem a mesma diária. Há os tarrafeiros de pé-no-chão, que lanceiam
pela beira d'água, e os balseiros, que pescam da balsa 12. Vez por outra o balseiro
pode lance ar também de pé-no-chão.
Redeiros - Em geral o redeiro é o "dono da pescaria", ajudado por um ou
dois pescadores - número que varia com o tamanho da rede. Nos trabalhos de
conserto e enxuga da rede os demais também ajudam, com exceção dos landuazei-
ros.
Landuazeiros - Ganham por cabeça de peixe apanhado". Não têm obri-
gações de adjunto, mas comem no rancho, por conta do "dono da pescaria".
Tratadores - Dois escaladores - que abrem o peixe pelas costas e o "reta-
lham" com dois golpes em cada face interna, ao comprido - e um salgador. Todos
são diaristas, percebendo o mesmo dinheiro que os tarrafeiros.
Arreeiro - Um, encarregado da comida de todos. É também diarista, ga-
nhando a mesma quantia que os trabalhadores.
K alendário'" de pescaria nos açudes principia com a catimbóia (13) feita de
garranchos secos. A madeira verde só é empregada na falta de outra porque,
azedando com a água, torna-se pouco procurada pelo peixe.
É encoivarada em um recanto raso do açude, local escolhido pelo "dono da
pescaria", preferivelmente pouco lamacento, i. é, de chão duro e com 1,30 m de

zu Latada de rama - cobertura de caules com folhas, à guisa de telhado. A "rama" mais preferi-
da é a da oiticica (Licania rigida Benth., fam. das Rosáceas).
'I Cr$ 5,00 a 8,00 em 1942; Cr$ 100,00 por dia, "boiado", i. é, incluindo a alimentação, em 1960
(inf. de Bento Xavier D'Almeida).
" Em 1942, Cr$ 0,10 a 0,20 por cabeça de traíra; em 1960, CrS 1,50 por peixe de classe: traíra que
não seja "suvela", piau e curimatã.
2:, Kalendário - Nos tradicionais ABC (poesia popular mnemônica narrativa), a estrofe que se inicia-
va com a letra "k", comumente o fazia com a palavra "kalendário".

131
fundura. Sempre que possível, o bom é fazer a catimbóia com alguns dias de vés-
pera para que o peixe vá se acostumando e nela se acoitando.
Sol fora (6 h., hora solar) é servido o café simples. Daí até a hora do almoço,
mais ou menos às 8,30. ocupam-se do conserto das redes, tarrafas, etc. No comum o
almoço consta de rapadura, munguzá, feijão, arroz, carne ou peixe e café. Acaba-
da a refeição, fazem a muda da roupa por uma calça de brim pardo cortada à altu-
ra dos joelhos e iniciam a pescaria. Poucos usam chapéu (que é feito de palha de
carnaúba) e raros vestem camiseta.
L anduazeiros, tarrafeiros e balseiros - em fila - iniciam a pesca no porão. Os
landuazeiros nadam conduzindo o landuá na cabeça, à moda chapéu, ou nos
dentes, preso pelo "pano". Não costumam pescar a mais de 10 palmos de fundura,
preferindo as águas mais rasas. Nadam observando a superfície da água, e identi-
ficam a traíra pelas bolhas de ar que sobem quando o peixe se arrasta pela lama.
Mergulham, cobrem a traíra com o landuá, e a trazem à tona, assoprando um as-
sobio prolongado. Matam-na pela fratura do espinhaço para depois enfiá-Ia na
embiricica (14) que é presa ao cinturão.
O landuazeiro pode, menos nas vizinhanças da catimbóia, pescar disperso dos
outros. É um nadador infatigável, donde a comparação: "Fulano dentro d'água é
que nem peid ... - não morre afogado".
Os balseiros prendem a balsa pela ponta e, em fila, iniciam o lance ar . Quando
sucede a tarrafa enganchar, prendem a corda na balsa e mergulham. Não podendo
desprendê-Ia sozinho pedem ajuda a outro de maior fôlego.
Recolhida a tarrafa depois de um lance, o peixe é morto a pauladas (piau, eu-
rimatã, cangati e piranha); o cascudo, pela fratura da coluna vertebral, forçando a
cabeça para baixo, enquanto a traíra forçam-na para cima. Feito isso, o peixe é en-
fiado na embiricica.
O gesto de lancear é o mesmo de toda a parte. Amarrada a corda no pulso,
prendem uma chumbada nos dentes, distribuindo a tarrafa nas mãos, mais ou me-
nos em partes iguais para, com um galeio, arremessá-Ia longe.
Malhada a tarrafa, braça por braça, aquele canto do açude, os redeiros (cuja
balsa já se encontra de prontidão), cuidam de estender a rede, isolando-a. A
rede é entrouxada na extremidade da balsa. Um pescador nada rebocando-a e ou-
tro, sobre ela, a distribui. Em seguida, mergulham para assentar a rede, i. é, veri-
ficar se as chumbadas estão pousadas no chão, afrouxando-as, quando muito esti-
cadas. Daí passam a lançar na área seguinte. Batida esta, uma segunda rede é
atravessada, retirando-se a anterior, e assim sucessivamente.
N arraçãode pescaria não pode esconder a molecagem da encomendação do
corpo. E quando um deles se prepara para mergulhar e descarrega sobre os
outros toda sorte de nome feio. Assim fazem cientes que desaparecendo da tona
d'água os que ficam encomendam-lhe o corpo, i. é, ,passam o troco redobrado
aos nomes recebidos.
Avizinhando-se da catimbóia, tratam de cercá-Ia com as redes. Tendo muito
peixe nela acoitado, passam de dois a três círculos de redes distanciados pouco

132
Tarra/eiro (Foto Jaeci, Natal)

mais ou menos uma braça um do outro. Segue-se a retirada dos garranchos e a


pega do peixe preso pela balaiada.
Para isso ficam dois homens, bem juntos, nas duas pontas da rede. Entram
uns quatro para o "cercado" e se postam equidistantes e de costas voltadas para o
centro. Aí cada pescador mergulha e vai ajuntando as chumbadas no chão e re-
cuando, aos poucos, no rumo do centro. Quando se alevantam para tomar fôlego as
chumbadas ficam presas sob os pés. Chegando o momento de ficarem costas contra
costas e de estar a rede esticada - seguem-se as pilhérias:
- Eu já istou isticado prá você...
Mergulham, então, todos de uma só vez, trazendo o molho de chumbadas à
tona, prendendo-o junto às bóias. Os dois pescadores das pontas da rede, tomam
direções opostas, mantendo-a sempre esticada, para que a formação da mesma
passe de círculo a uma linha reta. Isso conseguido, se dirigem para a margem do
açude.
Havendo pouco peixe, comumente na última rede, é retirado à mão.
Esse trabalho pode terminar à tardinha ou se prolongar pela noite adentro-
dependendo naturalmente da quantidade de peixe encurralado. Entrando pela
noite é clareado pelo murrão 15.

133
o empurra 16 é servido pelo arreeiro, na beira dágua, ainda tarde cedo (15 h).
Esgotada a catimbóia, voltam ao rancho, estendem as redes e jantam. A co-
mida da janta não difere da do almoço. Dormem em redes.

o peixe entregue aos trata dores é "escalado", salgado e arrumado até a manhã
do dia seguinte quando o chão é forrado com palha de cana, de arroz ou ca-
pim seco. Nessa "cama" o peixe é espalhado, primeiramente emborcado, ou seja
de escama para cima. Logo que enxuga, é virado de escamas para baixo. Esse tra-
balho não vai alem das 22 h - hora de visagem como dizem por aqueles mundos.
Depois de enxuto é recolhido à sombra, espalhado, onde permanece até a ma-
nhã do dia seguinte, quando é casado - o que significa juntar dois peixes, mais ou
menos do mesmo tamanho, pela face interna - para ser empilhado. Quando é ne-
gociado na beira dágua, é ali pesado, sendo a balança fornecida pelo proprietário
do açude.
possuindo o açude um braço comprido - onde as águas se estreitam - ape-
lam para o cerco da madrugada, também apelidado de "buia", corruptela de
bulha. Para isso cuidam de preparar as redes e balsas na tarde anterior. E do pri-
meiro para o segundo canto do galo'" - quando o peixe costuma se achar "comen-
do no raso" - dirigem-se para o local, clareados pelo murrão, e atravessam, de
mansinho, uma rede cortando a foz da represa.
Estendida a rede, tomam as cabeceiras da represa e tratam de fazer a bulha,
i. é, bater na água, com zoada, em direção da tapagem. O peixe amedrontado
nada em busca do porão do açude, mas esbarrando na rede, alguns ficam logo em-
baraçados em suas malhas. Uma segunda rede é logo atravessada, paralela à pri-
meira, deixando o peixe assim encurralado entre as duas. Dali é retirado pelos tar-
rafeadores.
uando dá muito peixe sucede o quebrar da barra" ou o sol fora26 alcançá-Ias
Q no arremate final da bulha. E quando assim acontece o dia é então destinado
aos reparos das redes e ao repouso.
Quando usam o tresmalho 17 - redes de largura. variável, .chumbada mais
espaçada, linha mais fina e bóias graúdas - é estendido obstrumd.o uma passa-
gem, onde o deixam ficar de 24 a 48 horas. O peixe que tenta passar fica engancha-
do pelas barbatanas, caudas, etc.
O açude não tendo um braço-dágua onde possam fazer a "buia", após o al-
moço do dia imediato, é reiniciada a pescaria com a catimbóia em novo lugar, es-
colhido pelo "dono da pescaria".
Pescam enquanto dá peixe que compense o trabalho. No fim de tudo, é des-
contado o peixe consumido pelos pescadores durante aqueles dias.

24 Primeiro canto do galo - 1 hora da madrugada; segundo cantar do galo - 2 h da madrugada.


25 Quebrar da barra - 5 h da manhã.
26 Sol fora - 6 h da manhã.

134
R edobrado é o trabalho quando sucede haver locas em serrotes= submersas
onde o peixe se acoita. Landuazeiros e até tarrafeiros mergulham para
arrancá-lo à mão dos esconderijos.
Quando surpreendidos ante a coragem suicida por mergulharem em locas es-
curas e de águas turvas algumas vezes infestadas de piranhas, ouvimos um vetera-
no justificar-se com a mais humilde naturalidade:

- É u'a asneira, moço. A gente mergúia e vai tateando pelo rosnado da bicha.
Quanço roça nela, coça a barriga e ela se abre toda. Aí é só infincá os dedo nas
guelra e cuidá em subi. A piranha é que nem tubibo/" - num qué é pancada.
Sortidos são os apetrechos que usam os pescadores sertanejos:
1. Tarrafa - A tarrafa, medida do punho às chumbadas, tem de 12 a 18 pal-
mos. Para melhor clareza dividiremos a sua nomenclatura em ordem decrescente,
i. é, corda, punho, pano de crescência, pano morto, saco e chumbadas.
a) Corda - Medindo de 12 a 13m, é manufaturada, de preferência, do cabelo
da cauda dos bovinos. Corta-se o canudo'? e lava-se bem lavado sendo depois pos-
to a secar e em seguida desfiado em superfície limpa. Isso obtido, é entrouxado,
prendendo-se pequena quantidade na cabeça do cambito. E enquanto um dos ope-
radores gira o cambito e se afasta, de modo que a "corda" permaneça sempre ten-
sa, o outro fia, i. é, regula a grossura para que fique uniforme.
Querendo-se uma corda de três pernas, torce-se quantidade de cabelo três ve-
zes superior à distância pretendida, para a direita; dobra-se, juntam-se as pontas
e, com a ajuda de dois cambitos, torce-se para a esquerda. É ainda dobrado em
três partes iguais e torcido novamente para a direita. Arrematadas as extremida-
des - numa fica a laçada do pulso e na outra o punho da tarrafa.

b) Punho - Pode ser começado com 24,36 ou 48 malhas. É formado de uma


única "carreira", toda feita a "nó cego ou de gato".
c) Pano de crescência - Sendo de 24 malhas, de 2 em 2 malhas há uma cres-
cência; sendo de 36 - de 3 em 3 malhas; e quando de 48 - de 4 em 4 malhas. As
crescências das carreiras seguintes ficam exatamente abaixo da primeira. O pano
de crescência tem de 20 a 28 crescências, variando com o tamanho da tarrafa e a
largura da malha 30.
d) Pano morto - É a continuação da malha sem a crescência. Tem cerca de
40 em. Toda a linha usada, até o pano-morto, inclusive, é a "Urso nv 1".
e) Saco - (linha "Urso 00" ou "fio da Bahia"); continua a mesma malha,
sem as crescências. Tem cerca de 0,75 m.

27 Serrote - elevação pedregosa; aglomerado de pedras.


28 Tubiba - abelha meliponídea (Melipona tubida), pequena mas muito agressiva e de mel muito
apreciado.
29 Canudo - cacho central da cauda.
30 Ver os desenhos do nó-de-homem que forma a malha e do nó-de-gato ou cego, a crescência.

135
f) Chumbadas - O chumbo é cortado em quadriláteros com 1/3 do compri-
mento da malha para ser enrolado em um cordão de mais ou menos lí mm de largu-
ra. O espaço compreendido entre uma chumbada e outra, mede exatamente o
comprimento de uma chumbada.
g) Tensos - É o cordão (linha nv 1, em duas pernas) que liga as chumbadas
ao ponto em que o pano morto termina. Tem cerca de 18 em, ficando, depois de
atado, com 11 em.
2. Landuá - É feito de cordão e sua manufatura se assemelha à da tarrafa, i.
é, com nó-de-homem, dado nos dedos, sem auxílio da tabuleta. Não tem pano
morto nem saco e as crescências são dispostas à vontade. A malha tem de 6 a 8
mm (ver desenho).
3. Hede'" Utilizam a linha "Urso n'! 00". As bóias são de imburana (Burse-
-
ra leptophloeos Engl., fam. das Burseráceas). As malhas são dadas a nó-de-
homem como na tarrafa. As bóias estão afastadas uma da outra por 5 malhas e as
chumbadas guardam um intervalo de uma malha. Mede de 8 a 20 palmos de lar-
gura e bem umas 20 braças de comprimento.
O tresmalho difere da rede por ser mais largo, linha mais fina, bóias graúdas e
menor número de chumbadas.
4. Balsa - é construída pelos pescadores, tendo o proprietário do açude que
fornecer a madeira à beira dágua. De costume medem 6x8 palmos. As madeiras
mais empregadas são: mulungu (Erythrina velutina Willd., fam. das Leguminosas
Papilionadas), imburana (Bursera leptophloeos Engl., fam. das Burseráceas), raiz
de timbaúba (Enterolobium Timouva Mart., fam. das Leguminosas Mimosói-
deas) e até mesmo o pseudo-caule da bananeira (Musa sapientum Linn., fam. das
Musáceas).

O normal é os proprietários disciplinarem a época da pesca - até mesmo a de


anzol - para que o peixe não fique escaldado" dificultando a despesca anual.
Essa proibição é esquecida das grandes secas, quando é comum, principalmente
aos domingos e dias santoe" os moradores" buscarem fisgar alguma traíra com
que engrossar o caldo da panela.
Os mais velhos, mulheres e meninos - fazem a pesca de litro (garrafa).
Quebram a reentrância do fundo de um litro, arrolham a boca do mesmo e o iscam
com farinha de mandioca - deixando-os, semi-cheios, a flutuar com água pelos
"ombros" nos lugares mais rasos. Em poucos minutos, recolhem-nos fervilhando
de piabas e camarões.

li Modificações que envolvem o material e até os tradicionais métodos de pesca sertanejos têm

surgido de uns tempos para cá - decorrentes, principalmente, do peixamento dos açudes pelo Serviço
de Piscicultura do DNOCS com novas espécies. Nas derradeiras letras trataremos do assunto.
:32 Escaldado - arisco, desconfiado, "açoitado".
:\:1 Dia santo - o sertanejo não costuma guardar os feriados nacionais, mas é rigoroso no respeito
aos dias santificados que os tem em maior número que os recomendados pela Igreja.
"4 Morador - assalariado que reside na fazenda; geralmente o parceiro-agricultor.

136
T abuada de pescador, ou no falar mais acertado, do dono do açude - não con-
trola o rendimento do pescado de modo a permitir um cálculo em relação ao
valor da construção ou da área inundada. Os construídos pelo DNOCS, de maior
volume, esbarram em dificuldades diversas que consistem desde a ausência de
pessoal encarregado ao dito controle, até o peixe franqueado aos flagelados nos
anos de seca por força de legislação existente".
Está bem visto que as negociações de compra entre o dono do açude e o "dono
da pescaria" fazem com que eles conheçam, no fim da "safra", quanto rendeu o
peixe. Mas esse número-resultado fica apenas na lembrança do proprietário, ten-
dendo a desbotar com o tempo ... Daí a maior dificuldade na obtenção de um apa-
nhado que permita melhor análise.
RUI SIMOES DE MENEZES, na monografia atrás aludida, transcreve na
"Tabela V", o apanhado de 5 anos, referentes ao açude Cruzeta:".

Ano N9 de exemplares Valor em Cr$

1938 47.410 23.705,00


1939 148.383 74.191,00
1940 403.511 191.934,50
1941 109.154 54.577,00
1942 238.000 89.250,00
Total 946.458 433.657,50

N a verdade os números transcritos representam valores aproximados, de vez


que os técnicos calculam em 30% o pescado que escapa ao controle estatístico.

Em um outro estudo do mesmo autor", abarcando 33 açudes públicos do Nor-


deste, informa:
"O valor total da construção dos açudes públicos acima referidos foi
de Cr$ 128.152.239,48" donde se conclui que a estimativa da produção
do pescado, sendo do valor total de Cr$ 32.740.854,20, representa 25,5%
do referido custo de produção".
Desses 33 açudes mencionados acima, apenas três estão encravados no ser-
tão do Seridó, apresentando as seguintes percentagens: Cruzeta 99,3%, Itans
21,7% e Mundo Novo 535,1%38.

35 MENEZES, Rui Simões de - O peixe dos açudes como fator bio-econômico. Fortaleza, Serviço
de Piscicultura, DNOCS-MVOP, pub. nv 106, s.d. mimeog.
36 O açude Cruzeta, no município do mesmo nome, tem a capacidade de 29.753.000 m' e uma área

coberta de 711,7 ha.


37 MENEZES, Rui Simões de - Importância da piscicultura na economia do Nordeste. Fortale-
za, Serviço de Piscicultura, DNOCS-MVOP. s.d. mimeog.
38 Nos açudes maiores capazes de guardar água de dois invernos para mais, a média de
pescado/hectare/ano anda pela casa dos 150 kg.

137
U ma coisa é certa: ninguém ignora que o rendimento mostrado nos números
atrás seria bem mais modesto não fosse a melhoria quantitativa e qualitativa
resultante do trabalho de peixamento promovido pelo Serviço de Piscicultura.
Ainda é do estudo que aludimos o esclarecimento de que:
"... até agosto de 1948 foram distribuídos, gratuitamente, 1.007.120
alevinos selecionados, sendo 529.340 em açudes particulares e 477. 780 em
açudes públicos. As espécies ictiológicas regionais contribuíram com
18,214c:éda distribuição; as do Amazonas, aclimadas, com 27,637%; as do
São Francisco, aclimadas, com 39.742%; e as do São Francisco cuja acli-
mação não foi ainda comprovada, com 14,407%".
Está aí em que dá esse trabalho - quase anônimo - de um serviço desajuda-
do de verbas e plantado em Lima Campos, no Ceará, para atender toda a área do
Polígono das Secas com 834.666 km239• Tanto assim que não é de se estranhar ho-
je, compor a mesa do sertanejo peixes do São Francisco e da Amazônia". Mesmo
nos açudes do Seridó, informa Bento Xavier D'Almeida (encarregado do Posto
Agrícola do Itans), têm tirado pirarucu de 64kg com 1,92m.
V aquejando o assunto de como se pescava por aqueles mundos - é forçoso
aproveitar essas derradeiras letras do A.B.C. para o registro das usanças con-
seqüentes do peixamento com espécies de outras águas.

Ajuda substancial nos foi dada por BENTO XAVIER D' ALMEIDA, encarre-
gado do Posto Agrícola do Itans, no Caicó. É ele que nos manda dizer por aqui as-
sim:
"O tucunaré tornou necessário o uso de material moderno e o apare-
cimento de uma nova classe de pescadores especializados.

À guisa de caniço usam uma vara linheira de pereiro-branco (Aspi-


dosperma sp. [am, das Apocináceas), emendada ao meio e ajoujada com
tiras de câmaras de ar, tendo a ponta bem flexível. A linha é a de nailon
60 ou 70mm e com 1 a 2m de comprimento maior que o da vara.

O anzol é de manufatura local. Usam o fio de cabo de aço com gros-


sura correspondente a BWG 17 a 18. O encastoamento é feito com arame
de aço BWG 28 a 30.
A isca artificial é mais empregada quando as chuvas fazem correr os
riachos e os açudes tomam água nova, alvoroçando o peixe. Comum ente
usam tiras de pano (camurça branca ou vermelha) de 1,00 a 1,20cm de
largura por 4, O a 5,Ocm de comprimento - dependendo da água menos
Oll mais toldada. Vez por outra também prendem ao anzol a nadadeira
lateral do próprio tucunaré, aparada rente ao corpo.

MENEZES, Rui Simões de - Importância da piscicultura na economia do Nordeste. Op, cito


39
"Por outro lado, durante os dez primeiros meses do ano, açudes públicos no Nordeste, peixados
40
com pirarucu, forneceram 146 ton, desses peixes amazônicos, avaliados em 1 milhão de cruzeiros".
BRASIL - DNOCS. Introdução ao relatório de 1959. Pub. nv 194. 1960.

138
Iscas naturais mais em uso: a) camarão" vivo, iscado pelo lombo; b)
a piaba ou o lambari, vivos, também iscados pelo lombo; c) e a piaba
morta - iscada pelos olhos.
E fazem a pescaria de vários jeitos:
1. Com a vara quieta, quando usam a piaba viva, porquanto esta é
que fica nadando para servir de engodo ao peixe.
2. Movimentando, de vez em quando, a vara, de modo a acompa-
nhar os movimentos da isca viva, no caso o camarão.

3. Mexendo continuamente a isca, com leves mucicas, e mantendo a


vara mais ou menos paralela à superfície da água. Isto quando a isca é ar-
tificial ou de piaba morta. "
Adianta ainda que quando o peixe está arisco, e no intuito de fazer ajuntar o
cardume, "respingam" a água com alguns (3 ou 4) camarões com a cauda apara-
da, impedindo-os assim de fugir.

Diz-se que é uma pescaria rendosa e interessante, oferecendo mais das vezes
um rendimento maior de 10 kg, a despeito do peso médio do tucunaré variar de 500
a 600 gramas. O maior exemplar que tem notícia foi "ferrado" no açude Boqueirão
de Piranhas, em Cajazeiras do Rolim - Paraíba, pesando 7,200 kg42•

Informa que "o tucunaré ainda em cardumes quando o alimento escasseia e só


é indicado para açudes com mais de meio milhão de metros cúbicos (0,5 milhões
m"), após ser povoado com camarões - porquanto é muito rápido e voraz!".

41 "O DNOCS vem introduzindo nos seus reservatórios, com intuito de servir de auxílio na ali-
mentação dos peixes nele lançados uma espécie de camarão procedente da bacia Amazônica identifica-
da como sendo o Macrobrachium amazônico. Por ocasião da seca de 1958, as populações carecidas de
alimentação lançaram mão de todos os recursos no sentido de obter o indispensável à sua sobrevivên-
cia. A abundante proliferação do camarão constituiu um atrativo e sua pesca logo foi iniciada com os
mais diversos aparelhos como sejam "litros" (garrafa), covos, landuás e redes. O sossego, denominação
regionalqueele recebeu, passou a ser cap.turado durgnte todas as 24 horas do dia por uma heterogênea
classe de pescadores, do menino ao ancião, de ambos os sexos". BRASIL - DNOCS. Introdução ao re-
latório de 1959. Op. cito
42 "O açude Itans (Caicó, RN) peixado com 2.319 tucunarés e 1.453 tucunarés-pinima, produziu
de 1944 a junho de 1950, um total de 27.176 exemplares. Um exemplar fêmea no açude Carioca (Ma-
ranguape, CE.) teve, em 1 ano, 3 meses e 19 dias, o aumento seguinte: no comprimento, de 295 mm; na
altura, de 110 mm e no peso, de 3.090 grs". MENEZES, Rui Simões de - O tucunaré nos açudes do
Nordeste do Brasil. Chácaras e Quintais, São Paulo, v. 82 p. 685 de 15 novo 1950.
43 "No açude Piranhas, de XI!1948 a III!1950, a alimentação de 1.700 tucunarés examinados foi:
camarão 1.285 exemplares (75.588% do total); peixe 272 (16%); nula 112 (6,588%); camarão e lodo
9 (0,529%); lodo 8 (0,471%), etc. O tucunaré-pinima, no mesmo açude e período, apresentou: camarão
1.052 exemplares (63,758% do total); peixe 350 (21,313%); nula 202 (12,243%); lodo 15 (0,910%), etc. O
Serviço de Piscicultura só introduz o tucunaré em açudes onde existem a piranha e a pirambeba. Isto
não é feito por se pensar que o tucunaré venha a devorar as nocivas piranhas e pirambebas, e sim por-
que os técnicos do Serviço apuraram ser o tucunaré uma espécie ictiológica que protege os seus ovos
larvas e alevinos, perfeitamente aclimada (sem prejuízo do crescimento, peso e produtividade) nos
açudes do Nordeste é considerado o melhor peixe da Amazônia". MENEZES, Rui Simões de - O tu-
cunaré nos açudes do Nordeste do Brasil. Chácaras e Quintais. Op. cito

139
X istoso'» é o peixe piracuru. Trazido em 1942 para as águas daqueles sertões,
tem desovado em milhares e crescido a ponto de já terem pescado deles com
120 kg de peso e 2,20 de comprimento. Come peixe miúdo e camarão". No Amazo-
nas ele é arpoado quando sobe para respirar. Mas a água do açude, mais turva e
crespa de marretas", dificulta o uso do arpão. E o pirarucu tem o céu-da-boca
duro que só pedra, a ponto de o anzol nele não poder entrar. Assim, tem de ser fis-
gado mesmo na goela ou pelos cantos da boca.

É ainda BENTO XA VIER D' ALMEIDA quem nos ensina:


"Usamos fazer a pescaria de duas maneiras:
19) O cabo de algodão bem torcido, grossura de 3 a 4mm, com anzol
n98/0, encastoamento de 20cm de arame n916. O arame serve para evitar
o desgaste do cabo pelos pequenos dentes do peixe.
Quase sempre são precisos dois homens para arrastar o pirarucu da
água e maiá-lo a cacetadas - o que fazem com um cano de ferro na parte
superior da cabeça. Logo depois de morto tem de ser sangrado nas guelras
para melhorar o aspecto da carne e facilitar a sua conservação. O pira-
rucu tem sangue morno.
29) O nosso material de amador é constituído pelo molinete "Peri
140" e "Senator 3/0". Linha de náilon de 1,00mm com 75m de compri-
mento e anzol 6/0.

O cabresto que liga o anzol ao náilon é de arame de aço ns 22, medin-


do de 20 a 25cm de comprimento. A chumbada pesa de 50 a 100g, sendo
colocada acima do arame e como é perfurada, o náilon corre no orifício.

O cabresto é de arame para evitar o desgaste resultante dos dentes


do pirarucu. A chumbada é perfurada, cilíndrica para que (o peixe nos
pulos que dá acima dágua), quando ferrado, não ofereça resistência de
partir o náilon.

Após o lançamento do anzol, o molinete fica de catraca ligada e o ca-


niço preso ao cano que é enfincado (L() solo."
zoada de fazer o coração dar pinotes e bater mais acelerado é quando a catra-
ca estala com peixe fisgado e o pescador ainda não sabe o tamanho de
quem está na outra ponta da linha.
Ferrado, o pirarucu pula fora dágua, ficando com o corpo todo à mostra, sa-
cudindo a cabeça de mandíbulas escancaradas, lutando para escapulir. E o mo-
mento que reclama diligência de modo a evitar forçar muito a linha nem afrouxá-
Ia para que o peixe não escape.

44 Xistoso - esquesito.
FONTENELLE, Osmar - Contribuição para o conhecimento da biologia do pirarucu. Fortale-
4[,

za, DNOCS-MVOP, pub. 166, série l-C.


46 Marreta - onda pequena, marola.

140
Luta muito. Primeiro, aos pinotes, fora dágua. Depois mergulha e experi-
menta a força do pescador e do material - para de novo subir e estrebuchar na
flor dágua.
Diz-se que é comum, das 18 às 21h, ferrar-se de 4 a 5 peixes. A maior dificul-
dade é saber arrastá-los ...

Recomenda-se para melhorar o gosto da carne, após a salga, expô-Ia ao sol da


manhã e da tarde durante alguns dias (3 a 7), para ser consumida assada ou cozi-

-.
da em leite de coco.

y "Hipicilone e til/Juntei ambas para o fim":" com um apanhado da ictiofauna


sertaneja, melhor enumerado na tabela do príncipe dos poetas populares -
Ignácio da Catingueira:

"Os peixes da minha terra


São piau e cangati,
Curimatã e traíra,
Piranha e jundiaí,
Branquinha, cará, piaba,
Bico de pato e mandi,
Uiú ou cabeça seca,
Tam boatá e cari..
Eu tanto pesco de anzol
Como mato de tingui,
O que escapa da tarrafa
Cai dentro do meu jequi."
As espécies nativas de maior valor comercial são:
Cangatí - Trachycorystes sp.
Cará - Fam. Cichlidae
Cascudo - Fam. Loricariidae. Gen. Plecostomus
Curimatã - Prochilodus sp.
Piau - Leporinus sp.
Piranha - Serrasalmus sp.
Traíra - Hoplias malabarica.

Trazidos de outras águas (Amazonas, Parnaíba e São Francisco) pelo Serviço


de Piscicultura do DNOCS:48

" Nas velhas cartas de ABC, depois da última letra, havia o til. ° sertanejo recitando o alfabeto
nunca esquecia de citar o sinal que lhe parecia uma letra também. Todos os versos de ABC, por este
motivo, incluem o til. Como não é possível arranjar-se tema com ele, aproveitam para uma frase de iro-
nia, uma despedida, um motejo". CASCUDO, Luís da Câmara - Vaqueiros e Contadores. Porto Ale-
gre, Edição da Livraria do Globo. 1939. 275 p.
" Para um conhecimento mais completo da ictiofauna nordestina, consultar MENEZES, Rui Si-
môes de - Lista dos nomes vulgares de peixes de águas doces e salobras da zona seca do Nordeste e
Leste do Brasil, in Arquivos do Museu Nacional, vol. XLII: 343-38817 est., 20.7.1953~ Rio de Janeiro.

141
Apaiari - Astronotus ocellatus Spix.
Curimatã-pacu - Prochilodus argenieus Spix.
Pescada cacunda do Amazonas (Pescada AmC) - Plagioscion surinamensis
Bleeker
Pescada do Piauí - Plogioscion squamosissimus Heckel
Piau verdadeiro do S. Francisco - Laporinus sp.
Pirarucu - Arapaima gigas Cuvier
Tucunaré comum - Cichla ocellaris Bloch et Schneider
Tucunaré pinima - Cichla temensis Humb.
Tilápia - Tilapia malenopleura Dum.

142
NOTAS

1- "Na construção das paredes (barragens) dos açudes o sertanejo se utiliza de um couro de rês,
cru, que enche de barro, e ao qual atrela um boi, ou uma "junta", duas, etc., por meio de um tirante de
cordas, também de couro cru ou de correntes. O processo muito primitivo e demorado, mas ainda em
voga no sertão, tem a vantagem de contar com a compressão da argila e da areia, feita pelos cascos dos
animais, simultaneamente com o arriamento do material. Os matutos usam também os jumentos, que
carregam o barro e a areia em pequenos surróes de couro ou em caixões de querosene". MENEZES,
Otoniel de - Sertão de espinho e de flor. Natal, Departamento de Imprensa, 1952. 270 p.
2 - "A tarrafa, que é incontestavelmente um elemento cultural português, propagou-se, no tempo
pós-colombiano, com tal rapidez entre os indígenas brasileiros, que hoje em dia, ao primeiro aspecto,
parece um elemento cultural ameríndio, pois entrou na mitologia indígena, o que, porém, se verifica,
,,<ualmente com outros elementos culturais de pura origem européia". OTT, C. F. - Os elementos cul-
turais da pescaria baiana. Rio de Janeiro, Boletim do Museu Nacional- Antropologia nO4. 1944. 67 p.
3 - "Pudemos também observar como fabricam suas redes de algodão (trabalho feito tanto por
homens como por mulheres) como a agulha (de uns 18cm de comprimento por lcm de largura) e a bi-
tola (cuja largura corresponde a da malha da rede que se quer fazer), entrando em ação até os dedos
dos pés, para segurarem a parte da rede já pronta. Mas, todo este processo parece de origem portugue-
sa, pois ainda que o indígena empregue também uma espécie de bitola, não nos consta haver o aboríge-
ne brasileiro conhecido tipo tão perfeito de agulha, cujo feitio se aproxima da forma da naveta usada
antigamente na tecelagem européia". OTI, C. F. Op. cito "Embora Fritz Krause encontrasse entre os índios
Carajás redes de 150m de comprimento, contudo essas redes não constituem um elemento cultural índígena,
mas remontam à influência européia. OTI, C. F. - Op. cito "A novidade em pescaria com redes é o uso do
náilon. Eram importadas redes de "platíl", feitas na Alemanha, de malhas soldadas quimicamente, No açu-
de General Sampaio os pescadores estão fazendo redes de náilon 0,20mm e O,lOmm, de malhas com nós
idênticos ás de algodão. Experiências feitas, confrontando as redes de algodão com as de náilon, mudando a
colocação das redes de algodão (ora no meio ora nos extremos), tiveram como resultado 35'/é favorável às de
náilon". Informação de Bento Xavier Almeida, em 4-8-60.
4 - "Usados pelos pescadores baianos agora já não encerra influência indígena, não obstante ha-
ver sido também empregado pelos aborígenes da Bahia, que naquele tempo o fabricavam com espinhos
e ossos". OTT, C.F. - Op. cito Atribuída ao poeta pernambucano Manuel Leal tem uma advinhação
de anzol que verseja: "Torto assim, mas assim torto / roubo a vida ao mais direito, / Sem ser de veneno
feito, / quem me engole fica morto. / Dou sustento, dou conforto, / com mortífero aparato; / dos mortos
faço o meu fato / e tenho condição tal/que, sôlto, não faço mal, / mas, quando estou preso, mato."
5 - "Tinguijada - pescaria feita com o envenenamento do peixe, lançando-se nágua para este
fim certas plantas tóxicas, como a meladinha, melão-de-são-caetano e o tingui, de que se origina o ter-
mo. A tinguijada vem dos índios, que lançavam o tingui e outras plantas nos rios e alagados, para em-
bebedar os peixes e assim facilmente pescá-Ios, como escreve um cronista seiscentista, o Pe. Simão de
Vasconcelos (Pereira da Costa - Vocabulário Pernambucano, 708). Em Portugal a pesca com trovisco
era conhecida e usual desde antiguidade. Era a entruviscada, entorviscada, introviscada. também um
direito senhorial, começando com a criação da monarquia portuguesa. Os enfiteutas, vassalos e colonos
eram obrigados não apenas a preparar o trovisco como dispor a merenda para os reis e fidalgos e seus
séquitos "quando fosse seu gosto ocupar-se, uma vez no ano, neste proveitoso divertimento". (Viterbo
- Elucidario l, 283)." CASCUDO, Luís da Câmara - Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro,
MEC - Instituto Nacional do Livro, 1954.660 p. "Timbo - nome dado ao sumo de diversas plantas

143
que tem a propriedade de atordoar e matar os peixes que o ingerem, embora em pequena quantidade,
sem contudo ser nocivo a quem os some. A planta ou a parte dela utilizada, o que varia conforme a
qualidade, é pisada e misturada com tijuco. A mistura assim obtida é jogada nágua, em lugar escolhi-
do. O peixe, quando o timbó é de boa qualidade e bem preparado, não demora muito a vir à tona, onde
é apanhado sem dificuldade". STRADELLI, E. - Vocabulário da língua geral portuguesa-nheêngatu
e nheêngatu-português. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 104, v. 158. Rio de Ja-
neiro, 1929.
"Ainda, ultimamente Elisworth Killip, nos "Ann. Rep. ofthe Smithsonian Instit. 1930-31, p. 401-
408, "The use of fish poison" - enumerou os gêneros das plantas que mais freqüentemente são utiliza-
das para tal fim: Tephrosia, Lupinus, lndigofera, Serjania, Lonchocarpus, Clibadium, etc., etc., e te-
nho notas a respeito de outras, entre as quais lembro que está a própria pita (Agave), cujo suco tem as
mesmas propriedades de tontear e matar o peixe". IHERING, Rodolpho von - A pesca no Nordeste
brasileiro. Fortaleza, Serviço de Piscicultura DNOCS-MVOP. Pub. n° 9. mimeog.
6 - "Possuem também pequenas redes feitas das fibras de uma palmeira de nome Tackaun (tu-
cum) e, quando querem pescar de rede, juntam-se vários, cada qual ocupando um lugar na água. Se a
água não é funda, entram nela, formam um círculo e batem para espantar o peixe e tangê-lo para a ré-
de. Quem apanha mais peixes, divide-os com os outros". STADEN, Hans - Suas viagens e cativeiro
entre os índios do Brasil. 4" ed. ilust. (Texto ordenado por Monteiro Lobato) São Paulo, Companhia
Editora Nacional, 1945, 184 p. " ... e ajuntam-se muitos índios, e tapam a boca de um esteira com varas
e rama, e como a maré está cheia tampam-lhe a porta; e põem-lhe as redínhas ao longo da tapagem,
quando a maré vaza e outros batem no cabo do esteiro, para que se venham todas abaixo a meter nas
redes". SOUZA, Gabriel Soares de - Tratado descritivo do Brasil em 1587. 3~ ed. São Paulo, 1938.
7 - " ... se, de noite, não têm com que pescar, se deitam na água e, como sentem o peixe consigo, o
tomam às mãos de mergulho". SOeZA, Gabriel Soares de - Op. cito
8 - "De manhã cedo dispúnhamos de seis pequenos ninhos de arapuá (Trigona ruficrus) que fo-
ram abertos para ser aproveitada apenas a parte mais consistente. O "scutellum", massa dura que se
compõe de detritos, cadáveres de abelhas, resina, etc. Bem à moda do índio, foi o tingui esfarelado,
utilizando-se pedras como martelo e como pilão.
Depois foi tudo jogado num grande caldeirão, dos que o rio escava na rocha e, juntando-se a água,
formou-se um pirão mole. A este tempo já estava ardendo uma fogueira, dentro da qual algumas pe-
dras do tamanho de um coco eram aqueci das ao máximo. Tais pedras, jogadas no caldeirão, rapida-
mente elevaram a temperatura do pirão que ferveu. Com isso o tingui se torna mais forte, mais ativo.
Em seguida a massa, agora um tanto consistente, foi distribuída por peneiros e cada pescador pegou"
seu, para levar o tingui nas águas do poço". IHERING, Rodolpho von - Op. cito
9 - "Tingui capeta - Magonia glabrata St. Hill da família das Sapindáceas. Arvoreta ou quase
árvore de flores amarelo-esverdeadas, odorantes, dispostas em grandes penículas. Os frutos são cápsu-
las secas, triangulares, castanho-averrnelhadas, com diversas sementes largas e chatas. Planta tóxica. A
infusão da casca da raiz empregam para tinguijar o peixe das lagoas e poços dos rios. Com o decoto das
cascas do caule lavam as feridas de mau caráter e as úlceras. As flores, de perfume agradabilíssimo,
atraem as abelhas, mas o mel passa por venenoso. Amêndoas oleginosas, que servem para sabão de
qualidade inferior, fabricado principalmente no Cariri, entre a gente rural. Corrutela de t.y-gui ou
tyghi, o sumo, a espuma. Ou então, ti, branco, ig, água, água branca ou espumosa; ou ainda tinge. féti-
da, ig, água, por causa do mau cheiro do sumo. BRAGA, renato - Plantas do Nordeste, especialmente
do Ceará. Fortaleza, Centro de Divulgação Universitária, 1953. 524 p.
10 - Além do escama peixe nossangradouros, executa o DNOCS a identificação dos poços e reser-
vatórios infestados, subordinando o combate à montante, jusante e montante-jusante dos açudes. Ver
MENEZES, Rui Simões de - A piranha nos· açudes do Nordeste. Fortaleza, Serviço de Piscicultura,
puh. n" 1:14."O Serviço de Piscicultura do Ceará receberá 20 milhões de cruzeiros para iniciar a cam-
panha de combate à piranha do Açude de Orós e cabeceiras do Rio .Juaguaribe, de modo a permitir a
criação de peixes em larga escala naquele reservatório." (J Globo, Rio de Janeiro, 27 set. 1960.
"Após repetidos testes realizados, em laboratório, chegou-se a evidencia de que, utilizando-se pc,
de t imbó com 6(; de rotenona, numa concentração de três partes por milhão (3 ppm ) em água comum,
a piranha perece em 11 minutos enquanto as demais espécies ictiológicas regionais resistem, perfeita-

144
mente. A técnica usada no tinguijamento consiste em transformar o pó de timbó em pasta e, em segui-
da, colocá-lo em sacos de tecido de algodão, poroso, dissolvendo-a em toda a área coberta de água. Os
operários encarregados do preparo da pasta protegem os olhos e o nariz da ação irritante da rotenona,
usando máscaras (óculos e respiradouro). A pasta é imediatamente transportada para os locais de dis-
tribuição; ;:iOS mais rasos, o timbó é distribuído por operários que, andando lentamente, dispostos em
filas contínuas, agitam constantemente os sacos na água dissolvendo a pasta neles contida". FONTE-
NELLE, Osmar - A erradicação da piranha nos açudes do Nordeste. Rio de Janeiro, Boletim do
DNOCS, MVOP, nv 8 - v. 21-maio 1960.

11 - Alimento que se transporta para comer em viagem. N. A.

12 - "E alguns deles se metiam em almadias - duas ou três que lá tinham - as quais não são fei-
tas como as que eu vi; apenas são três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses
que queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar pé." Carta de PEDRO
VAZ DE CAMINHA. In Duas páginas de nossa história. Livraria Progresso Editora, Salvador, 1954,
160 p.

13 - Garranchos submersos, preferivelmente secos, que os pescadores arrumam em um recanto


do açude de pouca profundidade (cerca de 1,30m) e de solo consistente. Serve para acoitar o peixe açoi-
tado pelos tarrafeiros que mais tarde a cercam com redes para despescá-la. N. A.

14 - A embiricica usada pelos landuazeiros compõe-se de ponteiro (espeto de osso, arame ou


qualquer madeira resistente, com cerca de 20cm) e enfie ira - tira de couro de bovino, medindo 6m
para os balseiros e 8m para landuazeiros e tarrafeiros de pé no chão. Na extremidade desta prendem
uma bóia de mulungu (Erythina velutina Willd.) ou uma cabaça de colo, também chamada cabaça de
pescoço (Cucurbita legenaria linn. fam. das Cucurbitáceas). Os balseiros amarram a extremidade da
embiricica na corda da poita e o ponteiro é enfiado na própria madeira da balsa. Os landuazeiros pren-
dem o ponteiro no cinturão. N. A.

15 - "A cabeça da corda de estopas, preparada com matérias inflamáveis, em que foi embebida".
(MORAES SILVA, A. de - Diccionário da língua portugueza. Lisboa, Typ. J. Germano S. Neves,
1877. (2 v.). "Há uma árvore mãe que se chama ibiriba ... Esta madeira é muito boa de se fender; a qual
os índios fazem em fios para fachos com que vão maríscar, e para andarem de noite; e ainda que seja
verde, cortada naquela hora, pega o fogo nela como em alcatrão; e não apaga o vento os fachos nela".
(SOUZA, Gabriel Soares de - Op. cit.) EMBIRIBA - Guatteria sp., da família das Anonáceas. O
nome embiriba aplica-se as seguintes plantas encontradas no Nordeste: Caseoria brosiliensis Eichl.,
Caseoria dentata Eichk, da família das Flacurtiáceas; Lecythis Luchsnatti Ber., da família das Lecit-
dáceas. A madeira de Lecythis Luchsnatti Berg., além de ripas, fornece combustível de primeira or-
dem. Dificilmente se apaga e os sertanejos dela fazem fachos para caçadas noturnas". BRAGA, Renato
- Op. cito
16 - Refeição dos pescadores seridoenses, à moda lanche, que geralmente se compõe de farinha de
mandioca, rapadura, batata-doce e café. É servida às 15 h. N .A.

17 - Rede larga, bóias graúdas, chumbadas espaçadas e linha fina - que estendem obstruindo
passagens onde o peixe vem a se enganchar. (X. A) o'A rede de poita. ou arranhoL é mais ou menos de 3
a 4m com bóias e pouca chumbada, simples, sem bolsa, mas tecida em tios duplos. em cujas malhas os
peixes embaraçam". LEX, Fausto - A pesca. São Paulo, Monreiro Lobato & C. Editores, 1923.

145
J.

Fli. 1. - LANDUA.
A - Aspa de barril com mais ou menos O,3Om de
diâmetro.
B - "Pano", de malhas com cêrca de 8mm. O
"pano" tem mais ou menos O,25m.

Flg , 2. - AGULHA (O,22xO,03m). As madeiras mais usadas na


sua manufatura são: pereiro (Aspldosperma plrí-
folium Mart., fam. Apocináceas ) c mororó (Bau-
hinia forficata Link • iam. Lcgumínosas ),

146
FI~. 3. - Nó-cego ou nó-dcógato, dado na primeira carreira ou
punho que se inicia com 24, 36 ou 48 maihas. O
primeiro nó é dado sem o auxílio da tabuleta.
A - Cordel onde se prende a tarrafa para manu-
fatura.

Flg . 4 - Nó-cego ou de galo (2.' fase); a 1." fase é idêntica


ao do nó-de-homem.
B - Tabuleta.

147
FII: . .5. - Primeira f ase do
prime'
E _ Tab .
Ieta, d
Ira ufase eu' no-de-ho
o nó-c mem
.~go ou d q ue tarnbé m e' a
JO diâmetro é e gato.
a metade da malha.

FI~. .do nó-de-homem.

148
FI.\:'. 7. - Primeira fase da crescencia ; a segunda fase é
idêntica ao punho, i.é, ao nó-cego ou de gato.

Fig. 8. - Crescência como é vista na tarrafa.

149
B

Fig. 9. -- ~iurrão
A - Pavio de tarrafa ou estôpa ,
B - Butijão de barro vidrado, vidro ou flandre,
onde é colocado o gás (querosene).

Fig. 10. -- Embtricíca. A) Ponteiro (O,20m); B} Enfiteira de


couro bovino, preferivelmente a parte da perna
(garra) e C) - cabaça.

150
Fig. 11.- Tabuleta com cerca de O,22m de comprimento; a
largura varia com o tamanho da malha.

Fíg . 12. - Cambito (O,20xO,07m) de pcrcíro (Aspidospenna pí-


rífoltum Mart., fam. Apocináceas) ou pau-darco
(Tccoma chrysotricha Már t., fam. Bignoniáccas).
C - Espigão.
D - Eixo.

151
SERIDÓ - AÇUDES peBLICOS CONSTRUtDOS PELO DNOCS AT~ OUTo
1959

MUNICípIO AÇUDE Construção

Acari o o Acari ..... :. .... 285.000 1915.1917


Acari .. Cruzeta 29.753.000 1920·1929
Acari .. Gargalheiras .. 40.000.000 1912-1959
Caicó .. Itans 81. 000.000 1932-1935
Caicó . Mundo Novo .. 3.600.000 1912-1915
Currais Novos .. Currais Novos oo 3.815.000 1954-1954
Currais Novos .. " .. Totoró ... , .. 3.941.000 1932-1933
Jardim do Seridó .. .. Zangarelhas .... 7.916.000 1954-1957
Serra Negra ., .. Serra Negra .. .. 57.000 1915-1920

170.367.000

* Ultimado pelo 1° Grupo de Engenharia do Exército. A segunda etapa


está planejada para 200.000.000 m3.

Fonte: DNOCS-MVOP. Introdução ao relatório de 1959.

SERIDO - AÇUDES CONSTRUiDOS EM COOPERAÇÃO COM O DNOCS


ATÉ 1959

MUNICíPIO AÇUDE Construção

can ... , ..... o Riacho das oiucicas 14.700 20. 1.56


Caicó o. Ignês . 684.000 8. 2.15
Caicó Domingo. . 1.327.510 10.12.49
Caicó Gurgcl , .. 1. 991.800 2. 8.52
Caicó .... Torres Araujo ". 730.075 22. 1.53
Caicó " Pai Luiz .... 716.300 27. 7.54
Calco Barbosa de Baixo II . 2.179.400 14. 3.58
Currais Novos o. Barra Verde .. .. 624.800 20.12:55
Currais Novos . o Saco dos Veados 827.750 14. 5.59
Currais Novos .. Umbu rana .' . 385.926 6.11.59
Florânia Arvarol , .. 71.550 26.12.12
Florânia Ouinquê . 643.600 l4.12.51
Florânia .. Riacho dos bois 45.400 31. 1.14
Florânia . Urnari Preto o. .. .. . 334.76IJ 1810.12
Parelhas Craubcíra ., .... 624.700 23.12.49
São Fernando .. o o Munc. S. Fernando 1.789.675 15.10.59
Serra Negra .. .. Bom Sucesso II .. .. 958.800 19.12.45
Serra Negra .. . o Cacimbas ., .. 3.000.000 31.12.42
Serra Negra .. .. Entre Serras .. 1.767.000 21. 7.54

19.217.746

Fonte: MVOP-DNOCSo

152
SERIDO - AÇUDES· PARTICULARES EXISTENTES EM DEZEMBRO DE
1958 E CONSTRUmOS SEM A PARTICIPAÇAO DO DNQCS

MUNICÍPIO BanelrD AcudeCD


NOME

Acari .. .. .. .. .. 10 2 O 1876 Garrotes


Caicó .. .. .. .. .. .. 100 20 5 1842 Recreio
Carnaúba .. .. .. 28 7 2
Cerro Corá .. .. .. 6 6 O Divisão
Cruzêta .. .. .. .. .. 10 5 3 1903 Cauaçu
Currais Novos
Florânia .. .. .. 10 7 O Passagem
J. Piranhas "
6 6 O 1895 Cacho do Anta
J. do Seridó " 80 10 1 1877 Comissão
Jucurutu .. .. 102 4 4 1843/7 Tuiuiu
Ouro Branco " 100 48 O
Parelhas .. .. 14 14 O 1870 Pé de Serra
S. João do 'Sabugi 26 3 O 1875 Carnaubinha
São Vicente 6 4 O 1861 Enxu
Serra Negra 31 8 6 1846 Saudade

SERIDO • .. 529 1~4 21 1842 Recreio

Obs. Para facilitar a avaliação da capacidade das reprêsas, adotamos


na enquete realizada em dez.1958, o critério abaixo:

a. Barreiro - açude que, sangrando, resiste até 1 ano


b. Açudeco - açude que, sangrando, resiste até 2 anos
c. Açude - açude que, sangrando, resiste mais de 2 anos

( .) Exceto o município de Currais Novos.

153
,....
Vl Ministério da Viação e Obras Públicas
.j:.
DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS S~CAS
- Serviço de Piscicultura -
AÇUDES PúBLICOS E PARTICULARES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PEIXADOS PELO SERVIÇO DE
PISCICULTURA ATUALIZADO ATÉ DEZEMBRO DE 1960

~ ~
-.; ~ ....J
~E § ~ :ÕE
Açudes Públicos MUNICfplOS E= ~Uu ~-
u=
~.!: =e =~~ 5,§
Uc
~
~ B~ 0..0.. o..u
"'o o
I'~ ~ :=~ i:~ o: ~~ ,,='D. ~
I I I
Cerro Corá " " ,. Currais Novos 400 - - -I -I -I - - - 400 - 800
Cruzeta" ... , .. Acari I~ - - -I -I -I - - - ~ ~ 2~
Itans .. .. .. .. .. Caicó .. .. ' 2 460 - 215 - I - 1 980 I - 471 552 2 319
1 453 8 450
Marechal Dutra Acari ~ - - -I -I -I - I~ - - - m
Mundo Novo " Caicó 465 - 680 - I 120 I - I - 300 - - - I 565
Tororó " .. Currais Novos 480 - - 350 I - I -, - 400 - - - 1 150
Zangarelhas " Jardim Scridó 300 - - -I -I -I - 300 - - - 600
'-I -'--r-'----, -1 1 1 1--1
T O T A L ..•.. .. .. - 5 875 1 - I 895
I J 350 1 120 1 980 - I 1 668 1 552 I 3 413 1 I 653 115 506
1 I 1 1 I , I I I I I
Açudes Particulares

-I -1255 255
, " ., Caicó"".,.,":: -I
225 _-, I _
:1 11 _
:1 I
:1 -, -,
I :1 _ 1 _ I 225
Boo F, .. .. .. .. C,"6 .. .. .. .. .. - 730, 215
iI -,-I
- I - I ._ I _ I
_-II _:\ I ~
Com", Verde .. .. .... C,i,ó............ 240 1 - I - I -: _ I _ I - I - " _ I 450 570
FazendaNo" .. .. .. .. C,kó............ _ i _ I _ I = I _ I _ I =I _ 1 570
Elórcs .. .. .. .. Caicó .. .... .." _: _ i :- I _ _ I _ _ _ I 225
00, .. .. .. .. .. C,I,ó .' " .. " "" 425 i -! 3.>7! I _ I _ _ I 450
I ___ III
Lagoa Rachada .. .: " Caicú '.' .. .. .. .. .. 498! 404 1 -: : I _ I + ! I : I _ 1 692 782
Lagoinha .. ".. . " Ç,i,ó".."...." ,>I: 300 I -, _ _ I - I -- I _ I _ I 160 902
556
Muqueru .. .. .. Caicó " " .. " ,. ,. - I - I - I I - I - - I _ I 352 I _ I 352
692
Pedreiras ., .. .. .. :: Jardim Puanhas ,. .. _ - I = - I - I _ I-=-.I_?E....
Pocinho " .•.. " .:" Currais -!
N",'"," .." i -_ Ii _ _ _ I _
I--=--1--1
- I : I___ __ 1 160
Recreio ., " ,. ,. . Currais Novos .. ., 237 1 300 1-=J--=-l__ I__ 1 I _ 1 2 704 I _ ~
n,.,,, .. .. '. ". :: .. C'k.;.........." I I I :' _ I _ 1__ 3~.1 _ I _
Triunto , .!..1~8~81~1
.!..1~004~!...!
-23~57~1_~~.;-:::~:-~ 1 1
TO T ,.A "L ,.

OBS,: - Nomes cicntfficos das espécies acima citadas - Ap;liul'i. Astronotus occelntus Spix : Curimatã comum, Prochllodus
sp : Curimntà 1>:Il'II. Prochllodus urgentcus Spix in Spix & Agassiz; Pescada Cacunda do Amazonas Pcsrada Ame),
Plogtosclcu surtnmuensts (Blccker}: I't'scada do Piallí, Plauiosclon squmuostsstmus (Hcckcl ) : Pi.iu comum, Le-
portuus sp ; Piuu vcrdndci ro, do S. Francisco, LaporlnLls SJ); Pira rucu, Arnpuímn i:lglIs (Cuvicrj : 'I'ucunaré co-
mum. Clchla ocetlurts Bloch ct Schncider; Tucunaré pinima, Clchla tcrnensls 1I11mb.; Mandi, Plmelodus clartas (L.)
REFER"8),"CIAS BIBLIOGRAFICAS

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL - Efeitos da seca sobre a economia agropecuária do Nordeste


- 1958. Fortaleza, jan. 1959. 22 p. pub. nv 72.
BRAGA, Renato - Plantas do Nordeste, especialmente do Ceará. Fortaleza, Centro de Divulgação
Universitária, 1953. 524 p.

BRASIL, DNOCS-MVOP, Introdução ao relatório de 1959, pub. n" 194. 1960.


CAMINHA, Pero Vaz de - Carta de Pero Vaz de Caminha. In Duas páginas de nossa história.
Livraria Progresso Editora, Salvador, 1954. 160 p.
CASCUDO, Luís da Câmara - Vaqueiros e cantadores. Porto Alegre, Globo, 1939. 274 p.

__ - Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1954. 660 p.
DUQUE, J. G. - Solo e água no Polígono das Secas. 3~ Ed. Fortaleza, DNOCS, 1953. 306 p.
FARIA, Oswaldo Lamartine de - A caça nos sertões do Seridó. Rio de Janeiro. Serviço de Informação
Agrícola. 1961.
FONTENELLE, Osmar - Contribuição para o conhecimento da biologia do pirarucu. Fortaleza,
Serviço de Piscicultura - DNOCS, pub. 166, série I-C.
GALVÁO, José Braz de - Forrageiras nativas do Seridó. Seleções Agrícolas. Rio de Janeiro, set. out.
nov., 1960.
GLOBO - Rio de Janeiro, 27 set. 1960.
GUERRA, Felipe - Secas do Nordeste. Natal, Centro de Imprensa S/A. 1951. 33 p.
__ - Secas contra a seca. Rio de Janeiro, Tip. Liv. Cruz Coutinho.
IHERING, Rodolpho von - A pesca no Nordeste brasileiro. Fortaleza, Serviço de Piscicultura-
DNOCS. Pub. nv 9.
LEX, Fausto - A pesca. São Paulo, Monteiro Lobato & C. Editores, 1923. 64 p.

MENEZES, Othoniel- Sertão de espinho e de flor. Natal, Departamento de Imprensa, 1952. 270 p.
MENEZES, Rui Simões de - A piranha nos açudes do Nordeste. Fortaleza, Serviço de Piscicultura-
DNOCS, pub, nv 134, mimeog.
__ - O peixe dos açudes como fator bioeconômico. Fortaleza, Serviço de Piscicultura - DNOCS,
pub. n? 106, mimeog.
_._ - Importância da piscicultura na economia do Nordeste. Fortaleza, Serviço de Piscicultura-
DNOCS, pub. 115.

155
__ - o tucunaré nos açudes do Nordeste do Brasil. Chácaras e Quintais, São Paulo, v. 82 p. 685 de 15
de novo 1950.
__ - Lista dos nomes vulgares dos peixes de águas doces e salobras da zona seca do Nordeste e Leste
do Brasil. In Arquivos do Museu Nacional, vol. XLII: 343-388 17 est. 10-7-1953, Rio de
Janeiro.
MORAES SILVA, A. de - Diccionario da língua portugueza. Lisboa, Typ. de Joaquim Germano de
Souza Neves, 1877 (2 v.).
NASCIMENTO, Fernando Meio do - Estudos sobre o melhoramento do Algodão mocó (Tese
apresentada à ENA da Universidade Rural do Rio de Janeiro para cátedra de Agricultura e ge-
nética especializadas). s.l., s.d., 1957. 50 p.
OIT, C.F. ~ Os elementos culturais da pescaria baiana. Rio de Janeiro, Boletim do Museu Nacional
(antropologia n'' 4) 1944. 67 p.
SOUZA, Gabriel Soares de - Tratado descritivo do Brasil em 1587. 3~ Ed. São Paulo, 1938.
STADEN, Hans - Suas viagens e cativeiro entre os índios do Brasil. 4- Ed. ilust. (Texto ordenado por
Monteiro Lobato), São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1945, 184 p.
STRADELLI, E. - Vocabulário da língua geral portuguesa-nheengatú e nheengatú-portuguesa. Rev.
Inst. Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 104, v. 158. Rio de Janeiro, 1929.

156
A CAÇA NOS SERTOES DO SERIDÓ
o CO MEÇO DOS SERTÕES DO SERIDÓ
1. As primeiras datas
De primeiro, só quem fazia rastro de gente na caatinga do Seridó era pé de ca-
boclo brabo. 1
Terminada a guerra com os Holandeses (1654) a Capitania cuidou de reorga-
nizar sua vida econômico-administrativa, desmantelada na luta de quase uma ge-
ração. A faixa litorânea, na posse do branco, de ano para ano se alargava, com a
penetração dos criadores - saindo dos tabuleirosi arenosos do litoral para pisar o
chão mais duro e barrento do agreste e sertão - "caçando" índios para as senzalas
e assentando os paus de porteira dos primeiros currais.f ')
Foi a penetração do curral, provavelmente, o facho que fez pegar fogo, de pon-
ta a ponta, no aceiro divisar das duas raças. Nunes Pereira (A Indústria Pastoril
no Rio Grande do Norte) contou:
"Rebelados, os índios da ribeira do Assú foram, depois dos holande-
ses, os mais tremendos destruidores da gadaria que principiara a
multiplicar-se, conduzindo-se de maneira a levar o Senado da Câmara de
Natal e escrever ao capitão geral de Pemambuco, João da Cunha Souto
Maior, solicitando apoio, nestes termos (23-2-1687): - vimos pedir com a
maior brevidade socorro pelo risco em que nos achamos diante da rebe-
lião dos índios tapuios, que no sertão do Açu já têm morto perto de cem
pessoas, escalando os moradores, destruindo os gados".
Pipocava, assim, a luta que a História batizou com o nome de Guerra dos
Índios. Dez anos (1687-1697) de arco e tacape contra a pólvora e o aço. Briga desi-
gual de branco, que trazia armas de aço e o comando astucioso dos capitães de
campo - generais das batalhas que a História esqueceu - e o mau espírito trove-
jante da pólvora que fazia carniça sem carecer tomar chegada.

I Caboclo-brabo - o mesmo que indígena, no dizer sertanejo.


2 Tabuleiro - solos pobres, geralmente altos e arenosos, de baixa produtividade, comuns à faixa
litorânea do Rio Grande do Norte.

159
Em março de 1695 o bacamarte cuspia o trovão da morte, muito tacape de ju-
cáí") ainda rachava quengo" de português e já o Senado da Câmara de Natal infor-
mava ao Capitão-Mor que as terras da Capitania estavam todas doadas ... Até o
ano de 1700 ainda havia restos de briga é o que diz L. C. Cascudo - História do
Rio Grande do Norte.
No Acauan (município de Acari) contam os homens que escreveram a His-
tória, foi travado um dos mais sangrentos encontros. Na mesma ribeira, em 1676,
Teodósio Leite de Oliveira, Teodósia dos Prazeres e Manoel Gonçalves Diniz rece-
biam datas de terra para povoar com seus gados. Três anos depois, em 1679, eram
deferidas as datas da Serra do Trapuá (Acauan) a Luís de Sousa Furna, Antônio
Lopo e Pedro de Albuquerque da Câmara, sendo que o primeiro fora um dos co-
mandantes das expedições contra os índios - informa José Augusto - Seridó.
2. Os currais
Daí para diante, a estaqueada dos currais e o rastro-fêmea' do boi explica o
povoamento do Seridó. Um touro e três novilhas, diz Nunes Pereira, representa-
vam a base do pastoreio. De que raça e qual a verdadeira procedência dos primei-
ros animais - sabemos muito pouco. Gabriel Soares de Sousa afirma, no que é
contestado, que "El Rei mandou a Thomé de Souza uma frota, em 1550, e a rainha
Catarina mandou a seu crédito, vacas e éguas para serem repartidas com os colo-
nos. Lembra, também, que Gandavo diz que os primeiros bovinos, cavalares, os
suínos e outros animais vieram de Cabo Verde e foram levados à Bahia."
Gado de características que lembram as variedades alentejanas, mirandesa e
barrosã - como admitiu Nunes Pereira - e que também povoou os currais do ser-
tão do Rio das Contas, na Bahia: " ... resultado do cruzamento de várias raças ori-
ginárias de Portugal e Espanha, como a mirandesa, a galega e a barrosã ou maro-
nesa - afirmou Licurgo Santos Filho (Uma Comunidade Rural do Brasil Antigo).
Tudo faz crer que o gado era de origem peninsular e sua introdução deve ter se
processado não de magoteí - como querem muitos - mas trazido pouco a pouco,
em cada veleiro que aqui atracava, já abarrotados que vinham de todas as utilida-
des que a colônia consumia, inclusive de português e de negro. Naturalmente, não
orientou as remessas qualquer critério zootécnico, como adverte Nunes Pereira, no
livro citado - pois nem em Portugal nem na velha Europa ainda se fazia o boi;
viam-no crescer e multiplicar-se biblicamente o que o sertanejo cedo compreen-
deu, sentenciando: "bicho que mija prá trás é que empurra o dono prá diante".
Logo a caatinga do Seridó foi sendo marcada pelo rastro do boi onde se situa-
vam os currais já que um vaqueiro dava conta de uma fazenda.
O domínio econômico do curral durou mais de cem anos. Século e ciclo do
couro descrito pelo mestre Capistrano de Abreu e glosado pelo bocaciano e lamen-

3Quengo - crânio, cabeça.


4Rasto-fêmea - assim designa o sertanejo ao rasto deixado por animal de casco fendido, como
boi, a cabra, etc.
5 Magote - grupo, porção de indivíduos.

160
tavelmente inédito Moisés Sesiom - que cortou o umbigo no Caicó e versejou no
Açu:
"Dá sapato e dá gibõo,"
Toda obra o couro dá.
Dá manta," bota e silhão."
Dá chapéu, dá bandoieira,"
Dá caronas e dá perneira,"
Dá sapato e dá gibão."
Prá se fazer matulão"
O couro é como não há,"
Serve até prá caçuà."
Dá peia," dá rabichoia,"
Se prendendo a couro ou sola
Toda obra o couro dá."
Viviam assim os primeiros criadores apojados' em pleno ciclo do couro, onde o
trabalho de todos os dias mais argamassava as relações entre o marinheiro" coloni-
zador e os primeiros escravos levados para a vaqueirice. Cedo tomaram das mes-
mas vestias:" "Sinhô" e escravo campeando juntos, correndo os mesmos riscos -
negro correndo ao boi e "sinhõ" fazendo esteira no gesto de ajuda mais tarde -
cantado na literatura do cordel:

Bote no chão que eu amarro,


Derrube que eu faço esteira ... "

6 Gibão - casaco de couro curtido que usa o vaqueiro para campear; o mesmo que vestia.
Manta - couro curtido (conservando o pêlo) usado como forro para as selas.
Silhão - sela de mulher de um só estribo. A dama cavalga de lado, com uma perna estribada e a
outra curva, apoiada em um suporte existente logo abaixo da "lua da sela".
Bandoleiro - correia usada para conduzir armas-longas.
Corona - peça de couro curtido com desenhos pespontados contendo bolsos onde conduzem rou-
pas e objetos quando em viagem. É usada à guisa de capa, sobre a sela.
Matulão - saco de couro de carneiro curtido com a lã para fora, onde conduzem. principalmente,
roupa.
Caçuá - depósito com alças nas pontas que se prendem, aos pares. nos "cabeçotes" das canga-
lhas. Manufaturados de cipó, couro cru ou talo de carnaúba. Quando de couro se denomina uru.
Peia - algemas de couro que se prendem nas mãos (peia-de-mão! ou nas mãos e pés (peia-de-pé-
e-mão) dos animais para, quando soltos, serem impedidos de correr ou se afastar.'
Rabichola - tira larga, de couro curtido, usada abaixo do rabicho para evitar que a sela ou a can-
galha "corra" (se desloque) para frente.
Apojado - farto, alimentado, cheio.
"Marinheiro - designa o sertanejo aos tipos louros e claros - reminiscência, provável, do portu-
guês colonizador dalém mar.
·Véstia - indumentária de couro curtido do vaqueiro. O mesmo que gibão.

161
"Sinhô" derrubando o negro encho calhando. 10 "Sinhô" segurando o cabresto
para negro esbrabejar poldros. Um segurando o laço para o outro desleitar a novi-
lha parida. Tomando coalhada da mesma terrina, bebendo água da mesma borra-
cha(3) e comendo paçoca do mesmo alforge. Negro na trilha e "sinhô" cortando-
o-rastro da onça que "estragava" a miunça+ e - quando acuada na furna - negro
"alumiando" com o murrão(4) para o outro atirar. Negro no cabo da zagáia(5) e
"sinhô" no coice do bacamarte boca de sino. Negro novo, afilhado do "sinhô". Ne-
gro velho fazedor de meizinha'? prá curar dodói de sinhozinho.
Sem querer atalhar a conversa - cabe aqui lembrar o "Mapa dos Habitantes
do Seridó no ano de 1824", organizado pelo Vigário-Geral Francisco de Brito Guer-
ra e transcrito no aludido livro de José Augusto, onde resume:
Brancos . 2122
Pardos . 2799
Pretos . 1455

6376
A maior incidência de pardos, 44%, pode ser traduzida como uma forte misci-
genação dos habitantes seridoenses, ao contrário do que se dizia, em face da maior
austeridade dos hábitos sertanejos. Doutro jeito, como explicar essa maioria?
Crias de negro com índio ou mesmo do branco com índio, arroladas simplesmente
como "pardos"? Importados do eito dos engenhos de açúcar do Litoral? Ou pardos
gerados nas pequenas senzalas sertanejas contradizendo as observações feitas por
Gilberto Freire, em Casa Grande & Sezala, citando Gustavo Barroso - ambos
mostrando que habitualmente, no sertão, o rapaz somente vinha "a conhecer mu-
lher tarde, e quase sempre pelo casamento".
Toda uma tradição de vida e trabalho que se formava sem o elo hierárquico do
feitor dos engenhos de cana ...
Foi o século XVII, para nós, o século dos currais. Nos finais do século, informa
L. C. Cascudo, já se cantava verso louvando barbatões.í» O "Rabicho da Geral-
da", por Rodrigues de Carvalho em Cancioneiros do Norte, é de 1792:

"- Sou o boi liso, rabicho,


Boi de fama conhecido.
Minha senhora Geralda
Já me tira por perdido.

Só dauam notícias minhas


Quando me uiam os rastos. "

10 Enchocalhar - colocar chocalho. Guiso ou cincerro que se prende ao pescoço dos animais, para
facilitar-lhes sua localização.
II Miunça - dizem do gado caprino e ovino.
I' Meizinha - remédio, medicamento.
13 Barbatão - boi brabo, que não sofreu benefício, i.e., não esteve no curral para vacinação, ferra,
etc. Também dizem orelhudo, por não ter sido "assinado", marcado nas orelhas.

162
o gado se multiplicava e, prosperando, também fazia prosperar o dono, que
chegava a acrescentar o nome da fazenda ao seu, de família. Que agora nos vem a
lembrança, como exemplo, Leandro Gomes de Faria das Aroeiras, Joaquim Go-
mes do Queimado e, mais para trás, Antônio de Azevedo Maia, proprietário da
Fazenda Conceição, que mais tarde virou lugar - Conceição do Azevedo, batiza-
da depois como Jardim do Seridó - hoje sede de município. Outra que deve ter
vindo na mesma trilha é Carnaúba dos Dantas - reflexo do predomínio da família
Dantas ...

Resume-se o século XVIII no Seridó em uma história que pode ser palmeada
nas datas e sesmarias onde a constante justificativa é para acomodar os gados,
onde situar os gados, para povoar com seus gados ... , escreve José Augusto.

Até 1877 os nossos antepassados dependiam, para a sua manutenção, dos gê-
neros de primeira necessidade (excetuando os fornecidos pelo rebanho) trazidos de
outras praças em comboios de éguas. "Quatro viagens anuais abasteciam suas
despensas: uma, de milho no Teixeira (PB); uma.ide feijão no Brejo (Esperança-
PB); uma, de sal em Macau (RN) e a quarta, de rapadura no Cariri do Ceará"
(Oswaldo Lamartine - Notas Sobre a Pobreza).
Foi sem dúvida, a pecuária o fator determinante da fundação das primeiras
localidades seridoenses. Em algumas, a própria toponímia, ainda hoje, deixa à
mostra sua origem. Dê-se por visto Currais Novos, nascida dos currais de aroeira 14
em pau-a-pique, que o Capitão-mor Galvão fez construir para seus gados. Acari,
Caicó, Carnaúba dos Dantas, Florânia, Jardim do Seridó, Jucurutu, Parelhas,
São João do Sabugi e Serra Negra - foram antigas fazendas de gado, que cresce-
ram na força do estrume do boi. Todas nas beiras dos rios - onde era mais fácil
apanhar água.
Hélio Galvão em Tipos de Povoamento do Rio Grande do Norte estuda a for-
mação das localidades norte-rio-grandenses, sistematizando-as segundo os fatores:
I. Político e religioso
H. Econômicos
a) pecuária
b) agricultura
c) pesca
IH. Geo-humanos
a) poços tubulares
b) açudes
c) estradas

" Aroeiros - Astroniun Urundeuua. Engl. farn. das Anacardiáceas. Aroeira é abreviatura de ara-
roeira, de arara e de terminação eira - árvore da arara, por ser a planta em que, de preferência, essa
ave pousa e vive.

163
3. A raiz de algodão
Ouro Branco veio depois, - nasceu quando o algodão mocó principiou a dar
preço, tomando as várzeas, derramando-se pelas caatingas e espremendo o gado
nos cercados, na fome de mais chão onde crescer as raizes. São Vicente - antiga
Luíza - informa Juvenal Lamartine (Municípios Seridoenses) teve sua primeira
feira em 1894 à sombra refrigerante de uma quixabeira" e tomou sangue novo
quando a borracha de maruçoba= pegou a dar dinheiro, arrebanhando para lá co-
merciantes do Acari, Currais Novos e Florânia. Já Cruzeta criou-se como vazan-
tel7 - no fresco das águas do açude que o DNOCS fez construir em 1920-9.
Mais tarde, a economia pecuária que levou o homem ao Seridó foi perdendo
terreno e valor econômico para o algodoeiro arbóreo, de fibra longa, mais conheci-
do por algodão mocó (Gossypium purpurascens Poir). Quanto à verdade sobre a
sua origem é, ainda hoje, história a que falta uma banda, e, justamente, a banda
do pé.
A impressionante figura de um sertanejo - Francisco Raimundo de Araujo-
a quem o professor Arno Pearce chamou de sábio empírico - experimentador nato
que se orientava apenas pelo faro, pois somente desasnado nas letras, tinha tino a-
cadêmico - é quem conta.
"Quem primeiro trouxe, para o Serido, sementes de algodão para
cultivo e negócio, foi Alexandre Garcia do Amaral, vulgo Alexandre Me-
nino, morador no rio São José, município de Acari. "Matuto" que nego-
ciava com carne a queijo para Recife, numa dessas viagens, em 1861,
trouxe sementes de algodão de espécies: quebradinho e herbáceo. "
Em 1887 deram-me um pouco de sementes pretas-miudas e plantei
na mesma época. Indagando a origem da semente escreveu: "Cândido
Fernandes de Araújo, vulgo Cândido Coxo, morador no rio São José, mu-
nicípio de Acari, indo a Bananeiras - Estado da Paraíba - hospedou-se
em casa de seu amigo João Marques, residente em Chã do Moreno, no
município de Bananeiras. Este indo ao porto daquele Estado, comprar
uma arroba de sementes vindas do Egito, assim disse-lhe uma pessoa.
Deu um punhado ao seu hóspede, o qual plantou-as em seu sítio" registra
Fernando Melo do Nascimento - Estudos sobre Melhoramentos do Al-
godão Moco.
Em notas de tradução, no Capo XVII do livro de Koster, L. C. Cascudo conta
que o Dr. Teotônio Freire dizia.
" ... em derredor de 1886, havia adquirido sementes do Sea Island no
Recife, vendidos pela Prensa Pernambucana e, vindo a Natal, mostrou-
as ao industrial Jovino Barreto, proprietário da fiação local. Jovino Bar-

L-, Quixaba - Bumelia Sartorum Mart., família das Sapotáceas. Conhecida em outros Estados
com o nome de rompe-gibão.
]I; Maniçoba - Mtinihot Glaziovii Muell, fam. das Euforbiáceas.
17 Cultura de vazantes - agricultura praticada, no período da seca, nos leitos dos rios ou nas mar-
gens dos açudes - aproveitando a umidade existente.

164
reto já conhecia o Sea Island e distribuiu sementes pelo Seridó, compran-
do a produção para revenda. Em 1892 o Dr. Freire voltou a ver o Sea Is-
land no Seridó, já denominado mocÓ. Durante a Guerra da Secessão
(1861-65), o Brasil exportou muito algodão para os EE.UU e de lá vieram
sementes variadíssimas."
Fernando Melo do Nascimento, estudioso do algodão mocó, afirma que a ori-
gem deste ainda "permanece no terreno de pura especulação" admitindo a hipóte-
se de ser o resultado de um cruzamento de diversas variedades. No trabalho, onde
coletamos estas notas, transcreve ele idêntico parecer do agrônomo especialista
em genética do mocó - Carlos Faria e do Prof. J. G. Duque, que diz:
"... o Mocó apresenta uma das adaptações mais felizes de um cruza-
mento natural com fixação acentuada de características de resistência à
seca e qualidade de fibra."
A valorização, como mercadoria exportável provocou o aumento progressivo
da área de cultura, reduzindo o gado aos cercados de pastagens - cercas de arame
farpado e pedra - que mataram as festas de apartação!" do rebanho em comum,
frustrando barbatões que, por certo, inspirariam muito A.B.C.19 de boi e cavalo fa-
moso ...
"Com vinte dias de chuva,
logo após a oaqueijada=
chega a fartura do leite,
manteiga, queijo e coalhada!
No tempo da apartação
isto é que é festa falada.
O algodão era mandado para o litoral nos comboios de animais, com suas
burras-madrinhas;" na guia, enfeitadas de fivelas e cincerro= sabidas - traqueja-
das em evoluções nos ranchos de pouso sob simples comando de estalos de chico-
tes, que nem bichàs de circo.
De primeiro era descaroçado em moendas. JUVENAL LAMARTINE (1874-
1956), evocando-as, escreveu em Velhos Costumes do meu Sertão:
"Conheci, quando ainda menino, duas das primeiras máquinas
(moendas) de descaroçar o algodão. Eram manuais e acionadas por dois
homens robustos. Beneficiavam, em 8 ou 10 horas de trabalho, no máxi-
mo 4 arrobas, ou sejam, 60 quilos de algodão em pluma.
Essas máquinas foram depois substituídas por bolandeiras traciona-
das por bois, que começavam a trabalhar pela madrugada; descaroça-
vam até 240 kg de algodão no decorrer de um dia de trabalho. Substituí-

18 Apartação - adjunto de vaqueiros para separar o gado criado nas terras indivisas.
19 A.B.C. - poesia popular mnemônica e narrativa.
20 Vaquejada - "festa" a guisa de rodeio, onde o gado encurralado é solto, de rês em rês, para ser
perseguido e derrubado por uma parelha de vaqueiros.
21 Burra-madrinha - a que vai na guia do comboio.
22 Cincerro - pequeno chocalho, guiso, que se prende ao pescoço dos animais.

165
dos por locomóveis, a lenha, e estes por motores a gasolina, querosene e
diesel que deram lugar às usinas atuais.
Era rara a casa do fazendeiro que não tinha um tear manual para te-
cer o algodão fiado pelas escravas, em fusos de mão, ou nos pequeninos
engenhos fabricados de madeira e acionados com o pé. "
O motor virando pequenos descaroçadores de serra fez zoada ainda alguns
anos nos pátios das fazendas. A lã (algodão descaroçado) enfardada em prensas de
almanjarras.
Dois moradores= dos mais fortes eram escolhidos para prenseiros. O algodão
descaroçado era socado na prensa que descia no ranger do fuso, empurrada a mu-
que, no caminhar cada volta mais lerdo e pesado. Os fardos eram menores, 64 kg,
para serem agüentados pelo espinhaço dos burros. Depois veio o caminhão: a for-
ma e o fardo cresceram ... Ainda vi fardos de 120 kg arrochados a custa de suor de
gente. Legendados a anilina, com o nome do descaroçador, geralmente nome da
fazenda ou até mesmo o ferro do proprietário, e, abaixo, o peso do fardo.
O caroço era queimado que nem bagaceira de engenho. Depois é que aprende-
ram a dar ao gado; ração boa que afina o cabelo'» e faz "crescer" o leite das vacas.
Creio que até os primeiros anos da era de trinta a usina ainda não tinha tomado
conta das safras.
De lá para cá é que a usina engoliu os pequenos descaroçadores. O espinhaço
mais taludo e o pé-redondo mais ligeiro do caminhão tangeram das estradas as
tropas de burro. No faro vieram as firmas "galegas" com seus classificadores pu-
xando fibra e cotando preços, comprando algodão na folha, 25 espremendo a se-
mente para tirar óleo, embarcando lã - no quadro que o poeta OTHONIEL DE
MENEZES (Sertão de Espinho e de Flor) rimou:
"Arrie ira, perdeu o emprego,
Argudão, é dos galegos.
Pau é figo bejamiri ...
Cardeiro, cróa-de-frade,
é luxo lá na cidade,
enfeita jarro e jardim ... "
A fama da fibra longa do algodão mocó correndo mundo, arregalando os olhos
do comércio. A boca mais escancarada da usina engulindo também as safras das
ribeiras vizinhas e até dos municípios de fora do Seridó. Passando nas máquinas
toda qualidade de algodão, espalhando semente ruim, num processo criminoso de
castear 26 o trabalho de tantos anos da natureza.
A fibra do mocó, de safra para safra, mais perdia a sua uniformidade. A plan-
ta que pela sua perenidade chegou a ser bem de raíz, também minguava sua vida.

2:, Moradores - os que moram na fazenda; tipo de assalariado que reside com a família na fazen-
da, trabalhando na agricultura, geralmente, como meeiro.
24 Afinar o cabelo - engordar o gado, fazendo, conseqüentemente, o pelo ficar mais sedoso e bem
assentado.
'.\ Comprar na folha - comprar na ante-safra.
" Castear - Misturar, hibridar.

166
A lei, que limitou a mocolândia, não podia, de todo, impedir o plantio de sementes
de procedência duvidosa.
Mas não se pode enveredar pela história do algodão mocó sem esbarrar com o
trabalho do agrônomo Fernando Melo do Nascimento que assumindo a direção da
Estação Experimental do Seridó, aí pelos meados da ero/' de quarenta,
embrenhou-se na tarefa de melhorar o comprimento, uniformidade da fibra e au-
mento por área de cultivo. Divulgou conclusões de experimentos para racionalizar
os métodos culturais do algodão mocó, elevou e fixou sua fibra de 32/34 mm para o
comprimento comercial de 36/38 mm, com resistência forte e finura média e criou
a linhagem 9193, produzindo 800 kg/ha, em 2 plantas por cova, com 30% de plu-
ma.
Infelizmente, a ausência de um programa correlato de extensão agrícola ainda
não fez - com as armas que a Estação Experimental do Seridó forneceu - a ne-
cessária revolução na rotina tradicional da agricultura sertaneja. Resta-nos a es-
perança minguada de que o Ministério da Agricultura não deixe morrer os resulta-
dos obtidos e induza o agricultor a adotar os métodos recomendados pela técnica ...

Casa grande de duas águas, Fazenda Ingá, município de Acari, Rio Grande do Norte. Sempre "atrepa-
das" nos altos, na defesa de todos os dias contra o calor e o cangaço. (Foto do Autor)

4. O sertão de agora
Casas grandes de duas águas - sempre "atrepadas" nos altos na defesa de
todo o dia contra o calor e o cangaço. Alpendres acolhedores, copiares das conver-
sas sertanejas. Patriarcado nascido e estrumado com a força dos currais e escorado

" Era - década.

167
CAATINGA - Bico de Pena de Percy Lau (Cortesia do C.N.G.)

depois com dinheiro de algodão - centro dos pequenos mundos para as famílias
dos moradores e vaqueiros - onde o destino do homem tinha o limite geográfico
dos proprietários:
"A pessoa que for nos meus terrenos
Está sujeita a uma ordem que destina:
Ele cose, ele fia, ele faz renda,
Troca bilro igualmente uma menina ... "
A influência do fazendeiro nem sempre esbarrava no mourão da porteira da
divisa. O prestígio econômico e político fazia, muitas vezes, sua sombra alastrar-
se além de suas terras. Talvez do fato de se valerem os pequenos dos grandes é que
veio a expressão: " ... estou na sua sombra, meu patrão". Luiz Dantas Quesada
retratou-os em versos coleta dos por Leonardo Mota em Violeiros do Norte:
"Eu, debaixo destas barbas
Eu durmo num bom sombrio,
Que as barba desse Doutor,
Como oiticica, no rio,
Dá rancho prá com boieiro
Coito prá cabra vadio ... "
Cerca de pedra, pé-de-pedra e arame ou madeira - onde havia fartura de pe-
dra; pé de xiquexique e arame, onde o espinho tornava lugar da pedra - crescen-
do, se espichando, limitando pastos e retalhando quinhões de herança. Os boquei-
rões dos riachos tomados por barragens - represando água, criando peixes e va-

168
"OÔÔÔmalhá, malhadô
Vamos malhá
Vamos malhá
Segundo a marcha do tempo:
É roda-pé, cama-de-vento.
É ferro novo de engomá ... "

(Do coco "Malhadõ", cantado pelos cassacos na construção do Itans, em Caicó, na seca de 1932. Foto
de Geraldo Oliveira.)

169
zantes. A tradição do queijo de manteiga ou Seridó se esparramando pelas ribei-
ras. Os bangalôs crescendo nas ruas sertanejas - ruas já calçadas de pedra e cla-
readas a eletricidade; barulhentas pela boca "estrangeira" do rádio. As estradas
ganhando o chão das caatingas - zoando caminhões. Caminhão que carregava al-
godão e depois minério, agora também carreando "araras". O sertão crescendo e
se descaracterizando, parecendo hoje ter vergonha de ontem ...

Tentativas isoladas e desorientadas para importar gado de raça. Primeiro e


em maior número veio o zebu, raceando desordenadamente os tipos étnicos que a
natureza levou muitas gerações para fixar. Dê-se por visto o Curraleiro, de maior
resistência à seca e de boa tendência para fazer esborrotari" as cuias de leite dos
currais das fazendas. Também o Malabar, manteúdo, L~ de visível aptidão mista
- como dizem os livros. Ambos desaparecendo nas orelhas graúdas, acabanadas,
pernas compridas e cupim saliente do zebu(6).

Depois "sementes" de Simental, Polled-Angus, Caracu, Holandês(7) e


Schwytz levadas para a caatinga sem o cuidado inicial de melhorar as condições
forrageiras e amenizar a agressividade do meio. Daí os que não deram o couro às
varasê? se acomodaram. Com o tempo o sertanejo atinou que com o espinho (cac-
tos forrageiro) e o caroço de algodão poderia viver, nos meses de seca, dos peitos de
suas vacas. Logo o ferro de marcar anca de gado também passou a queimar lombo
de queijo.

Hoje há uma tendência nitidamente leiteira no rebanho seridoense. A assis-


tência dos órgãos oficiais(8), devagar, tem ajudado a criar condições para o me-
lhoramento do rebanho. Nas bacias leiteiras generalizam-se, dia a dia, os mestiços
schwytz-zebu ou holandês-zebu - sobreviventes alguns ainda das primeiras im-
portações do início deste século. Lá um ou outro criador com meia dúzia de ca-
beças puras, cuidadas com melhor ração e manejo - "fazendo" garrote para ven-
der(9).

Úbere de vaca passou a dar dinheiro. Valorizados os produtos do leite, trata-


ram de assentar desnatadeiras. E a popularização dessa máquina criou um novo
tipo social- o intermediário do leite, que não tem vaca mas vende queijo. Apren-
deram, então, a fazer queijo magro, de leite desnatado, e a vender o creme para os
maiores centros. E o tradicional queijo do Seridó ou de manteiga (tipo de requei-
jão) - queijo de miolo vermelho - coração de negro - para trás chamado de co-
mida rica, sobremesa de fartura e melhor tempero de feijão - hoje para se provar,
só de encomenda. Encomenda de preço mais caro ...

28Esborrotar - encher, transbordar.


29Manteúdo - que se mantém gordo.
:10 Dar o couro às varas - morrer, no sentido figurado. Assim dizem porquanto o couro é espicha-
do para secar com auxílio de varas.

170
o MUNDO SERIDOENSE

1. As ribeiras
Encravada a oeste da Chapa da da Borborema, que tem seu contraforte mais
conhecido na geografia cabocla como "Serra do Doutô" - batismo, segundo L. C.
Cascudo (Quem Deu Nome à Serra do Doutor), vindo do português de Trás-os-
Montes, Dr. Antônio José Teixeira de Morais (? -1765) que ali viveu - a zona do
Seridó abarca, atualmente, os seguintes municípios: Acari, Caicó, Carnaúba dos
Dantas(a), Cêrro (b), Cruzeta(c), Currais Novos, Florânia, Jardim de Piranhas,
Jardim do Seridó, Jucurutu, Ouro Branco(d), Parelhas, São João do Sabugi, São
Vicebte(e), e Serra Negra do Norte.
2. O tamanho da terra
Totaliza a área do Seridó 9544 km-. Comparada, para melhor memorização,
mostra ser maior que a Ilha de Pôrto Rico e quase a metade do Estado de Sergipe,
que cobre 22027 km-. Representa, assim, o Seridó 18,6% da área da Estado do Rio
Grande do Norte (51 105 km").
3. Contagem de gente
A população seridoense em 1950, somava 137 426 habitantes, formando uma
densidade de 15 hab/km". Confrontada com os 967 921 habitantes que o censo de
1950 determinou para o Rio Grande do Norte, representa 14,19% do total do Esta-
do. Enquanto a população do Estado (no todo) de 1940 a 1950, aumentou 26Sé - a
do Seridó, no mesmo período, cresceu apenas de 8,2%. Deduza-se a margem do si-
lêncio dos números, os fatores decorrentes da posição geográfico-estratégica da ci-

a) Criado pela Lei Estadual 1.028 de 11.XIl.53; desmembrado de Acari


b) Criado pela Lei Estadual 1.031 de 11.XII.53; desmembrado de C. Novos
c) Criado pela Lei Estadual 915 de 22. XI.53; desmembrado de Acari
d) Criado pela Lei Estadual 907 de 21. XI.53; desmembrado de J. Seridó
e) Criado pela Lei Estadual 1.030 de 11.XII.53; desmembrado de Florânia

171
dade do Natal e imediações em face da II Grande Guerra e dos anos secos (194:2.
1943 e 1946), provocando um extraordinário êxodo das populações sertanejas.
Além da "chama" do dólar americano correndo farto na Base Aérea de Parriami-
rim, havia a convocação militar e o engodo do Exército da Borracha.
A maior percentagem dos habitantes seridoenses reside na zona rural, ou seja
78,91 C(c, enquanto 21,09(ê nas áreas urbanas e suburbanas.
José Augusto (Serido ) pesquisando o crescimento populacional do Seridó, re-
gistra:
1782 3.630 hab.
1824 6.366 hab.
1855 15.921 hab.
1872 31.281 hab.
1890 40.514 hab.
1900 41.800 hab.
1920 85.840 hab.
1940 127.027 hab.
E esclarece: "Os dados relativos ao ano de 1782 constam do livro de Irineu
Pinto (Dados e Notas para a História da Paraíba, vol. I, p. 170), e os referentes a
1824 foram organizados pelo então vigário da freguesia da Vila Nova do Príncipe
(Caicó), padre Francisco de Brito Guerra, depois senador do Império, e foram
publicados pela "A República" de Natal - RN, em 29 de abril de 1926".
4. O chão e os matos
A vegetação é espinhenta, retorcida, agressiva, parecendo mesmo torturada,
no dizer euclideano. Dominam as cactáceas e outras formas xerófilas que estam-
pam lajedos no solo pedregoso, raso e áspero. Daí a indumentária do vaqueiro em
couro curtido - retratada por Euclides da Cunha - Os Sertões:

"armadura de um vermelho pardo, como se fosse de bronze flexível, não


tem cintilações, não rebrilha ferida pelo sol. É fosca e poenta. Envolve o
combatente de uma batalha sem vitórias. Forma grosseira de campeador
medieval desgarrado em nosso tempo."

Certa vez, indagamos a um vaqueiro das ribeiras do Espinharas, que estava


em retirada no Potengi (Agreste do Estado), se ali o mato era melhor de campear.
A resposta veio analítica:

- É diferente. No Seridó o chão é mais ruim prô cavalo e o boi corre mais; é
mais fácil de se botar a perder um animal, estrepado nas rosetas de xiquexique ou
de casco arrancado numa brecha de pedra. Aqui no Agreste tudo é chã (plano), o
mato é mais fechado e vaqueiro apanha mais mode o cavalo tem de corrê aos sal-
tos, enguiçando" as touceiras de macambinr? e espremendo a gente nas 'voltas

31 Enguiçar - transpor, passar por cima, saltar.


32 Macambira - Bromelia laciniosa Mart., família das Bromeliáceas.

172
de pau. Mas só dá trabáio a pega enquanto não se toma o rejeito= da rês; daí prá
diante ela é quem vai abrindo o mato nos peito ..."
Pouca nebulosidade. Fiapos de nuvens mal dão para tapar a brasa do sol que
escalda o chão quase 3 000 horas de luz por ano, esquentando-o a uma temperatu-
ra de 609C nos meses de seca (J. G. Duque - Solo e Água no Polígono das Secas).
Logo nas primeiras chuvas a vegetação despida se veste de uma linda folha-
gem - a rama, ficando o chão atapetado de ervas rasteiras - a babugem. Vestido
- de gata borralheira que tem a duração efêmera de poucos meses, cantado na ca-
dência de João Martins de Athayde - Suspiros de um Sertanejo:
"- Flora o camará
enrama o pereiro
nasce o candieiro,
cocão, trapiá,
mofumbo e ingá,
angico e aroeira,
flora a craibeira,
catinga de porco
demora-se um pouco
por ser mais ronceira. "
Passado o inoerno" a folhagem caduca amadurece e cai, deixando apenas ga-
lhos tortuosos e nus apontando para os céus - o cinzento dominando a paisagem
de um quadro geográfico e dantesco, em que a verdadeira moldura são os limites
ecológicos. Mas o sol, que a tudo esturrica, não conseguiu, ainda, secar a coragem
estóica do sertanejo que troçando, define, então, o meio:
- De verde só ficou pano de bilhá, papagaio e a bandeira da Prefeitura ...
O agrônomo Fernando Melo do Nascimento que dirigiu, de 1946 a 1955os tra-
balhos de melhoramento, usados com o algodão Mocó, na Estação Experimental
do Seridó, Cruzeta - RN, assim descreve o solo da região no estudo atrás mencio-
nado:
"É uma região ondulada, possuindo extensas várzeas, de solo sílico-
argiloso, profundo, sendo que, em sua parte agricultável, e nos taboleiros
de solos rasos, afloram rochas.
A erosão, tanto a eólica como a pluvial, contribuem com sua ação ne-
fasta, para o desaparecimento do solo da região, considerando-se a expo-
sição deste, sem vegetação, ao lado 'de práticas agrícolas extremamente
rotineiras.
A quase inexistência da matéria orgânica, onde os raios solares agem
carbonizando-a durante os 12 meses do ano, colocam em situação de ver-
dadeira miséria edafológica.

33 Tomar o rejeito - aproximar o cavalo do rejeito (jarrete) da rês; aproximar-se em sentido figu-
rado.
34 Inverno - a expressão inverno, neste trabalho, tem o significado nordestino, i. e., época das
chuvas.

173
A vegetação é herbácea e arbustiva predominado as cactáceas e ou-
tros agrupamentos xerófilos como sejam: "xiquexique" - Pilocereus se-
tosus Gurke; "cordeiro" - Cereus jamacaru; "Panasco" - Aristida ads-
cencionis L.; "Coroa de frade" - Melocactus depressus; "Faoeleira" -
Cnidosculus phyllacanthus (Mart); "Juremo" - Mimosa verrucosa;
"Puiba" - Kallstroemia tribuloides Wight e Arn; "Oiticica" - Licania
rígida. "
Não menos alarmante é o que afirma o professor J. G. Duque no livro citado,
com sua autoridade técnica de conhecedor e estudioso dos problemas da agricultu-
ra nordestina:
"O Seridó é a região mais erodida do Nordeste; já não existe solo nas
colinas e as árvores e os arbustos se localizam muito distanciados pela di-
ficuldade de enraizamento. Parece-nos que, abstraindo-se as questões de
altitude e de detalhes locais de solos, a caatinga degradada pelo machado
e pelo fogo, arrasada pela erosão, teria se transformado no sertão e este,
ainda mais queimado, mais limpo de árvores e de arbustos, mais lauado
pelas águas, e povoado de capins, teria gerado o Seridó. Na realidade, po-
rém, as modificações não se teriam dado com a simplicidade citada por-
que houve também alterações de clima. A flora nordestina foi adaptada,
lentamente, através de séculos, ao xeroiilismo e o fogo exerceu um papel
preponderante na dilatação da aridez, conforme vestígios em cada lu-
gar. "

5. Os invernos
Pelos mapas juntados, é fácil verificar tratar-se de uma região de chuvas es-
parsas e mal distribuídas, apresentando, segundo o Atlas Pluviométrico do Brasil,
o Posto de Currais Novos com 398.3mm, a menor média anual do Estado, contra
1.450.2 mm da cidade do Natal. O apanhado das chuvas na Estação Experimental
do Seridó, em Cruzeta, abrangendo os anos de 1930 a 1955, apresenta uma média
dos totais anuais, nesse período, de apenas 452.1 mm.
A chuva é o assunto de maior importância e constância nas palestras sertane-
jas, onde é traduzida na medição oral das expressões regionais. E dizem por aqui
assim:
- Uma chuvinha que mal deu prá apagar a poeira (chuvisco que apenas ume-
deceu a camada mais superficial do solo).
- Chuueu que deu bem prá corre os duros (a água correu nos lugares de solo
mais compacto).
- correu moles e duros (a água nos lugares arenosos e argilosos).
- mal deu prá corrê as goteiras (o mesmo que mal deu prá apagar a poeira
ou, quando muito - corrê os duros).
- Chuva de imendá as goteiras (chuva muito grossa, fazendo correr os ria-
chos, juntando água).

174
- Chuva de castigo ou de matá sapo afogado (chuva tempestuosa, que inun-
da e arromba açudes, causando prejuízos).
- Chuva com trovão de estalo (agudo) ou redondo (grave).
- Quando o pássaro goteira cantá e o pai da coalhada falá grosso (quando as
goteiras correrem abundantes e o trovão ribombar nas serras).
Nas madrugadas que precedem os meses de inverno, saem aos pátios para uri-
nar, espiar o céu e ler nas nuvens as promessas de chuva:
- Esta noite tinha um torreame (cúmulus) muito baixo, na direção do Piauí,
e quem tomou (interrompeu) o relâmpago foi o quebrar da barra (clarear do dia).
- Amanhã - se Deus quisé - chove. A lua nasceu por trás de uma barra
(nuvens de chuva) e a noite toda o trovão cantou prô nascente ...
À margem, vêm as experiências de inverno que abarcam observações na flora,
fauna, astros, etc., assunto de se fazer um livro ... (10)

6. "Kalendário" 35 das secas


O desembargador Felipe Guerra (Secas do Nordeste), um dos homens de
maior espírito público do Nordeste, enumera em um resumo histórico, abarcando
os anos de 1559 a 1942: "uma seca de 5 anos, cinco secas de 3 anos, oito de 2 anos e
dezesseis de um ano, a saber: 1559, 1564, 1614, 1690-2, 1723-7, 1744-6, 1766, 1777-
8, 1808-9, 1814, 1817, 1825-6, 1833, 1837, 1844-5, 1860, 1868-9, 1877-9, 1885, 1888-9,
1891-2, 1898, 1900, 1902-4, 1907-8, 1915, 1919, 1930-2 e 1942".
De 1942 para cá, ainda na era de quarenta, tivemos: 1943 e 1946; na era de
cinqüenta: 1951-3, 1957 (parcial) e a deste ano de 1958. (11).
Resta-nos a resignação sertaneja de transferir a esperança para o ano seguinte
e entupir os ouvidos ao canto de Cassandra da A Profecia da Garça Misteriosa:
"- No fim de cinqüenta e nove
Quem for vivo não se cala
O mundo vai dar um tombo
Que toda a terra se abala,
Se ver neste tempo gasto,
Muito pasto e pouco rastro,
Muita sala e pouca fala ... "
7. O caminho das águas
De cursos caudalosos e transitórios, no dizer do poeta, "com a violência dos
tios que nunca foram navegados." O rio Piranhas (mais perto das pancadas do
mari" também chamado de Açu) é, talvez, em menor trecho o que carreia maior
volume d'água - cortando o limite Oeste da região. Seu maior afluente, na zona,
é o Seridó que desgalha no Sabugi e no Acauan - ramificados em dezenas de

35 Kalendário - nos tradicionais A.B.C. (poesia popular mnemônica narrativa) e estrofe que se
iniciava com a letra "K" o fazia, sempre com a palavra "Kalendário", assim grafada.
36 Pancadas do mar - litoral, praias.

175
afluentes que descem das ladeiras da "Serra do Doutô", aceito"? leste da região-
até as águas que lavam Equador no município de Parelhas - extremo Sul do Seri-
dó e do Rio Grande do Norte.
Mais ao Sul da embocadura do Seridó, o Piranhas recebe o Espinharas que
vem abrindo caminho do vizinho Estado da Paraíba. Dele ouvimos certa vez, no
balanço do ganzá,38 um cantador descrever o curso:
"É nas guelas da Serra do Teixeira,
Que o Espinharas arrecebe o Enchimento.
Banha Patos, faz cun.:a em Serra Negra,
Continua seu curso violento.
Faz a barra no rio de Piranhas,
Duas léguas abaixo de São Bento ... "
Na estação da seca, quando aparta a água, 39 o sertanejo carreia estrume de
curral para adubar as areias dos leitos enxutos dos rios onde, aproveitando a min-
guada umidade existente, faz a apelidada cultura de vazante (principalmente ba-
tata doce e feijão). Nas ribanceiras, lavadas pelas cheias o capim de puuita'? cres-
ce a ponto de dar pelos peitos de uma pessoa, como viu José Bezerra Gomes - O
Seridó.

Aceiro - Limite.
:37
38Ganzá - instrumento de ritmo, geralmente de flandre, cilíndrico, onde colocam pequenas pe-
drinhas para produzir som quando sacudido.
39 Aparta a água - quando os rios deixam de correr.
40 Capim de planta - Panicum barbinode Trin. fam. das Gramíneas,

176
Dizem os mais velhos e conta Manoel Dantas, Homens de Outrora, ter nasci-
do da lição da fome da seca dos dois setes (1877-9), o aproveitamento do leito dos
rios para a cultura de vazantes. Juvenal Lamartine (1874-1956) nos dizia que as
primeiras vazantes do Seridó foram plantadas no Poço do Barbosa, no rio Acauan
(Acari). O sucesso da experimentação logo se alastrou por toda a ribeira e hoje, os
rios secos do Seridó, deixaram de ser meros "caminhos da água" para se vestir de
rama de batata e feijão, riscando linhas tortas e verdes na paisagem esturricada. A
contribuição dessa nova forma de trabalho tem se traduzido de maneira positiva
para o Seridó; não só participando da panela do sertanejo como, pelas ramas e os
refugos das batatas, dando sustância e até cevando gado na época das secas. Mais
convincente, talvez, seja o resultado estatístico do S.E.P. do Ministério da Agri-
cultura, que diz no ano passado (1957) ter o Seridó produzido 14517 toneladas de
batata doce - o segundo produto agrícola em valor da região - embora grande
parte dessa safra deva ser repartida também com as vazantes dos açudes.

8. As serras e os quatro aceiros

Enladeirado em sua topografia, o Seridó tem seus limites naturais, quase to-
dos, em divisores d'água de espinhaços de serras.

Ao Norte, pela Serra de Santana, que descamba para o NO, na do Pará Velho
e do Tapuio. A Leste, na Chapada da Borborema, pelos contrafortes das serras do
Feiticeiro, Apertada Hora e do Doutor. Os limites com o Estado da Paraíba co-
meçam a ser traçados a NO, no espinhaço da Serra do João do Vale, descendo em-
parelhado com o Rio Piranhas até Ipueiras, onde ele penetra no Rio Grande do
Norte. Daí pelo lombo da Serra da Salamandra, até as nascentes do Riacho Caiça-
ra (PB) e em linha reta, já ao Oeste, até pegar a Serra das Melancias. Depois pela
Serra do Poção e mais adiante, na dos Quintos - para subir pela Serra da Carnei-
ra, do Chapéu e Vermelha - onde emenda novamente com a Serra do Doutor(12).
São os marcos que mais ferem a vista ao espiarmos o mapa.

Parece que o ponto mais alto da região está nos limites NE - Serra de Santa-
na - onde a curva de nível maior, registra 800m. A altitude média, provavelmen-
te, está em derredor de 250m.

O trabalho enfiado do vento e da água através do tempo - o vento' açoitando


a uma velocidade de 2 a 20 km/hora, mediu J. G. Duque no estudo citado, e a água
lambendo a nata da terra cada vez mais rasa, magra e pelada pelo machado de
uma agricultura de coivara - vão descobrindo rochas ciclópicas que reduzem a
superfície de infíltração do solo e mais irradiam calor e luz, contribuindo para que
a brisa na estação da seca seja mais um bafo morno que alentador. Daí a expressão
pilhérica de um "turista da seca": " .. e quando sopra um ventinho, parece mais
vento de dentista ... "
O sertanejo denomina de serrote a essas pedras que "crescem" do chão, en-
cobrindo, algumas vezes, fumas onde se enlocam e fazem morada as últimas espé-
cies da minguada fauna cinegética.

177
9. Dinheiro de pedra
"As terras do Nordeste brasileiro chegam mesmo a ser muito mais ri-
cas que as de Minas Gerais. A diversidade, a quantidade, a qualidade de
seus minérios, tanto no que se refere ao ouro (grande quantidade), como a
chelita, tantalita, columbita, urânio, fluorita, mica, berilo, barita, cristal
de rocha e tantos outros, asseguram, plenamente, a fabulosa riqueza do
Nordeste." Prof. Paulo Vageler.
Por volta do ano de 1907- contou-nos José Augusto Bezerra de Medeiros-
que viajava de Natal para Acari, a cavalo, em companhia de Juvenal Lamartine.
Ao acalanto do galope da burra melada, discutiam o futuro econômico do Seridó
onde, na opinião do outro, os métodos de trabalho corrigidos pela técnica, garanti-
riam a estabilidade de uma riqueza agropecuária. José Augusto, menos otimista,
advertiu:
- Só acredito que esta terra seja rica quando estas pedras derem dinheiro ...
Anos depois, já na era de quarenta, na gula da TI Grande Guerra, a indústria
bélica americana reclamava maiores fornecimentos de minérios estratégicos. Vie-
ram os técnicos, examinando pedras e apontando ao matuto os seixos de maior va-
lor comercial.
E a terra, que escondia tanta riqueza no seu subsolo, também criava o seu
mineralogista, na figura de um jovem cego, Joel Dantas, de olhos baços, quase es-
talados no dizer regional - autodidata que de curso ouviu apenas o primário.
Pois bem: vendo com os olhos dos dedos e a meia-luz do seu "conta-linhas" (jogo
de lentes), já vinha classificando seixos e apontando minas que mais tarde deram
dinheiro a muito sertanejo sacrificado pela aventura-agrícola de tantos anos.
Em pouco, os derrames eram localizados. Terras até então maninhas e que
mal serviam para solta de jumento, eram disputadas e estabelecida a disparada
dos registros e legalizações.
Esgotadas as catagens a céu aberto - mergulharam de chão adentro, em ga-
lerias, vencendo as fronteiras da aventura para afirmar uma atividade econômico-
industrial normal e compensadora.
Criou-se, então, uma nova forma de trabalho, embora sem tradição, consti-
tuída pelo mesmo sertanejo que a frustração da safra fez largar a enxada pela ba-
teia, minguando o ciganismo das procissões flageladas.
Ainda em 1954, vimos - com esses dois olhos que a terra há de comer - no
escuro das galerias da Mina de Bodó (Cerro Corá), o sertanejo desprezar o
"mineral-light" (luz ultra-violeta) para localizar, no faro, os veios de chelita, que
se escondiam nas entranhas da terra.
Já naquela época o jornalista Luíz Alves, em reportagem publicada no órgão
associado "O Diário de Natal", chegou a aventar a hipótese de ter saído do Seridó
o minério radioativo que fez pipocar Hiroxima. Hoje, qualquer papa-jerimum
(norte-rio-grandense) mais esclarecido sabe da riqueza mineral radioativa do Es-
tado. O prof. Paulo Vageler - Levantamento Agrogeolôgico do Estado, edafolo-

178
gista de renome internacional e um dos maiores conhecedores dos solos das regiões
áridas e semi-áridas, ao ensejo do levantamento agrogeológico do Estado, teste-
munhou:
"Uma explosão de dinamite executada em nossa presença deu minérios de
urânio ao invés de tantalita ... "
Ocioso lembrar a importância da chelita na indústria do após guerra. Mr.
K.C. Li, Presidenteda Wah Chang Corporation, na cidade de Glen Cove, ao sau-
dar o Presidente Celal Bayar, da República da Turquia, declarou:
c c••• hoje, sem o tungstênio, o uso da energia atômica, para fins industriais,
não poderia ser plenamente realizado. '.'
Constituíram, assim, os seixos pesados que logo o matuto aprendeu a conhe-
cer (embora desassistido, ainda hoje, até de um laboratório de minérios) - o refri-
gério de muitos nas secas de 1943 para cá.
A queda vertical no mercado comprador da chelita ocorrida no primeiro se-
mestre de 58 tem desencorajado os mineradores, que se dizem vítimas de uma
manobra dos "trusts" ... Não comportaria este trabalho maior análise que as cole-
tas estatísticas regionais com o objetivo único de oferecer uma visão informativa
da produção seridoense.
Hoje, sem maior quixotismo, é certo concluir: quando as nossas pedras forem
industrializadas no nosso chão - seremos menos pobres ...
10. Do ambó 41 ao Itans 42

Cedo, talvez mesmo no quebrar da barrtr" da sua luta para fixação, com-
preendeu o sertanejo ser a água o elemento limitante das atividades agropecuárias
no Seridó. Sem ela não poderia aumentar a sua ferra de bezerros e nem mesmo
manter a umidade em um pedaço de chão, onde plantar, para comer verde, H nos
meses de seca (13).
Talvez a lição deixada por alguma grota, onde um cordão de pedra, natural,
tapava represando a carreira de um riacho - ou mesmo a experiência trazida de
outras terras (não sabemos bem) - fez o seridoense compreender que a água é o
melhor de todos os adubos", como anota Eloi de Souza em O Caluário das Secas.
Já o senador do Império, Padre Brito Guerra (1777-184õ), defendia a tese de
que o problema das secas estaria resolvido no dia em que as águas caídas das chu-
vas não chegassem ao mar - esbarradas em açudes construí dos em todas as
ombreiras (José Augusto - op. cit.).

41 Ambó - pequena represa; segue-se em ordem de grandeza visual. o barreira. o açudeco e depois
o açude.
" Itans - açude público construído pelo DNOCS no município de Caicó, com 8LOOO.OOOm".
4" Quebrar da barra - cinco horas, amanhecer do dia.
44 Comer uerde - enriquecer o cardápio sertanejo de verduras; feijão e milho verde, maxixe, to-
mate miúdo ou do mato (Lycopersicum cerasiforme Dun. fam. das Solanáceas) e bredo manjongome
(Talinum paniculatum Gaerth fam. das Portulacáceas).

179
Naturalmente que os primeiros ambós levantados - arremedos mirins dos
açudes públicos de hoje - constituíram o tatear de uma experiência hidráulica,
sem maior escolha de material, de sangradouros apertados, alicerces precários e
com a primitiva e clássica parede lombo de pebc":
Foi ainda o seridoense José Augusto Bezerra de Medeiros que nos disse atri-
buir ter sido o primeiro açude particular construí do no Seridó - e também no Es-
tado - o da "Velha Merência" (abreviatura de Emerenciana - proprietária no
município de Caicó) que continua, ainda hoje, guardando água, fazendo desovar
peixe e dando vazantes ... Em que ano foi construído? Não nos foi possível averi-
guar. Naturalmente ainda feito a muque. Terras transportadas em padiolas e no
arrastão do couro de boi que por muitos anos foi o "scrapper" do sertanejo - "pa-
ra os açudes o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de boi
que calcavam a terra com o seu peso. (14)
Só mais tarde, quando os primeiros jumentos vieram agüentar no espinhaço a
economia agrária nordestina e o couro do boi passou a ser mercadoria exportável, é
que caiu em desuso o arrastão.
O sertão tem para com o jumento uma dívida maior que a do ciclo da cana
para com o braço escravo. É o animal que mais compartilha da fome sertaneja nos
anos escassos e também o último a ser acudido, pela confiança que têm na sua
quase ilimitada sobriedade. Magros, no couro e no osso, abandonados ao mor-
maço, se deixam ficar cochilando, como a poupar sustância, mastigando bascu-
lhos'" e até o próprio estrume ~ num ciclo vicioso que o agarra desesperadamente
à vida. Daí a irreverência no dizer sertanejo: " ... em tempo de seca só escapa padre
sacerdote e jumento".
Paradoxalmente, guardam certo respeito pelo animal. Na seca de 1942, suge-
rimos a um bando de retirantes abater para comer um jumento velho, aleijado e
gordo que vivia desprezado no pátio da fazenda. Repeliram a idéia surpresos e até
indignados em admitir-se "comer a carne de um bicho que carregou Nosso Sinhô".
Argumentamos que outros animais também conviveram com Cristo e nem por isso
eram preservados pelo homem.
- Mas em nenhum Ele deixou a marca.
_?

- A lista que tem na cruz'? foi por onde escorreu o mijo do Menino Deus ...
O cantador Anselmo Vieira de Souza (1867-1926), dizia:
"Eu conheço neste mundo
Quem nasceu e não pecou,
Andou junto com Jesus,

4,Parede lombo de peba - tipo de parede de barragem abaulada, que se assemelha ao casco do
tatu peba (Euphractus sexcinctus).
'" Basculho - restos, lixo.
" Cruz - cernelha.

180
Quando Ele no mundo andou
E, tendo servido a Deus,
Morreu, mas não se salvou. "
Jumento no Nordeste é assunto para encher um livro - o livro que o nordesti-
no ainda não escreveu. Mas, voltanto à conversa dos açudes:
De boca em boca o resultado da primeira tapagem correu aquele mundo. O
açude dava vazante sem carecer de estrumar, além do peixe e do refrigério" da á-
gua para o rebanho. Por volta de 1915 o Seridó contava 710 açudes, (15) embora
mais de 2/3 deles não resistissem a secas prolongadas - enumerou José Augusto
no seu livro sobre a região.
Em 1908 era criada a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas - IFOCS
(hoje DNOCS). Com ela vieram os engenheiros, os técnicos erguendo os primeiros
reservatórios públicos, onde o sertanejo, neles trabalhando, cedo aprendeu o b-a-
bá da sua construção.
Surgiu daí o cassaco - trabalhador volante que vive no ciganismo das cons-
truções públicas. "Pioiho'í'" dos açudes e das estradas, apresentando certa espe-
cialidade funcional. Uns são paleadores eméritos e se credenciam pela habilidade
em sacudir a terra a grande altura, fazendo "foguetão" (a pá dá uma cambalhota
no ar e volta às mãos do operário enquanto a terra se destaca num bloco compac-
to). Na construção do Itans (Caicó-RN) de 1932-6, paleavam ao som do coco
"Tamanqueiro" :
"Oi tamaqueiro
eu quero um par,
quero um par.
Eu quero um par,
de tamanco prá dançá. "
Os que trabalham nas pedreiras são ainda mais teatrais. Três marreteiros
malhando, às vezes no mesmo aço - fazem piruetas com a ferramenta que foge
pelo sovaco e volta às mãos por cima do ombro - num assobio soprado que dá som
à trajetória e no tinido da pancada, ritmo do coco que "faz a pedra mais maneira"
(mais leve):
"Õôõõô malha
-

Seu máia,
Õôãõõ malha malhadô
-

Vamos maiá,
Seu máia.
Vamos maiá,
Segundo a marcha do tempo:
É roda-pé, cama de vento,
É ferro novo de engomá ... "

48 Refrigério - conforto, alívio.


49 Piolho - indivíduo que sempre está presente a determinada ação. Piolho de construção - ope-
rário que trabalha freqüentemente em construções, etc. É, naturalmente, uma forma figurada do para-
sita.

181
Mas, voltando ao b-a-bá da escola da açudagem. Hoje já existe uma tradição
de açudagem no Seridó e há "mestres de parede" famosos que atendem a chama-
do de muitas léguas para as empreitadas de construção. Dê por visto o mestre José
Lourenço, já cinqüentão, típico espécimen da família Batista. "Grandão", tora de
homem, trabalhador, de mãos enormes, que gesticula como um estabanado e de
fala gritante. Filho de Acari, fixou-se há muito, na Fazenda Lagoa Nova (São Pau-
lo do Pontegi, RN) e naquela ribeira já levantou muita parede de açude. O da Fa-
zenda Lagoa Nova, construído em cooperação com o DNOCS, teve sua parede de
640m de comprimento construída, cortada e alisada por ele, sem deixar um ca-
tombes? ou uma barroca - na sua engenharia tosca, cujos instrumentos se resu-
mem numa enxada, um nível de pedreiro e um novelo de cordão.
O açude logo passou a ser um acidente indispensável à vida e à paisagem ser-
taneja. Crianças ainda, mal correm as goteiras das primeiras chuvas, ganham os
pátios das casas, a atalhar a água argamassando com as mãos o barro das tapa-
gens de brinquedo. E qual o menino sertanejo que não jogou canga-pe'" nos banhos
de açude, nem deu mergulhos de tinir os ouvidos, estumado= pelo desafio do rebo-
1053 atirado a água?

"Galinha gorda?
Gorda é ela.
Vamos comê-Ia?
Vamos a ela ... "

50 Catombo - saliência.
51 Canga-pé - ponta-pé que se desfere mergulhando e virando o corpo sob a água.
52 Estumado - atiçado, açulado.
53 Rebolo - pedra de dimensão que permita ser atirada eu rebolada.

182
A CAÇA NOS SERTÕES DO SERIDÓ

1. Indumentária
Estancada a Guerra dos Índios e agraciados os chefes militares com datas de
terra - foram, pouco a pouco, sendo situadas as fazendas "para povoar com seus
gados". Alevantavam-se currais e o gado rejeito» era tangido para o mercado das
feiras sertanejas de Pernambuco e Paraíba (Olinda, Pedras de Fogo e Campina
Grande).
Inicialmente não havia cercas divisórias. A fazenda se resumia na casa-
grande, casas de vaqueiro, senzala, currais e um pequeno cercado para enchiquei-
rar" os bezerros. Na época da ferra faziam o adjunto da vaqueirama para a apar-
tação.
A agricultura como fonte de economia é de ante-ontem. Há pouco mais de
cem anos a exploração agrícola nas fazendas seridoenses se resumia a um pequeno
quintal de cereais para comer verde nos meses de inverno. As vazantes vieram na
fome de setenta e sete (1877).
O traquejo'" do rebanho da caatinga agressiva, parece que açulou o sentido do
homem para a sua mais eficiente defesa. Daí a necessidade de saber tirar um ras-
tro'" da novilha parida que, amoitada, escondia sua cria. Ou de um animal com
bicheira carecendo de benefício. É de pensar que o caçador veio mais pela necessi-
dade de defender o rebanho dos estragos feitos pelos grandes carnívoros.
Assim, o povoador tinha de vestir véstias de vaqueiro, tirar rastro no chão
duro da caatinga e aperrar o clavinote boca de sino ou a zagaia tridente para aju-
dar a fazer crescer a sua ferra.

q Refeito - "Engordado. Os que já cobraram carnes, que perderam nas jornadas mudanças de
pastos" (Ant6nio de Moraes - Dicionário da Língua Portuguesa, 1877).
"" Enchioueirar -' prender ou apartar em chiqueiro.
;6 Traquejar - dizem no sentido de manejar, tornar apto, exercitar.
" Tirar rastro - rastejar, ser capaz de identificar e acompanhar um rastro.

183
Brotavam os tipos populares que atravessaram o tempo e se fizeram heróis
naquelas ribeiras. Os caçadores, notadamente os de onça, ficaram na lembrança
do povo e suas façanhas continuam a·ser o tema evocativo das palestras sertanejas
sob os alpendres das fazendas. A literatura de cordel registrou os lances de bravu-
ra, força e sagacidade dos mais famosos. Dizem os mais velhos que tivemos
famílias inteiras de caçadores. Na ribeira do Espinhara, os Correia e Valentim
marcaram época e, ainda há bem poucos anos, tropicava-se em elementos disper-
sos dessa gente com visível tendência para viver do mato."
Os caçadores de onça, porém, conquistaram fama imorredoura. No Rio Gran-
de do Norte, o Miguelão das Marrecas, era sempre lembrado toda vez que surgia
um carniceiro a desfalcar os rebanhos.
"O Miguelão das Marrecas
Veio da Serra do Doutor,
Chamado por Joaquim Teles
Para ser seu morador,
Porque perseguia onça
Como heróe lutador."
"Em nocecentos e quatro
Miguelâo andava armado
De agalha, rifle e punhal
Com um cachorro aprovado;
Seguiu para Serra Negra
Por causa de um chamado ... "
L. C. Cascudo lembra o nome de José Gomes da Trindade Templo de Maria,
falecido no Caicó em 9-8-1898, com 84 anos, de quem diziam a boca pequena haver
caçado mais de 80 onças ... Contudo, o nome mais famoso das ribeiras seridoen-
ses, foi, sem dúvida, o do velho Cazuza Sátiro (José Sátiro de Sousa, 1829-1911).
Abastado proprietário no vizinho município de Patos (PB), a poucos quilômetros
da fronteira com o Seridó (Serra dos Troncos), devotou toda a sua vida a perseguir
onças, atendendo chamados de muitas léguas sem aceitar qualquer remuneração
- apenas pelo prazer de ouvir um cachorro choradori" em noite de lua numa guela
de serras" e os esturros do gatão" nas fumas. Caráter forte, reto e modesto. Culti-
vava duas manias: esquípar cavalos e criar cachorros onceiros (um dos seus cães,
Labugão, atravessou as portas da popularidade emparelhado a Cazuza).
"Cazuza era carrancudo
além de ser tão barbado
o vento abria o cavanhaque
um molho pra cada lado
quando ia galopando
em um cavalo montado."

58Viver do mato - viver da caça; arrancar o sustento do mato.


59Cachorro chorador - dizem do cão que gane quando percebe que a caça está ganhando distân-
cia por ter mais carreira que ele.
60 Guela de serra - garganta de serra.
6! Gatão - no sentido de onça.

184
Mapa da região do Seridó, no Rio Grande do Norte. (IBGE - CNG. 1957)

Sobre a personalidade desse homem há uma fieira de casos que constituem al-
gumas das mais encantadoras páginas da tradição oral, serteneja:
"Quem perguntasse pela saúde
Da família do Capitão, (16)
Ele não respondia,
Nem lhe prestava atenção.
Se falasse nos cachorros,
Ganhava mais atenção.
Neste tempo o Cazuza
Conservava preparados
Uns vinte e cinco cachorros,
Todos bem exercitados,
E só com carne de boi
Eram os cachorros tratados."
Reza a tradição que desossava a carne com que alimentava seus cachorros
para não lhes estragar as presas. Ouvimos, de Bonato Liberato Dantas (1879-

185
1955), o fato que dizia lhe ter sido transmitido como autêntico por um contempo-
râneo do grande matador.

, _.
."z".,..,_.t.' .•....•..•.
-
·"'·'.•..
-
·01,
.

, Preço: . Cr: $2,00

Cazuza costumava - como a maioria dos criadores da sua época - comprar


bois no sertão do Piauí para refazer. De uma feita contratou, naquele Estado, um
vaqueiro ganhador'" que possuía um cachorro branco de cabeça preta, chamado
Cambráia. Em um dos campos para juntar a boiada, Cambráia matou uma onça.
Cazuza verificando o trabalho do cachorro procura logo adquiri-lo ao que o va-
queiro refuga, alegando que ainda na semana anterior o bichinho havia salvo sua
vida em luta com uma pintada. Tratando-se de um rapaz pobre, cuida seduzi-lo
com uma quantia mais avultada, no que é, novamente', rejeitado. Dobra a propos-
ta e, de lance em lance, termina oferecendo todo o dinheiro que conduzia e mais a
burra de sua sela:
- Me sujeito a voltar prá minha terra a pé, puxando Cambráia pel'uma cor-
da.
- O sinhô tá vendo a terra e o céu? ... Pois pode ter dinheiro prá fazê uma
ruma que vá batê nas nuvem; mas não tem dinheiro que pague Cambráia ...

"Em novecentos e quatro


Cazuza tinha encostado
As armas de matar onça
Estava velho e cansado

52 Vaqueiro ganhador - é o vaqueiro que trabalha avulso. Sua diária corresponde a de um traba-
lhador braçal da lavoura; percebe por "campo" ainda que este ocupe apenas algumas horas.

186
Findou doente de asma
Pelo serviço pesado.
Morreu o Cazuza Sátiro
Nosso herói do sertão,
O grande matador de fera
Limpo na sua missão,
Merecia uma státua
Com as agáias na mão."

Hoje, a caça ocupa na vida do sertanejo seridoense uma atividade meramente


ocasional. A este propósito registra Hélio Galvâo (O Mutirão no Nordeste):

"Nunca exerci da profissionalmente a caça não intrega o quadro das


profissões do Nordeste Rural, embora praticada com freqüência. Tendo
assim caráter episódico, esportivo, não foge entretanto à influência dos
costumes coopera ti vos."

Difícil esbarrar em nossos dias, na caatinga seridoense, com um sertanejo que


viva da espigarda. Mesmo na extrema penúria da seca quando minguados de re-
cursos - de açudes esturricados e paióis varridos - apelam para o trabalho nas
construções públicas, minas, ou desatam a rede e tomam as estradas do mar. Lá
algum que teima em ficar é que ganha os matos catando a caça e matando a fome
com "comida braba" - inchando na gordura fofa dos edemas já chorosamente
glosada por Nicandro Nunes da Costa (1829-1918):

"Xique-xique, mucanã
Feijão brabo, catole,
Raiz de pau ou cole,
Macambira; embiratan,
Do pau pedra a bariman,
A maniçoba, o murrão,
A parreira, o gordião,
Comendo isso todo dia,
Incha, causa hidropisia ...
Foge povo do sertão. "

A pobreza da fauna e dos recursos da flora de ano para ano mais escasseiam e
limitam, conseqüentemente, essa fuga. Ameniza o quadro a cíclica valorização
das peles de caça que levam o sertanejo a catar, em um processo, de quase dizi-
mação, as espécies pelo mercado. Dê-se por visto o couro do sapo cururu (Bufus
marinus) que na seca de 1932 era vendido de 1$000 a 1$500.

Indumentária - É a mesma roupa usada para o trabalho (17); alpercatas de


rabicho (18), faca à cintura (antes, a clássica faca de ponta nordestina, hoje a pei-
xeira - mais cortante, malvada e de menor valor; chapéu de couro (19) ou palha
de carnaúba e badaneco (20) de couro ou mescla onde conduzem os apetrechos da
espingarda além do arremedo de nambu, fumo de rolo, cachimbo ou mortalhas

187
para enrolar os cigarros e o artifício ou papafogo (21). Quando a excursão se pro-
longa por mais de um dia costumam levar rapadura, farinha, carne de sol (22) e
café para o café de pedra (23). A água é conduzida numa cabaça de colo (Cucurbi-
ta lagenaria Linn. da fam. das Cucurbitáceas) ou borracha presa à cintura. Se por
qualquer eventualidade findasse a água, recorriam às raízes do um buzeiro (24) ou
ao caule da mucuna (25).
2. Instrumentos e apetrechos
Instrumentos de caça - Inicialmente usava-se o bacamarte e a espingarda de
pederneira que o aparecimento da espoleta fez transformar em espingarda de ou-
vido. Com essas armas primitivas os nossos antepassados defenderam os rebanhos
dos felinos carniceiros. Hoje, os velhos e raros clavinotes são usados apenas para
salvas nas 'festas juninas.
Espingarda de ouvido - Também chamada de carregar pela boca - foi a que
sucedeu a espingarda de pedra ou de chispa, parece que lá pelos fins do Século
XVIII. Continua a ser a arma predileta do nosso sertanejo naturalmente pelo seu
pequeno custo, simplicidade e fácil conserto. Dantes eram importadas; atualmen-
te são manufaturadas pelos ferreiros sertanejos - de todos os tipos e calibres. A
nomenclatura usada pouco diverge: coronha ou coice, cano, braçadeiras, culatra,
ouvido, queixo (cão), caixa de espoleta e guarda-mão (guarda-mato). Quando
guardadas com carrego, conservam uma mecha de algodão sobre a espoleta para
que o tiro não "resfrie".
Ainda que o exterior não apresente qualquer diferenciação, classificam-se de
espingarda de chumbo quente ou frio, i.é, a de chumbo quente não é mortal, dei-
xando sempre a caça escapar ferida. A de chumbo frio é fulminante - matadeira,
como designam.
As supertições ligadas aos instrumentos de caça, provavelmente, comporta-
riam uma pesquisa detalhada no sentido de identificar suas origens. Desde a arma
mais primitiva, a pedra, rebolada sem auxílio de qualquer instrumento que os me-
ninos sertanejos cospem para obter uma pontaria certeira - às clássicas baladei-
ras de matar passarinho. Baladeiras de ganchos (forquilhas) mossados - calen-
dário dos pássaros mortos. Menino comendo fígado cru de beija-flõr e melando de
sangue o gancho da "arma" para não errar pedrada. Qual o menino sertanejo que
não passou por esses testes? ...
As armas de fogo detêm, naturalmente, maior acervo de tabus. Assim é que
atirar em urubu ou consentir que alguma mulher pegue na espingarda, são moti-
vos suficientes para inutilizá-Ia, transformando-a de "chumbo frio" em "chumbo
quente". E para justificar o preceito alegam que se depois de atirar em urubu
soprar na boca da arma, correrá água pelo ouvido da mesma ...
Há dois processos para determinar se a espingarda é "ajuntadeira" (a cujos
grãos de chumbo atingem o alvo agrupados), ou "espaiadeira":
a. Mede-se o cano da arma, a partir da culatra, de 4 em 4 dedos; o núme-
ro de dedos que excedem, ao atingir a boca, corresponde ao número de
"caroços de pontaria" (agrupados);

188
b. comprime-se a boca da espingarda sobre a palma da mão ou a pele do
braço; ficando o local vermelho - semelhante a um leve calo de san-
gue - a espingarda é "ajuntadeira".
Apetrechos - são conduzidos no badaneco. Buchas - de corda, coco ou raspa
de mororó (26), polvaril (27), chumbeiro (28) e a cargueira.
Rifle - (Winchester cal. 44) - Teve um papel de relevo na história social do
Nordeste. Decidiu lutas de famílias e de cangaço nas caatingas nordestinas. Foi
também a arma mais usada na caça dos grandes carnívoros.

Besta (29) - Arco adaptado à coronha na caça de pequenos animais. A ma-


deira mais empregada na manufatura do arco é o mofumbo i Combretum lepro-
sum Mart., fam. das Combretáceas). Anotamos em sua nomenclatura: coronha,
papo (30), relho (31), gatilho e pinguelo (32). Atira com duas qualidades de setas:
preaca (33) e biloto (34).
Preaca - ferro, à guisa de arpão, usado para desentocar a caça. Apenas na re-
gião do Espinharas ouvimos referência ao seu uso, sob a alegação de que a raposa
depois de entocada pelos cães nem o fogo a faz "espirrar".

Azagais ou Zagais - Pequena lança, de uma a três pontas, aguda que, adap-
tada a um cabo de madeira resistente, é usada para "escorar" os grandes carnívo-
ros (v. fig).

189
"O tigre lutava em pé
Dançando de corpo teso.
A zagais quebrou o esse
Com o arrojo do peso.
O menino riscou o fósforo
O murrão ficou aceso. "
Bodoque (35) - O emprego dessa arma é quase restrito às pequenas aves e
roedores. Da sua nomenclatura consta: arco, boi (36), orelhas (37), canzil (38),
cordões e rede.
Baladeira - Usada pelos meninos para passarinhar. Compõe-se de ganchos
ou forquilha, borrachas e couro.
Funda - A arma bíblica de David, cuja raiz se perde na história do homem,
tem pouca utilização na zona seridoense. Talvez devido a sua precária precisão fez
o sertanejo motejar: "Doido que só pedra de funda ... " Usada apenas para afugen-
tar pássaros predadores nas plantações.
3. Métodos de caça

3. Métodos de caça,

a. cachorros
A. Por perseguição ...... b. furão
c. por rastcjamento
a. fôjo de arribaçã
b. tingui na água
B. Por espera ...... _ ... c. carniça
d. comida, bebida, dormida, morada, ctc.
e, arremêdo
a. mundé
L. quebra cabeça
Ip~;a roedores
porcos
c. Iôjos ou quixós
" veados

d. arataca
I " ribaçã

e. chiqueiro
f. esparrela
g. arapuca
C. Por a rttuul iluas ...... h. sangra
i. espingarda
j. facho
k. cabaça
1. alçapão
m. visgo
n. laço
o. lata de potassa
p. telha
q. cachaça
r. anzol

190
A) Por perseguição
A.a. Cachorros
"Os cães sertanejos não têm origem certa, nem raça determinada.
São a resultante de uma mistura étnica elaborada pelas condições de
vida através do tempo, que não se pode explicar. São de todos os tipos e
tamanhos, cores, malhas e feitios, pelos sedosos e arrepiados, focinhos
curtos ou longos, orelhas caídas ou de pé. Múltiplas e várias sãos, tam-
bém suas aptidões. Uns são exímios farejadores, perseguidores incansá-
veis das raposas, das feras e astutos Canis brasiliensis e vellutus; outros,
guardas fiéis da casa e do chiqueiro; ajudam a pegar o gado e defendem o
cercado das galinhas dos assaltos noturnos da raposa, do guaxinim e do
gambá. O matuto designa de um modo especial a aptidão dos cães: ca-
chorro bom de gado, bom de caça, bom de raposa." (GUSTAVO BAR-
ROSO - op. cit.)
E bom de porta (cão de guarda), acrescentamos. A palavra cão tem, naquelas
ribeiras, o significado de satanás - donde o enexim: "stá com o cão no couro, ou
espritado" - possuído de mal-espíritos.
Fazem comparações jocosas para depreciar os cachorros alheios: "isso é ca-
chorro bom: de bicho de carreira, ovo e bicho de buraco, panela - não escapa nas
unhas dele ..."
A escolha dos animais domésticos sertanejos, ainda se faz, mais das vezes,
pautada nas características exteriores. Os Sinais de Galoão, na seleção dos eqiií-
nos, tem merecido estudos de vários etnógrafos que melhor exemplificam essa afir-
mativa (39). Sendo o cachorro um animal de menor valor econômico nos afazeres
regionais - é mais pobre e, conseqüentemente, menor atenção tem despertado
aos persquísadores da genética cabocla que pauta a sua escolha.
Embora rala, catamos informes esparsos sobre os sinais que apontam a esco-
lha dos cachorros de caça.
Como primeiro cuidado aconselham furtar o cão, ainda novo, porquanto ca-
chorro roubado costuma dar para bom. No exterior do animal, constitui bom si-
nal:
a) As unhas dos pés e das mãos de cor uniforme.
b) O céu da boca de cor preta.
c) Não gritar quando suspenso pelo couro do cangote.
d) Ser biqueiro=,
e) Quando pizunho+, acua lobisomem.
f) Os de pelagem rajada costumam ser reimosos" e os brancos, esmorecidos
(40).
g) A cauda fina constitui bom sinal e melhor ainda quando enrolada para a
direita; sendo "as esquerda" o cachorro tem dia, i.é, nem sempre presta.

63 Biqueiro - o que come pouco.


64 Pizunho - dizem do cachorro que tem um dedo suplementar (ergot).
65 Reimoso - de mal gênio, zanho, brigão.

191
h) Cachorro de ânus grande é corajoso.
i) Mas a melhor característica é mostrada pelos cabelos debaixo do queixo:
um cabelo, é muito bom; 2 é bom; 3 é sofrível e 4 não presta.
Desdenham do cachorro preaseiro" por falar acuado, em falso, pela corrida de
qualquer calango ou lagartixa. Donde dizem: " ... mente que só cachorro preá".
Também depreciam os cães de cauda aparada. Fere a estética sertaneja. Fica um
bicho feio e, ademais, "cachorro cotó não atravessa pinguela." O provérbio, no ca-
so, tem fundamento, dada a importância da cauda no equilíbrio do centro de gra-
vidade do cão que, na marcha, oscila longitudinal e transversalmente. O cão pe-
queno é apelidado por cachorro de baláio, pois um baláio pode comportar vários
deles.
L. C. CASCL"TIO(Supertições e Costumes), estudando as supertições, ligadas
à vassoura, registra: "Cachorro que apanha de vassoura fica mofino", i.é., covarde
(41). Adiante, no capítulo intitulado Promessa de Jantar aos Cachorros, docu-
menta casos de feridentos que fizeram promessa a S. Lázaro e, obtida a graça,
fazem-na pagar oferecendo verdadeiros banquetes aos cães. Informa ainda a cren-
dice de quem maltratar um cão ficar a dever uma alma a seus santos protetores
(São Roque e São Lázaro) e, citando Daniel Gouveia no "Folclore Brasileiro",
transcreve:
"Não se deve cuspir nos cães, porque depois da nossa morte, na lon-
ga travessia que se fará até chegar à casa de S. Miguel, onde serão julga-
das as nossas almas, sentimos uma grande sede e neste longo percurso só
encontraremos a casa de S. Lazaro; aí se não cuspimos nos cães, somos
servidos com água boa e fria, e ao contrário; somos acossados por denta-
das implacáveis ... "
A caça com o auxílio do cachorro, nos sertões do Seridó, acreditamos não mos-
trar ainda as características rígidas da cinegética moderna que sistematiza cães
em caça-tiro e caça-presa. Lá uma vez perdida, caçadores pracianos, com armas
de cartucho e cachorros chamados perdigueiros, pisam a caatinga. No comum, a
caçada matuta se faz pelo rastejamento, perseguição e morte de caça.
Quando o cachorro "toma o rasto" do bicho, o caçador procura acompanhar o
seu trabalho, seguindo-o de perto, sem vexá-Io (vexar no sentido nordestino - de
apressar), ou se trepando num lugar mais alto (quase sempre um serrote), que dê
para espiar o seu andamento. Depois que o cachorro toma mais chegada e avista a
presa, disparando em carreira certeira para ela - se o animal foge mais depressa
fazendo o cão ganir de ansiedade - é comum o sertanejo, num gesto como de aju-
da e estumação, arrancar o chapéu da cabeça, tapar um ouvido e dar um grito de
levante que ecoa pelas quebradas das terras. Lembra L. C. CASCUDO - Tra-
dições Populares da Pecuária Nordestina:
"E o nosso aboio? Creio ser a mais legítima presença de canto orien-
tal no Brasil. O processo é o mesmo que no canto Gregoriano ouvimos nas
longas vocalizações das "Jubilationes", os Júbilos, construidos unica-

66 Preaseiro - o que persegue preá (Cavia aperea): pequeno roedor silvestre semelhante a cobáia.

192
mente sobre uma vogal. São interjeições musicaladas, expressando ale-
gria incontida e divina ante a graça do Messias. Destas "jubilationes"
nasceram as seqüências. O aboio é uma "jubilatione", tosca, bravia, pri-
mitiva. Trouxeram-no os portugueses, não apenas com as toadilhas de a-
boiar no Minha ou as boiadas madeirenses, mas juntamente com os gri-
tos de excitamento em uníssono, dados pelos tangedores. Certo é que o a-
boio brasileiro é atualmente mais puro, mais legítimo, mais primitivo e
próximo às fontes orientais que outra qualquer forma de vocalização uti-
lizada em profissão rural, cantos de arada, cantos de sega, etc., vivos na
Europa. "
Quando acontece ser caça graúda, ou que se refugia em locas ou árvores - os
cachorros acuam até a chegada do caçador que, normalmente, resolve a situação
com um tiro.
A fumaça ainda é o desentocador de uso universal, a par de outras usanças lá
uma vez ou outra empregada. Bonato L. Dantas (Fz. Saudade, Serra Negra -
1897-1955)contava, no "ouvi dizer" do uso de um ramo molhado em urina para fa-
zer sair o caitetu quando enlocado. O .porco era atraído pelo odor para fora do es-
conderijo, sendo então escopeteado. Na verdade, nada sabemos a mais desse es-
tranho tropismo à moda de certas piabas dos rios do Norte de que falam os cronis-
tas ...
O peba (Euphractus sexcinctus) quando agarrado na boca do buraco, ou o
apunhalam na base da cauda ou lhe fazem cócegas no ânus - para que o animal
se "desapregue". Daí o dito: " ... assim também não há tatu que resista". Quando
já completamente entocado e, havendo facilidade de água, despejam no buraco al-
gumas latas para forçar a saída do bicho.
Há também os que fazem a "vedação da abertura exterior com ramos e terra,
regressando à noite para a espera" - conforme conta HÉLIO GALVÃO.
A. b. Furão
Alguns falam na usança do furão (Grison vittatus) amestrado - à guisa da
lendária falcoaria - para desentoc ar pequenos roedores ...
1\ '
,' , !

'~:(\I/~"~~ 1I
~fl'f,' ~;.;~
~~~~3=-.~:-/,' '.~)~
.
'I, ~ I

1/
",~:-~~Q~ --~, I,~"., ~\\\\( I
, ~J''- -_"'~/
.
/ /- ",J'./;'\
': li
r~, \\ -r,..'~" <\\'/)
)1 'I 1ft "'~:~~ I,
ri
\: / ~ I' ~ : ~I ~:7&:i,(~ . :;~\~l~ ~I

~"--' _, ~'-/, ~~ ,./~\, <to


~~ .~' ~~

&/!\~~
'.é:,:\,;·~t; .
~~íf'~ --\,,~~;.i'l
~~-=(,
193
A. c. Por rastejamento
Rastejar, é quase certeza ter sido um dos primeiros verbos que os nossos ante-
passados colonizadores aprenderam a soletrar, até mesmo por carecimento de
sobrevivência. Rastejar tem sido uma constante das populações primitivas que
pouco a pouco vai se diluindo com a artificialização do homem.
O sertanejo seridoense, pela significação de uma vida mais achegada à terra é,
mais das vezes, em grau de mestre ou de aprendiz, capaz de "tirar um rasto".
Mestre como o velho Possidonio Avelino da Costa, morador na Serra Padre
(Acari, RN), que lá pelas idas eras de quarenta, restejou por toda uma noite de lua
pelo lombo da Serra do Bico até Gargalheiras - os cabras que haviam assaltado
seu vizinho - o velho Claudino Gogó. Mestre como o negro Olynto Ignácio (1892-
1946), vaqueiro por muitos anos na ribeira do Camaragibe (FZ. Lagoa Nova,
S. Paulo do Potengi, RN), que nos confidenciava: "a gente dessa terra, tanto faz eu
olhá a cara como o rasto ... " Ou ainda como o Mestre Correia (Severiano Correia de
Medeiros), que cortou umbigo na Fz. São Bernardo (Caicó, RN) e durante muitos
anos de sua vida viveu de empreitar cascavel e jararaca com os fazendeiros da re-
dondeza, cobrando Cr$ 5,00 por maracá (guiso) de cascavel e Cr$ 2,50 por cabeça
de jararaca que tirava dos pastos - conferidas todas as semanas, atadas em um
cordão a moda rosário ... Morreu de uma "ferroada" de cascavel-quando desman-
chava uma cerca de pedra na mesma fazenda em que veio ao mundo. Contam que

194
na seca de 1942-4, couro de cobra deu dinheiro o que levou Mestre Correia a pagar
o rastro de cobra-de-veado, variando o preço com a largura do mesmo ...
Perspicazes observadores, nada lhes escapa ao olhar. Aqui é uma pequena pe-
dra revirada da "cama" - ali uma imperceptível depressão do solo ou um graveto
partido: adiante, os pelos do animal que ficaram presos aos galhos das plantas.
Quando o chão não lhes oferece indícios, apelam para os matos - rastejar no ar,
observando os pontos de atrito dos ramos que, com a passagem da caça, mudam o
contato.
A polícia, na perseguição dos criminosos. sempre que pode, apela para a expe-
riência dos rastejadores. Sabedores disso os malfeitores tudo fazem para os des-
nortear: saltam de pedra em pedra pelos lajedos, escolhem chão mais duro onde
pisar, andam sobre trechos de cercas e até chegam a utilizar alpercatas cujos sal-
tos são pregados na frente. O rastejador não esmorece pelo desaparecimento re-
pentino dos sinais. Esbarra, imagina a intenção do outro, esmiuça o chão, os ma-
tos e as pedras e, se nada encontra - corta o rasto, i.é, descreve círculos crescen-
tes pelos arredores até a retomada da pista.
Os estudiosos, em diferentes épocas e lugares, têm registrado, atônitos, as
façanhas desse tipo popular. L. C. CASCUDO relata, em uma de suas "Acta Diur-
na", o caso do fazendeiro que guardava as patas do seu antigo cavalo de campo'" e,
um dia, para confundir seu velho vaqueiro e maior rastejador - mandou calcá-las
no chão do roçado, e pediu ao compadre para identificar o animal que estava es-
tragando a sua lavoura. O vaqueiro depois de espiar cuidadosamente o drasto" ,
lamentou-se, junto ao patrão, da idade e caduquice que o fazia acreditar serem
marcas feitas pelos cascos da alma do cavalo fulano ... HENRY KOSTER (Via-
gens ao Nordeste do Brasil) surpreendeu-se diante de Feliciano a rastejar um tatu-
bola pela "relva e folhas secas". GUSTAVO BARROSO testemunhou nos sertões
do Ceará e registrou em Terra de Sol:
"uma manhã, estava sentado à porta quando chegou um vaqueiro
perguntando notícias de um animal sumido. Antes que ele dissesse que
casta de bicho procurava, o velho indagou: .
- Será uma besta torta do olho direito, castanha escura, de sáia
comprida?
O outro respondeu afirmativamente. Ergueu-se, deu as indicações
do lugar onde ela pastava.
Então, perguntei-lhe se tinha visto a besta. Disse-me que não, porém
andando a cavalo muito cedo, de madrugada, pela várzea, vira rastos de
um animal de fora. Sabia que era uma égua, porque não pisara na urina,
que era cego do olho direito, porque a pastagem da vareda só estava co-
mida do lado esquerdo, que tinha rabo comprido, porque deixara dois
agarrados às tiriricas rasteiras, e esses fios eram castanho-escuros ... "

07 Cavalo de campo - cavalo do serviço de campo, de uso do vaqueiro. Normalmente é áspero no


andar, não possuindo as andaduras de viagem ou passeio.

195
Acreditamos que os escritos das diferentes terras retratam, nos quatro cantos
do mundo, os feitos dos seus rastejadores - já que eles representam um dia da
idade do homem. Da literatura dalém mar, copiamos uma página de ZADIG, de
VOLTAIRE, onde as conclusões em torno do rasto deixado pela cachorrinha de
S.M., muito se assemelham às chegadas pelo velho vaqueiro dos sertões cearenses:
"... Vi então sobre a areia pegadas de um animal que reconheci facil-
mente serem de um cachorrinho. Sulcos leves e compridos, impressos
sobre pequenas eminências da areia, entre o rastro das patas, me levaram
a concluir que se tratava de uma cadela, cujas mamas estavam caídas e
que, portanto, ela devia ter dado à luz recentemente-Outros rastros, em
sentido diferente, que pareciam sempre ter alisado a superfície da areia
ao lado das patas dianteiras, me revelaram que tinha orelhas muito com-
pridas. E como notei que a areia estava sempre menos cavada por uma
pata do que pelas outras três, deduzi que a cadela da nossa augusta sobe-
rana estava - com o decido respeito - capengando um pouco. "
Dentre os casos de rastejadores enumeramos pelos estudiosos dos costumes
regionais, o mais expressivo - embora mesclado de cores um tanto lendárias -
parece ser o fixado por J. M. CARDOSO DE OLIVEIRA (Dois Metros e Cinco):
" ... o Pinga-Pinga se alevantou cedo, ainda c'o escuro, saiu estrada-
da assim que viu claridade, olhou os rastos como fazia todo o dia prá sa-
ber quem tinha passado, voltou prá casa e disse à mãe aterrado:
- Saberá vosmecê que a alma do Cassiano passou aqui esta noite
calçada com os chinelos de seu Coroné Mariano!
A velha espiou espantada; pensou que o rapaz estava maluco ou en-
tonce enfeitiçado de caipora, e respondeu por aqui assim:
- Deixa de enzonice, meu filho, vai te deitar! A mode que você não
está regulando, ou bebeu demais! Cassiano há seis ano morreu em Mato
Grosso, Deus Nosso Sinhô lhe dê o Céu. A avó, a maê, tudo botou luto. E
o Coroné Mariano também desde o ano passado foi descançar de tanta la-
butação que teve em vida, coitado! Como haverá de vir passar em nossa
porta?
- Não estou variando não, minha mãe. Cassiano passou por aqui
esta noite ou entonce foi o tinhoso com as artes dele prá mode atentar a
gente! Espere aí, deixe-me ver outra vez.
Saíu, olhou bem o rasto e entrou prá dentro:
- Não vorto atrás, minha mãe, foi o Cassiano mesmo, que andava
cambaio e o chinelo é de seu Coroné Mariano. Me ~á um gole de café que,
com a ajuda de Deus, vou tirar este negócio a limpo,
Dito e feito, seu Doutor, Tomou o café, pegou no bacamarte e saiu
seguindo o rasto até à beira de uma lagoa rasa. O cabra farejou tudo e foi
apanhar o rasto do outro lado, em riba de uma cerca que a alma pulou;
foi seguindo, foi seguindo, e quando menos esperava ... Voute, deu um

196
pulo assombrado! Que deante dele estava o Cassiano mesmo, abrindo os
braços para abraçar. O Pinga-Pinga encomendou-se a Deus Nosso Sinhô,
ficou frio, fechou os olhos e pingou suor que molhou o chão onde ele esta-
va. Cassiano gritou:
- T'arreconheço, menino. Que é isso gente?
Chegou junto dele e sacudiu-o forte.
- Abre os olhos que eu não sou nenhum bicho! Sou o Cassiano mes-
mo, vivo e bulindo. Não morri, não, como vocês pensavam. Fiquei esque-
cido naquele mundão de Mato Grosso e agora estou por aqui de novo,
meu velho. Mas, já não sei andar; quando me apresentei ontem em casa
de seu Coroné Mariano, a ciúca tei:e um susto que quase caiu como você
agora.
- Não sou alma não, sinhá dona, arrespondi, sou gente de carne e
osso e venho lhe pedir um sapato velho prá tirar o resto das estradas até
às "Abóboras ", que já perdi o costume de andar e não tenho mais pés prá
queimar caminho como antes. Foi ela entonce me deu estes chinelos ve-
lhos do Coroné, que bom arranjo me fizeram. "
Conta SARMIENTO - Facundo, lá da chã que se perde de vista dos Pam-
pas, as façanhas da impressionante figura de Calibar - o rastejador:
"O rastreador é um personagem grave, circunspeto, cujas asseve-
rações fazem fé nos tribunais inferiores. A consciência que possui do seu
saber lhe dá certa dignidade reservada e misteriosa. Todos o tratam com
consideração: o pobre porque lhe pode molestar, caluniando-o ou
denunciando-o; o proprietário, porque pode falhar o seu testemunho.
Houve um roubo durante a noite; maio descobrem, correm em busca da
pegada do ladrão e, encontrada, cobrem-na para que o vento não a apa-
gue.
Chama-se em seguida o rastreador, que vê o rastro e o segue sem fi-
tar o chão senão de longe em longe, como se seus olhos vissem em relevo
essa marca que para os outros é imperceptível. Segue o curso das ruas,
atravessa hortos, entra numa casa, e assinalando um homem que encon-
tra diz friamente: "É este. " O delito está provado, e é raro o delinqüente
que resiste a essa acusação. Para ele, mais que para o juiz, o depoimento
do rastreador é a evidência mesma; negá-Ia seria ridículo, absurdo.
Submete-se, pois, a essa testemunha, que considera como o dedo de
Deus, que o assinala. Eu mesmo conheci Calibar, que exerceu numa
província o seu ofício durante quarenta anos consecutivos. Tem agora
cerca de oitenta; encurvado pela idade, conserva, sem embargo, um as-
pecto venerável e digno. Quando lhe falam da sua reputação, fabulosa,
contesta: "Já não valho nada; aí estão os meninos; os meninos são seus fi-
lhos, que aprenderam na escola de tão famoso mestre. Contam-se dele
que, •.durante uma viagem a Buenos Aires, lhe roubaram uma vez seus ar-
reios de gala. Sua mulher tapou o rastro. Dois meses depois, Calibar re-

197
gressou, viu o rastro já apagado e imperceptível a outros olhos, e não fa-
lou mais no caso. Ano e meio mais tarde, Calibar caminhava, cabisbaixo,
por uma rua dos subúrbios, penetra numa casa, e encontra os seus ar-
reios, enegrecidos e quase inutilizados pelo uso. Havia encontrado o la-
drão depois de dois anos!
No ano de 1830 um réu, condenado à morte, escapara do cárcere. Ca-
libar foi incumbido de procurá-lo.
O infeliz. prevendo que seria rastreado, tomara todas as precauções
que a imagem do cadafalso lhe sugeria. Precauções inúteis! Serviram tal-
L'ez para perdê-lo mais depressa; porque Calibar comprometido na sua
reputação. o amor próprio ofendido, quis desempenhar com valor uma
tarefa que perdia um homem, mas que provava a sua vista maravilhosa.
O prófugo aproceitcu:a todos os acidentes do terreno para não deixar si-
nais; marchava quadras inteiras pisando com a ponta dos pés; trepava
em seguida nos muros baixos, cruzava um sítio, voltava atrás. Calibar o
seguia sem perder de vista; se lhe sucedia momentaneamente extraviar-
se, ao encontrar de novo a pegada exclamava: "Onde querias ir? !Ao fim
chegou a um fio dágua, nos subúrbios, cuja corrente o ladrão seguira para
burlar o rastreador. Inútil. Calibar ía pelas margens, sem inquietação e
sem vacilar. Súbito detêm-se, examina uma erva e diz:
- Saiu por aqui; não há rastro, mas essas gotas dágua no pasto indi-
cam!
Entra numa vinha; Calibar reconhece as cercas que a rodeiam, e diz:
- Está aqui.
O grupo de soldados cansou-se de procurar e voltou para dar conta
da inutilidade das pesquisas.
- Não saiu, foi a breve resposta que, sem se mover e sem proceder a
novo exame, deu o rastreador.
Não havia saído, com efeito, e no dia imediato, foi executado. "

B) Por espera
B.a. Fojo de arribaçã
Ainda é de GUSTAVO BARROSO, do livro já tantas vezes lembrado, a
menção de um dos jeitos usados pelo sertanejo para matar avoete":
"O sertanejo procura uma poça de água onde elas costumam beber.
Cerca-a toda de galhos espinhosos, de modo a impedi-las de pousar, dei-
xando somente, para que bebam, um pequeno espaço. Nessa abertura
afluem em atropelo milhares de pombas. Aí o matuto cava um fosso lon-
gitudinal, onde se deita, cobrindo-se todo com alta basta camada de ra-
mos folhudos. E com as mãos vai pegando pelo pescoço as que se

68 Avoete - o mesmo que ribaçã; ave-de-arribação, columbina (Zenaida auriculata).

198
curvam para beber. Torce-os. Pucha-as palpitantes, e mete-as no urú.
Passa ali, pacientemente, o dia inteiro na umidade, com frio; mas à tarde
tem morto mil, mil e quinhentas, duas mil avoantes." (42)
B. b. Tingui na água
Também usado na caça da ribaçã. Colocam a infusão da casca da maniçoba
(Manihot Glaziovii Muell. Arg., da fam. das Euforbiáceas) e faveleira (Cnidosco-
lus phyllacanthus Pax & K. Hoffm. da fam. das Euforbiáceas) na bebida, proce-
dendo como no fojo, i.é, tornando inacessíveis as poças em derredor. As pombi-
nhas bebem e logo depois sofrem morte instantânea. O caçador vai localizando as
"vítimas" que depois junta (43).
B.c. Carniça
A onça costuma cobrir de garranchos a sombra de seu pasto - carniça- para
uma segunda refeição. Sempre que o sertanejo acha uma carniça de onça, recorre
a uma das usanças: ou envenena-a com estrictina ou constrói uma espera - geral-
mente um jirau sobre os galhos de uma árvore - contra a direção do vento. En-
quanto o caçador atocaia o felino, um companheiro postado a certa distância,
aguarda o pipoco do tiro para soltar os cachorros. Sendo noite escura colocam uma
mecha de algodão na boca da arma para facilitar a pontaria.
B. d. Comida, bebida, dormida, morada, etc.
A espera também se faz nos lugares acima enumerados, de acordo com os há-
bitos da caça.
B. e. Arremedo

O caçador geralmente sabe usar artimanhas para imitar os bichos da fauna


local. Chega mesmo a ser rara a presença do clássico pio de madeira para nambus
no "badaneco" do nosso matuto.
O mocó (Keredon rupestris) é arremedado por interruptas sucções com os lá-
bios sobre o lado do dedo indicador f1exionado. Quando na espera do mocó - tam-
bém costumam quebrar pequenos gravetos ou agitar o guiso da cascavel; o peque-
no roedor, movido pela curiosidade ou no sentido de alertar os companheiros -
começa a "gritar" e se movimentar - denunciando a sua posição ao caçador.

Para atrair a raposa, sugam a palma da mão produzindo uns grunidos que se
assemelham aos dos cães recém-nascidos.
O chocalho (guiso) da cascavel, preso a um cordel que é rodado nos dedos - é
algumas vezes também empregado para atrair o terrível "crotalus".
C) Por armadilhas
C.a. Mundé (44)

Pedra escorada por pequenas traves entalhadas, à guisa de arapuca; a isca


fica espetada na vareta (45) que deslocada, faz desabar a laje, esmagando a caça.
Anotamos dois tipos de mundé: um menor, para animais pequenos (roedores, etc.)
e um grande utilizado para matar raposas, gatos, guaxinins, etc. As tribos da re-

199
giao conheciam as armadilhas ou mundéus como registra ESTEVÃO PINTO
(Indígenas do Nordeste, citando Gull Piso e G. Marcgrav em História Naturalis.
Brasiline, 372, Lugdun, Batavorum et Amstelodomi, 1648). Em outro livro (Etno-
logia Brasileira) diz que encontrou as armadilhas ou mundéus entre os índios Ful-
niô (Águas Belas, PE), sob a designação de quixó. Também na área limitada por
essa nossa pesquisa, alguns sertanejos embaralham os termos quixó, mundé e
quebra-cabeça.
C. b. Quebra-cabeça
É uma tora de árvore, pesada, erguida em armadilha à moda do mundé. De
banda, constróem pequenas fazinas que obrigam a caça alcançar a isca por uma
única entrada.
C. c Fojo ou quixó
a) Para roedores
Pequena tábua, com eixo encravado a poucos milímetros do centro para que
gire quando se faça pressão no seu lado menor, voltando, por si mesma, à posição
anterior (horizontal). É armada sobre uma lata de querosene enterrada no chão
para impedir que o animal prisioneiro fuja cavando o solo. As alas da entrada são
barradas com pedras e rosetas de espinho (xiquexique) de modo a forçar a caça o
acesso apenas pela tábua alçapão. ESTEVÃO PINTO encontrou-a entre os Fulniô
com o nome de arataca (46).
b) Fojo de porcos
Ainda como o registrava ANTONIO DE MORAES (Dicionário da Lingua
Portuguesa):
"Cova profunda, cuja boca é tapada com rama ou caniçada sutil, e
uma tona de terra, de sorte que ceda ao peso do animal, que lhe passe por
cima. "
c) Fojo de veado
A referência encontrada falava de uma ramada de garranchos, à moda faxina,
alevantada a cerca de 0,60m de altura, na vereda onde o veado costuma passar.
Depois de uns dias, quando o bicho já estava acostumado a transpor o pequeno
obstáculo - cavavam um buraco de mais ou menos 2m de profundidade após o
mesmo. O veado transpunha a pequena faxina indo cair no fosso onde ficava pri-
sioneiro.

d) Fojo de ribaçã
(V. registro anterior B.a.).
C.d. Arataca
Armadilha de ferro que consiste em duas "queixas" (mandíbulas), impelidas
por uma mola fortíssima. Quando armada, as queixas ficam escancaradas e a isca
no centro das mesmas. A caça muitas vezes fica aprisionada pela mão. A armadi-
lha é presa por uma corrente à árvore mais próxima. E usada para onças, raposas,

200
gatos, etc. Há muito tempo, eram importadas; agora são manufaturadas pelos fer-
reiros sertanejos. O matuto vê na arataca, um modelo de feiura, donde a compa-
ração: "feio que só uma àrataca ... "
C.e. Chiqueiro
Gaiola estaqueada no chão, de madeira resistente e tapada por cima - cuja
porta é armada em gaveta": São iscados com uma ave putrefata ou com um ani-
mal vivo - dependendo da caça para qual foi armada. Ulysses Lins (Um Sertane-
jo e o Sertão), encontrou a usança no sertão pernambucano:
"Ainda hoje os sertanejos pegam onças que acaso aparecem nos lu-
gares mais ermos, preparando armadilhas nos caldeirões, de maneira tal
que, quando uma delas pisa em determinado ponto, a tampa da armadi-
lha cai, ficando a bicha prisioneira. ,.
Octávio Domingues (A Cabra na Paisagem do ::\ordeste), faz detalhada des-
crição do chiqueiro encontrado nos sertões do Ceará:
"Trata-se de uma sólida construção de madeira, com três divisões
(ou duas): numa delas, a menor (1 x 1,80m), fica a "isca", que é em geral
um bode, mas pode ser também um cavalo; as outras duas, maiores (1,80
x 1,80), têm por fim aprisionar a onça, e ficam cada uma de cada lado da
primeira.
As paredes dos três chiqueiros são de pau-a-pique, roliço, bem finca-
do no chão, com 15 cm de diâmetro, e com 1,60m de altura. Fechados,
por cima, os chiqueiros, e na altura de 1m do chão, há uma estica de ma-
deira, roliça, recoberta de pedras, para dar mais segurança contra a caça,
que tente escapar, depois de aprisionada.
A entrada para o chiqueiro-armadilha, fica no meio da parede late-
ral, e tem a largura de 40 em por 80 em de altura, quando aberta. Obtu-
rando esta abertura, corre uma porta de guilhotina, que é mantida sus-
pensa por um dispositivo à moda de arapuca. A onça, atraída pelos ber-
ros do bode, tenta alcançá-lo penetrando pela porta de um dos chiquei-
ros, únicas aberturas à sua vista. Ao penetrar, a onça faz disparar a ar-
madilha; a porta cai, e ela fica prisioneira sem poder agarrar o bode, que
se acha ao lado, no chiqueiro menor, fora de seu alcance.
A onça vermelha, que é mais comum por aquelas paragens, é o Felis
(Puma) coocolor greeni (Nelson & Goldman), raça geográfica do Nordes-
te. A pintada ou Panthera (Jaguarius) anca anca (L.) - raça geográfica
do Norte e Nordeste, é hoje muito rara.
Mas a onça não ataca apenas os bodes; ela come também poldros e
jumentos, dizendo-se até mesmo que enquanto algumas preferem êstes,
outras dão preferência à miunça. Por isso a isca é às vêzes um cavalo e em
outros casos usam mesmo duas iscas, uma de cada espécie para maior se-
gurança do êxito da armadilha. "

69 Gaveta - corrediça, em guilhotina.

201
C.f. Esparrela
Em Portugal, A. Moraes, no dicionário aludido, já definia o termo como "ar-
madilha de caçar pássaros".
Em uma vara flexível, de mais ou menos a grossura de um dedo, fazem um
pequeno orifício (no terço mais grosso da vara). Na ponta é atada uma linha forte
que passa pelo furo da vara, então flexionada, para formar uma laçada. A extremi-
dade de um ponteiro é introduzida no mencionado orifício, obstruindo assim a
passagem do nó da laçada. O laço fica armado sobre o referido ponteiro - pouso
forçado do pássaro que venha beliscar a isca. A avezinha pisando no ponteiro, de-
sobstrui o furo que faz apertar o nó da lançada, prendendo-a pelos pés.
C.g. Arapuca
Parece obedecer ao mesmo feitio em todo o Brasil. Idênticas às manufatura-
das pelos meninos sertanejos encontramos no interior do Maranhão e do Estado do
Rio. Ribeiro C. Lessa - Vocabulário de Caça, a descreve:
"Pequena armação de pedaços de pau ou taquara, em cuja armadi-
lha colocam alguns grãos de milho. A ave, ao picar o milho, faz desandar
a armadilha, e a arapuca perdendo o apoio que a mantinha suspensa de
um lado, cai-lhe em cima e a prende. "
C.h. Sangra
É semelhante, na sua forma de pirâmide, a arapuca. De tamanho, é mais
avantajada. Repousa no solo havendo apenas uma entrada, à moda de jequi, por
onde as aves penetram ficando aprisionadas. É muito empregada na caça das ri-
baçãs, marrecas, paturis, etc. Não é raro, em um dia, apreender 10 a 20 aves.

_. v~ .•••

C.i. Espingarda (Ou rifle Winchester cal. 44)


É apontado, à guisa de armadilha, para a vereda por onde a caça costuma
passar. Atravessando o caminho fica uma linha de carretel que, forçada, faz saltar

202
Vaqueiro - Newton Navarro (Nanquim em couro de bode).

203
, f

Matadores de onça. Esculturas em barro de Vitalino. Caruaru, Pernambuco - Coleção do Autor


(Foto de Petrônio Rezende)

204
uma vara flexionada que percute em outra vara ligada ao gatilho da arma. Empre-
gada para caça mais grossa (onças, gatos, veados, etc.).
No município de Macaé (Estado do Rio) encontramos o uso de uma pequena
cruz na beira da vereda onde havia armadilha de espingarda para alertar os que
por ali passavam.
Ulysses Lins (Um Sertanejo e o Sertão), registra-a na caatinga pernambuca-
na:
"Outros, armam um bacamarte (ou um Winchester), numa estreita,
vereda por onde sabem que a onça tem de passar forçosamente para a be-
bida (um caldeirão ou uma aguada); e, quando a sua pata pousa no ponto
estratégico - um cordel, ali amarrado, é impelido, puchando o gatilho
da arma. O tiro atinge certeiro o peito da fera! Às vê~es acontece que uma
rês passa por ali e recebe a descarga ... "
C.j. Facho
O sertanejo facheia a ribaçã, nas noites de escuro, de modo parecido ao que o
pescador, das praias faz com a lagosta e o aratu. F. Barros Júnior. (Caçando e Pes-
cando por Todo o Brasil), faz uma descrição minuciosa do processo:
"... apesar da proibição do governo, ainda as apanham à noite, quan-
do dormem empoleirados nos galhos dos pequenos arbustos da caatinga.
Levam dependurado ao pescoço, um saco de aniagem. Na mão esquer-

205
da, vai um archote, resinoso, ou lamparina de querosene, e com a direita
as apanham, de modo a evitar que se debatam, para não assustar as ou-
tras. Pela posição em que tomam, ficam elas com o pescoço entre os de-
dos polegar e indicador, e com um movimento da unha daquele quebram-
lhes o pescoço de encontro à falange dêste. Também costumam esmagar-
lhes a cabeça entre os dentes ...
C.k. Cabaça
Empregada exclusivamente na caça dos palmípedes. Com antecedência de
alguns dias, deixam flutuando no açude grandes cabaças (Lagenaria vulgaris Ser.,
fam. das Cucurbitáceas). Logo que as aves, geralmente marrecas, se aca~aradam
com as cabaças, fazem, em uma maior, um buraco que caiba a cabeça do freguês e
mais dois pequenos furos, na altura dos olhos, por onde espiar. Nadando, de man-
so, o caçador toma chegada até que as bichinhas lhe fiquem ao alcance da mão. Ali
é só puxá-Ias pelos pés, torcer o pescoço e guardá-Ias em um saco que leva preso à
cintura.
C.1. Alçapão
Pequena gaiola de tampa articulada que se fecha quando o pássaro pisa no
seu interior. Empregado na captura de aves canoras.
C. m, Visgo( 47)
A caatinga seridoense é escassa em árvores leitosas para visgo (exceto a ma-
niçoba - Manihot Glaziooii Muell. Art., da fam. das Euforbiáceas -- cujo latex
não é considerado bom para êste fim). Daí, há uns tempos atrás, os pegadores de
papagaio mandar trazê-lo do baixo sertão. O "leite" mais preferido era o de ja-
queira (Artocarpus integrifolia Linn., da fam. das Moráceas), maçarandu-
ba(48) - Manilkara rufula Lam., da fam. das Sapotáceas e a burra-leiteira (Sa-
piurn sceleratum Ridley, da fam. das Euforbiáceas).
Colhido o leite, é aquecido à consistência desejada, adicionando carvão em pó
para camuflá-Io, O visgo é espalhado em varinhas colocadas em derredor da "ave
chama". A caçada de visgo é usada sempre à tardinha para evitar o saque pelas
abelhas do arapuá. Ouvimos de um pegador de papagaios que a ave não fica prêsa
pelos pés, i.é., sentindo-se tolhida começa a se debater até desprender-se, ficando
porém impossibilitada de voar em vista das penas das asas estarem grudadas de
visgo.
C.n. Laço
Forte vara flexionada de cuja extremidade parte uma corda ou relho aberto
em laçada. Usada na apreensão dos gatos, raposas, etc. A caça fica presa quase
sempre pelo pescoço sendo por isso revestida a parte superior da laçada com uma
taquara, evitando assim que corte a corda com os dentes. Os meninos usam tam-
bém armar laços de crina de cavalo, no chão, para pegar passarinhos.
C. o Lata de soda cáustica
A lata, depois de iscada, é deixada perto da morada do peba. Este, tentando
alcançar a isca, dizem que fica sem poder retirar a cabeça de dentro da lata, devi-
do as articulações dorsais ficarem presas nos bordos da mesma.

206
Prêço
C.p. Telha amarrada
Duas telhas são amarradas com as partes côncavas para o interior e de modo
que uma abertura seja bem maior que a outra. O processo de apreensão é idêntico
ao item anterior.
C.q. Cachaça
Dizem utilizar na caça da raposa. Enchem uma casca de melão ou melancia
com aguardente e colocam nos locais mais freqüentados pela caça. Asseguram que
as raposas bebem todo o líquido e ficam bêbadas a perambular pelos roçados ...
C.r. Anzol
No início da estação chuvosa (inverno) os tejuaçus que durante a seca ficam
entocados, em latência - surgem, nas horas de sol a pino, quando são caçados.
Daí o gracejo aos que acordam tarde: "Fulano fez madrugada de tejuaçu". A caça-
da, do teju é feita quase sempre com cachorro. Vez por outra, entretanto, é fisgado
por um anzol iscado com carne verde.
4. Crendices
O sertanejo seridoense carrega, como os demais homens do campo, as suas su-
pertições legadas dos nossos antepassados luso-afro-ameríndios.
No Dicionário do Folclore Brasileiro, L. C. Cascudo arrola maior número de
supertições ligadas ao cachorro:
"Quando uiva, está chamando desgraça para seu dono. Ouvindo o
uivo, diz-se: todo o agouro para teu couro! Ou emborca-se um sapato

207
virando-se a palmilha para cima. O cão se calará. Cachorro cavando na
porta de casa está cavando a sepultura do dono; se cavar areia com o foci-
nho para rua vale o mesmo. Com o focinho voltado para casa, cavando
para fora, é anúncio de dinheiro. Dormindo com a barriga para cima,
mau agouro. Deitado, com as patas dianteiras cruzadas, bom agouro.
Rodando sem destino pela casa, está afugentando o diabo. Dormindo e
ganindo, está sonhando. Urinando na porta é prognóstico feliz. Quando
está uivando é porque vê almas do outro mundo ou a morte
aproximando-se. Os cães eram sacrificados a Hécate e avisavam de sua
presença invisível uivando, assim como viam os deuses, os lêmures, as
sombras dos mortos (Ovídio, FASTOS, I, 389; Horácio, EPODOS, V).
Para cachorro não crescer, pesa-se com sal. Para não fugir, enterra-se a
ponta da cauda ou os escrotos, debaixo do batente da porta, ou, sendo na
fazenda de criar, no mourão da porteira. Não é bom erguer o cão pelas
orelhas, para que não fique mofino (covarde). Para não ficar hidrófobo,
deve ter nome de peixe. Quem mata um cão deve uma alma a S. Lázaro.
Puxando a cauda do cão torna-se ladrão. Para livrá-lo da tosse, põe-se-
lhe ao pescoço um rosário feito com pedaços de sabugo de milho. Cachor-
ro com orelha cortada na sexta-feira da Paixão fica imune de hidrofobia.
Quem sofre de pesadelo deve fazer um cachorro dormir debaixo da cama.
Para perder o faro, passa-se uma bolinha de sêbo na ponta da cauda e dá-
se-lhes a comer. Para readquirir o faro, esfrega-se-lhe no focinho sangue
de tatu ou de veado ... "
Dentre muitas anotadas e omitidas atrás, acrescente-se que o cachorro não
deve comer carniça de animal (o matuto quando diz animal, refere-se a eqüinos,
asininos e muares), sob pena de ser atacado do "mal da rabugem". Como medida
curativa amputam-lhe as extremidades das orelhas.
Antônio Vicente, meão de idade, natural da Serra da Araruna (PB) e assassi-
nado em derredor da década de 50 para uns lados da Serra do Sincho (. Paulo do
Potengi, RN), dizia de uma vacina infalível para imunizar os cachorros contra a
moléstia (hidrofobia); consistia em uma beberagem de rapadura, sal e alho'? a ser
ministrada na "fôrça da lua", i. é, 3 dias antes e 3 dias depois da lua cheia ou no-
va.
Força da lua que faz cachorro mordido correr (ficar hidrófobo), os aluados en-
doidarem, as fêmeas prenhes darem cria e os mordidos de cobra sofrerem terrível
dôr de cabeça. É de se imaginar que a selenotaxia no mundo sertanejo tem mate-
rial sobejo para um estudo que já está tardando.
A caipora (curupira dos índios), não é "estória de Trancoso", para a maior
parte daquela gente. Ela é a mãe do mato. Ruiva, assexuada, escanchada em um
porco do mato e cachimbando - faz a vez do único código de caça que existe e se
conhece naqueles mundos:

"Vestida só com os cabelos


é a roupa que lhe convém.

208
E os tais cabelos curtos
no corpo da caipora,
é como espinho de cardeiro
as pontas aparecem fora. "

Na noite de sexta-feira, evitam andar no mato. É o receio da caipora que os


persegue com um assobio fino-de-fazer-medo e açoita-Ihes os cães:

"Tem noite que a caipora


quer ir brincar influída,
corre adiante dos cachorros.
onde quer, fica escondida:
os cães pegam a Ulcar
a caçada está perdida.

No outro dia, o cachorro


amanhece todo inchado;
e fica vasando sangue,
o cabelo arrepiado
e não pode mais comer,
morre o cachorro afamado."

A meizinha usada para livrar o cachorro da caipora é a esfregadela de alho


pelo corpo. Para o bicho-homem, há outra:

"Mas a caipora é muito


intrigada com pimenta,
caçador que come molho
a caipora se afugenta .

....................................................................... .

o caçador que tomar


amizade a caipora
tem que lhe dar muito fumo
e ver ela toda a hora;
mas descobrindo o segredo
ela dá-lhe e vai embora ... "

A caipora às vezes vem disfarçada em outro bicho. Um sertanejo, há muito,


confidenciou-me haver disparado e recarregado a capricho sua lazarina por quatro
vezes em um gavião vermelho: "Olhe que não dava 15 braças prá onde eu estava
agachado. No primeiro tiro o bicho se arrepiou e sujou (defecou) - pensei inté que
ia cair. Depois dos quatro, já desconfiado, rebolei uma pedra e vim m'imbora ... "
Outro contou-nos haver atirado em um veado e esse, impassivelmente, vir farejar
o pé de pau onde estava trepado. Astúcias da caipora(50).

209
E POR DERRADEIRO

A enquete procedida mostra que o encoivaramento desordenado da caatinga


seridoense, a espingarda fazendo carniça de janeiro a jeneiro e o efeito das secas
periódicas, têm provocado uma alarmante rarefação da fauna cinegética local e a
extinção, em menos de 50 anos, de 13% das espécies.
A metade dos municípios que compõe a região diz do desaparecimento de
suas essências mais nobres (cedro, jatobá, cumaru, pau darco, aroeira e braúna)
que emadeiraram, há bem poucos anos, as casas construídas pelos nossos antepas-
sados. E o mato dia a dia mais ralo também faz desaparecer as abelhas silvestres,
decorrência do desequilíbrio biológico do meio. Todos os informantes respondem
com as palavras "escassas" ou "muito raras" a indagação da existência de abelhas
e, em sete dos quinze municípios do Seridó, já não mais se encontra a uruçu, a tu-
biba nem o canudo.
Nas serras esparsas e mais enladeiradas, de terras a pique, menos aproveita-
das pela agricultura sertaneja, escapou pequena amostragem da antiga vege-
tação, constituindo o refúgio natural do pouco que ainda resta da fauna seridoen-
se.
Das oito espécies extintas no Seridó -13% da fauna cinegética local- é fácil
concluir tratar-se de:
a) Animais mais perseguidos pela beleza exótica, de menor prolificidade e
que têm seu habitat na mata mais densa (arara).
b) Os de boa carne, capazes de reforçar o carente cardápio sertanejo mormen-
te na época das secas (cotia, jacu, caititu e veado).
c) Os possuidores de outros produtos comerciáveis, embora de carne (ou
ovos) inferior - como a ema, que teve sua defesa natural reduzida após a divisão e
cerco das propriedades (51).
d) Os mais perseguidos por serem daninhos à criação (onças).

211
Ocorrendo parcialmente, i é, extintos em alguns municípios e muito raros,
com os dias contados, no restante deles - temos 21% das 47 espécies arroladas.
Dessas, as mais de perto condenadas, são:
a) Gato maracajá - menos por ser um carnívoro daninho à pequena criação,
mas sobretudo pelo alto valor de sua pele, está desaparecido em grande parte da
~<)

área e "muito escasso" na parte restante.


b) O papagaio, a jandáia, o urubu-rei, o macaco, o tatu-bola, o sagüim e o ta-
manduá - provavelmente pelo exotismo, menor defesa, pouca prolificidade e a
saarização do meio - estão extintos em percentagem que abarca de 15 a 50% dos
municípios.
c) A onça vermelha - embora tratando-se de ifm animal sabidamente an-
dejo - é ausente em 7 municípios e rara nos 8 restantes.
As respostas menos tranqüilizantes falam dos animais de migração (patos,
marrecos e ribaçãs) que têm sofrido relativamente menos do que os de habitat
mais ou menos delimitado. Provavelmente a maior concentração e volume atual
da açudagem tem favorecido a sobrevivência dos palmípedes - embora a~ respos-
tas atinentes a 30'-;: dos municípios digam simplesmente como "existentes".
Já a ribaçã. que parece ser a ave de migração mais característica do sertão se-
ridoense. tem decrescido alarmantemente de uns tempos para cá. Tanto assim
que não se ouve mais falar "em quase 40.000 avoantes apanhadas em dois dias de
bebedouro" (v. nota 42), nem em 72 avoetes derrubadas de um só tiro - feito este
de um caçador nas eras de 40, lá para os lados de Santa Cruz do lnharé.
Crescentemente escassos estão os de melhor carne ou de peles mais valiosas,
cotadas nas feiras sertanejas por preços que traduzem bem a sua raridade e açu-
lam mais o seu extermínio."! Basta lembrar o mocó - abundante até poucos anos
na maioria dos serrotes - hoje caça rara, catada nas poucas serras onde subsiste.
Daí talvez o canto lamuriento de Nicandro Nunes da Costa (1829-1918),anotado
por Rodrigues de Carvalho no Cancioneiro do Norte:
"O mocó, o caitetu
Com grande abundância havia,
Tamanduá, preá, cuiia,
Veado, paca, tatu,
Queixada, muito jacu;
Mas hoje quem for caçá
Só raposa há de encontrar
E também a desumana,
Da tigre sussuarona,
Que ainda não quis se mudar. "

;11 Em 1959 a pele do maracajá-açu chegou a dar Cr$ 4.500,00 e a do mirim, Cr$ 650,00.
71Em 1958 o preço da caça na feira de Currais Novos era: asa-branca Cr$ 10,00; maritacaca Cr$'
40,00; marreca Cr$ 30,00; mocó o-s
40,00; nambu Cr$ 10,00; papagaio Cr$ 100,00; peba o-s 150,00;
pato preto Cr$ 40,00; putrião c-s
60,00; preá Cr$ 8,00; ribaçã c-s5,00; rolinha Cr$ 2,50; siriema Cr$
60,00; tamanduá Cr$ 20,00; tatu-bola Cr$ 50.00; verdadeiro Cr$ 100,00 e tejuaçu Cr$ 40,00.

212
Outros vêm subsistindo, só Deus sabe como, talvez por serem mais prolíferos
(preá),hábitos (peba), mimetismo (camaleão) ou mesmo pela maior astúcia (ra-
posa).
Provavelmente a caatinga cada vez mais rala, de serras mais peladas ensola-
rando o chão e deixando à mostra talhados e fumas - o maior número e volume
de água represada nos açudes, as novas culturas agrícolas e os diferentes métodos
de trabalho - ofereça condições favoráveis a novas espécies ou à maior propa-
gação de algumas das existentes. a par do desaparecimento de muitas. José Braz
Galvão (Fz. Talhado - Currais :\"0\"05) lembra que até mais ou menos 1905não se
conhecia referência oral da existência do guaxinim no Seridó. Atribui ter surgido
após o assentamento dos primeiros engenhos de rapadura (cultura da cana) nas
reuências'? dos açudes; do mesmo modo que o rato guabiru, pensa ter vindo com os
primeiros descaroçadores de algodão, também no início do século.

Outros detalhes ou conclusões podem ser tirados no mapa da ocorrência da


fauna aqui publicado. Estudiosos têm denunciado, em diferentes épocas, a dizi-
mação da fauna e da flora nordestina, mostrando que muitos animais descritos
por George Marcgraf no início do século XVII, estão riscados da zoologia regional.

" Reuência ~ dizem para significar o lado juzante dos açudes, normalmente umedecido pela in-
filtração da água, onde costumam praticar culturas de vazantes e alguma fruticultura tropical.

213
Existe, no papel, um Código de Caça e Pesca. Mas a única interdição de que
temos notícia na zona - refere-se à tomada pelo DNOCS nos açudes públicos por
ele administrados.
Reginaldo Bezerra, do Clube de Caça de Currais Novos, ainda em 1959, nos
dizia que várias espécies da fauna local tinham sua época de reprodução na fase
não interditada pelo Código. Que digam os doutosse não seria justificável um le-
vantamento da época de reprodução nas diferentes zonas ecológicas do Nordeste
- capaz de orientar melhor a legislação específica? ..
Todo mundo sabe tratar-se de problema antes de tudo educacional. Mas o in-
diferentismo com que vem sendo relegado faz pensar, sem qualquer pessimismo,
que na pisada em que vamos, o sertanejo herdará, em um amanhã bem próximo,
um chão sem rastros de bichos e silencioso de cantos dos pássaros. Paisagem mor-
ta e de fauna sintética já galhofada no dizer matuto: "De bicho de cabelo só vai es-
capar escova; de animal de quatro pés, tamborete e bicho de fôlego - o fole... "

214
~OTAS

1 - "O Rio Grande do Norte era, especialmente nc período de 1633 a 1654 da dominação holande-
sa, o maior fornecedor de carne e farinha à população de Pernarnbuco. Em 1633, seu rebanho era calcu-
lado em 20.000 cabeças." (L. C. Cascudo - Histeria as Ris Grande do Norte).

2 - "Caesalpinia ferrea Mart., fam. das Lsgumínosas Cesa.pinioideas. Madeira com as mesmas
aplicações da do Pau-Ferro, porém um pouco mais elástica. De arribas os índios faziam os seus tacapes,
clava terrível com que quebravam a cabeça dos inimigos e prisioneiros. É a madeira preferida para a
confecção de cacetes dos valentões sertanejos e serranos, hábito evidentemente herdado dos índios Ju-
cá, corrutela de yucá, significa matar, no tupi." ( Renato Braga - P'cn ;cs c;': S0rdeste, Especialmente
do Ceará).
3 - "A água conduzia-se na borracha, saco de couro que a tornava fria e iimpida: nome vindo do
português. Os indígenas amazônicos faziam-na com a seringa e daí denominar-se "borracha" ao látex
da seringueira." (L. C. Cascudo - op. cit.). "Saco para carregar água de uso universal. Segundo Teo-
doro Sampaio: mipibu - corrutela de mbi-pibu, o odre, o saco de couro, vulgarmente "borracha". (L.
C. Cascudo em n.t. de Viagens ao Nordeste do Brasil - Henry Koster).

4 - Murrão - lamparina grande, tendo como depósito de querosene uma garrafa de barro vidra-
do, vidro ou mesmo flandre - onde acendem um pavio grosso que não possa ser apagado pelo vento.
"A cabeça da corda de estopas, preparada com matérias inflamáveis, em que foi embebida". (A. Mo-
raes - Dicionário da Língua Portugesa, ed. 1878). "Há uma árvore meã que se chama ibiriba. Esta ma-
deira é muito boa de se fender; a qual os índios fazem em fios para fachos com que vão mariscar, e para
andarem de noite; e ainda que seja verde, cortada daquela hora, pega o fogo nela como em alcatrão; e
não apaga o vento os fachos nela." (Gabriel Soares de Souza - Tratado Descritivo do Brasil em 1587),
"O nome embiriba aplica-se às seguintes plantas encontradas no Nordeste: Casearia brasiliensis
Eichi., Casearia dentata Eichl., da fam. das Flacurtiaceas; Lecythis luchsnatti Berg., da Iam. das Le-
citidáceas. A madeira da Lecythis luchsnatti Berg., além de ripas, fornece combustível de primeira or-
dem. Dificilmente se apaga e os sertanejos dela fazem fachos para caçadas noturnas." (Renato Braga
- op. cit.).

5 - Zagáia - Lança usada para "escorar" a onça quando ataca. o caçador. Tem de um a três den-
tes e é encastoada em madeira resistente. "Agalha, azagaia, agaias ou zagaias do árabe alchazeca do
verbo chazaca, rasgar, passar, ferir rasgando com lança ou com arma de ponta. Dozy seguindo a Defré-
mery aceita a derivação da palavra berbere zagaya com o artigo árabe (az-zagaya); lança curta, arroja-
diça, ferrada com ossos de animais ou puas, de que usam os Cafres e outros bárbaros (A. Morais - Dic.
da Língua Portuguesa, ed. 1878).
6 - Sobre os tipos étnicos da pecuária nordestina, recomendamos o relatório do professor Otávio
Domingues (e outros) - Preservação e Seleção das Raças Nativas de Gado do Nordeste.

7 - Em 1921, José Ariston de Araújo comprou no Recife e fêz levar para Caicó, um touro e três va-
cas da raça holandesa preta e branca; uma das vacas tinha a pelagem vermelha e branca. Informação
de José Ariston Filho em out. 1958.

8 - Cabe destacar o programa do Serviço de Acordo do Fomento Animal do Ministério da Agri-


cultura, dirigido pelo agrv Guilherme Azevedo, que vem proporcionando meios de melhorar qualitati-
vamente o rebanho, com a introdução de reprodutores de raças especializadas e o fomento ao plantio
da algaroba. Para uma informação pormenorizada sobre a evolução da indústria leiteira nordestina,

215
'consultar o trabalho do prof. José Assis Ribeiro - Boletim Informativo. Projeto 20-ETA. Ano Ill, nv
VII, Recife, abr-jun, 1958.
9 - De maior reflexo sobre a pecuária regional, o plantei de Schwytz da Fz. Talhado (município
de Acari) de José Braz Galvão, que vem, há bem uns 20 anos, abastecendo de reprodutores as vacarias
sertanejas.
10 - Vide o estudo de Josa Magalhães - Previsões Folclóricas das Secas e dos Invernos no Nor-
deste Brasileiro. In Revista do Instituto do Ceará, 56: 253-68, 1952.
11 - Minuciosa análise econômica pode ser encontrada na monografia Efeitos da Seca Sobre a
Economia Agropecuária do Nordeste - 1958. Fortaleza, Banco do Nordeste do Brasil S.A., jan. 1959.
22 p. pub. nv 72.
12 - Limites mais detalhados dos municípios podem ser encontrados na plaquete Divisão Terri-
torial do Estado. Natal, Imprensa Oficial, 19313.
13 - Hélio Galvão desenterrou e fez publicar no Diário de Natal de 14-5-50, sob o título Um pre-
cursor da açudagem, um valioso documento onde mostra que em 1706, o Pe. Manoel de Jesus Borges,
sabendo de:
"... alguns esconderijos e celiixccutos do gentio tapuya canindé de nação janduim.", re-
quereu terras "para que se '11.eta"l "iu:·tos gados ... e jazer açudes aonde houver capacidade.
Ficam nos supés das serras e 'W·5 ciJãs delas de uma a outra banda que ficam nas nascências e
cabeceiras dos rios Tossi-no, -Iacu. Pituassu e Acauon e entre o dito rio Acouon e o rio Curima-
taú.
Alegal·a que "o gentio as não quer descobrir dizendo que não tem águas, o que é falso por-
que tem poços nos ditos rios, alagoas, e olhos d'água nas serras e entre elas que desaguam no
rio Curimataú e noutros rios. "

A referência aos acidentes geográficos faz crer que as terras requeri das eram localizadas para os la-
dos do agreste paraibano, nas proximidades da fronteira com o Rio Grande do Norte.
É provável ainda que o argumento de "metam logo muitos gados, gentes e fazer açudes" - servia,
em parte, para justificar e reforçar o deferimento. Ou, quem sabe, o reverendo não tenha encontrado
local "aonde houver capacidade de açudes ... "
14 - "Na construção das paredes (barragens) dos açudes, o sertanejo se utiliza de um couro de
rês, cru, que enche de barro, e ao qual atrela um boi, ou uma "junta", duas, etc., por meio de um tiran-
te de cordas, também de couro cru ou de correntes. O processo, muito primitivo e demorado, mas ainda
em voga no sertão, tem a vantagem de contar com a compressão da argila e da areia, feita pelos cascos
dos animais, simultaneamente com o arriamento do material. Os matutos usam. também os jumentos,
que carregam o barro e a areia em pequenos surrões de couro ou em caixões de querosene." (Otoniel de
Menezes - Sertão de Espinho e de Flor).

15 - "Um hectare de superfície de água nos açudes públicos, no sertão, evapora, no verão, em mé-
dia 70m"/24 h, segundo as medições do Serviço Agroindustrial do DNOCS." (J. G. Duque - op. cit.)
16 - Capitão pela sua projeção social e de senhor de terras ou, talvez mesmo patente da Guarda
Nacional. "A Guarda Nacional do Império - houve também a da República - foi organizada por Dio-
go Antônio Feijó, em ,1831(lei de 18-8-1831),quando o padre político paulista ocupou a pasta da Jus-
tiça, no período da Regência. Foi criada, após a extinção das "Ordenanças" e dos antigos corpos de
"Milícias", para que servisse de sentinela da Constituição jurada". Prestou reais serviços na manu-
tenção da ordem, principalmente durante a regência de Feijó. Posteriormente, "quando rebentou a
Guerra do Paraguai, o governo mobilizou, pelo Decreto no 3.383, 14.796, guardas-nacionais, que segui-
ram para o campo de operações, policiaram os sertões ou substituíram os corpos de polícia e de guar-
nição nas capitais das províncias, assegurando a manutenção da ordem." Era a reserva do Exército.
Terminou, entretanto, como tropa de oficiais honorários. Tal e qual como sucedeu com as Milícias co-
loniais. Não houve grão-senhor das cidades, ou dos sertões, que não obtivesse o oficialato da Guarda
Nacional. O título de "Coronel" passou até a ser encarado como sinônimo de fazendeiro ou de ricaço.

216
Assim foi no Império e assim foi na República proclamada em 1889 e derrubada em 1930." (Lycurgo
SantosVlho- Uma Comunidade Rural do Brasil Antigo.)
17 - "Creio que entre nós, a camisa por fora das calças do matuto é uma sobrevivência indiana.
Foi uso oriental adotado pelo português antigo, introduzido por ele no Brasil e que deve ser recuperado,
pois o estudo científico do assunto muito condena o cinto ou o cinturão. O "slack" e o pijama são evi-
dentemente tropicalíssimos no moderno trajo ocidental de verão que mostram que europeus do Norte e
anglo-americanos começam a dar seu apoio, com um retardamento de séculos; ao português dos sécu-
los XVI e XVII, pioneiros nesta como outras espécies de tropicalismo." (Gilberto Freire - Trajo, trópi-
co e antiimperialismo. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 31-out-59).
18 - "Alpergatas, alpercatas, apragatas, sego Constâncio: alpargas, alpargata, em árabe albarga
ou abagat, calçado que tem o rosto enfrestado de couro; calçado delicado para mulher, de veludo, seda,
etc. Alpercate: termo de sapato, abertura entre a orelha e a pala do sapato." (L. C. Cascudo em n. t.
de Viagens ao Nordeste do Brasil, op. cit.). "O sertanejo usa a expressão inchar nas apragatas no senti-
do de enfurecer-se e dispor-se à luta; ex.: Se eu inchar nas apragatas, você se arrepende! O mesmo que
queimar as apragatas ou queimar nas apragatas." (Leonardo Mota - Violeiros do Norte.)

19 - "O chapéu de couro tem a copa cônica ou redonda e, com as abas dobradas para cima, bem
parece o bicórnio setecentista. Em algumas áreas sertanejas do Nordeste conhecem-se os vaqueiros de
determinadas zonas criadoras pelo modo peculiar com que "quebram" as abas do chapéu. É isto, ain-
da, uma reminiscência dos tradicionais "estatutos da ribeira" - normas de comportamento e sistemas
de envergar o traje, caracterizadores do núcleo a que pertencem, como observa Gustavo Barroso em
"Terra de Sol". Duas alças, uma longa e outra curta, saem da copa por sob a aba; a primeira tem a fi-
nalidade de prender-se ao queixo ou ao pescoço, quando o chapéu é jogado para trás (comumente
usam-na caída para as costas); a segunda, presa à testa, conserva-o firme na cabeça em qualquer cir-
cunstância (fora do serviço usam-na dentro da copa)." (C.J. da Costa Pereira - Artesanato e Arte Po-
pular - Bahia.)
20 - Bolsa, usualmente de couro ou mescla, que conduzem a tiracolo. "Corrupção do lato vademe-
c~m, vai comigo." (A. Moraes - Dic. da Língua Portuguesa.)
21 - Processo para obter fogo usado pelo sertanejo nordestino. Consta de uma ponta de chifre (ge-
ralmente de bovino) cheia de algodão; ao seu bordo prendem, com o indicador de uma das mãos, uma
"pedra figo (fígado) de galinha" (silex) e com a outra golpeiam-na com um pedaço de lima. A faísca as-
sim obtida inflama o algodão. O conjunto da pedra e lima é denominado fuzil.

22 - "A alimentação para o vaqueiro só podia, dando campo, ser a mesma para o senhor e o servo.
Era o alimento fácil de ser conduzido na bruaca de couro, paçoca de carne pilada e farinha. nacos de
rapadura para enganar a fome, o "comboeiro", carne cortada e misturada com a farinha, água fria na
"borracha", tudo preparado em casa e levado para o dia longo do trabalho nas grotas, chapadões e ta-
buleiros vazios de auxílios humanos." (L, C. Cascudo - Tradições Populares da Pecuária Nordestina.)
23 - Processo usado pelo sertanejo para fazer café. Colocam uma pedra dura ao fogo, cujo tama-
nho regula com um ovo de galinha e numa vasilha com água o café em pó; quando a pedra está bem
quente é juntada à água que conseqüentemente ferve. Para "assentar o pó" pingam água fria sobre a
bebida. É também chamado de café de comboeiro.

24 - Spondias tuberosa ArI. Cam., da fam. das Anacardiáceas. Árvore baixa, esparramada, cujo
tronco atrofiado, retorcido, cheio de brotos, raramente alcança 6m de altura, chegando a copa a medir
10m de diâmetro. O seu sistema radicular, adaptado, como o caule. a adurência do clima sertanejo,
compõe-se de raízes longas, espraiadas, mais ou menos superficiais. com intumescências redondas e es-
curas, de uns 20 em de diâmetro, providas de tecido lacunoso, celulósico, cheio de água. Drupa redonda
(10 a 20 gr.), amarelo-esverdeada quando madura, suculenta, de sabor agridoce e muito agradável. A
frutificação, que se verifica no início das chuvas. é abundantíssima, chegando um pé a produzir mais
de 300 kg de fruto num ano. O umbu maduro encerra 14,2 mgs de ácido ascórbico por 100 cc, ao passo
que, o verde acusa 33,3. No período da fome aguda os habitantes dos sertões aproveitam-lhe as tubero-
sidades radiculares, chamadas cunca, chupando-as como se faz com a cana-de-açúcar." (Renato Braga
- op. cit.).

217
25 - "Denominação comum a algumas trepadeiras robustas da família das Leguminosas Papilio-
nadas. Mucurui, corro mó-co-n-ã, faz arrimo alto, a trepadeira. Para Paulino Nogueira; muçu, amarrar,
corda, e nã, semelhante, parecido com corda, trepadeira." (Renato Braga - op. cit.). O matuto corta
um galho-cavaleiro, simultaneamente nas duas extremidades e recolhe o líqúido que escorre abundan-
te para matar a sede.
26 - Bauhinia fortificata Link. (Bauhinia aculeata Vell.), da fam. das Leguminosas Cesalpiníói-
deas (Renato Braga - op. cit.).
27 - Depósito de conduzir pólvora. Usualmente utilizam a extremidade do chifre de bovino ou
uma pequena cabaça revestida da pele que envolve os testículos do bode com o fim de retorça-Ia,
28 - Estojo de couro ou pano grosso onde é conduzido o chumbo de caça.
29 - "Arma de atirar setas, pelouros: consta de arco e corda, em cuja extremidade está o arco, e
solta ela pelo disparador, dispara o tiro corr: vio.encia." IA. Mames - op. cit.). "Nas caufas crimes dos
Familiares não conhecerão outro fi os Inquitidores. alem dos atrás excetuados, no cato de homicídio
qualificado, & de falfidade, & de moeda ra.ia, 6: ae ::rar cõ befta - Do Traslado autêntico de todos os
previlégios concedidos pelos Reys deftes Reynos, & Senhorios de Portugal aos Officiaies, & Familiares
do Santo Officio da Inquifição. Impressos por Corr.issam, e mandados dos Senhores do fupremo Conse-
lho da fanta, & geral Inquifição. Lisboa. "\"aofficina de \!iguel Manescal, Impreffor do Santo Officio.
Anno AM. DC. XCI." r Lycurgc Santos F. op. cit.r,
30 -A parte saliente eia coronha que e atravessada pelo arco.
31 - Utilizado em substituição à corda; geralmente é de couro cru.
32 - Peça que desprende o relho para impulsionar a seta quando se contrai o gatilho.
33 - Seta empregada para atirar com a besta. Espécie de arpão adaptado a uma vara que serve
para fisgar os animais quando entocados.
34 - Seta de extremidade esférica para atordoar a caça ou não dilacerar o couro da mesma.
35 - Vide L. C. Cascudo - Bodoque. In Superstições e Costumes.
36 - Parte do arco onde se faz a empunhadura.
37 - Entalhes nas extremidades do arco onde são atadas as cordas.
38 - Dois pausinhos, de 5 a 6 em que mantêm as cordas paralelas.
39 - Vide Veríssimo de Meio - O Cavalo no Adagiário Brasileiro. Rev. de Dialectologia y Tradi-
ciones Populares, tomo VII, cuaderno 3, Madrid. 1951. Leonardo Mata - Os sinais de Galvào (Rev. do
Instituto do Ceará, tomo LX) e Martinz de Aguiar - Os sinais de Galvão (Rev. do Inst. do Ceará, tomo
48-9, 1934).
40 - A côr dos olhos é dada pelo gen cromopoiético que pigmenta a parte posterior da iris. Confor-
me a quantidade de pigmento através da córnea, a cor nos parecerá desde o azul-claro ao escuro. A im-
portância da quantidade de pigmentos será compreendida quando se souber que influencia têm o si;t;
ma nervoso e os órgãos de audição. Um cão de olhos claros, normalmente, sofre de alguma deficiência
do sistema nervoso; são ou medrosos (90"é) ou irritadiços e agressivos (10%). É sabido que um cão sem
qualquer zona pigmentada é, geralmente, surdo. A natureza procura, nos cães brancos, colocar man-
chas pigmentadas de cada lado da cabeça, abrangendo os olhos e os ouvidos, garantindo-lhes, assim, o
bom funcionamento dêsses órgãos." Notas de aula do I Curso de Juizes do Brazil Kennel Club do prof.
Paulo Santos Cruz.
41 - O cachorro, depois do cavalo, parece ser o animal mais presente no adagiário nordestino.
Que me acodem a memória, aqui ficam os mais sugestivos: Homem que bebe e joga / Mulher que errou
uma vez / Cachorro que pega bode / Coitadinho dêles três e Um dia, um dia, cachorro de paca mata co-
tia e Ninguém se fie em cachorro que fica na cozinha e em mulher que passeia sózinha e Desconfiado
como cachorro que quebrou louça, ou em meio de carga e Esfomeado que nem cachorro de comboieiro
e Na sombra da galinha o cachorro bebe água e Quem anda caipora até cachorro lhe mija nas pernas e
Nossos cachorros não caçam juntos (desafetos) e Matalotazem de cachorro é cheirar toco e lamber tra-

218
seiro $ Desaparece que só manteiga em venta de cachorro e Toco de cachorro mijado I indivíduo peque-
no!.

42 - " ... Um autor fidedigno fala em quase 40.000 avoantes apanhadas em dois dias no bebe, louro
- Ceará" (R. von Ihering - Da Vida dos Sossos Animais).

43 - "Na safra das avoetes, usam uma mistura de fumo-do-brejo e raspas de favela. para envene-
nar as poças e velhas cacimbas onde se dessedentam as pombas. Estas, embebedadas, vão caindo as
centenas e, dentro de algumas horas, os caçadores (ou tinguijadores) enchem sacos. de arribações. as
quais, ainda palpitantes, vão logo arrancando o papo, a fim de evitar ao consumidor a ação do ve ne-
no." (Otoniel de Menezes - op. cit.).

44 - "Para apanhar animais, sobret ud - ,':gres. usam os índios de armadilhas ou mundéus,


onde, ao irem êles a entrar, lhes desandava e rr; :::::a i.rn grande tronco de arvore." (F. A. de varuha-
gem - História geral do Brasil).

45 - Vareta com um entalhe numa das E'x::-E=.:ciades I onde se aloja a escora) e a outra ponteagu-
da (que sustém a isca), tendo mais ou n:E'n'JS r.: CE:-.:':. ;;::r. entalhe lateral que se prende forquilha.
à

46 - "Cova profunda, cuja boca e t apac a C:::-. :-,,=.2. ...; c aniçada sutil, e uma tona de terra, de sor-
te que ceda ao peso do animal. que lhe passe pr' c-:::::.a..·· L':,:-. Moraes i.

48 - "Macaran-d-yba - árvore do escorrego \Theocc r: :'ar.,pa:c': rJ0çen - derramar, ranho -


logo e uba - árvore; porque a massaranduba distila um hq-..;iác; cnarr.acc gutt a percha (P. Nogueira)."
José Luis de Castro - Contribuição ao Dicionário da Flora G'_ ,\",:ro,-,:, hrc-iíeiro.

49 - "Alho (Allium. satiuum) Diaforético, tosses, influenza. dor de cientes: rriccionado nos pulsos
e dado a cheirar, vale o éter etílico. Usam-no com chá, lambedor (xarope I. t rit urado. Ü alho plantado
na noite de S. João nasce antes do amanhecer. O olor afasta todas as feitiçarias, porque nenhuma resiste
à barreira invisível determinada por ele. Onde existir alho, não ha bruxaria por perto. Os animais fabu-
losos fogem dele, mula-sem-cabeça e lobisomens. A caipora foge de quem mastiga alhos. Essa tradição
européia transferiu-se ao Brasil, onde se popularizou. Identicamente na África, o alho afasta os perigos
ocultos, feitos pela mão humana. É um amuleto natural." (L. C. Cascudo - Dicionário do folclore bra-
sileiro).
50 - É o Curupira tendo os pés normais. De caá, mato e pora, habitantes. O Pe. João Daniel, mis-
sionário no Amazonas, 1780-97, informa sobre a significação primitiva do vocábulo: "Do que se infere
que o diabo disfarçado em figura humana COROPIRA, tem muita comunicação com os índios mansos
e já aldeados; e muito mais com os bravos a que chamam CAAPORAS, i. é, habitantes do mato." O
Curupira é um caapora, residindo no interior das matas, nos troncos das velhas árvores. De defensor de
árvores passou a protetor da caça, talqualmente sucedeu Diana greco-rornana.
à Discute-se a existên-
cia da Caapora quinhentista, contemporânea do Curupira e não simples fusão posterior." (L. Câmara
Cascudo - Dicionário do folclore brasileiro).

51 - "Ainda conheci, no município de Serra Negra, onde nasci e me criei, muitos animais selva-
gens hoje desaparecidos, como a ema, o veado, o jacu, o porco do mato, o macaco, etc. Entre os rios Sa-
bugi e Espinharas, naquele município, há uma grande faixa de terra conhecida pelo nome de Tabuleiro
das Emas, onde sempre que o atravessava via grandes bandos de emas. Meu pai, Cei. Clementino
Monteiro de Faria, quando presidente de Serra Negra, na década de 1885 a 1895, fêz votar pela Inten-
dência uma lei municipal proibindo, sob pena de 10$000 de multa, a quem matasse uma ema ou aba-
tesse um juazeiro." (A Ema - A mais útil e a mais perseguida das aues. Juvenal Lamartine, Ir. Tribu-
na do Norte, 12-10-54 e Bando, Natal, jan. 1955 (nv 7, ano VI, v. IV).

219
QUADROS ESTArtSTICOS E DA FAUNA

SERlDó - ruo GRANDE DO NORTE


Área, população e densidade, segur>do os municípios - 1957

Área Densidade
~1UXIC!PIOS Popu ln.~·iio
Km2 Demogrãfica
--------_. ----------

Acari . 564 9 062 16,0


Caic6 ..•...... , ' . 842 26 859 14,6
Caruaube dos Dantas . 371 3 869 10,4
Cêrro COrá ; . 425 7 SS4 18,5

Cruzeta . 256 5 082 19,8


Currais 1\ovos . 124 23 871 21,2
Florãnia . 565 8 8G4 15,7

Jardim do Piranha.' , . 391 5 738 14,7

Jto.rdim do Seridõ ·············· 80S 12 784 15,8

Jucurutu ......•........... , " . 898 9 3C(j 10,4

Ouro Branco . 228 3 948 17,3

Parelhaa . 808 13 418 16,6

&\0 Jolio do Rl\btl~L . ·104 4 7f>8 11,8

São Vicentc . 197 3 741 19,0


Serra Negra . fiG3 6 942 10,5

SCriJ6 . 9 544 J.I() EJU 15,3

% S/Estado . 18,6% 13,3G%

Rio Grande do Norte ······· .. ·· 51 105 1 093 668 21,4

}'O~TL - Conselho N!LCion&l de E.stAtt.--.ica - Estimativa em 1~57.


Olho - Por nAu o1J"Itlr ~tilnativ& para oe IDunicfJliOti de .Iucurutu, Pa.n.Jhu e Sl'n& ]i\'Era do Norte, foram
p~Dehidoe com os lJ(.aul4..lrotl du tenso de J V..'iO.

221
Populuç.io presente e situação de domicílio, segundo as Zonas Fisiográficas - 1950

t. rb~uvl.
Tot>d (- Rurul %Huml
~l!!Jurbi\n.~~

i\C·trí ... jt} ;.; -, ,;


"'-'1,.'
l-lu 12 [,lU 77,0:3
(Jt\ic~ó . i) ~
'..: ~
.~ 7 7;),=j lIi 'lii:) 67,!l7
-"'
"S í.lVO~
(;U!l'f\l;-\ :=:S ~.. t~ :)'-,\7 ~2 O;3(i 77,;À)
Flo)Ílllin .. ,." . ,,I 10 73:l 8b,25
J ",'dirn PinLllhiL". c: ""I.t ,j (jG[ Kl,Or;
,hrdim ben,!ó. - ~ ti' i 13 57b g·l,G}
.Iucurutu ,. .:,' '2>l X 0;<.;; S6,32
Psrulhas. ,.,., . .: lU "/1:l 7~I)H
""
lU:)

SÜCI .J (JTto Sabll~~r


.. -r ~ ;~:?q ;~;,:'·1 7D:52
8i~lT;:\ f\;t~gr-~.\dn ;--
..rurt:> 1'2 ~il J7 li ~
):{;) 8fi,9:\

\.,- ·1~(~ :.:~t,1·S2 lCh 4H rs.si


""
UG7 ~t:21 2;;3 7(~5 IJ·! LíC 7a,78

SEIUDÚ - mo Gl\Ai\DE no KOHTE

_H__ Pessoas presentes, de 10 anos e mais, por ramo de atividade principal - 1950

\.grit'lll. Inu. de 'I'rans. .. Ativida-


tura transfor- Ccrr.érr-io Ser ",i\,oe por t r-s Govêrno deu Outras
Mrl~lt~ÍPI08 Total (2) dom és- (4)
(1) mação
'ol ticas

Acur i 11 :H3 3 955 2.j:J 140 2Hô 42 51 fi 9'l, 611


(' 1t O:!2 5 1~1 571) 41\ 720 ~','1 1).1) 8 [)77 1 20:;
Ci1fl'dli: N:J;I>!"J 19 ~72 .. 0\1',! 4110 :\&-1 5;)·1 16\ :;5 1i 4R4 I 287
l'1,;;r:\f\i.:.r.. h !'\:H"; " 'lbH '/0 75 12' IR 2V 4 311 H5
Jurduu Pir3.nb~.~ 4 0;)7 1 fJH7 29 47 4(; 23 17 1 964 3U
Jtírdí:t"l. ~erid,) II 314 4 5,15 'n l:li} lbr. 48 so fi 6118 565
JUCUf\:t'l 8 531 2 7:l2 42 [.2 77 14 21 3 038 547
l'àr(':l;ó1~ .. Q 427 3 3·H Rl 152 1~15 60 47 4 007 635
~\() J oito a~bi4:i 3 OG6 1 1!'i,~ :n :~i 4~j 11 Ia 1 ón 220
f.u.rrn. Nt1gra. .. 4 701 1 lH"i 32 so 62 15 11'1, 2 2\/4 423
~~f'.r·ld'~\
.. V6 231 .15 t\x;j 50,;;5 461 :1·\:1 614 451\ 47 744 U 2Yl
N
o i;f;~".'nd&. IO{),O 37,1 1,8 1,5 2,' 0,8 O,fi 49,G 6,5
1\;0 {;rant\e do Norto .. 667 l7\J 217 6:--:.~3 13 179 13 1;;7 20 310 3 415 8 250 319 745 65 619
s Iti(J Or:\n(k do "N"ortc. 100,0 32Jj 2,0 2,0 3,.1 1,3 1,2 47,9 9,8
i('

~(rL\ -- (..1) Agri(',ultur:\, inclusive p('Cln',fla. silvicultura e indo extrctivo . (:2) CIIIf\úl'io de mcrccdor iaa e de Imóveis. (3)
'I'rut ·;., ..te " ·!Jmn:lú·;\~·(1-t':-le Hrm:\7,eO;:q!;('IlH. (4) Profi::;:;õ('I'; liborais, ativi!.bd1·:' ti,.rni~ (: di' condl~':'!i'S n.utivaa.

J', ':\~l" ;.: .. ~ 1.BJ~.I';, - - CN E. ~'~r\:iç'o Na.(~i<ll!:d dt~ Rervnw-a raeut.o, Ceml<ll\ 1)l'mográficn/'. -- Estudo d« H.iú Grande do Norte.
:~~fI' í;, i~lr'1.li"\. \'(;l. XV, T()l!\,) L

222
NO.ll\HIS, !.•
IENSAIS E ANUAIS E VARIAÇÁO MtDIA E ANUAL DAS CHUV •.\S
DO PEruODO DE 1914 A 1938

I
Va-

Altitudr
m, Jun. Fel', I ~hr. Abr. ~!aí. Jun. Jul. .\go. s«. Out . I 'o, I Doo.', u a, mé-
riA-
t~;')

dia

II I
anual
%
i
2\lO Aoui, .... " . 4.').2 100,0 lH,~ 100,6 64,7 25,M R,I 2,l I I I" I : I l 1510,8 ~~,1
I . I ~; ~ 0.i4,8
-~
I
135 Cakl,., ôi,7 j~O,S 1~õ,5 16tl,O !í2,3 22,1 10,4 1,3 2,5 1,.:1 _,I li '-';
1., 33,7
~OO Cur-e i.l N (1"('.". se.: ;0,5 8_,4 S,~,5 6ü,5 23,0 11,6
Ii':ll 1,,1 1,U I.~· i:',r I í S.3 50,6

I ~~,;1:
160 Silo J01(1 Sa-hugi 55,7 119,2 163,8 117,1 IJ~,7 14,9 s.s 2,1 , 1,3 1,1 1il,2 12 40,7
,8
170 Serra Negr1&. ... 75,2 f 13B,5 184,Q 173,~ 69,4 24,1 10,. 2,41 2,6 2,3 12,2 ]0,4 "9C,8 33,0

FONTE -- Athu; Pluviomótr ico do) Brasil 1914/38 pág. 21. - Vo1. n.".} - Divisão de Ag u..:1S - R(·çf.o de Hidrnp;rafil'l,
DH1'\f -- ~:;n:~:úi(j tia A,grinlltllra.

M1NISTfO;HIO DA AGRICULTUll.A - SERVIÇO DE METEOHOLOGIA


OBSERVAÇÓES METEREOL6CICAS

CIll::ETA .. .Estado mo GRANDE DO NORTE Períndo

Lat.itude., . Longitude. ,3Ô"35' , ..1'1, Crw.

Da t"SÍ"\Cão (liE) 232 li


Altitude {
Da. cuba dI) bar!j1ilClfú (Hb.) 232 m

MtsE8

Janeiro .... 'C oJ "., , ! :,:10 2,,·9·12 ZI H-[,~' c' J r,O.Ô 1 G i'" _. '.\.1 I 2~t), R

Fevereiro ..
Muco ..
Ao'i!', I ~::~ ~~.~;~ : 2~:~:~
I ~~:
j 5 ;1':<J Z-\H2 'g s
64 9 5 3
s
ti 3
3 (:.::
11 )33
l:\-::l:U
2160
2·11. 5
241. 2

I ;;:~ ~~,
')1) Q ).) 0' '27 -td:l
Maio .. 2:!4. S
:J; 3 H'4ê II :".:, ~.
Junho ... :;1.·1 ~~l 2 ~';5'; ~8-'y4:'I:,
Julho.'. , :0 5 :0 G :~.~"; 1--93::J J 7. Ü ~ I '~ , :;-1:1 6
.A r,t.llto. :t~.5 _;{l,!) 3(\' 9 H.O 5~, ~ i 3 1 5. (j 2R- V:~I 275 3
Setembro ..... :l3.Q ~I a 371 18.8 27 2. 55.: 2 _G 0.8 5.1 24-93::! ~~O.I
Outubro. , 34. 9 ') ~ 37 7 10-935 20.0 Div.: 2S.0 55.1 3.2 56 27.2 20D19 293.3
Novembro ..
Descmbro .. ".
3;) 2

'-") '!
.)'1 6
<::, o I ~~.
5
','"'1.3

I'"."
22-942
12-~l:14
20.4
200
Di\'.
15--\J:l7
284
:?~ 6
54.6
56, fi
35
i o
1.1
11 1 2" 3
5.2 2U-UJ') 2R1.5

ANO,
I J~; ti _.....,
••. J
o ·"l.IJ 2fd,"j,;2 17 o 1;Vrri~i3ô '27 4. Gl '; 42 15·18 ,5.1

223
SERlDó - RIO GRANDE DO NORTE

Rebanho existente - Recenseamento de 1950

l1UNIclpIOS I ~-'..,.
:, -...~- ,11-~,,;~,..,1-\ 81111no,
"
o : ~',,~ ?>-1
ua.rcs
•• ~ •.
c Ovinos Caprinos Suinos
'--1-- ---- ---- ----(-----

Acarf . . ]1);;":41 ;S~ I 2110 146 8'902 2795 2367


Cnicó
Currais
_.
:\' r.v:
0'

:'
~'j

:0: c,
JI ';~I.!
~.~:
3515
3450
205
27'.)
15419
9760
4166
6 fiG5
3393
5034.
C"·, H,j 1 ,(lt 13\) 52;>8 31)93 3 16\J
J a nlirn rl!"~:.:--_~_;,..;;; 4. ;~\-;~ ss 1 OCH3 25 4811 1600 1293
j .ird: 1:1 ::.: -,~, 1 4~.G 8.5 9888 3461 1 513
Jvuurutu .. 3s .~:45 261 11 4Dl 4372 3065
Parelh ..~~ .. 5 14: 92 4435 4889 1046
S;-lO .1\):1\) S3:.<.!;--: 5 r37tJ ~~G5 84. 6298 1754 1407
&.'rr:1 XCb':-:L CI :.?4r) 37:: 1 3~" :'4 G 140 2735 2981
~('ri(L') .. _ ,'1 4;"3 2 3:'~1 ,~} 0')3 :370 R2312 36330 252G8
'j~ ~'l·>:",:n. 1~.7CC 'd,7r-c 32,3':;; l:2,SC-:: !13,5% 14,9% 19,3%
Ii ro Gra n ie dJ :\'ort('. .... 4628G7 2470'.) 5S GiZ 1065G 87965 242 753 130 679

FO~TE - Es tado do Rio Grande do Norte.

Produção e transformação de leite, por município - 1949

LEITE DERIVADOS
PH.ODlJZlDOS (Kg)
Esta-
MUKIC!PIOS beleci-
mentos Va.ca.s
Or d••.. Produção Creme Manteiga Queijo
(hl)
nhadas
-.--------~ ----~--- ---- ---- ·----1----1----1----

Anuí _ . 752 2 129 12 %3 1050 5710 23518


C"ic6 . 1 30-! 4. 10S 29301 13088 4985 109696
Currais Novos . 1743 1 851 8610 310 210
Flnrânin . 1522 1 301 7 149 1660 3553 12564
.Ir.rdim Piranhas . 303 990 4962 S/O 2093 20691
.l ardirn do SCrid6 . 1 09-1 1 601 96G2 1797 6359 25352
J uvurutu . 600 1 760 G 461 2035 7682 11 578
l'''rdh''-'3 . 896 927 67R8 1258 252 3729
::;,lo j ",'io Piranhas... . .. . . 290 973 9517 4793 7310 37547
&'rrl\ !'\cbTa . 260 1 313 12974. 2740 14 434
&·ridó , . 8764 17053 108387 28991 38254 259319
% S/Estado . 25,5% 25,3% 33,4% 63,5% 56,0% 64,5%
Rio Grande do Norte . 34391 67261 3240!J5 45645 68215 401 659

F(fS'TE - E~b.do do Rio (;ralld~ do Nor-te - CODIJOI! Ec(,nÔlllirC)s.


VI He-r-e axc e rue n to Geral - lU5U.
l.Il.G.I::. - c~}".

224
Produção agrícola - 1956

Ama Valor
PRODUTO Unidade Quantidade
(ha) om c-s 1 000

Algodão l\1"có . Arroz 15kg. ti3 343 OO:! 450 17J U47
Bata.ta doce . Tonehl.das 2 735 14 517 16 018
Banana . Cacho 156 2iH 210 14 480
Feijlio . Saco (iO kg. j() \157 33 140 14 67\)
Milho . Saco 60 kg. 10.137 42 :HO 8 132
Arroz . ::laco tiO kg. 1 045 131,;50 ·14G7
Outros . 3 V51 1 ·1G7 745 13 820

SElUDÓ -
lUO GRANDE DO XORTE
ML'\iE:RIOS
Ouant idade c valor. segundo os municípios - 195411956

VALOU. (Cr$ 1 000)


l\1U:-\ICÍl'IOS
HJ55 1956 1954 1955
-----_._-_._-_ .. _-_ -_1956_--
BEHILO
Acar!... .... . . s 24 20 23 .210 240
Carnaúl», . . . 71 30 G07 300
Cêrro Corá... .... . . 6 14 9 30 70 72
Currais X"vos . :,0 12 10 250 D6 100
.Iardirn do S•..ridó . 7 8 7 3;; 54 58
Pardhn.s....... . . 4_5 80 65 364 718 6,')0
80l\1:\ . 113 20V 141 702 785 1 420
(")L UlIl BIT.\.
Acar! . 1 8 s 50 5GO :3.';0
C'mu.líha . 1:.0 12 8 15 000 375 ooo
Cêrro Corá . O 1 1 80 250 210
Currais X 0\'08 . 1 1 O 200 1.'iO 60
Jardim do Seridó . 1 1 O 163 170 126
Parelhas . 36 ]8 3 616 1 800
80:'11\.... . . 153 59 32 ,l.I) 4\13 6 121 3 506
C .••.
8SITElUTA
Carnaúl». ..... 40 000
CllELITA 1; WULFIL\..\llTA
Acarí . 5 19 O 300 2 050 D60
Caicó . 1 55
Carnaúbs . 110 30 6 6noo 2 400 600
Cêrro Cor:\... . . . lG 12 8 800 1 OS·l 808
Currais !\1)Vct~ _ . 5'lS 329 381 31 G!)J 28 :l07 2D.545
Jardim de Pirauhas . 2 3 4 120 182 520
Jardim dl~ f-\,·rid';.
. . lO6 61 82 2 268 4 !l20 \) 168
Jucurutu . 3·1 1:).1 14fi 1 700 7 !J7l 17 frU
São .Joào do Sabugf . 1 17 13 50 1 710 1 612
Serra .t\egm do Norte . 2 1 1 114 55 59
80:\1.'\ . 805 597 65~ 43 6V8 48 GV7 60 815
~·IICA
Parulhas . 6 2 2 99 10 16
CRISTAL m: lU'ClfA
l'ar(' Ih".·;.. . . 1 141
FU),iTE -- F:-n.-j\;;:~w ",'.liBeral - lV5ü - Miuisrério da Agr icultura Serviço de Estatíatica da Produção
-. V Ll l',', '.

225
SEnIDó - ruo GRANDE DO NORTE

Produção de cbclita - 1943/57

.JAZIDAS

!\talhada
ll:\ 0:-; Brcju[ Bodó Baixios Cabug]
Limpa.
---- --- -----
enidll.de v alor Unidade eTÚdade Unidade Unidade
(kg.) (Cr$) (kg.) (kg.) (kg.) (kg.)

1'1::; ;J20 :284 12,00 1GO 77G 12 70;)


I~1·11.. 4'1:2 .',-11 12,00 475 \)(;2 ti7 77:3 2 872 2 \)!)4
Pi-I.J.. \157 4(iG 12,lXJ 285 1SS (,6 SJ-I 18 135 fi t355
1~Híi... 5US 721 1:2,00 ]ti{) 117 34 276 18 925
1\J-17 ...... 446 J78 12/Xl 173 t319 25 474 22 \100 3 651
1~~J". 468 :,~14 lZ .•..Xl 17E> 145 14 030 17 216 31 911
l\1·1!1
.... 4.11 407 ; .\00 10r, 811 12 20S 8 J\)5 25 267
1U;xl... 4:21) 4·1S 1:-- ::;:3,C() 5S 738 3 \l57 402 5 135
1 !l:,j 4-')
, - r ;:3 ,",,', :"'o\,if) i-;!l 07(, 10 5:,'.) 4 148 5 752
1\1;:':2. 41-4 ~.. ) I ~, , S~'.C(J 1.J7 \133 4:, 870 3 G07 3 495
I !I;,:\, ;P,:~>', ,;" 7: ,-if) 11j()8:12 !H 52·1 '3 410 fi 888
1!)5L ~;:s:2 C:~I 7.5,\.lJ
1!l.'J,c,-
......... 317 37.5 ':"", :C·).OO
1!15ti. -<- ~:2S
3'" 10'J, : !~.(III="J
lH57 até u.go ..sto , 256 252

TOTAL ..... 0 9U2 584 ÜC,{ 197 387 910 99 8·10 91 708

F()~TE - Mi nõr io df' Tu ngs ténio ~ En~ II('nr;qll,~ CAPJ~,'r .-'t.lv(~ do fiour.!'. - njv\ll~!\çAo de CACEX ~
Ban-o do Hrasi l ~)tiu - Xl,'l~j.-)7 - para a js.zicia de J;n'j\IL Para M d(,llW~ jazidJ:s.."I, info rmcs do pnr-t.icula rce,

Açlldes públicos construidos pelo D~OCS até XII/1956

:\lC,ICIpIO Açude Capacidade m3 Construção


--- ------------------ --------
Garg"lheira. 40 000 (XlO 1~8
Ac.ari. Acari 5000 1915 1917
Cruzeta Cruzeta 2\J 733 00 1920 1929
Itans 81 000 000 1932 1936
Caicó . Mundo ?\O\"O 3 600 000 1912 1915
Currais :\ ovos. Currais X ovos 3 815 000 1954
T'oforó ;) \)11 000 1932 1933
57 000 1015 El20

f-lERIDÓ. 162 171 000

Cour-Iunl-. (~1It lD.1~i. r,-j(j I Gru pamc nt o do En;..:cnlu1.:-ia do Ea ôrci to.


FO~TE - DI·pa:-tH.IIJ(.nt() -:\I.L(-j(mnl de Ohra.J Cuor-e, 8.5, Scvas.

226
SERlDó - ruo GRANDE DO NORTE

Açudes construidos em cooperação com o DNOCS, até 1957

MUNICÍPIO Proprietário Capacidade D.ta da toIlclmo


Nome do AÇ'ld1
m3
---~ --------
Acsri .....••..........•.. Riacho du Oiticieas Preíeitura Mnnicipn.l 514 700 Z~ I-M
Caicó . I~n/,o .Joel A. Araújo 6!i4 000 fi... 2-15
Domínp Pedro G. Nohre S 1'.07 R76 1(}-!1-4g
Clurcel Edu.un.lo Gur ael I ggl fiO() 2- 11-52
T 0rTU! .~ójo J. T. de A,.újo 730 076 22- l-53
PaiLuiJ J. J. Fer caodee 716 300 27- 7-54
Barn Verde TOrIUl Saluetrcc 624 8()() Z~12-55
[rn.>.ti Pr"'" L. T. de Cru. 334 760 1912
i\TTQf"O\l 71 550 :16-12-12
Ris cbc dl)t Boi. Joaquim T. Medeirce 45 400 31- 1-14

U" .• :···· ••.


Q:Jinr.u! JcM Ih-sern A. 6n 600 14--12-51
"P1Io ••••
Cra...:!.>ei..n J0:l0 P. da Rilva 6H 700 23-12--.n
Serra N.~·.·.·.· .... Ca.cimhu Eduvrdo G. Ar&újo 3 000 000 31-12-42
Entre Se:rru :"rtt~ 10 Beeerra I 767 000 21- 7-b4
C1ic6 ·.·.·., _ . F. ~,ft"<:h·iroe:
Buhotoa de Bs iro 2 17~ 400 MlII.io 1~5~ - e-m C"onrlruçi<J
». ... 0·0··._ , ..•••. Paul.no Batat,a ?":":~;:10 Bat ista 514 240
Currs.is Novos " . t~mbunn.a. p~t!t!:'...:n. :\funicipal 305 926

Construidos .1<\ 1957: 15 .pdee com 20 55e 560 m3.


Em coaetruj-ão em maio de IÇ58: a .pdCl cem 2 çg<; 566 ",3.
FONTE: Depertemcnto ?-i.dona! de Obru Contrs •• Sêc••.

Açudes p:uticulares existentes em dezembro de ] 958 e const ruidos scrn a participação


do D;\,OCS

1'HI.\n:mA
CO.:\STIWÇAO
~1UNlc1PIOS Barreira Açu de co Açude

Data Norn«

Acari ...... · . · . ., . 10 2 O 876 Garrotes


rrur.6 ...... . . . . .. . · . · . . . . . ... 100 20 5 842 Recreio
.:arTlRúba... _ 28 7 2
Cerro COrá ........ 6 ti O Di\'isrw
Cruzeta ............. 10 5 3 1V03 Cauaçu
Currais Novos ......
Florânia .......... ·. .. . .. 10 7 O Passagcru
Jardim Piranhas ..... ' · . · . ... 6 o O 1895 Cacho do A nta
JlJ.rdim Seridó . .. . . . .. · . ... 80 10 1 1877 Comissão
Jucurutu ....... ........ 102 4 4 18-13/7 'ruilliu
Ouro Branco ............ l()() 48 O
l'arclhM .... " ..... 14 14 O 1870 Pé de Serra
S:ío Jo[o do Sabugi .... 26 3 O 1875 Carnaubinha
São Vicentq ....... . . ·. 6 4 O 1861 Enxu
Serra Negra. ....... 31 8 6 J846 Saudade

SERIDÚ (.) .. .. .. 529 144 21 1842 Recreio

. Oba. ~ Pa.ra facilit.ar a evehação da capacid nd e das n~prê.<.c.a.<).adotamos. na. en que t e rr-aliz.a da em dc'!'l958
u critério h.baix(j:
&) B •.rr eiro - açude Que, sangr ando, rcs iste at é 1 ano.
b) .A,;U(1<.~C') - a.çu do que, su nn rn nd o, re-Jste até 2 a noa.
c) Aç ud c '- açude que, ~angra.nd(J, rt":,,istü ma is de ~ anos.
(J~ La ccto o rnu uiripio de Currais Xovos,

227
IV
IV
00

II A~ri I Ceicó ) Cern. ) C. ('('>f1Í I Cru.. ) C. :-"<;.", .• ) FlfJr. , J. r",


I,. J. s". g ~,",'
srr'CAC'ÃO D,I,. fAt.:XA CI~E-
G~.TiC.1,. DO ,:.:t;]t IDÚ. H>H
l---'---"---'--~----- 1 _
I-=~I~I P"'IJ~,.""r I~I
1 ~ .s I s 3 I , ei~ EI~ $I~ 3;~ 31~ $i~ o
~fC!'<'lctrIO. Df l(.!i~ - , ;, i ~
, I
i;: ~i ~, ~ "'- :: ..:
1. Arara, :.~·a'; ,
-IJ ~ 11) ª
,I _ uu 1)0 I.·{J: -
::1 .I,.~.• Br"-!.·'J. U (;~ /.IJIt..'rII ..le'·'.1 L'( ; f.':: !- X ~'-l v I
J.\' I :1, ':;: ~ ~: :,
}:..:
;. ~;'\~:!~~-\':~;~~~~:~-f:I:~f1'I~r~
. r·; i ~:~ IIL; E:< 1 lX
LX
b
\ r .\
1.'
I:,
1,-
,.':,~i
l . \~.\ '1:'
I:'~'j~;:,:i, '
I!.:, :L~ ILX LX
5 C'!~l!to (Ú<Jú;;t'()(!.G GNr,",~. '- I - - I -- 11' (1\) (10 no, (,n
~ EIIl~ (H.htG <Jm~(a"(J) . (li \ : 00 I v ov (,
()lI 'J~ U l.~ U r::: I >I) EX U I1:X ()t) }:-l (lu
; } -.;r1., 'JJrt&Vn ntlahl.: ~.~ oo I!';~ oo rx J.', 1> ,
L; I'
li G.iin.h3 Dil(Wl (P."Ii!C'J1'm,f) LX EX j',,: EX 1-:X i.x i 1, ~ 1\ 1'X FX rx 1:X lt\ LX
~ GlI.rçn. ((&m. MIVitUo,) l.X 1 J:X I ~~ Y:: i.x EX i.x L: ),\ LX LX EX I.X EX i.x
10. G.t.o :\l.U'.•c~i" (h/" parJn!IIJ .. E:-i i.s ;'8 l.:-i EX f.~ ,., (, 1 J.~\ I,~~ ::.~' F..; },:o' 1-:.":
11 G.to Mourisco (ft! •• vou""f1.jn"li . 1:.:; 08 ES r,~ LX ri< F" },;'i J :: [:-; E:-\ r:-: F~
i:2. Oa.to \"r-rmclIlO 1ft/i. ,p.1... ..... i:: X ES I I zs rs EX 1::)" És I n:; " E.\ H.J ) ~: r.x 1::8 EX L~
:3. GaviA.o To..Iruna (f()"'.Juk,mIJ~G')... E5 E; lU ES i.x ES ~'.< l.:~ " J .. \ 1 :1 rx l-.~ {'.~ r~
14 Gl.Tilo \'f'~lho {ftllrl.Jaltonl4..o,l,. EX E~ EX 1:."" -.x EX 1.:X : 1::\ i t~ 1.X 1\ i.x LX ix EX
15. Gu.uioim IPrar:'l/on (QnmWf"u,).. E,S L!-' EB };~ EX EX :,X LX , ' 1,:< EX EX EX
li JILODI(PtU'TG}ocon.o.) .... '" L.:i ~X EX i.s E.X EX ::.~ ! ~:~ ES rx LX LX J.::X 1:.': LX
1i. Jaeu (PtTItlf1~ nl~n'li(Jr;,) o o o oo 00 ('U. 00 I I (I {l o 0\1 O O
18. Jandll.ia CFIJfJ&.p,\to..:icU".).. gg I ES ! 00 o U ES U '0- 00 L'; (J (I O r,~ ES
1~. Juriti (L~ila rvfarillIJ1..... EX EX' EX ES LX EX EX EJ( rx LX J:X E,X 1':8 E,~ 1",.3
20. M.Cl.tO(nI4~do • .s(••io.) "... lJ(j oo! - - ço o 00 - - 00. o (I. o ()O O ES
21. MaritaOloC& (Cmttp4lw mumn.),.. EX EX EX ES E:X rx EX rs
22. MarrtcU {Dendr?C"VÇ1UI ,',.).,.,.,.. EX EX EX ES EX r.X ~x : E,:; ~~ ! i: l :: ~:.~ :~~ r~
23. MertU1hlo (Podi.ot". G..ma.nUJ)\'.. EX sx EX' ES zx EX sx LX !-:l; l...\,. E:{ I ~~",X ,;X
H. Mocõ (1úrt<lott npt.fr'U).", EX ,:X ES ' oS EX LX ~; I ~~ I q .
f.... I'.ti I,:i L-l L:; .l',~ t.:-l
2$, Namoul (ram. rin4"'idtcI.), ..... EX i.x EX ES EX EX BX 1 ;;3 _ 1::X: 00 FX ~ ()I) LX 00 b no 1'.8 00 LX. O I::X oo
2~. 00." Pioud. ,felu 09110)........ 00 I - 00 , 00 00
27. OD.ts \'ermeI.!:a. ('du oon.w.",) .. ,'. ES EB O E8 EB ES
28. r•. p ••.• ic (jG"'. Pritaci4tt1l),.. 00 00 ES ES }.8 001 ~ ~
'{!I I'{!- g ~ ~ g ~ ~
o F.S: "
2~, Peba (EVJÀr4CI•.• JadndU') , . F:X I F.X B8 ES EX EX EX, E~ ,
30. G••te Prêsc (gttl. Ptsllftfr-td,,), .. ".,. EX EH ES ' J::X' ES r~ ~:~ :::~ i ~~
i~i ~~~ ~~~
ER , I EX EX
3J, Pato Putdào (~. Pol"'fJHdu).,.. ES f:S E.S ' 1-:8 . F.X E3 EX E8 »x r: X 1 EX , EX E~ I EX F.S
32, Piri lui10 UC.ffI. Pftl4dó(o.)" '... EX E8 EX: F,S ' EX EX lX 1::X t:X 00 r;x. o EX 00 EX OQ 1::X; 00 I EX 00 1:X o
33, Poeeo C2itetu (DicoMCI'aratn)., •.. 00 00 -, ()()i o 00 00 - -
34. Preito (Cez.w .,.111) .......•••.•. BX EX EX I ,,3 EX EX F.X nx F.X I:X FX rx E9 EX EX
35. Rapou (OI"ÍI "'"hu) ,.. , ' . EX B81 EXI sx );J( EJ( EX EX EX ES ' EX EX
31. Rlba<' (Z ••••••• ..na.z. ••) . EX ~~ gl ES i EJ( EX E~ ~l i r:x E8 EX fS! 1::X EX
37. &linha rCol"tnbo q.) . U EX EX EX EX EX EX E...'( zx : EX EX
EXoEJ:lo EX 1
3S. SacuUl (/a.t.. BopoJilko,) ~ O [8 ~i O I E8 o O 1':8 U U g g, ~
l". Siriema(MicrocMd •••• cnddtu) ...•. EX E8 EX' hS 1 EX i EX EX ES ;;J( EX EX EX ES EX ' ,~X
.o. 80cô Boi (01_ doi ANkiJI1fWUI) •.••• EX 1'.8 EJ( ES H EX EX , f;~ EX EX EX EX ES EX ' EX
H. Tamandul(/a"..Jlit'JJt,MIJGf1iIho.) ..• EX ES ES ;;8 EX ES ES o ES EX ES ES E8 ES ES
O. T.l"&I.(TtC'rpmu',;:ciftd •• )..... liS B8 o 1<0 <'8 E8 ES 00 o E8 o o 00 O .00
U. T.tu Verdadeiro (Droq-p..t M'teM-

•••••••)·,·········,··,,··,········IE8 E8 E8 E8 ES EX ES ES ES EX xx
••. Toj•••• (~'op;.;.) ..... , EX EJ( &X E8 tx U EX EX EJ: EX »s
<I, T_ (DMIoIJi •••• i •• )............. F.8
ESI
:
lU &X 1.8 EJ( U
Y.!!II 1I EX
IIE8 ES n EX ff g ~~ ~ii _1-
o o E8 E8 10:8 o o EB o o o o ;;5
EB
:;:~=~~=.r:..>:::.::::: 1 00 ()()-1- O o ()() ()() - - ()() 01 ()() ()() 00 o ,00
I
Obt. - A OOCll8tu:laturt. e"liflC& Que ori«:stA .•• '. "lac:1o roi oompilad. do lino Do. V.:.. u.. "'ouoa Á"r-a;., - Dr. R.. TQQ Ihuinc.
!X - Eli,t.nto - ES _ E:teutO - o - &J;,io.&o bí. drea dfJ 2.5 &Da. - (,0 - Ertinto bi. elrea d. :.o aaoe.

l~
REFER8NCL\S BffiUOGRAFICAS

AGUIAR, Martinz de - Os sinais de Galvão. RE~:.s:a cio Instituic do Ceara, tomo 48-49, 1934.

ATHA YDE, João Martins de - Suspiros de U"l sE~:anej0. Recite ,5. ed .. s. data). 16 p.
Atlas Pluviométrico do Brasil (1914-1938). Rio de Janeiro. Div. de Águas, Seco Hidrologia, DNPM do
Ministério da Agricultura, 1948. 109 p. (Bo., r.' 5 I.
AUGUSTO, José - Seridó. Rio de Janeiro, Borsoi Editor. 1954. 285 p.

BANCO DO NORDESTE DO BRASIL - Efeitos da seca sobre a economia agropecuária do Nordeste,


1958. Fortaleza, jan. 1959. 22 p. pub. n? 72.
BARROS Junior, F. - Caçando e pescando por todo o Bras:., São Paulo, Edições Melhoramentos.
BRAGA, Renato - Plantas do Nordeste, especialmente cio C€ara. Fortaleza, Centro de Divulgação
Universitária, 1953. 524 p.
Brasil em' Jornal. Rio de Janeiro, Editora Reforma, nv 18 ref. aos anos de 1556-7.
CAMARA, Arnphiloquio - Divisão Territorial do Estado. :\atal. :9:3.S. .Departamento Estadual de
Estatística - IBGE).
CARDOSO de Oliveira, J. M. Dois metros e cinco. 3~ ed. Rio de Janeiro. F. Briguiet, 19:3B. 4.32 p.
CASCUDO, Luís da Câmara - História do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Serviço de Do-
cumentação do Ministério da Educação e Cultura, 1955. 525 p.
__ Vaqueiros e cantadores. Porto Alegre, Liv. Globo, 1939. 274 p.

__ Quem deu nome à Serra do Doutor. A República, Natal, 30 maio e : jun .. :~:-
__ Tradições JX.:J:""..J..-€S da pecuária nordestina. Rio de Janeiro, Serviço de b.f::-:::.a.:ã: Agrico.a,
1957. 78 p.

__ Superstições e : :.,::" -:E5. Rio de Janeiro, Antunes e Cia. Ltda., 1958. 2&::.
__ Dicionário de ::::.:-;c ::-...,;;eiro. Rio de Janeiro, Instituto Nacional de' L'.~: ::<-~. oJô.: ;;..
CASTRO, José Luis de - '::.::::::buição para o dicionário da flora do :\ordeste b:a5~e:...-: b :.":;-: cia
Inspetoria Fecerz: j;c~,:-..., C:Jntra as Secas, Rio de Janeiro, julset.. :ft-:-.
CUNHA, Euclides da - Os sertões. 2' ed. Rio de Janeiro, Laemmert & C. w::::es. :"":.:
. .::~ p.
DANTAS, Manoe. - Homens de outrora. Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti Ec.tr res. :~:. :ôoJ p.
(Biblioteca de História Norte-Rio-grandense, 4).
DOMINGCES. Octavio -'- A cabra na paisagem do Nordeste. Fortaleza, Sec. c: E: :::.e:::o Agrícola
do Ceará. 1955. 72 p. (pub. nv 5).

229
__ (e outros) - Preseruaçtio e seleção das raças nativas de gado do Nordeste, Fortaleza. Sec. de Fo-
mento Agrícola do Ceará, 1956. 2, p. (pub. nv 9l.
DUQUE, J. G. - Solo e água no poligono da secas. 3' ed. Fortaleza, D};OCS. 1953.306 p. i Brasil.
MVOP. DNOCS. Série I-A. P·c:b.n 154,.
FARIA, Juvenal Lamartine de - \L:1:Clpios seridoenses (São Vicente). Tribuna do Norte. );ataL
1954.
__ Velhos costumes do rn e; ;;e::ãc T":~:..r:c do Sorte, Natal, 1954.
FARIA, Oswaldo Lamartir;e :'e - C a:-,~aç: &: C citeiros. Diário de Pernam buco, Recife, '2, jun. 1948.

_ Métodos de caca i - ;;e::"~.e:- ~.:::e-:::·;:-a:-,::'e:15e. Nordeete, Recife, anos II e IIl, fev/mar. e abr./-
jul., 19·±5.
__ Not as 50'8:e" ,x::eza. ,.;:::":::: _-€"':.::~.=:": .. Recife, maio 1948.
FREYRE. G::::e::: - .-:;,:: ~"::'::;"' S '''':::::.:: ~'ei. Rio de Janeiro, Editora Maia & Schmidt Ltda.,

__ Trajo. :'!'c::;:c: e ,,:-.::::::.p;;r:a::5:::'o. ~ C~_z",:":. R:c de .laneiro, 31 out. 1959.


GAL\-Ao. He.;o - '=1 -r::..::rj-j 'lS Sordes:E. Rio de .Ianeiro. Serviço de Informação Agrícola, 1959.
75 p. r Documentario da Vida Rura., n. 15'.
__ Tipos de povoamento do Rio Grande do );orte. Sociologia. São Paulo, out. 1953.
__ em precursor da açudagem. Diário de Natal, Natal, 14 maio. 1950.
GO:VIES, José Bezerra - O Seridó, Província de São Pedra, Porto Alegre.
GUERRA, Felipe - Secas do Nordeste. Natal, Centro de Imprensa S/A., 1951. 33 p.
IHERING, Rodolpho von - Da vida dos nossos animais (Fauna do Brasil). São Leopoldo, Rotermund
& Co., 1934. 319 p.

KOSTER, Henry - Travels in Brazil. Trad, bras. de Luís da Câmara Cascudo (Viagens ao Nordeste
do Brasil). São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1942. 595 p. (Biblioteca pedagógica brasileira.
Série 5~, Brasiliana, v. 221).
LESSA, C. Ribeiro de - Vocabulário da caça. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1944. 201 p.
LINS, Ulysses - Um sertanejo e o sertão. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1957. 387 p.
MAGALHÃES, Josa - Previsões folclóricas das secas e dos invernos no Nordeste brasileiro. Revista
do Instituto do Ceará, Fortaleza 56: 253·68. 1952.
Mapa do Estado do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro, IBGE, Conselho Nacional de Geografia, Div.
de Cartografia, 1957. Esc. 1:500.000.
MELO, Veríssimo de - O cavalo no adagiário brasileiro. Revista de Dialectologia Y Tradiciones Po-
pulares. Madrid, Tomo VII, Cuaderno 3", 1951.
MENEZES, Othoniel- Sertão de espinho e de flor. Natal, Departamento de Imprensa, 1952.270 p.
MORAES Silva, A. de - Dicionário da língua portuguesa. Lisboa, Típ. de Joaquim Germano de Sou-
za Neves, 1877. (2 v.).
MOTA, Leonardo - Os sinais de Galvão. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, Tomo LV.
__ Violeiros do Norte. 2- ed. Rio de Janeiro, Editora A Noite, 1955. 298 p.
NASCIMENTO, Fernando Melo do - Estudos sobre o melhoramento do algodão moeó (Tese aprêsen-
tada a ENA da Universidade Rural do Rio de Janeiro para cátedra de Agricultura e Genética es-
pecializadas). 1957. 50 p.
PEREIRA, C. J. da Costa - Artezanato e arte popular. Bahia, Ed. Cadernos de Desenvolvimento Eco-
nômico, 1957. 188 p.

230
PEREIRA, Nunes - A indústria pastoril no Rio Grande do Norte. Natal, Imprensa Oficial,
1928. 65 p.

PINTO, Estevão - Os indigenas c: S:"GE,:f ~ã.: FaL:::. C:ê.. Ec. );acional, 1935-8, 2 v. ilus.,
Biblioteca pedagógica brasi.e.ra. ~e:. E' 3:=.,:::=.::-_=. '.-:: XI..:'" ~~~,
__ Etnologia brasileira. São Pau.o. Cia. Eé.. );a(: :::", ~~"..: :E~a pedagógica brasilei-
ra. Ser. 5~ Brasiliana. v. 25-5 I.

RIBEIRO, José Assis-Boletim inicrmctu:o. Projet : ::":'~-=-.':" ?,c:.:e ê.:: . _~ ,-' .o.~. :::.:: "-lI,.
RODRIGUES de Carvalho - Cancioneiro do SortE. :2' ec ?ê.:ê..:=. :: ~, .:-:E ~
Paulo, 1928. 422 p.

SANTOS FILHO, Lycurgo - Uma comunidade rural do Brasi. ar:::';J .':"s;:,o~::s __ .:=. ::=':::ê.:~al
do sertão da Bahia nos séculos XVIII e XIX). São Paulo, Cia. Ecii:::" ); ê.:: - o ,-~ ~c p.
(Col. Brasiliana, grande formato, v. 9).

SARMIENTO - Facundo. Trad. bras. de Carlos Maul. 2" ed. Rio de -Iane.r
1938. 318 p.

SILVA, João José - Profecia da garça misteriosa. (s.l., ed. do proprietário, s. data I S p. ::-.::::E: ,::-.o:a,
do.

SOUZA, Gabriel Soares de - Tratado descritivo do Brasil em 1587. 3~ ed. São Paulo, Cia. Editora );a-
cional, 1938. 493 p.

SANTA ROSA, Jayme - Oleo de favela. Rio de Janeiro, Instituto Nacional de Tecnologia.
1943. 55 p.

VAR"",HAGEN, F. A. - História geral do Brasil. 4~ ed. São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1948.

\'AGELER, Paulo - Levantamento agrogeológico do Estado. Natal, Departamento de Imprensa,


1954. 142 p.

XA\lER. Clélia Vale - Esboço de um trabalho social na zona do Seridó. Natal, Tip. da Casa dos
Menores, 1953. 114 p. (Obs. transcrevendo Eloi de Souza, O calvário das seccs. Natal, Imp.
Oficial. 19:381.

OBS. Alguns versos populares aqui transcritos não trazem indicações bibliográficas, por nos terem
sido assim transmitidos.
AGRADECL'yfESTúS - Aos informantes que nos possibilitaram o levantamento da fauna cinegética
dos municípios: Acari - Pedro Pires de Medeiros; Caicó - Daniel Duarte Diniz; Carnaúba dos Dan-
tas - Waldemar Mede.ros: Cerro Corá - Francisco Canário; Cruzeta - Reinaldo Pereira; Currais
Novos - José Braz GaÍ\'ã,J: LJ!'imia - Francisco Nobre de Almeida; Jardim de Piranhas v-- ,José Rai-
mundo Cavalcanti; Jardírr; cio Ser.dó - Manoel Paulino dos Santos Filho e José do Patrocínio; Jucu-
rutu - João Augusto de Ara;:': Ouro Branco - Clovis Lamartine; Parelhas - Waldemar Araújo
Sampaio; São João do Sabug: - .:'I'-::1e: Fernandes da Costa; São Vicente - Metódio Fernandes; Serra
Negra do Norte - Arthephio Bezerra. A Maria Philomena de Carvalho e Ludy Veloso (datilografia de
quadros estatísticos e estêncil das e::=<',;e:e,'. Ricardo Werneck Aguiar (dados estatísticos), Ludemir de
Carvalho e Sérgio Oswaldo Cruz ca.cu.r s e analise}. Antônio Pinto de Medeiros, Petrônio Rezende e
Leonardo Bezerra (revisão e sugestões .. : :,e Augusto Bezerra de Medeiros, José Ariston Filho, L. Câ-
mara Cascudo e Hélio Galvào t consu.tas ~:\'ersasl.

231

Você também pode gostar