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Sebenta Imunologia

Baseada em:
- Slides das aulas teóricas
- Cellular and Molecular Immunology (7th Edition) - Abul K. Abbas

UCP Viseu

António Pimenta
Índice

Resposta do Sistema Imunológico a Tumores e a Transplantes ................................................. 1


Transplante e Imunologia......................................................................................................... 1
Conceitos gerais .................................................................................................................... 1
Complexo major de histocompatibilidade ................................................................................ 3
Distinção self/non-self .......................................................................................................... 4
Alo-reconhecimento direto e indireto .................................................................................. 6
Mecanismos de rejeição de enxertos ....................................................................................... 7
Prevenção e tratamento da rejeição......................................................................................... 9
Testes prévios........................................................................................................................ 9
Imunossupressores ............................................................................................................. 11
Tumores e imunologia ............................................................................................................ 12
Conceitos gerais .................................................................................................................. 13
Antigénio tumorais .................................................................................................................. 14
Produtos de genes mutados ............................................................................................... 14
Mecanismos de rejeição tumoral ............................................................................................ 15
Outros mecanismos............................................................................................................. 16
Mecanismos de evasão do tumor à Resposta Imunitária ....................................................... 16
Imunoterapia para tumores .................................................................................................... 17
Estimulação do sistema imunitário ..................................................................................... 18
Doenças causadas pela resposta do sistema imunitário........................................................... 19
Hipersensibilidade ................................................................................................................... 19
Hipersensibilidade tipo I (Imediata) ........................................................................................ 20
Conceitos gerais .................................................................................................................. 20
Mecanismo .......................................................................................................................... 21
Manifestações clínicas......................................................................................................... 22
Terapêutica ......................................................................................................................... 24
Hipersensibilidade tipo II......................................................................................................... 25
Hipersensibilidade tipo III........................................................................................................ 26
Terapêutica (Hipersensibilidade tipo II e III) ....................................................................... 27
Hipersensibilidade tipo IV ....................................................................................................... 27
Mecanismos (Hipersensibilidade tardia – DTH) .................................................................. 27
Terapêutica ......................................................................................................................... 28
Quadro resumo Hipersensibilidade ........................................................................................ 28
Imunodeficiências congénitas e adquiridas............................................................................... 29
Imunodeficiências congénitas ................................................................................................ 29
Defeitos na maturação dos linfócitos ..................................................................................... 29
Defeitos na maturação das células B .................................................................................. 30
Defeitos na maturação das células T................................................................................... 31
Terapêutica associada a defeitos na maturação dos linfócitos .......................................... 31
Defeitos na ativação e funcionamento de linfócitos .............................................................. 32
Deficiências na produção de anticorpos ............................................................................. 32
Deficiências MHC Classe II ou TCR ...................................................................................... 32
Defeitos na imunidade inata ................................................................................................... 33
Imunodeficiências adquiridas ................................................................................................ 34
Infeção por HIV – SIDA ........................................................................................................ 35
Generalidades ..................................................................................................................... 35
Genes e estrutura do HIV .................................................................................................... 36
Ciclo de vida do HIV............................................................................................................. 37
Patogénese da infeção por HIV – SIDA................................................................................ 38
Terapêutica ......................................................................................................................... 39
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Resposta do Sistema Imunológico a Tumores e


a Transplantes

Transplante e Imunologia

Para uma melhor compreensão dos assuntos abordados nesta sebenta, irão ser
clarificados diversos conceitos, ao longo dos vários capítulos.
Transplantação – O processo que envolve a transferência de células, tecidos,
ou órgãos (ex. enxertos) de um individuo para outro ou de um determinado local
para um local diferente no mesmo indivíduo. A transplantação é usada para tratar
diversos tipos de doenças e o maior inconveniente que poderá surgir neste
processo é a reação imunológica (rejeição) contra o enxerto transplantado.
Neste tipo de reação imunológica, o sistema imunitário não estará a responder
contra microrganismos, mas sim contra células percecionadas como estranhas
ao organismo. Virtualmente, os antigénios responsáveis pela resposta imunitária
podem ser expressos por qualquer tipo de célula. Existe um envolvimento
substancial de linfócitos T citolíticos (CTLs) neste tipo de resposta.
De notar que, em matéria de transplantes, a resposta imunitária é indesejável,
logo torna-se importante proceder-se a tratamento pós-transplante que visa
atenuar ou suprimir a resposta imunitária. Em matérias de tumores, a resposta
imunitária é desejável e portanto o tratamento visa potenciar a resposta.

Conceitos gerais

 Autotransplante (autólogo) – tecido ou órgão transplantado no mesmo


indivíduo (dador = recetor). Ex: Enxertos de pele.

 Isotransplante (singénico) – o dador e recetor são geneticamente


idênticos, gémeos homozigóticos, sendo que a possibilidade de rejeição
nestes casos é mínima.

 Alotransplante (alogénico) – o dador e o recetor são da mesma espécie,


mas geneticamente diferentes. Tipo de transplante mais frequente.

 Xenotransplante (xenogénico) – o dador e o recetor são de espécies


diferentes. Ex: Válvulas cardíacas (Porco  Humano)

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Os auto e isotransplantes, são tolerados pelo recetor. Os alo e xeno


transplantes são rejeitados pelo recetor. Essa rejeição é determinada por genes
expressos em todos os tecidos.
Tolerância – o sistema imunitário não produz resposta contra o(s) antigénio(s),
devido a inativação ou morte dos linfócitos específicos para esse tipo de
antigénio. A tolerância aos antigénios próprios (self) é uma característica normal
do sistema imunitário. No entanto, a exposição a antigénios non-self pode induzir
tolerância a esses antigénios e conduzir também à não tolerância a antigénios
self.

Experiências vieram a comprovar que a rejeição de transplantes se deve a


resposta do sistema imunitário.

Figura 1 – Primeira e segunda rejeição do aloenxerto – Um rato B irá rejeitar


um enxerto de um rato A (First set rejection). Esse rato B, que já está
previamente sensibilizado (memória) a um enxerto do rato A, quando recebe um
novo enxerto do rato A, irá rejeitá-lo. Quando um rato B recebe um enxerto de
um rato A e linfócitos de um rato B sensibilizado (memória), irá também rejeitar
o enxerto.

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Complexo major de histocompatibilidade

As moléculas responsáveis por quase todas as reações rápidas de rejeição são


designadas moléculas do complexo major de histocompatibilidade (MHC).
A maioria dos transplantes, exceto entre gémeos homozigóticos, irá ser rejeitada
porque as moléculas MHC são virtualmente expressas na superfície de todos
os tecidos. A função das moléculas MHC é apresentar, péptidos provenientes
de proteínas antigénicas, aos linfócitos T.

De notar que as moléculas MHC são provenientes de genes HLA (Human


Leukocyte Antigen) residentes no cromossoma 6. Em matéria de transplantes,
MHC e HLA são referidos indistintamente.
As moléculas MHC são divididas em duas classes:
MHC Classe I – proteína polimórfica presente na membrana de todas as células,
que apresenta péptidos antigénicos a linfócitos T CD8 + (CTLs). Regra geral, os
péptidos apresentados provêm do citoplasma da célula. Ex: Proteínas virais.
Como foi referido, as células apresentam MHC Classe I, no entanto, condições
de stress celular ou infeção por vírus podem resultar na expressão anormal ou
não expressão do MHC Classe I.

Figura 2 – As proteínas antigénicas são processadas no citoplasma por


proteossomas, sendo os péptidos transportados para o reticulo endoplasmático
(ER), onde irão associar-se a moléculas MHC Classe I.
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MHC Classe II – proteína polimórfica presente na membrana das células


apresentadoras de antigénio (APCs), ex. células dendríticas e linfócitos B, que
apresenta péptidos antigénicos aos linfócitos T CD4+ (Helper).

Figura 3 - Proteínas antigénicas extracelulares são endocitadas em vesículas


onde irão ser processadas. No retículo encoplasmático (ER) são produzidas as
moléculas MHC Classe II. Estas moléculas serão transportadas em vesículas
que se irão fundir com as vesículas endocíticas que contêm os péptidos
antigénicos. Desta fusão surge a associação do péptido antigénico à molécula
MHC Class II.

Nota: Como foi anteriormente referido, as moléculas MHC são altamente


polimórficas. Cada ser humano expressa diferentes alelos MHC (I e II) herdados
dos progenitores, resultando numa combinação única de moléculas MHC.

Distinção self/non-self

Quando os linfócitos gerados nos órgãos linfoides expressam recetores que


reconhecem antigénios, são sujeitos a processos de seleção positiva e negativa.
Importante rever conceito de tolerância.
Na seleção positiva, os linfócitos que têm fraca avidez para os antigénios
próprios (self) são selecionados. Irão entrar nos tecidos linfoides periféricos,
onde irão responder a antigénios estranhos (non-self).
Na seleção negativa, os linfócitos com elevada avidez, que reconhecem
antigénios self recebem sinais para morte celular ou rearranjo dos recetores.

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Figura 4 – Nesta figura, são ilustrados ambos os processos de seleção, bem


como, a ativação dos linfócitos que foram selecionados positivamente.

Nota: tal como os antigénios non-self são reconhecidos, também os MHC non-
self são reconhecidos pelos recetores dos linfócitos. Portanto, neste caso,
considera-se MHC non-self um aloantigénio. Sendo assim, quando temos a
apresentação de um péptido self ou non-self por um MHC non-self, ocorre
ativação de linfócitos T resultando uma reação cruzada de forte intensidade.

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O MHC self apresenta um antigénio non-


self ao recetor de um linfócito T,
selecionado para reconhecer fracamente
MHC self, mas para reconhecer
fortemente o complexo MHC Self –
Antigénio Non-self.

O linfócito T reconhece o MHC alogénico,


apesar de estar a apresentar péptido self.

Alo-reconhecimento direto e indireto

O reconhecimento de moléculas MHC alogénicas de um enxerto pelos linfócitos


T, pode ocorrer de dois modos: direto e indireto.
Direto – reconhecimento de moléculas MHC intactas (não processadas), pelos
linfócitos T aloreativos e ataque das células do aloenxerto. Este tipo de
reconhecimento é muito importante na rejeição aguda mediada por CTLs (CD8 +).

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Indireto – endocitose de moléculas MHC (aloantigénios) e processamento das


mesmas, pelas células apresentadores de antigénios (APCs). Irá ser
apresentado o péptido antigénico por um MHC self. Consequentemente irá haver
a ativação de linfócitos T. Este tipo de reconhecimento é muito importante na
rejeição crónica, mediada por T Helper (CD4+).

Mecanismos de rejeição de enxertos

Rejeição hiperaguda – é caracterizada pela obstrução trombótica dos vasos


que irrigam o enxerto. Ocorre minutos ou horas após o transplante. É mediada
por anticorpos pré-existentes no sistema circulatório do recetor, que se ligam aos
antigénios presentes no endotélio dos vasos do enxerto. Consequentemente há
a formação de um trombo que impede o suprimento sanguíneo do enxerto
levando à necrose isquémica do mesmo.
Este tipo de rejeição pode ser evitado se for feita avaliação prévia da presença
de anticorpos no recetor contra antigénios do dador.

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Rejeição aguda – neste processo de rejeição ocorre lesão do parênquima e dos


vasos sanguíneos do enxerto. Ocorre dias/semanas após o transplante. É
mediada por linfócitos T (CD8+ que destroem as células parenquimatosas e
endoteliais do enxerto) e anticorpos aloreativos (contribuem para a lesão
vascular). É a principal causa de rejeição precoce.
Este tipo de rejeição pode ser evitado por administração de imunossupressores
(Ex. Anticorpo Monoclonal Anti-CD3).

Rejeição crónica - é caracterizada pela aterosclerose dos vasos do enxerto.


Está relacionada com a proliferação do músculo liso que irá resultar no
estreitamento do diâmetro do lúmen dos vasos. Pode levar a oclusão luminal
vascular, fibrose e consequente necrose isquémica. Ocorre meses/anos após o
transplante. É mediada por linfócitos T aloreativos (CD4+ que secretam citocinas
que estimulam a proliferação de fibroblastos e células do músculo liso vascular.

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Prevenção e tratamento da rejeição

Testes prévios

Tissue typing – baseia-se na verificação da correspondência de alelos HLA


entre o dador e o recetor. Este teste assumiu um papel muito importante até à
generalização do uso de imunossupressores, pois atualmente perdeu
importância devido à demora inaceitável na obtenção da correspondência.

Teste para avaliação de anticorpos pré-existentes:


Cross-matching – Pretende avaliar a existência de anticorpos que possam
reagir com as células do dador. O soro do recetor é incubado juntamente com
células (linfócitos presentes no sangue) do dador. Em seguida o complemento
pode ser adicionado a esta mistura e verificar se ocorre lise das células do dador.
Se ocorrer lise, temos um teste positivo e portanto o dador não é “compatível”
com o recetor.
Como referido anteriormente, este tipo de teste é muito importante para evitar a
rejeição hiperaguda.

Nota: Nas transfusões de sangue, os médicos terão de ter em conta os tipos de


antigénios expressos nas hemácias e os tipos de anticorpos presentes no
recetor.

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Reação linfocitária mista (MLR) – procede-se à incubação de linfócitos T


aloreativos de um indivíduo com leucócitos (com antigénios MHC) de outro.
Avalia-se a magnitude da resposta dos linfócitos T, a partir da proliferação dos
linfócitos e secreção de citocinas. Este teste assume um bom valor preditivo
quando à compatibilidade do transplante.

Figura 5 – Células estimuladoras de um dador Y, ativam e causam expansão


clonal de dois tipos de linfócitos T do recetor X. CD4+ reconhecem MHC Classe
II do dador Y. CD8+ reconhecem MHC Classe I do dador Y. Enquanto os CD4+
se diferenciam em T Helper (que secretam citocinas), os CD8 + diferenciam-se
em T CTLs (citolíticos), que irão induzir lise das células que expressam aquele
MHC Classe I.

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Imunossupressores

Os fármacos imunossupressores que inibem proliferação ou ativação, ou


eliminam linfócitos T, são os mais utilizados no tratamento e prevenção da
rejeição. São utilizados também anti-inflamatórios que visam a diminuição da
produção de TNF e IL-1 por macrófagos. Em fase experimental estão anticorpos
monoclonais que realizam, por exemplo, inativação específica de antigénios de
superfície de linfócitos T.

Fármaco Mecanismo de ação

Bloqueia a produção de citocinas pelas


Ciclosporina e
células T, inibindo o fator de transcrição
FK506
NFAT.
Bloqueia a proliferação dos linfócitos,
Micofenolato mofetil inibindo a síntese do nucleótido guanina.

Bloqueia a proliferação dos linfócitos,


Rapamicina inibindo a sinalização de IL-2.

Reduzem a inflamação, inibindo a


Corticosteroides secreção de citocinas pelos macrófagos.

“Esgota” as células através da ligação ao


Anticorpo
CD3 e promovendo fagocitose e lise
Monoclonal
mediada pelo complemento. Usado para
Anti-CD3
tratar a rejeição aguda.
Inibe a proliferação de células T,
bloqueando a ligação da IL-2. Pode
Anticorpo Anti-IL2
também opsonizar e ajudar na eliminação
Recetor
das células T que expressam o recetor
para IL-2.
Inibe a ativação das células T bloqueando
a ligação do co estimulador B7 à célula T
CTLA4-Ig
CD28. Usado para induzir tolerância
(experimental).
Inibe os macrófagos e a ativação
endotelial, bloqueando o ligando de
Ligando Anti-CD40
células T CD40 que se liga ao macrófago
CD40 (experimental).

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A ciclosporina é considerada um marco histórico em transplantação, sendo muito


útil no controlo da rejeição hiperaguda. Mecanismo de ação: Bloqueia a produção
de citocinas pelas células T, inibindo o fator de transcrição NFAT.

Figura 6 – Esquema que ilustra o mecanismo de ação dos fármacos


imunossupressores.

No entanto, existem desvantagens substanciais associadas à imunossupressão.


Resulta numa maior suscetibilidade a infeção e cancro, devido à diminuição das
células responsáveis pela defesa imunitária. Os fármacos imunossupressores
podem também induzir determinados efeitos colaterais. Por outro lado, podem
não ser efetivos a longo prazo (Controlo da rejeição crónica?).

Tumores e imunologia

No tema dos tumores, encontramos pontos em comum com o tema dos


transplantes, pois o sistema imunitário também não responde a microrganismos
mas a células não infeciosas percecionadas como estranhas ao organismo, os
antigénios responsáveis pela resposta imunitária podem ser virtualmente
expressos por qualquer tipo de célula e há um envolvimento substancial de
linfócitos T citolíticos (CTLs) nessa mesma resposta.
Neste caso, ao contrário dos transplantes, a resposta imunitária é desejável e o
tratamento visa potenciar a resposta.

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Conceitos gerais

Imunovigilância – função fisiológica do sistema imunitário: reconhecimento e


destruição de clones de células transformadas, antes que elas proliferem em
tumores, ou destruição de tumores depois de formados. Este conceito é utilizado
no senso comum para descrever a função dos linfócitos T: detetar e destruir
qualquer célula (não necessariamente tumoral) que expresse antigénio non-self.

Figura 7 – Nesta imagem, temos ilustrada uma experiência, em que, se induziu


a formação de um sarcoma num rato, colocando MCA (chemical carcinogen
methylcholanthrene) na sua pele. Desse rato foi retirada parte do tumor
cirurgicamente e foram isoladas células T CD8+. Em seguida foram
transplantadas células desse tumor para o mesmo rato e verificou-se que não
havia crescimento tumoral. No entanto, verificou-se que transferir células
tumorais para um rato geneticamente idêntico (syngeneic) resultava em
crescimento tumoral. Em seguida, transferiram-se as células CD8+ (isoladas do
outro rato), para esse rato e verificou-se a erradicação do tumor.

Nesta experiência evidenciaram-se características do sistema imunitário, tais


como, especificidade, memória e ação fundamental dos linfócitos.
Na década de 50, observações histológicas permitiram observar infiltrados
linfocitários ao redor de alguns tumores. Verificou-se que os indivíduos com
imunodeficiências tinham uma grande incidência de tumores. Concluindo-se
assim que a resposta imunitária interfere com o crescimento do tumor.

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No entanto, a resposta imunitária falha frequentemente na prevenção de


tumores. Há várias razões para que isso aconteça:
 As células tumorais são derivadas do próprio indivíduo, sendo muito
semelhantes às células normais (não alteradas);

 A maioria dos tumores são fracamente imunogénicos, ou seja, induz uma


resposta imunitária muito fraca (pouco competente);

 A rapidez de crescimento do tumor “abafa” a capacidade de controlo


tumoral por parte do sistema imunitário;

 Por último, grande parte dos tumores tem mecanismos especializados


que evitam a resposta imunitária.

Antigénio tumorais

Antigénio tumoral especifico – antigénio cuja expressão é restrita a um tumor


em particular e que não é expresso por células normais. É importante o
conhecimento destes antigénios para se poder potenciar respostas imunitárias
anti tumor.
Por outro lado, existem antigénios tumorais que são normalmente expressos em
células normais (tumor-associated antigens), em que na maioria dos casos há
expressão aberrante ou desregulada deste tipo de antigénios no tumor.

Produtos de genes mutados

Oncogenes e genes de supressão tumoral mutados, produzem proteínas que


diferem das proteínas normais, sendo reconhecidas como antigénios tumorais.
As mutações podem ser: deleções, translocações cromossómicas, ou inserções
virais.
Os produtos (proteínas non-self) destes genes mutados são sintetizados no
citoplasma, portanto poderão entrar na via de processamento MHC Classe I. Por
outro lado, essas proteínas também poderão entrar na via de processamento
MHC Classe II, quando células apresentadoras de antigénios (APCs) fagocitam
células tumorais mortas.

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Proteínas self mutadas, sobre expressas ou com expressão aberrante


também poderão seguir as vias de processamento MHC com vista a eliminação
por linfócitos T CD8+.
Por fim, existem vírus oncogénicos, que alteram o DNA resultando na síntese
de proteínas non-self (péptidos virais) que irão entrar nas vias de processamento
MHC Classe I. Como exemplo, o vírus Epstein-Barr (EBV) está associado a
linfomas de linfócitos B e carcinoma da nasofaringe.

Mecanismos de rejeição tumoral

O mecanismo principal da resposta imunitária a um tumor é a eliminação das


células tumorais pelos linfócitos T CD8+. Estes linfócitos têm função de vigilância,
reconhecem os péptidos associados a MHC Class I e erradicam as células
malignas. Os linfócitos encontrados nos infiltrados linfocitários ao redor dos
tumores sólidos – tumor infiltrating lymphocytes (TILs) – contêm linfócitos CTLs
com capacidade para eliminar o tumor.

Figura 8 – A) Carcinoma medular da mama; B) Melanoma maligno. As setas


vermelhas indicam as células malignas. As setas amarelas indicam os
infiltrados inflamatórios.

Como a maioria dos tumores não são derivados de APCs e não expressam co
estimuladores necessários para a resposta de células T ou MHC Classe II que
estimulam diferenciação T Helper que promove diferenciação T CTLs, é
necessário o processamento e apresentação de antigénios tumorais (cross-
priming) por APCs, nomeadamente células dendríticas, via MHC Classe I.

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A importância dos linfócitos T helper CD4+ na resposta imunitária ao tumor é


pouco clara. Estes linfócitos reconhecem péptidos apresentados via MHC Classe
II e terão função importante no desenvolvimento de resposta efectora dos
CTLs, através da libertação de citocinas. Como exemplo, as citocinas TNF e INF-
γ potenciam a expressão de MHC Classe I pelas células tumorais.

Outros mecanismos

Linfócitos B e anticorpos – os anticorpos podem eliminar o tumor ativando o


sistema do complemento ou participando na resposta mediada por células NK e
macrófagos que medeiam a resposta citotóxica (eliminação do tumor). No
entanto, este mecanismo de eliminação é apenas largamente demonstrado in
vitro.
Células NK e macrófagos – as células NK são eficientes na ausência de MHC
Classe I (mecanismo de evasão abordado mais à frente). Existe evidência in vitro
da capacidade de os macrófagos ativados induzirem a morte de células tumorais.
A relevância in vivo destes mecanismos é controversa.

Mecanismos de evasão do tumor à Resposta Imunitária

Como foi abordado anteriormente, existem obstáculos associados à resposta


imunitária a tumores. Um desses obstáculos são os mecanismos de evasão.
Redução da expressão de MHC – como a célula deixa de expressar moléculas
MHC Classe I, então deixa de apresentar antigénios tumorais aos linfócitos T
CD8+. É um mecanismo de evasão muito comum. Como referido anteriormente,
as células NK podem ser um mecanismo alternativo de defesa.

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Redução da expressão do antigénio tumoral – a célula deixa de expressar o


antigénio tumoral responsável pela resposta imunitária e se este não for
essencial ao desenvolvimento do tumor, este continuará a crescer. É comum em
tumores de crescimento rápido (elevada taxe de mutação).

Produção de substâncias imunossupressoras – a célula tumoral passa a


produzir grandes quantidade de moléculas que suprimem a resposta imunitária,
tal como, TGF-β que inibe a proliferação e ação de linfócitos e macrófagos.

Outros mecanismos:
Indução de tolerância a antigénios tumorais – apresentados sob forma
tolerogénica.
Inacessibilidade dos antigénios tumorais de superfície – revestimento por
parede polissacarídea.

Imunoterapia para tumores

A farmacoterapia convencional (quimioterapia e radioterapia) é pouco específica,


assumindo um baixo perfil de segurança. Em contraste, a imunoterapia permitirá
tirar partido da especificidade da resposta imunitária para erradicar
seletivamente o tumor sem causar dano ao paciente.

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Estimulação do sistema imunitário

Imuno-estimulantes inespecíficos:
- Estimulantes da inflamação (ex. bacilo Calmette-Guerin – BCG) administrados
localmente, promovem a ativação de macrófagos.
- Agentes que funcionam como ativadores policlonais de linfócitos.

Citocinas e co-estimuladores:
- Administração local ou sistémica de citocinas (IL-2, INF-α, TNF…)
- Transfecção ex vivo de células tumorais com gene que codifica para IL-2, outras
citocinas (ex: IL-4, INF-γ,GM-CSF) ou co-estimulador (ex. B7).

Imunização passiva
Anticorpos monoclonais (mAB) – reconhecem especificamente determinado
antigénio tumoral, opsonizando a célula tumoral conduzindo à sua destruição
através da ativação do complemento ou por ação tóxica da toxina acoplada ao
anticorpo. Ex: mAB anti-HER2 (mama)
Imunoterapia celular – são isolados os linfócitos T que reconhecem o tumor, é
feita expansão ex vivo (com IL-2) e por fim é feita readministração ao paciente.
Este é um tratamento promissor, mas ao contrário dos mABs, ainda não foi
aprovado.

Imunização ativa
Vacinação com células ou antigénio tumorais:
- Administração de células tumorais mortas ou antigénios tumorais purificados
com adjuvantes.  Resultados fracos
- Administração de plasmídeos com cDNA codificante para antigénios tumorais
(vacinas de DNA).  Promissor
- Administração de células dendríticas próprias expostas ex vivo a células ou
antigénios tumorais.  Forte resposta CTL

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Doenças causadas pela resposta do sistema


imunitário

Hipersensibilidade

Várias doenças são causadas pela resposta imunitária a antigénios ambientais


(nonmicrobial), envolvendo células Th2, imunoglobulina E (IgE), mastócitos e
eosinófilos.
Quando os anticorpos IgE se ligam ao antigénio as células são rapidamente
ativadas libertando uma grande quantidade de mediadores, causando
vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e contração do músculo liso
(bronquial e visceral).
Esta reação é designada Hipersensibilidade Imediata, pois ocorre rapidamente
(minutos após contacto com o antigénio). Após a resposta imediata, ocorre uma
resposta inflamatória de desenvolvimento mais lento, designada fase tardia.
Em contexto clínico, estas reações são chamadas alergias ou atopias.

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Hipersensibilidade tipo I (Imediata)

É a desordem mais comum do Sistema Imunitário afetando cerca de 20% da


população. Causada por exposição repetida ao antigénio ambiental. Estando
também relacionada com predisposição genética.
Exemplos: rinite alérgica, alergias alimentares, asma e anafilaxia.

Conceitos gerais

Envolve a produção de anticorpos IgE em resposta a antigénios ambientais e


desgranulação dos mastócitos na reexposição ao antigénio.
Consequências: Aumento da permeabilidade vascular, contração do músculo
liso e inflamação.

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Mecanismo

Na fase de exposição inicial ao antigénio ambiental (pólen, alimentos, pelo,


venenos, fármacos…), as células dendríticas do epitélio capturam o antigénio,
transportam-no até aos nódulos linfáticos, processam-no e apresentam-no aos
linfócitos T CD4+. Ocorre diferenciação destes linfócitos em linfócitos T h2 que
secretam IL-4 e IL-13. Estes linfócitos pela ação das citocinas IL-4, IL-13 e do
ligando CD40 induzem a produção de anticorpos IgE pelos linfócitos B.
A IL-13 por exemplo, estimula a produção de muco pelas células epiteliais.

Na fase de sensibilização verifica-se a ligação dos IgE, específicos para o


antigénio ao qual o individuo é alérgico, aos recetores Fc dos mastócitos.

Na fase de reexposição ao antigénio, verifica-se a ligação deste aos IgE


específicos ligados aos recetores Fc dispostos na superfície dos mastócitos.
Ocorre uma cascata de sinalização que culmina na ativação dos mastócitos.

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De notar na imagem anterior que a ativação dos mastócitos induz:


Na fase imediata:
 Desgranulação (libertação rápida do conteúdo de grânulos preformados):
- Aminas vasoactivas (ex. histamina) que irão aumentar a vasodilatação,
permeabilidade vascular e contração do músculo liso;
- Proteases que conduzem a dano tecidular local.

 Síntese e secreção de mediadores lipídicos:


- Prostaglandinas que conduzem a vasodilatação;
- Leucotrienos que conduzem a contração do músculo liso.

Na fase tardia:
 Síntese e secreção de citocinas:
- TNF, IL-4, IL-5 que conduzem ao recrutamento de leucócitos que resultam em
inflamação local e dano tecidular.

Manifestações clínicas

As manifestações clínicas dependem do local onde ocorre a ativação dos


mastócitos e portanto a severidade é variável. Sendo assim:

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Figura 9 – Após 5-10 minutos de contacto com o antigénio, as modificações


vasculares que surgem durante a hipersensibilidade imediata são evidenciadas
por eritema ou rubor (cor avermelhada), devido à vasodilatação, e pápula
(lesão sólida elevada da pele) devido ao aumento da permeabilidade vascular e
vazamento do plasma para o espaço intersticial.

Atopia Manifestações clínicas

Aumento da secreção de muco;


Rinite alérgica, Sinusite inflamação das vias respiratórias
superiores, seios.
Aumento do peristaltismo devido á
Alergia alimentar
contração dos músculos intestinais

Causada pela contração do músculo


liso; inflamação e danos teciduais
Asma causados pela fase final da RI
(eosinófilos e neutrófilos)

Anafilaxia - Reações Diminuição da pressão sanguínea


anafiláticas - (choque) causada pela vasodilatação;
(causadas por drogas, obstrução das vias respiratórias devido
comida, picada de abelha) a edema da laringe

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Terapêutica

Síndrome Terapia Mecanismo de ação

Contração vascular do
músculo liso; aumenta
o débito cardíaco
Anafilaxia Epinefrina (Adrenalina)
(contrariando o
choque); inibe a
desgranulação
Corticosteroides Reduzem a inflamação
Asma brônquica Relaxamento do
Inibidores da
músculo liso dos
fosfodiesterase
brônquios
Desconhecido; talvez
Dessensibilização iniba a produção de
(administração repetida IgE e aumente a
de pequenas doses do produção de outras Ig;
alergénio) talvez induza a
Maioria das tolerância de células T
doenças
Neutraliza e elimina as
alérgicas Anticorpos Anti-IgE
IgE
Bloqueiam a ação da
Anti-histamínicos histamina nos vasos e
no músculo liso
Cromolina Inibe a desgranulação

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Hipersensibilidade tipo II

Esta desordem é comum, mas não tanto como a tipo I, sendo mediada por
anticorpos IgM, IgG contra antigénios da superfície celular ou da matriz
extracelular, resultando em dano nos tecidos. Os mecanismos envolvidos
nesses danos são a opsonização e fagocitose das células, ativação do
complemento e recrutamento/ativação de neutrófilos e macrófagos. Observam-
se ainda anormalidades na função da célula (ex. inibição da ligação de uma
hormona ao seu recetor).

Figura 10 – A) Os anticorpos opsonizam a célula e podem ativar o complemento,


que por sua vez induz a fagocitose (C3b + Fc). B) Os anticorpos recrutam
leucócitos ou ativam o complemento que por sua vez induz maior recrutamento
devido à libertação de componentes quimo táticos (C5a e C3a). C) Estimulação
de um recetor (normalmente estimulado por hormona) através de anticorpo
(Doença de Graves – Hipertiroidismo). Inibição da ligação dos
neurotransmissores (ACh) aos recetores ACh do músculo (Miastenia grave).
As manifestações deste tipo de hipersensibilidade confinam-se ao tecido/órgão
onde está localizado o antigénio alvo.

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Hipersensibilidade tipo III

Esta desordem é mediada por anticorpos IgG e IgM que formam


imunocomplexos com antigénios solúveis. Estes imunocomplexos depositam-
se nos vasos, em locais de menor turbulência ou menor pressão, e em várias
localizações causando inflamação e dano tecidual.
As manifestações deste tipo de hipersensibilidade são sistémicas (ao contrário
da hipersensibilidade tipo II). Ex. Vasculite, artrite, nefrite,….

Tanto a Hipersensibilidade tipo II como a tipo III podem resultar em mecanismos


autoimunes, em que os antigénios dos tecidos do indivíduo são reconhecidos
como non-self por anticorpos específicos. Ocorre libertação de ROS (espécies
reativas de oxigénio), enzimas lisossomais e estimulação da fagocitose,
resultando em inflamação e dano tecidual.
Ex. Febre reumática originada pela deposição no músculo cardíaco de
anticorpos anti-Streptococcus após infeção por este agente (reação cruzada).
Glomerulonefrite originada pela deposição nos glomérulos renais de
imunocomplexos após infeção por Streptococcus.

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Terapêutica (Hipersensibilidade tipo II e III)

A terapêutica associada a estes dois tipos de hipersensibilidade, que têm


diversos pontos em comum, visa:
 Limitar a inflamação e suas consequências, através de administração de
corticosteroides e plasmaferese (diminui níveis de anticorpos e
consequentemente imunocomplexos circulantes).

 Inibir a produção de auto-anticorpos através de novas abordagens:


- Bloqueio do ligando CD40 (linfócitos THelper)
- Indução de tolerância

Hipersensibilidade tipo IV

Está a ser reconhecido um envolvimento crescente desta desordem em doenças


autoimunes.
A doença autoimune, neste caso, é limitada aos tecidos/órgãos que expressam
o antigénio alvo. Por exemplo, na tuberculose, M. tuberculosis é difícil de
erradicar e portanto a resposta inflamatória é crónica. Na Hepatite vírica,
verifica-se a destruição de hepatócitos infetados através da ação de CTLs,
causando lesão hepática.

Mecanismos (Hipersensibilidade tardia – DTH)

Neste caso, a lesão dos tecidos é devida a linfócitos T que induzem inflamação
ou aniquilam diretamente células alvo. Intervêm linfócitos T CD4+ que se
diferenciam em Th1 e Th17 que secretam citocinas pro-inflamatórias. A lesão do
tecido propriamente dita é causada essencialmente pelos macrófagos e
neutrófilos. No entanto pode ser também causada pelos CTLs.

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Terapêutica

Neste tipo de desordem, a terapêutica associada visa:


 Redução da inflamação através de corticosteroides e antagonistas de
citocinas.

 Inibição da resposta dos linfócitos T (imunossupressão), através da


ciclosporina e novas abordagens:
- Antagonistas de recetores de citocinas (ex. IL2)
- Bloqueio de co-estimuldores (ex. B7)
- Indução de tolerância

Quadro resumo Hipersensibilidade

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Imunodeficiências congénitas e adquiridas

Como se sabe a importância da manutenção da integridade do sistema


imunitário é fundamental. Defeitos num ou mais componentes do sistema
imunitário podem levar a desordens sérias que poderão ser mesmo fatais. Estes
defeitos designam-se imunodeficiências.
As imunodeficiências dividem-se em dois grupos: congénitas e adquiridas.
As imunodeficiências congénitas ou primárias são defeitos genéticos que
resultam no aumento da suscetibilidade a infeção. Manifestam-se
frequentemente na infância mas também poderão ser apenas detetadas na
idade adulta.
As imunodeficiências adquiridas ou secundárias não são herdadas, mas
desenvolvem-se devido a malnutrição, cancro disseminado, tratamento com
imunossupressores, infeção das células do sistema imunitário, salientando-se o
vírus da imunodeficiência humana (HIV), agente etiológico da síndrome da
imunodeficiência adquirida (AIDS).
Complicações associadas às imunodeficiências:
 Aumento da suscetibilidade a infeção;
 Aumento da suscetibilidade a alguns tipos de cancro (Ex. Epstein-Barr);
 Aumento da incidência de autoimunidade;
 Defeitos no desenvolvimento ou ativação da resposta linfocitária.

Imunodeficiências congénitas

Como vimos são defeitos genéticos, que afetam mais comumente a via do
complemento e fagócitos. Mas afetam também o desenvolvimento dos linfócitos,
pois podem ser consequências de mutações nos genes que codificam uma
grande variedade de moléculas, tais como, enzimas, adaptadores, proteínas de
transporte e fatores de transcrição.

Defeitos na maturação dos linfócitos

As imunodeficiências combinadas afetam a imunidade humoral e a imunidade


mediada por células. Um subtipo destas imunodeficiências é a
Imunodeficiência combinada severa (SCID), em que a maioria das células T
periféricas está em falta ou são defeituosas. Crianças com SCID desenvolvem
pneumonia (Pneumocystis jiroveci), normalmente no primeiro ano de vida.

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Cerca de 50% dos casos de SCID são autossómicos recessivos sendo os


restantes 50% ligados ao cromossoma X.

Os autossómicos recessivos caracterizam-se por deficiências na enzima


desaminase da adenosina (ADA), importante no metabolismo de purinas. Mais
raramente, podem resultar de mutações no JAK3 (transdução do sinal em
recetores de citocinas) e RAG1, RAG2 (recombinação V(D)J – rearranjo de
genes nos recetores).
Consequências dos defeitos na sinalização (citocinas):
 Diminuição substancial de células T;
 Quantidade normal ou aumentada de células B;
 Redução de Ig no soro.

Os casos ligados ao cromossoma X são causados por mutações no gene que


codifica um componente do recetor de citocinas, designado cadeia γ.
Consequências dos defeitos na sinalização (citocinas):
 Diminuição substancial de células T;
 Quantidade normal ou aumentada de células B;
 Redução de Ig no soro.

Defeitos na maturação das células B

Defeitos no desenvolvimento ou ativação de células B resultam em desordens


em que a anormalidade principal reside na produção de anticorpos. Deficiências
nos anticorpos são acompanhadas por defeitos nos macrófagos e ativação das
APCs, resultando na atenuação da imunidade mediada por células também.

Agamaglobulinémia ligada ao cromossoma X caracteriza-se pela falta de


globulina gama no sangue. É causada pela mutação ou deleção no gene que
codifica a enzima Bruton Tirosina Cinase (Btk), envolvida na cascata de
sinalização da maturação de células B. Resulta em falhas/bloqueios na
maturação de células pré-B em células B na medula óssea.
Consequências:
 Diminuição de linfócitos B maturos;
 Diminuição de anticorpos.
Nas mulheres portadoras desta doença, apenas as células B que têm o
cromossoma X inativado conseguem maturar.

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Defeitos na maturação das células T

Pessoas com o Síndrome DiGeorge sofrem de deficiências nas células T devido


a mutações em genes necessários para o desenvolvimento do timo (principal
local de maturação de células T) resultando em hipoplasia, das glândulas
paratiroides e estruturas que surgem das 3ª e 4ª bolsas faríngeas no
desenvolvimento fetal. É caracterizado pelo baixo número de linfócitos T na
circulação e nos tecidos linfoides periféricos, resultando em deficiente imunidade
mediada por linfócitos T.
Consequências:
 Diminuição do número de células T;
 Número normal de células B;
 Normal ou diminuído número de anticorpos.

Terapêutica associada a defeitos na maturação dos linfócitos

O tratamento das imunodeficiências congénitas tem dois objetivos essenciais:


minimizar e controlar infeções ou repor os componentes do sistema imunitário
em falta através da transplantação.

 Imunização passiva com gama globulina agrupada, para pacientes com


agamaglobulinémia. Tem salvado a vida a rapazes com esta desordem
ligada ao cromossoma X;

 Transplantação de células hematopoiéticas (medula óssea) tem tido


sucesso no tratamento da SCID ligada a deficiências na ADA;

 Antibioterapia – quando necessário o controlo de infeções;

 Terapia de substituição de Ig – imunização com anticorpos de dadores


saudáveis (Agamaglobulinémia);

 Terapia génica – ideal, mas sem aplicação prática.

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Defeitos na ativação e funcionamento de linfócitos

Deficiências na produção de anticorpos

A diminuição de anticorpos no soro irá debilitar a resposta a infeções ou vacinas.


Aumentando assim a incidência de infeções.
O Síndrome híper-IgM ligado ao cromossoma X é causado por mutações no
gene que codifica o ligando do CD40. Assim, os pacientes com este síndrome
não conseguem estimular as células B a produzir isotipos de anticorpos,
principalmente IgM.

O ligando do CD40 está também relacionado com a imunidade dependente de


células, pois irá ligar-se ao CD40 das APCs estimulando-as a realizar a sua
função (processamento/apresentação de antigénios e secreção de citocinas).

Deficiências MHC Classe II ou TCR

Mutações em fatores de transcrição das APCs irão levar á diminuição da


expressão de MHC Classe II, levando a maturação defeituosa de CD4 + no timo
e diminuição da ativação de CD4+ na periferia resultando na diminuição da
resposta celular e humoral dependente de CD4+.Por outro lado as mutações
em genes de células T (TCR), também irão contribuir para este facto.

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Defeitos na imunidade inata

A imunidade inata constitui a primeira linha de defesa contra microrganismos


infeciosos. Os dois importantes mediadores deste tipo de imunidade são os
fagócitos (neutrófilos e macrófagos) e o complemento, que também participam
na imunidade adquirida.

Doença granulomatosa crónica (CGD) – é causada pela mutação no complexo


enzimático oxidase (phox) dos fagócitos. É uma doença rara. Resulta na
deficiente produção do componente microbicida maioritário dos fagócitos – o
anião superóxido (ROS – espécie reativa de oxigénio), conduzindo assim á
incapacidade dos neutrófilos e macrófagos conseguirem eliminar os
microrganismos fagocitados.
Como a infeção não é controlada pelos fagócitos, será estimulada uma resposta
compensatória, ou seja, será estimulada uma resposta imune crónica, mediada
por células. Resulta na ativação de células T que irão ativar mais macrófagos,
formando-se assim um granuloma composto por macrófagos ativados.

Deficiência da adesão leucocitária - grupo de desordens autossómicas


recessivas causadas por defeitos em moléculas de adesão dos leucócitos ou do
endotélio. Diferentes tipos de deficiências da adesão leucocitária são causados
por mutações em diferentes genes. É caracterizada pela falha no recrutamento
de neutrófilos para o local da infeção, resultando em periodontite severa e outras
infeções recorrentes (nos jovens) e também incapacidade na produção de pus.

Deficiências no complemento – ocorre uma ativação deficitária da cascata do


complemento (C3) levando a infeções severas. Deficiências na C2 ou C4 (via
clássica) resultam na incapacidade de eliminação de imunocomplexos
(deposição), formados constantemente na resposta humoral.

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Imunodeficiências adquiridas

Rever conceito imunodeficiências adquiridas. Como o próprio nome indica, não


têm causa genética mas sim adquiridas durante a vida. Resultam de:
 Doenças metabólicas (diabetes, cirrose hepática…)

 Malnutrição (carências nutricionais)

 Infeções (virais – ex. sarampo, hepatite B; fúngicas – ex. aspergilose)

 Trauma (cirurgia e anestesia, queimaduras)

 Idade (prematuridade ou velhice)

 Doenças infiltrativas (de órgãos hematopoiéticos e linfoides – leucemia,


linfoma)

 Doenças autoimunes (artrite reumatoide, lúpus)

 Terapêutica (fármacos citotóxicos, radiação, imunossupressores)

Causa Mecanismo

Infeção por HIV Diminuição de células T CD4+

Perturbações metabólicas inibem a


Malnutrição (Proteína – caloria)
maturação e função dos linfócitos

Irradiação e quimioterapia Diminuição dos percursores de


(tratamento do cancro) linfócitos na medula óssea

Metástases cancerígenas e Redução de local de


leucemia (medula óssea) desenvolvimento de linfócitos

Imunossupressão e doenças
Redução da ativação de linfócitos
autoimunes

Diminuição da fagocitose dos


Remoção do baço
microrganismos

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Infeção por HIV – SIDA

O Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) é causado por infeção com o


vírus HIV (vírus da imunodeficiência humana). É reconhecida como doença
desde a década de 80 e afeta 30% da população. As estatísticas são
devastadoras.

São mais de 42 milhões de infetados, 21 milhões de mortes. A prevalência é


enorme em determinada regiões (África, Ásia…).

Generalidades

O vírus HIV…
 É membro da família dos lentivírus dos retrovírus (dsRNA) animais;

 Existem dois tipos de vírus: HIV-1 (mais comum) e HIV-2 (causa AIDS
com menor capacidade de progressão);

 Infeta células do sistema imunitário, principalmente CD4+;

 Período de latência variável;

 Destruição progressiva das células infetadas.

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Genes e estrutura do HIV

Uma partícula infeciosa de HIV consiste em duas cadeias idênticas de RNA


dentro de “núcleo” de proteínas virais e rodeado por uma bicamada fosfolipídica
proveniente da membrana do hospedeiro, que inclui proteínas membranares
virais.
Repetições terminais longas (LTRs) em cada terminação do genoma regulam a
expressão dos genes virais, integração no genoma do hospedeiro e replicação
viral.
A sequência gag codifica as proteínas estruturais do “núcleo”(core).
A sequência env codifica as glicoproteínas do envelope (gp120 e gp41),
importantes na infeção das células.
A sequência pol codifica a transcriptase reversa, integrase e enzimas virais
(proteases) importantes na replicação viral.
Existem ainda outros genes importantes na regulação da reprodução viral.

Figura 11 – Nesta imagem está ilustrado um virião HIV-1, na superfície de uma


célula T. HIV-1 consiste em duas cadeias de RNA idênticas (genoma viral) e
enzimas associadas, incluindo transcriptase reversa, integrase, protease
empacotadas num compartimento em forma de cone (Core) composto por
proteína p24 (Capsid) rodeado por uma proteína p17 da matriz. Tudo isto está
recoberto por uma membrana fosfolipídica (Envelope). O envelope contém
proteínas de superfície (gp41 e gp120). Os CD4 e os recetores de citocinas da
superfície das células T funcionam como locais de ligação do HIV-1.

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Ciclo de vida do HIV

A infeção por HIV começa quando as glicoproteínas do envelope se ligam ao


CD4 e ao recetor de citocinas (coreceptor).
As partículas virais estão inicialmente no sangue, sémen, ou em qualquer outro
fluido corporal de um indivíduo e são introduzidas noutro indivíduo por contacto
sexual, contacto transplassentário ou picada de agulha.

Figura 12 – Assim que o HIV entra na célula, as enzimas que estão dentro do
complexo nucleoproteico tornam-se ativas e começam o ciclo viral reprodutivo.
Verifica-se fusão da membrana viral na membrana do hospedeiro, disrupção do
core libertando o genoma viral. O genoma viral (RNA) por ação da transcriptase
reversa é transformado numa dupla cadeia de DNA que irá entrar no núcleo da
célula. A integrase viral entra também no núcleo e promove a integração do
DNA viral no genoma da célula do hospedeiro. O DNA do HIV integrado designa-
se provírus. Esse provírus poderá ficar inativo (sem ser transcrito) por meses
ou anos, sendo pequena ou nula a produção de proteínas virais. Este é chamado
o estado latente. As LTR, citocinas ou estímulos fisiológicos que ativam as
células T e macrófagos podem iniciar a transcrição do gene viral. Irão então ser
codificadas proteínas virais que seguirão um processo de montagem, formando-
se o core. Posteriormente verifica-se a saída da partícula viral formada, com
todos os componentes anteriormente referidos (Encapsulação).
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Patogénese da infeção por HIV – SIDA

A doença começa por infeção aguda que é


apenas controlada pela resposta imunitária
adquirida. Em seguida, avança para uma
infeção progressiva crónica dos tecidos
linfoides periféricos.
Normalmente o vírus entra através da
mucosa epitelial.
A infeção aguda é caracterizada pela
infeção das células T CD4+ de memória na
mucosa dos tecidos linfoides periféricos e
morte de grande parte das células infetadas.
Como existem muitos linfócitos
concentrados na mucosa, em duas
semanas de infeção, uma grande fração
deste tipo de linfócitos é aniquilada.
A transição da infeção aguda para a crónica
é caracterizada pela disseminação do vírus
(virémia) e desenvolvimento da resposta
imunitária do hospedeiro.
As células dendríticas que se encontram no
local de entrada do vírus, capturam-no e
migram para os nódulos linfáticos. Por
contacto célula – célula as células
dendríticas passam para as células T CD4+.
Esta disseminação provoca então virémia,
caracterizada por febre e mal-estar.
Em seguida, o sistema imunitário responde
aos antigénios virais através da imunidade
mediada por células e humoral. Esta
resposta controla a infeção e a produção
viral, reduzindo assim a virémia. (12 semanas após a 1ª exposição)
Na fase crónica, os nódulos linfáticos e o baço são locais de contínua replicação
viral e destruição celular. Neste momento o sistema imunitário ainda consegue
ser competente no controlo de infeções oportunistas – Fase latente. (Provírus
latente nos órgãos linfóides)
No início da doença, o organismo consegue repor as células T que são
eliminadas.
No decorrer da doença (anos), o ciclo contínuo de replicação e infeção viral, a
morte de células T e novas infeções resultam no declínio de células T CD4 + nos
tecidos linfoides e na circulação.
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Terapêutica

O tratamento passa pela administração precoce de cocktails de fármacos


antirretrovirais que bloqueiam a atividade das enzimas virais:
 Transcriptase reversa;

 Protease;

 Integrase.

O objetivo resume-se ao controlo da replicação do HIV e complicações infeciosas


da doença.
A terapêutica tem um benefício considerável a curto-prazo, no entanto a eficácia
a longo prazo ainda é desconhecida, pois não erradica reservatórios de vírus
latente e ocorrem diversas mutações resultando em proteínas virais diferentes
(resistência).

Nesta tabela encontram-se as complicações associadas à infeção por vírus HIV:

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