Você está na página 1de 7

Transcrição - febre reumática

Introdução:
A febre reumática (FR) e a cardiopatia reumática crônica (CRC) são complicações não supurativas da faringoamigdalite causada pelo
estreptococo beta-hemolítico do grupo A e decorrem de resposta imune tardia a esta infecção em populações geneticamente
predispostas.
A mais temível manifestação é a cardite, que responde pelas sequelas crônicas, muitas vezes incapacitantes e em fases precoces da
vida.
Epidemiologia:
• Em países desenvolvidos: rara em razão da melhoria das condições de moradia e assistência médica
• Em países em desenvolvimento: importante problema de saúde pública;
• No Brasil: poucos estudos de incidência e prevalência. Estima-se que seja subdiagnosticada;
• Fatores de risco: idade (entre 5 e 15 anos); fatores ambientais associados ao desenvolvimento (pobreza, aglomeração familiar,
moradia em favelas, acesso precário à assistência médica).
Obs: menores de 5 anos podem ter a doença, no entanto, isso ocorre de uma forma bem rara. Crianças nessa faixa etária costuma ser
acometidas com mais frequência pela AIJ (artrite idiopática juvenil).
Patogenia:
• Agente etiológico: EGA causando faringite e infecções de pele;
• Suscetibilidade genética: alelos do sistema HLA classe II, principalmente alelo DR7 e outros polimorfismos em genes codificam
proteínas relacionas ao sistema imune;
• Ocorre principalmente devido ao mimetismo molecular (resposta imune cruzada) - áreas da S. Pyogenes são extremamente
parecidas com as células do hospedeiro. Como é o caso da proteína M e do carboidrato N-acetil beta D-glicosamina presentes na
bactéria;
• Anticorpos e linfócitos T passam a reconhecer antígenos do hospedeiro localizados em tecidos como o coração e sistema nervoso
central.
Obs: o ASLO seria a dosagem desses anticorpos…esse marcador pode não ser útil no diagnóstico de FR pois dependendo de quando
ele for solicitado ele pode vir positivo ou ele pode negativar rapidamente.
• O predomínio de resposta Th1 (resposta celular) está relacionada aos
quadros de cardite grave e de sequela valvar
• Já o predomínio de resposta do tipo Th2 (humoral - formação de
anticorpos) está diretamente ligada aos quadros clínico de coreia,
cardite leve e artrite.
Obs: os anticorpos produzidos invadem o SNC e se depositam no núcleo
caudado e originam os movimentos coreicos.
Obs2: a resposta Th1 está relacionada a intensidade da resposta inflamatória que levará a uma lesão cardíaca. A resposta do tipo Th2
onde haverá a formação de anticorpos, também agirá nas células cardíacas através do mimetismo molecular.
Obs3: os pacientes sempre terão os dois tipos de respostas, tanto Th1 quanto Th2, no entanto, as vezes haverá o predomínio de uma
dessas.
Relembrando: A imunidade adquirida ou adaptativa é ativada pelo contato com agentes infecciosos e sua resposta à infecção aumenta
em magnitude a cada exposição sucessiva ao mesmo invasor. Existem dois tipos de imunidade adquirida: a imunidade humoral e a
imunidade celular. A imunidade humoral gera uma resposta mediada por moléculas no sangue e nas secreções da mucosa, chamadas
de anticorpos, produzidos pelos linfócitos B, sendo o principal mecanismo de defesa contra microrganismos extracelulares e suas
toxinas. Os anticorpos reconhecem os antígenos (qualquer partícula estranha ao corpo), neutralizam a infecção e eliminam estes
antígenos por variados mecanismos efetores. Por sua vez, a imunidade celular gera resposta mediada pelos linfócitos T. Quando
microrganismos intracelulares, como os vírus e algumas bactérias, sobrevivem e proliferam dentro das células hospedeiras, estando
inacessíveis para os anticorpos circulantes, as células T promovem a destruição do microrganismo ou a morte das células infectadas,
para eliminar a infecção.
Quadro clínico:
• A febre (temperatura acima de 37,8ºC) ocorre em mais de 90% dos casos;
• Artrite ocorre em 75% dos casos;
• A cardite em mais de 50% dos casos;
• Já as manifestações cutâneas (eritema marginado e os nódulos subcutâneos) ocorrem em menos de 10% dos casos.
Artrite:
• Poliartrite que acomete grandes articulações, padrão migratório, assimétrico, autolimitada e com duração menor que 4 semanas
mesmo sem tratamento específico;
Obs: monoartrite = acomete uma única articulação; oligoartrite = acomete de 2 a 4 articulações; poliartrite = acomete 5 ou mais
articulações.
Obs2: a artrite da FR possui um padrão aditivo, por exemplo, paciente possui o joelho esquerdo acometido e após 2 semanas de forma
adicional o cotovelo direito foi acometido. Ou seja, ele continuou com o joelho esquerdo acometido e, agora, adicionou-se o cotovelo
direito.
Obs3: o padrão assimétrico corresponde ao não acometido dos dois lados da articulação (direito e esquerdo) de forma concomitante.
O padrão simétrico ocorre mais na AR.
Obs4: a AIJ é uma artrite CRÔNICA (dura mais que 6 semanas) comum na infância, o que a difere da artrite da FR que é
autolimitada.
• Extremamente dolorosa, quase inexistência de sinais inflamatórios ao exame físico;
• Excelente reposta ao AAS e AINES (inibe padrão migratório) geralmente em 48h;
• Populações de alto risco (possuem histórico familiar positivo): apresentações atípicas como artrite aditiva, acometimento de
pequenas articulações, quadril, coluna cervical e monoartrite.
Cardite:
• Pode evoluir para doença cardíaca reumática (DCR) e, em alguns casos, levar a óbito;
• Antigamente era chamada de pancardite. Atualmente, sabe-se que haverá acometido principalmente do endocárdio;
• Geralmente associada com artrite e depois coreia;
• Pode aparecer no começo ou até nas três primeiras semanas de fase aguda (da FR);
• Cardite subclínica: ausculta cardíaca normal e ecocardiograma com Doppler com alterações patológicas de regurgitação valvar
(valvulite). Normalmente, é aquela criança que sente dor torácica, na ausculta não há alterações e então pede-se um
ecocardiograma ou eletrocardiograma e este demonstra uma valvulite.
• Principais valvas afetadas: mitral, depois aórtica (mais grave) e, por último, a tricúspide. Pode ter associação de lesão mitral
com aórtica;
• Principal manifestação clínica: presença de sopro orgânico;
• Insuficiência mitral: sopro holossistólico mais audível no ápice; Se grave, sopro diastólico (carey coombs) pode estar associado;
• Insuficiência aórtica: sopro diastólico mais audível na borda esternal esquerda.
Obs: pacientes com história de FR com a presença de sopro diastólico costumam ter uma evolução mais grave!!!
Obs 2: não se pode utilizar betabloqueadores em pacientes com estenose de válvula.
Coreia de Sydenham:
• Manifestação neuropsiquiátrica da FR. Normalmente, regressão espontânea em 3 semanas. Alguns pacientes em até 2 anos;
• Anticorpos antinúcleos da base;
• Movimentos involuntários, arrítmicos, breves acometendo principalmente extremidades e face e tendendo a se generalizar
rapidamente.
• 20% - hemicoreia;
• Movimentos exacerbados em situação de estresse desaparecem durante o sono;
• Alteração de escrita, comprometimento da marcha, disartria, disfagia, tiques, impersistência motora da língua e hipotonia muscular
(coreia mole);
• Alterações comportamentais antecedem o quadro de coreia!!!
• A coreia de sydenham é específica da FR.
Manifestações cutâneas:
• Ocorrem em menos de 10% dos pacientes;
• Eritema marginado (bem específico) caracterizado por rash cutâneo, evanescente, não pruriginoso e de coloração rósea;
• Centro pálido e margens serpinginosas;
• Localiza-se no tronco e região proximal dos membros. Poupa a face;
• Nódulos subcutâneos são firmes, móveis e indolores; Fortemente associados a cardite;
• Localizam-se em superfícies extensas de articulações e proeminências ósseas da região occipital e coluna,
Exames complementares:
Reagentes de fase aguda:
1. PCR
2. VHS
• Podem vir normal na fase aguda da doença
Evidência de estreptococcia prévia:
• Padrão ouro para EGA na fase de faringoamigdalite ou impetigo-> cultura orofaringe;
• Período de latência -> Baixa positividade;
• Confirmação sorológica -> comprova infecção.
ASLO
• Excelente exame para a primeira fase da doença, ou seja, quando houver faringoamigdalite ou impetigo
• Depois de uma semana seus níveis baixam bruscamente
• 20% dos pacientes possuem ASLO negativo em qualquer fase da doença
• Fora da faixa etária da FR não é necessário pedir o ASLO!!!
• O ASLO (Anticorpo antiestreptolisina O) é um anticorpo que o nosso organismo produz para combater o estreptococo durante ou
logo após uma infecção de garganta. Portanto, ela serve apenas para dizer se a criança teve infecção por esta bactéria. Na ausência
das manifestações típicas da Febre Reumática (FR), a ASLO não tem nenhum valor para o diagnóstico desta doença. Oitenta por
cento das crianças com infecção de garganta pelo estreptococo apresentam elevação da ASLO, porém somente 3% delas poderão
apresentar Febre Reumática.
NA PROVA: paciente de 7 anos com faringoamigdalite por estreptococo do grupo A com 4 dias de evolução → pedir o ASLO (esse
deve ser pedido apenas na 1º semana), pedir uma cultura, hemograma, PCR e VHS.
Cardite subclínica:
• É aquele paciente que vai para o PS com queixa de dor torácica, a ausculta cardíaca não há alterações → pede-se um ECG, enzimas
cardíacas e um raio X de tórax (para avaliar se há aumento da área cardíaca, ou congestão pulmonar) → no ECG tem alargamento
de PR (alteração inespecífica) → após avaliar se há ICC e excluir um provável diagnóstico de IAM é necessário pedir um
ecocardiograma com Doppler para avaliar se há valvulite.
Diagnóstico:
• Clínica + Laboratório (Jones) + exclusão de doenças = diagnóstico
• Os critérios de Jones foram modificados para diferenciar os critérios em países
desenvolvidos e em países em desenvolvimento.
• Diagnóstico de FR inicial:
1. 2 critérios maiores OU
2. 1 critério maior e 2 menores
• Diagnóstico de FR recorrente:
1. 2 critérios maiores OU
2. 1 critério maior e 2 menores OU
3. 3 critérios menores
Obs: o termo “artralgia” refere-se a dor nas articulações, enquanto que “artrite” seria a
presença de dor e sinais flogísticos (inflamação) na articulação. Os prefixos “mono”,
“oligo” e “poli” são usados nas artralgia da mesma forma que na artrite.
Obs2: se o paciente já tem alargamento do intervalo PR prévio de causa não reumática, esta situação não contará como um critério
diagnóstico.
Obs3: de acordo com o professor se o paciente tiver um alargamento de PR, logo ele terá uma cardite. No entanto, o contrário não é
verdadeiro, pois nem toda cardite levará a um aumento do intervalo PR — perguntar do prof!!!
Diagnóstico diferencial:
Artrite
• Reativas: Pós-infecção urinária ou pós-entérica (rotavírus)
• Infec. Viral: Hepatite, caxumba, rubéola - avaliar cartão vacinal da criança
• Infec. Bacteriana: Meningococo, gonococo, endocardite bacteriana
• Doenças hematológicas: Anemia falciforme, neoplasia e linfoblástica aguda
• Doenças Reumáticas: LÊS, Artrite idiopatica juvenil, vasculites.
Obs: a anemia falciforme, hemofilia e o trauma costumam apresentar hemartrose!!! Nesses casos devemos investigar se há algum tipo
de trauma.
Cardite
• Infec. Viral: Pericardite, perimiocardites
• Doenças Reumáticas: LES, AIJ
• Outras: sopro inocente (presente desde o nascimento), sopro anêmico, prolapso de valva mitral
Coreia
• Infecciosas: Encefalites Virais
• Doenças Reumáticas: LES
• Outras: Síndrome antifosfolipide (SAF) e coreia familiar benigna
Obs: a SAF é um tipo de trombofilia - costuma evoluir com TVP, perda gestacional e etc.
Obs2: a SAF está intimamente ligada ao LES (50% dos pacientes com lúpus tem o anticorpo antifosfolipe, mas só 1/3 desenvolve a
doença)
Nódulos subcutâneos
• Doenças Reumáticas: LES, AIJ
• Outras: nódulos subcutâneos benignos
• A medicação metrotexato pode levar a nódulos cutâneos
Eritema marginado
• Infecciosas: septicemia
• Reação a drogas
• Doenças reumáticas: Exantema da AIJ
• Idiopático
Tratamento:
Profilaxia primária (erradicar o EGA) → tratamento das manifestações clínicas → profilaxia secundária (prevenir recorrência)
• Profilaxia primária:
PENICILINA G BENZATINA
Dose: Peso<20kg - 600.000 UIM
Peso>20 kg - 1.200.000 UI IM
Dose única
Medicação de liberal lenta
Em casos em que não puder utilizar a penicilina benzatina é recomendado o uso de antibióticos orais por um período de 10 dias, por
exemplo: Amoxicilina
• Medidas gerais (manifestações clínicas):
1. Hospitalizações: em casos de cardite moderada a grave, artrite incapacidade ou coreia grave
2. Repouso relativo por 4 semanas, com retorno gradual as atividades diárias (para não sobrecarregar o quadro cardíaco)
3. Em casos de febre, utiliza-se paracetamol ou dipirona
4. A tendência do PCR e do VHS é normalizar ao longo do tempo com a introdução da medicação correta
Obs: para avaliar a evolução do tratamento do paciente e este receber alta médica, é necessário avaliar se há melhora do quadro
clínico e se as proteínas de fase aguda está melhorando. No início, o paciente frequenta o reumatologista a cada um mês, em casos de
melhora do quadro esse intervalo aumenta para 3 meses e, posteriormente, ainda em casos de melhora a cada 6 meses. Só é necessário
retornar antes a consulta em casos de recidiva do quadro.

• Criança responde bem ao uso de AAS, no entanto, nessa faixa etária é comum infecções virais que junto com a medicação podem
levar a síndrome de Reye. Nesses casos, é necessário suspender o AAS;
• Naproxeno (AINES) não demonstra piora do quadro de cardite e, por isso, eles podem ser utilizados;
• A utilização de prednisona não cardite em crianças não pode ultrapassar a dose de 80mg/dia. A medicação é utilizada de 6 a 8
semanas, no entanto, a partir da 4 semana já iniciará o desmame;
• Nos casos de cardite grave, utiliza-se o corticoide por 12 semanas;
• Pacientes muito graves, com lesão de órgão alvo e com risco de óbito devem ser internados e
merecem pulsoterapia. Após essa administração de altas doses de corticoide, as doses de
manutenção são menores e de administração venosas;
• Em pacientes imunocomprometidos também podem fazer a pulsoterapia em casos graves de FR;
• Profilaxia secundária:
Mesma dose da profilaxia primária com a diferença de que o paciente tem que tomar a cada 21 dias!

• Exemplo: paciente de 14 anos com FR sem cardite prévia deverá utilizar penicilina G benzatina até os 21 anos pois tem mais tempo
até essa idade do que daqui 5 anos.
• Lembrar que benzetacil tem administração INTRAMUSCULAR!!
• Pacientes com FR com lesão valvar residual (sequela) moderada a grave, assim como aqueles que passaram por cirurgia valvar,
devem utilizar a medicação pra vida toda!!!!!

Anotações complementares

Você também pode gostar