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DOENÇAS DA FARINGE – Faringotonsilites

1. Introdução
- Faringotonsilites são doenças inflamatórias e infecciosas envolvendo a faringe, tonsilas palatinas (amigdalas) e tonsilas faríngeas
(adenoides). Constituem um dos distúrbios mais frequentes nos consultórios otorrinolaringológicos
- As tonsilas palatinas e faríngeas são órgãos de tecido linfoide estrategicamente localizados para proteção imunológica do trato aero-
digestivo

2. Classificação clínica das Faringotonsilites


TONSILAS FARÍNGEAS
a) Adenoidite aguda: difícil de diferenciar de IVAS generalizada ou RSAB. Apresenta-se com febre, rinorreia, obstrução nasal e
roncos, que desaparecem com o término do processo;
b) Adenoidite aguda recorrente: 4 ou mais episódios de adenoidite aguda em 6 meses. Pode ser difícil diferenciar de sinusite
aguda recorrente;
c) Adenoidite crônica: rinorreia constante, halitose, secreção em orofaringe e congestão crônica;
d) Hiperplasia adenoidiana: obstrução nasal crônica (com roncos e respiração bucal), rinorreia e voz hiponasal

TONSILAS PALATINAS
a) Amigdalite aguda: febre, dor de garganta, disfagia, adenomegalia cervical com hiperemia de amigdalas, podendo haver
exsudatos;
b) Amigdalite aguda recorrente: 7 episódios em 1 ano, 5 episódios por ano em 2 anos consecutivos ou 3 episódios por ano em
3 anos consecutivos;
c) Amigdalite crônica: dor de garganta crônica, halitose, cálculos amigdalianos excessivos, edema periamigdaliano e adenopatia
cervical amolecida persistente
d) Hiperplasia amigdaliana: roncos, apneia obstrutiva do sono, disfagia, voz hiponasal

3. Faringotonsilites virais
- Correspondem a 75% das Faringotonsilites agudas
- Os agentes virais são mais comuns nos dois ou três primeiros anos de vida, e menos frequente após a puberdade
- Agentes etiológicos: rinovírus, coronavírus, adenovírus, herpes simples, influenza e parainfluenza. Outros como Coxsackie, CMV,
EBV e HIV também estão presentes

OBS1: A faringoamigdalite causada pelo vírus EBV cursa com quadro clínico com particularidades e será discutida posteriormente

QUADRO CLÍNICO
- Sintomas de leve intensidade. Os principais são dor de garganta e disfagia
- A maioria dos pacientes irá apresentar mialgia e febre baixa, associados a coriza hialina e espirros
- Exame físico: eritema da mucosa faríngea. Tonsilas podem estar aumentadas, mas frequentemente não há exsudato.

OBS2: Características que sugerem etiologia viral são: febre moderada, tosse, coriza e obstrução nasal, ausência de adenopatia ou
adenopatia difusa.

TRATAMENTO
- Terapias de suporte com medicações analgésicas e anti-inflamatórias

4. Faringotonsilites bacterianas (estreptocócica)


- Correspondem a 20 a 40% dos casos
- Agentes etiológicos: estreptococo beta-hemolítico do grupo A, Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia pneumoniae, Staphylococcus
aureus, Haemophilus sp, Moraxella catarrhalis
- A causada pelo estreptococo do grupo A é a causa mais comum das faringites bacterianas. Geralmente ocorrem após os 3 anos de
idade, com pico de incidência entre 5 a 10 anos

QUADRO CLÍNICO
- A principal sintomatologia é dor faríngea, odinofagia e otalgia reflexa
- A febre é de intensidade variável e pode ser acompanhada de queda do estado geral
- Exame físico: hiperemia, aumento de tonsilas e exsudato purulento, adenomegalia em cadeia jugulo-digástrica

OBS3: Sinais que sugerem origem estreptocócica são: início brusco, febre alta, dor de garganta intensa, adenopatia limitada em cadeia
jugulo-digástrica e ausência de sintomatologia nasal ou laringo-traqueal

DIAGNÓSTICO
- Clínico
- A cultura da orofaringe é o padrão-ouro para confirmação. Ponto negativo é a demora para o resultado, que pode ser de 18 a 48h
- Os testes rápidos, como ELISA, apresentam a vantagem do diagnóstico rápido. No entanto, no nosso país, sua realização não é
habitual
- Nos casos de grande suspeita com teste rápido negativo, a cultura pode ser utilizada para diagnóstico. Na prática clínica, os exames
sorológicos são de pequena utilidade, uma vez que a elevação dos anticorpos (antiestreptolisina O, anti-hialuronidase, anti-DNAse B,
anti-estreptoquinase) ocorre duas ou três semanas após a fase aguda

TRATAMENTO
- Penicilina G benzatina: dose única de 600.000UI (peso < 27kg) a 1.200.000UI (peso ≥ 27kg)
- Amoxicilina: VO, 40-50mg/kg/dia por 10 dias. Em caso de suspeita de germes produtores de beta-lactamase, pode ser associada ao
ácido clavulânico
- Casos de alergia: macrolídeos (azitromicina, eritromicina)
- A ATB realizada nas primeiras 48h está associada a melhora precoce dos sintomas como dor, febre e adenopatia. Além disso, uso de
ATB minimiza a incidência das complicações supurativas. Deve ser mantida de 7 a 10 dias
- Medidas de suporte como hidratação oral, analgésicos, antitérmicos e AINH e corticoides devem ser consideradas

COMPLICAÇÕES NÃO SUPURATIVAS


a) Escarlatina: quando a angina estreptocócica se associa a presença de eritema cutâneo, a doença recebe o nome de
escarlatina. Manifestações incluem exantema generalizado, constituído por micropápulas róseas confluentes (pele em lixa),
inicialmente na parte ântero-superior do tórax, se estendendo rapidamente ao restante do tronco e aos membros. O sinal
de Filatov consiste em palidez perioral; enquanto o Sinal de Pastia denota o surgimento de exantema em dobras, ambos
sendo característicos dessa doença. As papilas linguais estão hipertrofiadas, salientes sobre fundo intensamente eritematoso
(língua em framboesa). O diagnóstico é clínico, mas o ideal é que a suspeita seja confirmada por teste laboratorial. A penicilina
benzatina é a droga de escolha

b) Febre reumática: pode ocorrer cerca de semanas após uma infecção de orofaringe causada pelo estreptococo beta-
hemolítico do grupo A, acometendo, preferencialmente, crianças e adolescentes na faixa etária de 5 a 15 anos. Apenas 0,3-
3% dos pacientes com angina estreptocócica desenvolvem essa complicação, parecendo haver uma predisposição genética
ainda não esclarecida completamente. O mecanismo patogenético envolvido na origem da doença parece estar ligado a uma
reação cruzada de anticorpos, produzidos contra produtos do estreptococo com estruturas do indivíduo afetado (mimetismo
molecular), desencadeando todo o processo inflamatório. Os critérios de Jones modificados podem ser utilizados como guia
para o diagnóstico de FR, analisando-se criticamente cada caso. Sendo assim, pode ser diagnosticada FR quando existem 2
critérios maiores ou 1 critério maior e 2 menores, associados à evidência de infecção estreptocócica. Há duas situações em
que isso pode não ocorrer: coreia de apresentação tardia e cardite insidiosa, situações em que os outros achados clínicos
podem estar ausentes e os laboratoriais, normais

CRITÉRIOS MAIORES CRITÉRIOS MENORES


Poliartrite Artralgia
Cardite Febre
Coreia Aumento de PCR, VHS ou mucoproteínas
Nódulos subcutâneos Alargamento de PR no ECG
Eritema marginatum

c) Glomerulonefrite: ocorre após infecção faríngea ou de pele. O paciente apresenta síndrome nefrítica (oligúria, hematúria,
edema e hipertensão arterial) após 1 a 2 semanas da infecção de orofaringe. Não há evidência que a administração de
penicilina diminua a taxa de ataque ou altere a história natural da glomerulonefrite

d) Síndrome do choque tóxico estreptocócico: ocorre após infecção ou colonização estreptocócica de qualquer sítio (pele,
mucosas e tecidos moles). Compreende hipotensão associada a pelo menos dois dos seguintes: insuficiência renal,
coagulopatia, anormalidades de função hepática, síndrome da angústia respiratória do adulto, necrose tecidual extensa e
exantema macular generalizado

COMPLICAÇÕES SUPURATIVAS
a) Abscesso tonsilar: processo infeccioso intraparenquimatoso, geralmente com necrose e coleção purulenta polimicrobiana.
Apresenta sialorreia, alteração da voz, abaulamento da tonsila acometida e odinofagia. O tratamento consiste em drenagem,
antibióticos, anti-inflamatórios e analgésicos

b) Abscesso periamigdaliano: complicação mais frequente de um episódio de amigdalite aguda. É causado pela extensão do
processo infeccioso, surgindo coleção purulenta entre a cápsula da amígdala e a fáscia do músculo constritor superior da
faringe. Apresenta-se com piora unilateral da odinofagia, disfagia e halitose. Surgem salivação excessiva e alteração no timbre
da voz, podendo apresentar classicamente voz de “batata quente”. O trismo pode ser observado nos casos mais adiantados,
secundário ao comprometimento dos músculos pterigoides. Ao exame físico, pode-se notar eritema, edema da loja
amigdaliana e deslocamento da amígdala em direção da linha média. A úvula encontra-se desviada no sentido contrário ao
do lado comprometido. A melhor conduta é a drenagem. Atualmente, alguns autores preconizam a aspiração do material
purulento com agulha, em seguida higiene oral, ATB com cobertura para anaeróbios produtores de betalactamase e dieta
leve

c) Abscesso parafaríngeo: O portador de abscesso no espaço parafaríngeo, com frequência exibe trismo e limitação dos
movimentos cervicais. Algumas vezes ocorre meningismo, em função da irritação dos músculos paraespinhais. Além desses
sinais, pode ser encontrado, no exame físico, desvio da parede lateral da faringe e da amígdala em direção à linha média e
endurecimento dos tecidos moles cervicais. Flutuação raramente é observada

d) Infecções do espaço retrofaríngeo: Esse tipo de infecção pode se originar do comprometimento dos linfonodos presentes
nesse espaço, por bactérias que infectam primariamente nariz, faringe e seios paranasais (disseminação linfática). Há, com o
passar dos anos, a tendência à atrofia desses linfonodos, fato que explicaria a maior incidência dessas infecções nas crianças.
O portador dessa afecção apresenta, geralmente, dor, febre e leucocitose. Odinofagia e disfagia são frequentes, assim como
o deslocamento anterior da parede posterior da faringe. Pode haver assimetria da faringe. A inflamação dos músculos
paraespinhais pode provocar opistótono

5. Formas clínicas particulares


5.1. Mononucleose infecciosa
- Doença sistêmica que acomete principalmente adolescentes e adultos jovens (15 a 25 anos)
- Agente etiológico: EBV. Esse vírus apresenta tropismo por linfócitos B e células epiteliais da faringe e das glândulas salivares
- Transmissão: saliva

OBS4: Existem outros agentes que podem simular um quadro de mononucleose infecciosa (síndrome mononucleose-like): CMV,
rubéola, toxoplasma gondii, HIV, tripanossoma cruzi, outros

QUADRO CLÍNICO
- Tríade clínica: febre, angina e poliadenopatia.
- A febre pode ser alta e acompanhada de astenia intensa. A angina pode ser eritematosa, eritemo-exsudativa ou pseudomembranosa.
As pseudomembranas não atingem a úvula.
- Podem ser encontrados sinais sistêmicos como linfadenomegalia, hepatomegalia e esplenomegalia. Rash cutâneo pode ocorrer
principalmente com o uso de penicilina
- Incialmente, a mononucleose pode simular uma amigdalite comum, porém com a evolução do quadro, sem melhora com uso de
ATB, impõe-se essa suspeita!

DIAGNÓSTICO
- Quadro clínico + exames laboratoriais (linfocitose, linfocitose atípica e aumento das transaminases)
- Pode ser realizado teste sorológico de Paul-Bunnel-Davidson ou pesquisa de anticorpos IgM ou IgG (padrão-ouro)

TRATAMENTO
- Terapias de suporte como hidratação e analgésicos, evitando-se o uso de ampicilina.

5.2. Difteria
- Acomete principalmente crianças entre o 1º e o 7º ano de vida
- Agente etiológico: Corinebacterium diphteriae

QUADRO CLÍNICO
- Início insidioso, com período de incubação de 2 a 4 dias
- Exame físico: pseudomembranas branco-acinzentadas, localizadas sobre as amigdalas e invadindo o terço superior dos pilares
anteriores até a úvula. São aderidas a mucosa, resistem ao descolamento (deixam leito sangrante ao se destacarem) e não se
dissociam na água. Quando a membrana ocupa todo o trato aero-digestivo alto, provoca quadro toxêmico (albuminúria, pulso rápido,
hipotensão, palidez e adinamia). Quando atinge a laringe, surgem voz e tosse toucas, além de tiragem intercostal
- A exotoxina diftérica tem tropismo pelo miocárdio, acarretando arritmia cardíaca

DIAGNÓSTICO
- Exame bacterioscópico direto e cultura de exsudatos faríngeos ou até de um fragmento de pseudomembrana

TRATAMENTO
- Na suspeita de difteria, o paciente deverá ser internado e iniciar tratamento com soroterapia especifica (soro antidiftérico) o mais
precocemente possível
- Penicilina ou eritromicina deve ser utilizada para assegurar a erradicação do foco infeccioso por 14 dias
- Comunicantes não vacinados, inadequadamente vacinados ou vacinados há mais de 5 anos deverão receber a vacina antidiftérica e
serem submetidos à coleta de material de orofaringe para cultura. No caso de serem portadores do bacilo, está indicada a
Quimioprofilaxia com eritromicina
6. Anginas úlcero-necróticas
ANGINA DE PLAUT-VICENT
- Causada por simbiose entre o bacilo Fusobacterium plautvicenti e o espirilo Spirochaeta dentuim, saprófitos normais da cavidade
bucal, que adquirem poder patogênico quando associados
- Quadro clínico: disfagia unilateral, sem elevação de temperatura e queda importante do estado geral. Oroscopia revela ulceração
da amigdala, recoberta por pseudomembrana, facilmente desprendido e friável, sem tendência a estender-se, mas acarretando
fenômenos de necrose e eliminação de exsudato de odor fétido
- Diagnóstico: unilateralidade das lesões gengivais concomitantes próximas ao terceiro molar superior. Exame bacteriológico auxiliara
nos casos de dúvida
- Tratamento: ATB (penicilina VO ou metronidazol), gargarejos com antissépticos e sintomáticos

CÂNCER DE AMIGDALA (Dx diferencial)


- Deverá ser pensada em pacientes com história de tabagismo e etilismo em amigdala ulcerada que não melhora após tratamento
clínico
- Diagnóstico é anatomopatológico

7. Anginas vesiculosas
7.1. Vírus herpes simplex
- Existem dois subtipos sorológicos: 1 e 2. O 1 é considerado oral e o 2 genital, porém atualmente isto tem se descaracterizado
- Quadro clínico: infecção primária pode se manifestar como uma faringite aguda, iniciando com um quadro sistêmico e evoluindo
com lesões vesiculosas que sangram facilmente. Pode ser encontrada linfonodomegalia cervical e submental. Após a infecção
primária, o vírus pode permanecer latente em gânglios nervosos voltando em períodos de estresse
- Diagnóstico: clínico, cultura viral, microscopia eletrônica e imunológico
- Tratamento: sintomáticos, podendo ser utilizado o aciclovir 200mg 5x/dia por 7-10 dias

7.2. Herpangina
- Agente etiológico: vírus Coxsackie A
- Quadro clínico: angina eritematosa com erupção vesiculosas (pequenas em palato mole, úvula e pilares amigdalianos). Ao se
romperem, as vesículas deixam ulcerações esbranquiçadas circundadas por halo eritematoso espalhadas por toda orofaringe,
poupando região da mucosa jugal. Acompanha-se de cefaleia, micropoliadenopatia cervical, disfagia e vômitos. Síndrome mão-pé-
boca.
- Tratamento: sintomático, com analgésicos e hidratação oral

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