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CASO CLÍNICO

Dengue Hemorrágica
Escola Superior de Ciências da Saúde
Internato em Pediatria
Apresentação: Diogo Henrique Silveira do Couto
Coordenação: Luciana Sugai
www.paulomargotto.com.br
Brasília, 3/6/2011
 ID: Pablo, 6 anos, natural e residente de Serra do
Ramalho-BA, proveniente do HRAN.
 QP: Febre há 4 dias.
 HDA: Mãe refere que há 6 dias, paciente apresentou
mialgia, cefaléia, vômitos e febre não aferida. Há 5
dias, procurou auxílio médico, sendo diagnosticado
faringoamigdalite e prescrito amoxacilina, infectrin,
ambroxol, dipirona e remédio para gargarejo (sic).
Evoluiu com vômitos incoercíveis há 4 dias, de cor
“borra de café” e fezes escuras, além de intensa
mialgia, principalmente em pernas e região cervical,
sendo internado no Hospital de Serra do Ramalho-
BA. Há 3 dias, foi encaminhado ao HRAN, feito
exames, ficando hospitalizado.
Antecedentes:
 Nasceu de parto normal, a termo, sem
intercorrências, PN 4000g, Apgar 9.
Aleitamento materno exclusivo até os 6 meses.
Desenvolvimento neuropsicomotor adequado.
Vacinação em dia. Nega internações e
patologias prévias. Nega pessoas doentes no
domicílio. Mora em casa de alvenaria, com
saneamento básico. Refere cachorro como
animal de estimação.
No HRAN:
 REG, pálido, hidratado, taquipnéico, bem perfundido,
hipoativo, acianótico, anictérico;
 Placa eritematosa em mento e ombro esquerdo;
 Edema em face e abdome (+/4);
 Oroscopia: sem alterações;
 Sinais meníngeos ausentes;
 AR: MV rude e reduzido em bases, mais à direita;
 ACV: RCR 2T BNF sem sopros; FC: 88 bpm; PA
90/50mmHg;
 ABD: globoso, normotenso, edematoso (+/4), RHA
diminuídos, doloroso mais em hipogástrio,
hepatomegalia com fígado a cerca de 5cm do RCD;
 Extremidades: sem edema, pulsos presentes;
HD: Quadro febril a esclarecer; hepatomegalia;
hemorragia digestiva.
 Exames laboratoriais: (11/05)
Hb 16,3 / Ht 46,3 / plaq. 18.000
Leucócitos 13.600 / seg 35% / bastões 4% / baso
2,3% / mono 16% / eos 0% / linf 27% / linf
atípicos 15%
Na 136 / K 4,3 / Cl 97
Glicose 137 / amilase 26 / TGO 195 / TGP 56 /
uréia 30 / creatinina 0,7 / BT 0,1 / PT 4,2 /
albumina 2,8 / globulina 1,4
 Ecografia toraco-abdominal: líquido livre na
cavidade abdominal + derrame pleural
bilateral + espessamento da parede vesicular.
 Após contato prévio, paciente veio
encaminhado para UTIP do HRAS;
 12/05 – Paciente evoluiu estável, com dor em
epigástrio e hipocôndro direito. Apresentou
hiperemia difusa pelo corpo associada a
prurido. Sem sangramentos. Mantém
hiporexia. Afebril.
 13/05 – transferido para UDIP. Mantém o
quadro. Novos exames: Ht 31 / Hb 10,8 / plaq
30.800 / leucócitos 6920 / seg 38% / bastão
1% / linf 50% / mono 19% / eos 0%.
 14/05 – melhora parcial da dor abdominal.
Ausência de vômitos, hematêmese e outros
sangramentos.
Ao exame:
BEG, corado, desidratado (+/4), eupnéico,
acianótico, anictérico e afebril.
AR: MVF sem RA. FR: 26irpm
AC: RCR 2T BNF sem sopros. FC: 90bpm
ABD: flácido, RHA+, pouco doloroso em
hipogástrio, fígado a 2 cm RCD;
EXT: sem edema e bem perfundidas;
Sem irritação meníngea e sem alterações em
pele/mucosas.
15/05 – melhora clínica. Criança ativa,
deambulando. Nega mialgia, sangramentos,
dor abdominal. Aceitando a dieta.
Rx tórax sem alterações.
 16/05 – alta hospitalar;
DENGUE
INTRODUÇÃO
 Transmitida pelo Aedes aegypti, que ao ingerir
sangue de uma pessoa durante a fase aguda da
doença, está apto a transmiti-la após um
período de incubação de 10 dias;
 Arbovirose mais importante;
 20% da população mundial vive em áreas de
risco;
 95% dos casos de dengue hemorrágica
ocorrem em crianças;
ETIOLOGIA
 Vírus da dengue – gênero Flavivírus
 Tipos: 1, 2, 3 e 4;
 Apresentam reação cruzada nos testes
sorológicos, mas não existe proteção por
imunidade cruzada; (imunidade cruzada
transitória por até 60 dias).
EPIDEMIOLOGIA
 Relatos de dengue no Brasil no séc. XIX;
 Pelo sucesso das campanhas de erradicação do
vetor, diminuição do número de casos entre
1923 e 1981;
 Vetor reintroduzido da década de 1970;
 Vetor: hábitos alimentares diurnos;
urbanizado; raio de ação limitado.
QUADRO CLÍNICO
 Dengue: síndrome benigna, caracterizada por
febre bifásica, mialgia ou artralgia, exantema,
leucopenia e linfadenopatia;
 Quadros variáveis;
 Período de incubação de 3 a 7 dias;
 Febre hemorrágica da dengue: doença febril
grave, com aumento da permeabilidade capilar,
anormalidades da hemostasia e nos casos
graves, uma síndrome de choque perdedora de
proteína;
DENGUE TIPO CLÁSSICO
 Início súbito de febre, mialgia ou artralgia, cefaléia e dor
retrorbital;
 Náuseas e vômitos, hiperemia conjuntiva e de orofaringe
ocasionais;
 Comum aparecimento de adenomegalias;
 Exantema em 2 fases:
1) Ocorre em 50% dos casos – aspecto variado, geralmente em
tronco, que dura 3 dias;
2) Após defervecência da febre – maculopapuloso
morbiliforme generalizado, geralmente com descamação
posterior, acompanhando um novo aumento da temperatura
(padrão bifásico da febre);
DENGUE TIPO CLÁSSICO
 Doença auto-limitada;
 Lactentes/crianças pequenas – febre 1-5dias,
faringite, rinite e tosse leve;
 Laboratório:
1. Neutropenia
2. Linfocitose
3. Plaquetopenia
4. Transaminases podem estar aumentadas
FEBRE HEMORRÁGICA DA
DENGUE
 Mais frequente em menores de 15 anos;
 Manifestações iniciais semelhantes às da dengue
clássica, mas cerca de 24h após o período de remissão
da febre, aparecem os sinais de falência circulatória
ou as manifestações hemorrágicas (petéquias, lesões
purpúricas e equimoses);
 Epistaxe, hematúria e sangramentos gastrointestinais
pouco frequentes;
 Fígado pode aumentar para 4-6cm do RCD, algo
doloroso; (indicação de hospitalização).
 Quase sempre apresenta derrame pleural;
FEBRE HEMORRÁGICA DA
DENGUE
 OMS: diagnosticar como dengue hemorrágica os pacientes
que apresentam leucopenia e hemoconcentração,
independente das manifestações hemorrágias propriamente
ditas;
 4 graus:
I) Plaquetas <100.000; aumento do Ht em mais de 20% do
basal; ausência de sangramento importante;
II) Trombocitopenia; hemoconcentração; sangramento
espontâneo;
III) Trombocitopenia; hemoconcentração; insuficiência
circulatória (pulso fino, extremidades frias, agitação,
queda ≥20 mmHg na PAS);
IV) Trombocitopenia, hemoconcentração, sinais clínicos de
choque.
PATOGÊNESE
 Após inoculação pelo mosquito, o vírus dissemina-se
rapidamente para linfonodos regionais;
 Indivíduos previamente infectados e que possuem
anticorpos circulantes, podem, na reinfecção,
apresentar dengue hemorrágica;
 A presença de anticorpos não neutralizantes para um
sorotipo heterólogo do vírus, pode aumentar a ligação
do complexo vírus-anticorpo ao receptor Fc nas
células linfóides, facilitando o crescimento viral
nessas células;
 Febre hemorrágica: aumenta complemento, TNF,
interferon gama e IL-2 e diminui fator XII;
 Sangramento: ocorre por: grau leve de CIV + lesão
hepática + trombocitopenia + lesão nos capilares;
DIAGNÓSTICO
 Confirmação do vírus:
1. Isolamento viral – colher sangue até 5º dia da
doença; (PCR, cultura, imuno-histoquímica);
2. Sorologia – colher preferencialmente a partir do
7º dia da doença (até 6 sem); analisa IgM
(inibição da hemaglutinação, RFC,
Immunoblot); (IgM + por 90 dias).
Reinfecções – IgG aumenta em mais de 4X;
- IgM em 50% dos casos negativo;
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
 Dengue clássica:
gripe, rubéola, sarampo, parvovírus,
escarlatina, enteroviroses...
 Febre hemorrágica:

meningococcemia, choque tóxico de infecção


bacteriana, leptospirose, febre amarela,
malária, hepatite infecciosa...
TRATAMENTO
 Não específico – medidas sintomáticas e de suporte;
 Contraindicado AAS e AINEs;
 Monitorizar cuidadosamente as crianças para se
identificar o choque de forma precoce (período
crítico: transição entre fase febril e afebril); se guiar
pelo Ht;
 Se hemoconcentração – hidratação vigorosa (até que
Ht < 40% e boa diurese);
 Corrigir distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos;
 Avaliar hemotransfusão;
 Corticóides não encurtam a duração nem melhoram
prognóstico;
 Não existe vacina.
MENINGOCOCCEMIA
MENINGOCOCCEMIA
 Neisseria meningitidis – diplococo gram-negativo,
comensal da nasofaringe;
 Doença de padrão endêmico, pontuada por surtos de
casos;
 Colonização facilitada por capacidade adesiva da pili
e de clivar IgA;
 Se disseminam do trato respiratório superior através
da corrente sanguínea;
 Anticorpos séricos envolvidos em lise bacteriana
mediada por complemento bloqueiam essa
disseminação;
 Mais comum entre 3-24 meses (redução da IgG
recebida da mãe)
PATOLOGIA
 Doença inflamatória disseminada está
associada a uma resposta inflamatória aguda;
 Hemorragia e necrose ocorrem por coagulação
intravascular;
 Vasculite aguda: hemorragias cutâneas
(petéquias/púrpuras);
 Interação entre endotoxina liberada e sistema
complemento (ativação do sistema
fibrinolítico, CIVD, choque);
QUADRO CLÍNICO
 Variável: desde febre e bacteremia oculta a
sepse;
 Meningococcemia aguda:
1. Inicialmente: simula doença viral – faringite,
febre, mialgia, fraqueza e cefaléia;
2. Posteriormente: hipotensão, CIV, acidose,
hemorragia suprarrenal, IRA, IC, coma; pode
ou não aparecer meningite;
 Alterações cutâneas: petéquias, púrpura,
exantemas maculopapulares, pústulas e bolhas;
DIAGNÓSTICO
 Isolamento da bactéria (sangue, LCR, líquido
sinovial);
 Aglutinação ao látex não substitui Gram e
cultura;
 Aumento VHS, PCR, leucopenia ou
leucocitose, trombocitopenia, proteinúria e
hematúria;
TRATAMENTO
 Penicilina G – 250.000 a 300.000 U/kg/dia 4/4h;
 Ceftriaxona 100 mg/kg/dia;
 Mortalidade nos EUA: 8-13%;
 Mau prognóstico: hipotermia, hipotensão, púrpura
fulminante, convulsões, leucopenia, trombocitopenia
e choque à apresentação;
 Profilaxia para contatos (domicílio, creche, escola,
quem teve contato com secreções) com Rifampicina
600mg 12/12h 2dias;
 Vacina disponível.
OUTROS DIAGNÓSTICOS
DIFERENCIAIS
 Rubéola
 Pródromo: mal estar, febre baixa;
 Exantema maculopapular morbiliforme, não
confluente; início na face e evolui para o
tronco;
 Adenopatia retroauricular e occipital;
 Artralgia.
OUTROS DIAGNÓSTICOS
DIFERENCIAIS
 Eritema infeccioso
 Parvovírus B19;
 Sem pródromos;
 Eritema de bochechas, rendilhado ou EMP;
áreas expostas;
 Fotossensibilidade, artrite, cefaléia, mal-estar;
 Eritema desencadeado por exercício físico e
exposição solar;
OUTROS DIAGNÓSTICOS
DIFERENCIAIS
 Escarlatina
 Pródromo: dor de garganta, febre e lesões em
pele;
 EMP escarlatiforme; generalizado, poupando
região perioral, acentuação de pregas cutâneas,
descamação lamelar;
 Amigdalite, febre, petéquias em palato e
lingua em framboesa.
BIBLIOGRAFIA
 Marcondes, E. et al. Pediatria Geral . 9. ed.
Editora Sarvier, v. 2, Rio de Janeiro, 2002.
 Behrman, R. E. et al. Nelson - Tratado de
Pediatria. 16. ed. Guanabara Koogan, Rio
de Janeiro, 2002.

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