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Júlia Diláscio Lima

ARBOVIROSES
Dengue, Chikungunya e Zika

➢ O que são arboviroses?


- Grupo de vírus que não necessariamente tem características entre si, mas
que são transmitidos por insetos.

Dengue
1. Características do vírus da dengue
- É um arbovírus de RNA simples (uso do maquinário da célula
invadida para se reproduzir), da família flavivírus;
- É composto por 5 sorotipos, sendo que apenas do 1 ao 4 estão
presentes no Brasil: prevalente nas regiões centro-oeste e sudeste.

2. Transmissão: Aedes aegypti


- Transmissão por 2 mosquitos do gênero Aedes: Aedes aegypti
(responsável pela dengue no Brasil) e Aedes albopictus;
✓ Pintas brancas nas “pernas”;
✓ Na região dorsal: aegypti parece uma harpa x albopictus é só
um traço central.

- Características do mosquito:
✓ Hábitos diurnos;
✓ Regiões tropicais e subtropicais;
✓ Áreas com ocupação urbana desordenada e com más condições
sanitárias: se reproduz e deposita ovos/larvas em água parada;
Ovos são resistentes à ressecamento por semanas/meses.
✓ Fêmea é a transmissora – se alimenta de sangue para produzir
seus ovos.
- Outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti:
❖ Dengue;
❖ Chikungunya;
❖ Zika;
❖ Febre amarela – no seu ciclo urbano.
- O ciclo de transmissão:
I. Aedes aegypti não infectado;
II. Paciente com dengue picado pelo Aedes aegypti não infectado;
III. Aedes aegypti se torna infectado ao se alimentar de sangue do
paciente infectado e passa; a ser transmissor vitalício da doença
após 8 à 12 dias da picada (período de incubação do mosquito);
IV. Aedes aegypti, agora infectado, pica paciente sem dengue;
V. Paciente sem dengue agora infectado, com sintomas de dengue
após 4 à 10 dias (média 5-6) da picada, tornando-se transmissor
durante a viremia (período em que há vírus circulante no sangue
= 1 dia antes dos sintomas até 5 dias após sintomas).
Período de incubação nos seres humanos:
4 à 10 dias após a picada (média 5-6).

Dias da doença x sintomas x virologia x anticorpos


3. Patogenia

Como o vírus atua no organismo do hospedeiro?


I. Uma vez o vírus da dengue no organismo, há entrada do mesmo
nas células para realizar replicação viral;
II. Com a replicação do vírus nas células, há uma resposta
inflamatória à ação viral, gerando:
o Sintomas clássicos de cefaleia, mialgia, artralgia e febre;
o Disfunção endotelial, com aumento da permeabilidade capilar e
extravasamento plasmático de plasma e albumina:

Com a disfunção epitelial há perda de plasma e albumina para o


extravascular, havendo assim hemoconcentração e hematócrito
aumentado; além de diminuição da albumina sérica que foi perdida
para o 3º espaço – resultando em derrames cavitários (derrame
pericárdico, derrame pleural, ascite, ...)
III. Além da disfunção endotelial (pequenos sangramentos cutâneos por
extravasamento), também temos plaquetopenia autoimune
(autoanticorpos destroem plaquetas) e coagulopatias de consumo,
podendo gerar sangramentos.
4. Reinfecção
- “O risco de dengue grave é mais elevado quando ocorre reinfecção
por outro sorotipo” – isso ocorre devido à teoria da amplificação
dependente de anticorpos:
I. Ao contrair dengue, criamos anticorpos para o sorotipo específico
do contágio;
II. Ao contrair dengue novamente:
✓ Pelo mesmo sorotipo –
imunidade;
✓ Por outro sorotipo –
anticorpo específico para o
outro sorotipo não só não é
capaz de neutralizar o vírus
do sorotipo atual, como
facilita a replicação viral
maior e doença mais grave.
Gestantes: se dengue recente, podem transmitir IgG
transplancentária de um sorotipo específico para a criança, logo a
criança poderá ter a 1ª doença mais grave se sorotipo distinto
do IgG (pois é como se tivesse tendo a doença pela 2ª vez).

5. Sintomas
75 assintomáticos, 25% com sintomas leves ou moderados à graves.
a. Clássicos – apelido “febre quebra-ossos”
- Febre alta (39 à 40ºC) e súbita, com duração de 2 à 7 dias;
- Mialgia e artralgia;
- Cefaleia;
- Dor retro-orbitária;
- Exantema maculopapular difuso (principalmente em face, tronco,
membros, sem poupar palmas e plantas), do 3º ao 6º dia, que pode
ser pruriginoso ou não e que não se relaciona com gravidade, que
desaparece à digitopressão;
Farmacodermias e sífilis também não poupam palmas e plantas.
- Náuseas e vômitos.
b. Hemorrágicos:
- Petéquias;
- Sangramento de mucosas oral
e conjuntival.
c. Outros:
- Derrame cavitário;
- Derrame pleural;
- Ascite.

6. Choque hipovolêmico na dengue


- Principal causa de óbito na dengue – não é devido à choque
hemorrágico e sim devido à choque hipovolêmico;
- Há perda de líquido para o 3º espaço e o indivíduo evolui para
choque hipovolêmico se não houver reposição;
- Ocorre após a redução da febre e tem rápida evolução (em horas);
- Recuperação em 48 à 72h.

7. Manifestações clínicas
I) Febril – sintomas “COMETA”:
Cefaleia / Orbitária (dor retro-orbitária) / Mialgia / Exantema /
Temperatura elevada (febre de 39 à 40ºC) / Artralgia
II) Crítica;
- Fase da remissão da febre (fim da fase da febril), e que mais cursa
com risco de evolução para doença grave pois há aumento da
permeabilidade capilar;
- Ficar atento aos sinais de alarme e às manifestações hemorrágicas;
SINAIS DE ALARME DA DENGUE (SILVA 3H)
Sangramento de mucosa
Irritabilidade ou letargia
Líquido acumulado (ascite, derrame pleural ou derrame pericárdico)
Vômitos persistentes
Abdome doloroso (dor contínua)
Hipotensão postural ou lipotímia
Hepatomegalia (2cm ou mais do rebordo costal D)
Hematócrito elevado (hemoconcentração)
III) Recuperação
- 24 à 48h após a fase crítica, havendo reabsorção do plasma e
melhora clínica gradual.

8. Dengue em crianças e em gestantes


Crianças
- Principalmente em crianças < 2 anos: quadro inespecífico, com
diagnóstico diferencial difícil;
- Provável atraso diagnóstico.
Gestantes
- Alterações fisiológicas da gestação mascaram os sinais de dengue;
- Cursa com hipotensão postural, taquicardia e hemoconcentração;
- Riscos para a gestante: hemorragia (abortamento, parto ou pós-parto
imediato) e choque;
- Riscos para o feto, através da transmissão intrauterina: abortamento
no 1º trimestre e parto prematuro no 3º trimestre (não causa má-
formação fetal, geralmente).

9. Classificações antiga e atual da dengue


- A antiga consistia em (OMS, 1997): dengue clássica OU febre
hemorrágica da dengue OU dengue sem complicações;
Febre hemorrágica da dengue
Febre de até 7 dias + trombocitopenia < 100.000/mm3 + tendências
hemorrágicas (prova do laço +, petéquias, sangramento de mucosas ou TGI)
+ extravasamento plasmático (Htc 20%, queda do Htc após hidratação e
derrame cavitário ou hipoproteinemia).
- A atual classificação (OMS, 2009), consiste em:
i. Dengue;
ii. Dengue com sinais de alarme – fase crítica;
iii. Dengue grave – sinais de gravidade: choque, desconforto
respiratório, sangramento grave, comprometimento grave de órgãos;
➢ sangramento grave: hematêmese, melena, metrorragia, SNC,
sangramento volumoso;
➢ desconforto respiratório;
➢ comprometimento grave de órgãos: hepatite (AST ou ALT > 1000),
miocardite, encefalite, etc;
➢ sinais de choque: taquicardia, extremidades distais frias, pulso fraco
e filiforme, enchimento capilar lento > 2 seg, PA convergente (<
20mmHg), oligúria (< 1,5ml/kg/h), hipotensão arterial, cianose.

10. Diagnóstico
A. Caso suspeito
Residência ou viagem à área endêmica nos últimos 14 dias +
Febre (2 a 7 dias) +
2/6 manifestações:
▪ náusea/vômito;
▪ exantema;
▪ mialgia/artralgia;
▪ cefaleia/dor retro-orbital;
▪ petéquias/prova do laço positiva;
▪ leucopenia.
B. Alterações laboratoriais
➢ Hemograma
- Leucopenia/linfopenia – alteração mais precoce;
- Plaquetopenia;
- Elevação do hematócrito – hemoconcentração por perda de líquido
para o 3º espaço.
➢ Alteração hepática
- Elevação de aminotransferases AST/ALT, até 5x LSN e em casos
graves de hepatopatia > 1000;
- Bilirrubina elevada em casos graves de hepatite e falência hepática.
➢ Casos graves
- Hipoalbuminemia por extravasamento plasmático;
- Distúrbios de coagulação: coagulopatia por consumo – aumento de
protrombina/tromboplastina e trombina x diminuição de
fibrinogênio/protrombina/fatores VIII e XII/antitrombina e alfa-
antiplasmina.
C. Confirmação diagnóstica

I. Detecção do vírus
- 1º ao 5º dia do início dos sintomas = viremia;
▪ RTPCR (reação de cadeia polimerase por transcrição reversa):
pesquisa do RNA viral;
▪ Antígeno NS1/teste rápido para dengue: detecta o antígeno do
vírus.
- Vantagem: podem ser usados no início da doença até o 5º dia,
preferencialmente;
- Desvantagem: sensibilidade não é tão boa – se negativo, não pode
ser excluída a possibilidade; porém, se positivo, confirmado o
diagnóstico.
II. Detecção de anticorpos contra o vírus
- Do 6º dia dos sintomas em diante = anticorpos formados;
▪ Sorologia ELISA = IgM da fase aguda, IgG da fase crônica.
- Vantagem: maior sensibilidade;
- Desvantagem: só poder ser realizado a partir do 6º dia de sintomas.
11. Panorama da infecção por dengue x dias de sintomas

*Infecção 2ª = 2ª infecção por dengue.

12. Prevenção
- Relembrando os hábitos do mosquito: hábitos diurno, em regiões
tropicais e subtropicais e em áreas com ocupação urbana e com más
condições sanitárias – água parada;
- Medidas de prevenção:
o Redução da exposição ao vetor – controle vetorial que protege
em massa;
Mecânico – impedir criadouros: evitar objetos que possam acumular
água parada;
Biológico – estimular seres vivos que possam se alimentar das
larvas/dos mosquitos – ex: peixes em açudes;
Químico – inseticidas para matar mosquitos e larvas (impacto no
ambiente).
o Vacina – proteção individual (Dengvaxia): aprovada no BR em
2015 para pessoas de 9 à 45 anos com infecção prévia por
dengue, formada por quimerismo de vírus atenuado de febre
amarela (contraindicada então para gestantes, nutrizes e
imunossuprimidos), indisponível na rede pública, sendo
necessária 3 doses com intervalo de 6 meses entre elas.
o Cuidados individuais: repelentes (DEET e icaridina) – pode ser
usado em gestantes, telas, mosquiteiros, uso de calças
compridas e camisas de manga longa em áreas de transmissão.
Dentre as principais medidas temos o controle mecânico.

13. Diagnóstico diferencial

14. Arboviroses: como diferenciar?

15. Vigilância epidemiológica


- Casos suspeitos/confirmados de dengue = notificação compulsória;
- Óbitos: notificação imediata em 24h.
16. Classificação de risco e manejo
I. Pilares do tratamento

II. Classificação de risco

PROVA DO LAÇO
- Detecta fragilidade capilar (disfunção endotelial) e
extravasamento capilar que é a causa do choque, indicada para
todos os pacientes com dengue sem sangramento espontâneo –
se sangramento espontâneo/petéquia já há fragilidade capilar;
- Passo a passo:
1. Média aritmética da PA: Psistólica + Pdiastólica / 2;
2. Insuflar o manguito até a PA média e deixar por 5min em
adultos/3min em crianças;
3. Quadrado no antebraço proximal em quadrado de 2,5cm2.
4. Contar as petéquias no quadrado ao fim do tempo:
Prova do laço positiva: 20 petéquias ou mais em adultos e 10
petéquias ou mais em crianças.

- Leva em consideração: condições/fatores de risco (idade,


comorbidades), sangramento cutâneo e sinais de gravidade
(alarme/choque).
GRUPO A: sem sinais de alarme, sem comorbidades/fatores de risco,
sem condições clínicas especiais;
GRUPO B: sem sinais de alarme mas com sangramentos de pele
(petéquias, sangramento mucosa ou prova do laço +) ou com
comorbidades/grupo de risco/condições clínicas especiais;
GRUPO C: sinal de alarme;
GRUPO D: sinais de choque, sangramento grave ou disfunção grave
de órgãos.
A. Grupo A
- Acompanhamento ambulatorial: retorno quando a febre acabar, se
sinais de alarme ou no 5º dia de febre;
- Medicações sintomáticas e hidratação oral.
EVITAR AINES (risco de sangramento) e AAS (risco de
sangramento OU síndrome de Reye – pós viral com encefalopatia
e disfunção hepática).
B. Grupo B (risco)
GRUPOS DE RISCO
- Idade < 2 anos ou > 65 anos;
- Gestação;
- Doenças crônicas: HAS, DCV graves, DM, DPOC, DRC, doença
ácido-péptica, hepatopatias, doenças autoimunes;
- Acompanhamento na enfermaria: solicitar hemograma, fazer
hidratação oral e sintomáticos + reavaliação em 4h: alta se Htc
normal e sem sinais de alarme;
- Tratar como grupo C se Htc elevado ou outro sinal de alarme;
- Acompanhamento diário até remissão da febre.
C. Grupo C (alarme – SILVA 3H)
- Internação hospitalar: solicitar hemograma, albumina, AST/ALT,
RX tórax (Lawrell) e USG abdominal + iniciar hidratação venosa;
- Exame diagnóstico obrigatório: sorologia ou PCR/NS1.
D. Grupo D (gravidade)
- Internação em UTI: hidratação venosa de expansão (choque) +
hemograma, albumina, AST/ALT, RX tórax (Lawrell), USG abdome;
- Exame diagnóstico obrigatório: sorologia ou PCR/NS1.
III. Hidratação na dengue
VO: grupos A e B (1ª hidratação no ambiente hospitalar enquanto
aguarda exames);
60ml/kg/dia
1/3 de solução salina + 2/3 outros líquidos
*DICA ESTRATÉGIA: paciente com dengue vai para casa, se senta e hidrata –
sessenta ml/kg/dia.
*Crianças - < 13 anos de acordo com peso:
Até 10kg – 130ml/kg/dia
10-20kg – 100ml/kg/dia
Acima de 20kg – 80ml/kg/dia

PARENTERAL: grupos C e D;
GRUPO C: 10ml/kg solução isotônica IV em 1h
- Se boa resposta, manutenção:
1ª etapa = 25ml/kg em 6h;
2ª etapa = 25ml/kg em 8h (1/3 solução salina + 2/3 glicose 5%)
GRUPO D: 20ml/kg solução isotônica IV em 20min
- Repetir até 3x.
*Crianças – acesso intraósseo (região tibial) se dificuldade de acesso venoso.

IV. Gestantes
- Automaticamente se encaixa no grupo B;
- A indicação de exames complementares não muda – se necessário
RX, realizar com proteção;
- A cesárea é indicada se PCR sem resposta à RCP por 4-5min
(reduzir pressão sobre VCI).
V. Indicação de internação hospitalar
- Grupos C e D;
- Pacientes com impossibilidade de ingesta de líquidos/alimentos:
vômitos, por exemplo;
- Dificuldade de acesso ao serviço de saúde para acompanhamento
ambulatorial: moradores de rua, pacientes que moram em locais
distantes, questões sociais.

VI. Critérios de alta


- Todos os critérios devem estar presentes:
✓ Estabilidade hemodinâmica nas últimas 48h;
✓ Ausência de febre durante 48h;
✓ Melhora clínica;
✓ Htc estável e dentro da normalidade por 24h;
✓ Plaquetas > 50.000/mm3 e com tendência à elevação;
✓ Melhora dos derrames cavitários.

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