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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

Curso de Medicina Campus Vitória da Conquista

Área Pediatria

PROTOCOLOS ASSISTENCIAIS – INTERNATO DE PEDIATRIA

TÍTULO: ARBOVIROSES NA PEDIATRIA (DENGUE, ZIKA E


CHIKUNGUNYA)

Elaborado em Dezembro/2023

Responsável: Valéria Bruna Sousa Batista

Revisado por: Márcia Nascimento

Público alvo: Crianças e adolescentes atendidos em todos os setores do


rodízio de pediatri a da UESB.

1. INTRODUÇÃO

Arboviroses são doenças de etiologia viral transmitidas por artrópodes


hematófagos, geralmente mosquitos, que representam causas importantes de
agravos a saúde em países tropicais e subtropicais devido, principalmente, à grande
dificuldade de controle vetorial e a falta de imunização e terapia antiviral eficiente.
Entre as arboviroses mais relevantes nos meios urbanos estão aquelas transmitidas
pelo mosquito Aedes aegypti: dengue, chikungunya e zika, que serão abordadas
neste protocolo.
Nos últimos anos, juntamente às intervenções humanas nos ecossistemas, ao
crescimento desordenado da população urbana e à intensificação progressiva das
alterações climáticas, observou-se um aumento expressivo das doenças arbovirais,
em especial aquelas transmitidas pelo Aedes aegypti. Em acordo ao que é trazido
pelo InfoDengue, da fundação Oswaldo Cruz, a elevação da temperatura média
global, alterações no regime pluviométrico e a ascendente ocorrência de desastres
ambientais influenciam o ciclo das arboviroses, favorecendo o aumento da
população vetorial, da multiplicação viral e o contato do homem com o vetor.
A dengue é a arbovirose urbana mais comum no mundo, e de eminente
importância nas Américas, responsável por epidemias de alto impacto
socioeconômico, implicando em um relevante problema de saúde pública. No Brasil,
a dengue continua sendo a doença arboviral de maior incidência, mesmo após a
introdução da chikungunya e da zika. A maioria dos casos se apresentam de forma
oligossintomática ou mesmo assintomática, uma pequena parcela dos casos
evoluem com doença febril miálgica autolimitada, e numa proporção muito menor, a
doença pode apresentar complicações mais graves, geralmente em grupos de maior
vulnerabilidade.
O vírus da chikungunya é causa recorrente de surtos em regiões da África
Oriental e Central, Sudeste Asiático e América do Sul. No Brasil, foi identificado pela
primeira vez no ano de 2014, com casos confirmados nos estados do Amapá e
Bahia. Consiste, na maioria das vezes, em uma infecção autolimitada, marcada por
poliartralgia e mialgia intensas que pode se tornar crônica, e numa minoria dos
casos, ocorrem manifestações atípicas, que podem afetar o sistema nervoso,
cardiovascular, hematológico, pele e rins.
O Zika vírus, introduzido no Brasil no ano de 2015, tende a causar uma
doença febril aguda frequentemente associada a rash cutâneo, que, na maioria das
vezes, evolui para a cura. Todavia, alguns casos podem ter implicação na
causalidade da Síndrome de Guillain-Barré (SGB). Além disso, a infecção em
gestantes está relacionada a um maior risco no desenvolvimento de malformações
congênitas.
É importante salientar que as crianças constituem um grupo de maior
vulnerabilidade para as arboviroses urbanas, visto que possuem características que
favorecem o desenvolvimento das formas mais graves. Diante disso, é
imprescindível o conhecimento acerca dessas doenças para o estabelecimento do
diagnóstico precoce, tratamento adequado, vigilância dos sinais de alarme para as
formas graves e implementação de práticas efetivas de medidas de prevenção.
2. OBJETIVO

Implantar protocolo assistencial gerenciado para o diagnóstico precoce,


tratamento e identificação dos sinais de gravidade, bem como o diagnóstico
diferencial das principais arboviroses urbanas na pediatria.

3. DENGUE

3.1. Etiopatogenia
A dengue tem como agente etiológico um vírus de RNA (DENV) que pertence
ao gênero Flavivirus, família Flaviviridae, e possui quatro sorotipos distintos (DENV
I,II,III e IV). É transmitido, principalmente, através da picada de uma fêmea infectada
do Aedes aegypti, mosquito urbano de hábito diurno cuja proliferação tende a
ocorrer em recipientes ou criadouros naturais contendo água parada. Existem
relatos na literatura de contaminação após transfusão sanguínea, transplante de
órgãos e ferimentos com agulhas.
A transmissão vertical pode ocorrer em gestantes com infecção aguda
durante o parto, e alguns trabalhos sugerem que também pode ocorrer
contaminação através da amamentação.

3.2. Quadro clínico


De forma geral, a dengue na criança será assintomática ou oligossintomática,
com manifestações inespecíficas, geralmente na forma de uma síndrome febril
associada a prostração, inapetência, vômitos e diarreia.
Entretanto, a apresentação clássica da doença pode ser dividida em fases:
febril, crítica e de recuperação

3.2.1. Fase febril

A febre, geralmente alta (39°C a 40°C), tende a ser o primeiro sinal clínico a
se apresentar na forma clássica da doença, com duração de dois a sete dias, sem
foco infeccioso aparente, associada a sintomas sistêmicos como náusea, vômito,
cefaléia, dor retroorbitária, mialgia e artralgia. Metade dos pacientes apresenta
exantema maculopapular predominante em face, tronco e membros.

3.2.2. Fase crítica


Alguns pacientes, após o período de defervescência (3° a 7° dia), podem
evoluir para a forma grave da doença. Ocorre um aumento da permeabilidade
capilar, implicando em extravasamento de líquido para o terceiro espaço e cavidades
serosas, marcado por hemoconcentração, traduzida pela elevação do hematócrito.
Nesta fase, os sinais de alarme devem ser constantemente investigados, sobretudo
nas crianças mais novas, devido ao maior risco de choque secundário à dengue.
Considera-se dengue com sinais de alarme qualquer caso de dengue que, no
período de defervescência, manifeste ao menos um dos seguintes sinais: dor
abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, acúmulo de líquidos (edema,
ascite, derrame pleural e derrame pericárdico), hipotensão postural ou lipotímia,
hepatomegalia, sangramento de mucosa, letargia ou irritabilidade e aumento
progressivo do hematócrito.
Já a dengue grave é definida por qualquer caso de dengue que manifeste ao
menos uma das seguintes complicações: choque ou insuficiência respiratória
secundários à perda de líquido para o terceiro espaço, hematêmese, melena ou
sangramento encefálico, Disfunção orgânica grave (TGO ou TGP > 1000 IU,
rebaixamento do nível de consciência ou miocardite).
Tais conceitos são importantes para a classificação de risco da dengue
(tabela 1), que orientará o manejo do paciente pediátrico.

3.2.3. Fase de recuperação


Ocorre progressiva melhora clínica com reabsorção do líquido perdido para o
terceiro espaço. Podem ocorrer infecções bacterianas secundárias, relacionadas a
um pior prognóstico.
Tabela 1. classificação de risco da dengue na pediatria

Dengue sem sinais de alarme, sem


GRUPO A condição especial, sem comorbidades e
sem risco social

Dengue sem sinais de alarme, com


GRUPO B condição especial, ou com risco social e
com comorbidades

• Dor abdominal intensa e contínua.


• Vômitos persistentes.
• Acúmulo de líquidos.
GRUPO C • Hipotensão postural e/ou lipotímia.
Dengue com sinais de alarme e sem • Hepatomegalia maior do que 2 cm
sinais de gravidade abaixo do rebordo costal.
• Sangramento de mucosa.
• Letargia e/ou irritabilidade.
• Aumento progressivo do hematócrito.

• Extravasamento grave de plasma,


levando ao choque evidenciado por
taquicardia; extremidades distais frias;
pulso capilar lento; pressão arterial
GRUPO D convergente; taquipneia; oligúria;
Dengue grave hipotensão arterial; cianose;
acumulação de líquidos em cavidades
serosas.
• Sangramento grave.
• Comprometimento grave de órgãos.
Fonte: adaptado de SBP, 2019, apud MS, 2016.

3.3 Diagnóstico
A suspeita diagnóstica é levantada mediante a apresentação clínica, que
pode ser sugestiva ou inespecífica, que ocorre em local epidemiologicamente
favorável. Algumas alterações em exames laboratoriais podem corroborar com a
hipótese diagnóstica, apesar da baixa especificidade.
São achados frequentes a leucopenia com linfocitose (as custas de linfócitos
atípicos) e elevação das transaminases hepáticas, podendo ocorrer em qualquer
fase da doença. Na fase crítica pode ser observada uma concentração do
hematócrito, alteração do coagulograma e redução das proteínas e albumina sérica
que podem estar mascaradas pela hemoconcentração.
A confirmação diagnóstica laboratorial se dá por meio da identificação do
agente etiológico, e a escolha do método ideal depende do número de dias do
aparecimento dos sintomas. Até o quinto dia de sintomas os métodos de escolha
são os de detecção de antígenos virais (NS1, RT-PCR, isolamento viral, e imuno
histoquímica), em fases mais tardias da doença a sorologia, pelo método ELISA,
torna-se o método ideal. É importante destacar que podem ocorrer reações
cruzadas com outras infecções por flavivírus (febre amarela e zika).

3.4 Conduta
De acordo com as últimas recomendações da Sociedade Brasileira de
Pediatria, a conduta do paciente com dengue deve ser orientada para o controle dos
sintomas, visto que as arboviroses carecem de terapias antivirais específicas. O
tratamento sintomático é baseado no estadiamento da doença, proposto inicialmente
pela Organização Mundial da Saúde, que é demonstrado na tabela 1.
● GRUPO A - Acompanhamento ambulatorial
○ Laboratório:
■ Conforme necessidade: Hemograma
○ Hidratação: preconiza-se o uso de soro de reidratação oral (⅓ das
necessidades basais) de forma precoce e abundante, complementado
com líquidos caseiros (água, sucos naturais, chás e água de côco).
■ <2 anos: oferecer 50-100ml por vez.
■ >2anos: 100-200ml por vez.
○ Sintomáticos: Podem ser prescritos analgésicos e antitérmicos como
dipirona e paracetamol, antieméticos como a bromoprida, caso seja
necessário. AINEs e salicilatos devem ser evitados por elevarem o
risco de sangramento.
○ Orientações: Retorno imediato na presença de sinais de alarme ou a
critério médico.
● GRUPO B - Devem ser mantidos em leito de observação e hidratação.
○ Laboratório:
■ Obrigatório: Hemograma
■ Conforme necessidade: Exame específico
○ .Hidratação:
■ Iniciar hidratação oral supervisionada até o resultado dos
exames.
■ Hematócrito normal: Seguir conduta do grupo A.
■ Hematócrito aumentado (>38%): Manter em leito de observação
e realizar hidratação oral com 50 a 100ml/kg.
○ Reavaliação clínica e laboratorial após 4h de hidratação:
■ Houve aumento do hematócrito ou surigimento de sinais de
alarme?
● Não: Seguir conduta do Grupo A; Reavaliação clínica e
laboratorial diária ou imediata na presença de sinais de
alarme, até
● Sim: Seguir conduta do Grupo C.
● Grupo C: Devem ser acompanhados em leito de internação por um período
mínimo de 48h.
○ Laboratório
■ Obrigatório: Hemograma, proteína, albumina, tipagem
sanguínea e exame específico.
■ Conforme necessidade: gasometria, eletrólitos, transaminases,
função renal, Rx de tórax e USG
○ Hidratação: (IV)
■ Expansão volêmica imediata com 20ml/kg/h de SF 0,9% ou
Ringer Lactato.
■ Reavaliação clínica e laboratorial a cada 2h:
● Houve melhora clínica e laboratorial? (SV e PA estáveis,
diurese normal e queda do hematócrito?)
○ Sim: Soro de manutenção (Regra de
Holliday-Segar)
○ Não: Repetir esquema de expansão volêmica até
3x. Se resposta insatisfatória, Conduzir como
Grupo D.
● Grupo D: Acompanhamento em leito de terapia intensiva
○ Laboratório
■ Obrigatório: Hemograma, proteína, albumina, tipagem
sanguínea e exame específico.
■ Conforme necessidade: gasometria, eletrólitos, transaminases,
função renal, Rx de tórax e USG
○ Hidratação IV com 20ml/kg de solução salina isotônica em até 20min.
■ Repetir esta fase até três vezes, se necessário.
○ Reavaliação clínica a cada 15-30 min e hematócrito após 2h - Houve
melhora clínica e laboratorial?
■ Sim: Retornar para a fase de expansão do Grupo C.
■ Resposta inadequada
● Hematócrito em elevação: Expansão plasmática com
colóides sintéticos 10ml/kg/h; ou albumina 0,5-1g/kg
○ Se resposta adequada, tratar como Grupo C.
● Hematócrito em queda: investigar hemorragias e
coagulopatias de consumo.
○ Hemorragia: Concentrado de hemácia.
○ Coagulopatia: avaliar necessidade de plasma
(10ml/kg), Vit K e Crioprecipitado (IU para cada
5-10kg)
○ Ausência de hemorragia ou coagulopatia:
investigar hiperhidratação e ICC, Reduzir infusão
de líquido e iniciar diuréticos e inotrópicos, se
necessário.
○ Se resposta adequada, tratar como Grupo C

4. CHIKUNGUNYA

4.1 Etiopatogenia
A Chikungunya é uma arbovirose causada pelo vírus chikungunya (CHIKV),
pertencente à família Togaviridae e ao gênero Alphavirus. Transmitida,
principalmente, pela fêmea infectada do mosquito Aedes aegypti. A transmissão
também pode se dar por via vertical em gestantes com alta viremia no período
intraparto, implicando, frequentemente, em sepse neonatal grave. Existe na literatura
a descrição de relatos de transmissão através de transfusão sanguínea.
A proliferação viral se inicia no sistema reticuloendotelial, e a clínica tende a
se apresentar de 2 a 4 dias após a inoculação. A viremia inicial é responsável pela
febre e a resposta imunológica do hospedeiro pelos demais sintomas sistêmicos
presentes na primeira semana de doença. As manifestações crônicas ainda não
tiveram seu mecanismo totalmente elucidado, mas acredita-se estarem relacionadas
à mecanismos de autoimunidade e a persistência do vírus em macrófagos sinoviais.

4.2. Quadro Clínico


As manifestações clínicas da chikungunya em crianças cursam com algumas
diferenças com relação aos adultos. As crianças tendem a se apresentar mais
comumente de forma assintomática e, quando sintomáticas, apresentam mais
comumente sintomas dermatológicos e neurológicos, enquanto sintomas articulares
são menos frequentes. Todavia, em sua apresentação clássica, a chikungunya pode
ser dividida em três fases: A fase aguda, ou febril, fase subaguda e fase crônica.

4.2.1. Fase aguda


Costumavelmente, se apresenta com febre de início súbito, que pode ser
contínua, intermitente ou bifásica e de curta duração, geralmente associada a
poliartralgia moderada, dor lombar e rash cutâneo.
A artralgia ocorre em até 90% dos casos e tende a ser poliarticular, bilateral,
simétrica e distal. O exantema é, corriqueiramente, maculopapular, acomete
aproximadamente 50% dos pacientes e costuma surgir entre o segundo e o quinto
dia após o início da febre, podendo ser pruriginoso ou não. Possui distribuição
preferencial por tronco e extremidades, podendo atingir a face.
Nesta fase, os doentes podem apresentar ainda dor retrocular, neurite,
calafrios, hiperemia conjuntival, faringite, náusea, vômito, diarréia, e dor abdominal.
A transmissão vertical intraparto para RN de mãe infectadas ocorre em
aproximadamente 50% dos casos. Em recém nascidos, os sintomas variam desde
uma apresentação clínica leve (43%) a severa, podendo apresentar encefalite em
até 53% dos casos e, muitas vezes, implicando em internação prolongada em
terapia intensiva. A letalidade dessa forma da doença é cerca de 2,8%, com um
risco de desenvolvimento de sequelas neurológicas a longo prazo em 50% dos
pacientes sintomáticos

4.2.2. Fase subaguda


Fase em que a febre tende a desaparecer com persistência ou intensificação
da artralgia e dor em articulações previamente acometidas e tenossinovite
hipertrófica em mãos, punhos e tornozelos, podendo implicar em síndrome do túnel
do carpo. Frequentemente associa-se a edema articular e a prurido generalizado
com manutenção do exantema, podendo cursar com lesões purpúricas, vesiculares
e bolhosas.

4.2.3. Fase crônica


Até metade dos doentes poderão ter persistência dos sintomas por mais de
três meses, quando inicia-se a fase crônica da doença. Os principais sintomas
remanescentes tendem a ser a dor articular, muscular e neuropática. Podem ocorrer
manifestações decorrentes da síndrome do túnel do carpo como parestesia e
paresia na topografia do nervo mediano. Estudos descrevem que tais sintomas
podem permanecer por até 3-6 anos.
Outras sintomas remanescentes menos comuns são fadiga, cefaléia, prurido,
tenossinovite, bursite, fenômeno de Raynaud, ataxia, parestesias, disestesias e dor
neuropática, turvação visual, além de transtornos cognitivos e do humor.

4.3. Diagnóstico
Alterações laboratoriais como leucopenia (especialmente as custas de
linfopenia), plaquetopenia, hipocalemia e elevação de enzimas hepáticas podem
ocorrer mesmo nas formas leve e moderada da chikungunya. O método de
confirmação dependerá do tempo de evolução da doença. Até o quinto dia de
sintomas o método de escolha é a detecção de antígenos virais por RT-PCR, e a
partir do sexto dia de sintomas a sorologia, pelo método ELISA, torna-se o método
de preferência.

4.4. Conduta
A chikungunya tende a ter uma história natural autolimitada, com resolução
espontânea em 7 a 10 dias na grande maioria dos casos. Além disso, bem como
para a dengue, não existe terapia antiviral contra o CHIKV. Dessa forma, a conduta
também se assemelha àquela proposta para a dengue, baseada na hidratação e
controle da febre e sintomas álgicos.
Recomenda-se o uso inicial de analgésicos, como dipirona e paracetamol,
podendo ser utilizado, em segunda linha, opióides, como a codeína, para maiores de
12 anos e o tramadol, em casos de refratariedade da dor. Os AINEs devem ser
evitados na fase aguda da doença, mas podem ser associados para o tratamento da
dor articular em casos que evoluem para a fase crônica, bem como os corticóides e,
nos casos mais refratários, a gabapentina e a pregabalina.
Em situações de risco para infecção adquirida por via vertical, em que o RN
se encontra assintomático, deve ser realizado monitoramento por pelo menos 5 dias
antes da alta, devido ao risco de manifestações graves. Nos casos sintomáticos a
internação, com monitorização e controle da sintomatologia, deve ser instituída.

5. ZIKA

5.1. Etiopatogenia
A zika é a arbovirose causada pelo Zika vírus, pertencente ao gênero
Flavivirus e a família Flaviviridae, a mesma da dengue e febre amarela, que também
é transmitida pela fêmea do Aedes aegypti. Além da forma vetorial, as formas de
transmissão sexual, pós transfusional e vertical (transplacentária) já foram
documentadas. O período de incubação pode variar de dois a sete dias.

5.2. Quadro clínico


Assim como nas demais arboviroses abordadas neste material, a zika pode
ser assintomática em grande parte dos pacientes contaminados (> 50%), mas
quando sintomática, seu quadro pode variar desde uma forma oligossintomática e
autolimitada até complicações neurológicas e malformações congênitas.
O quadro agudo em crianças aparenta se assemelhar bastante ao quadro em
adultos. Manifestando-se com febre baixa (<38,5º) e rash maculopapular que se
instala no sentido craniocaudal que pode cursar com prurido intenso.
Podem ocorrer manifestações neurológicas associadas à infecção pelo Zika
vírus. As mais frequentemente documentadas incluem a síndrome de Guillain-Barré,
polineuropatia periférica, mielite aguda e meningoencefalite. Além disso, com
relação à transmissão intrauterina, diversos estudos têm demonstrado a implicação
em malformações congênitas em até 9% dos recém nascidos expostos, como,
principalmente, a microcefalia, mas ainda outras malformações do SNC,
desproporção craniofacial e acúmulo de pele em região occipital. Também foram
descritos atrasos no crescimento e desenvolvimento, anormalidades oculares,
irritabilidade, epilepsia e hipertonia. A letalidade da zika congênita pode chegar a
6%.

5.3. Diagnóstico
● Métodos diretos: Pesquisa direta de vírus (técnica de isolamento viral em
camundongos); RT-PCR.
● Métodos indiretos: Sorologia (ELISA); Teste de neutralização por redução de
placas (PRNT); Inibição da hemaglutinação (IH); Imunohistoquímica (IHQ)
5.4. Conduta
O tratamento é baseado no controle dos sintomas, hidratação e vigilância
quanto aos sinais de alarme.
Para os pacientes sintomáticos, o Ministério da Saúde recomenda o repouso
durante o período de febre, estímulo à hidratação oral, a administração de
analgésicos, antitérmicos e antieméticos, conforme a necessidade, orientações para
que retorne em casos de sensação de formigamento de membros, déficit focal ou
alteração do nível de consciência, para a investigação de complicações
neurológicas.
Em casos de sinais de alarme compatíveis com a dengue, conduzir de acordo
com o protocolo de dengue.
Gestantes com suspeita de Zika devem ser conduzidas conforme protocolos
vigentes para o pré-natal.

6. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ENTRE DENGUE, ZIKA E CHIKUNGUNYA


As arboviroses urbanas transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti tendem a
se manifestar de forma bastante semelhante entre si. De forma geral, todas podem
se apresentar como uma síndrome febril miálgica. Entretanto, algumas diferenças no
quadro clínico clássico da dengue, Zika e chikungunya, demonstradas na tabela 2,
podem ajudar a orientar o raciocínio diagnóstico e, portanto, a conduta,
principalmente em regiões que carecem de exames laboratoriais específicos para
estas arboviroses.

Tabela 2: Diagnóstico diferencial da dengue, zika e chikungunya

SINAIS E SINTOMAS DENGUE ZIKA CHIKUNGUNYA

FEBRE (DURAÇÃO) 2-7 dias 1-2 dias subfebril 2-3 dias de febre alta
Sem febre ou febre >38,5ºC
baixa

EXANTEMA Surge do 3º ao 6º dia Surge no 1º ou 2º dia Surge do 2º ao 5º dia

MIALGIA +++ ++ ++

ARTRALGIA + ++ +++

CONJUNTIVITE Raro 50-90% 30%

CEFALÉIA +++ ++ ++

LINFONODOMEGALIAS + +++ ++

DISCRASIAS SANGUÍNEAS ++ Ausente +

SINTOMAS NEUROLÓGICOS + +++ ++

LEUCOPENIA +++ ++ ++

LINFOPENIA Incomum Incomum Frequente

TROMBOCITOPENIA +++ + ++
Fonte: Adaptado de Brito e Cordeiro, 2016.

7. PREVENÇÃO DAS ARBOVIROSES


As principais medidas de prevenção contra as arboviroses urbanas são
orientadas para o combate ao vetor. É sabido que a proliferação do Aedes aegypti
se dá, preferencialmente, em locais com água parada. Dessa forma medidas de
educação sanitária da população para o combate ao mosquito devem continuar
sendo estimuladas, como a higiene e limpeza semanal de recipientes ou locais que
acumulam água. O uso de repelentes e mosquiteiros é recomendado,
principalmente, em regiões com grande população de vetores.
Existem, atualmente, duas vacinas quadrivalentes contra a dengue
licenciadas em nosso país:
● Dengvaxia© (Sanofi) - Recomendadas três doses com para crianças,
adolescentes e adultos soropositivos para o DENGV (6 a 45 anos).
● QDENGA© (Takeda) - Recomendada no esquema de duas doses para
crianças, adolescentes e adultos independente de infecção prévia (4 a 60
anos).
Segundo orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria, todas as crianças
e adolescentes a partir de 4 anos de idade devem receber a vacinação contra a
dengue, respeitando um intervalo de 6 meses em caso de infecção pelo vírus da
dengue. Preconiza-se o uso da vacina QDENGA© pela não necessidade de
comprovação de infecção prévia e por sua melhor comodidade posológica. As
vacinas estão contraindicadas para gestantes, lactantes e imunocomprometidos.
REFERÊNCIAS

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Chikungunya fever. Nature Reviews Disease Primers, p. 1–21, 2023. Disponível
em: <https://www.nature.com/articles/s41572-023-00429-2>. Acesso em: 12 Dec.
2023.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de


Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de
Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde. – 5. ed. rev. e atual. – Brasília :
Ministério da Saúde, 2022.
Disponível em:
<https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_saude_5ed_rev_atual.p
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BRITO, C. A. A.; CORDEIRO, M. T. One year after the Zika virus outbreak in Brazil:
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DEPARTAMENTO CIENTÍFICO DE INFECTOLOGIA; DEPARTAMENTO


CIENTÍFICO DE EMERGÊNCIA; DEPARTAMENTO CIENTÍFICO DE TERAPIA
INTENSIVA. Dengue - Guia Prático de Atualização. In: Sociedade Brasileira de
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<https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_21998c-GPA_-_Dengue.pdf>.

FARIA, Marco Túlio da Silva; RIBEIRO, Nathalia Roland de Souza; DIAS, Alexandre
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Saúde e saneamento: uma avaliação das políticas públicas de prevenção, controle e
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