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MANUAL DE

CLÍNICA MÉDICA

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MANUAL DE
CLÍNICA MÉDICA
EDITOR CHEFE:
Estevão Tavares de Figueiredo

EDITORES ASSOCIADOS:
Débora Gonçalves da Silva
Felipe Marques da Costa
Gabrielly Borges Machado
Iara Baldim Rabelo
Lívia de Almeida Costa
Milena Tenório Cerezoli
Nícollas Nunes Rabelo
Robson Eugênio da Silva
Tárcia Nogueira Ferreira Gomes
Valéria Garcia Caputo
Victor Ferreira Schuwartz Tannus
Yanne Franca Montino

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DENGUE CAPÍTULO

Autores:
4.1
Gabrielly Borges Machado
Isadora Rabelo Cunha
Luciana de Almeida Silva Teixeira DENGUE

INFECTOLOGIA

1. INTRODUÇÃO

É uma doença febril aguda, de etiologia viral, conhecida como Febre de Quebra-ossos ou
Febre da Dengue e que possui um espectro clínico complexo e diverso. A maior parte dos pa-
cientes se recupera após evolução clínica leve/moderada e autolimitada, uma pequena parte
evolui para quadro grave, podendo levar a óbito.
Consiste em sério problema de saúde pública no mundo. É considerada a principal arbo-
virose que afeta o homem, pois ocorre em mais de 100 países, com crescente incidência nos
últimos 50 anos.
As condições do meio ambiente nos países tropicais e subtropicais favorecem o desenvol-
vimento e a proliferação do vetor transmissor da doença. Devido à potencial gravidade dessa
doença, associada aos números alarmantes de casos, todo caso suspeito deve ser notificado à
Vigilância Epidemiológica, pois compete à mesma adotar medidas capazes de reduzir a circu-
lação viral, buscando promover o controle e a prevenção da doença.

2. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

O agente etiológico é um vírus RNA, arbovírus pertencente ao gênero Flavivirus e à fa-


mília Flaviviridae. Atualmente são conhecidos quatro sorotipos: DENV1, DENV2, DENV3 e
DENV4, disseminados por todo território nacional, sendo as epidemias associadas com al-
teração do sorotipo predominante. O período de incubação varia de 4 a 10 dias, sendo em
média de 5 a 6 dias.
Os vetores são mosquitos do gênero Aedes. A espécie Aedes aegypti é a mais importante
na transmissão da doença, mas também pode transmitir o vírus da febre amarela urbana, vírus
Chikungunya e vírus Zika. O ciclo evolutivo do vetor, em condições favoráveis, se completa
em um período de 10 a 13 dias. Desenvolvem-se preferencialmente em água parada e limpa.
Dessa forma, entre janeiro e abril, favorece o desenvolvimento e disseminação do mosquito,
consequentemente ao aumento da incidência da doença.
A transmissão se dá através da picada da fêmea do A. aegypti portadora do vírus. Após a
inoculação viral pelo mosquito, ocorre a viremia, com consequente disseminação viral e início
dos sintomas da doença.
A suscetibilidade ao vírus da dengue é universal. A imunidade é permanente para um
mesmo sorotipo (homóloga). Na infecção secundária com outro sorotipo, há formação de an-
ticorpos parcialmente neutralizante e resposta imune celular, o que favorece o aumento da

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DENGUE

carga viral, da permeabilidade vascular e da coagulopatia, sinais característicos da forma hemor-


rágica da dengue.
Fatores de risco individuais determinam a gravidade da doença (gravidade do extravasamen-
to plasmático) e incluem idade, etnicidade e, possivelmente, comorbidades e infecção secundária
(prévia).

3. QUADRO CLÍNICO

A infecção pode ser assintomática ou causar doença cujo espectro inclui desde formas oligossin-
tomáticas até quadros graves com choque, com ou sem hemorragia, podendo evoluir para o óbito.
As manifestações clínicas da Dengue, podem ser classificadas em três fases:

3.1 Fase febril

Tem duração de dois a sete dias. Caracterizada por febre alta (39 ºC a 40 ºC) de início abrupto,
associado a cefaleia, hiporexia, mialgia, artralgia, prostração, astenia, dor retro-orbital, exantema,
prurido cutâneo, náuseas e vômitos. Podem ocorrer manifestações hemorrágicas leves, como pe-
téquias, gengivorragia e epistaxe.

3.2 Fase crítica

Tem duração de um a dois dias. Comumente ocorre entre o terceiro e o sétimo dia da doença.
Definido como o período de defervescência da febre, pode ocorrer o aumento da permeabilidade
capilar e extravasamento de plasma, apresentando como consequência, aumento dos níveis de
hematócrito. Leucopenia progressiva e diminuição abrupta na contagem de plaquetas também
acontecem nessa fase. Podem ser detectáveis ascite e derrame pleural. O grau de elevação do
hematócrito reflete a gravidade do extravasamento de plasma, que determina a gravidade e evo-
lução da doença. O choque sucede quando um volume crítico de plasma é perdido através do
extravasamento, o que geralmente ocorre entre os dias 4 ou 5 de doença, na maioria das vezes
precedido por sinais de alarme (decorrentes do extravasamento capilar, indicando a possibilida-
de de desenvolvimento para dengue grave e choque hipovolêmico).

Sinais de alarme:

dor abdominal intensa (à palpação ou referida) e contínua


vômitos persistentes
acúmulo de líquidos (ascites, derrame pleural, derrame pericárdico)
sangramento de mucosa ou outra hemorragia
hipotensão postural e/ou lipotimia
hepatomegalia maior do que 2 cm abaixo do rebordo costal
aumento progressivo do hematócrito
letargia e/ou irritabilidade

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INFECTOLOGIA

Sinais de gravidade:

sangramento grave
comprometimento grave de órgãos
taquicardia
extremidades distais frias
taquipneia
pulso fraco e filiforme
enchimento capilar lento (> 2 segundos)
pressão arterial convergente (< 20 mmHg).
oligúria
hipotensão arterial

O choque possui curta duração, e pode levar a óbito em um intervalo de 12 a 24 horas ou à


recuperação rápida, após tratamento adequado. Manifestações neurológicas, como convulsões
e irritabilidade, podem estar presentes em alguns pacientes. O choque prolongado leva à hipo-
perfusão de órgãos e consequentemente comprometimento progressivo destes, resultando em
acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada (CIVD). Isso A CIVD, por sua vez, leva a
hemorragias graves, causando diminuição de hematócrito em choque grave. Comprometimento
orgânico grave, como hepatites, encefalites, miocardites e/ou sangramento abundante (gastroin-
testinal, intracraniano), pode ocorrer.

3.3 Fase de recuperação

Tem duração de dois a três dias. Ocorre após as 24-48 horas da fase crítica. Caracterizada por
melhora progressiva da disfunção endotelial com reabsorção gradual do fluido que havia sido
extravasado para o compartimento extravascular. Há melhora do estado geral, retorno do ape-
tite, os sintomas gastrointestinais diminuem, o estado hemodinâmico estabiliza-se e a diurese
retorna. Alguns pacientes podem apresentar um rash cutâneo, prurido generalizado, desconforto
respiratório ou hipotermia, bem como sintomas prolongados.

4. DIAGNÓSTICO

4.1 Clínico-epidemiológico

Considera-se caso suspeito uma pessoa que viva em área onde se registram casos de dengue,
ou que tenha viajado nos últimos 14 dias para área com ocorrência de transmissão de dengue,
com febre entre dois e sete dias, e duas ou mais das seguintes manifestações:
• náusea, vômitos;
• exantema;
• mialgias, artralgia;
• cefaleia, dor retro-orbital;
• petéquias;
• prova do laço positiva;
• leucopenia.

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DENGUE

Os exames específicos que devem ser solicitados são:


• Virológico – antes do 5o dia dos sintomas.
• Pesquisa de vírus (isolamento viral).
• Pesquisa de genoma do vírus da dengue por reação em cadeia da polimerase de transcrição
reversa (RT-PCR).
• Pesquisa de antígeno NS1.
• Sorológico – após 6o dia dos sintomas.
• Pesquisa de anticorpos IgM (ELISA).

Os exames inespecíficos a serem solicitados são:


• hematócrito.
• contagem de plaquetas.
• dosagem de albumina.
• transaminases.

São de suma importância para o diagnóstico e acompanhamento dos pacientes, especial-


mente os que apresentarem sinais de alarme, sangramento, e para pacientes em situações espe-
ciais, como gestantes, crianças, idosos (> 65 anos) e portadores de doenças crônicas.

5. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

Síndrome febril Enteroviroses, febre tifoide, infecções respiratórias, hepatites virais,


malária.
Síndrome exantemática febril Rubéola, sarampo, escarlatina, eritema infeccioso, exantema súbito,
mononucleose infecciosa, parvovirose enteroviroses, citomegalovírus,
doença de Kawasaki.
Síndrome hemorrágica febril Hantavirose, malária grave, riquetsioses, febre amarela, leptospirose,
leishmaniose visceral e púrpuras.
Síndrome dolorosa abdominal Obstrução intestinal, abdome agudo inflamatório, pneumonia,
infecção urinária.
Síndrome meníngea Meningite bacteriana, meningites virais e encefalite.
Síndrome do choque Meningococcemia, septicemia, meningite por influenza tipo B,
síndrome do choque tóxico e choque cardiogênico.

6. TRATAMENTO

O tratamento baseia-se principalmente em reposição volêmica adequada. É de suma impor-


tância que seja feito o estadiamento da doença, ou seja, a classificação de risco (grupos A, B, C e
D), baseado nos sinais e sintomas apresentados pelo paciente, para determinar a conduta. Du-
rante a evolução da doença, o enfermo pode passar de um grupo a outro, em curto período de
tempo. É importante reconhecer precocemente os sinais de extravasamento plasmático (sinais
de alarme), para correção rápida com infusão de fluidos.

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INFECTOLOGIA

6.1 Grupo A

Caso suspeito de dengue com prova do laço negativo e ausência de sangramentos espon-
tâneos; ausência de sinais de alarme; sem comorbidades, grupo de risco ou condições clínicas
especiais.
A conduta necessária é o acompanhamento ambulatorial. Os exames laboratoriais comple-
mentares devem ser realizados a critério médico. O repouso deve ser orientado e a dieta prescrita.
Para a hidratação oral temos as seguintes orientações:
• Adultos: 60 mL/kg/dia, sendo 1/3 com solução salina e no início com volume maior. Para os
2/3 restantes, orientar o consumo de líquidos (água, soro caseiro, suco de frutas, água de
coco, chás etc.).
• Crianças até 10 kg: 130 mL/kg/dia; crianças de 10 a 20 kg: 100 mL/kg/dia. Crianças acima
de 20 kg: 80 mL/kg/dia, oferecer 1/3 na forma de soro de reidratação oral (SRO) e o restante
através da oferta de água, sucos e chás.

Aos sintomáticos devem ser prescritos analgésicos (paracetamol e/ou dipirona). Não deve-se
usar salicilatos ou anti-inflamatórios não esteroides. Deve-se orientar sobre sinais de alarme e
solicita-se o retorno entre o 3o e 6o dia se possível para reavaliação.

6.2 Grupo B

Caso suspeito de dengue com sangramento de pele espontâneo (petéquias) ou induzido


(prova do laço positiva); ausência de sinais de alarme; condições clínicas especiais e/ou de risco
social ou doenças crônicas: lactentes (menores de dois anos), gestantes, idosos acima de 65 anos,
hipertensão arterial ou outras doenças cardiovasculares graves, diabetes mellitus, doença pul-
monar obstrutiva crônica, doenças hematológicas crônicas (principalmente anemia falciforme e
púrpuras), nefropatias, doença ácido-péptica, hepatopatias e doenças autoimunes.
A conduta necessária é manter o paciente em observação com hidratação oral conforme gru-
po A até resultado de exames (hemograma obrigatório). Para o hematócrito normal, seguir pro-
cedimentos do grupo A (ambulatorial), reavaliação clínica diária. Para paciente com surgimento
de sinais de alarme, seguir conduta do grupo C.
Deve-se prestar atenção ao surgimento de sinais de alarme ou aumento do hematócrito, na
vigência de reposição volêmica adequada, para esse caso indica-se internação hospitalar. Em
casos de plaquetopenia menor que 20.000/mm3, mesmo sem repercussão clínica, é necessária
internação e reavaliação clínica e laboratorial a cada 12 horas.

6.3 Grupo C

Caso suspeito de dengue com presença de algum sinal de alarme.


A conduta necessária é a internação hospitalar por um período mínimo de 48 h, reposição
volêmica com 10 mL/kg de soro fisiológico na primeira hora (máximo de cada fase de expansão
20 mL/kg em duas horas), e a realização de exames complementares obrigatórios: hemograma
completo e dosagem de albumina sérica e transaminases, além dos exames de imagem que en-
glogam radiografia de tórax e ultrassonografia de abdome.
É necessária a reavaliação clínica e laboratorial em 2  h. Para melhora clínica e laboratorial,
após fase de expansão, iniciar fase de manutenção:
• Primeira fase: 25 mL/kg em 6 h. Se melhora, iniciar segunda fase.
• Segunda fase: 25 mL/kg em 8 h (1/3 com SF e 2/3 com SG).

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DENGUE

Para os casos sem melhora clínica e laboratorial após 2 h, repetir a fase de expansão até três
vezes. Caso a resposta mantenha-se inadequada após três fases de expansão, realizar conduta do
grupo D.

6.4 Grupo D

São os pacientes que apresentam um caso suspeito de dengue com presença de sinais de
choque, sangramento grave ou disfunção grave de órgãos.
A conduta necessária é o acompanhamento em unidade de terapia intensiva (mínimo 48 ho-
ras), e após estabilização permanecer em leito de internação. Em fase de expansão rápida pa-
renteral, realizar o uso de solução salina isotônica de 20 mL/kg em até 20 minutos, repetir até
três vezes se necessário. É necessária também uma reavaliação clínica a cada 15 a 30 minutos e
de hematócrito em 2 horas. Com resposta clínica e laboratorial após fases de expansão, retornar
para a fase de expansão do grupo C e seguir a conduta recomendada para o grupo. Caso resposta
inadequada, avaliar hematócrito. Para hematócrito em ascensão e sinais de choque, deve-se utili-
zar expansores plasmáticos (albumina 0,5-1 g/kg). Preparar solução de albumina a 5% (para cada
100 mL desta solução, usar 25 mL de albumina a 20% e 75 mL de SF a 0,9%), na ausência desta,
usar coloides sintéticos, 10 mL/kg/hora. Se resposta satisfatória, conduzir como grupo C.
Para hematócrito baixo e sinais de choque, deve-se pesquisar hemorragias e avaliar a coa-
gulação. Se houver hemorragia, transfundir concentrado de hemácias (10 a 15  mL/kg/dia). Se
houver coagulopatias considerar o uso de plasma fresco (10 mL/kg), vitamina K endovenosa e
crioprecipitado (1 U para cada 5-10 kg). As indicações de transfusão de plaquetas são para per-
sistência de sangramento, mesmo após correção de fatores de coagulação e do choque, e com
plaquetopenia e INR maior que 1,5 vezes o valor normal.
Para hematócrito em queda com resolução do choque, ausência de sangramentos, mas com o
surgimento de outros sinais de gravidade, deve-se investigar hiper-hidratação, sinais de descon-
forto respiratório, sinais de insuficiência cardíaca congestiva.
Nesse caso, a conduta a ser seguida é a diminuição da infusão de líquido, uso de diuréticos
e drogas inotrópicas, se necessário. A reposição volêmica deve ser suspensa ou reduzida à velo-
cidade mínima necessária quando houver término do extravasamento plasmático; estabilização
da pressão arterial, do pulso e da perfusão periférica; redução do hematócrito, na ausência de
sangramento; normalização da diurese e ausência de sintomas abdominais.
Caso ocorra presença de critérios de alta, recomenda-se retorno para reavaliação clínica e
laboratorial conforme orientação para o grupo B.

6.5 Indicações para internação hospitalar

• Presença de sinais de alarme.


• Recusa na ingestão de alimentos e líquidos.
• Comprometimento respiratório.
• Plaquetas < 20.000/mm3, independentemente de manifestações hemorrágicas.
• Impossibilidade de seguimento ou retorno à unidade de saúde.
• Comorbidades descompensadas como diabetes mellitus, hipertensão arterial, insuficiência
cardíaca, uso de dicumarínicos, crise asmática, entre outras.
• Outras situações a critério médico.

6.6 Critérios de alta hospitalar


• Estabilização hemodinâmica durante 48 horas.
• Ausência de febre por 48 horas.
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INFECTOLOGIA

• Melhora visível do quadro clínico.


• Hematócrito normal e estável por 24 horas.
• Plaquetas em elevação e acima de 50.000/mm3.

7. MEDIDAS PREVENTIVAS

A principal medida preventiva é o controle vetorial, combatendo os focos de acúmulo de


água, que são potenciais criadouros do mosquito. Apesar da comercialização da vacina tetrava-
lente contra a dengue, sua eficácia e segurança ainda necessitam de mais avaliações, não apre-
sentando indicação universal em áreas endêmicas.

8. CONCLUSŌES

A dengue, atualmente, encontra-se difundida por praticamente todo o território nacional.


Apresenta-se como epidemias recorrentes, mais comuns nos grandes centros urbanos. Houve
crescimento da proporção de casos graves, associados principalmente a diagnóstico tardio, não
detecção dos sinais de alarme e terapia tardia e inadequada. Dessa forma, é fundamental que os
profissionais da saúde tenham conhecimento sobre o manejo clínico dos casos de acordo com
a classificação de risco e reconheçam precocemente os sinais de alarme, para que o diagnóstico
seja precoce e o tratamento adequado, implicando diretamente na redução do número de casos
graves e óbitos. A participação consciente da população, mediante estratégias mais rigorosas de
combate ao vetor, é medida crucial no controle da doença.

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DENGUE

9. ALGORITMO
Caso Suspeito de Dengue

cefaleia, hiporexia, mialgia, artralgia, prostração, astenia, dor retro-orbital, exantema, prurido curâneo, náuseas, vômitos,
petéquias, gengivorragia e epistaxe, leucopenia, prova do laço positiva

Tem sinal de alarme ou


Não Sim
gravidade?

Pesquisar sangramento Sinal de Alarme


espontâneo de pele ou - dor abdominal intensa (á palpação ou
referida) e contínua;
induzido; condições - vômitos persistentes;
clínicas especiais, - hipotensão postural e/ou lipolímia;
gestantes, risco social, - hepatomegalia maior do que 2cm
comorbidades abaixo do rebordo costal;
- aumento progressivo do hematócrito
- sangramento de mucosa ou outra
hemorragia
Não Sim - letargia e/ou irritabilidade
- acúmulo de líquidos (ascites, derrame
pleural, derrame pericárdico);
Grupo A- Grupo B-
Dengue Dengue
Grupo C- Dengue com Grupo D- Dengue
Sinais de Alarme Grave

Grupo A: Grupo B: Grupo C: Grupo D:


Acompanhamento Observação até resultados de Acompanhamento em leito de Acompanhamento em leito
ambulatorial exames e reavaliação clínica internação até estabilização de emergência

Conduta Conduta Conduta Conduta

- Adultos: 60 mL/kg/dia, - Manter em observação - Fase de expansão rápida


sendo 1/3 com solução com hidratação oral parenteral, com solução
salina e no início com conforme grupo A até salina isotônica: 20 ml/kg
volume maior. Para os 2/3 resultado de exames em até 20 minutos,
restantes, orientar a (hemograma obrigatório); repetir até 3 vezes se
ingestão de líquidos - Se hematócrito norma: necessário.
caseiros (água, suco de igual ao grupo A (ambula- - Se houver melhora
frutas, soro caseiro, chás, torial), reavaliação clínica clínica e laboratorial após
água de coco, etc.) diária. fases de expansão, retor-
- Paciente com surgimento nar para a fase de expan-
de sinais de alarme: seguir são grupo C e seguir a
conduta do grupo C. conduta recomendada
para o grupo.
-Resposta inadequada:
avaliar hematócrito
- Hematócrito em eleva-
ção e choque: utilizar
expansores plasmáticos
(albumina 0,5-1 g/kg)
- Hematócrito em queda e
choque: investigar
hemorragias e avaliar a
coagulação

*Adaptado da publicação do Conselho Regional de Medicina, Secretaria do Estado de Minas Gerais.

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INFECTOLOGIA

10. CASO CLÍNICO

Paciente sexo feminino, 20 anos, sem comorbidades, nega uso de medicação contínua. Relata
que há três dias iniciou quadro de febre alta (39 ºC), cefaleia intensa, mialgia difusa, prostração e
astenia. Procurou Hospital Universitário, pois evoluiu com vômitos persistentes, dor abdominal
intensa e petéquias pelo corpo. Exame físico: regular estado geral, corada, desidratada (2 + /4 + ),
acianótica, anictérica, T = 38,5 ºC, FR = 20 irpm, FC = 95 bpm, PA = 100x60 mmHg, prova do laço
positiva, pulmões limpos, ritmo cardíaco regular, abdome globoso, flácido, sem visceromegalias,
doloroso a palpação. Exames laboratoriais: Hemograma = hemácias: 4,88, hemoglobina: 15,1, he-
matocrito: 45, leucócitos: 3.000, plaqueta: 60.000/Mm3.

Dieta oral livre.


Hidratação EV: 10 mL/kg de soro fisiológico na primeira hora.
Dipirona 2 mL EV se dor ou febre.
Metoclopramida 1 ampola EV 8/8 h se náuseas ou vômitos.
Dados vitais e cuidados gerais de 1/1h.
Comunicar anormalidades.

REFERÊNCIAS
1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-geral de desenvolvimento
da epidemiologia em serviços. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças
Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 5. ed. Brasília: Ministério da Saú-
de, 2016.
3. Furlan NB et al. Low Sensitivity Of The Tourniquet Test For Differential Diagnosis Of Dengue: An Analysis
Of 28,000 Trials In Patients. Bmc Infectious Diseases, 2016 nov;16(1):1-7.
4. Chiaravalloti NF et al. Aedes albopictus (S) na região de São José do Rio Preto, SP: estudo da sua infestação
em área já ocupada pelo Aedes aegypti e discussão de seu papel como possível vetor de dengue e febre
amarela. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 2002 ago;35(4):351-357.
5. Oliveira KKD et al. Perfil de morbidade por patologias infecto-contagiosas entre crianças de 0 a 12
anos. Fiep Bulletin, Mossoró/RN, 2012;82:203-210.
6. Martins FEP et al. Promoção à saúde no combate à dengue em Sobral (CE): Relato de experiência. Sana-
re, Sobral, 2015 set;15(1):112-118.
7. Queiroz ER. Dengue grave no Brasil central: aspectos clínicos e epidemiológicos. Dissertação (Mestrado
em Ciências da Saúde) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2016.

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TUBERCULOSE CAPÍTULO

Autores:
4.2
Gabrielly Borges Machado
Alice Carvalho Gouveia de Almeida
TUBERCULOSE

INFECTOLOGIA

1. INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) é uma doença infectocontagiosa, causada pela Mycobacterium tuber-

culosis, também chamada de Bacilo de Koch (BK), que afeta preferencialmente os pulmões.
Apresenta evolução clínica insidiosa.
No Brasil, representa um grave problema de saúde pública, com elevadas taxas de morbi-
mortalidade. Afeta principalmente populações vulneráveis, como as pessoas que vivem com
HIV/aids (PVHA).
A TB pulmonar é a forma mais frequente, ocorrendo em aproximadamente 85,5% dos
casos. Mais raramente pode ocorrer disseminação do microorganismo, com acometimento
extrapulmonar. Está frequentemente associada à forma pulmonar (tuberculose mista), sendo
mais comum em indivíduos com comprometimento imunológico grave e crianças. Os sítios
mais afetados são: linfonodos, pleura, trato genitourinário, ossos e articulações, meninges,
olhos, laringe, peritônio e pericárdio.
TB ganglionar é a forma extrapulmonar mais comum em crianças e imunodeprimidos (es-
pecialmente pessoas vivendo com HIV/aids – PVHA).
TB pleural é a forma extrapulmonar mais comum em imunocompetentes, principalmente
adultos jovens, estando associada à forma pulmonar em 20% dos casos.
TB miliar é uma forma grave da doença, caracterizada por disseminação hematogênica
do bacilo pelo parênquima pulmonar, mais comum em PVHA em fase avançada de imunos-
supressão.

2. ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO

O BK é uma micobactéria aeróbica, intracelular, classificada como Bacilos Álcool-Ácido-Re-


sistente (BAAR), caracterizada por multiplicação lenta. A transmissão ocorre através da inala-
ção de aerossóis produzidos pela tosse, espirro ou fala de bacilíferos, ou seja, indivíduos que
apresentam baciloscopia de escarro positiva (principais fontes de infecção). A transmissão
pode ocorrer enquanto o indivíduo permanecer como bacilífero.
O período de transmissibilidade inicia-se com o surgimento dos sintomas respiratórios,
com término após 15 dias de tratamento. No entanto, recomenda-se a negativação da baci-
loscopia para suspensão das precauções respiratórias.

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TUBERCULOSE

3. FISIOPATOLOGIA

A maioria dos infectados não desenvolve a doença, devido à resposta imune efetiva, evoluin-
do para infecção latente (ILTB), que pode ser detectada através da prova tuberculínica. Cerca de
5% dos expostos adoecem logo após a primo-infecção (infecção primária). Outros 5% adoecem
mais tardiamente à primo-infecção, por reativação de infecção latente, caracterizando a infecção
secundária. A infecção não confere imunidade permanente ao indivíduo.

4. FATORES DE RISCO

• População indígena.
• Privados de liberdade.
• Imunossupressão.
• Pessoas em situação de rua.
• Precárias condições socioeconômicas.

5. QUADRO CLÍNICO

Período de incubação: 4 a 12 semanas.


Principal sintoma: tosse persistente por 3 semanas ou mais (seca ou produtiva, com ou sem
escarros hemoptoicos).
Sintomas associados: febre vespertina, sudorese noturna, perda ponderal, hiporexia, astenia,
mal-estar geral, prostração, mialgia, dispneia, fácies de doença crônica.
Sintomático respiratório: pessoa com tosse por 3 semanas ou mais (necessária investigação
com baciloscopia de escarro).

6. DIAGNÓSTICO

6.1. Clínico-epidemiológico

Indivíduo com tosse por 3 semanas ou mais (sintomático respiratório) e/ou outros sinais e
sintomas, como febre vespertina, sudorese noturna, emagrecimento, inapetência.

6.2. Radiológico
• Indicado para todo paciente com suspeita clínica de TB pulmonar.
• Importante para excluir outra doença pulmonar associada, avaliar a extensão do acometi-
mento e a resposta terapêutica.
• Achados sugestivos: lesões predominantemente em ápices pulmonares, principalmente no
direito, opacidades, infiltrados, nódulos, cavitações, fibroses, retrações, calcificações, adeno-
megalia, aspecto miliar, aspecto de “árvore em brotamento”.
6.3. Baciloscopia direta do escarro
• Pesquisa de BAAR pelo método de Ziehl-Nielsen.
• Mínimo de duas amostras: uma na primeira consulta e a outra na manhã do dia seguinte.
Indicações:
• Sintomáticos respiratórios.

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INFECTOLOGIA

• Suspeita clínica ou radiológica de TB pulmonar.


• Suspeita clínica de TB extrapulmonar.
• Controle terapêutico: avaliar resposta ao tratamento (ao final do 2o mês e após término
do tratamento).

Quadro 1. Baciloscopia para pesquisa de bacilos álcool ácido resistentes (BAAR).

BAAR POR CAMPO RESULTADO


0 BAAR em 100 campos Negativo
1-9 BAAR por campo em 100 campos Paucibacilar
10-99 BAAR por campo em 100 campos  + 
1-10 BAAR por campo em 50 campos  +  + 
Mais de 10 BAAR/campo, nos primeiros 20 campos  +  +  + 
Fonte: Guia de vigilância em saúde/Ministério da saúde 2016.

6.4. Cultura para micobactéria e teste de sensibilidade (TS) – padrão ouro

• Alta sensibilidade e especificidade.


• Tempo para crescimento bacteriano: 14 a 30 dias (pode se estender por até 60 dias).
• Indicações para realização de cultura e teste de sensibilidade:
• Suspeita clínica ou radiologia com baciloscopia negativa.
• Caso suspeito com baixa quantidade de bacilo (paucibacilares).
• Suspeita de TB extrapulmonar.
• Contato com infectados por TB multirresistente.
• Antecedência de tratamento prévio.
• Imunodeprimidos.
• Falência ao tratamento.
• Baciloscopia positiva no final do segundo mês de tratamento.
• Indicação para retratamento (casos de recidiva ou de retorno após abandono).
6.5. Teste rápido molecular para TB (TRM-TB)
• Detecta o DNA bacteriano e identifica cepas resistentes à rifampicina.
• Indicado no diagnóstico de TB pulmonar em adultos e crianças.
• Amostras: pulmonares e extrapulmonares.
6.6. Dosagem de Adenosina deaminase – ADA
• Níveis elevados nos líquidos pleural, pericárdico, sinovial, ascítico e no líquor: critério diag-
nóstico, principalmente de TB pleural.
6.7. Exame histopatológico
• Compatível: presença de processo inflamatório granulomatoso (granuloma com necrose
de caseificação).
6.8. Prova tuberculínica (PT)
• Indicações: contatos assintomáticos de pessoas com tuberculose ativa para investigação
de ILTB e diagnóstico de TB ativa em crianças.
• A leitura deve ser realizada após 48 a 72 horas da aplicação.

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TUBERCULOSE

6.9. Teste IGRA – Interferon Gamma Release Assay


• Os testes IGRA - ensaios de detecção de interferon gama em amostras de sangue - foram
desenvolvidos e têm demonstrado ser excelentes ferramentas para o diagnóstico de tu-
berculose latente. O princípio do teste é a medida dos níveis in vitro do interferon gama
produzido por células T que tenham sido estimuladas por antígenos purificados ou sinte-
tizados. Não permite diferenciar doença ativa de infecção latente. Não apresenta reação
cruzada pela vacinação com BCG. A interpretação do teste é qualitativa. Assim como o teste
cutâneo (PT), o teste IGRA deve ser utilizado no auxílio do diagnóstico das infecções por M.
tuberculosis. Um teste positivo sugere provável infecção por M. tuberculosis enquanto um
teste negativo indica improbabilidade. Indicações do teste:
• Investigação de contactantes
• Avaliação de imigrantes com histórico de vacinação por BCG
• Rastreamento de TB em profissionais de saúde
• Auxilia no diagnóstico da tuberculose latente e da tuberculose ativa
• Pacientes imunossuprimidos
• Pacientes Idosos.
6.10. Teste para diagnóstico de HIV
• rápido ou sorológico (preferencialmente o rápido), para todos com suspeita ou diagnóstico
confirmado de TB ativa.
6.11. Exames confirmatórios de TB ativa
• baciloscopia direta, cultura e TRM-TB.

7. TRATAMENTO

Atenção básica (tratamento diretamente observado – TDO): observação diária por um profis-
sional da saúde.

7.1. Esquema preconizado


• Rifampicina (R), Isoniazida (H), Pirazinamida (Z) e Etambutol (E) – Doses fixas combinadas
(RHZE e RH).
7.2. Esquema Básico para adultos e adolescentes (2 RHZE/4 RH) – Indicações
• Casos novos em maiores de 10 anos, formas de TB pulmonar e extrapulmonar (exceto a
forma meningoencefálica), infectados ou não por HIV.
• Retratamento, exceto a forma meningoencefálica.

Quadro 2. Esquema básico para tratamento da tuberculose em adultos e adolescentes.

Fases Drogas Peso Dose Meses


RHZE
< 50 kg 3 comprimidos
150/75/400/275
Fase intensiva
mg comprimido 2
(2 RHZE)
em dose fixa
> 50 kg 4 comprimidos
combinada.

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INFECTOLOGIA

RH 150/75 mg < 50 kg 3 comprimidos


Fase de
comprimido
manutenção 4
em dose fixa
(4 RH)
combinada. > 50 kg 4 comprimidos
Fonte: Guia de vigilância em saúde/Ministério da saúde 2016.

7.3. Esquema para a forma meningoencefálica em adultos


(casos novos ou retratamento):
• Fase intensiva 2 RHZE/Fase de manutenção 7 RH.
• Associar corticosteroide – prednisona oral (1-2 mg/kg/dia) ou dexametasona IV em casos
graves (0,3-0,4 mg/kg/dia), por 4-8 semanas.
7.4. Casos de retratamento
• solicitar baciloscopia, TRM-TB, cultura e TS, iniciar o esquema básico até resultado de exames.
Para situções de falência terapêutica/TB multirresistente (baciloscopia positiva no final do
tratamento; baciloscopia fortemente positiva no início do tratamento, sem resposta até o quar-
to mês; baciloscopia inicial positiva seguida de negativação e nova positividade por dois meses
consecutivos, a partir do quarto mês de tratamento), recomenda-se indicação de Esquema Padro-
nizado para Multirresistência ou Esquemas Especiais individualizados.
Em situações especiais (baciloscopia positiva ao final do 2o mês de tratamento, piora clínica
com baciloscopia negativa, monorresistência à Rifampicina ou Isoniazida), recomenda-se o pro-
longamento da segunda fase do tratamento (3 meses).
Quanto à cura, requer-se pelo menos duas baciloscopias negativas, uma durante o tratamen-
to (final do 2o mês) e a outra ao final do tratamento.

7.5. Indicações de hospitalização


• Meningoencefalite tuberculosa.
• Intolerância aos medicamentos anti-TB incontrolável ambulatorialmente.
• Estado geral que impossibilita tratamento ambulatorial.
• Intercorrências clínicas ou cirúrgicas.
• Vulnerabilidade social ou alto risco de abandono do tratamento.

8. REAÇÕES ADVERSAS

8.1. Reações adversas menores – a suspensão das drogas é desnecessária


• Rifampicina: náuseas, vômitos, dor abdominal, urina avermelhada, exantema.
• Isoniazida: náuseas, vômitos, dor abdominal, exantema, artralgia, neuropatia periférica (co-
mum), sintomas neurológicos (cefaleia, insônia, ansiedade).
• Pirazinamida: náuseas, vômitos, dor abdominal, artralgia, hiperuricemia.
• Etambutol: náuseas, vômitos, dor abdominal, neuropatia periférica, hiperuricemia.
8.2. Reações adversas maiores – necessária a interrupção do tratamento.
Após a resolução do evento, considerar reintrodução do esquema básico ou esquemas espe-
ciais (alternativos):
• Rifampicina: hipersensibilidade de moderada a grave, hepatotoxicidade, nefrite intersticial,
anemia hemolítica, plaquetopenia, leucopenia.
• Isoniazida: psicose, crise convulsiva, encefalopatia ou coma, hepatotoxicidade, hipersensibi-
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TUBERCULOSE

lidade de moderada a grave.


• Pirazinamida: hipersensibilidade de moderada a grave, hepatotoxicidade, rabdomiolise com
mioglobinúria e insuficiência renal.
• Etambutol: hipersensibilidade de moderada a grave, neurite óptica.

9. TRATAMENTO DA ILTB

Isoniazida 5-10 mg/kg/dia (dose máxima de 300 mg/dia) para 270 doses tomadas em 9 a
12 meses.
Indicações (desde que o diagnóstico de tuberculose ativa seja descartado, através de avaliação
clínica e radiológica):
• PT ≥ 5 mm: contatos adultos e adolescentes maiores de 10 anos; pessoas com imagem radio-
lógica sugestiva de sequela de tuberculose; transplantados em terapia imunossupressora; uso
de corticosteroides.
• PT ≥ 10 mm: silicose; neoplasia de cabeça e pescoço; neoplasias hematológicas; insuficiência
renal em diálise; diabetes mellitus.
• Conversão tuberculínica (2a PT com aumento de 10 mm em relação à 1a com intervalo míni-
mo de 8 semanas): contatos de tuberculose bacilífera; profissionais de saúde; profissionais
de laboratório de micobactéria; trabalhadores do sistema prisional; trabalhadores de insti-
tuições fechadas, de longa permanência.
• Pessoa vivendo com HIV/aids, contato de doente bacilífero ou com cicatriz radiológica em
tratamento prévio, independentemente da PT.
• Todas as pessoas vivendo com HIV/aids, assintomáticas, devem realizar a PT anualmen-
te. (Contagem de LTCD4 + maior que 350 células/mm3 e PT ≥ 5 mm: tratar ILTB. Contagem
LTCD4 + menor ou igual a 350 células/mm3: tratar ILTB independentemente da PT.)

10. INVESTIGAÇÃO DE CONTATOS

Indicada para todos os contatos de um caso de tuberculose ativa (indivíduos que convivem
no mesmo ambiente: em casa, ambientes de trabalho, instituições de longa permanência ou es-
cola). Contatos assintomáticos – pesquisar ILTB:
• PT ≥ 5 mm: Rx tórax.
––Rx tórax normal: iniciar tratamento para ILTB.

• PT < 5 mm: repetir em 8 semanas.


––Se conversão tuberculínica e Rx tórax normal: iniciar tratamento para ILTB.

––Sem conversão: alta e orientação.

Contatos sintomáticos:
• Pesquisar TB ativa: baciloscopia do escarro, radiografia de tórax.
• Exames compatíveis com TB ativa: iniciar esquema básico (RHZE).

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INFECTOLOGIA

11. TUBERCULOSE E HIV

A coinfecção TB-HIV e o aumento de casos de TB multirresistente representam grande preo-


cupação mundial, pelo impacto expressivo na morbimortalidade. A tuberculose é a infecção mais
comum em PVHA e a principal causa de óbito entre as doenças infecciosas nesse grupo. A presen-
ça de tosse, febre, sudorese noturna ou emagrecimento indica a possibilidade de tuberculose ati-
va, necessitando de investigação. A tosse, independentemente do tempo, demanda baciloscopia
do escarro, cultura e teste de sensibilidade.
Em geral, a apresentação pulmonar é atípica e variável, com infiltrados em segmento inferior
e linfadenomegalias peri-hilares. Além disso, essa população vulnerável apresenta maior risco de
acometimento extrapulmonar.
O tratamento da tuberculose em PVHA segue as mesmas recomendações para os não infectados.
Em virgens de tratamento, recomenda-se iniciar a TARV (terapia antirretroviral) em torno de
oito semanas após o início do tratamento anti-TB em pacientes com LTCD 4+ > 200 células/mm3;
e duas semanas após em pacientes com LTCD 4+ < 200 células/mm3, devido ao risco da Síndrome
de reconstituição imune, caracterizada por reconstituição e exacerbação de resposta imune, com
intensificação e piora do quadro clínico. O esquema inicial preferencial nesses casos é: Tenofovir/
Lamivudina/Efavirenz.

12. MEDIDAS PREVENTIVAS

• Busca ativa de sintomático respiratório: por todos os serviços de saúde (níveis primário, se-
cundário e terciário) para identificação precoce dos bacilíferos.
• Acompanhamento dos casos confirmados.
• Investigação de contatos: permite a identificação dos casos de ILTB, o que permite a preven-
ção do desenvolvimento da tuberculose ativa.
• Monitoramento do tratamento: visita domiciliar, busca de faltosos.
• Tratamento da ILTB.
• Vacina BCG (bacilo de Calmette-Guërin): composta por bacilos vivos atenuados, não previne
o adoecimento, mas evita o desenvolvimento das formas mais graves da doença (tuberculo-
se miliar e meníngea) em menores de 5 anos de idade.
• Medidas de precaução para aerossóis em serviços de saúde: uso de equipamento de prote-
ção individual (máscara N95) pelos profissionais de saúde ao entrar no quarto do paciente;
quarto privativo, mantendo sempre com a porta fechada.

13. CONCLUSŌES

A tuberculose é uma doença que apresenta distribuição mundial, sendo sua incidência maior em
áreas de precárias condições socioeconômicas. O Brasil ocupa a 16a posição em número de casos. Po-
pulações mais vulneráveis, como PVHA, privados de liberdade, pessoas em situação de rua, indígenas
e profissionais de saúde, apresentam maior risco de evolução para doença pulmonar aguda.
Doentes bacilíferos são a maior fonte de infecção. Portanto, diagnóstico precoce de tubercu-
lose ativa, tratamento adequado e vigilância dos contatos, são as principais ferramentas para o
controle da doença, com interrupção da cadeia de transmissão e redução da sua incidência.
Somente casos confirmados de tuberculose devem ser notificados à vigilância epidemiológica
local, responsável pela adoção de medidas de controle, que visam a identificação precoce de ba-
cilíferos, aumento da taxa de cura e consequentemente, redução do número de casos da doença.

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TUBERCULOSE

14. CASO CLÍNICO

Paciente, sexo masculino, 44 anos, proveniente de zona rural, solteiro, compareceu ao hospi-
tal apresentando tosse produtiva persistente há cerca de quatro semanas. Relatou também febre
vespertina não ultrapassando 38,5 ºC e sudorese noturna, além de emagrecimento de 5 kg em 1
mês, hiporexia e adinamia. Nega doenças de base, uso de medicamentos, alergias e uso de drogas
ilícitas. Refere ingestão de bebida alcoólica diariamente. Nega tabagismo. Ao exame físico: REG,
febril (38 ºC), hipocorado (2 + /4 + ), desidratado (1 + /4 + ), PA = 120x80 mmHg, FR = 28 irpm e
FC = 80 bpm; ausculta respiratória com crepitações finas em ápice direito. Diante do quadro clíni-
co, foram solicitados exames complementares para confirmação diagnóstica:
• Radiografia de tórax: revela opacidade com cavitação em ápice de lobo superior direito.
• Baciloscopia de escarro (2 amostras): +  +.
• Teste rápido para HIV: negativo.

14.1. Prescrição
• Dieta oral livre.
• Esquema básico: RHZE 4 comprimidos ao dia, em jejum.
• Dipirona 500 mg 1 comprimido de 6/6 horas se febre ou dor.
• Notificação no SINAM.
• Orientações quanto às precauções respiratórias.
• Investigação dos contatos.

REFERÊNCIAS
1. Lopes AJ et al. Tuberculose extrapulmonar: aspectos clínicos e de imagem: Extrapulmonary Tuberculosis:
Clinics And Image Aspects. Sopterg, Grajaú, 2006 dez,4(15):253-261.
2. Ferri AO et al. Diagnóstico de tuberculose: uma revisão. Revista Liberato, Novo Hamburgo, 2014
maio;15(24):105-212.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemioló-
gica. Manual de recomendações para controle da tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Recomendações para o manejo da coinfecção Tb-HIV em serviços de atenção es-
pecializada a pessoas vivendo com HIV/Aids. Brasília, 2012.
6. Bertoni TA et al. Paracoccidioidomicose e tuberculose: diagnóstico diferencial: Paracoccidioidomycosis
And Tuberculosis: Differential Diagnosis. Jornal brasileiro de patologia e medicina laboratorial. Rio de Ja-
neiro, 2010 fev;17-21.
7. Longo DL; Kasper DL; Jameson JL et al. Medicina interna de Harrison. 18. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.

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MENINGITE CAPÍTULO

Autores: Gabrielly Borges Machado


Breno Barbosa Guimarães Carneiro
4.4
MENINGITE

INFECTOLOGIA

1. INTRODUÇÃO

Meningite é uma doença que resulta de um processo inflamatório das meninges, que são
as membranas que recobrem o encéfalo e a medula espinhal.
As etiologias são diversas, podendo ser causada por bactérias, vírus, fungos e, mais rara-
mente, parasitas (protozoários e helmintos), sendo que, algumas etiologias podem cursar com
quadros graves, com alta letalidade, mesmo com o tratamento adequado, ou ainda apresen-
tar evolução para quadros hemorrágicos, que se confundem com outras infecções como febre

maculosa, dengue etc. A doença meningocócica (DM), causada pela Neisseria meningitidis
(meningococo) e os vírus são os principais responsáveis por surtos e epidemias.
Está incluída na Lista Nacional de Doenças de Notificação Compulsória. Todos os casos
suspeitos de meningite devem ser notificados e investigados. Surtos, aglomerados de casos e
óbitos são de notificação imediata.
Meningococo é o principal responsável por epidemias no Brasil e possui vários sorogru-
pos, sendo o sorogrupo C o mais prevalente. A meningite meningocócica pode ocorrer de for-
ma isolada ou associada à meningococcemia, caracterizada pela disseminação hematogênica
do agente, resultando em vasculite sistêmica e fenômenos hemorrágicos fulminantes, sendo
a forma mais grave da doença meningocócica. A suscetibilidade à infecção é geral, porém, os
grupos de maior risco são as crianças menores de 5 anos, principalmente as menores de 1 ano,
os idosos acima de 60 anos e os imunodeprimidos.

2. ETIOLOGIA

2.1. Bacteriana:

Fatores associados:
• Faixa etária, porta de entrada ou foco séptico inicial.
• Tipo e local da infecção no sistema nervoso central (SNC).
• Imunidade prévia; situação epidemiológica local.

Principais agentes bacterianos:


• Neisseria meningitidis (meningococo).
• Streptococcus pneumoniae (pneumococo).

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MENINGITE

• Haemophilus influenzae.
Outros agentes bacterianos:
• Mycobacterium tuberculosis.
• Streptococcus sp. – especialmente os do grupo B.
• Streptococcus agalactie.
• Listeria monocytogenes.
• Staphylococcus aureus.
• Pseudomonas aeruginosa.
• Klebsiella pneumoniae.
• Enterobacter sp.

Etiologia de acordo com a faixa etária e fatores de risco:


• 5 a 50 anos: pneumococo, meningococo.
• Acima de 50 anos: pneumococo, meningococo, Listeria monocytogens, gram-negativos.
• Imunossupressão, diabetes, etilismo: pneumococo, meningococo, Listeria monocyto-
gens, gram-negativos entéricos.
• Pós-neurocirurgia: Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermides, bacilos gram-negati-
vos.
• Fístula liquórica: pneumococo, H. influenzae.

2.2. Viral

As meningites virais têm distribuição universal e, em geral, evolução benigna, baixa letalidade
e menor risco de sequelas. São frequentemente associadas à ocorrência de surtos, podendo ocor-
rer casos isolados. A incidência se eleva nos meses do outono e da primavera.

Quadro 1. Principais agentes etiológicos da meningite viral.

RNA vírus DNA vírus


Enterovírus (Poliovírus, Echovírus e Coxsackie- Adenovírus
virus) Vírus herpes simples tipo 1 e 2
Arbovírus Varicela-zoster
Vírus da caxumba Epstein-Barr
Arenavírus (coriomeningite linfocitária) Citomegalovírus
HIV
Vírus do sarampo
Fonte: Guia de vigilância em saúde/Ministério da saúde, 2016.

2.3. Fúngica

Os principais fungos causadores de meningite são do gênero Cryptococcus, sendo as espé-


cies mais importantes a C. neoformans e a C. gattii. Outros fungos menos frequentes são: Can-
dida albicans, Candida tropicalis, Histoplasma capsulatum, Paracoccidioides brasiliensis, Asper-
gillus fumigatus.

308

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INFECTOLOGIA

2.4. Meningite criptocócica

Tem caráter predominantemente oportunista, acometendo principalmente indivíduos com


estado imunológico comprometido (aids ou outras condições de imunossupressão). No entanto,

a espécie C. gattii pode acometer imunocompetentes, residentes em áreas tropicais e subtropi-


cais, com caráter epidêmico.
Em geral, cursa com comprometimento neurológico importante, apresentando evolução gra-
ve. Associa-se a elevado risco de complicações, como hipertensão intracraniana e de sequelas,
como paralisia permanente de nervos cranianos, déficit cognitivo e hidrocefalia.

3. MODO DE TRANSMISSÃO

A transmissão ocorre através do contato com secreções respiratórias do portador do agente


patogênico (inalação de gotículas de secreção de vias aéreas). As meningites virais (especifica-
mente causadas por enterovírus) geralmente são transmitidas por via fecal-oral.
Apresenta um período de incubação de, em geral, 2 a 10 dias. Para os enterovírus, situa-se
entre 7 e 14 dias. Já a transmissão pode ocorrer até 24 horas após o início da antibioticoterapia
adequada, no caso de etiologias bacterianas.

Fatores de risco:
• Infecções respiratórias virais recentes (especialmente influenza).
• Aglomeração no domicílio.
• Tabagismo.
• Condições socioeconômicas menos privilegiadas.
• Contato íntimo com portadores do agente.
• Imunodeficiência.
• Asplenia.
• Doenças crônicas.

4. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

O quadro clínico da meningite caracteriza-se por febre de início súbito, associada à cefaleia,
prostração, náuseas, vômitos, hiporexia, rigidez de nuca, mialgia, agitação, fotofobia e sinais me-
níngeos.
• Sinais de irritação meníngea:
––Sinal de Kernig: flexão passiva da coxa sobre a bacia, em ângulo reto, com dor e resistên-
cia à extensão do joelho.
––Sinal de Brudzinski: flexão involuntária da perna ao se tentar fletir a cabeça do paciente.
• Sinais de gravidade: piora da cefaleia, rebaixamento do nível de consciência, torpor, con-
vulsões, déficit neurológico focal, confusão mental, transtornos pupilares, turvação visual,
paralisias de nervos cranianos, bradicardia, nistagmo, papiledema.
• Meningococcemia: prostração intensa, palidez, sinais de toxemia, exantema e/ou peté-
quias, sufusões hemorrágicas, hipotensão, rebaixamento do sensório, associados ou não a
quadro de meningite, com risco de evolução para choque, CIVD e óbito.
• Meningite viral: associadas ao quadro de meningite são comuns manifestações gastroin-
testinais (vômitos, hiporexia, diarreia e dor abdominal), respiratórias (tosse, faringite) e ainda

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MENINGITE

erupção cutânea. Em geral, cursa com bom prognóstico e a recuperação do paciente é com-
pleta. Tende a ser autolimitada, a duração do quadro é geralmente inferior a uma semana.
• Meningite criptocócica: deve ser sempre considerada em pacientes com aids que apresen-
tam cefaleia, febre, demência progressiva e confusão mental.

5. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

• Cultura (padrão ouro) – líquido cefalorraquidiano (LCR), sangue, raspado de lesões pete-
quiais ou fezes.
• Reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real – LCR, soro, sangue total.
• Aglutinação pelo látex – LCR e soro.
• Contraimunoeletroforese (CIE) – LCR e soro.
• Bacterioscopia direta (método de Gram) – LCR (diplococos gram-negativos: Neisseria menin-
gitidis; cocos gram-positivos: Streptococccus pneumoniae).
• Exame quimiocitológico do líquor.
• Sorologia (pesquisa de anticorpos IgG e IgM) – pesquisar etiologia viral.
• Exame micológico direto com preparação da tinta da China – LCR.
• A punção lombar (se não houver contra-indicação para tal procedimento) e a coleta de
sangue para cultura devem ser realizadas antes do início da antibioticoterapia.

Quadro 2. Alterações encontradas no LCR de acordo com a etiologia.

Meningite Meningite fúngica/


LCR Meningite viral Referência
bacteriana tuberculosa
Aspecto turvo límpido límpido ou turvo límpido
branca-leitosa ou
incolor ou
Cor ligeiramente incolor incolor, cristalino
xantocrômica
xantocrômica
Cloretos reduzidos normal normal ou reduzidos 680 – 750 mEq/L
Glicose reduzida normal reduzida 45 a 100 mg/dL
aumentadas discretamente aumentadas
Proteínas totais 15 a 50 mg/dL
(> 100 mg/dL) aumentadas (> 100 mg/dL)
200 a milhares acima de 10 céls/mm³
Leucócitos 5 a 500 linfócitos 0 a 5/mm3
(neutrófilos) (linfócitos)
Fonte: Guia de vigilância em saúde/Ministério da saúde, 2016.

Exames de imagem – indicações:


• Presença de sinais de gravidade: avaliar complicações, como hipertensão intracraniana.
• Imunossupressão.
• Doença neurológica: lesão expansiva, acidente vascular cerebral.

6. TRATAMENTO

6.1. Medidas iniciais a serem adotadas

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INFECTOLOGIA

• Hospitalização imediata dos casos suspeitos.


• Precaução respiratória para gotículas durante as primeiras 24 horas de antibioticoterapia.
• Coleta de amostras para exames diagnósticos.
• Instalação de medidas de suporte geral, como reposição de líquidos e cuidadosa assistência.
• Instituição de antibioticoterapia empírica conforme a suspeita clínica, o mais precocemente
possível, de preferência logo após a punção lombar e a coleta de sangue para hemocultura.
• A antibioticoterapia imediata não impede a coleta de material para exames diagnósticos,
mas recomenda-se que a coleta seja feita o mais próximo possível do início do antimicro-
biano.
• Notificação do caso à Secretaria Municipal de Saúde para a investigação epidemiológica e
adoção das medidas preventivas cabíveis.
• A antibioticoterapia deve ser ajustada de acordo com resultados do teste de sensibilidade.
• Investigação epidemiológica de todos os casos notificados e quimioprofilaxia quando hou-
ver indicação.

6.2. Meningite bacteriana

Quadro 3. Antibioticoterapia de acordo com a etiologia.

Intervalo Duração Via de admi-


Agente etiológico Antibiótico Dose
(horas) (dias) nistração
Neisseria meningitidis 7 a 10
Streptococcus
10 a 14
pneumoniae
Ceftriaxone 12 em 12
Haemophilus 2g Endovenosa
7 a 10
influenzae
Enterobactérias 10 a 14
Pseudomonas Meropenem 8 em 8 14 a 21
Ampicilina 4 em 4
Listeria 200-400 mg/
 +  ou 21 Endovenosa
monocytogenes kg/dia
Ceftriaxone 6 em 6
MSSA (Staphylococcus
aureus meticilina Oxacilina 2g 4 em 4 21 Endovenosa
sensível)
MRSA (Staphylococcus
aureus meticilina Vancomicina 1g 12 em 12 21 Endovenosa
resistente)
Fonte: Guia de vigilância em saúde/Ministério da saúde 2016.

Uso de corticosteroides (Dexametasona):


• Eficaz em crianças com meningite por H. influenzae, reduzindo o risco de perda auditiva.

311

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MENINGITE

• Meningite por S. pneumoniae: o uso não é consensual, mas pode ser considerado. Alguns
estudos demonstraram redução na mortalidade e sequelas.
• Situações de choque: é discutível, há controvérsias a respeito da influência favorável ao prog-
nóstico.
• Dose recomendada: 0,4 a 0,6 mg/kg/dia EV, 12/12 ou 8/8 horas, 2 dias.

6.3. Meningite viral

Não há indicação de tratamento antiviral específico. Recomenda-se tratamento de suporte,


com sintomáticos, avaliação criteriosa e acompanhamento clínico. Tratamento antiviral específico
somente nos casos de meningite herpética (HSV 1 e 2 e VZV) com Aciclovir endovenoso.

6.4. Meningite fúngica

Quadro 4. Tratamento da meningite criptocócica.

Indução: Anfotericina B: 1 mg/kg/dia endovenosa + 5-Flucitosina: 100


mg/kg/dia via oral, de 6 em 6 h por 14 dias.
Imunocompetente Consolidação: Fluconazol: 400 mg/dia via oral por 6 a 10 semanas, ou
formulações lipídicas de anfotericina B (lipossomal ou complexo lipídico):
3 a 6 mg/kg/dia, endovenosa, por 6 a 10 semanas.

Indução: Anfotericina B: 1 mg/kg/dia endovenosa + 5-Flucitosina: 100


mg/kg/dia via oral, de 6 em 6 h por 14 dias.
Consolidação: Fluconazol: 400 mg/dia via oral por 10 semanas.
Imunodeprimido (HIV ou Manutenção: Fluconazol: 200 a 400 mg/dia via oral por 12 a 24 meses
outra imunossupressão) ouItraconazol: 200 mg/dia via oral por 12 a 24 meses.

Casos de intolerância ou impossibilidade do uso de anfotericina B:


Fluconazol: 1.600 mg a 2.000 mg/dia via oral por 6 a 10 semanas + 
Manutenção: Fluconazol: 200 a 400 mg/dia via oral por 12 a 24 meses.

Fonte: Guia de vigilância em saúde/Ministério da saúde 2016.

9. QUIMIOPROFILAXIA

A quimioprofilaxia é a melhor medida para prevenção de casos secundários e de surtos. Está


indicada somente para os contatos próximos de casos de meningite por H. influenzae e doença
meningocócica. Considera-se como contato próximo moradores do mesmo domicílio, indivíduos
que compartilham o mesmo dormitório (em alojamentos, quartéis, entre outros), parceiro, comu-
nicantes de creches e escolas, pessoas diretamente expostas às secreções do paciente, indivíduo
que conviveu com o doente por quatro ou mais horas diárias, por pelo menos cinco dos sete dias
que antecederam a admissão hospitalar do caso.
A droga de escolha é a Rifampicina. Deve ser iniciada, idealmente, até 48 horas da exposi-
ção, podendo ser usada até 10 dias no caso de doença meningocócica ou até 30 dias no caso do
Haemophilus influenza. Todos os contatos devem ser monitorados durante 10 dias.

Indicações de quimioprofilaxia:
• Todos os contatos próximos de um caso de DM, independente do estado vacinal.

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INFECTOLOGIA

• Contato próximo com casos de doença invasiva por Haemophilus influenzae.


• Profilaxia para o profissional de saúde: indicada somente para casos com exposição às secre-
ções respiratórias e vômitos do doente, durante procedimentos invasivos como intubação
orotraqueal, ou quando permaneceram no mesmo ambiente que o doente por um período
superior a quatro horas, sem utilização de equipamentos de proteção individual (EPI).

Para os seguintes agentes, recomenda-se:


• Neisseria meningitidis: Rifampicina 600 mg/dose 12/12 horas por 2 dias.
• Haemophilus influenzae: Rifampicina 600 mg/dose 24/24 horas por 4 dias.
• Alternativas: Ceftriaxona 250 mg intramuscular dose única ou Ciprofloxacina 500 mg oral
dose única.

10. VACINAÇÃO

A vacinação é considerada a principal medida preventiva, sendo as vacinas específicas para


determinados agentes etiológicos e utilizadas na rotina para imunização de crianças menores de
2 anos. Estão disponíveis no Calendário Nacional de Vacinação da Criança do Programa Nacional
de Imunizações (PNI/MS):
• Vacina conjugada Pentavalente: protege contra meningite e outras infecções causadas
pelo H. influenzae tipo b, além de difteria, tétano, coqueluche e hepatite B.
• Vacina BCG: protege contra as formas graves de tuberculose (miliar e meníngea).
• Vacina pneumocócica conjugada 10-valente: protege contra doenças invasivas e outras in-
fecções causadas pelo pneumococo (proteção contra dez sorogrupos).
• Vacina meningocócica conjugada C: protege contra doença invasiva causada por meningo-
coco do sorogrupo C.
• Vacina pneumocócica polissacarídica 23-valente (VPP23): indicada para imunodeprimidos,
portadores de doenças crônicas e população indígena acima de 2 anos de idade.
10.1. Surto e vacinação de bloqueio

• Surto: ocorrência de três ou mais casos pelo mesmo sorogrupo confirmados laboratorial-
mente (cultura ou PCR) em até 3 meses, na mesma área geográfica, que não sejam comuni-
cantes entre si.
• Vacinação de bloqueio: indicada para população exposta, quando há a confirmação de um
surto de doença meningocócica causada pelo sorogrupo C.
• Vacina meningocócica conjugada C: interrompe a cadeia de transmissão do meningococo
na comunidade.

11. CASO CLÍNICO

Paciente, sexo masculino, 23 anos, refere febre não aferida há três dias, associada à cefaleia
holocraniana intensa, náuseas, vômitos, astenia e prostração. Refere piora do quadro há um dia.
Nega demais queixas. Nega doenças pré-existentes, alergias e uso de medicamentos. Nega taba-
gismo, etilismo e uso de drogas ilícitas.

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MENINGITE

Ao exame físico: REG, hipocorado, desidratado, febril (39 ºC), FC: 120 bpm, PA: 100/70 mmHg.
Ausculta pulmonar sem alterações, FR: 36 irpm. Presença de rigidez de nuca. Sinais meníngeos
presentes. Glasgow: 15, pupilas isocóricas e fotorreagentes.
Realizada punção lombar evidenciando as seguintes alterações liquóricas: aspecto turvo, pro-
teínas 120 mg/dL; glicose 35 mg/dL; leucócitos 500/mm3 (linfócitos 28%; monócitos 2% e neutró-
filos 70%). Bacterioscopia: diplococos gram-negativos.

11.1. Prescrição

• Dieta oral livre.


• Soro fisiológico 0,9% 2000 mL IV a 28 gotas/min.
• Ceftriaxone 2 g IV 12/12 horas.
• Dipirona 500 mg 1 ampola IV 6/6 h, se dor ou febre.
• Metoclopramida 10 mg 1 ampola IV 8/8 h, se náuseas ou vômitos.
• Omeprazol 40 mg IV ao dia.
• Sinais vitais e cuidados gerais 2/2 horas.
• Precaução respiratória para gotículas.

REFERÊNCIAS
1. Lopes AC. Clínica médica: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Atheneu, 2013.
2. Minas Gerais. Secretaria de Estado da Saúde: Protocolo de Vigilância Epidemiológica de Meningites, 2013.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. Guia
de Vigilância em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológi-
ca. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde: Guia de Vigilância Epidemiológica. 7. ed.
Brasília, 2010.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde: Meningite – vacinação, 2014.
7. São Paulo. Secretaria de Estado. Meningites Virais. Rev. Saúde Pública, 2006;40(1):65-70.

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LEISHMANIOSE VISCERAL CAPÍTULO

Autores:
4.5
Gabrielly Borges Machado
Luilson Geraldo Coelho Júnior
Luciana de Almeida Silva Teixeira LEISHMANIOSE VISCERAL

INFECTOLOGIA

1. INTRODUÇÃO

A leishmaniose representa um conjunto de doenças causadas por protozoários flagelados

do gênero Leishmania. Primariamente, é considerada uma zoonose, que pode acometer o ser
humano quando esse participa do ciclo de transmissão do parasito, transformando a doença
em uma antropozoonose. Apresenta-se sobre amplo espectro de manifestações clínicas, que
incluem as formas cutânea localizada, cutânea disseminada, cutânea difusa, mucocutânea e
leishmaniose visceral (LV), resultante da disseminação da infecção para órgãos como baço,
fígado e medula óssea.
A leishmaniose visceral é uma doença não contagiosa, sistêmica, de evolução crônica, sen-
do a forma clínica mais grave, potencialmente fatal se não tratada. Muitos indivíduos infecta-
dos apresentam a forma assintomática da doença. As manifestações clínicas são decorrentes
da multiplicação dos parasitos nas células do sistema fagocítico mononuclear associada à res-
posta imune do indivíduo.
A Leishmaniose Visceral (LV) é um problema de saúde pública, com grande impacto socio-
econômico. Estima-se uma incidência global de 500.000 novos casos por ano e mais de 50.000
mortes anuais. Entre os anos de 2001 e 2011, foram registrados 38.808 casos nas Américas,
distribuídos em 12 países, sendo que 37.503 (96%) ocorreram no Brasil. Está amplamente dis-
tribuída nas 21 unidades da federação, com casos registrados nas cinco regiões brasileiras,
sendo sua taxa de letalidade nacional, em torno de 7%.
No Brasil, a LV é considerada uma doença endêmica que apresenta aumento progressivo
do número de casos, com cerca de 3500 casos/ano. A doença acomete indivíduos de todos os
sexos, sendo o masculino mais afetado. Além disso, é mais frequente em menores de 10 anos.
Nos últimos trinta anos, houve a urbanização da doença, anteriormente considerada pre-
sente somente em ambientes rurais. O desmatamento e a ocupação urbana de forma desor-
denada resultaram em expansão das áreas endêmicas fazendo com que novos focos surgis-
sem em outras regiões, dessa forma, a LV tem se espalhado com uma tendência para a zona
urbana.
É uma doença de notificação compulsória, sendo necessária investigação epidemiológica.
A vigilância da LV consiste na vigilância entomológica, de casos humanos e de casos caninos.

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LEISHMANIOSE VISCERAL

2. AGENTE ETIOLÓGICO E CICLO DE VIDA

A Leishmaniose Visceral é causada por protozoários tripanossomatídeos do gênero Leishmania.


Na Ásia e África Ocidental a espécie circulante é a Leishmania (Leishmania) donovani; já na Europa,
Norte da África e América Latina a Leishmania (Leishmania) infantum é a espécie causadora de LV.
O agente etiológico é um parasita intracelular obrigatório das células do sistema fagocítico
mononuclear. A forma flagelada ou promastigota é encontrada no tubo digestivo do inseto vetor
e outra forma aflagelada ou amastigota está presente nos tecidos dos vertebrados.
A presença do parasito na natureza não é suficiente para que a doença se estabeleça como
endêmica. Para isso, é necessário que haja a presença concomitante do vetor transmissor e do
reservatório.
Na área urbana, o cão (Canis familiaris) é a principal fonte de infecção, já no ambiente silves-
tre, os reservatórios são as raposas (Dusicyonvetulus e Cerdocyonthous) e os marsupiais (Didel-
phis albiventris).
Os vetores responsáveis pela transmissão são fêmeas de flebotomíneos hematófagos do gê-
nero Phlebotomus no Velho Mundo e Lutzomyia no Novo Mundo. No Brasil, as espécies relaciona-
das com a transmissão da doença são: Lutzomyia longipalpis e Lutzomyia cruzi.
A LV apresenta um período de incubação bastante variável tanto para o homem como para o
cão. No homem varia de dez dias a vinte e quatro meses e no cão varia de três meses a vários anos.
Em relação ao período de transmissibilidade, o vetor poderá se infectar enquanto o parasitismo
persistir na pele ou no sangue circulante dos reservatórios.

3. QUADRO CLÍNICO

As infecções podem ser inaparentes (assintomáticas), nas quais não há evidência de manifes-
tações clínicas, todavia, essas podem ser discretas gerando um quadro oligossintomático ou até
mesmo clássico, quando há sintomas bem característicos da doença.
Levando em consideração a evolução clínica da Leishmaniose Visceral, a doença clássica é
dividida em período inicial, período de estado e período final.

3.1 Período inicial

Corresponde à fase aguda. Esse período caracteriza o início da sintomatologia, que é variável
em cada paciente. Na maioria dos casos, inclui febre com duração inferior a quatro semanas, pa-
lidez cutâneo-mucosa e hepatoesplenomegalia. Os exames sorológicos são reativos. O aspirado
de medula óssea evidencia forma amastigota do parasito. Hemograma pode revelar anemia, com
hemoglobina acima de 9 g/dL.
Em área endêmica, alguns indivíduos, normalmente crianças, podem apresentar a forma oli-
gossintomática, com sintomas discretos, de curta duração, com evolução para cura espontânea.
A forma oligossintomática é caracterizada por febre, hepatomegalia, hiperglobulinemia e
velocidade de hemossedimentação aumentada. O aspirado de medula pode ou não mostrar a
presença de Leishmania.

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INFECTOLOGIA

3.2 Período de estado

O paciente apresenta febre irregular associada a emagrecimento progressivo, palidez cutâ-


neo-mucosa e aumento da hepatoesplenomegalia. O quadro clínico é arrastado com mais de
dois meses de evolução e está associado a comprometimento do estado geral.
Ocorre pancitopenia e, no exame sorológico, os títulos de anticorpos específicos anti-Leishma-
nia são elevados.

3.3 Período final

Nos casos em que o diagnóstico não é realizado e o tratamento não é instituído precocemen-
te, a doença evolui progressivamente para o período final. O paciente apresenta-se com febre
contínua e com o estado geral comprometido mais intensamente. Além disso, a desnutrição é
marcada por cabelos quebradiços, cílios alongados e pele seca, ocorre, ainda, edema dos mem-
bros inferiores que pode evoluir para anasarca. Outras manifestações importantes incluem he-
morragias (epistaxe, gengivorragia e petéquias), icterícia e ascite.
As complicações decorrentes da infecção pelo protozoário são de natureza infecciosa e he-
morrágica. As complicações infecciosas bacterianas são as mais frequentes, dentre elas, desta-
cam-se otite média aguda, piodermites e afecções pleuropulmonares. As infecções quando não
tratadas com antimicrobianos podem levar o paciente a um quadro séptico com evolução fatal.
As hemorragias são secundárias a múltiplos fatores tais como plaquetopenia, consumo de fatores
de coagulação, hepatopatia, sendo a epistaxe e a gengivorragia as mais comuns, mas podendo
também evoluir com gravidade e óbito.
Existem critérios clínicos estabelecidos pelo Ministério da Saúde associados à maior chance
de evolução para o óbito, tais como: idade superior a 40 anos, sangramentos, imunossupressão,
edema, icterícia, dispneia, infecção bacteriana concomitante, insuficiência renal, leucopenia e/
ou plaquetopenia graves. Esses parâmetros devem ser considerados na escolha da terapêutica
específica.

4. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é clínico-epidemiológico e laboratorial. Porém, quando não for possível realizar


o diagnóstico laboratorial, o início do tratamento é baseado nos achados clínico-epidemiológicos.
O método sorológico mais utilizado atualmente é o teste rápido, através da detecção de anti-
corpos contra o antígeno rK39. A vantagem em se realizar o diagnóstico por meio de teste rápido
ocorre pela facilidade na execução e rapidez nos resultados, pois não necessita de profissional e
nem laboratório altamente qualificados e os resultados são obtidos em minutos. Previamente, os
mais empregados foram o ELISA e a imunofluorescência indireta (IFI), sendo que na IFI são positi-
vos os títulos a partir da diluição 1:80.
O exame parasitológico pode evidenciar a presença de formas amastigotas do parasita nos
tecidos do hospedeiro (medula óssea, baço ou fígado), no entanto, exige a realização de um pro-
cedimento invasivo e de profissional habilitado.
Além disso, pode ainda se realizar isolamento do parasito em meios de cultura como Neal,
Novy, Nicolle (NNN), Liver Infusion Tryptose (LIT) e Schneider, procedimento com pouca utilidade
para o diagnóstico, pois demanda muito tempo para crescimento e possui baixa sensibilidade.
Métodos de biologia molecular, como a técnica de Reação da Cadeia da Polimerase (PCR),
visam amplificar o DNA do parasita; todavia, esta é realizada mais comumente em centros de
pesquisa; não estando disponíveis nos serviços de saúde.

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LEISHMANIOSE VISCERAL

5. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Malária, brucelose, febre tifoide, esquistossomose hepatoesplênica, linfoma, mieloma múlti-


plo, anemia falciforme, leucemia, dengue, paracoccidioidomicosis, histoplasmose disseminada,
dentre outras causas de febre de origem indeterminada.

6. TRATAMENTO

As classes de drogas utilizadas para o tratamento da LV no Brasil são: Antimonial pentava-


lente, Anfotericina B desoxicolato e formulações lipídicas, como a Anfotericina B lipossomal. As
diferenças observadas na eficácia do tratamento dependem de fatores como: área geográfica
de infecção, desenvolvimento de resistência aos medicamentos, coinfecção LV-HIV, desnutrição.
Atualmente, a Anfotericina B Desoxicolato está indicada somente em situações de exceção.

6.1. Antimonial Pentavalente (GLUCANTIME®)

Ao utilizar esse medicamento, o paciente deve fazer acompanhamento clínico e exames com-
plementares para a detecção de possíveis manifestações de intoxicação, por meio de: hemogra-
ma, ureia, creatinina, TGO/TGP, eletrocardiograma.
Os sintomas mais comumente decorrentes da intoxicação pelo antimonial são: arritmias car-
díacas, insuficiência renal aguda, elevação dos níveis séricos de ureia e creatinina, icterícia, eleva-
ção de enzimas hepáticas, pancreatite aguda, hiperamilasemia.
Os Antimoniais Pentavalentes estão contraindicados em pacientes que fazem uso de betablo-
queadores e drogas antiarrítmicas, devido seu potencial arritmogênico. Não está recomendado
para os pacientes com as formas graves da LV. Também estão contraindicados em pacientes com
insuficiência renal ou hepática, mulheres grávidas nos dois primeiros trimestres da gestação e
em pacientes que apresentem alteração eletrocardiográfica: intervalo QTC superior a 400 ms (ho-
mens) e 450 ms (mulheres).
A dose recomendada é de 20 mg de Sb + 5 kg/dia, com aplicação endovenosa ou intra-
muscular, por 28 dias, utilizando-se o limite máximo de 3 ampolas/dia da medicação.

6.2. Anfotericina B Lipossomal

É indicada em indivíduos com idade acima de 50 anos, LV grave, insuficiência renal, cardíaca

ou hepática, arritmias, doença de Chagas, DM, transplantados, gestantes, coinfecção Leishmania-


-HIV e refratariedade ao uso do Antimonial pentavalente.

A dose recomendada pelo Ministério da Saúde é de 3 mg/kg/dia, durante 7 dias ou 4


mg/kg/dia, durante 5 dias em infusão endovenosa lenta (1 hora), em dose única diária.

7. CRITÉRIOS DE CURA

Os critérios de cura são essencialmente clínicos. O desaparecimento precoce da febre ocorre


até o 5o dia de medicação e a redução da hepatoesplenomegalia, durante as primeiras semanas.
No fim do tratamento, o baço apresenta redução de 40% ou mais, em relação à medida inicial, e
os parâmetros hematológicos (hemoglobina e leucócitos) melhoram a partir da segunda semana.
A inversão albumina/globulina na eletroforese de proteínas pode levar meses para se normalizar.
O ganho ponderal do paciente é decorrente do retorno do apetite e melhora do estado geral.
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INFECTOLOGIA

Recomenda-se reavaliação do paciente tratado aos 3, 6 e 12 meses após o tratamento, devido à


ocorrência de recidivas da doença e na última avaliação se permanecer estável, o paciente é consi-
derado curado. A realização de métodos sorológicos não é útil no seguimento do paciente, pois se
negativam tardiamente, ou podem permanecer positivos sem associação com recidiva da doença.

8. MEDIDAS PREVENTIVAS

Uso de repelentes, mosquiteiros de malha fina, evitar exposição nos horários de atividade do ve-
tor (crepúsculo e noite), saneamento ambiental, limpeza urbana, eliminação de resíduos sólidos or-
gânicos e destino adequado dos mesmos, eliminação de fonte de umidade e controle da população
canina errante. A vacina anti-leishmaniose visceral canina é registrada no Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, todavia não há constatação do seu custo-benefício, nem da efetividade
para controle de reservatório da leishmaniose visceral canina em programas de saúde pública.

9. CASO CLÍNICO

Paciente, 20 anos de idade, sexo feminino, negra, natural e procedente de Porteirinha-MG,


reside em área urbana da cidade.
Deu entrada no setor de emergência do hospital apresentando febre de 39 ºC persistente há
um mês, sem outras queixas. Ao exame: paciente em regular estado geral, prostrada, hipocorada
3 + /4, hidratada. Sinais vitais: Fr: 28 irpm, Fc: 136 bpm, Tax: 38,3 ºC. Abdome globoso, ruídos hi-
droaéreos positivos, indolor à palpação superficial e profunda, à palpação macicez difusa, esple-
nomegalia à 8 cm do rebordo costal esquerdo, sem sinal de irritação peritoneal, hepatomegalia à
6 cm do rebordo costal direito.
Procedeu-se a internação da paciente para investigação da hipótese diagnóstica de Leishma-
niose Visceral, esquistossomose com enterobacteriose septicêmica prolongada, linfoma. Solici-
tou-se teste rápido para LV, eletrocardiograma, hemograma, ureia, creatinina, velocidade de he-
mossedimentação (VHS), bilirrubina total e frações, TGO, TGP, amilase, albumina, proteínas totais
e frações, exame parasitológico de fezes (EPF) três amostras.
O teste rápido confirmou a hipótese diagnóstica de Leishmaniose Visceral, eletrocardiograma
sem alterações e os novos exames laboratoriais mostraram: Hemácias: 4,6 milhões, hemoglobina:
9,4 g/dL, hematócrito: 29%, leucócitos globais: 2300 mm³, plaquetas 154.000 mm³, ureia: 19 mg/dL,
creatinina: 0,8 mg/dL, VHS: 56 mm, bilirrubina total: 0,6 mg/dL, bilirrubina indireta: 0,2 mg/dL, bilir-
rubina direta: 0,4 mg/dL, amilase: 155 mg/dL, TGO: 29 U/mL, TGP 18 U/mL, Proteínas totais: 6,0, Al-
bumina: 2,0 mg/dL, Globulina: 4,0 mg/dL. O EPF não demonstrou presença de larvas, cistos ou ovos.
Iniciado Antimonial pentavalente na dose de 20 mg/kg/dose por 30 dias. Paciente evoluiu
com melhora do estado geral, após início do tratamento, mantendo-se afebril.

9.1 Prescrição
• Dieta oral livre.
• Medicação Leishmanicida (opções):
• Glucantime: 20 mg/Sb + 5/kg/dia por via endovenosa ou intramuscular, uma vez ao dia,
durante 30 dias. (Paciente 70 kg: 3 ampolas de Glucantime + SF 0,9% 100 mL, correr EV em
30 minutos).
• Anfotericina B Desoxicolato: 1 mg/kg/dia por infusão venosa durante 14 a 21 dias. (Pa-
ciente de 70 kg: Anfotericina B Desoxicolato 50 mg + SG 5% 500 mL EV em BIC correr em
4 h).
• Anfotericina B Lipossomal: 3 mg/kg/dia, durante 7 dias ou 4 mg/kg/dia, durante 5 dias

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LEISHMANIOSE VISCERAL
em infusão venosa, em uma dose diária (Paciente de 70 kg: Anfotericina B lipossomal 4
ampolas + SG 5% 500 mL EV em BIC correr em 1h).
• Dipirona 01 ampola, EV, 6/6 h se febre ou dor.
• Sinais Vitais e cuidados gerais de 4/4 h.
• Comunicar anormalidades.

REFERÊNCIAS
1. Alvar J et al. Leishmaniasis Worldwide And Global Estimates Of Its Incidence. Plosone, 2012;7(5):E35671.
2. Araujo AC et al. Visceral Leishmaniasis In Petrolina, State Of Pernambuco, Brazil, 2007-2013. Revista do
Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, 2016;58.
3. Aronson N et al. Diagnosis And Treatment Of Leishmaniasis: Clinical Practice Guidelines By The Infectious
Diseases Society Of America (Idsa) And The American Society Of Tropical Medicine And Hygiene
(ASTMH). Am. J. Trop. Med. Hyg, 2017;96(1):24-45.
4. Botelho ACA; Natal D. First Epidemiological Description Of Visceral Leishmaniasis In Campo Grande, Sta-
te Of Mato Grosso do Sul. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 2009;42(5):503-508.
5. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância Em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemioló-
gica. Guia de vigilância epidemiológica. Brasília, 2009.
6. Brasil. Ministério da Saúde, Fundação Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epi-
demiológica. Manual de vigilância e controle daLeishmaniose visceral. Brasília; 2006.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemioló-
gica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. Brasília, 2010.
8. Fu Q et al. Endemic Characteristics Of Infantile Visceral Leishmaniasis In The People’s Republic Of Chi-
na. Parasites & Vectors, 2013;6(1):143.
9. Júnior LGC et al. Coinfecção por Leishmaniose visceral e vírus da imunodeficiência humana: uma evolu-
ção clínica desfavorável. Revista De Patologia Tropical, 2016;45(2):233-240.
10. Júnior LGC et al. Leishmaniose visceral infantil: relato de caso. Revista de Medicina, 2016;95(3):133-137.
11. Maciel DB et al. Infection With Leishmania (Leishmania) Infantum Of 0 To 18-month-old Children Living
In A Visceral Leishmaniasis-endemic Area In Brazil. The American Journal Of Tropical Medicine And Hygiene,
2014;91(2):329-335.
12. Marzochi MCA. Visceral Leishmaniasis In Southern Rio de Janeiro State And The Risk Of Propagation To
São Paulo State, Brazil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 2016;49(2):147-149.
13. Monge-maillo B et al. Visceral Leishmaniasis And Hiv Coinfection In The Mediterranean Region. Plosnegl
Trop Dis, 2014;8(8):E3021.
14. Van Griensven J, Zijlstra EE, Hailu A. Visceral Leishmaniasis And Hiv Coinfection: Time For Concerted Ac-
tion. Plosnegl Trop Dis, 2014;8(8):E3023.
15. WHO et al. Control Of The Leishmaniases: Report Of A Meeting Of The Who Expert Committee On The
Control Of Leishmaniases. In: WHO. Control Of The Leishmaniases: Report Of A Meeting Of The Who Ex-
pert Committee On The Control Of Leishmaniases. World Health Organization, 2010.

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LEPTOSPIROSE CAPÍTULO

Autores:
4.6
Gabrielly Borges Machado
Daniela Aparecida Lima Viana
LEPTOSPIROSE

INFECTOLOGIA

1. INTRODUÇÃO E DEFINIÇÃO

A leptospirose é uma doença infecciosa febril aguda caracterizada por amplo espectro
clínico, podendo apresentar quadros assintomáticos e oligossintomáticos, além de formas
graves e fulminantes. É também conhecida como Doença de Weil, síndrome de Weil, febre dos
pântanos, febre dos arrozais, febre outonal.
Trata-se de uma zoonose de importância universal. No Brasil tem distribuição endêmica.
Pode ocorrer durante todo o ano, com maior incidência nos períodos chuvosos, principalmente
em grandes centros urbanos, devido às enchentes associadas à aglomeração populacional de
baixa renda, condições inadequadas de saneamento e alta infestação de roedores infectados.
As epidemias urbanas anuais estão relacionadas às condições precárias de moradia e tra-
balho. Os surtos, em geral, são decorrentes de desastres naturais de grande magnitude, pós
enchentes e inundações.
É mais frequente na zona urbana, tendo importância social e econômica significativa. Tra-
balhadores que fazem a limpeza dos esgotos, garis, agricultores, veterinários, tratadores de
animais, pescadores, dentre outros, são mais predispostos à infecção. É mais comum no sexo
masculino e na faixa etária entre 30 a 49 anos.
É doença de notificação compulsória no Sistema de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan), portanto, todo caso suspeito deve ser notificado e investigado.

2. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

O agente etiológico é uma bactéria helicoidal (espiroqueta) aeróbica obrigatória, altamen-


te móvel, com elevada capacidade de sobrevivência no meio ambiente. Pertence ao gênero
Leptospira, sendo a espécie mais importante a L. interrogans. Existem mais de 200 sorotipos
da L. interrogans, estando a virulência da doença correlacionada ao sorotipo.
Os principais reservatórios são os roedores das espécies Rattus norvegicus (ratazana ou
rato de esgoto), Rattus rattus (rato de telhado ou rato preto) e Mus musculus (camundongo
ou catita). Os animais infectados permanecem assintomáticos, mantêm a leptospira nos rins,
eliminando-a viva na urina, contaminando água, solo e alimentos. Outros reservatórios menos
comuns são caninos, suínos, bovinos, equinos, ovinos e caprinos.
O homem é apenas hospedeiro acidental e terminal, dentro da cadeia de transmissão.
Através da penetração tecidual direta (pele ou mucosa) e da disseminação via hematogênica,
as leptospiras atingem os órgãos-alvo (fígado, rins e pulmões), levando à lesão vascular grave

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LEPTOSPIROSE

e disfunções orgânicas, as quais são responsáveis pelas manifestações clínicas da doença e com-
plicações. O período de incubação varia de 2 a 30 dias, em média 5 a 14 dias.

3. MODO DE TRANSMISSÃO

A Leptospira é transmitida ao homem por meio do contato direto ou indireto com a urina
de animais infectados (reservatórios). A penetração do patógeno se dá através da pele com a
presença de lesões, pele íntegra imersa por longos períodos em água contaminada ou através de
mucosas, como a conjuntiva.

4. QUADRO CLÍNICO

Varia desde formas assintomáticas e subclínicas até quadros clínicos graves, com alta letali-
dade. É uma doença bifásica sendo dividida em duas fases: fase precoce (fase leptospirêmica/
aguda) e fase tardia (fase imune).

4.1. Fase precoce ou leptospirêmica

Essa fase corresponde a cerca de 85% das formas clínicas. Resultante da disseminação da
leptospira pelo organismo, caracteriza-se pelo início súbito de febre, acompanhada de cefaleia,
mialgia, anorexia, náuseas e vômitos, diarreia, artralgia, hiperemia ou hemorragia conjuntival, fo-
tofobia, dor ocular e tosse. Podem ocorrer exantema, hepatomegalia, esplenomegalia e linfade-
nopatia (em menos de 20% dos casos).
Em geral, é autolimitada, com duração entre 3 e 7 dias e evolução benigna. Sufusão conjunti-
val é um achado característico da leptospirose, observado no final da fase precoce. Outros acha-
dos são petéquias e hemorragias conjuntivais e mialgia, principalmente em região lombar e nas
panturrilhas. É difícil diferenciar essa fase de outras causas de doenças febris agudas.

4.2. Fase tardia ou fase imune

Essa fase ocorre após a primeira semana da doença. Caracterizada pelo início da produção de
anticorpos específicos. Cerca de 15% dos pacientes evoluem para formas graves, mais comuns no
sexo masculino, podendo apresentar manifestações fulminantes.

4.3. Síndrome de Weil

É uma manifestação clássica da forma grave, caracterizada pela tríade de icterícia, insuficiên-
cia renal e hemorragia, principalmente pulmonar. A icterícia rubínica (tonalidade alaranjada mui-
to intensa), característica da síndrome, aparece entre o 3o e 7o dia de sintomas, sendo marcador de
pior prognóstico. Essas manifestações também podem se apresentar de forma isolada.

4.4. Síndrome de hemorragia pulmonar

É uma complicação importante na fase tardia, decorrente de lesão pulmonar aguda e san-
gramento pulmonar maciço, caracterizada por tosse seca, dispneia, expectoração hemoptoica
e, ocasionalmente, dor torácica e cianose. A hemoptise franca indica extrema gravidade e pode
ocorrer de forma súbita, levando à insuficiência respiratória (síndrome da hemorragia pulmonar
aguda e síndrome da angústia respiratória aguda – SARA) e a óbito, em poucas horas.

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INFECTOLOGIA

Além de hemorragia pulmonar, pode cursar também com fenômenos hemorrágicos na pele
(equimoses, petéquias e sangramento nos locais de venopunção), em mucosas, como a conjunti-
va ou órgãos internos, como sistema nervoso central.

4.5. Insuficiência renal aguda

Essa situação pode ocorrer em até 40% dos pacientes, caracterizada por ser não oligúrica e hi-
pocalêmica. Com a vasculite sistêmica, ocorre perda contínua de volume intravascular e o pacien-
te pode evoluir para necrose tubular aguda e não responder à reposição volêmica, necessitando
de início precoce de diálise.

4.6. Outras complicações da forma grave

Outras complicações da forma grave são miocardite, arritmias, pancreatite, distúrbios neu-
rológicos como confusão, delírio, alucinações e meningite asséptica. Mais raramente, pode-se
observar encefalite, paralisias focais, espasticidade, nistagmo, convulsões, distúrbios visuais de
origem central, neurite periférica, paralisia de nervos cranianos, radiculite.
A convalescença dura de 1 a 2 meses, podendo persistir sintomas como febre, cefaleia, mial-
gias e mal-estar geral por alguns dias. A icterícia desaparece lentamente, podendo durar por se-
manas. Os níveis de anticorpos diminuem progressivamente.
Ocorrem ainda sinais de alerta, sendo eles:
• Dispneia, tosse e taquipneia.
• Alterações urinárias, geralmente oligúria.
• Fenômenos hemorrágicos, incluindo escarros hemoptoicos.
• Hipotensão.
• Alterações do nível de consciência.
• Vômitos frequentes.
• Arritmias.
• Icterícia.

5. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é clínico-epidemiológico – caso suspeito: indivíduo que apresenta febre de


início súbito, mialgias e cefaleia, associados a um e mais dos seguintes sinais e sintomas: sufusão
conjuntival ou conjuntivite, alterações do volume urinário (IRA), icterícia e fenômenos hemorrá-
gicos. Quando em Síndrome Febril Aguda, apresenta febre, cefaleia e mialgia com antecedentes
epidemiológicos sugestivos (contato físico com áreas alagadas, lama ou esgoto, principalmente
após fortes chuvas e ocorrência de enchentes, residência ou trabalho em áreas de risco da doen-
ça) nos últimos 30 dias anteriores à data de início dos sintomas.

5.1. Exames específicos

Em fase precoce, ocorre o isolamento da bactéria através de exame direto, cultura para Leptos-
pira em sangue e detecção do DNA pela técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR). Em fase
tardia, são utilizados métodos sorológicos (a partir do 7o dia do início dos sintomas) como:
• Ensaio imunoenzimático (ELISA-IgM).

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LEPTOSPIROSE

• Teste de Microaglutinação – MAT (padrão-ouro):


––Soroconversão com duas amostras, sendo a primeira amostra (fase aguda) não reagente e a
segunda amostra (14 dias após a data de início dos sintomas) com título maior ou igual a 200.

––Aumento de quatro vezes ou mais nos títulos da MAT, entre duas amostras sanguíneas co-
letadas com um intervalo de aproximadamente 14 dias após o início dos sintomas entre elas.

––Uma amostra com título maior ou igual a 800.


5.2. Exames inespecíficos

Como exames inespecíficos temos hemograma (anemia, plaquetopenia, leucocitose com


desvio à esquerda), ureia e creatinina (elevados), bilirrubina total (elevada com predomínio da
fração direta), potássio (normal ou dimunuído), CPK (elevada – lesão muscular grave), AST, ALT
(normais ou com aumento de três a cinco vezes o valor da referência), Gama-GT e fosfatase alcali-
na (normais ou elevadas), radiografia de tórax (infiltrado alveolar ou lobar, bilateral ou unilateral,
congestão e SARA), ECG (fibrilação atrial, bloqueio atrioventricular e alteração da repolarização
ventricular) e gasometria arterial (acidose metabólica, hipoxemia).

6. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

Em fase precoce: dengue, síndrome gripal, malária, febre maculosa, doença de Chagas aguda,
toxoplasmose aguda, febre tifoide, entre outras. Em fase tardia: hepatites virais agudas, hantaviro-
se, febre amarela, malária grave, dengue grave, endocardite, febre maculosa, doença de Chagas
aguda, pneumonias, pielonefrite, sepse, meningites, abdome agudo.

7. TRATAMENTO

O tratamento deve contemplar:


• Hospitalização imediata dos casos com sinais de alerta, visando evitar complicações e dimi-
nuir a letalidade.
• Coleta de amostras para realização de exames diagnósticos.
• Terapia de suporte precoce: sintomáticos, reposição volêmica adequada e cautelosa.
• Antibioticoterapia precoce: indicada em qualquer fase da doença, porém, é mais eficaz na
primeira semana do início dos sintomas.
• Monitorização de complicações (IRA, hemorragia pulmonar).
• Suporte respiratório: ventilação mecânica protetora nos casos graves (SARA).
• Reposição hidroeletrolítica.
• Manejo de hemorragias: transfusão de hemoderivados.
• Suporte renal: diálise precoce na IRA oligúrica.
• Casos leves: atendimento ambulatorial. Cabe ao médico orientar o paciente quanto às com-
plicações possíveis ou ocorrência de sinais de alerta e manter monitorização do paciente até
a fase de convalescença.

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INFECTOLOGIA

Quadro 1. Antibioticoterapia recomendada para pacientes com leptospirose.

Fase Antibiótico Adulto


100 mg, via oral,
Doxiciclina
de 12 em 12 horas, por 5 a 7 dias
Fase precoce 500 mg, via oral, de 8 em 8 horas,
Amoxicilina
por 5 a 7 dias
1.500.000 UI, intravenosa,
Penicilina G Cristalina
de 6 em 6 horas
Ampicilina 1 g, intravenosa, de 6 em 6 horas
Fase tardia
2 g, intravenosa,
Ceftriaxona
de 24 em 24 horas
Cefotaxima 1 g, intravenosa, de 6 em 6 horas
Fonte: Guia de vigilância em saúde/Ministério da saúde 2016.

• A doxiciclina está contraindicada para crianças menores de 9 anos de idade, gestantes e


nefropatas ou hepatopatas.
• A azitromicina e a claritromicina são alternativas terapêuticas na fase precoce.
• A antibioticoterapia intravenosa (IV) deve durar de 7 a 10 dias.

8. CONCLUSÃO

A Leptospirose é um importante problema de saúde pública no Brasil, apresentando caráter


endêmico, com aumento da incidência no verão. Trata-se de uma doença com alto potencial de
gravidade, sendo a letalidade em torno de 10%. Já nas formas graves da doença, a letalidade
chega a 50%.
As principais complicações incluem hemorragias (principalmente pulmonar) e insuficiência renal
aguda, as quais afetam diretamente o prognóstico do paciente, levando-o rapidamente ao óbito.
O manejo clínico adequado e criterioso é fundamental para o sucesso terapêutico. Diagnós-
tico precoce, monitorização rigorosa, principalmente, dos casos com sinais de alarme, os quais
apresentam maior risco de evolução para complicações graves e terapêutica adequada, com re-
posição volêmica cautelosa, antibioticoterapia específica, suporte ventilatório, incluindo ventila-
ção mecânica nos casos de hipoxemia grave e refratária, transfusão de hemoderivados e manejo
renal, com uso de diuréticos de alça e diálise precoce nos casos de IRA oligúrica, são medidas
iniciais que interferem significativamente na evolução do paciente. Sendo assim, diagnóstico
precoce e tratamento adequado resultam em prevenção de complicações graves e redução sig-
nificativa da letalidade.
A melhoria das ações de prevenção e controle dos reservatórios levam à diminuição da con-
taminação ambiental e, consequentemente, à redução do número de casos humanos da doen-
ça, como controle da população de roedores, tratamento de animais contaminados, cuidados
higiênicos, melhoria das condições sanitárias, de moradia e de trabalho, entre outras medidas
preventivas.

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LEPTOSPIROSE

Algorítmo

Síndrome Iniciar no primeiro


febril aguda + Avaliação
clínica atendimento
Contato com • Penicilina cristalina
local + Solicitar
Sinais de 1.500.000UI,
possivelmente exames intravenosa, 6 em 6h
contaminado alerta
Avaliar OU
Sinais • Ceftriaxona: 1g
vitais intravenoso ao dia
(se dúvida no
diagnóstico, fazer
2g/dia)

SIM Avaliar padrão NÃO


respiratório

• Soro fisiológico
• PaO2<60 mmHg ou raio X 0,9% 500mL,
• Infiltrado bilateral ao RX intravenoso, em
ou bolus, repetir até 3X
• FR>28ipm e Sat02<92% NÃO • Monitorizar padrão
(ar ambiente) e respiratório
estertores crepitantes • Se piora
bilaterais respiratória, reiniciar
algoritmo

Suporte
ventilatório Avaliar diurese
Avaliar diurese após
hidratação

Ausência de Presença de Ausência de Presença de


diurese diurese diurese diurese
< 0,5 mL/Kg/h > 0,5 mL/Kg/h < 0,5 mL/Kg/h > 0,5 mL/Kg/h

SARA com IRA SARA com IRA IRA oligúrica IRA não oligúrica
oligúrica não oligúrica 1. Fazer furosemida 1. Hidratação
1. Indicar Diálise (PA) 1. Se creatinina 100mg, vigorosa
2. Se pressão arterial -4 mg/dL ou ureia
> intravenosa (dose com soro
baixa e sinais de -150 mg/dL
> única) fisiológico
desidratação, fazer indicar Diálise 2. Se diurese, 0,9%
hidratação mínima 2. Reposição volêmica tratar como IRA (80mL/kg/dia)
(soro fisiológico criteriosa com não oligúrica 2. Se PA<60 ou
0,9%-500mL) monitorização 3. Se não teve PA<90X60mmHg,
Com monitorização respiratória diurese, indicar iniciar droga
respiratória 3. Se diurese <500mL diálise vasoativa e
3. Se PA ainda baixa, em 12h ou ureia e 4. Se PA baixa, 3. Se piora
iniciar creatinina crescentes, iniciar droga respiratória,
droga vasoativa indicar diálise vasoativa e reiniciar
3. Se piora fluxograma
respiratória, reiniciar
fluxograma

*Adaptado do Guia de vigilância em saúde do Ministério da saúde (2016).

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INFECTOLOGIA

9. CASO CLÍNICO

Paciente, 45 anos, sexo masculino, gari, previamente hígido, refere que há cerca de 8 dias teve
início súbito de febre, cefaleia, astenia, prostração, náuseas e mialgia mais acentuada em pantur-
rilhas, evoluindo com vômitos frequentes e icterícia. Refere ainda tosse, dispneia e hemoptise,
além de anúria há dois dias. Relata contato físico com área alagada há cerca de 20 dias. Nega
doenças pré-existentes, uso de medicamentos, alergias. Tabagista há 25 anos. Etilista social.
Exame físico: mal estado geral, hipocorado, febril (39 ºC), ictérico (3 + /4 + ), PA: 80x50 mmHg,
FC: 110 bpm, FR: 40 irpm, SatO2: 82% em ar ambiente, Glasgow: 15. Ausculta respiratória apresen-
tando estertores crepitantes em bases bilaterais. Abdome: fígado à 7 cm do rebordo costal direito.
Diante da suspeita clínica e presença de sinais de alerta, realizada internação hospitalar em
unidade de terapia intensiva, notificação do caso suspeito, solicitados exames inespecíficos e es-
pecíficos (sorológicos) para confirmação diagnóstica e iniciado tratamento específico.
Radiografia de tórax: infiltrado alveolar difuso bilateral. Gasometria arterial: PaO2 50 mmHg;
creatinina: 4,5 mg/dL; ureia: 200 mg/dL.

9.1. Prescrição

• Dieta zero até segunda ordem.


• Soro fisiológico 0,9% 500 mL IV em bolus.
• Ceftriaxone 2 g IV ao dia.
• Se persiste PAM < 60 ou PA < 90x60 mmHg: Noradrenalina 4 ampolas em 234 mL de soro
glicosado 5% IV em infusão contínua.
• Dipirona 1 ampola IV 6/6 h se febre.
• Oxigenoterapia sob ventilação mecânica.
• Diálise.
• Aferir diurese.
• Fisioterapia respiratória.
• Sinais vitais e cuidados gerais 2/2 h.

REFERÊNCIAS
1. Bernardi I. Leptospirose e saneamento básico. Monografia [Especialização em Saúde Pública] – Universida-
de Federal de Santa Catarina, 2012.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8. ed. Brasília, 2010.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Guia de vigilância em saúde. Volume único. Brasília, 2016.
4. Brasil. Ministério da Saúde. FUNASA Guia de Vigilância Epidemiológica. vol II. Influenza/Varíola. 5. ed. Bra-
sília, 2002.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Leptospirose: diagnóstico e manejo clínico. Brasília, 2014.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Roteiro para a capacitação de profissionais médicos no diagnóstico e tratamen-
to da leptospirose – guia de bolso. Brasília, 2014.
7. Goldman L, Ausiello D. Cecil: Medicina. 23. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
8. Longo DL, Kasper DL, Jameson JL et al. Medicina Interna de Harrison. 18. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
9. Lopes AC. Tratado de clínica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2016.
10. Souza VMM et al. Avaliação do sistema nacional de vigilância epidemiológica da leptospirose. Rio de Janei-
ro, 2010.

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LEISHMANIOSE CAPÍTULO

TEGUMENTAR AMERICANA 4.7


Autores:
Gabrielly Borges Machado
Lara Gomes Ferreira LEISHMANIOSE TEGUMENTAR
AMERICANA

INFECTOLOGIA

1. INTRODUÇÃO

A Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) é uma doença infecciosa, não contagiosa,

tendo como agente etiológico protozoários do gênero Leishmania, que tem tropismo por
pele e mucosas. Trata-se de uma antropozoonose, considerada um grande problema de saúde
pública, com ampla distribuição mundial, predominando no continente americano (principal-
mente a América Latina).
Inicialmente era considerada uma zoonose de animais silvestres, ocorrendo em áreas de
vegetação primária. Nos dias atuais, a transmissão vetorial ocorre predominantemente em
regiões periurbanas e rurais, devido ao desmatamento e à adaptação do vetor transmissor ao
meio urbano.
É uma doença de notificação compulsória nacional, portanto, todo caso confirmado deve
ser notificado e investigado pelos serviços de saúde, para a classificação epidemiológica (caso
autóctone ou importado) e o acompanhamento dos casos. É considerada endêmica no Bra-
sil, com registro de casos em todas as regiões brasileiras, predominando nas regiões Norte,
Centro-Oeste e Nordeste. Apresenta diversidade clínica e epidemiológica. Ocorre em ambos
os sexos e todas as faixas etárias, predominando em maiores de 10 anos e no sexo masculino.

2. AGENTE ETIOLÓGICO, RESERVATÓRIOS E VETORES

A LTA é causada por diversas espécies de protozoários do gênero Leishmania, pertencen-

te à família Trypanosomatidae. É um parasito intracelular obrigatório das células do sistema


fagocitário mononuclear (especialmente macrófagos).
Apresenta duas formas principais: flagelada ou promastigota, presente no tubo digestivo
do inseto vetor e aflagelada ou amastigota, presente nos tecidos dos hospedeiros vertebrados.
No Brasil, as principais espécies causadoras são: Leishmania amazonensis, Leishma-
nia guyanensi e Leishmania braziliensis. A L. braziliensis é a principal espécie envolvida na
Leishmaniose cutânea e mucosa, amplamente distribuída em todo país. Já a L. amazonensis é
a responsável pelos casos de Leishmaniose cutânea difusa.
Os reservatórios da LTA são animais silvestres, como roedores e marsupiais, e animais do-
mésticos, como canídeos, felídeos e equídeos, com parasitas predominando em mucosas das

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LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA

vias aerodigestivas superiores, sendo potenciais fontes de infecção. O homem é considerado hos-
pedeiro acidental.
Os vetores são insetos flebotomíneos, diferentes espécies pertencentes ao gênero Lutzomyia,
conhecidos popularmente como mosquito palha, tatuquira, birigui, entre outros.

3. TRANSMISSÃO

A transmissão se dá através da picada da fêmea hematófaga do mosquito vetor, infectada


pela Leishmania. Não há transmissão direta (pessoa a pessoa). O período de incubação é em mé-
dia, de dois a três meses, ou até dois anos.

4. FISIOPATOLOGIA

Após a picada do mosquito vetor infectado, o parasita é inoculado na pele, estimulando res-
posta imune celular específica no local, com recrutamento e atuação de células de defesa, como
macrófagos, células NK e linfóticos T helper. Normalmente, há predomínio de resposta imune
Th1, mais efetiva na eliminação de patógenos intracelulares, sendo responsável por infecção lo-
calizada ou subclínica, com boa resposta terapêutica e prognóstico favorável. O parasita invade
as células do sistema fagocítico-mononuclear (macrófagos), dando origem às amastigotas, que
sofrem multiplicação intracelular, propagando a infecção. O parasitismo associado à ativação
imune local, com liberação de mediadores inflamatórios, como IL-12 e IFN-γ, levam à destruição
tecidual e surgimento das lesões características da doença. Sendo assim, o quadro clínico depen-
de da espécie envolvida e do estado imunológico do indivíduo. A resposta imune predominante
influencia significativamente a evolução da doença para cura espontânea, formas localizadas ou
formas progressivas, sendo a resposta Th1 mais favorável na LTA. Em alguns casos, pode ocorrer
predomínio de resposta imune do tipo 2 (humoral), mediada por anticorpos anti-Leishmania,
pouco efetiva na LTA, com maior sobrevivência do protozoário, evolução desfavorável com disse-
minação das lesões e má resposta terapêutica.
Sugere-se que a forma mucosa da doença é resultante de resposta imune celular exacerbada
no local de depósito de antígenos da Leishmania, associada à incapacidade de promover uma
modulação adequada dessa resposta. A resposta terapêutica nesses casos é ruim e as recidivas
são frequentes.

5. QUADRO CLÍNICO

A LTA é caracterizada por amplo espectro clínico e polimorfismo lesional. Apresenta duas for-
mas clínicas: leishmaniose cutânea e leishmaniose mucosa (ou mucocutânea).

5.1. Leishmaniose cutânea localizada (LC)

É a manifestação clínica mais frequente. Lesão ulcerada, única ou em pequeno número, ova-
lada, com bordas bem delimitadas e elevadas, base eritematosa, fundo granuloso, indolor, com
boa resposta terapêutica e tendência à cura espontânea. Podem ocorrer linfadenopatia regional
e linfangite nodular.

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INFECTOLOGIA
Figura 1. Lesão ulcerada, única, com bordas elevadas e fundo granuloso.

Fonte: Manual de vigilância da LTA/MS 2013.

5.2. Leishmaniose cutânea disseminada

São lesões múltiplas do tipo papulares e de aparência acneiforme, acometendo vários seg-
mentos corporais, principalmente face e tronco, distantes do local da picada. Podem ocorrer
sintomas sistêmicos associados. As lesões são decorrentes de disseminação do parasito por via
hematogênica ou linfática. Rara, associada à imunodepressão, com resposta terapêutica variável.

Figura 2. Múltiplas lesões papulares em face.

Fonte: Atlas de Leishmaniose Tegumentar americana/MS.

5.3. Leishmaniose cutânea difusa (LCD)

É uma forma clínica rara, grave, multiparasitária, de evolução lenta, com formação de placas
infiltradas, múltiplas nodulações não ulceradas, disseminadas, principalmente em face, tronco e
membros, deformidades nas extremidades. Caracterizada pela ausência de resposta imune celu-
lar a antígenos de Leishmania e pela acentuada proliferação dos parasitos com disseminação das
lesões. No Brasil, é causada pela L. amazonensis, apresentando resposta terapêutica pobre.

Figura 3. Lesões infiltradas com áreas descamativas em membros inferiores.

Fonte: Atlas de Leishmaniose Tegumentar Americana/MS.

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LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA

5.4. Leishmaniose mucosa ou mucocutânea (LM)

São lesões ulceradas, destrutivas, eritematosas, crostosas e indolores em mucosas das vias
aéreas superiores. São lesões metastáticas, secundárias à lesão cutânea prévia, curada sem tra-
tamento ou com tratamento inadequado. A mucosa nasal é a mais acometida, podendo ocorrer
perfuração e destruição de septo nasal, com deformidades e estigma social.

Figura 4. Lesões ulceradas no palato mole.

Fonte: Atlas de Leishmaniose Tegumentar Americana/MS.

6. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

• Sífilis terciária.
• Paracoccidioidomicose.
• Hanseníase.
• Tuberculose.
• Úlcera venosa.
• Esporotricose, cromoblastomicose.
• Piodermites.
• Carcinoma basocelular.
• Sarcoidose, LES.

7. DIAGNÓSTICO

7.1. Clínico-epidemiológico
• Leishmaniose cutânea: presença de lesões de pele ulceradas ou não, com três semanas ou
mais de evolução em paciente residente ou exposto à área de transmissão.
• Leishmaniose mucosa: presença de lesão de mucosa de vias aéreas superiores, principal-
mente nasal, em paciente residente ou exposto à área de transmissão.

7.2 Laboratorial
• Parasitológico:
––Exame direto (primeira escolha): pesquisa de amastigotas em esfregaço da lesão ou
imprint de fragmentos.

––Cultura para Leishmania de fragmento cutâneo ou de mucosa: permite a identificação


da espécie de Leishmania causadora.

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INFECTOLOGIA

––Isolamento in vivo: inoculação de fragmento tecidual em animais via intradérmica (mé-


todo pouco utilizado).

• Imunológico:
––Intradermorreação de Montenegro (IDRM): teste cutâneo realizado com antígenos de
Leishmania, que avalia resposta imune celular antileishmania prévia (resposta de hipersen-
sibilidade celular retardada).

––Testes Sorológicos: imunofluorescência (IFI) ou ensaio imunoenzimático (ELISA) – baixa


sensibilidade (níveis baixos de anticorpos, exceto na LCD).

• Molecular:
––Reação em cadeia da polimerase (PCR): detecção do DNA do parasita em diferentes
amostras (pele, mucosa). Sensibilidade e especificidade elevadas.

• Histopatológico:
––Compatível: dermatite granulomatosa difusa ulcerada.

––Confirmado: visualização de formas amastigotas na amostra.

• Teste para HIV: indicado para todos os pacientes com LTA.

8. TRATAMENTO

8.1. Antimonial pentavalente – Antimoniato de meglumina (Glucantime®)


• Droga de escolha.
• Ampola com 5 mL: corresponde a 405 mg de Sb + 5.
• Forma cutânea localizada: 10 – 20 mg Sb + 5/kg/dia por 20 dias.
• Forma cutânea disseminada e cutânea difusa: 20 mg/Sb + 5/kg/dia por 30 dias.
• Forma mucosa: 20 mg/Sb + 5/kg/dia + Pentoxifilina 400 mg oral três vezes ao dia por 30 dias.
• Máximo de três ampolas por dia.
• Via de administração: preferencialmente endovenosa.
• Diluição: 100 mL de soro glicosado 5% (não é necessária). Infusão lenta em 30 minutos.
• Eventos adversos: reação de hipersensibilidade, mialgia, artralgia, dores abdominais, irritabi-
lidade, hepatotoxicidade, cardiotoxicidade, arritmias, pancreatite aguda, IRA.
• Contraindicações: gestação, indivíduos acima de 50 anos, hepatopatias, nefropatias, cardio-
patias e hipersensibilidade ao antimonial pentavalente.
• Monitoramento durante tratamento: avaliação eletrocardiográfica e laboratorial (hemogra-
ma, função renal e hepática, transaminases, amilase e lipase) semanal.
• Acompanhamento após tratamento:
––Mensal, por três meses.

––Falha terapêutica: drogas alternativas.

• Alternativas: Anfotericina B e Pentamidina.


• Uso intralesional (via subcutânea): indicado apenas para leishmaniose cutânea localizada e

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LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA

leishmaniose recidiva cútis. Recomenda-se uma a três aplicações de 5 mL por sessão, com
intervalo entre as aplicações de 15 dias.

8.2. Anfotericina B desoxicolato:


• Ampola: 50 mg de desoxicolato sódico liofilizado de anfotericina B.
• Indicações: coinfecção Leishmania-HIV, alternativa ao antimonial pentavalente e à anfoteri-
cina B lipossomal nas demais situações.
• Dose: 0,5 a 1,0 mg/kg/dia, com dose total acumulada de 25 a 40 mg/kg (dose máxima diária:
50 mg).
• Tempo de infusão: 4 a 6 horas. Por via endovenosa.
• Diluição: reconstituir o pó em 10 mL de água destilada para injeção. Para cada 1 mL da solu-
ção inicial (reconstituída), deve-se adicionar 50 mL de soro glicosado a 5%.
• Eventos adversos: reação de hipersensibilidade, febre, calafrios, cefaleia, náuseas, vômitos,
hipocalemia, insuficiência renal, hepatotoxicidade, anemia, flebite.
• Contraindicações: insuficiência renal, hipersensibilidade à anfotericina B.
• Casos de febre com calafrios durante a infusão do medicamento: administrar antitérmico
uma hora antes da próxima dose.
• Alteração da função renal: suspender a droga por dois a cinco dias e reiniciar em dias alter-
nados após normalização dos níveis de creatinina.
• Monitoramento durante o tratamento: diário. Avaliação clínica e laboratorial (hemograma,
função renal e hepática e eletrólitos) rigorosa.
• Acompanhamento após tratamento: mensal, por três meses.
8.3. Anfotericina B lipossomal:
• Ampola: 50 mg de anfotericina B encapsulada em lipossomas (menor nefrotoxicidade).
• Primeira escolha: pacientes com idade a partir de 50 anos; insuficiência renal, cardíaca ou he-
pática; transplantados renais, cardíacos ou hepáticos; gestantes; coinfecção Leishmania-HIV.
• Dose: 2 a 5 mg/kg/dia, sem limite de dose máxima diária. Dose total: 25 a 40 mg/kg.
• Tempo de infusão: 30 a 60 minutos. Por via endovenosa.
• Diluição: reconstituir o pó em 12 mL de água destilada para injeção. Diluir cada 1 mL do
frasco reconstituído (4 mg) em 1 a 19 mL de soro glicosado 5%. Infundir em no máximo seis
horas após a diluição em solução glicosada 5%.
• Eventos adversos: febre, calafrios, dor no peito, taquicardia, hipotensão, mialgia, dor lombar.
Suspender a amamentação durante o tratamento.
• Contraindicação: hipersensibilidade à substância ativa.
• Monitoramento durante tratamento: diário. Avaliação clínica e laboratorial (hemograma, ele-
trólitos, função renal e hepática) rigorosa.
• Acompanhamento após tratamento: mensal, por três meses.

8.4. Pentamidina:
• Primeira escolha: forma cutânea localizada causada por Leishmania guyanensis e forma
cutânea difusa.
• Dose: 3 – 4 mg/kg/dia, via intramuscular profunda ou endovenosa, em dias alternados (dose
total de 2 g), infusão lenta durante 60 minutos.
• Eventos adversos: hipoglicemia, diabetes mellitus tardio (toxicidade sobre as células beta-
-pancreáticas), pancreatite, arritmias e reações locais.

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INFECTOLOGIA

• Contraindicações: diabetes mellitus, intolerância à glicose, gestação, lactação, insuficiência


renal e hepática, doenças cardíacas.
• Monitoramento durante tratamento: função renal e pancreática, glicemia e eletrocardiogra-
ma semanalmente.

8.5. Pentoxifilina:
• Indicação: na LM como adjuvante em associação ao antimoniato de meglumina.
• Dose: 400 mg, via oral, três vezes ao dia após as refeições, por 30 dias.
• Contraindicações: menores de 12 anos, gestação, lactação, coinfecção pelo HIV, alergia, imu-
nodeprimidos, insuficiência renal, hepática ou cardíaca.

9. SEGUIMENTO

Durante o tratamento com droga antileishmanicida, recomenda-se rigorosa avaliação clínica,


laboratorial e eletrocardiográfica, com a realização de hemograma, ureia, creatinina, eletrólitos,
amilase, lipase, transaminases, bilirrubinas, fosfatase alcalina e eletrocardiograma para monitori-
zação de resposta terapêutica e eventos adversos.
Após o tratamento, é indicado acompanhamento clínico regular, mensal nos primeiros três
meses, e após, a cada dois meses durante 12 meses, devido ao risco de recidivas.

10. CRITÉRIOS DE CURA

Essencialmente clínicos. Em geral, a cura é definida pela regressão das manifestações clínicas
apresentadas, com a epitelização das lesões ulceradas, regressão total da infiltração e do eritema,
até três meses após o término do tratamento. Na forma mucosa, é constatada pelo exame otorri-
nolaringológico, até seis meses após o término do esquema terapêutico.

11. MEDIDAS PREVENTIVAS

As ações preventivas devem ser de caráter individual e coletivo, ou seja, envolver a sociedade
como um todo. As principais medidas incluem: o uso de repelentes e telas protetoras em portas
e janelas; evitar exposição em horários de maior atividade do vetor (durante dia e noite); limpeza
de locais propícios à reprodução do vetor; higienização de abrigo de animais domésticos; des-
tino adequado do lixo orgânico; uso de inseticidas de ação residual para controle do vetor em
domicílios; ações educativas para a população e capacitação dos profissionais de saúde. O con-
trole de animais silvestres e domésticos com LTA não é recomendado. A eutanásia não é indicada,
exceto quando os animais doentes evoluírem para quadros graves, com acometimento mucoso.
O tratamento de animais doentes não é indicado para controle, pois leva à seleção de parasitos
resistentes às drogas.
Logo, conclui-se que, diagnóstico precoce, o tratamento adequado e acompanhamento regu-
lar dos casos confirmados, são cruciais para a vigilância e o controle da LTA.

12. CASO CLÍNICO

Paciente, sexo masculino, branco, 26 anos, natural e procedente de Paracatu – MG, solteiro,
estudante, procura atendimento médico referindo surgimento de lesões cutâneas indolores em

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LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA

membro inferior direito e antebraço esquerdo há cerca de dois meses. Nega doenças de base, uso
de medicamentos, alergias, tabagismo e etilismo.
Ao exame físico: presença de duas lesões ulceradas, ovaladas, com bordas elevadas e infiltra-
das, base eritematosa, com granulação grosseira, fundo avermelhado sendo recoberto por exsu-
dato sero-purulento, com aproximadamente 4 cm de diâmetro cada. Peso: 70 kg.
Exames laboratoriais: hemáceas 6,37 milhões; hemoglobina 13,2 mg/dL; hematócrito 44 %;
leucócitos 10.000 mm³; plaquetas 342.000 mm³; glicose: 80 mg/dL; ureia: 39 mg/dL; creatinina:
1,03 mg/dL; TGO: 28 U/L; TGP 21 U/L; amilase 80 U/L; lipase: 50 U/L. ECG: sem alterações. Exame
parasitológico direto: presença de amastigotas em esfregaço da lesão.
Confirmado o diagnóstico de Leishmaniose tegumentar forma cutânea localizada, iniciou-se
terapia medicamentosa com antimonial pentavalente 3 ampolas/dia por 20 dias. O paciente foi
orientado a realizar acompanhamento semanal durante o tratamento com avaliação clínica, la-
boratorial e eletrocardiográfica e, após o término, o preenchimento dos critérios de cura e pelos
12 meses subsequentes.

12.1. Prescrição
• Dieta oral livre.
• Glucantime®: 20 mg/Sb + 5/kg/dia por via endovenosa, uma vez ao dia, durante 20 dias (3 am-
polas em 100 mL de soro glicosado 5%, infundir em 30 minutos).
• Dipirona 500 mg via oral 6/6 horas se dor ou febre.
• ECG e exames laboratoriais semanais até o término do tratamento.

REFERÊNCIAS
1. Brasil. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doen-
ças Transmissíveis. Manual de vigilância da leishmaniose tegumentar. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológi-
ca. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.
4. Rath S. Antimoniais empregados no tratamento da leishmaniose: estado da arte.  Quím. Nova, 2003;26(4):550-
555.
5. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), 2016. Disponível em: <http://portalsinam.
saude.gov.br>. Acesso em:
6. Falqueto A.; Sessa P. A. Leishmaniose tegumentar americana. In: Veronesi, R.; Focaccia, R. Tratado de infec-
tologia. 5. ed. São Paulo: Atheneu, 2015.

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INFECÇÃO DO CAPÍTULO

TRATO URINÁRIO 4.8


Autores:
Gabrielly Borges Machado
Carolina Cunha Ribeiro
INFECÇÃO DO TRARTO URINÁRIO

INFECTOLOGIA

1. INTRODUÇÃO

Infecção do trato urinário (ITU) caracteriza-se pela invasão e multiplicação de microrga-


nismos patogênicos (bactérias e fungos), em qualquer segmento do trato urinário, que ge-
ralmente é estéril. Os patógenos normalmente atingem o trato urinário por via ascendente,
raramente por via hematogênica. Associa-se à alterações anatômicas e/ou funcionais do trato
urinário e pode se manifestar de forma simples ou complexa, com disseminação bacteriana e
lesão do parênquima renal, com consequente disfunção orgânica. Pode cursar com quadros
sintomáticos ou assintomáticos.
Trata-se de uma das mais frequentes infecções bacterianas, mas sua real incidência não é
totalmente conhecida. É também a mais frequente infecção associada à assistência médica.
Predomina entre os adultos e no sexo feminino. Acredita-se que a incidência em mulheres seja
o dobro da incidência em homens (menor extensão anatômica da uretra feminina e maior
proximidade entre a vagina e o ânus). No sexo masculino é mais comum se desenvolver após
os 50 anos de idade, devido à hipertrofia prostática que leva à obstrução do fluxo urinário.
O desenvolvimento atual de resistência bacteriana é preocupante. A resistência para
antibióticos de amplo espectro é crescente. Portanto, é fundamental o uso racional de an-
tibióticos, principalmente as fluoroquinolonas e cefalosporinas, em especial, em infecções
não complicadas e bacteriúria assintomática.

2. CLASSIFICAÇÃO

Quanto à localização:
• Cistite: acometimento do trato urinário baixo.
• Pielonefrite: acometimento do trato urinário superior.
Quanto à presença de complicações:
• Não complicadas: quando envolvem o trato urinário normal.
• Complicadas: presença de alterações estruturais ou funcionais; risco de falha terapêutica
e complicações graves.
Quanto à evolução:
• Aguda.
• Crônica.
Quanto à origem:
• Comunitária: adquirida na comunidade ou início dos sintomas até 48 horas de internação.

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INFECÇÃO DO TRARTO URINÁRIO

• Nosocomial: início dos sintomas após 48 horas de internação; relacionada ao uso de disposi-
tivos invasivos (sonda vesical de demora), imunossupressão, entre outros fatores.
• Bacteriúria assintomática: duas culturas de urina positivas, colhidas em mais de 24 horas
de diferença, contendo 100.000 uropatógenos/mL da mesma cepa bacteriana e ausência
de manifestações clínicas de ITU; mais comum em idosos, mulheres, diabéticos e gestantes.

3. FATORES DE RISCO
Quadro 1. Fatores relacionados à infecção urinária complicada e não complicada.

ITU não complicada ITU complicada


Sexo feminino, não grávida. Sexo masculino.
Ausência de cateteres urinários. Alterações anatômicas e funcionais do trato uriná-
rio (bexiga neurogênica, refluxo vesico-ureteral, es-
tenose, cistos).
Sem alterações de imunidade. Obstrução urinária (HPB, litíase renal).
Ausência de alterações anatômicas e funcionais do Antecedente de infecção prévia.
trato urinário.
Infecção comunitária. Presença de insuficiência renal.
Patógenos multirresistentes.
Imunossupressão; diabetes mellitus.
Presença de cateteres urinários.
Fonte: Medicina (Ribeirão Preto) 2010;43(2):118-25. Infecção do trato urinário.

4. ETIOLOGIA

• ITU adquirida na comunidade:


• Escherichia coli (mais comum – 70 a 85% dos casos), Staphylococcus saprophyticus.
• Outros: Proteus ssp, Klebsiella ssp, Enterococcus faecalis.
• ITU nosocomial (patógenos multirresistentes):
• Enterobactérias (principais): E. coli, Proteus ssp e Klebsiella ssp; Pseudomonas aerugino-
sa; Acinetobacter baumanni; Enterobacter ssp; Enterococcus faecalis.
• Fungos: Candida ssp (principal).

5. PATOGÊNESE

Inicialmente, há colonização da mucosa intestinal e região perianal por microrganismos uro-


patogênicos (enterobactérias), com consequente ascensão destes para a bexiga e/ou rins. Essa
ascensão é determinada pela virulência do agente infeccioso e integridade dos mecanismos de
defesa do indivíduo. Os fatores de virulência bacterianos promovem aderência e invasão da pare-
de do trato urinário, resultando em inflamação local. A migração para a uretra e bexiga acontece,
principalmente, devido à atividade sexual, uso de contraceptivos com espermicida e alteração do
pH vaginal (uso de antibióticos, hipoestrogenismo).

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INFECTOLOGIA

6. QUADRO CLÍNICO
Quadro 2. Sinais e sintomas de ITU baixa e alta.

ITU baixa ITU alta


Disúria. Febre alta (> 38 ºC).
Urgência miccional. Calafrios.
Polaciúria. Dor lombar (uni ou bilateral) que pode irradiar para
abdome ou flancos.
Nictúria. Sinal de Giordano positivo.
Dor suprapúbica. Náuseas e vômitos.
Urina turva. Sintomas sistêmicos: prostração, mal-estar geral, hi-
porexia, mialgia, astenia.
Fonte: Medicina (Ribeirão Preto) 2010;43(2):118-25. Infecção do trato urinário.

7. DIAGNÓSTICO

Para ITU baixa, adquirida na comunidade, em mulheres jovens imunocompetentes e sem fa-
tores de risco para complicações, o diagnóstico deve ser clínico.
Outros tipos de ITU:
• Análise de elementos anormais do sedimento urinário (urina rotina): presença de piúria
(≥ 10.000 leucócitos/mL ou ≥ 10 leucócitos/campo), hematúria e bacteriúria; fita positiva
para leucócito esterase e/ou nitrito.
• Urocultura (padrão-ouro): identificação do uropatógeno (contagem bacteriana acima de
100.000 UFC/mL) em urina colhida em jato médio e de maneira asséptica (a coleta deve ser
feita antes do início do antimicrobiano).
• Exames inespecíficos: hemograma, proteína C reativa (PCR), ureia, creatinina.
• Exames de imagem (Ultrassonografia, Tomografia computadorizada e Ressonância magné-
tica do aparelho urinário):
––Afastar complicações (obstrução urinária, doença litiásica, tumor, abscessos) e alterações
estruturais ou funcionais.

––Indicações: neonatos, crianças (após dois episódios em meninas e um episódio em meni-


nos), homem, doença renal prévia, infecção persistente (não resolvida após 48-72 horas de
terapia empírica), mulheres com infecções de repetição (três ou mais episódios no período
de doze meses).

• Hemocultura:
––ITU alta complicada: positiva em 25 a 60% dos casos (maior risco de sepse).

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INFECÇÃO DO TRARTO URINÁRIO

8. TRATAMENTO

Bacteriúria assintomática: Não tratar culturas positivas na ausência de manifestações clí-


nicas, exceto nas situações de gravidez, de pré-operatório de cirurgia urológica e colocação de
próteses, de transplantados de órgãos sólidos e de granulocitopenia.

Quadro 3. Antibioticoterapia empírica de acordo com a classificação em adultos.

Classificação da ITU Antimicrobiano


Norfloxacino 400 mg VO de 12/12 h por 3 a 5 dias.
Nitrofurantoína 100 mg VO de 12/12 h por 5 dias.
Cefuroxima 250 mg VO de 12/12 h por 7 dias.
Cistite comunitária em mulheres
Cefalexina 500 mg VO de 6/6 h por 7 dias.
imunocompetentes, sem fatores de risco
Fosfomicina: 3 g VO dose única.
para ITU complicada.
Sulfametoxazol-trimetoprim (SMX-TMP) 400 + 80
mg, 2 comprimidos ou 1 comprimido em dose dupla
(800 + 160 mg) de 12/12 h por 3 dias.
Opções seguras: beta-lactâmicos, nitrofurantoína
e fosfomicina
Cistite em gestante (terapia deve ser Cefadroxil 250 mg VO 6/6 h por 3 a 7 dias.
ajustada após resultado de urocultura). Cefalexina 500 mg VO de 6/6 h por 7 dias.
Amoxicilina + Clavulanato 500 + 125 mg VO de 8/8 h
por 3 a 7 dias.
Cistite no homem. Ciprofloxacina 500 mg VO de 12/12 h por 7 dias.
Pielonefrite comunitária e não complicada Ciprofloxacina 500 mg VO de 12/12 h
(tratamento ambulatorial e reavaliação em por 10 a 14 dias.
48 horas). Cefuroxima 500 mg VO de 12/12 h por 10 a 14 dias.
Pielonefrite comunitária com fatores de
complicação: tratamento inicial hospitalar; Ciprofloxacino 400 mg IV de 12/12 h por 10 a 14 dias.
a terapia oral deve ser considerada após Cefuroxima 750 mg IV de 8/8 h por 10 a 14 dias.
48 a 72 horas com paciente afebril e Ceftriaxona 1 g IV de 12/12 h por 10 a 14 dias.
apresentando melhora clínica.
Ciprofloxacino 400 mg IV de 12/12 h.
Ceftazidima 2 g IV de 8/8 h.
Cefepima 2 g IV de 12/12 ou 8/8 h.
ITU hospitalar: o tratamento empírico inicial
Ampicilina 2 g + Sulbactam 1 g IV de 8/8 ou 6/6 h.
deve ser baseado no perfil de resistência
Piperacilina 4 g + Tazobactan 0,5 g IV de 8/8 h.
bacteriana local, devendo ser ajustado de
Imipenen 500 mg IV de 6/6 h.
acordo com a urocultura e antibiograma.
Meropenen 1 g IV de 8/8 h.
Amicacina 15 mg/kg/dia em dose única.
Polimixina B 25.000 UI/kg/dia IV em 2 doses diárias.
Fluconazol 200 mg IV 12/12 h por 7-14 dias.
ITU fúngica.
Resistente: Anfotericina B 1 mg/Kg/dia IV.
Fonte: Medicina (Ribeirão Preto) 2010;43(2):118-25. Infecção do trato urinário.

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INFECTOLOGIA

9. PROFILAXIA

Indicação: ITU recorrente (presença de dois ou mais episódios de ITU em seis meses ou três
ou mais episódios ao ano).

Quadro 4. Antimicrobianos recomendados na profilaxia de ITU recorrente em adultos.

Antibióticos Dose
Sulfametoxazol/trimetoprim 200/40 mg/dia
Nitrofurantoína 50 – 100 mg/dia
Norfloxacina 200 mg/dia
Ciprofloxacina 125 mg/dia
Cefalexina 250 mg/dia
Fosfomicina 3 g a cada 10 dias
Fonte: Guidelines for the diagnosis and management of recurrent urinary tract infection in women (2011).

• Recorrência ocasional: dose única.


• Recorrência frequente: dose diária ou três vezes por semana durante 6 a 12 meses.
• Antibioticoprofilaxia pós-coito: indicada para mulheres com ITU recorrente associada à ativi-
dade sexual, em até 2 horas do coito.

Fonte: Medicina (Ribeirão Preto) 2010;43(2):118-25. Infecção do trato urinário.

10. CASO CLÍNICO

Paciente, sexo feminino, 20 anos, previamente hígida, procura atendimento referindo pola-
ciúria, dor lombar à direita, além de febre, náuseas, vômitos, prostração e astenia, há três dias.
Nega outras queixas associadas. Nega doenças pré-existentes, uso de medicamentos, alergias,
tabagismo e etilismo. Afirma ter tido infecção urinária há dois meses, que havia sido tratada com
Norfloxacino 400 mg de 12/12 h por 6 dias.
Exame físico: PA: 110x70 mmHg; FC: 120 bpm; FR: 32 irpm; Tax: 39 ºC, regular estado geral, de-
sidratada, corada, anictérica, acianótica, orientada. Ausculta pulmonar e cardíaca sem alterações.
Ao exame físico específico, sinal de Giordano positivo.
Solicitados exames complementares: hemograma, PCR, hemocultura (2 amostras), EAS e uro-
cultura. Realizada internação hospitalar e iniciada antibioticoterapia venosa empírica.

10.1 Prescrição

• Dieta oral livre.


• Soro fisiológico 0,9% 2000 mL IV a 28 gotas/minuto.
• Ciprofloxacina 400 mg IV 12/12 horas.
• Dipirona 1 ampola IV 6/6 horas se dor ou febre.
• Metoclopramida 1 ampola IV 8/8 horas se náuseas e vômitos.

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INFECÇÃO DO TRARTO URINÁRIO

• Omeprazol 40 mg IV ao dia.
• Sinais vitais e cuidados gerais 4/4 horas.

Presença de
sintomas urinários;
disúria, �
polaciúria, dor
supra-púbica,
urgência miccional,
hematúria

Pesquisar: Febre? Dor lombar?


Punho-percussão positiva?

SIM (pelo
NÃO
menos um)

Considerar
ITU alta

Sinais de
gravidade?
Hipotensão,
FC>100,
FR>20,
queda do
estado Tratar por 7 dias: Sexo
geral) masculino, gestante,
idoso, bexiga neuro-
gênica, obstrução,
diabetes, imunossu-
primido.
Tratar por 3 a 5 dias:
SIM (pelo NÃO Demais casos
menos um) (nenhum)

Resposta inadequada
ou recidiva

US ou TC do
aparelho
Resposta urinário,
inadequada checar
ou recidiva urinocultura

Sem resposta em 48-72h

US ou TC do
aparelho
urinário; checar
urinococultura
(ou colher)

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INFECTOLOGIA

REFERÊNCIAS
1. Silva JMP et al. Aspectos atuais no diagnóstico e abordagem da infecção do trato urinário. Revista Médica
de Minas Gerais, Minas Gerais, 2014;24(2):20-30.
2. Lopes HV; Tavares W. Diagnóstico das infecções do trato urinário. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo, 2005
nov/dez;51(6):306-08.
3. Roriz-filho JS et al. Infecção do trato urinário. Revista FMRPUSP, Ribeirão Preto, 2010;43(2):118-25.
4. Vieira NOM. Infecção do trato urinário. Revista FMRPUSP, Ribeirão Preto, 2003 abr/dez;36:365-69,
5. Dason S; Dason JT; Kapoor A. Guidelines For The Diagnosis And Management Of Recurrent Urinary Tract
Infection In Women. Canadian Urological Association Journal, 2011 out;316-322.

343

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HANSENÍASE CAPÍTULO

Autores:
4.10
Gabrielly Borges Machado
Isaias Nery Ferreira
HANSENÍASE

INFECTOLOGIA

1. INTRODUÇÃO

A doença hansênica tem evolução lenta e se manifesta, essencialmente, através de sinais e


sintomas dermatoneurológicos, como as lesões de pele e de nervos periféricos, acometendo
principalmente olhos, mãos e pés nos quais o paciente apresenta um ou mais dos seguintes
sinais cardinais:
• lesão(ões) e/ou área(s) da pele com alteração da sensibilidade térmica e/ou dolorosa e/
ou tátil.
• espessamento de nervo periférico, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou
autonômicas.
• presença de bacilos M. leprae, confirmada na baciloscopia de esfregaço intradérmico ou
na biópsia de pele.
O diagnóstico é essencialmente clínico e epidemiológico, por meio de uma boa anamne-
se. Ocorre, portanto, a realização de exame geral e dermatoneurológico, que identifica lesões
ou páreas de pele com alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféri-
cos, com alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas.

1.1 Classificação clínica e operacional

Classificação
Clínica Forma clínica Baciloscopia
operacional
Áreas de hipoestesias, anestesia e/ou parestesia,
manchas hipocrômicas e/ou eritêmato-hipocrômicas, Paucibacilar
Indeterminada –
com ou sem diminuição da sudorese e rarefação de PB
pêlos.
Placas eritematosas de limites externos nítidos e/
Paucibacilar
ou marginados com microtubérculos, com ou sem Tuberculoide –
PB
descamação.
Eritemas e infiltrações difusas, placas eritematosas-
infiltradas, de bordas difusas, tubérculos e nódulos, Multibacilar
Virchowiana  + 
madarose (queda de cílios e supercílios), lesões das MB
mucosas.

351

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HANSENÍASE

Classificação
Clínica Forma clínica Baciloscopia
operacional
Lesões pré-foveolares (eritematosas planas com
o centro claro). Lesões foveolares (eritematosas
Multibacilar
infiltradas com o centro deprimido). Dimorfa  + ou –
MB
Lesões eritemato-pigmentares (de tonalidade
ferruginosa ou pardacenta).
Fonte: Coordenação-geral de hanseníase e doenças em eliminação – CGHDE/DEVIT/SVS/MS.

2. TRATAMENTO

No esquema terapêutico padrão, os medicamentos são fornecidos em cartelas individuais,


que contêm a dose mensal supervisionada e as doses diárias auto administradas, existindo carte-
las para PB e MB, adulto e infantil, com as apresentações que veremos a seguir.

2.1 Tratamento de poliquimioterapia – PQT/MS

Apresentação das cartelas para poliquimioterapia (PQT) – PB e MB.

FAIXA CARTELA PB CARTELA MB


Rifampicina (RFM): Cápsula de 300 mg Rifampicina (RFM): Cápsula de 300 mg
(2 cápsulas). (2 cápsulas).
Adulto Dapsona (DDS): comprimido de 100 mg Dapsona (DDS): comprimido de 100 mg
(28 comprimidos). (28 comprimidos).
Clofazimina (CFZ): cápsula de 100 mg
(3 cápsulas) e cápsula de 50 mg (27 cápsulas).
Rifampicina (RFM): cápsula de 150 mg Rifampicina (RFM): cápsula de 150 mg
Criança (1 cápsula) e cápsula de 300 mg (1 cápsula). (1 cápsula) e cápsula de 300 mg (1 cápsula).
Dapsona (DDS): comprimido de 50 mg Dapsona (DDS): comprimido de 50 mg
(28 comprimidos). (28 comprimidos)
Clofazimina (CFZ): Cápsula de 50 mg
(16 cápsulas).

2.2 Esquemas terapêuticos

O tratamento é ambulatorial, utilizando esquemas terapêuticos padronizados, de acordo com


a classificação operacional.

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INFECTOLOGIA

2.2.1 Esquema terapêutico para casos paucibacilares – 6 cartelas


Rifampicina (RFM): dose mensal de 600 mg (2 cásulas de 300 mg) com administração
supervisionada.
Adulto
Dapsona (DDS): dose mensal de 100 mg supervisionada e dose diária de 100 mg au-
toadministrada.
Rifampicina (RFM): dose mensal de 450 mg (1 cápsula de 150 mg e 1 cápsula de 300
mg) com administração supervisionada.
Criança
Dapsona (DDS): dose mensal de 50 mg supervisionada e dose diária de 50 mg au-
toadministrada.
Fonte: Coordenação-Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação – CGHDE/DEVIT/SVS/MS.

A duração do tratamento é de 6 cartelas em até 9 meses.

2.2.2 Esquema terapêutico para casos multibacilares – 12 cartelas


Rifampicina (RFM): dose mensal de 600 mg (2 cápsulas de 300 mg) com administra-
ção supervisionada.
Dapsona (DDS): dose mensal de 100 mg supervisionada e dose diária de 100 mg
Adulto
autoadministrada.
Clofazimina (CFZ): dose mensal de 300 mg (3 cápsulas de 100 mg) com administra-
ção supervisionada e dose diária de 50 mg autoadministrada.
Rifampicina (RFM): dose mensal de 450 mg (1 cápsula de 150 mg e 1 cápsula de 300
mg) com administração supervisionada.
Dapsona (DDS): dose mensal de 50 mg supervisionada e dose diária de 50 mg au-
Criança
toadministrada.
Clofazimina (CFZ): dose mensal de 150 mg (3 cápsulas de 50 mg) com administração
supervisionada e uma dose de 50 mg autoadministrada em dias alternados.
Fonte: Coordenação-Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação – CGHDE/DEVIT/SVS/MS.

A duração do tratamento é de 12 cartelas em até 18 meses. Apresentando os seguintes segui-


mento dos casos e alta:
• Comparecimento mensal para dose supervisionada, quando deverá ser feito o exame der-
matoneurológico no paciente.
• Na alta após seis cartelas de PQT/PB nos casos paucibacilares e 12 cartelas de PQT/MB nos ca-
sos multibacilares, o paciente deverá ser submetido à avaliação dermatológica, neurológica
simplificada e do grau de incapacidade física para receber alta por cura.

2.2.3 Esquema terapêutico para crianças menores de 30 kg

DROGA DOSE PQT DOSE mg/kg


Rifampicina (RFM) em suspensão Mensal 10,0 – 20,0
Mensal 1,0 – 2,0
Dapsona (DDS)
Diária 1,0 – 2,0

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HANSENÍASE

DROGA DOSE PQT DOSE mg/kg


Mensal 5,0
Clofazimina (CFZ)
Diária 1,0
Fonte: Coordenação-Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação – CGHDE/DEVIT/SVS/MS.

Nos casos de intolerância ou para-efeito dos medicamentos, deve-se encaminhar o paciente


para centros de referência para mudança do esquema terapêutico.

3. REAÇÕES HANSÊNICAS

As reações hansênicas, ou surtos reacionais, são episódios inflamatórios agudos de causa


imunológica, que podem ocorrer antes, durante ou após o tratamento. Requerem avaliação e
tratamento imediato para prevenção de incapacidades e deformidades. As reações podem ser do
tipo 1 (reação reversa) e do tipo 2.

3.1 Reação tipo 1 (ou reação reversa)

Caracterizada por exacerbação de lesões cutâneas prévias, ficando as mesmas mais eritema-
tosas, edemaciadas e dolorosas, podendo ocorrer surgimento de lesões novas. A neurite perifé-
rica, caracterizada por espessamento e dor, é a manifestação mais grave, podendo ocasionar in-
capacidade e deformidade. Pode ocorrer de forma isolada ou acompanhada de lesões cutâneas.

3.2 Reação tipo 2

Caracterizada pelo surgimento de eritema nodoso, podendo acometer todo o tegumento


cutâneo. Associados ao quadro cutâneo, podem ocorrer sintomas sistêmicos como febre, mal-
-estar, astenia e hiporexia. Podem ocorrer, ainda, outras manifestações como: linfadenopatias, or-
quite, irite, iridociclite e glomerulonefrite. O comprometimento neural na reação tipo 2 é menos
pronunciado que na reação tipo 1.

3.3 Tratamento clínico das reações

• Reação Tipo 1: Prednisona 1 mg/kg/dia ou dexametasona 0,15 mg/kg/dia em hipertensos ou


cardiopatas, conforme avaliação clínica. Se ocorrer durante o tratamento, manter a PQT. Se
ocorrer após alta, não reintroduzir a PQT.
• Reação Tipo 2 ou Eritema Nodoso Hansênico (ENH): Talidomida 100 a 400 mg/dia, de acordo
com a gravidade do quadro. Na impossibilidade do seu uso, prescrever prednisona 1 mg/
kg/dia, ou dexametasona na dose equivalente. Se ocorrer durante o tratamento, manter a
PQT. Se ocorrer após alta, não reintroduzir a PQT. Caso haja presença de neurite, associar
corticosteroides.

3.4 Tratamento dos episódios reacionais

Episódio reacional
• Reação tipo 1:
––Quadro cutâneo leve, sem comprometimento neural: AINH;

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INFECTOLOGIA

––Quadro cutâneo sobre trajeto de nervo periférico: prednisona;


––Comprometimento neural com ou sem lesões cutâneas: prednisona.
• Reação tipo 2:
––Quadro cutâneo leve de ENH, sem comprometimento neural: AINH;
––Quadro cutâneo de ENH moderado a grave: Talidomida;
––Gravidez, mulheres em idade fértil, comprometimento neural, lesões oculares, EM, re-
nais, orquite, linfadenomegalias, mãos e pés reacionais, artrites, vasculites, comprometi-
mento sistêmico etc.: prednisona.

* Fonte: Coordenação-Geral de Hanseníase e Doenças em Eliminação – CGHDE/DEVIT/SVS/MS.

3.5 – Principais aspectos de diferenciação de reação e recidiva


Características Reação Recidiva
Frequente durante a PQT e menos
Em geral, período superior a cinco
Período de ocorrência. frequente no período de dois a três
anos após término da PQT.
anos após término do tratamento.
Surgimento. Súbito e inesperado. Lento e insidioso.
Algumas ou todas as lesões podem
Geralmente imperceptíveis.
Lesões antigas. se tornar eritematosas, brilhantes,
intumescidas e infiltradas.
Lesões recentes. Em geral, múltiplas. Poucas.
Ulceração. Pode ocorrer. Raramente ocorre.
Regressão. Presença de descamação Ausência de descamação.
Muitos nervos podem ser rapida- Poucos nervos podem ser envolvi-
Comprometimento neural.
mente envolvidos ocorrendo dor e dos, com alterações sensitivo-moto-
alterações sensitivo-motoras. ras de evolução mais lenta.
Resposta a medicamentos
Excelente. Não pronunciada.
antirreacionais.
Fonte: Coordenação-geral de hanseníase e doenças em eliminação – CGHDE/DEVIT/SVS/MS.

4. CONTATOS

Contatos familiares recentes ou antigos de pacientes MB e PB devem ser examinados, inde-


pendente do tempo de convívio. Tanto os contatos familiares bem como os sociais (qualquer
pessoa que conviva ou tenha convivido em relações familiares, ou não, de forma próxima e pro-
longada) devem ser avaliados por cinco anos.
A vacina BCG-ID deve ser aplicada nos contatos examinados sem presença de sinais e sin-
tomas de hanseníase no momento da investigação, independente da classificação operacional
do caso índice. Após analisar o histórico de vacinação pregressa, seguir as recomendações que
indicaremos.

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HANSENÍASE

4.1 Esquema de vacinação de contatos com o BCG

CICATRIZ VACINAL CONDUTA


Ausência de cicatriz – BCG Uma dose
Uma cicatriz de BCG Uma dose
Duas cicatrizes de BCG Não prescrever

5. CASO CLÍNICO

Paciente de 22 anos, moradora de zona rural, grávida com 12 semanas gestacionais, procurou
o serviço alegando ter aparecido “manchas vermelhas” no seu abdome e nádegas, que estavam
dormentes. A mesma comprou pomada antimicótica na farmácia que “não resolveu” o problema.
Ao exame foi constatada a presença de duas lesões periumbilicais eritematosas de limites pre-
cisos, foveolares e de centro deprimido, uma com cerca de 3 x 5 cm e a outra 8 x 7 cm com alte-
rações de sensibilidade (monofilamento vermelho) e diminuição de sensibilidade térmica (teste
com tubos de ensaios contendo água morna e fria) com uma das lesões apresentando rarefação
de pelos. Na nádega direita a paciente apresentou uma lesão de 6 x 3 cm de cor ferruginosa com
limites externos precisos e centro deprimido, hipocrômico e também diminuição de sensibili-
dade térmica e monofilamento lilás. Na nádega esquerda três lesões menores hipocrômicas. Os
nervos ulnar esquerdo e tibial posterior direito apresentavam espessamento e a paciente alegou
desconforto ao serem apalpados. Foram solicitados exames laboratoriais que não apresentaram
anormalidades significativas e a baciloscopia para BAAR do raspado intradérmico foi negativa. A
paciente foi diagnosticada como portadora de hanseníase da forma dimorfa e indicado o trata-
mento PQT/MB.
Pelas normas do Programa de Hanseníase, não é contraindicado o tratamento com as dro-
gas padronizadas na gravidez e a baciloscopia do raspado intradérmico não é um exame para
se confirmar o diagnóstico (as formas indeterminada, tuberculoide e dimorfa podem apresentar
baciloscopia zero). A biópsia da lesão não é procedimento usual e deve-se ter cautela em sua
interpretação, pois o diagnóstico é essencialmente clínico-epidemiológico.

REFERÊNCIAS
1. Alves ED; Ferreira IN; Ferreira TL. Hanseníase: avanços e desafios, 2014.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como proble-
ma de Saúde Pública. Brasília, 2016.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 3.125, de 07 de outubro de 2010. Aprova as diretrizes para
vigilância, atenção e controle da hanseníase. Brasília, 2010.
4. Minas Gerais. Secretaria Estadual de Saúde. Atenção à saúde do adulto: hanseníase. Belo Horizonte, 20016.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-geral de desenvolvimento
da epidemiologia em serviços. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.

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HIV/AIDS CAPÍTULO

Autores:
Gabrielly Borges Machado
4.13
Daniela Aparecida Lima Viana
Rodrigo Juliano Molina
HIV/
AIDS

INFECTOLOGIA

1. INTRODUÇÃO E DEFINIÇÃO

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) passou a ser reconhecida no início da

década de 1980 nos EUA, com a identificação de casos de infecção por Pneumocystis jiroveci
e sarcoma de Kaposi, em homossexuais previamente hígidos. Posteriormente, começou a ser
reconhecida entre usuários de drogas intravenosas e em pacientes submetidos à hemotrans-
fusão. No Brasil, o primeiro caso identificado foi em 1980. Em 1984, obteve-se o isolamento do
vírus HIV. A terapia antirretroviral (TARV) teve início em 1987, com a utilização da Zidovudina
(AZT). Atualmente, existem diferentes classes de antirretrovirais, com mecanismos de ação
distintos, responsáveis pelo controle efetivo da replicação viral.

As principais formas de transmissão são:


• Sexo desprotegido (vaginal, anal ou oral).
• Vertical (de mãe infectada para o filho durante a gestação, o parto ou a amamentação).
• Compartilhamento de seringa ou agulha contaminada.
• Transfusão de sangue contaminado.
• Instrumentos perfuro-cortantes contaminados.

O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) é um vírus esférico, pertencente à família Re-

troviridae, subfamília Orthoretrovirinae e gênero Lentivirus. Possui um capsídeo que compor-


ta o genoma do vírus formado por duas moléculas de ácido ribonucleico (RNA) de fita simples.
É composto por proteínas estruturais, como as glicoproteínas do envelope viral (gp160, gp120
e gp41), que estimulam resposta imune e enzimas virais no interior do capsídeo, como protease
(PR), transcriptase reversa (TR) e integrase (IN). Essas enzimas são responsáveis pelo processo de
transcrição e, consequentemente, pela multiplicação viral e patogênese no hospedeiro.
Apresenta alta capacidade de sofrer mutações genéticas, responsáveis pelo surgimento
de cepas resistentes do vírus.

2. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

O HIV-1 e HIV-2 são tipos distintos do vírus. O HIV-1 é subdividido em 4 grupos: grupo M
(do inglês, major ou majoritário), grupo N (do inglês, new ou non-M, non-O, ou novo, não-M,
não-O), grupo O (do inglês, outlier), o mais divergente dentre os grupos, e ainda o grupo P. A

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HIV/AIDS

maioria das infecções ocorre com HIV-1 do grupo M, o qual é diferenciado em subtipos (A, B, C,
D, F, G, H, J e K).
A principal forma de transmissão ocorre através das mucosas do trato genital ou retal durante
a relação sexual. Logo após a infecção pela via sexual, o HIV e células infectadas atravessam a
barreira da mucosa, ocorrendo intensa multiplicação viral no local de entrada. Após aproxima-
damente 10 dias do contágio, ocorre viremia com disseminação do vírus na corrente sanguínea.
Inicialmente há disseminação para os linfonodos locais e posteriormente para os tecidos lin-
foides, os quais atuam como reservatórios virais latentes. O vírus infecta principalmente linfócitos
TCD4 + de memória, sofrendo intensa replicação intracelular. A replicação viral ativa nessa fase
leva a um pico de viremia por volta de 21 a 28 dias após a exposição ao HIV, com consequente
depleção no número de linfócitos TCD4 + . Com a disseminação sistêmica há ativação de resposta
imune celular e humoral, no entanto, a produção de anticorpos anti-HIV é tardia e insuficiente
para erradicar a infecção. A ativação imune leva ao aumento no número de linfócitos TCD8 + que
exercem um controle parcial da infecção, mas não são suficientes para impedir a lenta e progres-
siva depleção de linfócitos TCD4 + e a eventual progressão para AIDS.
A atuação da resposta imune celular e a subsequente síntese de anticorpos específicos, levam
à queda da carga viral (viremia) e à cronicidade da infecção pelo HIV. A resposta imune mediada
por células é mais importante do que a resposta imune humoral no controle da replicação viral
durante a fase aguda, mas os anticorpos têm um papel relevante na redução da disseminação
do HIV na fase crônica da infecção, sendo fundamentais na progressão para a fase de latência
(assintomática).

3. QUADRO CLÍNICO

O curso clínico da infecção pelo HIV é dividido em quatro fases clínicas: infecção aguda, fase
assintomática ou fase de latência, fase sintomática inicial ou precoce e AIDS/SIDA.

3.1 Infecção aguda

A infecção aguda, também chamada de síndrome retroviral aguda, ocorre em cerca de 50 a


90% dos pacientes, logo após o contágio. O diagnóstico nessa fase é difícil, sendo, em sua maioria,
retrospectivo. Essa fase é caracterizada por viremia elevada, intensa resposta imune celular e de-
pleção rápida de linfócitos TCD4 + . Ocorre ainda o aumento de células TCD8 + devido à resposta
T citotóxica potente, observada antes do surgimento de anticorpos neutralizantes. A síndrome
retroviral aguda ocorre entre a primeira e terceira semana após a exposição. O quadro clínico é
inespecífico e ocorre em decorrência do pico de viremia, variando desde um quadro gripal até
uma síndrome mononucleose-símile, apresentando manifestações, como febre, adenopatia, fa-
ringite, mialgia, artralgia, rash cutâneo maculopapular eritematoso, ulcerações mucocutâneas, hi-
porexia, adinamia, cefaleia, fotofobia, hepatoesplenomegalia, perda de peso, náuseas e vômitos.
O quadro é autolimitado, com duração de aproximadamente 14 dias. A síndrome retroviral aguda
persistente está relacionada com evolução mais rápida para AIDS. A resposta imune celular ativa-
da controla a replicação viral, levando à resolução espontânea da fase aguda, com estabilização
da viremia e da contagem de linfócitos TCD4 + . Nessa fase, os níveis de anticorpos anti-HIV não
são detectados (janela imunológica), pois a resposta humoral é tardia.

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INFECTOLOGIA

3.2 Fase assintomática

Essa fase corresponde ao período de latência viral, caracterizada pela ausência de manifesta-
ções clínicas, em decorrência da atuação de resposta imune celular e humoral, mediada por anti-
corpos específicos. Alguns pacientes podem apresentar linfadenopatia generalizada persistente
e indolor. Os exames laboratoriais de rotina recomendados para seguimento são:
• Hemograma completo a cada 3 – 6 meses.
• Funções hepática e renal, eletrólitos, glicemia de jejum, lipidograma: anual.
• Sorologia para sífilis: a cada 6 meses (pacientes HIV + com diagnóstico de sífilis não tratada
devem ser submetidos a punção lombar e avaliação para neurolues).
• Sorologia para os vírus da hepatite B e C: anual.
• Sorologia para toxoplasmose.
• Sorologia para citomegalovírus (CMV) e herpes.
• Radiografia de tórax.
• Prova tuberculínica (PT): anual, para avaliação de tuberculose latente.
• Citologia oncótica: recomendada na avaliação ginecológica inicial, seis meses após e, se re-
sultados normais, anualmente.
• Contagem de TCD4 + e carga viral: para estadiamento da infecção, prognóstico e avaliação
da resposta terapêutica, bem como o uso de profilaxia para as infecções oportunistas mais
comuns e liberação para vacinações.

3.3 Fase sintomática inicial

Essa fase é caracterizada por manifestações sistêmicas inespecíficas, constitucionais, resultan-


tes de imunodeficiência, como sudorese noturna, fadiga progressiva, emagrecimento, anorexia,
diarreia, sinusopatias, febre, cefaleia, candidíase oral e vaginal (mais comum infecção fúngica em
pacientes portadores do HIV), queilite angular, leucoplasia pilosa oral (espessamento epitelial be-
nigno causado provavelmente pelo vírus Epstein-Barr), gengivite, úlceras aftosas, herpes simples
recorrente (HSV-1 e HSV-2), Herpes Zoster, trombocitopenia, púrpura trombocitopênica imune e
doenças oportunistas de origem infecciosa ou neoplásica.

3.4 AIDS

É o estágio mais avançado da infecção pelo HIV, caracterizado por imunodepressão grave
(TCD4 + < 200 células/mm3) e maior risco de doenças oportunistas (doenças definidoras de AIDS).
Em indivíduos não tratados, o tempo médio entre o contágio e o aparecimento da doença (AIDS)
é em torno de 10 anos.
As doenças oportunistas associadas à AIDS podem ser causadas por vírus, bactérias, proto-
zoários, fungos e certas neoplasias:
• Vírus: Citomegalovirose, Herpes simples, Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva.
• Bactérias: Micobacterioses (tuberculose e complexo Mycobacterium avium intracellulare),
Pneumonias, Salmonelose.
• Fungos: Pneumocistose, Candidíase, Criptococose, Histoplasmose.
• Protozoários: Toxoplasmose, Criptosporidiose, Isosporíase.
• Neoplasias: sarcoma de Kaposi, linfomas não-Hodgkin, neoplasias intraepiteliais anal e cervical.

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HIV/AIDS

4. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico laboratorial da infecção pelo HIV pode ser realizado através de testes soroló-
gicos (triagem e confirmatório), que detectam a presença de anticorpos anti-HIV específicos no
soro, testes rápidos e testes moleculares pela técnica de PCR (reação em cadeia da polimerase),
que detecta o RNA viral.
Nas últimas décadas, quatro gerações de imunoensaios (IE) foram desenvolvidas. Os imuno-
ensaios de 3a e 4a geração são mais sensíveis do que os testes confirmatórios convencionais (Wes-
tern Blot – WB, Imunoblot – IB, ou Imunoblot Rápido – IBR).
Os testes moleculares empregados como testes confirmatórios são mais adequados para o
diagnóstico de infecções agudas e/ou recentes, nas quais a sorologia pode ser negativa (janela
imunológica).
Sendo assim, casos de infecção recente são mais facilmente identificados com a utilização de
um imunoensaio de 4a geração como teste de triagem e um teste molecular como teste confir-
matório.
O diagnóstico na fase crônica é feito através de métodos sorológicos, com a combinação de
um teste de triagem (imunoensaio de 3a ou 4a geração), seguido por um teste confirmatório (Wes-
tern Blot).
As principais características das quatro gerações de IE estão descritas a seguir.

4.1 Primeira geração

A presença de anticorpos anti-HIV específicos é detectada por um conjugado constituído por


um anticorpo anti-IgG humana. Em média, a janela de soroconversão é de seis a oito semanas.
Atualmente, esses ensaios deixaram de ser utilizados na rotina diagnóstica dos laboratórios.

4.2 Segunda geração

Utiliza antígenos recombinantes ou peptídeos sintéticos derivados de proteínas do HIV. São


mais sensíveis e específicos. Em média, a janela de soroconversão é de 28 a 30 dias.

4.3 Terceira geração

O ensaio de terceira geração tem o formato “sanduíche” (ou imunométrico). Utiliza antígenos
recombinantes ou peptídeos sintéticos, permitindo a detecção simultânea de anticorpos anti-HIV
IgM e IgG, sendo mais sensível e específico do que os de gerações anteriores. Em média, a janela
de soroconversão é de 22 a 25 dias.

4.4 Quarta geração

Detecta simultaneamente o antígeno p24 do HIV e anticorpos específicos anti-HIV (todas as


classes de imunoglobulinas). Em média, a janela diagnóstica é de aproximadamente 15 dias, de-
pendendo do ensaio utilizado.

4.5 Testes

Os testes rápidos (TR) são imunoensaios simples, que permitem a detecção de anticorpos
anti-HIV 1 e 2 em até 30 minutos. São testes qualitativos com alta especificidade (> 99%) e sensi-

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INFECTOLOGIA

bilidade (99,5%), ampliando o acesso ao diagnóstico. O sangue para realização do teste pode ser
obtido através de punção venosa periférica ou punção digital. Além disso, o fluido oral também
pode ser utilizado como amostra.
Existem vários formatos de TR, e os mais frequentemente utilizados são: dispositivos (ou tiras)
de Imunocromatografia (ou fluxo lateral), Imunocromatografia de dupla migração (DPP), dispo-
sitivos de imunoconcentração e fase sólida. Embora os testes rápidos e os IE disponíveis atual-
mente sejam altamente sensíveis e específicos, os testes complementares são importantes para
confirmação do diagnóstico. Os testes complementares incluem: Western blot (WB), Imunoblot

(IB) ou imunoensaios em linha (LIA, do inglês Line Immuno Assay), incluindo o Imunoblot Rápido
(IBR) e imunofluorescência indireta (IFI).

5. TRATAMENTO

A instituição da terapia antirretroviral (TARV) tem como objetivo diminuir a morbidade e


mortalidade, melhorando a qualidade e a expectativa de vida das pessoas que vivem com HIV/
AIDS (PVHA). Sabe-se que, mesmo em indivíduos assintomáticos com contagens elevadas de LT-
-CD4 + , a replicação viral e a ativação imune crônica são associadas ao surgimento de doenças
não relacionadas à infecção pelo HIV, tais como eventos cardiovasculares e neoplasias. Além dis-
so, pessoas com reconstituição imune, em uso de TARV, que mantêm contagens de LT-CD4 + aci-
ma de 500 células/mm3 e carga viral indetectável, atingem expectativa de vida semelhante à da
população geral. O início precoce da TARV eleva as chances de se alcançar níveis elevados de
LT-CD4 + , além de promover redução significativa da morbimortalidade e da transmissão do HIV.
No entanto, deve-se levar em consideração a importância da adesão e o risco de efeitos adversos
a longo prazo. Atualmente, estão disponíveis opções terapêuticas mais simplificadas, eficazes,
cômodas e bem toleradas, justificando o estabelecimento de novos critérios para o início da TARV.
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos
(PCDT) traz novas recomendações de esquemas antirretrovirais (ARV) considerando princípios
básicos como eficácia, toxicidade e comodidade posológica.

Situações de priorização de atendimento pelos serviços da rede de assistência à PVHIV,


para início da TARV – iniciar TARV com celeridade:

• PVHIV sintomática.
• LT-CD4+ < 350 céls/mm3.
• Gestante.
• Tuberculose ativa.
• Coinfecção HBV.
• Coinfecção HCV.
• Risco cardiovascular elevado (> 20%).
Importante: na impossibilidade de obter contagem de LT-CD4+, não se deve adiar o início
do tratamento.

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HIV/AIDS

Sintomáticos:
• TB ativa: para LT-CD4 + < 200, iniciar TARV na segunda semana após o início do tratamento
de TB. Para LT-CD4 + > 200, iniciar TARV ao final da oitava semana.
• Manifestações clínicas atribuídas diretamente ao HIV:
––Nefropatia associada ao HIV.

––Alterações neurológicas.

––Cardiomiopatia associada ao HIV.

• Imunodeficiência avançada (doença definidora de AIDS) ou moderada.

5.1 Classes de antirretrovirais:

Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos e nucleotídeos (ITRN/ITRNt):


• AZT = Zidovudina.
• ABC = Abacavir.
• TDF = Tenofovir.
• 3TC = Lamivudina.
Inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos (ITRNN):
• EFZ = Efavirenz.
• ETR = Etravirina.
• NVP = Nevirapina.
Inibidores da protease reforçados com ritonavir (IP/r):
• ATV/r = Atazanavir/ritonavir.
• DRV/r = Darunavir/ritonavir.
• LPV/r = Lopinavir/ritonavir.

Inibidores da integrase:
• DTG = Dolutegravir.
• RAL = Raltegravir.
Inibidores de entrada:
• Inibidores de Fusão: T20 (Enfuvirtida).
• Inibidores do co-receptor CCR5: MVQ (Maraviroque).
O esquema terapêutico recomendado atualmente pelo PCDT para terapia inicial consiste na
associação de ITRN/ITRNt + Inibidor da Integrase.

Quadro 2. Tratamento antirretroviral inicial em pessoas vivendo com HIV/AIDS.

Preferencial

TDF/3TC/DTG Adultos em início de tratamento.

Esquema para início de tratamento nas seguintes situações:


• Coinfecção TB-HIV sem critérios de gravidade (conforme os critérios elen-
TDF/3TC/EFV
cados abaixo). Concluído o tratamento completo da TB, poderá ser feita a
mudança do EFV para DTG.

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INFECTOLOGIA

Preferencial
Esquema preferencial nas seguintes situações:
• Coinfecção TB-HIV com um ou mais dos critérios de gravidade abaixo:
– LT-CD4+ < 100;
– presença de outra doença oportunista;
TDF/3TC/RAL
– doença grave com indicação de internação hospitalar;
– TB disseminada.
Concluído o tratamento completo da TB, deverá ser feita a mudança do RAL
para DTG, em até 3 meses.
Fonte: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos (PCDT)/SVS/MS.

OBSERVAÇÕES:
Contraindicações ao uso do DTG: uso de Fenitoína, Fenobarbital, Carbamazepina e Oxicar-
bamazepina.
* As atuais recomendações do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da
Transmissão Vertical de HIV, Sífilis e Hepatites Virais (PCDT PTV – DIAHV/SVS/MS), reforçam que
não há dados de segurança para o uso de Dolutegravir (DTG) durante a gravidez ou amamen-
tação, recomendando o uso de RALTEGRAVIR (RAL) como opção preferencial. Sendo assim, o
esquema preferencial para gestantes em início de tratamento deve ser: TDF + 3TC + RAL.
Indicações de genotipagem pré-tratamento com TARV (esquema inicial): gestantes,
crianças, adolescentes, coinfecção HIV/TB e pessoas que tenham se infectado com parceiro em
uso de TARV.
Não postergar início da TARV pela indisponibilidade imediata do resultado do exame.
Se após 6 meses de terapia antirretroviral, o paciente apresentar carga viral detectável, acima
de 500 cópias/mm3, deverá ser solicitado exame de genotipagem, a fim de que sejam prescritas
drogas eficazes para o tratamento. A adesão ao tratamento deverá sempre ser encorajada pela
equipe de atendimento.

6. MONITORAMENTO

O monitoramento laboratorial da infecção pelo HIV é feito através da contagem de LT-CD4 + e


da carga viral (CV), biomarcadores importantes para avaliar resposta terapêutica, falha, indicação
de imunizações e necessidade de profilaxias para infecções oportunistas.
PVHA em uso de TARV, assintomático, carga viral indetectável e CD4 > 350 células/mm3 em
dois exames consecutivos, recomenda-se somente CV a cada 6 meses.
PVHA sem uso de TARV, falha virológica ou CD4 < 350 células/mm3, recomenda-se contagem
LT-CD4 + e CV a cada seis meses.
CD4 < 200 células/mm3: profilaxia para infecções oportunistas com Sulfametoxazol/trimeto-
prim três vezes por semana.

7. CONCLUSÕES

Trata-se de uma infecção crônica, sistêmica, de evolução insidiosa, com amplo espectro de
apresentações clínicas, desde a fase aguda até a fase avançada (AIDS). A infecção pelo HIV desen-
cadeia resposta inflamatória crônica e persistente, predispondo a complicações, como doenças
cardiovasculares, renais e neoplasias.

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HIV/AIDS

Existem cerca de 36 milhões de infectados em todo o mundo. No Brasil, cerca de 828 mil pes-
soas estão infectadas; a taxa de incidência é de 40 mil casos novos ao ano.
Não existe atualmente nenhuma vacina disponível para o HIV. A prevenção baseia-se princi-
palmente em mudança comportamental e sexo seguro. Nos casos em que haja exposição ao vírus
(como acidente ocupacional e violência sexual), recomenda-se a profilaxia pós-exposição (PEP),
até 72 horas após a exposição, mantida por 28 dias.
Graças ao advento dos antirretrovirais, a AIDS tornou-se uma  doença crônica, de evolução
insidiosa. Além de controlar a replicação viral e evitar a progressão da infecção, são responsáveis
pela prevenção de doenças oportunistas, melhoria na qualidade de vida e redução da morbimor-
talidade.
Atualmente, observa-se um aumento na incidência da infecção entre jovens (15-24 anos),
homossexuais e homens que fazem sexo com homens (HSH). O Brasil é considerado pela Orga-
nização Mundial da Saúde (OMS) um dos países mais avançados em programas de prevenção e
tratamento da doença.

Infecção
Exposição Testes
pelo Vírus
ao Vírus diagnósticos
HIV

Iniciar Positivo
Tratamento para HIV

Tratamento Antirretroviral Inicial:


1) Preferencial: TDF/3TC/DTG Negativo
*coinfecção TB/HIV: TDF/3TC/EFZ para HIV

2) Alternativos:
Intolerância ao EFZ (coinfecção TB/HIV), gestantes
e TB com gravidade: TDF / 3TC / RAL. Investigar
*esquema para início de tratamento em caso de outra patologia
contraindicação ao TDF: ABC ou AZT/ 3TC/ DTG

Tratamento Antirretroviral após


Primeira Falha com Tratamento Inicial:
1) Preferencial: TDF/ 3TC/ ATV/r
2) Alternativos:
*TDF/ 3TC/ DRV/r
*TDF/ 3TC/ LPV/r
(contraindicação ou intolerância ao TDF: substituir por
ABC ou AZT.

Segunda Falha com Tratamento Inicial:


* os esquemas após falhas ao tratamento inicial devem
ser guiados por exames de genotipagem e estrutura-
dos de acordo com as recomendações do Protocolo
Clínico
e Diretrizes Terapêuticas, disponível em
www.aids.gov.br/pcdt .

Fonte: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos (PCDT)/SVS/MS.

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INFECTOLOGIA

8. CASO CLÍNICO

Paciente, sexo masculino, 45 anos, branco, casado, previamente hígido, comparece ao posto
de saúde relatando emagrecimento de aproximadamente 15 kg e adinamia intensa com início
há quatro meses. Refere ainda hiporexia e febre esporádica. Nega doenças pré-existentes, uso
de medicamentos, alergias e uso de drogas ilícitas. Refere tabagismo e etilismo. Relata prática de
relações heterossexuais com várias parceiras sem o uso de preservativos.
Ao exame físico: regular estado geral, emagrecido, hipocorado, temperatura axilar de 36 ºC,
discreta hiperemia e descamação em face, frequência cardíaca: 82 bpm, PA: 120/75 mmHg, fre-
quência respiratória: 20  irpm. Ausculta cardíaca e pulmonar sem alterações. Oroscopia: lesões
brancacentas recobrindo língua e palato, sugestivas de candidíase oral.
Ao hemograma: anemia normocítica e normocrômica e linfocitopenia. Radiografia de tórax:
sem alterações. Realizada sorologia para pesquisa de anticorpos anti-HIV, sendo a amostra de
sangue coletada reagente.
Após o diagnóstico de infecção pelo HIV, o paciente realizou exames complementares: anti-
-HCV não reagente, HBsAg: não reagente, anti-HBC total: não reagente, anti-HBs: não reagente,
VDRL não reagente, toxoplasmose IgG reagente e IgM não reagente, prova tuberculínica: 0 mm. A
contagem de LTCD4 + foi de 142 células/mm³ e a carga viral de 247.635 cópias/mL. Iniciada TARV
com TDF/3TC/DTG.
Após três meses de tratamento regular, paciente comparece ao ambulatório apresentando
contagem de CD4 de 250 células/mm³ e carga viral indetectável.

REFERÊNCIAS
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST Aids e Hepatites
Virais. Manual técnico para o diagnóstico da infecção pelo HIV. 3. ed., 2016.
2. World Health Organisation. Consolidated Guidelines On The Use Of Antiretroviral Drugs For Treating And
Preventing HIV Infection: Recommendations For A Public Health Approach. 2. ed. WHO Guidel, 2016;(Ju-
ne):480. Disponível em: <http://www.who.int/hiv/pub/arv/arv-2016/en/>. Acesso em:
3. BRASIL. Ministério da Saúde. Nota informativa n. 007/2017 – DDAHV/SVS/MS. Brasília, 2017.
4. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites
Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em adultos. Brasília –
DF, 2013. Atualizado em 2015.
5. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção
e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Protocolo clíni-
co e diretrizes terapêuticas para profilaxia pós-exposição (PEP) de risco à infecção pelo HIV, IST e hepati-
tes virais. Brasília – DF, 2018.
6. BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. HIV: estratégias para diag-
nóstico no Brasil. Brasília – DF, 2010.
7. BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Recomendações para vacinação em
pessoas infectadas pelo HIV. Brasília – DF, 2002.
8. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e AIDS. Crité-
rios de definição de casos de AIDS em adultos e crianças, 2004.
9. CLSI. Criteria for Laboratory Testing and Diagnosis of HIV Infection; Approved Guideline. CLSI document
M53-A. Wayne: Clinical and Laboratory Standards Institute, 2011.
10. Miller LE. Laboratory Diagnosis of HIV Infection. In: Stevens CD. Clinical immunology and serology: a la-
boratory perspective. 3. ed. Philadelphia: FA Davis Company, 2010.
11. UNAIDS/WHO Working Group on Global HIV/AIDS/STI Surveillance. Guidelines for Using HIV Testing Te-
chnologies In Surveillance: Selection, Evaluation And Implementation, 2009 update. World Health Orga-
nization, 2009.

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HIV/AIDS

12. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia de vigilância em saúde, 2016.


13. BRASIL. Ministério da Saúde. Nota informativa n. 10/2018 – DIAHV/SVS/MS. Brasília, 2018.

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