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DISTÚRBIOS ÁCIDOBÁSICOS

- Sistema bicarbonato-CO2: principal sistema tampão do meio interno, com objetivo de manter o pH plasmático constante
- HCO3 é a base e o CO2 o ácido
- O aumento da concentração plasmática de bicarbonato eleva o pH, ou seja, alcaliniza o sangue
- O aumento da concentração plasmática de CO2 reduz o pH, ou seja, acidifica o sangue

pH normal = 7,35 – 7,45


PCO2 normal = 35 – 45 mmHg
HCO3 real normal = 22 a 26 mEq/L
HCO3 standard normal = 22 – 26 mEq/L

- Na gasometria, outros parâmetros são calculados, como o HCO3 padrão (standard HCO3), o buffer base (BB) e o base
excesso (BE)

- HCO3 padrão ou standard: é o HCO3 do sangue após a correção da PCO2 para 40 mmHg (normal)
Sempre que ocorre um distúrbio da PCO2 (distúrbios respiratórios), o HCO3 real sofre uma alteração imediata. Se
a PCO2 estiver alta, o HCO3 real ficará mais alto; se estiver baixa, o HCO3 real ficará mais baixo. O HCO3 standard
não sofre essa influência. Este parâmetro só estará alterado quando houver um excesso ou déficit real de
bicarbonato no sangue, significando um distúrbio metabólico primário ou compensatório
- Buffer Base (BB): é o total de bases presente no fluido extracelular do paciente. O bicarbonato é a principal, mas não é
a única base deste compartimento. Serve para o cálculo do base excesso. Normal = 45 – 51 mEq/L.
- Base excess (BE): é a diferença entre o buffer base do paciente e o buffer base normal (48 mEq/L)
Se o BE for positivo e maior que +3,0 significa que existe um aumento do total de bases, isto é, o organismo está
retendo bases, devido a um distúrbio metabólico primário (alcalose metabólica) ou compensatório (retenção
renal de HCO3 para compensar o aumento da PCO2 de uma acidose respiratória crônica). Se o BE for negativo,
mais que -3,0, significa que houve uma redução do total de bases, ou seja, o organismo perdeu bases devido a um
distúrbio metabólico primário (acidose metabólica) ou compensatório (excreção renal de HCO3 para compensar a
diminuição da PCO2 de uma alcalose respiratória)

 Interpretação da gasometria arterial:


- O diagnóstico do distúrbio acidobásico pela gasometria necessita apenas de três parâmetros: pH, PCO2 e HCO3
1. Acidose respiratória: aumento do PCO2 faz cair o pH. PCO2 > 45 / pH < 7,35
2. Acidose metabólica: redução do HCO3 faz cair o pH. HCO3 < 22 / pH < 7,35
3. Alcalose respiratória: redução da PCO2 faz o pH elevar-se PCO2 < 35 / pH > 7,45
4. Alcalose metabólica: aumento do HCO3 faz o pH elevar-se HCO3 > 26 / pH > 7,45

Olhar para o pH – está normal, ácido ou alcalino? Se estiver ácido, existe uma acidose;
1º passo se estiver básico, existe uma alcalose; se estiver normal, ou não há distúrbio ou há dois
que se contrabalançam (distúrbio misto)
Qual distúrbio justifica esse pH? < 7,35 pode ser justificado pelo aumento da PCO3
(acidose respiratória) ou pela redução do HCO3 (acidose metabólica). pH > 7,45 pode
2º passo
ser justificado pelo aumento de HCO3 (alcalose metabólica) ou diminuição da PCO2
(alcalose respiratória)

Exemplos:
Gaso 1: pH = 7,52 / PCO2 = 20 / HCO3 = 16 pH alto = Alcalose. PCO2 baixo = alcalose respiratória
Gaso 2: pH = 7,30 / PCO2 = 27 / HCO3 = 13 pH baixo = Acidose. HCO3 baixo = acidose metabólica
Gaso 3: pH = 7,33 / PCO2 = 60 / HCO3 = 31 pH baixo = Acidose. PCO2 alto = acidose respiratória
Gaso 4: pH = 7,47 / PCO2 = 44 / HCO3 = 31 pH alto = Alcalose. HCO3 alto = alcalose metabólica

5. Distúrbios mistos: a alteração inicial sempre determina a ocorrência de uma alteração compensatória, e toda
vez que analisarmos uma gasometria arterial devemos verificar se a resposta compensatória ocorreu ou não
conforme o esperado.

Resposta compensatória: a resposta compensatória de uma acidose metabólica (↓ HCO3) seria


reduzir a PCO2 por uma hiperventilação compensatória (Kussmaul). Portanto, na acidose
metabólica “pura” devemos encontrar além de bicarbonato baixo, pCO2 também baixa. Na
acidose respiratória, o aumento de PCO2 deve ser compensado com um aumento de HCO3 por
intermédio da retenção renal de bicarbonato.
- A resposta compensatória é sempre no mesmo sentido do distúrbio
- A resposta compensatória NUNCA é completa, ela não corrige o pH para a faixa normal

Gaso 6: pH = 7,05 / PCO2 = 55 / HCO3 = 15 Se pH está ácido, é porque existe acidose. Existe tanto
uma acidose respiratória (PCO2 alta) como uma
Na acidose mista
acidose metabólica (HCO3 baixo). Por isso o pH está
e alcalose mista,
MUITO baixo. Trata-se de uma acidose mista.
o pH costuma
Gaso 7: pH = 7,80 / PCO2 = 20 / HCO3 = 30 Se pH está alcalino, é porque existe alcalose. Existe
estar bastante
tanto uma alcalose respiratória (PCO2 baixa) como
alterado!
uma metabólica (HCO3 alto). Por isso o pH está
MUITO alto. Trata-se de uma alcalose mista.
Gaso 8: pH = 7,42 / PCO2 = 19 / HCO3 = 12 pH normal. PCO2 e HCO3 bastante alterados. Existem Quando estamos
dois distúrbios que se “equilibram”. Trata-se de uma diante de um pH
alcalose respiratória (PCO2 baixa) associada a uma normal e ao
acidose metabólica (HCO3 baixo). Não poderia ser mesmo tempo
uma resposta compensatória porque o pH está ampla variações
normal e PCO2 muito abaixo do “esperado” de PCO2 e HCO3
Gaso 9: pH = 7,42 / PCO2 = 60 / HCO3 = 38 pH normal, apesar de grande alteração da PCO2 e do com certeza
HCO3. Os dois distúrbios se equilibram. Trata-se de existe um
uma acidose respiratória (PCO2 alta) associada a uma distúrbio misto!
alcalose metabólica (HCO3 alto)
Gaso 10: pH = 7,11 / PCO2 = 32 / HCO3 = 10 Como está o pH? Baixo. HCO3 baixo também = acidose
metabólica. Porém, a resposta compensatória foi
aquém do esperado. Em uma acidose metabólica
grave como essa, era para o PCO2 ter caído mais – por
volta de 23. Portanto, existe um segundo distúrbio
que aumentou a PCO2 de 23 para 32 – uma acidose
respiratória. Trata-se, portanto, de um distúrbio
misto

ACIDOSE METABÓLICA PCO2 esperada = (1,5 x HCO3) + 8


ALCALOSE METABÓLICA PCO2 esperada = HCO3 + 15
ACIDOSE RESPIRATÓRIA CRÔNICA HCO3 aumenta 4 para cada 10 de PCO2 que aumenta
ALCALOSE RESPIRATÓRIA CRÔNICA HCO3 cai 5 para cada 10 de PCO2 que cai

6. BIC standard e base excess:

Gaso 11: pH = 7,18 / PCO2 = 80 / HCO3 real = 29 Veja que existe aumento do HCO3 real, mas o standard e o
HCO3 standard = 24 / BE = 0,0 BE estão normais. O que acontece é que o aumento do HCO3
real é decorrente apenas do aumento do CO2. Como não
houve tempo de os rins reterem BIC, o HCO3 standard
encontra-se normal e o BE não se modificou. Trata-se então
de uma acidose respiratória aguda.
Gaso 12: pH = 7,34 / PCO2 = 80 / HCO3 real = 42 Nesta acidose respiratória, o HCO3 está aumentado e o BE
HCO3 standard = 37 / BE = + 5,0 mostra retenção de bases. Neste caso, houve tempo para os
rins acumularem BIC necessário para uma boa resposta
compensatória. Trata-se de uma acidose respiratória
crônica.

 Sistemas tampão:
- Como já foi dito, o principal sistema tampão do meio extracelular é o sistema bicarbonato-dióxido de carbono;
- A eficácia desse sistema é limitada. Após 2-3h, as células e os ossos passam a contribuir para o tamponamento
nos distúrbios acidobásicos;
- As células e os ossos podem captar ou liberar H+. Para isso, o H+ é trocado por outros íons, como o Na e K
- Dentro das células, as proteínas e o fosfato são as principais substancias com poder tampão. Nos ossos, a
captação continua de H se dá à custa da degradação progressiva de fosfato de cálcio, levando a desmineralização
óssea, com suas possíveis consequências clínicas: raquitismo e osteomalácia

 Resposta compensatória:
- Como se dá a resposta compensatória nos distúrbios metabólicos: Tem início quase que imediato. A redução
do pH nas acidoses agudas estimula o centro respiratório, levando à hiperventilação (respiração de Kussmaul).
Isso elimina mais CO2, reduzindo a PCO2. O aumento do pH na alcalose inibe o centro respiratório.
- Como se dá a resposta compensatória nos distúrbios respiratórios: Mais lenta, demorando 3-5 dias. Depende
dos rins. O pH nas células tubulares acompanha o pH plasmático. Na acidose respiratória crônica, o pH encontra-
se baixo, estimulando a excreção renal de H e a retenção de HCO3 (Ex: DPOC – retentor de CO2). Na alcalose
respiratória crônica, o pH das células está alto, reduzindo a excreção renal de H e promovendo perda de HCO3

 Acidose metabólica: Pura: HCO3 < 22 e pH < 7,35


- Quadro clínico: hiperventilação (respiração de Kussmaul), taquicardia, sinais de hipoperfusão, arritmias, PCR
- Calcular o PCO2 esperado = (HCO3 encontrado x 1,5) + 8 +-2
- Se PCO2 encontrado > PCO2 esperado = acidose mista!

ACIDOSE METABÓLICA COM ANION GAP ALTO:


- Algumas acidoses metabólicas são decorrentes do acúmulo de substâncias ácidas na circulação. Uma substância
ácida possui a propriedade de se dissociar em H + base aniônica. O H liberado consome o HCO3 do plasma, levando
a acidose metabólica, enquanto o ânion formado se acumula na circulação, caso os rins não consigam excretá-lo
em tempo hábil. Esse “novo” ânion retido faz aumentar o chamado “ânion gap”

O que é ânion gap? Para que equilíbrio eletroquímico do plasma seja mantido, o total de cátions tem que ser
igual ao total de ânions. O principal cátion do plasma é o Na e os principais ânions são Cl e HCO3. Porém, a
quantidade de sódio é maior que a soma dos dois ânions. O equilíbrio é então mantido pela existência de outros
ânions plasmáticos. O somatório de todos esses ânions corresponde ao ânion gap. Entre os ânions considerados
“não medidos” a albumina é o principal, mas também tem o fosfato, sulfato, lactato e os cetoânions.
Na = Cl + HCO3 + ânion gap → Ânion gap = Na – (Cl + HCO3) (VR: 8-12 mEq/L)

Cuidado! Um paciente com hipoalbuminemia pode falsear a análise do AG. Uma redução
em 1 g de albumina gera uma redução de 2,5 no AG. Assim, um paciente cirrótico com
albumina de 2,5 e AG = 12 pode ter acidose lática, pois o AG corrigido é de 17 (AG corrigido
= AG calculado + 2,5 (4 - albumina))

OBS: AG urinário: reflete o quanto de amônio está sendo excretado na urina. A forma do organismo liberar o
excesso de ácido é combinando o H+ com a amônia, formando amônio. As acidoses tubulares renais são incapazes
de excretar H+. Nessas, o AGU estará reduzido, logo o resultado será positivo. Se for negativo, a acidose é devido
a perdas do TGI
AGU = (Nau + Ku) – Clu

- O aumento do AG compensa a redução de HCO3 neste tipo de acidose metabólica. Portanto, o cloreto costuma
estar na faixa normal – acidoses normoclorêmicas. (Ex: acidose lática, cetoacidose, uremia, intoxicação por
salicilatos, por metanol, por etilenoglicol, sepse, choque, PCR)

ACIDOSE COM AG NORMAL (HIPERCLORÊMICA)


- Decorrentes da perda de HCO3 para o meio externo ou retenção direta de H
- Exemplos: fluidos gastrointestinais (bile, suco entérico e pancreático) são ricos em bicarbonato. A acidose se
instala pela perda fecal (diarreia) de bicarbonato. O hipoaldosteronismo é um exemplo de acidose por retenção
de H, uma vez que a aldosterona tem a função de reabsorver sódio e secretar K e H. A deficiência desse hormônio
causa retenção de H. Nesse tipo de acidose metabólica, para que o equilíbrio seja mantido, a redução de HCO3
deve ser compensada pelo aumento de Cl já que nenhum outro ânion foi retido (Ex: diarreia, fistulas biliares,
entéricas ou pancreáticas, ureterossigmoidostomia, acidoses tubulares renais, nutrição parenteral total,
acetazolamida, diuréticos poupadores de potássio, IRC)
- Tratamento:
1. Investigar a causa base: dosar cloreto, AG, lactato plasmático, glicemia, corpos cetônicos na urina, natremia,
calemia, ureia e creatinina
2. Hidratar
3. Repor bicarbonato: pH < 7,1 ou BIC < 5 mEq/L. Fazer metade em 30 – 60 min e restante em 4 horas. Solução:
bicarbonato de Na 8,4% 1:3 em AD ou SF 0,9%
mEq HCO3 = (HCO3 desejado – HCO3 encontrado) x 0,3 x peso; HCO3 desejado = 15mEq

 Alcalose metabólica: Pura: HCO3 > 26 e pH > 7,45


- Principais causas: vômitos e uso de diuréticos tiazídicos ou de alça
- Quadro clínico: sinais de desidratação/hipovolemia, sinais de hipocalemia e hipocalcemia associados.
- Se associa frequentemente a hipocalemia: na hipocalemia, há pouco K para ser excretado em função da
reabsorção de sódio, logo mais H é excretado, provocando alcalose. Na alcalose, há pouco H para ser excretado
em função da reabsorção de sódio, logo mais K é excretado, provando hipocalemia.
- A hipovolemia e a depleção de cloreto podem perpetuar a alcalose metabólica (na hipovolemia o néfron está
ávido para reabsorver sódio. Como a reabsorção de BIC está atrelada à reabsorção de Na, mais BIC é reabsorvido
na hipovolemia. Na depleção de cloreto, há menos desse ânion para ser reabsorvido com o Na. Como o BIC é um
ânion, ele precisa ser mais reabsorvido para acompanhar o Na e manter o equilíbrio)
- Diagnóstico: anamnese (medicamentos, diarreias, vômitos), dosar cloro sérico e cloro urinário

- Tratamento:
1. Nas que cursam com depleção de volume e cloreto: repor volemia, repor K e corrigir Cl → SF 0,9% associado
à reposição (oral ou venosa) de KCl
2. Paciente hipervolêmicos e alcaloses não responsivas ao cloreto: acetazolamida ou infundir ácidos minerais
(HCl ou monoidrocloreto de arginina. Cloreto de amônio também pode ser tentado, porém é contraindicado em
hepatopatas pelo risco de encefalopatia hepática)
3. Pacientes com hiperaldosteronismo ou hipercortisolismo: repor K e uso de diuréticos poupadores de potássio

 Acidose respiratória: Pura: PCO2 > 45 e pH < 7,35


- Mecanismo: hipoventilação pulmonar (patologia pulmonar grave que já levou à fadiga quase completa da
musculatura respiratória ou à obstrução grave das VAS. Lesões do SNC ou uso de medicamentos que inibem o
centro respiratório também são possíveis causas de acidose respiratória)
- Quadro clínico: cefaleia, torpor, coma, confusão mental
- HCO3 normal (aguda) ou aumentado (crônica)
- Tratamento: intubação traqueal e ventilação mecânica (aguda). A crônica não precisa ser tratada quando
compensada. Quando descompensam, devem ser intubados quando houver alteração do sensório, fadiga
respiratória ou pH < 7,25
 Alcalose respiratória: Pura: PCO2 < 35 e pH > 7,45
- Mecanismo: hiperventilação pulmonar. A aguda geralmente decorre de uma hiperventilação psicogênica por
crise de ansiedade ou angustia ou uma patologia pulmonar aguda – asma, pneumonia, tromboembolismo. A
crônica é devido a um fator que está estimulando o centro respiratório continuamente – sepse, insuficiência
hepática, doenças do SNC. Na alcalose respiratória crônica o rim elimina mais BIC na tentativa de compensar o
pH. A perda de HCO3 leva a um base excess mais negativo.
- Quadro clínico: tonturas, câimbras, espasmos musculares, parestesias
- HCO3 normal (aguda) ou diminuído (crônica)

- Tratamento: voltado à causa base. O uso de bolsas coletoras de ar é necessário nos casos refratários. Se estiver
em ventilação mecânica, podemos aumentar o espaço morto (reduzindo a FR ou PIP)

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