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Quando entrei em uma Universidade, não imaginei como seria minha vida.

Nunca
esperei grande coisa, e quando digo isso, me refiro tanto à minha vida quanto à Universidade.
De certo modo, sempre tentei nunca me surpreender com absolutamente nada que viesse
aparecendo. Assim, eu acreditava, jamais iria me decepcionar.
Vim de um ambiente escolar muito estranho, às vezes engraçado e, definitivamente,
frustrante. Jamais me reconheci, mas acredito que minha excepcional experiência no Marista
se devia ao fato de eu ser um tanto diferente da maioria das pessoas que ali estudavam. Era
um rapaz negro, de cabelo crespo e barbado. Certamente era um dos tipos menos rejeitados
pelas garotas de classe média - que, ironicamente, namorariam pessoas com o perfil
exatamente parecido com o meu quando passassem a entrar na vida adulta, o tempo passa,
mas minha pele continua sendo um valor flutuante.
Como pareci ter sugerido, o Marista é um colégio frequentado predominantemente por
pessoas de classe média à alta, eu incluso. Considero o período em que passei por lá como
um dos mais terríveis da minha vida, terrível como experiência imediata (isto é, presente),
terrível como experiência auto-refletida (ou seja, vista pelos olhos de um eu mais velho). Talvez
a única coisa que gosto de lembrar são as pequenas apresentações que fazia com meu velho
professor Rostan, que me incentivou a fazer Música, que era até então uma das minhas
primeiras opções para arranjar o que fazer, e talvez o meu único talento que eu realmente
reconheça enquanto talento, afinal, sou um péssimo Cientista Social, como se verá adiante.
Bom, no final, permaneci no curso de Ciências Sociais. Olhando hoje, vejo que nele
existiam algumas possibilidades, e elas giram em torno da questão: O que fazer com tudo isso
que estou aprendendo aqui e agora ? Para mim, as informações que fui aprendendo ao longo
do curso eram questões de fato e, sobretudo, de vida. De fato, pois me deparava com uma
série de problemas e questões que eu costumava ver de outra maneira, ou que não imaginava
que fossem de fato ser um problema. E uma questão de vida, pois entendia que a questão de
fato me dizia muito a respeito da minha vida, e do que poderia fazer com ela.
Retornando à questão do “que fazer…”, passei a perceber de que modo as pessoas
pareceriam responder essas questões, assim, encontraria minha resposta. E as respostas não
me agradavam em absolutamente nada. Para mim, a resposta de grande parte das pessoas
me parecia ser semelhante aos dos autores neo-kantianos, a ciência social tem por
peculiaridade o fato de que seu objeto é justamente o sujeito da pesquisa. Para começar, via
dois problemas nessa afirmação, a primeira delas é que o sujeito da pesquisa não é o mesmo
que o seu objeto, ambos experimentam situações diferentes, ainda que você pesquise um
estudante de ciências sociais. A segunda é que, mesmo que se reconheça semelhante ao seu
objeto (o qual não é) sempre irá existir no interior do pesquisador uma superioridade sem
precedentes sobre seu objeto, ou ao menos é isso que a maioria parece acreditar. O Cientista
Social é aquele indivíduo que professa contra a moral cristã numa mesa de bar, e na reunião
do grupo de pesquisas fala, de modo dominical, o quanto as “massas” precisam do chamado
“trabalho de base”.
O que quero dizer com isso ? É que, não existe nenhuma intenção de saber qual seu
próprio endereço. Sim, todos sabem qual ônibus pegar todos os dias, ida e volta, mas poucos
parecem entender aonde moram, com quem moram, que desejos passam pelos seus sentidos
todos os dias… Desse modo, entrar nesse curso compreendem duas possibilidades. A
primeira, a qual consiste em acreditar que você é um crítico moral e superior da sociedade. E a
segunda, talvez a mais difícil, na qual você pensa em qual é o seu endereço. Analisando meu
endereço, percebi que sou parte do problema, sou parte dessa sociedade e meus desejos
oscilam entre desejos que performam uma linha de fuga dessa sociedade, outros que são
típicos dela. Eu sou como qualquer outra pessoa, e isso não me dá o direito de falar por
ninguém. Mas que endereço é esse ? Trata-se de saber de onde você veio, sou um homem
negro, filho de servidores públicos, e enquanto isso tudo, eu permaneço em eterno
desequilíbrio, oscilo entre ser e não ser pertencente a algo, entre saber e não saber quem eu
sou, e que se pergunta todo dia o que fazer com esse endereço.
E de tanto me perguntar o que fazer com meu endereço, eu já mudei várias vezes de
lugar e de posição. Afinal de contas, para sair do lugar, é preciso saber aonde está, de onde
veio, e qual é o seu limite. E assim, portanto, eu as vezes sou uma árvore, quando, por vezes,
falo a experiência de outra pessoa do meu ponto de vista. Outras vezes me comporto como
mais um rizoma, algo que se comunica transversalmente com outrem.
Mas se você deseja mudar sem sair do lugar, esqueça seu endereço. Afirme como
universal a sua experiência e assim você se desconecta do mundo. Assim você muda, sem sair
do lugar.

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