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São Paulo
2019
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Flávio Alves Pereira de Andrade Filho
N° USP: 10329242
Professor: Michel Sleiman
Disciplina: Literatura Árabe - Andaluza
Tema: O representar do real no zejel de Ibn Quzman
I- INTRODUÇÃO
Nos próximos parágrafos será desenvolvida uma análise de dois zejéis que compõem o
Cancioneiro de Ibn Quzman. Teremos como objetivo principal propor uma interpretação, no
qual, o poeta por meio dos seus versos nos permite um vislumbre do tempo que o mesmo está
inserido. Dessa forma, passamos a conhecer o dia a dia e consequentemente a dinâmica que
rege a população de Andaluzia, ou seja, queremos expor o valor histórico que existe em seus
poemas. Entretanto, antes de passarmos para a nossa investigação, mostra-se necessário um
breve comentário sobre como o poeta passou a escrita dos zejéis.
Na sua juventude o poeta chegou a produzir algumas poesias em árabe culto, mas
buscando se distanciar de seus contemporâneos “optou por um estilo, em que, nenhum deles
poderiam competir com ele. Deste modo, se converteu no professor das pessoas do zejel que
está composto na língua vulgar da região de Andaluzia” (SOBH. 2002. p. 1192). Ibn Quzman,
portanto, “elege o dialeto andaluz como um denominador comum daqueles povos: quase uma
extensão de suas falas” (SLEIMAN, M. 2000. p.20)
Esses poemas se encontram na sua única obra intitulada de Cancioneiro sendo essa
“uma concisão vital em todo sentido, em que, se escuta com muito gosto a vida do cantor Ibn
Quzman e da vida de Andaluzia no século VII/XII” (SOBH. 2002. p. 1192).
Dentro desse contexto, iniciemos nossa investigação com análise do zejel 12.
Na parte estrutural do poema evidencia-se sua composição feita por nove estrofes, nos quais,
a estrofe que inicia o poema com apenas um verso é o preludio. Contudo, o que nos interessa
é a questão temática, desse modo Ibn Quzman ao longo do poema parece descrever a
preparação para uma apresentação de menestréis. Dessa forma somos apresentados desde a
preparação dos bancos, a organização dos instrumentos musicais até a própria organização da
plateia. Nas palavras de Emilio García Gomez:
El zéjel número 12, "los juglares", es una maravilla: buena técnica, tensión,
atmósfera poética y una feliz dosificación - para mosotros, boy, se entiende - de
alusiones explicables y de otras que no lo son, pero que se transfiguran para crear
una cierta aura de misterio. Parece lírico, si es que la alusion al cádi, a quien hay que
preparar un asiento de almohadones, no es una dedicatoria embozada. Un "corro" de
juglares, hombres y mujeres (ellas: Zumbra, Mariam, Aixa, casi las mismas "tres
morillas" - Aixa, Fátima y Mariem - de la vieja canción espanõla) va a representar
antre un público del que formam parte embobados lugarenos. Todo ha de estar a
punto: instrumentos, vestuario, atrezzo, pantomimas. Hey incluso unos raros perros
blancos a los que el poeta, cuando alboree, va a llevar de caza. Ben Quzman es
intimo de los histriones. Desde el preludio hasta la jarcha recorre el zéjel un
nervioso soplo de carino y solidaridad cordial. Hay quien dé más en la Edad Media?
(GÓMEZ. 1981. p.110)
Ou seja, cada estrofe do poema é responsável por levar o leitor para cada um dos momentos
que antecede o início da apresentação e dessa forma é como se estivéssemos no meio dessas
pessoas, vivenciando essa situação descrita pelo poeta. Isso só se torna possível devido a
capacidade de composição do autor que por meio de seus versos é capaz de trazer a realidade
de seu tempo.
Nota-se que ao longo dos trinta versos somos levados a um caminhar pela alameda de
Granada. O poema se inicia com Ibn Quzman a caminhar por essa alameda se deparando com
uma bela mulher que deixa o poeta encantado. Além dela somos informados que existem
mulheres não muçulmanas a também caminhar, o que já nos aponta a pluralidade da
população andaluza. Ainda é apontado o nome de três mulheres e o poeta em sua indecisão
não sabe quem escolher, dando um ar cômico a passagem: “Quien te da a escoger, confunde:
a ésta quiero,/ pero es la otra a la que creo seguiré;/ mas esta tercera es más dulce y elegante:/
décidete ya, y sabe con cuál quedarte.” (QUZMAN. 1984. p.296).
Um pouco mais adiante o poeta escreve: “vi las ventanas lucir de lunas”, em referência
a arquitetura de Granada, apresentado de forma discreta a forma como eram construídos os
estabelecimentos em volta dessa alameda. Na quinta estrofe somos apresentados a beleza de
Granada, “La hermosura en Granada me dejó perpejo: parece perla mayor entre el aljôfar.”
(QUZMAN. 1984. p.296). Por fim, na última estrofe poeta dedica os últimos versos a elogiar
o general Abu Sa’ada. Nas palavras de Emilio García Gómez:
Ou seja, assim como nesses poemas podemos encontrar registros do cotidiano desses
beduínos realçando esse valor da literatura para a construção de um valor histórico para um
povo. Uma vez que muito da história de vários povos não foram registradas por historiadores,
mas encontram-se eternizadas por meio da ficção, muitas vezes é a literatura a responsável
por permitir a reconstrução de tempos já decorridos. Parece ser esse o efeito que existe nos
escritos de Ibn Quzman.
Um ponto importante sobre a produção poética de Al-Andaluz está no fato dos poetas já não
“sabe contar as vértebras do camelo, nem descrever os arbustos das dunas, nem as águas
sangrentas, nem as festas bárbaras, nem a liberdade cristalina e infinita da miséria do homem”
(GÓMEZ, 1942, p. 14), dessa forma, precisaram se adaptar a região que se encontravam, uma
vez, que já não estavam no mesmo espaço que seus antepassados, por isso a impossibilidade
de se manter as mesmas características estilísticas na produção poética. Devido a isso,
“inevitavelmente tiveram os poetas que lidar com essas novas questões, adaptaram imagens
desconhecidas a seus ancestrais, e o estado da civilização, completamente diferente, também
teve que ser impresso em seus versos” (SCHACK, 1945, p. 76). E por consequência disso, ao
observarmos a escrita de Ibn Quzman pode-se constatar que não existia outro caminho para o
seu escrever que não esse por meio da linguagem vulgar andaluza, é dessa forma que o poeta
extrai a essência do seu tempo.
É nesse ponto que talvez se encontre um dos maiores êxitos da produção poética do poeta de
Córdova. Ibn Quzman conseguiu por meio dos seus versos oferecer uma visão universal sobre
a região de Andaluz. Ele propõe um caminhar, em que, encaramos a identidade daquela
população, fato esse que só a literatura pode nos apresentar devido ao seu caráter
representativo da realidade. Por exemplo, o zejel 144 por meio das suas estrofes possibilita
uma visão completa de certa forma sobre a região de Granada, pois ao retratar a sua avenida
principal, o poeta sintetiza toda uma forma de viver de uma população.
III- CONCLUSÃO
Portanto, pode-se dizer que “Ibn Quzman é poesia, canto, música, linguagem popular
cordobes e um teatro que representa Andaluz do século VI/VII em primeira, segunda e
terceira pessoa.” (SOBH. 2002. p.193). Dessa forma, o poeta possui a habilidade de transpor
toda a sua vivência para os versos que formam seu Cancioneiro. Nas palavras de Jorge Luís
Borges.
Podemos dizer que juntamente com os gregos, os romanos e os germanos apontado por
Borges os árabes tanto da região de Andaluz como aqueles que habitaram e habitam o oriente
também são povos agrícolas que por meio de sua empreitada no campo da literatura, filosofia,
etc. conseguiram alcançar a eternidade por meio de seus escritos.
BIBLIOGRAGIA
Borges, Jorge. O Martin Fierro, Para as Seis Cordas & Evaristo Carriego. Trad. Heloisa
Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
Carlyle, Thomas. Os heróis. Trad. Álvaro Ribeiro. Lisboa: Guimarães Editores, 1956.
GÓMEZ, Emílio Garcia. Poemas arábigo andaluces. Buenos Aires, AR: Espasa-Calpe, 1942.
GÓMEZ, Emílio Garcia. El mejor Ben Quzmán en 40 zéjeles. Madrid: Alianza Editorial,
1981.
SCHACK, Adolfo Federico von. Poesía y Arte de los Arabes em España y Sicilia. Buenos
Aires, AR:El Nilo, 1945.
SLEIMAN, Michel. A Poesia árabe-andaluza: Ibn Quzman de Córdova. São Paulo, SP:
FAPESP, 2000.
SOBH, Mahmud. História de la literatura árabe clássica. Madrid: Editora Cátedra, 2002.