Você está na página 1de 82

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE

FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - FFCH


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
CIÊNCIAS SOCIAIS – PPGCS

JOÃO RICARDO DE AZEVEDO

O SENTIDO DA VIOLÊNCIA NO COTIDIANO DE JOVENS ESTUDANTES


EM PARIPE

SALVADOR,
2018
JOÃO RICARDO DE AZEVEDO

O SENTIDO DA VIOLÊNCIA NO COTIDIANO DE JOVENS ESTUDANTES


EM PARIPE

Monografia apresentada como Trabalho


de Conclusão de Curso de graduação em
Ciências sociais como requisito para a
obtenção do título de Bacharel em
Sociologia.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Gabriela
Hita.

SALVADOR,
2019
BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________
Prof. Dr. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Universidade Federal da Bahia

_____________________________________________________________
Prof. Dr. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Universidade xxxxxxxxxx

____________________________________________________________
Prof. Dr. Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Universidade xxxxxxxxxxxx
Agradecimentos

A Deus acima de todas as coisas.


A minha família e amigos por entenderem minha luta e ausência nos
momentos mais difíceis. Destacando minha mãe, que sempre acreditou em mim e me
deu força quando me sentia desanimado, mesmo quando mais precisou de mim.
Aos meus amados pai e avó, Cícero e Coracir, que in memoriam, sempre serão
parte maior do que sou, por estar sempre presente na minha vida, pela saudade que
sinto e pelo amor que suas lembranças me trazem.
A estimada amiga Ana Claúdia pelo apoio e palavras de carinho.
Aos amigos do Departamento de Saúde do Hospital Naval de Salvador pelo
incentivo e companheirismo em todas as etapas deste longo caminho.
Aos amigos que fiz na UFBA, que tornaram o momento de aprendizado algo
tão sério e digno do mais alto respeito. Em especial à minha orientadora Professora
Doutora Maria Gabriela Hita pela ajuda e incansável paciência dispensados a mim na
construção deste trabalho, expondo suas opiniões e contribuindo para o
enriquecimento desta monografia e sobretudo das Ciências Sociais.
Resumo

Considerando as peculiaridades da vida cotidiana em bairros periféricos e


favelas, tais como a violência do tráfico, a truculência policial, desigualdade
socioeconômica e a precariedade das condições de vida, é meu objetivo entender como
o jovem estudante de uma escola secundária em Paripe, percebe a questão da violência
no cotidiano do bairro. Os resultados desta pesquisa foram obtidos pela utilização de
entrevistas livres e em profundidade sobre o sentido da violência vivenciada no bairro
com estudantes voluntários a participar da mesma.

Palavras-Chaves: Violência - Juventude - Cotidiano


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Paripe .............................................................................................................37


(Fonte: Google Maps)

Figura 2: Paripe- Rua Escola de Menor, entrada para favela “Bate-coração”................38


(Fonte: Foto: Henrique Mendes/G1) 

Figura 3: Centro de Abastecimento de Paripe................................................................38


(Fonte: http://visaocidade.com.br/2015/09/paripe-o-centro-comercial-do-subúrbio)

Figura 4: Rua Almirante Mourão de Sá, entre Paripe e Fazenda Coutos. Um dos pontos
de tensão por conta do tráfico..........................................................................................39
(Fonte: http://www.correio24horas.com.br. Foto: Victor Lahiri)
Sumário

Introdução
Construção do problema...................................................................................................9

Capítulo 1
Mundo vivido: campo de ações compartilhadas e interações.........................................19

Capitulo 2
2.1 Favelas e violência: preconceitos e estereótipos...................................................... 25
2.2 Vulnerabilidade: jovens e contextos de violência.................................................... 29

Capítulo 3
Metodologia....................................................................................................................35

Capítulo 4
Análise dos dados: Sob a perspectiva dos jovens selecionados......................................46
4.1 A situação biográfica.................................................................................................46
4.1.2 Jovens selecionados................................................................................................47
4.2 O sentido e a percepção da violência: a lente dos entrevistados...............................52
4.3 Preconceito e estigmatização.....................................................................................54
4.4 Medo: o risco de morte..............................................................................................57
4.5 O tráfico na favela: as regras e o proceder................................................................60

Considerações finais........................................................................................................63

Referências bibliográficas...............................................................................................64
Fonte da ilustração:
https://www.google.com.br/search?
q=desenhos+sobre+morte+de+jovens+em+periferia&newwindow=1&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa
=X&sqi=2&ved=0ahUKEwj31sm2__zUAhVFG5AKHQ9PBwAQsAQIIg&biw=1366&bih=662#imgdii

=ROUUEa6bvm5BAM:&imgrc=Fdj2k4YSPyNbeM:
(Sugerido por um jovem entrevistado.)

(...) Às vezes eu acho,


Que todo preto como eu,
só que um terreno no mato,
só seu,
Sem luxo,
descalço,
nadar num riacho,
sem fome,
pegando as fruta no cacho.
(...)A vida é loka nego,
e nela eu to de passagem.
( Trecho do RAP dos Racionais Mc’s, Vida Loka – parte 2. Sugerido por ‘Nescau’
como: “ (...) A verdade que dá um frio na barriga”. Nescau, 20 anos, um entrevistado
voluntário selecionado nesta pesquisa.)
9

Trabalho empírico dissertação

1) Metodologia

i) Qual o principal método a ser mobilizado em sua investigação? a. Quais autores da


sua área temática o utilizam e por quê? b. Do ponto de vista da literatura sobre métodos,
debatida em sala de aula, quais autores o recomendam e por quê?

A investigação ora apresentada, cujo título é “Percepção da violência local por jovens
estudantes de Paripe”, caracteriza-se por uma pesquisa qualitativa e tem por escolha o
método fenomenológico. As bases da fenomenologia enquanto filosofia, foi lançada por
Edmund Husserl em 1900. Sua utilização nas ciências humanas se caracteriza pelo
estudo das estruturas da consciência. Se debruçando sobre a descrição do fenômeno
exatamente como ele se apresenta, se situando para além do empirismo, remetendo à
totalidade das experiencias vividas pelo indivíduo.O pesquisador deve observar rigor
em práticas descritivas minuciosas, em oposição a termos teóricos com constante
preocupação quanto a significação da experiência descrita.( ANDERSON & SPENCER,
2014; GIORGI, 2014).

Ruotti et al (2014), utilizou-se em sua pesquisa de um estudo qualitativo, sobre a


vulnerabilidade de jovens a morte violenta em São Paulo, como procedimento
metodológico a reconstrução de trajetórias de vida e como instrumento entrevistas em
profundidade com pessoas vinculadas às vítimas. As entrevistas foram dirigidas
seguindo um guia de perguntas abertas com a menor intervenção possível, privilegiando
a liberdade na narrativa.

Machado da Silva (2008), elaborou sua pesquisa de natureza qualitativa com


moradores de uma favela carioca, através de procedimentos conjugados: a criação do
que chamou de “coletivos de confiança” obtidos em grupos focais fora das áreas objeto
de estudo e etnografia do dia a dia nestas mesmas áreas. Os ‘coletivos de confiança’
tinham por estratégia não tocar em pontos considerados nevrálgicos do tema da
violência na favela, mas também tratar de assuntos em um nível mais geral, sempre
pautado pelo anonimato. A etnografia realizada teve como propósito conhecer a
10

sociabilidade na favela.O eixo analítico desenvolvido buscou compreender as


percepções dos participantes apreendendo suas representações sobre o tema.

Vicentin (2008) em ‘Estratégia hiper-realista dos jovens em conflito com a lei’, em


pesquisa realizada com jovens internos em fundação socioeducativa para menores em
São Paulo, utilizou-se da técnica de entrevistas abertas com os mesmos, mapeando
modos de resistência ao poder instituído na instituição e destacando nas entrevistas os
modos de subjetivação dos participantes àquela realidade vivenciada. Um estudo
qualitativo, cujo instrumento foi a entrevista e a técnica entrevista aberta.

ii) Qual(is) técnica(s) de produção e de análise de dados você pretende utilizar? Por
quê?

A técnica utilizada para análise dos dados consistiu na análise dos conteúdos
transcritos nas entrevistas dos participantes. Como descreveu Anderson & Spencer
(2014), todo o material foi lido exaustivamente de modo a se captar o sentido, a
assência da percepção do fenômeno. Deste processo expressões significativas foram
agrupadas em temas dos quais extraíram-se significados. A importância desta técnica de
tratamento dos dados permitiu construir unidades implicativas de um juízo particular
para entendimento do fenômeno segundo a perspectiva dos entrevistados. As entrevistas
foram dirigidas seguindo um guia de perguntas abertas com a menor intervenção
possível, privilegiando a liberdade na narrativa. Os fragmentos narrativos foram
classificados segundo eixos temáticos, e estes foram categorizados em três dimensões
que compõem as situações de percepção juvenil da violência local : ser pobre é ser
criminoso, a favela é pelo certo, enfrentamento e resistência ao preconceito.

a. Quais autores da sua área temática a utilizam e por quê?

Machado da Silva (2008), Ruotti et al (2014) , Zaluar (1994), Vicentin(2008), Birman


(2008), dentre outros.

b. Do ponto de vista da literatura sobre métodos, debatida em sala de aula, quais autores
a recomendam e por quê

Anderson & Spencer (2014); Giorgi, 2014;

iii) Acerca do instrumento elaborado, este será executado a partir de qual técnica?
11

Entrevistas abertas com alunos voluntários a participação da pesquisa.

a. Qual o perfil dos entrevistados ou participantes/informantes?

Estudantes maiores de 18 anos, voluntários a participar da pesquisa, moradores de


Paripe, bairro situado no Suburbio Ferroviário de Salvador.

b. Como você pretende sensibilizá-los para uma eventual colaboração com sua
pesquisa?

A sensibilização se deu durante o preparo das turmas onde abordei num tom
generalizante a questão da violência na cidade e deixei que todos fizessem sua
contribuição, até afunilar o tema na questão da percepção do jovem, enquanto o adulto
de amanhã num mundo onde a violencia estara presente de modo que a participação
individual na discussão trouxe vários aspectos relevantes sobre o assunto.

c. Em qual local pretende realizar as entrevistas/grupos?

Colégio Estadual Anfrísia Santiago

d. Quais cuidados éticos precisará tomar/providenciar antes, durante e depois da coleta


de dados?

Participaram da pesquisa estudante voluntários, maiores de 18 anos, atendendo á


solicitação prévia de anonimato e a não gravação do conteúdo obtido nas entrevistas.

e. Quantas entrevistas/grupos focais serão realizadas, a priori, com o auxílio deste


instrumento?

54 entrevistas e selecionadas 15. Boa parte, como se observou nas não selecionadas,
mostravam-se contendo repetições e saturações do assunto abordado.

II. ESTRUTURA E CONTEÚDO DO INSTRUMENTO

OBS1: deve conter cabeçalho completo, além da apresentação da pesquisa e texto sobre
formas de uso dos dados, disponibilidade e acesso aos dados, consentimento etc.
OBS2: a quantidade de questões dependerá do problema de pesquisa, método e técnica
elegidos. A estrutura de formatação deve seguir normas da ABNT, preferencialmente.
12

A trajetória tomada para elaboração desta pesquisa teve como norte um


procedimento de etnografia executado por mim na condição de “ pesquisador-aluno” em
uma área do centro de Salvador, sobre a relação dos usuários de crack com moradores
locais, para a conclusão da disciplina de Etnografia em 2014. Na verdade o que era
exigência curricular para a disciplina, tornou-se um objeto de curiosidade particular que
se estendeu por alguns anos se constituindo em minha prioridade de estudo: a questão
relacional do jovem e da violência.

Quanto a minha escolha pelo ambiente escolar para tratar da violência e


juventude, optei pelo ambiente das escolas locais do bairro de Paripe, subúrbio
ferroviário de Salvador, em virtude da diminuição dos riscos que se corre em tratar da
temática violência numa escola, diferentemente de tratá-la em lócus (internamente na
comunidade).

O espaço escolar por excelência é um espaço de construção, de compartilhamento;


e os jovens que ali se concentram, trazem partes de seus processos particulares de
socialização e as experiências mais diversas são trocadas e se reelaboram nas interações
realizadas. De modo que vi o ‘gancho’ para minhas entrevistas, no sentido de tentar
construir um entendimento do fenômeno visto de dentro.

A pesquisa de campo realizada na Escola Estadual Anfrisia Santiago, começou em


setembro de 2015. Inicialmente não tinha um modelo estruturado de como faria, mas
ouvindo professores e alunos em conversas informais em horários de intervalo, cheguei
a conclusão que na oralidade os pontos de convergências, ou divergências, apareceriam
no modo como aquela comunidade se organizava e se estruturava na experiência real
vivenciada pelos jovens na questão perceptiva da violência no cotidiano. Meu ponto de
partida na pesquisa foi inicialmente a necessidade de se obter a percepção de violência
no contexto de um bairro periférico pela ótica do jovem oriundo dessas comunidades.

A técnica elegida à pesquisa foi a entrevista, esta, realizada em duas etapas: na


primeira, alunos voluntários redigiram uma narrativa livre que envolvesse duas
palavras-chave: juventude e violência. Na segunda, selecionei as narrativas que
mencionavam as vivências de jovens em eventos que considerei a ocorrência
propriamente dita de eventos violentos para realização de entrevistas individuais. O
13

anonimato e a voluntariedade dos participantes foi condição para ocorrência da


pesquisa. Sobre a técnica de entrevista, GASKELL (2003) assevera:

“A compreensão dos mundos da vida dos entrevistados e de grupos


sociais especificados é a condição sine qua non da entrevista qualitativa. Tal
compreensão poderá contribuir para um número de diferentes empenhos na
pesquisa. Poderá ser um fim em si mesmo o fornecimento de uma “descrição
detalhada” de um meio social específico; pode também ser empregada como
uma base para construir um referencial para pesquisas futuras e fornecer
dados para testar expectativas e hipóteses desenvolvidas fora de uma
perspectiva teórica específica. (p.65)

Outra questão suscitada, foi relativa a quantos alunos seriam necessários para que
eu pudesse obter uma resposta à minha pergunta sobre percepção da violência
vivenciada no bairro. Optei por um processo seletivo que incluissem três turmas de
turnos diferentes. Cada turma era composta em média por 35 alunos, nos turnos da
manhã, tarde e noite. A faixa etária das turmas diurnas oscilavam entre 14 a 18 anos, a
noturna tinha maioria entre 17 a 21 anos. De modo que para conseguir material
suficiente, primeiro deveria partir das narrativas. Os pontos de corte escolhidos
deveriam ser: idade maior ou igual a dezoito anos (sugestão da escola), entrevistados
com relatos que apontassem evento considerado por mim como relevante à temática,
voluntariado para participação e um número de participantes que fosse de metade
meninos e meninas, cujos relatos se mostrassem suficientes para responder a pergunta
de partida e me trouxesse dados concernentes à diferença de percepção do fenômeno na
questão de gênero ( para efeito de amostras, é válido ressaltar que a pesquisa não tem
por objetivo analisar diferença nas percepções de gênero.).

Do total de 54 narrativas da primeira fase, 22 foram selecionadas para


entrevistas. Das 22 selecionadas, quatro não se sentiram confortáveis para participar das
entrevistas, três não compareceram, sobrando 15 no final. As entrevistas duravam em
média de 40 a 50 minutos, em alguns casos o interesse e a fluidez do tema permitia
estendê-la até 1 hora. Outro ponto que considerei importante foi o anonimato,
informação que socializei desde o primeiro encontro de modo a deixar os alunos mais
seguros de tratar de experiências pessoais na comunidade sobre a temática, visto que o
assunto poderia ser visto como potencialmente comprometedor para os mesmos. A
direção disponibilizou um profissional do corpo docente para participação nas
14

entrevistas, que foram abertas sem perguntas que exigissem respostas objetivas e não
julgou conveniente a gravação dos relatos.

III. GLOSSÁRIO DE TERMOS/CONCEITOS CENTRAIS DA INVESTIGAÇÃO

Estigma: Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele
tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em
que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável [...]. Assim
deixamos de considerá- la criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa estragada e
diminuída. (GOFFMAN, 1975:12).

Juventude: Parte de um processo de crescimento mais totalizante, que ganha contornos


específicos no conjunto das experiências vivenciadas pelos indivíduos no seu contexto
social.” Ela é uma categoria socialmente construída, que se elabora a partir de diferentes
contextos, sejam econômicos, sociais ou políticos. Pensar em juventude como algo
homogêneo seria arbitrário, visto que, na verdade, a juventude socialmente está
fragmentada em função de interesses, de origens sociais e diferentes perspectivas de
vida.( DAYRELL,2003)

Sociabilidade Violenta: padrão específico de sociabilidade reconhecido na


representação da violência urbana). Onde moradores destas áreas submetem-se a
traficantes e milícias ou a própria truculência policial (MACHADO DA SILVA, 2008,
p.22).

Território : Designa-se por território uma porção da natureza e, portanto do espaço


sobre o qual uma sociedade reivindica e garante a todos ou a parte de seus membros
direitos estáveis de acesso, de controle e de uso com respeito à totalidade ou parte dos
recursos que aí se encontram e que ela deseja e é capaz de explorar. (GODELIER apud
HAESBAERT, 2009, p. 56).

Violência: é o termo ser polifônico desde a sua própria etimologia. Violência vem do
latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física ou os recursos do
corpo em exercer a sua força vital). Esta força torna-se violência quando ultrapassa um
limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo carga
15

negativa ou maléfica. É, portanto, a percepção do limite e da perturbação (e do


sofrimento que provoca).( ZALUAR,1999; p.8 ).

Vida cotidiana: A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos
homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um
mundo coerente. (...) o mundo da vida cotidiana não somente é tomado como uma
realidade certa pelos membros ordinários da sociedade na conduta subjetivamente
dotada de sentido, que imprimem suas vidas, mas um mundo que se origina no
pensamento e na ação dos homens comuns, sendo afirmado como real por eles.”
(BERGER E LUCKMANN, 2004, p.35, 36)

Vulnerabilidade: Conceito que proporciona uma perspectiva ampla e dinâmica que


considera a suscetibilidade a um determinado evento enquanto dependente não só de
aspectos individuais, mas também relacionais e contextuais(...).(RUOTTI et AL.2014)

IV. TABELA DE AVALIAÇÃO DO INSTRUMENTO/DEBRIEFING

Sobre a percepção da violência local por jovens estudantes de Paripe

Questão variável: “ Falar sobre violência no bairro.”

Deixei claro que não utilizaria um conceito pré-estabelecido. A resposta seria algo livre e particular de
cada visão dos entrevistados.

1)Interpretação

1.1)Clareza(compreensão do enunciado): Entrevistados majoritariamente apontaram para uma visão de


violência que apontava para ações policiais. A questão da violência do tráfico era abordada, no entanto o
preocupante e o que suscitava um certo ‘tom’ de revolta emergia da ação policial. Penso que a não
precisão no emprego da categoria na pergunta suscita uma ideia consolidada de antagonismo entre a
policia e a favela.

1.2)Precisão(compreensão do objetivo): O objetivo da pesquisa foi compreendido. Alunos de ensino


médio, maiores de 18 anos apresentam uma capacidade mais clara no aspecto compreensão.

2)Memória

2.1)Retriel longo: Alguns entrevistados relataram aspectos armazenados na memória de longo período
principalmente quando se referiam a perdas em execuções na favela.

2.2)Retriel curto: Eventos corriqueiros do dia a dia, de modo geral não pareciam ficar gravados na
memória, como situações de ameaças internas na favela, cobranças do tráfico, prisões de jovens
moradores.
16

3)Teórica

3.1)Pertinência: Violência no bairro não ‘amarrada’ a concepções do entrevistador, mas objetivando


captar a essência para o fenômeno por parte do entrevistado.

3.2)Terminologia: violência policial, violência do tráfico, violência entre moradores locais.

4)Comportamental

4.1)Interesse: a maioria demonstrou interesse na pesquisa. O protagonismo e a importância de ser o porta-


voz capaz de explicar sua visão do fenômeno fez com que muitos se mostrassem bem ‘a vontade’.

4.2)Constrangimento: Foram poucos os casos. Os desinteressados na maior parte dos casos deixavam
transparecer o contrangimento em tratar do tema por razões não conhecidas.

4.3)Resposta socialmente desejável: Não havia.

5) Outras

5.1) Desconhecimento do assunto: Não houve.

5.2) Formato questão: qual sua ideia de violência no seu bairro?

5.3) Opções de resposta: não houve, as respostas eram livres.

Sobre a percepção da violência local por jovens estudantes de Paripe

Questão variável: “ Falar sobre a vida na favela.”

Tive o cuidado de inicialmente questionar qual terminologia podíamos utilizar para tratar das
periferias. Como ‘eles’ tratavam o bairro onde moravam? A maioria utilizou o termo ‘favela’, alguns
aludiam ao fato de ser ‘favela’, de modo que externei minha fala no sentido de querer compreender
afavela pela ótica deles.

1)Interpretação

1.1)Clareza(compreensão do enunciado): As falas fluíram ricas e muito cheias de orgulho e sentimento de


pertencimento.

1.2)Precisão(compreensão do objetivo): Total compreensão.

2)Memória

2.1)Retriel longo: muitos relatos apontavam para o lado desconhecido e mal compreendido da favela. A
vida do trabalhador, as pessoas de bem.

2.2)Retriel curto: nada a relatar.

3)Teórica

3.1)Pertinência: Tema considerado muito importante em função do rompimento com o preconceito que
vivem por ser favelados.
17

3.2)Terminologia: Favelados para a sociedade é o mesmo que ladrão, traficante, usuário de drogas.(SIC)

4)Comportamental

4.1)Interesse: Todos demonstraram muito interesse no tema.

4.2)Constrangimento: Não houve.

4.3)Resposta socialmente desejável: Era esperado a defesa ao ‘território’.

5) Outras

5.1) Desconhecimento do assunto: Não houve.

5.2) Formato questão: o que é favela e como é a vida na favela?

5.3) Opções de resposta: não houve, as respostas eram livres.

Sobre a percepção da violência local por jovens estudantes de Paripe

Questão variável: “ Falar sobre juventude e violência no momento atual”

Não estabeleci conexões entre juventude e violência, tratei de colocar as duas palavras num quadro e
pedi que discorressem sobre .

1)Interpretação

1.1)Clareza(compreensão do enunciado): Enunciado apontado como claro. As respostas apontavam para


falta de oportunidades, uma relação de causa e efeito para a vida do crime, o uso de drogas, a violência
nas ruas.

1.2)Precisão(compreensão do objetivo): Neste momento a conexão do jovem com a violência, a


mortalidade juvenil.

2)Memória

2.1)Retriel longo: vários relatos tratavam de jovens considerados ’normais’ ou ‘não envolvidos’ e
adentravam eventos de homicídios, prisões e eventos que na visão dos jovens entrevistados poderiam ser
evitados.

2.2)Retriel curto: A sociedade, a mídia foram tratadas como entidades cuja memória é curta quando o
assunto é fazer justiça aos injustiçados da favela.

3)Teórica

3.1)Pertinência: a mortalidade dos jovens na favela.

3.2)Terminologia: mortalidade juvenil

4)Comportamental

4.1)Interesse: total no tema.

4.2)Constrangimento: não houve.


18

4.3)Resposta socialmente desejável: a relação jovem, mortalidade e inserção na vida do crime.

5) Outras

5.1) Desconhecimento do assunto: não houve.

5.2) Formato questão: Dentro do foi discutido, relacione juventude e violência.

5.3) Opções de resposta: não houve uma determinada.

Esta segunda fase do meu trabalho de pesquisa dá continuidade no campo à


investigação sobre a percepção de violência e à questão da mortalidade juvenil na ótica
de jovens estudantes de uma escola secundária agregando novos atores. Na primeira
fase que teve como material empírico a análise de entrevistas abertas com estudantes, na
segunda a abordagem se inicia pela minha inserção intermediada, em um grupo que atua
no tráfico na mesma localidade.

A primeira fase da pesquisa teve como característica a utilização de entrevistas


livres onde a questão da violência era tema central, de modo que parte do material
coletado pareceu reproduzir idéias e concepções veiculadas pela mídia e deixou lacunas
em aberto sobre a realidade factual da violência vivenciada nas favelas em Salvador.

Nesta segunda fase da investigação obtive, através de um aluno participante nas


primeiras entrevistas, o contato de um “obreiro” de uma igreja da Assembléia de Deus
local como era chamado, a possibilidade de alcançar jovens atuantes no tráfico do
bairro.

Durante o curso de minhas entrevistas no campo, um aluno citou a trajetória deste


membro de uma igreja, como “ex-integrante” do tráfico local, mas que mantinha, apesar
de suas atividades como religioso uma relação de amizade com o grupo. Dan, como era
conhecido tinha 29 anos, sua história de vida era composta pela fase que ele chamou de
“fase do mundo” e outra “de libertação”. Trabalhava como mestre de obras na
comunidade e era conhecido de todos. Ansioso por agregar esse elemento novo à minha
investigação, perguntei ao jovem, qual a possibilidade de conhecê-lo.
19

Meu contato com Dan se deu semanas após, em um culto na igreja onde o
mesmo congregava, situado na parte alta da favela. Uma construção inacabada, com
acesso por ruas estreitas e algumas vielas pouco iluminadas. Dan era um jovem negro,
robusto e muito falante. Neste primeiro contato fui apresentado pelo aluno, que também
era membro da igreja e que já havia falado sobre meu interesse em conhecê-lo e
conhecer sua história. Neste dia, uma quarta-feira à noite o culto terminou às 22 horas.
Estar neste horário dentro da favela somente acompanhado, primeiro porque não era
conhecido, segundo porque era exatamente na parte mais alta, próximo ao “campo” (um
espaço aberto no alto que servia para prática de futebol) e onde se situava em um beco
muito movimentado, principalmente à noite, a biqueira, “boca” ou “lojinha” como era
chamado.

Esta primeira apresentação não rendeu muito tempo para um diálogo no qual
pudesse expor minhas intenções de pesquisa, de forma que fui apresentado e marcamos
minha volta para o próximo culto no domingo pela manhã. Para sair da favela neste dia,
fui levado pelo aluno e familiares até sua residência e de lá me conduziram de carro até
a minha, que ficava há uns três km dali. Penso que como meu rosto não era familiar, fui
visto como membro novo, ou coisa parecida. Desde o inicio tive o cuidado de tratar
desta questão com o aluno que me apresentou a Dan. Como chegaria no centro da
favela, como sairia, e os riscos de ser um completo desconhecido às 22h transitando
naquele local, tão próximo ao “coração do tráfico” na favela. No entanto, fui
tranqüilizado pelo jovem que me conduziu, por estar amparado por seus familiares em
função de estar com pessoas conhecidas e pelo local que estava visitando: uma igreja.

Neste local onde se situava a igreja, pude observar vielas ainda não asfaltadas,
algumas sem iluminação, de onde se via somente a luz de dentro das casas e algumas
poucas pessoas sentadas nas portas. As casas em sua maioria geminadas, com frentes
pequenas, se muito tinham de dois a três metros de frente, com blocos de tijolos não
rebocados, muitas pichações do tipo siglas de nomes ( esse entendimento meu). A
biqueira ou “boca” se situava há aproximadamente uns 300 metros da igreja, o poste de
iluminação ao que parecia tinha a lâmpada quebrada de modo que se viam jovens se
movimentando nas sombras para dentro do beco. A saída das pessoas da igreja, segundo
me informavam os familiares do jovem estudante, não era nada que chamasse a atenção
dos indivíduos que se encontravam no “movimento”( um entra e sai na biqueira)
naquele horário, em virtude de que eram comuns cultos de libertação e oração ao longo
20

de toda semana e estudos bíblicos tanto a noite quanto durante o dia, de modo que nossa
mobilização na igreja não constituía algo estranho àquele contexto. Exceção a essa
regra, explicaram, se dava quando haviam batidas policiais e tentativas de tomada da
boca por grupos que rivalizavam o tráfico de drogas. Igreja fechava cedo ou não abria,
bares, também ficavam com portas à meio. Mas mesmo assim, esses eventos, quase
sempre corriam a favela de “boca em boca” por moradores do alto, de forma que
dificilmente aconteciam pegando outros moradores de surpresa. As informações de tudo
o que ocorria fosse a noite, ou durante o dia eram sempre repassadas por informantes
do tráfico através de celulares sobre eventos suspeitos ocorridos na pista ( parte baixa da
favela), da chegada da polícia, da possibilidade de ações movidas por ameaças de
grupos rivais informadas por algum usuário descuidado que tenha transitado em áreas
proibidas e conseguido chegar vivo à favela ou por familiares de moradores destas
mesmas áreas (como a que me encontrava).

A idéia de território aqui é corroborada pela delimitação das fronteiras físicas e


neste caso em particular pelos riscos inerentes à circulação fora da área circunscrita de
atuação e controle dos grupos dominantes em cada secção do bairro. O entendimento
desta realidade é compartilhado pelos moradores de invasões ou favelas em função das
facções a que são filiados os grupos que comandam o tráfico de drogas nestes locais.
Atualmente, Salvador conta com quatro facções: BDM (Bonde do maluco), CP
(Comando da paz), Katiara e Caveira. Além dessas, outras de presença nacional operam
na Bahia, como o Comando vermelho, Vida Loka e PCC. No caso do bairro em que
realizo a pesquisa, a facção hegemônica é a Caveira. Tendo em vista a importância
destas organizações criminosas nestes contextos de favelas e nos conflitos pela posse e
controle do tráfico de drogas nos bairros de Salvador, discutirei o assunto em outro
momento. Voltando a questão da circulação de pessoas estranhas ao local, como era o
meu caso no bairro em que me encontrava, é fato que indivíduos desconhecidos não
circulam nestes locais onde há presença forte do tráfico e são facilmente identificadas
pelos “olheiros”. Até se tornarem conhecidas suas intenções e de onde são, não circulam
sozinhas. Toda entrada e permanência dependem sempre da companhia de um morador
local que tornará conhecido o desconhecido e suas intenções na favela. Esse
procedimento comum fazem parte do esquema de vigilância e segurança contra
possíveis invasões à favela, seja por “alemãos” como são chamados elementos de
facções rivais ou batidas e informantes policiais.
21

Meu segundo encontro com Dan se deu em outro evento na mesma igreja, desta
vez pudemos conversar sobre minhas intenções de pesquisa de maneira breve, mas
alcançando o entendimento do mesmo.

Introdução
A construção do problema
Atualmente, muito têm-se dito sobre violência. A insegurança e o medo
espreitam a vida do cidadão comum nos grandes centros urbanos. O indivíduo sai sem a
certeza de um retorno. No meio rural, regiões afastadas das grandes metrópoles, os
crimes geralmente envolviam aspectos afetivos, morais. Hoje, é substituído pelo tráfico
e por lutas pelo controle territorial. A sociedade deste século se vê mergulhada num
contexto belingerante crescente, onde não existem garantias, onde o Estado parece
incapaz de contê-la e a sensação de caos iminente é a única certeza.

A violência parece ter sido legitimada. Ganhando espaço no que se entende por
“vida cotidiana” tanto nas grandes cidades como em seu entorno. Havendo um
entendimento de que o recrudescimento das ações do Estado sobre os supostos autores
dos crimes, pode ser uma estratégia de superação e enfrentamento da questão deste
fenômeno em sociedade. Forjando-se nas cidades áreas de isolamento, de segregação e
um espaço público visto como zona de perigo. O poder público caminha numa direção
em que considera os crimes contra o patrimônio algo prioritário. Discriminam faixas
específicas da população, focando numa criminalidade presente em comunidades
populares, resultando em altos indicadores de mortes violentas e encarceramento
(BARATTA, 1999; YOUNG, 2002; SILVA SANCHEZ, 2002; SHECAIRA, 2009;
WACQUANT, 2005).

Segundo Abramovay et.al (2002), a noção de violência é por princípio ambígua.


Não existindo uma única percepção do que seja violência. Na verdade o que ocorre é
uma multiplicidade de atos violentos, cujas significações precisam ser analisadas a
22

partir das normas e dos diferentes contextos sociais e das pessoas que as vivenciam. Na
realidade, na tentativa de diminuir os índices de violência, o que ocorre é um
movimento de estigmatização de áreas de pobreza, por parte da sociedade geral,
segregando e vinculando-as à periculosidade e violência, entendido como modelo de
estigmatização territorial (WACQUANT, 2008; ZALUAR, 1985; 2004). Comunidades,
invasões e favelas, designações territoriais carregadas de estigma e preconceito, que
expõem seus moradores a um duplo mecanismo de dominação: na ordem social
predominante, são extratos dotados de inferioridade e no cotidiano de suas relações de
vizinhança, vivem uma “Sociabilidade Violenta” (padrão específico de sociabilidade
reconhecido na representação da violência urbana). Onde moradores destas áreas
submetem-se a traficantes e milícias ou a própria truculência policial (MACHADO DA
SILVA, 2008, p.22). Diferenças sociais, econômicas, culturais se espacializam e
constituem o território, ao mesmo tempo em que gestam processos sociais de interação
dotados de particularismos e mecanismos de justiça privada. Goffman em Estigma:
notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (1975), trata a questão da vida
em territórios como um elemento criador de identidades, apontando para condições
compartilhadas de sociabilidades que se institucionalizam e constituem padrões de
condutas que se legitimam.

A modalidade de violência a ser explorada nessa pesquisa é aquela que se


consolidou com o movimento crescente de urbanização e da segregação; do desmonte
do espaço público, outrora fundamento estruturante das cidades modernas, hoje
abandonado aos pobres, “marginais” e “sem-teto”. O novo contexto urbano-industrial
separou pais e filhos, redefiniu papéis sociais. A escola, os centros de assistência social
e a polícia, passam a cumprir funções antes exclusivas da família (CALDEIRA, 2000).
Seguindo este contexto de crise de valores, indivíduos jovens mais desvinculados de
instituições como a família, a escola, em sua maioria moradores de bairros periféricos e
favelas, seriam facilmente cooptados por grupos cujas representações simbólicas e
códigos morais adotam a violência como elemento estruturador das relações entre
indivíduos e a coletividade do mesmo espaço social. (ZALUAR, 1994; ZILLI 2011,
2014.)

Nas duas últimas décadas, a questão do envolvimento de jovens em grupos


armados em ações violentas em bairros periféricos e favelas tem recebido considerável
23

atenção da literatura acadêmica. Segundo Zilli (2015) o foco dessas pesquisas ora tem
se concentrado na atuação desse grupos de jovens em redes de comércio de drogas nas
favelas, ora em suas representações e modos de se organizar-se dentro das comunidades
quando envolvidos com práticas ilícitas. Ora criando vínculos de dependência com
moradores locais, ora atuando em situações conflitivas seja como mediadores ou como
justiceiros. Em alguns casos podem funcionar como grave ameaça a moradores locais,
causando medo e insegurança.
Nesta pesquisa, o contexto social e juventudes serão elementos justapostos para
o entendimento do fenômeno da violência no qual adolescentes e jovens de 12 a 24 anos
responderiam pela autoria na maioria dos casos de homicídios principalmente por armas
de fogo, em bairros populares (ZILLI, 2015). Em Dayrell (2003), a categoria juventude
é pensada como parte de um processo totalizante, com contornos específicos dentro de
um escopo de experiências vivenciadas num contexto social. Sentido que permite ver
‘juventudes’ enquanto uma categoria plural em detrimento de uma visão fechada e de
enquadramento conceitual.
Machado de Oliveira (2008, p.268) alude à ‘juvenilização do crime’, enquanto
causa do aprofundamento das tensões e violência tanto entre os grupos que rivalizam o
comércio interno de drogas nas favelas, como os embates entre o tráfico e a polícia.
Onde a alta letalidade dos jovens envolvidos na linha de frente do tráfico pela
intervenção policial, resultaria numa permanente substituição destes elementos por
outros indivíduos jovens em sua maioria despreparados para o embate corpo a corpo
com a ação policial. No entanto, pouco tem sido discutido como os jovens tidos como
“normais”, ou seja, os que não são envolvidos em práticas ilícitas nessas favelas
pensam, vivem e sentem o fenômeno desta violência que faz parte do dia a dia das
favelas brasileiras, especialmente aqueles que vivenciaram de perto a perda de um
conhecido vitimado por homicídio ou quando esse mesmo jovem foi vítima de algum
ato desta natureza no seu cotidiano. Por isso, enquanto produção de natureza acadêmica,
foi interesse desta investigação entender o sentido e a percepção desta violência
supostamente gestada nas favela e bairros populares por estes jovens ‘não envolvidos’,
especificamente o jovem estudante do ensino médio, maior de 18 anos, morador de
Paripe, bairro popular do Subúrbio Ferroviário de Salvador, Bahia.

Paripe é um dos 22 bairros que compõem o subúrbio ferroviário de Salvador.


Em seu território estão situadas as localidades de Tubarão, Estrada da Cocisa,
24

Gameleira, Escola de Menor (ladeira Almirante Tamandaré), Bate Coração, Tororó,


Muribeca e Nova Canaã.
O meu interesse pelo tema foi resultado de uma inquietação com a questão do
aumento da violência gestada nas favelas e bairros periféricos e de sua relação com a
crescente vitimização por homicídio de jovens negros e pobres. Relação que se expressa
sobre um grupo de perfil sociodemográfico recorrente, de composição majoritariamente
negra ou parda, masculina, pobre, portadores de baixa escolaridade e moradores de
áreas periféricas e favelas dos grandes centros urbanos. Esses indivíduos são
frequentemente vitimizados por armas de fogo e quase sempre em via pública.
( SOARES, 2008; ZALUAR E MONTEIRO, 2012).
Waiselfisz (2012) utilizou os casos de morte decorrentes de homicídios por arma
de fogo, como um bom indicador do crescimento da criminalidade violenta em
sociedade, partindo de dois argumentos: primeiro porque considerando a amplitude do
conceito de violência, nem todo ato violento conduz necessariamente à morte de algum
dos protagonistas implicados. Entretanto, a morte pode revelar a violência levada a seu
grau extremo.
Segundo dados contidos no Mapa da violência 2010, na década de 1997/2007, o
número total de homicídios causados pelo uso de armas de fogo registrados no país
passou de 40.507 para 47.707, representando um incremento de 17,8%, pouco
inferior ao incremento populacional do período que segundo estimativas oficiais foi de
18,6%. Com relação aos casos de mortes violentas entre jovens para a faixa de 15 a 24
anos, índices maiores se concentram nas unidades Federadas e capitais do país, com
especificidade para as faixas dos 20 e 21 anos de idade. De acordo com as estimativas, o
ano de 2007, contava com um contingente de 35 milhões de jovens, representando
18,6% do total de 189,3 milhões de habitantes no país nesse ano. Ainda assim, a
participação desta faixa etária em eventos violentos com ocorrências de morte por
homicídio, excedia em muito o peso dela na população total do país. Nesse mesmo ano
de 2007, as vítimas na faixa de 15 a 24 anos de idade representaram 36,6% do total de
homicídios. Na faixa de 15 a 29 anos de idade, o contingente populacional existente era
de 49,8 milhões de jovens e a taxa de homicídios/tentativa em decorrência de violência,
representaram 54,7% deste total. Segundo o ordenamento das Capitais por Taxas de
Homicídio, para o período compreendido entre 1997/2007, Salvador ocupava o 7º lugar
25

(Mapa da violência 2010, Tabela 3.2.3. Ordenamento das Capitais por Taxas de
Homicídio em 100.000 na População Total. Brasil, 1997/2007).
O Mapa de violência de 2015 apontava que na região Nordeste concentravam-se
as maiores taxas de mortes por armas de fogo de jovens, ou seja, era a região que mais
vitimava jovens por essa via. Para um número de 100 mil habitantes, estimava-se que a
Bahia contabilizava em 2012, uma vitimização juvenil por homicídio por armas de fogo
na faixa de 342,2%. Comparativamente, grandes capitais como Rio de Janeiro e São
Paulo, para este mesmo ano, os percentuais de vitimização juvenil eram
respectivamente 265,7% e 180,5% (Tabela 6.1. Óbitos, taxas - por 100 mil/hab. - e
vitimização Juvenil por AF nas UF. Brasil. 2012). Ainda em 2012, segundo o Mapa de
2015, na categoria raça / cor, as armas de fogo vitimaram 10.632 brancos e 28.946
negros, o que representa um percentual de 11,8% de óbitos para cada 100 mil brancos e
28,5% para cada 100 mil negros.

A afinidade desenvolvida pela temática ora apresentada é resultado do trabalho


que desenvolvi junto a jovens e tráfico de drogas num bairro do Centro Histórico
durante o curso de Etnografia em 2014, no qual a recorrência nos casos de homicídios
de jovens em sua maioria com idade que oscilavam entre 16 e 20 anos, suscitaram o
interesse por desenvolver um trabalho que pudesse contribuir para o entendimento do
que pensava o jovem sem envolvimento com práticas de ilicitudes nestas áreas
consideradas ‘áreas com tráfico’, sobre a forma de violência nelas existentes, enquanto
importante elemento de uma realidade de exclusão, estigmatização e em alguns casos de
extermínio.
O desenho teórico-metodológico proposto para esta investigação se inspirou nos
aportes da teoria fenomenológica nas relações sociais de Alfred Schutz. Schutz propõe
estabelecer os fundamentos de uma Sociologia Fenomenológica, para trabalhar os
processos interativos que se desenvolvem no cotidiano, referindo-se à compreensão da
ação dos sujeitos no mundo da vida, como sujeitos em si e na sua intersubjetividade.
Teoria que faz uso do esforço interpretativo do sentido dado às ações e entendimento do
mundo da vida.
Este mundo da vida nada mais é do que o mundo cotidiano do sujeito, ‘o mundo
vivido’, um mundo compartilhado com outros, já constituído, organizado e significativo.
O mundo da vida a um só tempo como ponto de partida é o objeto de entendimento e
ação, é o mundo intersubjetivo que existia muito antes do nosso nascimento, vivenciado
26

e interpretado pelos nossos predecessores, como um mundo organizado que se dá à


nossa experiência e interpretação. No qual, toda interpretação se baseia num estoque de
experiências anteriores ao sujeito, experiências que nos foram transmitidas e que
funcionarão como um código de referência. O mundo da vida cotidiana é a cena e
também o objeto de nossas ações e interações, onde motivações de ordem prática
governam nossa atitude natural com relação ao mesmo, modificando nossas ações ou
sendo modificado por elas (SCHUTZ, 1979. p.72, 73).

Pelo mundo da vida cotidiana e pelo sistema de conhecimento adquirido é que se


pretende dar a tônica à compreensão do fenômeno desta violência existente nas favelas,
visto pelo olhar dos jovens não envolvidos nas práticas consideradas “ilícitas O
significado subjetivo elaborado pelos sujeitos de um determinado espaço social consiste
em um sistema de tipificações e relevâncias que determinam sua concepção
relativamente natural do mundo. Ganhando estabilidade, aparecerão como funções
sociais ou comportamentos institucionalizados: o caráter social do conhecimento,
segundo Schutz (1979) .

Para este autor, a descrição do mundo social ao alcance de nossa experiência


direta, se resumiria na relação face a face orientado para alguém e na relação plural com
a sociedade. Portanto, faz-se necessário atentar para o mundo social como ele é vivido,
adotando o ponto de vista compreensivo, único capaz de apreender as “coisas sociais”
enquanto significativas graças à ação dos atores da cena social em suas “funções
típicas” (CAPALBO,1979:41). Importando processos subjetivos na crença de verdades
que estão presentes na realidade vivida no cotidiano dos atores e considerando a
violência um fenômeno multifacetado de difícil enquadramento conceitual (MINAYO,
1994; ZALUAR, 1999). A relação da pobreza com a violência não deve ser apontada
enquanto uma relação direta, ou um nexo causal, mas posta como um elemento que
encontra condições propícias para ocorrência em ambientes de vulnerabilidade. De
modo que, as características sociais, econômicas, culturais e políticas da população do
lugar, podem configurar inúmeras possibilidades sejam elas de inclusão ou exclusão, ou
mesmo de práticas por parte dos atores que oscilariam num sentido pendular, num
extremo de resignação, em outro de confronto e resistência.
Este trabalho foi dividido em quatro capítulos. No primeiro abordarei uma
descrição do mundo vivido baseado nos aportes da teoria fenomenológica segundo as
27

relações sociais em Schutz. Método que se caracteriza pela ênfase ao ‘mundo da vida
cotidiana’ – um retorno à totalidade do mundo vivido. Penetrando seu significado e
contexto com refinamento e precisão. Objetivando uma compreensão voltada para os
significados do perceber, expressos pelo sujeito que as percebe. Exaltando a interpretação
do mundo que surge intencionalmente à consciência, com ênfase na experiência do sujeito,
onde o objeto é percebido e transforma-se no tema que se põe à consciência quando volta ao
mesmo. Uma experiência intersubjetiva cuja base é a cooperação formadora da vida social.
(COLTRO, 2000)
O segundo capítulo, discorro sobre o processo de periferização do espaço social,
com ênfase à cidade de Salvador, e procuro desenvolver sequencialmente o passo-a-
passo de conceitos fundamentais à pesquisa no que concerne à associação perversa que
combina violência à pobreza. Objetivamente conceituo o fenômeno da violência em a
sua acepção mais genérica, sem me deter em tipificações, a despeito de sua importância.
Estratégia utilizada com vistas a orientar o leitor a perceber o diferencial observável no
sentido da violência segundo a perspectiva dos sujeitos entrevistados. Num Segundo
momento deste capítulo, o conceito de ‘juventudes’ surge com vistas a contextualizá-lo
no desenho explicativo que insere o jovem como sujeito entrevistado e aquele que
atribui um sentido particular ao fenômeno da violência Segundo sua experiência
cotidiana. Os conceitos de estigma, vulnerabilidade, juventudes e mundo vivido são
tratados como pilares de sustentação na tarefa de modelagem analítica dos dados.

No terceiro capítulo, será desenvolvido o caminho metodológico, composto por


uma amostragem intencional de duas entrevistas selecionadas com o intento de se obter o
sentido do fenômeno da violência pela ótica de um menino e uma menina. Todas as
transcrições das falas dos jovens Jamile e Nescau foram lidas várias vezes para a obtenção
de um sentido global, considerando que ao falar em violência cada individuo ativa uma
determinada experiência pessoal com o fenômeno. Identificando expressões significativas
relativas às experiências consideradas pertinentes ao sentido atribuído à violência no
contexto da favela. As representações cognitivas do fenômeno determinam o
comportamento dos jovens. A imagem que os jovens constroem, que experienciam na vida
das favelas em suas tramas diárias, foram utilizadas como a chave de entendimento para
elucidação de comportamentos e práticas de outros jovens que sobrevivem em espaços
similares. A amostragem foi intencional, sem no entanto, ter o interesse de realizar uma
pesquisa com perspectiva de gênero, utilizando-se do método fenomenológico.
28

No quarto capítulo trato da análise dos dados coletados, descrevendo as


percepções e sentidos atribuídos à categoria violência segundo a variabilidade de dois
voluntários, um menino e uma menina. Este capítulo foi baseado nas análises das
entrevistas destes dois jovens, e é orientado no sentido de apresentar ao leitor trechos
das falas, cujos discursos apontam conteúdos vivenciados pelos mesmos de preconceito
e estigmatização pela condição de favelados e negros. Falas que denunciam a
criminalização do pobre, do morador das favelas e do fato de serem negros. A violência
que se manifesta no desrespeito e na visão negativa que a sociedade atribui às classes
populares e a mídia faz eco.
As instalações físicas do ambiente escolar, foram perfeitas para a observação
direta dos processos interativos entre os jovens, assim como para recrutar aqueles que
tinham interesse em ser inseridos na pesquisa. Ao final, muitos se voluntariaram, no
entanto, a opção por estudantes maiores de 18 anos limitou consideravelmente este
universo, sem contudo, comprometer a realização do trabalho.
As considerações finais trazem os principais achados, assim como o resultado da
monografia, no sentido de corroborar a hipótese levantada para o problema de pesquisa.
Permitindo perspectivas para estudos interessados pelo tema e um maior
aprofundamento deste.

Objetivo geral:

Investigar através do método fenomenológico nas relações sociais segundo Alfred


Schutz, como a violência gestada num bairro periférico de Salvador é percebido e
vivenciado no cotidiano por jovens estudantes locais (Paripe).

Objetivos específicos:

1) Descrever segundo os aportes da teoria fenomenológica o conceito de mundo vivido;

2) Apresentar as experiências e a vivências da violência gestadas na comunidade a partir


dos relatos coletados nas entrevistas com jovens estudantes de uma escola secundária de
Paripe;

3) Descrever e analisar as percepções e sentidos atribuídos à categoria violência em trechos


narrativos de entrevistas de dois dos jovens de minha amostra selecionados: um garoto e
uma garota.
29

Justificativa
Sonoda (2016) citando Souza e Minayo ( 2005), argumenta que “ a violência é a
segunda principal causa de mortes no Brasil, e em algumas faixas etárias, a primeira. O
espaço urbano apresenta as maiores taxas de criminalidade violenta, taxas estas confirmadas
nas estatísticas oficiais e percebidas no cotidiano dos cidadãos, através do medo e da
sensação de insegurança.”
Por isso, as elevadas taxas de mortalidade juvenil por homicídio , em especial de
jovens negros, do sexo masculino e de bairros populares e favelas no Brasil, são
apontados pelos dados ora citados e rotineiramente difundidos pela mídia. O que por si
só, já garantiriam a relevância social do tema deste projeto de pesquisa.
De modo que, ao buscar conhecer as percepções do fenômeno da violência pela
própria juventude que é vulnerável a ela, e os modos concretos como é vivida e
experienciada no cotidiano de uma periferia da cidade de Salvador , se espera alcançar o
sentido atribuído a essa forma de violência.
O sentido e a percepção da violência vivida nas favelas por jovens de camadas
populares como uma realidade vivida em um contexto original, constituiria um salto
para a compreensão deste fenômeno, apartado de enquadramentos estatísticos para
compreendê-lo numa verdadeira conjuntura de vida social, experienciada e vivida nos
seus detalhes mais profundos. Explorando respostas de como estes processos complexos
de violência os afetam e quais os sentidos atribuídos por eles no dia a dia de suas vidas
na favela.
Diante da complexa dimensão do problema da mortalidade não-natural de jovens
pobres e negros por eventos de confronto violento, é esperado que os dados obtidos
sejam capazes de apontar vieses relevantes sobre o fenômeno, de forma que se possa
contribuir para o entendimento do efeito no mundo da vida de outros jovens que
convivem com essa realidade de modo contínuo e crescente, sem estar vinculado às
práticas ilícitas. Permitindo que dúvidas e inquietações, sejam feitas e postas ao
escrutínio da sociedade, como uma ponte que liga prenoções à realidade vivenciada.
Nesse contexto, abordar a percepção juvenil sobre a violência vivenciada no
cotidiano das favelas, constitui um ‘olhar de dentro’ conforme Magnani (2002) em “De
perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana.” Técnica na pesquisa, que parte
dos arranjos dos próprios atores sociais no campo, capaz de recuperar experiências e
identificar visões de mundo e sociedade no âmbito dos complexos espaços sociais
30

contemporâneos e suas dinâmicas. Ressaltando a importância de se ouvir o individuo


jovem na consolidação de ideias que possam servir como bases de sustentação a
mudanças nas trajetórias de outros jovens enquanto possíveis vítimas potenciais.

Hipótese:

No momento histórico em que vivemos, fortemente marcado por um quadro de


desigualdades sociais, a sociedade se encontra fragmentada. A visão do Estado e da
sociedade exclui e estigmatiza. A violência perpetrada não pode ser enquadrada em
tipificações estanques, porque é diferentemente vivenciada na prática do cotidiano de
distintos segmentos sociais. O termo impossibilita uma definição que desconsidere
critérios e pontos de vista como aspectos institucionais, jurídicos e sociais. Não existe
uma forma de se abordar violência que seja objetiva. Violência implica ação,
comportamento. Ao considerá-la como algo que remete à ideia de dano, torna-se
impossível separá-la do contexto em que é proferida.
Nesta linha de raciocínio, a hipótese aventada nesta pesquisa acredita que o
fenômeno da violência, ora investigada segundo o sentido e percepção do jovem
favelado, é uma categoria cujo significado é apreendido pelo coletivo pesquisado como
comportamento que atribui ao negro pobre e favelado o status de perigoso, que vê em
sua forma de agir, de vestir-se uma condenação apriori. Uma violência que abriga o
preconceito, o estigma, que deliberadamente criminaliza a pobreza. Como sustenta
Zaluar (2000,2004), o que ocorre é uma suposta associação perversa entre ‘camadas
pobres e classes perigosas’, reforçando a estigmatização das periferias e favelas,
demonizando os territórios vividos pela pobreza urbana, desqualificando-os socialmente
e embutindo nestes a imagem do suspeito, perigoso.
Visto que existe uma crença de que a vida urbana está contaminada de perigos e
que a solução para a resolução deste problema consistiria na retirada das ruas de
elementos ameaçadores. Uma crença que segundo pontua Bauman (2003), nos faz
suspeitar dos outros a nossa volta. Onde nesta concepção, o estranho significa perigo.
__________________________________
1
Irme Salete Bonamigo em seu ensaio sobre Violências e contemporaneidade(2008), argumenta que as
mudanças que caracterizam a contemporaneidade permitiram ver a mídia como instância de subjetivação
coletiva, além de delegar os efeitos da insegurança a violência a um ‘outro’ como personificação do
‘mal’.
31

Capítulo 1

Mundo vivido: campo de ações compartilhadas e interações

Segundo Schutz (1979), todo o momento de vida de um homem é sua situação


biográfica, ou seja, o ambiente físico e sociocultural dentro do qual ele tem sua posição
física, de status, moral e ideológica; um lugar temporal e geograficamente determinado,
onde categorias, fenômenos tem sua designação num vocabulário específico. De modo
que:

“Compreender o significado das ações e comunicações dos outros, como


uma prática qualificada, constitui um elemento integrante das capacidades de
rotina de atores sociais competentes. A hermenêutica não é apenas um
recurso privilegiado do investigador social profissional, mas é praticada por
todos; o domínio dessa prática é a única via pela qual, tanto os cientistas
sociais profissionais, quanto os próprios atores leigos, se tornam capazes de
elaborar descrições da vida social a que recorrem em suas análises.”(Giddens,
1998, p.291)

Giddens, reforça a ideia de uma sociologia que compreenda o sentido das ações e as
interprete como atores competentes dentro de contextos específicos. Do mesmo modo
o cientista social para captar a realidade social de um grupo específico precisa ir aos
objetos do pensamento construídos por estes no seu mundo social. Pela utilização do
escopo teórico de Bergman e Luckman (1998), se observa o vínculo teórico entre o
processo sociológico de construção da realidade vivida, onde o universo simbólico
dotado de conhecimento é compartilhado pelo grupo e abarca os valores constitutivos de
uma dada ordem em constante construção, em que a linguagem é um dos elementos que
marca coordenadas desta sociedade e a preenche de objetos dotados de significação.

A realidade é socialmente construída e reconstruída na interação, e a valoração


se dá a partir do senso comum enquanto construção social institucionalizada, cabendo
ao sociólogo a investigação do processo social de construção desta realidade. Onde,

“As instituições e os universos simbólicos são legitimados por indivíduos


vivos, que tem localizações sociais concretas e interesses sociais concretos. A
história das teorias legitimadoras é sempre parte da história da sociedade
como totalidade.(...) O que permanece sociologicamente essencial é o
reconhecimento de que todos os universos simbólicos e todas as legitimações
são produtos humanos, cuja existência tem por base a vida dos indivíduos
concretos”(...). (Berger e Luckmann, 1998, p.172)
32

A realidade cotidiana se constitui de racionalidades compartilhadas e


asseguradas no mundo da vida pelo processo legitimador deste universo de
simbolismos, do pano de fundo consensual tomado como realidade pelos membros de
um grupo; um mundo que se origina no pensamento e na ação dos homens comuns em
um contexto sociolocal, sendo afirmado por eles como o mundo real. O fenômeno da
socialização, constrói um conjunto de regras compartilhadas, que são interpretadas nos
momentos interacionais pelos atores, através do cotidiano, em um processo de
construção contínuo, legitimando uma dada ordem institucional, estabelecendo formas
de agir em acordo comum nas interações simples. Este processo aponta para a
necessidade de se considerar as especificidades de um determinado contexto social na
sua totalidade, considerando sua construção humana para compreendê-la. Segundo
Schutz (1979), quando tratamos de questionar o que faz com que o entendimento mútuo
seja possível, para a ideia do que caracterizaria, por exemplo, um ato violento, o mesmo
ressalta que os métodos de interpretação se baseiam numa descrição cuidadosa de
suposições subjacentes e suas implicações.

Este mundo vivenciado, porta estigmas múltiplos, atores e ação, que consistem
no mundo cotidiano do sujeito. Constituindo cenário de vida e campo específico de
distintos processos de ações compartilhadas e interações. O mundo que age sobre o ator
e sobre seus semelhantes cuja realidade é vista como atitude natural. Nestes termos, um
motivo dito pragmático governa a atitude natural neste mundo, que tanto pode ser
modificado quanto pode modificar-se pelas nossas ações. Por vida cotidiana, Berger e
Luckmann a definem como:

“A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos


homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que
forma um mundo coerente. (...) o mundo da vida cotidiana não somente é
tomado como uma realidade certa pelos membros ordinários da sociedade na
conduta subjetivamente dotada de sentido, que imprimem suas vidas, mas
um mundo que se origina no pensamento e na ação dos homens comuns,
sendo afirmado como real por eles.” (1998, p.35, 36)

A realidade cotidiana se constitui de racionalidades compartilhadas e asseguradas


no mundo da vida pelo processo legitimador deste universo de simbolismos, do pano de
fundo consensual tomado como realidade pelos membros de um grupo; um mundo que
se origina no pensamento e na ação dos homens comuns em um contexto sociolocal,
sendo afirmado por eles como o mundo real. O fenômeno da socialização, constrói um
33

conjunto de regras compartilhadas, que são interpretadas nos momentos interacionais


pelos atores, através do cotidiano, em um processo de construção contínuo, legitimando
uma dada ordem institucional, estabelecendo formas de agir em acordo comum nas
interações simples. Este processo aponta para a necessidade de se considerar as
especificidades de um determinado contexto social na sua totalidade, considerando sua
construção humana para compreendê-la. Ou seja, é preciso levar em consideração o
contexto desses atores e a visão que os mesmos têm de si em relação à sociedade em
geral para compreender sua maneira de conceber o mundo.
Mahfound & Massine (2008), ao trabalhar com a contribuição da fenomenologia
husserliana na defesa da pessoa como sujeito da experiência, assegura que por
experiência, toda intuição individual dada de forma original e todas as intuições
paralelas presentificadas não deterministas, se definem pelo interesse dos homens,
enquanto sujeitos em suas ações e paixões, voltados para o mundo, em interação,
pertencente a um mundo circunstante do qual tem consciência. Uma humanidade
concreta, que parte da realidade da vida concreta e das formas históricas. A realidade
presente no mundo da vida cotidiana, é o que se dá à nossa experiência e interpretação,
através de um estoque de experiências anteriores transmitidas por gerações pela
socialização, funcionando como o nosso código referencial, envolvendo a construção
cognitiva de objetos de pensamento. Estando enraizada na atividade seletiva e
interpretativa da mente humana nos mais diferentes contextos sociais e nos sistemas de
relações existentes nestas, cuja ausência ou debilidade de mecanismos de regulação e
controle de uma dada ordem, criariam o espaço propício para o surgimento da violência.
Nesta linha de raciocínio, é importante caminhar tomando a categoria “violência”, como
ato intencional dependente do “eu” sujeito, que o percebe e apreende a partir de sua
complexidade e totalidade. O tender do “eu” na direção do objeto intencional. Em que
tomando a subjetividade, salienta Husserl:

“ A ciência da subjetividade humana toma em análise a pessoa que se dá


conta do mundo que se lhe apresenta e lhe oferece motivações, assim como
examina o mundo da vida apreendido pela pessoa e que por ela é
valorado.Desse modo compreende todo mundo espiritual, tematiza todas as
pessoas e seus gêneros, todas as operações pessoais em suas formações
culturais. A ciência da pessoa aborda um ‘eu’ num mundo circunstante, e por
isso no mundo, por ter consciência dele.(...), podendo agir por ter uma
34

experiência bem determinada e ordenada do mundo, podendo habitá-


lo.”(Mahfoud & Massine, 2008 apud Husserl, 2002, p.318)
Numa unidade entre atenção e percepção, o inicio do ato perceptivo acontece
quando o eu se volta para o objeto. Assim a atenção se constitui em ato intencional, o
que vai à consciência. Por consciência, Husserl entende:
“ Uma corrente de experiências vividas. (...) Não é uma substância (alma),
mas uma atividade constituída por atos (percepção, imaginação, volição,
paixão, etc.) com os quais visa a algo. Vale-se da noção de intencionalidade
para esclarecer a natureza das experiências vividas da consciência. A
intencionalidade é de natureza lógico-transcendental, significando uma
possibilidade que define o modo de ser da consciência como um transcender,
como o dirigir-se a outra coisa que não é o próprio ato da consciência.”
(HUSSERL, 1996, p. 29)

Unificando a consciência e o objeto, a intencionalidade da consciência atribui


um sentido ao fenômeno que se apresenta. A consciência deixa de ser vista como uma
caixa que contém as coisas do mundo, e passa a ser concebida como consciência
dirigida ao mundo (HUSSERL, 2006). A proposta husserliana se constitui na atitude
fenomenológica como meio para se chegar as intencionalidades da consciência e, por
conseguinte, suas
Vivências. Permitindo a apreensão do sentido do fenômeno e, o acesso ao domínio dos
vividos.
Por estar voltada para um objeto, a consciência opera apreendendo as
características de um objeto percebido. Contudo, toda percepção tem um “halo de
intuições de fundo” (lembranças, associações, sentimentos e outras vivências), que
também se manifesta no momento de “estar voltada para” o objeto, mas no “modo de
inatualidade”.
O que caracteriza o vivido da consciência e sustenta não só a percepção, mas o
sentido que lhe é atribuído pela consciência intencional. De modo que pela redução
fenomenológica (e não da atitude natural), é que será possível o acesso a esse fluxo de
vivências. Para o autor, essa é a grande contribuição da fenomenologia. Assim, “as
situações que alguém vivencia não possuem, apenas, um significado em si mesmas, mas
adquirem um sentido para quem as experiencia, que se encontram relacionadas à sua
própria maneira de existir.” ( FORGHIERI,1993).
35

Uma apreensão do objeto em diversas miradas, onde o eu ocupa-se da percepção


do objeto e da constituição de sua unidade. O voltar-se do eu ao objeto na forma do “eu
percebo” torna-o um objeto meu, um objeto de minha observação e torna o mesmo ato
de observar, uma observação minha do mundo-objeto através das imagens. De modo
que com a percepção da interioridade, a que construo uma visão específica individual de
determinado fenômeno, apreendo o corpo vivo e meu próprio eu nele (MAHFOUND &
MASSINE, 2008 apud HUSSERL, 2002). Cabendo ressaltar que sem significado
compartilhado, não há interação. Sendo o significado algo experimentado
reciprocamente pelos sujeitos, categorias como a violência, por exemplo, não explicam
nada se vistas fora das interações que as constituem, isoladamente.

Logo, tratar de violência enquanto fenômeno social, implica considerá-la no


contexto intersubjetivo, compartilhado, por vezes decorrentes dos conflitos desta
intersubjetividade, gerando ou não tensões. Podendo perturbar formas particulares de
sensibilidade e chegar ao ponto de evocar sentimentos de justiça. Vida em sociedade,
demanda refletir sobre atos e escolhas, levando sempre em consideração um espaço
compartilhado de interações, em uma intrincada teia de interpretações, reformulação e
reinterpretações sucessivas. Onde a realidade da vida cotidiana aparece objetivada,
constituída por uma ordem de objetos designados apriori , referindo-se a tudo o que
vivenciamos e tomamos para si em contextos diferenciados.

Atos de violência surgem da quebra das reciprocidades socialmente constituídas


que se acentuam pelo uso de mecanismos impróprios para lidar com novas expectativas.
Corroborando essa ideia, relacionamentos sociais dependem de instrumentos simbólicos
por meio dos quais os atores se organizam cognitivamente e atuam com base nesta
organização e a depender dela, muito menos garantia de direitos lhe são dispensados.

O mundo da vida não é apenas um mundo de produções lógicas, mas o mundo da


experiência no sentido mais concreto e cotidiano do termo. Referindo-se a um conjunto
de realidades habituais que proporcionam segurança à tomada de decisões e à ação
dentro de um escopo circunstancial. De forma que, o mundo vivido em Schutz, ou seja,
os distintos espaços sociais que compõem a sociedade como um todo, é o mundo vivido
dos significados que sustentam as relações sociais, é aquele que atribui relevância ao
caráter ordenado e organizado da vida societária, mas reconhecendo-a como resultado
36

de distintas atividades práticas destes próprios agentes (PETERS, 2011). Onde, o


fenômeno da violência, em grande medida, pode ser resultante da tentativa de unificar e
totalizar experiências de modo generalizantes, numa sociedade que por natureza já
nasce fragmentada, e dotada de imensas heterogeneidades em sua morfologia.
37

CAPÍTULO 2

2.1 Favelas e violência: preconceitos e estereótipos

Considerando como pressuposto o processo de consolidação das políticas de


urbanização e seu caráter segregacional e excludente, faz-se mister assinalar a
especificidade de construções que ganham força no imaginário social, associando de
modo perverso pobreza e violência 5 ao território (ZALUAR,2000,2004;
WACQUANT,2005).
A categorização socioespacial presente nas cidades brasileiras, constrói a noção
de território, comportando em sua configuração a questão segregacional, o que alude a
dimensões diametralmente opostas, centro e periferia. Polarização que promove o
isolamento dos pobres com todos os elementos decorrentes de seu condicionamento
social, seja em termos de deslocamentos para as áreas que concentram os postos de
trabalho e serviços, seja no distanciamento em relação à convivência com outros grupos
sociais. Resultando em uma tensão que leva à delimitação das fronteiras físicas ou
socialmente construídas de forma a assegurar a distância social. A cidade torna-se
fragmentada. A discussão acerca da violência num viés urbano como tema de pesquisa
interdisciplinar, objetiva a compreensão do fenômeno em seus diversos aspectos,
considerando sua ocorrência no contexto de vida social urbana, permeada pelas mais
variadas formas de delitos deixando a população em verdadeiro estado de apreensão.
Sobre a violência que é gestada nas favelas e periferias, seja por agrupamentos
criminosos, ou por desdobramentos de ações policiais é fato que essa associação que
estigmatiza o território traz sérios efeitos sobre a vida dos moradores locais e sobre a
cidade como um todo. Machado & Noronha (2002), consideram que a industrialização
contribuiu para criar novas classes sociais, concentrando pobreza e promovendo o
distanciamento entre ricos e pobres (ZALUAR, 1994, p.113).
__________________________________
5
Leila Maria Passos de Souza Bezerra (2011), trabalha ‘Sentidos da pobreza e do viver em territórios
estigmatizados: versões de moradores do Grande Bom Jardim em Fortaleza-CE’ . Acessado em
http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/DESIGUALDAD
ES_SOCIAIS_E_POBREZA/SENTIDOS_DA_POBREZA_E_DO_VIVER_EM_TERRITORIOS_ESTI
GMATIZADOS.pdf
38

Em Salvador e em muitas outras capitais brasileiras, multiplicam-se as


ocupações irregulares de terras (invasões) e assentamentos, na maioria dos casos, por
falta de uma política habitacional adequada, construindo pobreza, degradação ambiental
e por conseguinte, a violência. Ao se tratar do processo de formação das áreas de
periferia no espaço urbano, demanda pensar no que faz destas áreas, palco de
preocupação quanto a ameaça à “ordem social”, ruptura a unidade e consenso. Por
violência, numa acepção mais genérica, argumenta Zaluar (1999, p.8 ) :

“A dificuldade na definição do que é violência e de que violência se fala


é o termo ser polifônico desde a sua própria etimologia. Violência vem do
latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física ou os
recursos do corpo em exercer a sua força vital). Esta força torna-se violência
quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que
ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É, portanto, a
percepção do limite e da perturbação (e do sofrimento que provoca) que vai
caracterizar um ato como violento, percepção esta que varia cultural e

historicamente.”

Para a autora o que dá o sentido e o foco à ação violenta seria o conhecimento


dos seus efeitos negativos em termos de sofrimento pessoal ou prejuízos ao coletivo.
Violência vista como instrumento e não como um fim em si mesmo. Polifônica e
múltipla, pensar em violência não deve excluir contextos e valores. Visto que, não há
fronteiras definidas para seu emprego. Focar em enquadramentos e fronteiras pode
impedir as múltiplas passagens e pontes que articulam o fenômeno em diferentes
culturas e processos que por vezes são cambiantes e intermináveis.
De acordo com Espinheira (2004, p.41), a violência não é uma questão metafísica,
mas uma construção social concreta. Tanto objetiva quanto subjetiva; instrumento e
mecanismo, economicamente orientado, assim como a questão de vingança.

Tavares dos Santos (2009), trata a violência crescente neste momento da


atualidade como um dilema societário, vendo complexidade onde ordem e desordem se
entrecruzam. Compreender o momento deve ser um esforço em buscar sentido outros
que não o da naturalização do fenômeno. Para o autor, uma violência é antecedida, ou
por vezes justificada, previa ou posteriormente por uma violência simbólica que se
exerce mediante uma subjetivação dos agentes envolvidos na relação. Violência que se
39

configura como um dispositivo aberto e contínuo. Uma relação de excesso de poder que
impede o reconhecimento do outro, seja pessoa, classe, gênero ou raça. Invocando um
tipo de dano e opondo-se às possibilidades de uma sociedade democrática. Nesta
análise, o pesquisador percebe o tecido social numa perspectiva relacional onde classes,
categorias e grupos sociais são tomados como construções práticas e simbólicas de
agentes posicionados na estrutura da sociedade com inúmeras possibilidades de
trajetórias.
Para Zaluar (1994) o modelo de violência atribuído pelo imaginário social às
favelas ou invasões, pode ser considerada tipicamente como uma variante urbana,
considerando que se consolida em meio a esses espaços de heterogeneidade social, se
encontra nas ruas, nos noticiários e nas nossas preocupações do dia a dia. No entanto,
ao considerarmos nossas concepções acerca da violência, a forma pela qual somos
atingidos pode variar significativamente de individuo para individuo.

Rizzini e Limongi (2016) ao introduzir um debate sobre a questão da violência


na contemporaneidade, aludem à violência nos espaços urbanos como “aquela que
acontece nos espaços coletivos de vida em sociedade.” Com forte presença em muitos
países e ocupando significativo espaço nas mídias. De modo que a política moderna
atual, por exemplo, já nasce para estas realidades sociais de áreas periféricas e centrais,
atribuindo apriori, uma gama de contradições claras e disparidades entre liberdades
jurídicas e práticas disciplinares aplicáveis.

No Brasil contemporâneo, redemocratização, cidadania fraca, altas taxas de


desemprego, e aumento dos “crimes de sangue”, deram a tônica da década de 80;
período de construção da democracia pós-ditadura militar, momento em que
contraventores e pequenos bicheiros juntos com traficantes ricos, tornam-se benfeitores
de localidades e modelos de ascensão social para os mais ambiciosos; marcando o
começo do crime organizado. (ZALUAR, 1994, p.113).

Este período de redemocratização do país, foi o momento de deflagração para a


grande mudança na configuração tradicional do poder. Associado à falência do sistema
judiciário, aos abusos sem limites do poder policial e à consequente destruição dos
espaços considerados públicos. De modo que, os espaços territoriais tornaram-se
polarizados: de um lado áreas de favelas ou bairros de periferia, e de outro, os luxuosos
40

bairros ocupados por condomínios extremamente seguros e que contam com toda uma
infraestrutura de isolamento social preventivo contra as classes pobres. De onde as
ocorrências ditas violentas geralmente encontram nos discursos midiáticos e na ação
repressiva das polícias o tributo inquestionável das práticas delituosas que infestam a
sociedade. Sendo circunscritas em práticas de homicídios tributárias de um caráter
quase sempre endógeno quanto ao espaço territorial em que se dá a interação entre as
vítimas e autores. O novo cenário de violência que se desenvolveu nos centros urbanos
brasileiros se configuraram do aumento do acesso às armas, da juvenilização da
criminalidade, da extrema reação violenta policial, principalmente sobre jovens de
periferias; da ampliação do mercado de drogas e da cultura individualista e por
consumo. Dinâmicas que se misturaram, combinando sentimentos de morte e condutas
de risco entre jovens de bairros periféricos envolvidos com o narcotráfico.
(ABRAMOVAY et al, 2002, p.25-26).
Em Salvador, segundo apontam os dados oficiais (IBGE, SSP-BA, MS) os
atores envolvidos são majoritariamente compostos por jovens, negros, masculinos, de
baixa escolaridade e moradores destas áreas periféricas. E, ao que tudo indica, matam e
morrem em função de conflitos estabelecidos e resolvidos de forma violenta e privada
em seus territórios e também no entorno (ZILLI, 2015).
Nestes contextos específicos em que as práticas de violência fazem parte do
cotidiano, aprofundam-se a criminalização e a estigmatização dos setores mais
vulneráveis em um momento de transformações econômicas e políticas no Estado
brasileiro em processo crescente de “neoliberalização”. Nesta conjuntura, marcada pela
minimização da presença do Estado, por altas taxas de desemprego e pela formação de
grandes massas de excluídos, tem se dado a crescente substituição de um Estado dos
direitos sociais para um Estado punitivo. Estado este, que na maioria dos casos
destinaria um tratamento desigual e excludente às classes populares e menos
favorecidas, agora como sujeito criminalizado e responsável pelas crescentes ondas de
violência no espaço urbano.
Neste processo, a presença da juventude surge com características ora de
protagonismo, ora de vítimas potenciais.

2.2 Vulnerabilidade: Jovens e contextos de violência


41

Como argumenta Dayrell (2003), a construção social da juventude como um


ator, precisa ser pensada de modo diferente ao de a conceber como condicionada a uma
fase da vida, uma etapa predeterminada ou um “vir a ser”. Faz-se mister compreendê-la
como “ parte de um processo de crescimento mais totalizante, que ganha contornos
específicos no conjunto das experiências vivenciadas pelos indivíduos no seu contexto
social.” Ela é uma categoria socialmente construída, que se elabora a partir de diferentes
contextos, sejam econômicos, sociais ou políticos. Pensar em juventude como algo
homogêneo seria arbitrário, visto que, na verdade, a juventude socialmente está
fragmentada em função de interesses, de origens sociais e diferentes perspectivas de
vida. De onde conclui-se que, a juventude em momentos específicos pode ser
considerada homogênea se tratarmos de pensá-la simplesmente num enquadramento
geracional e heterogêneo, mas se atentarmos para sua inserção em um conjunto social
específico com atributos sociais que diferenciam os jovens uns dos outros, essa
homogeneidade perde sentido.
Para o referido autor, aceitar juventude como uma sequência temporal na
formação humana, não pode implicar necessariamente em linearidade permanente ao
ponto de abster-se de considerar as experiências precedentes contextuais tributárias de
uma forma especifica de sociabilidade. Juventude não pode ser reduzida à mera
passagem de uma fase, mas como uma categoria influenciada pelo meio social concreto
relacional dos envolvidos, como os sujeitos que assumem uma importância em si
mesma. De modo que, não há um único modo de ser jovem. De onde, advém que, ao
falar de “juventudes” no plural, difere de “juventude” como algo hermético, e que exige
considerar uma gama ampliada de dimensões e possibilidades de se ser jovem.
Considerando para tal, os contextos sociais em que inserem o sujeito e seus diferentes
processos de socialização (ABRAMOVAY E CASTRO, 2006).

A vulnerabilidade existente entre jovens de famílias pobres é abordada por Castro


& Abramovay (2002) em sua pesquisa “Jovens em situação de pobreza,
vulnerabilidades sociais e violências”, onde os pesquisadores ressaltam os aspectos
presentes nesse momento histórico em que vivemos, como a “juvenilização da
mortalidade”, “desencantos e incertezas” para a juventude. Verificando no trabalho uma
centralidade referencial para a falta de perspectiva de vida e a estigmatização por morar
em periferia, podendo-se inferir de que forma a combinação desses dois elementos, falta
42

de trabalho e estigmatização, podem torná-los vulneráveis a ilicitudes e outras práticas


de violência. Práticas essas que muitas das vezes são referenciados como única opção de
vida mais palatável. A partir dessa categoria, juventude e vulnerabilidade é concebido
como um fenômeno estruturado e perpassado por diversas formas de relações com
desfechos que relacionam causa e efeito. Ao se desconsiderar as garantias dos direitos
humanos fundamentais como moradia, saúde, renda e educação, desvincula-se o
indivíduo do quadro referencial que o individualiza, transformando-o em massa coletiva
despersonalizada e imputando-lhe o sacrifício da sua liberdade. De forma a fechar um
círculo de vulnerabilidade e abrindo-se às possibilidades de danos. Concepções que se
legitimam por argumentos carentes de base concreta e constituídos na maioria das vezes
por forte apelo emocional. Marca de uma sociedade que compreende estas questões de
forma limitada, conservadora e fortemente influenciada pela mídia e argumentos da
segurança pública, que vinculando o indivíduo a frações específicas da esfera social
como negros, pobres e moradores de periferia, reafirmam a estigmatização e a
criminalização como um continuum. Pobreza é uma violência, afirma Carvalho Soares
(2004), mas não o fator único e determinante.

No que tange às práticas de ilicitudes, o problema em combinar juventude e


violência na esfera social, parece estar relacionado em partes, com formas específicas de
negociação entre diferentes atores nas contingências que são peculiares à vida em
sociedade. Exigindo destes, um certo grau de maturidade e equilíbrio emocional para
superação de situações onde pode ou não haver a presença de conflitos. Na realidade da
vida na esfera relacional dos espaços sociais, Santos (2004) ao tratar sobre violência no
subúrbio ferroviário de Salvador, alude que a violência deve ser percebida como cisão
entre o querer inserir-se e a força da exclusão de que são vitimizados os indivíduos
desprovidos de condições de inserção social mínima. Este aspecto aponta para a
excessiva engrenagem protocolar e exigências a que o individuo é submetido para sua
inserção, por exemplo, na esfera laborativa. No momento em que vivemos, são estes
jovens, as vítimas deste processo de inserção mínima, problema decorrente das
exigências de capacitação profissional que o mercado brasileiro exige para inserção no
mercado de trabalho.
De onde destaca Ruotti ET AL (2014)6, no que concerne a importância de
compreender a juventude como uma fase “ em construção”, como indivíduos que
precisam de repertórios sociais e simbólicos consolidados, assim como redes de
43

proteção diante dos muitos riscos que se apresentam neste momento específico da vida.
A sociedade precisa estar atenta a todo este processo inicial de inserção social, para
proteger e dar suporte, assim como para referendar condutas na construção de seus
percursos. Para esse segmento geracional, sentimentos de indignidade pessoal em etapas
como estas, podem assumir proporções extremamente difíceis de compreender e se
tornar motivo de desistência. Afetando as oportunidades de forma negativa nos
diferentes círculos sociais em que se inserem, podendo funcionar como elementos
motivacionais para ações extremadas, tendo em alguns casos desfechos fatídicos.

Trazendo para esta discussão o caso dos muitos jovens das periferias dos grandes
centros metropolitanos do país, em sua maioria indivíduos portadores de baixa
escolaridade, negros, sem nenhum tipo de habilidade técnica e total desconhecedor dos
muitos processos burocráticos que constituem a etapa mais difícil à sua inserção mínima
na vida em sociedade, à obtenção da cidadania propriamente dita. É facilmente
dedutível que são ínfimas as possibilidades recrutamento destes elementos assim como
sua inserção no mercado de trabalho. Esse processo repleto de etapas e exigências o
encurrala, podendo para alguns, ser o estopim para se pensar em outras alternativas de
vida. Onde a presença de atalhos são sobremaneira mais atrativos. Como pontua Zaluar
(1994, p.10) “Os mais destemidos e, às vezes, os mais talentosos que viram frustradas
as suas possibilidades de sair daquela vida opressiva de pobres, são os candidatos mais
certos à última opção (bandidos), que lhes trará fama, poder, dinheiro fácil e morte
quase certa.”

_______________________________
6
RUOTTI et al. Em sua pesquisa “ A vulnerabilidade dos jovens à morte violenta: um estudo de caso no
contexto dos ‘Crimes de Maio’”. Este estudo aborda a história de um jovem morador de um bairro
periférico de São Paulo sumariamente executado no contexto dos “Crimes de Maio” ocorridos em 2006.
Utilizam-se do arcabouço conceitual da vulnerabilidade como forma de compreender os diferentes
elementos envolvidos neste modo de vitimização. Vulnerabilidade que segundo estes autores é um: “
Conceito que proporciona uma perspectiva ampla e dinâmica que considera a suscetibilidade a um
determinado evento enquanto dependente não só de aspectos individuais, mas também relacionais e con -
textuais(...).” Revista Saúde Soc. São Paulo, v.23, n.3, p.733-748, 2014.

A estigmatização da pobreza no meio social apresenta forte responsabilização


para o aspecto territorial no sentido de pensar aqueles espaços como lócus da
criminalidade que torna insegura a vida na cidade. Goffman (1975) descreve o termo
“Estigma” como um atributo profundamente depreciativo, uma linguagem de relações,
que enquanto enquadra alguém em valor menor, pode confirmar a normalidade de outro.
44

Daí o preconceito existente a partir desta categoria, podendo desqualificar, discriminar,


segregar e excluir.

“Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que


ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa
categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos
desejável [...]. Assim deixamos de considerá-la criatura comum e total,
reduzindo-a a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é estigma,
especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande” [...]
(Goffman, 1975:12).

Logo, para este autor, “ é a sociedade quem estabelece os meios de categorizar as


pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de
cada uma dessas categorias”. (1975, p.12). Estigma é uma construção social onde
atributos específicos desqualificam as pessoas e variam de acordo com os períodos
históricos e com a cultura. Goffman pontua que os que se dizem normais constroem
uma teoria do estigma. Elaboram uma teoria para explicar a inferioridade do outro e
para ter controle do perigo que ela representa. Os estigmatizados possuem uma marca
indicando sua identidade social deteriorada para conviver com os outros. Para Goffman
normais e estigmatizados são perspectivas geradas em situações específicas que se dão
durante o contato misto entre atores no espaço social, em decorrência da disparidade nas
de condições de acessar o mesmo objetivo. Tendências morais e intelectuais de uma
época e estrutura cultural são elementos cruciais para se pensar onde e quem determina
o que é estigma 7. (SIQUEIRA & CARDOSO, 2011)

Este processo de estigmatização e preconceito com populações que vivem em


territórios em situação de pobreza tornou-se aspecto importante para se pensar na
questão da honra e dignidade pessoal. Podendo ser inclusive, um fator explicativo, para
compreender condutas violentas e crime, como meio disponível para indivíduos sem
perspectivas de adquirirem dinheiro e bens de consumo indispensáveis à visibilidade
social tão comuns num mundo exaustivamente midiatizado. Nesta linha de raciocínio é
possível pensar o individuo jovem enquanto elemento social em formação, no centro
das questões relacionadas ao consumo e visibilidade social, como um ser vulnerável. Na
maioria das vezes sem condições cognitivas e materiais capazes de estabelecer
estratégias de superação para estes contextos de extrema dificuldade de inserção social.
45

Condições mínimas de competitibilidade frente ao desigual acesso ao mercado de


trabalho, somam-se aos “ataques” contínuos de consumo e valorização social que lhes
são introduzidos nas realidades da vida cotidiana de uma juventude com poucos
recursos e parte de contextos precarizados, dando margem a pensamentos estratégicos
que os possibilitem ‘fazer parte’ de um contexto que lhes é negado socialmente. Esta
realidade processual e contínua que deixa à margem uma fatia considerável de
indivíduos poderá constituir-se como elemento motivacional a relações hostis por parte
destes, que vislumbrando a possibilidade de apelar para soluções imediatistas não
hesitará. Visto que, para ele, o mundo já está dado: um modelo de polarização social
que se constrói separando de um lado ricos e pobres, negros e brancos.

Segundo estudos de Misse (2008; 2010), por conta destes processos mais gerais de
estigmatização social, a acumulação de desvantagens sociais e econômicas associados a
um movimento de incriminação preventiva de certos padrões sociais, fazem de crianças
e adolescentes de bairros periféricos, potenciais vítimas ao escrutínio das ações policiais
que incluem desde a incriminação delituosa ao seu extremo, que seria a eliminação
definitiva da sociedade numa lógica de suposição criminal. Não se distinguindo entre as
categorias trabalhador e bandido, considerando arbitrariamente contextos e sinais
diacríticos, como marcadores absolutos para categorias ‘marginais’ em uma esfera
identitária para contextos específicos. O conceito de sujeição criminal de acordo com
Misse (1999, p.67) é proposto com a finalidade de determinar três dimensões
incorporadas na representação social do bandido e de seus tipos sociais. A primeira
seleciona o agente segundo uma trajetória incriminável expectante em algum momento
de sua vida social; na segunda, este agente precisará de uma experiência social
especifica obtida nas relações com grupos que vivenciam aquela prática e na terceira diz
respeito à subjetividade e a uma dupla expectativa no que concerne à auto identidade,
de onde este agente não poderá mais justificar sensatamente seu curso de ação. Em
momentos de maior crise social, acredita-se que categorizações como esta se expandem
e a ação oficial de repressão, diga-se policial, apontando difusamente aos moradores
das áreas periféricas, especialmente contra indivíduos jovens sejam estes ligados ou não
a atividades ilícitas. O cerne da questão ora apontada refere-se a uma vinculação social
de periculosidade imputada seletivamente a estes jovens. (FELTRAN, 2007).

_________________________
46

7
Ranyella de Siqueira e Hélio Cardoso trabalham com o conceito de estigma como processo social. Em
seu artigo buscaram através de uma revisão bibliográfica discutir o conceito de estigma para Goffman e
para alguns entre tantos autores que desenvolveram suas ideias a partir dele. (Imagonautas 2 (1) / 2011)

CAPÍTULO 3
Metodologia

O desenho dessa investigação social se baseia nos pressupostos da pesquisa de


natureza qualitativa, cujo objetivo é conhecer o entendimento de violência segundo a
ótica de jovens estudantes de Paripe8.
47

A pesquisa qualitativa se aplica ao estudo das relações, percepções enquanto


produto de interpretações pessoais dos atores no cotidiano. Tem como característica a
empiria e a sistematização dos dados coletados até a compreensão da lógica que subjaz
às ações dos agentes. A preocupação do pesquisador aponta para o processo de
subjetividade e contexto de experiência dos atores no sentido de captar uma visão de
mundo experienciada capaz de propiciar a produção de sentido em situações de
recepção coletiva, sustentando identidades e legitimando ações.
O percurso metodológico que guiou a pesquisa teve a seguinte estruturação: a
escolha de um ambiente específico à realização da pesquisa por se tratar de um espaço
social comum aos jovens do bairro, além de se tratar de um local possibilitador da
construção compartilhada de conhecimento. O público-alvo foram jovens moradores
da localidade, preferencialmente maiores de 18 anos, de ambos os gêneros, sob a
condição prévia de anonimato à participação.
A escolha do bairro se deu primeiramente em função de minha mudança
residencial para Paripe em 2007. A observação direta e diária da rotina daquelas pessoas
no bairro me fez ampliar o conhecimento do local e do contexto relacional. Pela
observação direta pude ter uma noção do tipo de configuração social que me saltava aos
olhos. Os pontos em comum com outros bairros que me serviram de moradia
anteriormente em Salvador eram jovens em boa parte trabalhando em atividades
informais, outros simplesmente dispersos nas ruas das áreas comerciais e residenciais,
famílias vivendo em subcondições como vistas nos barracos existentes no morro do Ba
te-Coração e na parte mais alta do Calombão e da Estrada da Cocisa até residências com
______________________________

8 É válido ressaltar que a abordagem da violência gestada em favelas e o sentido e percepção atribuído
ao fenômeno por jovens constitui o tema de minha pesquisa no Mestrado. Momento em que a
investigação tende a aprofundar-se com maior número de informantes e desenvolvimento teórico
ampliado.

Boa estrutura na parte mais baixa da comunidade do Bate-coração. Muito trabalho


informal que se espalhava por todo o passeio da via principal (avenida Afrânio
Peixoto) de Paripe, na frente das lojas, variando desde a venda de frutas a objetos
escolares e roupas.
Paripe, um bairro relativamente grande, com população majoritariamente negra,
comércio amplo, contando com uma central de abastecimento. Escolas são seis públicas
(municipal e estadual) e três de instituição privada. Bancos, igrejas, uma unidade de
48

pronto-atendimento, uma delegacia, uma subprefeitura, mercados e lojas de comércio


varejistas configuram o espaço urbano do bairro.
Com ocupação demográfica de maioria absoluta popular e histórico de altos
índices de violência divulgados amplamente pela mídia. Apresentam em sua
composição grupos que rivalizam o tráfico de drogas entre as comunidades vizinhas. De
modo que, a indagação que originou esta pesquisa questiona qual o sentido de violência
que é construído pelos jovens estudantes de uma escola secundária no cotidiano da vida
no próprio bairro.
A figura de número 1, apresenta o mapa da região como um todo, de onde se
pode ver em breves linhas a Rua Almirante Mourão de Sá que separa a favela Bate-
coração de Fazenda-coutos, a Rua Escola de menor separando o Bate-coração do
‘Calombão’ na parte alta da Rua da Bélgica como é popularmente chamado pelos
moradores, a Estrada da Cociza no meio do mapa e na orla, Rua Doutor Eduardo Dotto,
a enseada de Tubarão. Todas essas divisões internas constituem fraturas nevrálgicas de
controle do tráfico local com constantes eventos de violência no espaço público do
bairro. As ruas citadas são linhas proibidas à circulação de jovens não pertencentes a
esses espaços, sob a ameaça notória de morte.
A observação e as técnicas de teor etnográficos foram vitais ao interesse nesta
linha de pesquisa, exatamente pela possibilidade que propicia de captar as
peculiaridades do cotidiano do bairro, como por exemplo o ‘acordo tácito’ que se
observa entre os moradores destas áreas, de onde deve e não circular. Idosos, adultos
não correm o mesmo risco. Mas jovens, principalmente do sexo masculino, são muito
cautelosos no que concerne a saída de seus limites territoriais. Esse aspecto foi pontual.
Envolvidos ou não envolvidos, a sentença é certa. E a pesquisa se desenvolve nesta
linha de argumentação: afinal, qual a percepção juvenil de violência que subjaz neste
conjunto de normas e regras implícitas na vida cotidiana do bairro?
49

Figura-1 Mapa de Paripe


50

Figura 2: Paripe- Rua Escola de Menor, entrada principal para favela “Bate-
coração”, cruzamento com a rua da Bélgica.
Fonte: Foto: Henrique Mendes/G1 - Atualizado em 25/07/2016.

Figura 3: Centro de Abastecimento de Paripe. Principal centro de abastecimento


do bairro. Absorve parte considerável da Mão-de-obra local.
Fonte: http://visaocidade.com.br/2015/09/paripe-o-centro-comercial-do-suburbio-
Atualizado em 25/07/2016.
51

Figura 4: Rua Almirante Mourão de Sá, entre Paripe e Fazenda Coutos.


Conhecido popularmente como ‘faixa de gaza’, é um dos pontos de tensão por
conta do tráfico entre as duas favelas.
Fonte: http://www.correio24horas.com.br. Foto: Victor Lahiri - Atualizado
em 12.08.2014.

O material coletado nesta pesquisa de campo, foi resultante de um ano de


trabalho de Campo em uma escola de ensino médio e da observação direta da vida dos
moradores do bairro. O trabalho de campo contou com 10 entrevistas em profundidade
realizadas em uma escola estadual local, com jovens de ambos os sexos todos maiores
de dezoito anos estudantes do ensino médio. Destas entrevistas, tendo em vista apontar
aspectos relevantes sobre a percepção de violência sentida por estes jovens, selecionei
dois voluntários segundo variabilidade de sexo, para uma analise em maior
profundidade e de tipo fenomenológico para esta monografia. O primeiro voluntário foi
um rapaz de 20 anos que relatou ter sido vítima de agressão física na favela enquanto
defendia um amigo, por ação do tráfico e a outra escolhida foi uma jovem também de
20 anos que relatou ter sido ‘abordada’ por uma policial militar em uma ocasião e que
segundo a mesma foi agredida simplesmente, por ser negra e moradora de favela.
52

Em ambos os casos, ressalto aspectos importantes que os mesmos veicularam


sobre a percepção da violência que encontrei em geral nas outras entrevistas e no bairro
e que considero especialmente relevantes, para iniciar um exercício de procurar explorar
os sentidos que estes relatos revelam e podem a partir de derivações, uso da teoria e
interpretações pertinentes buscar melhor entender e captar o sentido atribuído ao
fenômeno por jovens negros morando e estudando neste bairro.
Atentando para categorias como estigma, sentimento de identidade e
criminalização da pobreza, reitero que todas essas categorias foram desveladas e estão
presentes durante leitura atenta de todos os relatos coletados. Em muitas das falas dos
entrevistados a alusão a um sentido negativo de “favela” foi percebido quando eles se
referiam, especialmente a suas interações em ambientes externos. Por exemplo, quando
interpelados por policiais e foram obrigados a responder o nome do bairro onde
residiam, os jovens relatavam que sentiam um tipo de abordagem agressiva, que as
perguntas dos policiais sempre tinham um tom de ironia do tipo: “você curte uma erva?”
ou para as meninas “você gosta de bandido?”.
Em parte dos relatos dos meninos, foi mencionado que na volta da praia da
Ribeira, situado na cidade baixa de Salvador, as abordagens policiais no ônibus eram
sempre direcionadas muito mais para eles. Dois deles foram abordados na via principal
em frente ao Centro de Abastecimento de Paripe e os policiais militares já começaram
perguntando-lhes ofensivamente se os mesmos traficavam (segundo relatos dos
mesmos).
Uma regra implícita muito compartilhada entre os jovens de periferia é a de
buscarem, sempre que possível, andar juntos. Esta estratégia, quando questionada
durantes as entrevistas eram respondidas sempre como uma forma de se proteger de
possíveis ameaças externas. Em alguns relatos foi citado por eles que andar sozinho
poderia ser perigoso, primeiro porque podem ser alvo de violência por parte de outros
jovens de comunidades rivais, ‘os alemãos’ como tratam os mesmos, ou de ‘covardia’
policial. No geral, os bigodes louros, as bermudas da Seaway9, os bonés da Nike9 e os
funks tocados nos celulares, são o ‘prato cheio’ para a abordagem da polícia nos ônibus,
na rua ou em qualquer outro lugar segundo os entrevistados.
______________________________
9 Grifes de roupas.
53

O objetivo de uma análise considerando percepções de ambos os sexos para a


violência vivenciada e experienciada por estes jovens no cotidiano, intenciona tão
somente, registrar a variabilidade nos significados e nas experiências no sentido e
percepção do fenômeno, sem a pretensão de realizar uma análise de gênero. Haja vista
se tratar de atores pertencentes ao mesmo espaço social, submetidos aos mesmos
processos de sociabilidade.
Para isso, as duas entrevistas selecionadas foram conduzidas a partir de
conversas informais pedindo aos entrevistados que discorressem sobre suas vidas na
comunidade, trazendo fatos que os mesmos julgassem pertinentes e que apontassem
para algum aspecto relacionado à sua concepção e vivências sobre vários temas e o tipo
de violência sofridas e vividas neste contexto. Não procurei criar limites às falas, deixei
que falassem livremente sobre suas vidas e dentro desta imagem auto-construída o
sentido e a percepção particular de violência experienciada em suas rotinas diárias foi
emergindo. Independente de quais fossem os temas e referências de seus relatos: se
ações policiais, comportamento do tráfico ou conflitos vicinais; o que me interessava de
fato, em todo e qualquer relato deles, era o sentido, a categoria ‘violência’ desprendida
de artefatos teóricos e construída por aqueles sujeitos a partir de suas histórias
biográficas.
Durante a fala dos entrevistados quando os mesmos identificavam um fato
específico e o vinculavam à ideia de violência, era nesta direção que eu seguia e
continuava conduzindo o resto da entrevista. Dados presentes em algumas entrevistas
não apareciam em outras. Haviam jovens mais entusiasmados, outros mais reticentes.
Entretanto, suas histórias e experiências de vida, fluíam sempre muito ricas em
detalhes do processo natural de socialização por eles vividos, desenhando estruturas
constitutivas desse grupo social quanto as suas preocupações e dilemas de se viver
numa sociedade dividida e preconceituosa. Onde questões como a cor da pele, poder
econômico e gênero ainda são dimensões capitais para se pensar em quem tem seus
direitos garantidos e os que não o tem. Aspectos relativos ao sentido e percepção do
que é a violência vivenciada no cotidiano de uma favela em Salvador, serão aqui
analisadas segundo a percepção de dois jovens, abrangendo a vivência dentro e fora da
favela, o sentido de sua apreensão e entendimento. Como estes dois exemplares
narrativos os expressaram nas suas falas durante as entrevistas.
54

A duração do tempo em que se deram as entrevistas, variavam de minutos a horas


em alguns casos onde o diálogo se estendia em relatos ricos em detalhes da vida do
entrevistado, mesclando a espontaneidade de emoções vivenciadas que emergiam nas
conversas e que parecia ao meu olhar atento, algo como se aquele jovem estivesse
encontrado um momento oportuno para verbalizar seus descontentamentos e revoltas
com o que vivia no dia a dia. Partindo das minhas transcrições, procurei sistematizar o
material coletado numa gradação que pudesse organizar-se a partir da história de vida,
pontuando aspectos elencados por estes atores quanto ao sentido e percepção do que
consideram violência em seus contextos de vida social, em atendimento ao objetivo
deste trabalho de pesquisa.
Tive a preocupação de realizar as entrevistas de maneira livre, deixando claro ao
entrevistado que meu interesse era captar o sentido dado por aqueles jovens quanto a
sua percepção de violência vivenciada em seus cotidianos, sem lançar pressupostos
teóricos prévios de violência seja ela institucional, urbana ou social. Queria ouvir, sentir
na corporeidade, na espontaneidade destes atores sociais o que emergia de real e de
contexto de vida vivida. Inicialmente pedi que falassem de suas vidas na favela, a
família, o estar na favela, o lado de fora da favela, a vida social, o divertimento, para
enfim ouvir destes o que era a violência neste campo amplo de vida. Sem amarras que
pudessem enquadrar a liberdade de falar da vida, deixei que a entrevista fluísse como
um momento de catarse, de cumplicidade, de confiança. A maior parte dos jovens
entrevistados confidenciaram o uso de drogas ilícitas em algum momento de suas vidas,
alguns relataram o uso contínuo.
A entrada na escola ocorreu a partir de autorização formal, conseguida através de
conversas com a direção, apresentação do documento da Universidade que atestava
minha condição de pesquisador do curso de graduação e da temática que envolvia o
conhecimento do sentido da violência percebida pelo jovem estudante de um bairro
periférico de Salvador. Deste modo deixei claro que não havia nenhum interesse em
tocar em pontos que pudessem representar riscos aqueles jovens, não buscando nomes
de pessoas envolvidas em nenhuma prática delituosa, ou fazer perguntas que gerassem
insegurança e desconfiança por parte dos mesmos. Todos os entrevistados receberam
informações de que tratava-se de uma pesquisa acadêmica, da Universidade Federal da
Bahia e que o pesquisador não representava nenhum órgão da segurança pública.
Ressaltou-se também, que não se tratava de nenhum trabalho de natureza policial ou
55

investigativa naquele espaço. Esse detalhe foi muito importante para o prosseguimento
do trabalho de pesquisa, gerando confiança e desejo de alguns a atuarem como
voluntários, aceitando ser entrevistados.
As entrevistas, reitero, foram livres e descontraídas, conduzidas com o máximo
de liberdade e respeito às limitações de cada um, considerando sobretudo a temática
abordada, possíveis implicações para o local de realização das entrevistas. E desta
forma, espontaneidade e até momentos de descontração deram estímulo para que as
realidades vivenciadas no cotidiano da vida daqueles jovens fosses partilhadas com
motivação em todo o seu curso4.
O trabalho foi lento, pois inicialmente tive o cuidado de observar o
comportamento de alunos em sala de aula, nos intervalos, nos processos interativos
dentro do espaço escolar, sempre acompanhado de um professor. Conversei com
professores e funcionários da escola sobre a percepção do que seria a dinâmica da
comunidade, sobre os detalhes mais sutis da realidade de vida trazida por aqueles alunos
para aquele espaço. Fiquei uns dois meses nessa observação e acompanhamento das
aulas até iniciar de fato as entrevistas. A direção em nenhum momento resistiu ao
propósito da pesquisa, não me permitindo apenas que as entrevistas fossem gravadas
por uma questão de segurança dos entrevistados. Este cuidado por parte da escola
residia exatamente no fato da mesma estar localizada numa comunidade dotada de
tráfico de drogas e também de que a temática abordada nas entrevistas pudessem vir a
comprometer a rotina de vida dos entrevistados, caso alguém equivocadamente
interpretasse o propósito do trabalho de pesquisa, entendendo que detalhes
comprometedores pudessem ser alvo de ações policiais na mesma.
_________________________________________
4
Em “Poder e ética na pesquisa social”, da Biodiversidade/Artigos, Guita Grin Debert, argumenta
segundo um trecho de Oracy Nogueira, que no presente a necessidade de se redefinir os procedimentos
éticos, haja vista que os sujeitos tradicionalmente estudados por suas diferentes disciplinas passam por
mudanças radicais, e em que novas agendas de pesquisa desafiam as fronteiras disciplinares.Devendo o
cientista social como alguém que ocupa não apenas uma posição de saber, mas é também detentor de
status, prestígio e poder, num mundo em que os setores estudados são desprivilegiados, vítimas de formas
de opressão e dominação, minorias em situação de vulnerabilidade. Cuidar para que os interesses dos
grupos pesquisados sejam precedentes aos interesses da pesquisa. Sendo temas centrais da discussão o
caráter do consentimento (formal ou informal), o tipo de informação que o pesquisado deve obter da
pesquisa de que participa, a capacidade legal e intelectual dos entrevistados de entender o trabalho
proposto e as formas de coerção que podem estar envolvidas nessa relação. Avaliam-se, também, os
riscos envolvidos na publicação dos resultados, porque as conclusões destes pesquisadores jamais
poderão constranger, humilhar ou trazer prejuízos para as populações estudadas. (Revista Cienc.
Cult. vol.55 no.3 São Paulo July/Sept. 2003).
(acessado em http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v55n3/a19v55n3.pdf)
56

As instalações físicas, por se tratar de uma escola, foram perfeitas para a


observação direta dos processos interativos entre os jovens assim como para recrutar
aqueles que tinham interesse em ser inseridos na pesquisa. Ao final, muitos se
voluntariaram, no entanto a opção por estudantes maiores de 18 anos limitou
consideravelmente este universo, no entanto não comprometeu o trabalho visto que o
corpo discente era muito grande e muitos dos relatos passaram a se repetir.
Nas conversas que desenvolvi no início de minha entrada no campo, a direção assim
como alguns professores, externaram a relevância da abordagem da pesquisa sobre o
sentido e percepção da violência sob a ótica do jovem, visto que, como em todo espaço
social neste a heterogeneidade também se faz presente. Assim como muitos alunos se
mostram aplicados e desenvolvem habilidades segundo as estratégias pedagógicas da
escola, outros agem em direção contrária. Por exemplo, sobre a vida dos alunos na
instituição escolar, algumas questões foram colocadas por professores e funcionários da
escola, tais como: a questão da evasão escolar que é maior no turno da noite, e muito
pequena no turno da manhã. As reuniões com pais de alunos também foi apontada como
problemática, em virtude do fato de que a maioria dos pais não compareciam e geralmente
não justificam sua ausência. Quanto ao uso de drogas por alunos dentro do espaço escolar,
a direção teve que ser cautelosa no trato da questão, embora tivessem admitido na ocasião
estarem sempre vigilantes no que tange ao problema. Outro ponto colocado, foi sobre
brigas entre alunos de locais distintos do bairro que rivalizavam o controle do tráfico,
considerado extremamente preocupante do ponto de vista da violência e contavam com
certa frequência de ocorrência. Todos estes pontos considerados pertinentes e de certo modo
imbricados à temática violência, foram citados durante as conversas, de modo que a
pesquisa mostrava sua validade prática e social.
De um modo geral, o que se percebe é que o espaço escolar reflete parte da realidade
vivenciada dentro da favela: conflitos entre jovens, o uso de drogas e a ausência do
elemento familiar. A questão da violência, segundo alguns professores é abordado em
atividades de classe pelo corpo docente, como forma de sensibilizá-los sobre o crescimento
da violência tanto no espaço escolar como fora dele. No entanto, os professores com mais
tempo de sala de aula pontuam que é nítido como parte das gerações que chegam ao ensino
médio oriundas das comunidades do entorno, de alguma forma, já se mostram mais
suscetíveis e defensores do uso da violência no cotidiano, quando já não estão envolvidos a
pequenas práticas delituosas.
57

CAPÍTULO 4

SOB A PERSPECTIVA DOS JOVENS SELECIONADOS

Neste capítulo tenho como objetivo analisar trechos selecionados dos relatos dos
dois jovens entrevistados motivados em explicitar o sentido e a percepção atribuídos ao
fenômeno da violência por estes construídos em seus espaços sociais. Neste intento,
procurei observar o modo como construíam suas narrativas na tentativa de dar conta do
fenômeno considerando o contexto social em que foram socializados, tornando-o
inteligível segundo um olhar sociológico. Outrossim, participo que nesta análise não
tenho a pretensão de conclusão objetiva do fenômeno da violência vivida e percebida
nas periferias da cidade de Salvador como um todo generalizável, mas sim o interesse
nesta questão encontra-se no fato de que a juventude pobre e de maioria negra das
favelas e bairros periféricos são rotulados de perigosos e protagonistas no processo de
delinquência. A centralidade dos discursos do mundo do crime, do processos de
criminalização da pobreza nos territórios, estigmatização e preconceito por parte da
sociedade como um todo, figuraram e estiveram amplamente nos discursos dos
entrevistados. Se tornando principal objeto de ações policiais e violência oficial com
apoio da sociedade e da mídia. Vistos como capazes de agir com frieza e extrema
crueldade, vinculados ao tráfico, a práticas de roubo e outras atividades criminosas.
Meu objetivo foi de capturar e analisar nas entrevistas o modo como estes jovens
elaboram a questão da violência vivenciada no dia a dia em seus contextos sociais.

Das duas entrevistas selecionadas com o intento de se obter o sentido do fenômeno da


violência vivida numa favela, tive como horizonte todas as transcrições das falas dos jovens
Jamile e Nescau, lidas várias vezes e nelas identificadas expressões significativas relativas
as experiências consideradas pertinentes ao sentido atribuído à violência em seu mundo
vivido.
Os aspectos julgados mais pertinentes nesta análise apontam à exaustão para questões
como pensar o território como um local de violência inconteste, marcado pela presença do
crime que gera a insegurança da cidade em todo o seu entorno. Além de ir fundo nos jovens
enquanto o sujeito incriminável determinado socialmente. A ideia que é passada por parte
dos dois entrevistados selecionados é que eles são triplamente condenados: “primeiro
porque são pretos e pobres e segundo porque moram numa favela, um local feio, sujo e que
reúne o que não presta na cidade e por último, são eles, os jovens, pobres , negros e
58

favelados, os principais envolvidos nas práticas de violência que tornam a cidade insegura
e perigosa à sociedade.”
Dos dois jovens selecionados para servir de objeto da análise quanto a questão do
sentido e percepção de violência vivenciada em seus universos sociais de interação,
ambos falaram sobre o uso ostensivo da força por parte da polícia militar, desrespeito
para com os moradores, preconceito e principalmente violência. Quando tratam da
presença do tráfico na favela, admitem da mesma forma um excesso de força, no
entanto consideram-na com devido grau de legitimidade, pautando-se num agir que
denota algo de uma ‘dimensão moral’ que se consolidou apriori entre os moradores e a
vida na favela. De modo que um ‘suposto acordo é velado’, norteando as ações das
pessoas naquele espaço de interação, e o menor vacilo pode representar uma forma de
punição sobre o infrator, sem que se possa fazer nada para impedí-la. Visto constituir-se
no que Zilli descreve como a ‘lei da favela’. As regras são claras. A vida na favela, seja
no Bate-coração, Calombão, Tubarão ou Estrada da Cocisa, seguem as mesmas regras
de convívio. O tráfico existe, o individuo trabalhador também, a relação que se
estabelece tende na maioria das vezes ao equilíbrio, respeitando a lei do mais forte: no
caso, o tráfico. Não se permitem roubos na favela, o X-9 ( o indivíduo que funciona
como informante de polícia sobre atuação do tráfico), estupradores e etc...

A situação biográfica

Em Schutz a situação biográfica é uma unidade em que se constitui o sujeito


dentro de um mundo compartilhado e intersubjetivo. Um mundo que existe
independente do sujeito, composto por elementos materiais pertinentes a história de
uma cultura. Onde o sujeito ancora sua biografia e onde se forma o “outro”,
imprescindível à sociabilidade que se concretiza nos atos comunicativos.

Neste tópico será abordado em breves linhas os perfis dos entrevistados com
vistas a apresentar ao leitor pessoas reais em seus contextos sociais interativos: no caso,
sua vida na favela. Além de fatos vivenciados no cotidiano, falas e posições frente ao
que se entende por violência e vida em sociedade. Da socialização que se constrói pelas
experiências em seus campos subjetivos e particulares, dos sentidos que dão forma ao
seus ‘estoques de conhecimentos’ construídos em suas vidas diárias. Um mundo
compartilhado, intersubjetivo e de permanente deciframento das ações dos sujeitos.
Neste sentido, alude-se à importância de compreender os indivíduos dentro de seu
59

mundo social como um ator capacitado a apresentá-lo na essência enquanto unidade de


sentido possível de entendimento.

As entrevistas descritas constituiram uma transcrição sumária da fala dos dois


estudantes selecionados em resposta ao que ficou definido como o enunciado da
pesquisa de investigação.

Jovens selecionados:

1) Jamile

20 anos, estudante do 1º ano noturno, mora no Calombão, não tem filhos, mora
com a família e com namorado (disse namorado, pois segundo a mesma ‘marido é
quando casa’). Família vive do trabalho do pai que é porteiro em edifício no Campo
Grande, mãe do lar, namorado trabalha de cobrador de van Ilha de São João até Paripe.
Só tem mais um irmão de 17 anos. Segundo relato, namorado já usou maconha, mas
atualmente só fuma cigarro e bebem nas festas de largo nos finais de semana. A
entrevistada só estuda. Perguntada sobre sua visão de violência, responde que “tá tudo
violento”. Prossegue, “a gente mora em invasão, favela, esses nomes todos que as
pessoas gostam de dar porque aqui moram muitos pobres e tem tráfico; a gente sabe
disso. E as pessoas aqui não se tratam assim, mas quando a gente sai daqui a gente
vê a diferença nos olhos dos outros, principalmente quando os meninos usam bonés,
tatuagem, bermudas da Seaway, Mahalo. Geralmente a gente vai para praia da
Ribeira final de semana e eu já vi muitas vezes os policiais dando dura nos ônibus
quando a gente volta da praia e parece que eles escolhem os meninos para dar
baculejo (revista). A gente sabe que é por causa das roupas e porque são negros. Um
monte de coisa que a gente usa e que para polícia e para os barão é coisa de ladrão, e
nem sempre é. Até eu quando tinha 16 anos, eu já ia para ribeira, ficava no
Cantagalo e tomei vários baculejos de PEFEM e elas são tudo tiradas, trata a gente
como lixo. Uma quase me dá um tapa na cara porque achava que eu tinha alguma
coisa na bermuda, e não achou nada em ninguém e ficou de cara feia quando não
acharam. Minha mãe sempre fala para levar documento e não andar de bonde(em
grupos grandes), mas qual é a graça de ir sozinho pra praia? – a gente é favela, as
pessoas já olham atravessado. Não adianta. A gente não nasceu em outro lugar. Mas a
praia é publica e nada a ver achar que porque é favelado tem que ser ladrão. A maioria
dos nossos amigos aqui já tem filho, tem família; estudar não vou mentir, é chato, é
60

melhor botar uma guia (ponto de comercio informal) de qualquer coisa e ganhar o
nosso aqui mesmo onde a gente mora, melhor que ir para outro lugar e passar por isso.
A violência para mim vem das pessoas acharem que em favela só tem ladrão. Ladrão
tem em tudo que é lugar e nem sempre vem de favela, na política tá cheio - ri. Se o cara
não tem de onde tirar dinheiro, não tem emprego, não tem comida, tem filho, o que a
pessoa vai fazer? – em casa fica aquele aperto de mente, e ai? – olha vários amigos já
foram trabalhar na boca, outros vendem amendoim, queijo, salgado com suco, mas
às vezes dá muito pouco e o cara fica na bruxa(estressado) e acaba fazendo uma
besteira. Recente agora, um amigo nosso que vendia queijo na ribeira, ele tem um
filhinho com uma menina daqui mesmo, eu não sei dizer o que deu na cabeça dele,
ele era de boa, mas foi roubar no ônibus os policiais encurralaram, ele correu e
parou numa rua sem saída em Plataforma. Mataram ele na covardia, me diz como
um cara só e um monte de policia: precisava matar ele? – podia prender. Ele estava
só o outro que tava conseguiu fugir, ele ficou sozinho. Isso eu falo que é violência.
Ele estava errado, tava roubando, mas ele trabalhava, vendia queijo, você podia ver
ele todo sábado e domingo indo para São Joaquim comprar queijo. Acho que foi ver
o filho sem nada para dar, acho que voltou pra cá cheirou com os meninos e toparam
fazer uma “correria” (assim comentaram aqui), que fez ele tentar essa onda. Ele não
era um menino que vivia nisso, eu acho que na primeira ele não teve sorte. Agora ele
morreu e a menina e dele vai ter que se virar ou arrumar outro cara. E o filho vai ser
mais um criado aqui sem pai. A gente vê isso todo dia, e não é bom de ver. As vezes dá
um frio na barriga. Eu acho que a violência está ai. A favela tem o tráfico, eles tão
sempre em briga com os alemão, mas os moradores não entram em nada, agora a gente
vai tentar emprego, tem que ter cursinho, tem que ter um monte de coisa às vezes para
limpar chão. A maioria dos meus amigos já tem filho, o cara fica neurótico com tudo
isso. Eu acho que ninguém entende a vida aqui dentro da favela. A gente vive como
todo mundo, as casas não são bonitas, falta um monte de coisa, mas se você perguntar
quem gosta daqui, quase todo mundo vai dizer que gosta. A gente está acostumado, a
gente tem família, amigos, muita resenha. A violência é a causa da morte de um monte
de gente, a maioria muito novo, mas eu acho que o problema é que está difícil para
todo mundo, eu às vezes me pergunto, pra que estudar tanto? – minhas amigas pararam
de estudar e tão fazendo bico, eu to estudando e não achei nada, se meu namorado não
fizesse os serviços dele e eu não tivesse o apoio da minha família e tivesse que pagar
61

aluguel a gente tava muito enrolado. Existe violência sim, mas a gente daqui não
somos o motivo do mundo está como está, a gente é mal vista, e por isso a polícia
desce o pau e mata sem miséria. Mas no fundo eu acho, que a gente paga por ser o
que somos. Essa é minha opinião.”

2) Nescau

19 anos, negro, não tem religião, mora com a mãe e mais quatro irmãos. Dois são
maiores. Não conheceu o pai. Não trabalha, a mãe é doméstica na Barra, um irmão
trabalha de borracheiro na Escola de menor (ladeira que separa Paripe e Calombão) e
outro é barbeiro no local. O entrevistado só estuda e admite o uso de drogas ilícitas
desde os 14 anos, não tem filhos e namora uma ‘piveta’(menina segundo as palavras do
entrevistado) do Bate-coração.
Relata que numa ocasião tomou as dores de um amigo próximo numa briga
com outro menino do morro na mesma comunidade. O outro jovem envolvido no
embate foi até a boca e relatou que apanhou dos dois num ato de covardia. O pessoal
da “boca” puniu um dos dois ao ponto fraturar gravemente a mandíbula do outro
menor, que ficou um mês internado porque teve que colocar uma prótese metálica
para ligamento da fratura. A mãe não pode dar queixa, por saber que representaria
sua expulsão da favela, ou quiçá, coisa pior. Como relatou um vizinho à época
durante o ocorrido: “O problema da favela, se resolve na favela”. De modo que sua
mãe arcou com todas as despesas com antibióticos e idas e vindas ao Hospital Caribé. A
visão de violência relatada pelo jovem justifica como legítima a ação dos homens da
“boca”, que julgou covardia dois contra um, e espancaram o amigo do entrevistado para
que servisse de exemplo. Perguntei sobre essa percepção, o mesmo disse que a maioria
das pessoas na favela recorrem a boca para problemas de agressão, furtos, conflitos
domésticos. E nessa via de resolução de conflitos, tornou-se legítima a ação dos que
“trabalham” na boca sobre a questão da ordem na favela. O jovem agredido não ficou
com sequela visível, mas apresenta uma prótese metálica na mandíbula inferior. O
outro, hoje trabalha na “boca” e os antigos “soldados” da boca foram mortos em uma
incursão policial. É dito pelo entrevistado que os grupos que dominam os pontos de
venda de drogas são frequentemente substituídos, “tem sempre pivete novo”. Ou
porque alguns resolvem sair após testemunhar muitas mortes prematuras em
confronto seja com rivais do tráfico (menos frequente de acontecer) ou com a polícia,
62

outros morrem (maioria) e alguns são expulsos das comunidades por contrariar
algumas regras do tráfico. Como por exemplo nunca roubar na área, ou ser apontado
como estuprador, vender droga de outro grupo rival na mesma favela dentre outras
atitudes vistas como “infrações”. Do ponto de vista deste entrevistado, “a violência está
mais ligado ao fato de que as pessoas não entendem a favela. Ele se diz usuário de
maconha, a família é conhecedora, mais dois irmãos utilizam. O mesmo se vê como
exemplo quando diz que “sou usuário, mas não deixei de estudar, embora não goste.
Vivo na favela, amo a favela e nunca roubei. Uso tatuagem, larguei várias no corpo,
mas não sou bandido. Entendeu?. Acho que é onda morar na favela para quem não é de
lá, para quem não tem nada a ver. A polícia tem um jeito que pra eles é o ladrão que eu
não acho que bate com todos os pivetes que eu conheço. Eu tenho muitos amigos como
eu que são de boa. Nunca se envolveram e não se envolvem. Já tive muitos que
morreram por que a polícia matou que eram de boa. A gente fica sem dormir com
medo, qualquer zoada já pensa que são os policia entrando. Eu não durmo com luz
apagada, e tem um monte aqui que é assim também. A gente nunca sabe. Policia
também cheira, vai que esses caras entram na onda e porque não vai com a cara do
pivete, mata. E ai? – tá feito. Eu e todo mundo já viu isso aqui. Dá ultima vez
queimamos pneu na estrada velha, durou ate a tarde. Os moradores da vila da
Marinha não puderam entrar, veio jornal, repórter. Morre muito envolvido, uns
pivete que são sinistro mesmo, que gosta de encurralar, que toca terror, mas tem
muito que não entra em nada e morre de graça. Como é que a polícia vai saber se não
mora aqui dentro? – isso é violência entendeu? . A gente é tudo preto mesmo, pobre,
não tem barão na favela, só o patrão, mas ele não vive aqui dentro, ele anda pelos
camarotes, nas baladas. Policia não sabe abordar favelado, eles já chegam tocando
terror. Revistar é normal, mas pra que dar murro, tapa na cara? – isso revolta, às
vezes o policial é preto igual a gente e parece que é melhor. Não adianta falar, eu acho
que isso nunca vai mudar nada, se for matar porque a gente é preto vai matar a favela
toda. Porque tem tatuagem, porque usa maconha? – vai a favela toda. Violência é
isso. É como se aqueles caras não entendessem nada daqui e tivesse que mostrar
serviço. Isso não vai acabar. Porque favelado não pode nunca estar feliz que tem alguma
coisa errada. Não to falando que roubar é certo. Quem me deu meu celular foi minha
mãe. Aqui aparece um monte para vender, eu to ligado que a maioria é roubado, mas
prende o cara. Agora os homem saem matando. Pra mim nada nunca vai mudar, tem um
63

monte de coisa que eu não entendo, que é sobre os barão da política, da justiça, mas pra
mim violência é assim e eu quero ficar na minha, no meu canto e se tivesse uma casa no
interior eu me saia.

As tabelas 1 e 2 foram elaboradas com o objetivo de elencar dados relevantes à


análise, como declarações com teor significativos, seus significados formulados e
resultantes nas formas de temas que serão tratados como atinentes às falas dos
entrevistados. É fato que não é objetivo desta monografia esgotar todos os significados e
temas, mas fazer emergir os principais pontos relacionados ao arcabouço teórico que
norteia a presente pesquisa.

Tabela-01 “Nescau”
Declaração significativa Significado formulado Tema
“A violência está mais ligado favela: lócus da violência. Estigmatização territorial
ao fato de que as pessoas não
entendem a favela.”
(...)”Eu tenho muitos amigos O medo de ser confundido com o Medo: o risco de morte
como eu que são de boa.
envolvido. A vida sobre os trilhos.
Nunca se envolveram e não se
envolvem. Já tive muitos que
morreram por que a polícia
matou que eram de boa. A
gente fica sem dormir com
medo, qualquer zoada já pensa
que são os policia entrando.
Eu não durmo com luz
apagada, e tem um monte aqui
que é assim também. A gente
nunca sabe.”

Tabela-02 “Jamile”
Declaração significativa Significado formulado Tema
“A gente mora em invasão, favela, Pobreza e favela, a encarnação Estigmatização territorial
esses nomes todos que as pessoas
do mal
gostam de dar porque aqui moram
muitos pobres e tem tráfico;
“Existe violência sim, mas a gente O ser pobre e favelado: o A sujeição criminal
daqui não somos o motivo do mundo
agente da violência no
está como está, a gente é mal vista, e
por isso a polícia desce o pau e mata determinismo social
sem miséria. Mas no fundo eu acho,
contemporâneo.
que a gente paga por ser o que somos.
Essa é minha opinião.”

O sentido e a percepção da violência: na ótica dos entrevistados


64

Nas leituras e observações de suas entrevistas, eu inferi que os jovens entrevistados


viveram de formas distintas uma mesma experiência coletiva dentro da favela. Para
estes, a violência não é prerrogativa da mesma, mas para esta é trazida. Por ações
policiais truculentas e não seletivas. Por falta de um trabalho investigativo direcionado e
objetivo. Por pressão da sociedade que atribui um sentido criminal à pobreza vivida na
favela. Por representar aquele que defende os interesses dos “barões”, daqueles que
discriminam a “cor da pele”, criminalizam a pobreza, interrompem os sonhos dos
amigos e trazem saudades e revolta.

A questão apontada pelos jovens entrevistados, sempre trazem nas suas falas um
sentimento de revolta e descontentamento com a polarização observada na sociedade
como um todo. As disparidades observadas e apontadas por estes são claramente
entendidas como falta de oportunidades que na ponta emergem como incapacidade
deles e o mundo parece que já está dado. É como se para alguém não houvesse a
mínima possibilidade de ser diferente ou quiçá de mudar o curso de suas vidas. A favela
é feia, é suja, as pessoas que ali sobrevivem não ostentam o que a vida fora da favela
oferece, no entanto a vida favelada não é o problema da violência na sociedade. Cada
indivíduo age de acordo com um processo distinto de socialização, de uma situação
biográfica específica que lhe atribui uma forma de pensar e achar, a seu modo, uma
forma de resolver os conflitos. A violência segundo os entrevistados existe, é fato. Mas
não pode ser tributado à favela. Favela e territórios não favelados vivem uma
polarização que se estabelece como regra de um jogo que aqueles que o vivenciam na
favela, conhecem bem. São fronteiras que indicam comunicação, como ‘vasos
comunicantes’(FELTRAN, 2008). Sem argumentar com precisão sobre os motivos pelo
qual a sociedade se encontra fragmentada, os jovens entrevistados apontam para uma
interpretação particular que denuncia preconceito e estigmatização da sociedade para a
vida na favela, que é reproduzido à revelia em reportagens jornalísticas e falas ouvidas
em rodas de amigos e em família. No entanto, insistem que a favela é incompreendida.
Na percepção de Jamile e Nescau:

“Existe violência sim, mas a gente daqui (da favela) não somos o motivo
do mundo está como está, a gente é mal vista, e por isso a polícia desce o
pau e mata sem miséria. Mas no fundo eu acho, que a gente paga por ser o
que somos. Essa é minha opinião.(...) A violência para mim vem das
65

pessoas acharem que em favela só tem ladrão. Ladrão tem em tudo que é
lugar e nem sempre vem de favela.”(Jamile)

“A violência está mais ligado ao fato de que as pessoas não entendem a


favela.” (Nescau)

O “matar sem miséria”, reforça a ideia da eliminação do elemento suspeito e é


ovacionado pela mídia e encontra legitimidade na sociedade que pensa ter se livrado do
8
mal que a impede de viver a vida perfeita e segura. O perfil da “vítima duvidosa”
citado por Ruotti et al (2014), encontra nas palavras de Jamile “a gente paga por ser o
que somos.”, um sentido que corrobora a justificativa para uma sujeição criminal
incontornável que dispensa discussões e buscam um consenso quanto à sua
aplicabilidade ou não a determinado indivíduo. Entretanto, quando checamos a
realidade presente na vida destas periferias o que encontramos é a constatação da
acusação social que vem ‘de fora’, punindo o sujeito num contexto onde o que
predomina é a incriminação do mesmo, resultante de uma construção social que
desconhece e o condena previamente.

Algumas vítimas podem ter suas mortes em parte justificadas ou em alguns casos
o encarceramento como forma de retirar da sociedade o elemento considerado perigoso
e nocivo. Este processo de seletividade é uma estratégia fundamental para se entender a

_______________________________

8
(Schillagi, 2009, citado por Ruotti et al, em seu estudo de caso sobre jovens, vulnerabilidade e morte
violenta durante os ‘crimes de maio em São Paulo) - O processo de seleção e diferenciação, constituem-
se no discurso público em dois tipos de vítimas: as “inocentes” e as “duvidosas” (Schillagi, 2009).
Qualidades estão relacionadas à visibilidade e à aceitação social daqueles que sofrem a agressão, sendo
fundamental para a atribuição do estatuto de vítima o pertencimento ou não a uma comunidade moral que
é identificada pelo bom proceder daqueles que a constituem.( SCHILLAGI, C. La disputa de las víctimas:
(in) seguridad, reclamos al Estado y actuación pública de organizaciones y familiares de víctimas de
delitos en la Argentina democrática. 2009. Trabalho apresentado ao Congress of the Latin American
Studies Association, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: . Acesso em: 1 fev. 2012.)

impunidade e violência que pesa sobre as classes populares, oriunda não só do sistema
de justiça criminal, mas principalmente pela sociedade como um todo.
66

Preconceito e estigmatização

A questão observada em todos os relatos do nosso universo de entrevistados, refere-


se ao fato de que há uma consciência coletiva equivocada sobre o olhar e o sentido que
a sociedade atribui à favela. Esta visão externa é carregada de preconceitos
racionalizados que em todo momento, e em todas as falas, emergem com um tom de
denúncia e queixa de que as pessoas de fora não entendem a favela e criaram para a
mesma, uma forma perversa de subjetivação permeada de mitos e considerações que
partem de um movimento generalizante para enquadrar sua população numa categoria
de marginalidade.

“A gente mora em invasão, favela, esses nomes todos que as pessoas


gostam de dar porque aqui moram muitos pobres e tem tráfico; a gente
sabe disso. E as pessoas aqui não se tratam assim, mas quando a gente sai
daqui a gente vê a diferença nos olhos dos outros, principalmente quando
os meninos usam bonés, tatuagem, bermudas da Seaway,
Mahalo.”(Jamile)

“A gente é favela, as pessoas já olham atravessado.” (Jamile)

Nestes dois trechos selecionados da fala da entrevistada fica claro a ideia de um


tipo especifico de subjetivação que elabora um sujeito dotado de um rótulo que partindo
da forma dele ser, tende-se a inferir seu provável local de moradia e sua ocupação
dentro de um escopo de vida em sociedade. A fala dos jovens entrevistados revela uma
percepção que se materializa no dia a dia destes jovens e que os torna objeto de
repetidas abordagens policiais, em função do que Misse (2010) conceitua como sendo
uma situação de sujeição criminal. Segundo este autor, a referida situação alude a um
processo não democrático, não igualitário e principalmente não voltado ao bem comum.
O sujeito que partindo de sua composição e aparência física, seja pelo tipo de roupas,
adereços, corte de cabelo, presença de tatuagens que seu corpo porta, torna-se especial
num sentido estereotipado negativamente como agente de práticas criminais.
Moralmente repulsivo é o individuo para quem as reações de distanciamento das
pessoas tidas como de ‘bem’ são cultivadas e contam com amplo apoio da sociedade.
Tipos sociais’ de agentes demarcados (e acusados) socialmente pela pobreza, pela cor e
pelo estilo de vida. (...) não são apenas criminosos; eles são vistos e tratados como
“marginais”, “violentos”, “bandidos” (MISSE, 2010; p.18). Nas palavras de ‘Nescau’, e
67

também nas de Jamile, se pode inferir e avançar mais sobre o trazido em Misse quando
dizem:

“Se for matar porque a gente é preto vai [ter que] matar a favela toda.”

“A gente sabe que é por causa das roupas e porque são negros.”(Jamile)

Esses dois trechos narrativos aqui trazidos apontam bem a consciência e visão que
estes jovens têm e como vivem e sentem nas suas peles o problema que Misse (2010)
denomina de Sujeição criminal. Zaluar (1994) trata a relação entre polícia e comunidade
como ‘Quadro de mentalidades’9, por onde expressa a realidade de construções
oriundas de experiências destes atores no cotidiano da vida na favela. Estas
experiências, segundo a autora, se estruturam segundo uma trama de experiências entre
a vida local, pelas informações veiculadas pela mídia e pelo próprio modelo de
formação das polícias. Estas práticas de ações policiais parecem apoiar-se em ideias que
enquadram os moradores das favelas ou periferias como se todo e qualquer favelado
fosse parte das ‘classes perigosas’. O quantitativo da população carcerária brasileira
comprova este aspecto, se nos atentarmos para apurar qual a origem social da maior
parte da população carcerária e de que muitos, como o tem provado diversas pesquisas,
nem comprovação de crime tem, e ficam aguardando em prisão, anos por julgamentos
não realizados.

O que orienta a prática do trabalho policial é exatamente a ideia e construção que


passa a se erguer em torno do elemento suspeito. Onde roupas, cor da pele, idade,
trejeitos podem ser importantes indicadores a levar em conta para poder se antecipar e
detectar esse mal social. O meio social do qual sua vitima provem, na visão do policial,

_______________________________

9
Em ‘A polícia e a comunidade: paradoxos da (in)convivência’, In: Condomínio do diabo, Alba Zaluar
utiliza o conceito de “quadro de mentalidades” para aludir a imagens e ideias que ficam cristalizadas em
cada uma das partes, policia e comunidade. Seriam preconceitos, estereótipos, memórias ideologizadas,
que vão se montando a partir de vários mecanismos. Resultantes de experiências concretas de moradores,
das imagens dos meios de comunicação, dos cursos de formação e praticas policiais. Onde para o meio
policial, a pobreza ou favela seriam os fatores criminógenos por excelência. (1994; pp.88-95)

como um outro possível determinante do comportamento criminoso. Nesta linha de


pensamento, fica mais clara a lógica que descreve a favela como o mundo da desordem,
que se oporia a um outro lado, o ordenado (a cidade formal) da sociedade, lado este que
não se abriga em barracos, ao que não faltam empregos, nem educação de qualidade.
68

As explicações mais comuns, para que indivíduos se tornem, ou sejam vistos como
‘criminosos’ variam desde a culpabilização da sociedade, às explicações deterministas
que tratam desse conjunto de compleições físicas acima descritas. E este mecanismo de
culpabilizar o pobre é apontado por moradores do Subúrbio ferroviário de Salvador
como o de um modelo arraigado em preconceito e estigmatizacão do que buscam,
criticamente, se afastar e resistir, no sentido dado a suas falas. Assim como o modus
operandi tão naturalizado no modo de operar da ação policial em bairros de periferia,
tende a desconsiderar que seus atos são preconceituosos e se dão contra pessoas da
mesma cor e classe que eles mesmos, na maior parte das vezes, desconsiderando a
realidade cultural e socioeconômica de uma cidade de maioria negra e pobre. Outra vez
o ‘ser negro’ passa a ser usado como um dos principais critérios de suspeição. Em
contraste com outras partes da cidade, a vida favelada tende a ser mal entendida (e por
vezes vitimada por abusos policiais).

O tipo de constatação presente na fala sobre a realidade de se viver numa favela e


de ser favelado, negro, pobre e de contar com a presença do tráfico em seu cotidiano é
apresentado pela entrevistada Jamile de modo fatalista, como se fosse em um estado em
definitivo, e constituísse uma natureza irrevogável e incontornável: “A gente sabe
disso”, argumenta em tom de aceitação de uma realidade que lhe impõe a sociedade
como ‘maldição’. Ficando perceptível o conhecimento da desvantagem que se faz
presente na mente daquelas pessoas que se encontram nas franjas do tecido social,
marginalizados e pagando um custo pela falta de possibilidades e inclusão. A expressão
ora apresentada desvela uma concepção de vida que já esta cristalizada e que portanto,
pode ser um elemento capaz de corroborar a visão de sociedade fragmentada em pontos
do que é ‘ser ou não favela’. Aparência pessoal, graus de instrução, e outros sinais
diacríticos, são elementos que somados constituem o individuo que ocupa estes espaços
sociais e tornam-os alvo das medidas repressivas de violência orquestrada pela
sociedade. Sendo o jovem, pretos, pobres e moradores de favelas, atualmente os mais
afetados por estes mecanismos.

Medo: o risco de morte

“A gente fica sem dormir com medo, qualquer zoada já pensa que são os
polícia entrando. Eu não durmo com luz apagada, e tem um monte aqui
que é assim também.”(Nescau)
69

O risco de morte que se materializa nas execuções, nas trocas de tiro com a
polícia, a morte dos ditos “não envolvidos”, “trabalhadores”, apontam para um processo
de não seletividade das vítimas. As incursões policiais, segundo as palavras dos jovens,
tem pouco de objetividade na abordagens dos verdadeiros envolvidos. Ao que gera
medo e insegurança para quem mora na favela e não faz parte de grupos ligados ao
tráfico.

“(...)Recente agora, um amigo nosso que vendia queijo na ribeira, ele


tem um filhinho com uma menina daqui mesmo, eu não sei dizer o que deu
na cabeça dele, ele era de boa, mas foi roubar no ônibus os policiais
encurralaram, ele correu e parou numa rua sem saída em Plataforma.
Mataram ele na covardia, me diz como um cara só e um monte de policia:
precisava matar ele? – podia prender. (...)” (Jamile)

“A gente vê isso todo dia, e não é bom de ver. As vezes dá um frio na


barriga.(Jamile)”
Depreende-se que a categoria violência objeto desta investigação, nas palavras
dos entrevistados, é reconhecido como fato real e existente. Ação policial surge como o
elemento externo, impessoal, estranho ao ambiente. Aquele que desconhece a vida
vivida por aqueles indivíduos e cuja função é retirar das ruas o que ameaça a sociedade.
Ações policiais na comunidade, segundo relato dos jovens, sempre têm como desfecho
agressões físicas em alvos considerados “possíveis suspeitos” ou nos casos mais
extremos, até de se encontrar um corpo jogado nas vielas ou no asfalto. Que nem
sempre, segundo pontuam, é o corpo de alguém realmente envolvido com o tráfico ou
outras práticas ilícitas. Desta rotina, e práticas de que eles são alvos, jaz o medo.
Sentimento constante que faz parte da vida na favela. O risco de transitar a noite na
comunidade é grande, visto que parte das ações policiais ocorrem nestes períodos.
Invasões de barracos, arrombamentos de portas na procura de ‘nomes dados’ por algum
informante infiltrado na favela não é incomum e às vezes alguém é confundido e
eliminado. Para Feltran (2008), que discute e ilumina vividamente muitas destas
questões em sua reconhecida etnografia sobre os modos de operar do PCC em São
Paulo, o mundo do crime está centrado no mundo social , separado como que por
‘fronteiras’, no qual, algumas partes dos códigos de condutas são seguidos e
compartilhados com os que integram o mundo social e a outra parte se mostra oposta a
ele. Esta ideia de fronteira entre o que é o mundo do crime e o mundo social, segundo o
70

autor, é o que dá a tônica do indivíduo envolvido e pode confundir a busca do suspeito


na ação da polícia. Para os envolvidos há um mercado de fluxo fluído, códigos de
conduta que incluem punições e avançam sempre em práticas de violência a medida em
que mais se envolvem. Em todos os casos de envolvimento com o mundo do crime,
elementos comuns se fazem presentes para a concretização desta realidade: dinheiro,
consumo, sofrimento familiar e mortes violentas. (FELTRAN, 2008).

Seguindo esta linha de pensamento que recuperamos através da síntese de


algumas questões importantes trazidas nas pesquisas do Feltran sobre pessoas
envolvidas com o tráfico de drogas e o mundo do crime, no trecho narrativo de Jamile a
seguir, sobre o caso de um amigo dela da favela, com algum envolvimento, ela discorre:

“Se o cara não tem de onde tirar dinheiro, não tem emprego, não tem
comida, tem filho, o que a pessoa vai fazer? – em casa fica aquele aperto de
mente, e ai? – olha, vários amigos já foram trabalhar na boca, outros
vendem amendoim, queijo, salgado com suco, mas às vezes dá muito pouco
e o cara fica na bruxa (estressado) e acaba fazendo uma besteira.”

Nesta fala Jamile aponta que a pobreza pode ser um elemento motivador para o
ato delituoso. O ‘aperto de mente’, expressão que indica na linguagem utilizada na
favela, um tipo de cobrança exercida sobre a mente de uma pessoa em situações de
dificuldade que pode funcionar como o estopim para ações pouco racionais na
resolução de problemas. Neste caso específico a entrevistada trás um relato do jovem
que para alimentar o filho realizou um assalto em um ônibus, e foi morto por policiais.
Nas poucas oportunidades de trabalho de que fazem parte a juventude da favela, Jamile
cita os tipos de atividades informais utilizados pelos jovens para sustentar família e
adquirir bens de consumo. Vender amendoim, queijo coalho, salgado e suco... No
entanto, o lucro às vezes é baixo e concomitante às necessidades básicas, ao uso de
drogas, a vida mais difícil, acentuando as privações. E é neste contexto de necessidades
que surgem os convites para eventos isolados como pequenos furtos ou a venda de
drogas. Eventos esses que ganham uma maior aceitabilidade quando comparado com a
lucratividade incerta e o grau de dificuldade dos trabalhos informais citados acima.
Neste caso específico a entrevistada retoma o relato acerca do jovem que para
alimentar o filho realizou um assalto em um ônibus. Para Zaluar, a nova pobreza urbana
é fruto da rápida urbanização e das desiguais políticas salariais vigentes. Promovendo
distanciamentos estanques entre ricos e pobres. Num desenho social, onde a ausência
71

dos pais por períodos de longas jornadas de trabalho, passam parte de suas atribuições
socializadoras e de instrução, para instituições como a escola e centros de assistência
social.

Diferente de se pensar em desemprego ou no subemprego que afetam a


juventude, parece mais robusta este modelo de adesão juvenil à práticas ilícitas dar-se
em decorrência deste processo de agregação a grupos que Zilli chama de ‘mundo do
crime’. Para este sociólogo o que demandaria a entrada para o mundo do crime seria ter
uma arma, frequentar os eventos do “chefe” ou “patrão”, contrair guerras com grupos
rivais ou com a polícia. Tendo como garantias status, ganhos financeiros, problemas
decorrentes do envolvimento, traição, intrigas. Estes grupos dão aos seus integrantes
oportunidades de obter bens materiais e simbólicos muito valorizados entre jovens. Esse
status é desejado por outros jovens que enxergam nisso uma elevação do status nas
favelas.
Neste universo de práticas delituosas, o jovem é estimulado a consumir e
construir-se pelo que veste, pelo que tem. Para esses jovens o primeiro círculo vicioso
se dá na diferença daqueles jovens que somente roubam para se vestir e tornarem-se
parte da juventude daquela comunidade. A aquisição de algo socialmente valorizado. O
“ganhar dinheiro fácil”, e a prática se renova continuamente. A arma de fogo toma lugar
crucial no cálculo de que o crime pode compensar. Os jovens vivem a ilusão do poder
aparentemente sem limites que adquirem ao portarem o “ferro”. Arma como símbolo
fálico, instrumento de exercício da força, o respeito alcançado na localidade. Outra
razão capaz de reforçar este envolvimento. A sensação deve valer o risco; prisão e
morte nem sempre são lembrados no momento do crime. (ZALUAR, 1994)

O tráfico na favela: as regras e o proceder

Contudo, também existe violência e um código de conduta impostos pelo tráfico


instalados nestes territórios. No entanto, a questão da convivência, do compartilhamento
do mesmo espaço, rompe em partes com a impessoalidade observada na ação policial.
De modo que, para os entrevistados, moradores que não são envolvidos, “não entram
72

em nada”, ou seja, não são objeto de atrito com estes grupos que controlam o comércio
de drogas, que vivem a margem. A questão pontuada por Jamile e corroborada por
Nescau, é que o tráfico para a favela não é o problema maior. Definindo as regras como
claras e conhecidas.

“A favela tem o tráfico, eles tão sempre em briga com os alemão, mas
os moradores não entram em nada.

“ (...)A maioria das pessoas na favela recorrem a boca para problemas


de agressão, furtos, conflitos domésticos. E nessa via de resolução de
conflitos, tornou-se legítima a ação dos que “trabalham” na boca sobre a
questão da ordem na favela.”(Nescau)

O entendimento do que é violência para um jovem no cotidiano da favela


perpassa por modelos de socialização que se constroem do entrelaçamento de fatores
que se complexificam numa teia densa onde o que é certo ou não depende exatamente
deste processo de experiências construídas. A dimensão simbólica ou estruturas
significantes é um componente fundante que se acopla à dimensão histórica daquele
contexto de interação. Segundo Marques (2009) “As regras de convivência são
compactadas pelos moradores como um proceder.” Regras que variam historicamente e
de acordo com este autor, para buscar a inteligibilidade da realidade destas relações
cotidianas faz-se preciso ir às narrativas destes jovens. Sobre uma dada ‘legitimidade’ e
ordem na favela. Por exemplo, Nescau relata o seguinte episódio:

“Relata que numa ocasião tomou as dores de um amigo próximo numa


briga com outro menino do morro na mesma comunidade. O outro jovem
envolvido no embate foi até a boca e relatou que apanhou dos dois num ato
10
de covardia. O pessoal da “boca” puniu um dos dois ao ponto fraturar
gravemente a mandíbula do outro menor, que ficou um mês internado
porque teve que colocar uma prótese metálica para ligamento da fratura. A
mãe não pode dar queixa, por saber que representaria sua expulsão da
favela, ou quiçá, coisa pior.” (Transcrição da entrevista realizada em
março/2016)

“Como relatou um vizinho à época durante o ocorrido: “O problema da


favela, se resolve na favela”. De modo que sua mãe arcou com todas as
73

despesas com antibióticos e idas e vindas ao Hospital Caribé.”


(Transcrição da entrevista realizada em março/2016)

Nesta segunda transcrição, Nescau cita a fala de um morador local seu


conhecido, quando foi agredido pelos ‘caras da boca’ na ocasião em que tomou as
dores de um amigo. O evento acima descrito por Nescau, descortina um modelo de
realidade vivenciada no dia a dia das favelas, que não constitui especificidade isolada
das comunidades periféricas de Salvador. Zilli (2015) trata por ‘lei da favela”, conceito
que se constitui enquanto uma teia de valores que faz com que aqueles que a seguem
gozem de “status” na comunidade local. A quebra destas regras locais tendem a ser
punidas com extrema violência pelo tráfico. Um tipo de poder que perpassa a vida no
interior destas comunidades e institui um ‘proceder’ ou modo de agir que estaria ligado
a uma dimensão moral que é utilizado como poder por quem a instituiu: no caso, o
tráfico. Marques (2009) ressalta que a realidade no cotidiano das comunidades que tem
estes parâmetros de condutas instituídos submetem toda uma vivencia compartilhada a
um poder que atravessa o corpo social produzindo na ‘ilicitude’ o lícito que ganha corpo
na construção de discursos de verdade, capaz de julgar, sentenciar e promover outros.
Os socialização de regras específicas de convívio num movimento que aponta o certo e
o errado.

O tráfico ou os grupos de delinquência que atuam nas favelas e periferias, agem


por um conjunto de códigos e regras que parte dos moradores veem legitimidade ao
considerarem ‘ser o certo’. Justificando os atos punitivos a eles imputados segundo um
suposto modelo correto de justiça. Como alude Feltran, nesses ambientes, o mundo do
crime é o parâmetro narrativo central em torno do qual gravita todo tipo de diálogo. Tal

____________________________

10
“Boca”, categoria empírica. Significa local onde se comercializa drogas nas favelas e são geralmente
ocupadas por ‘soldados’(jovens que garantem a comercialização e a segurança do negócio.)

como uma conversa considerada simples e corriqueira entre jovens numa manhã ou ao
anoitecer numa esquina, na frente de uma casa, que sempre envolvem aspectos como a
perda de um amigo de infância, de um parente, de um companheiro ou companheira.
No entanto, ações policiais na maioria das vezes, são vistas como covardes e causadoras
de grande indignação, até mais do que as imputadas pelo tráfico. Uma espécie de honra
74

tradicional e local, importante para a construção da identidade que difere o morador


comum do elemento envolvido. Uma espécie de capital simbólico, tomando Bourdieu.

As regras do tráfico são claras e direcionadas e o aviso de como proceder, corre


rápido a favela. Segundo as falas dos entrevistados, a atuação do tráfico, ao contrário
das práticas policiais vividas na comunidade em questão, não atingem na maioria dos
casos os moradores que não se envolvem.

De acordo com Machado da Silva (2008) as ‘garantias externas’ sustentam a


segurança ontológica da vida na comunidade. As garantias são representadas por rotinas
que incorporam o “prosseguir” em situações de incerteza. Essa visão da comunidade
tomada como ‘conivência’ com o tráfico, segundo a visão das forças policiais pode ser
um estímulo à violência policial nas palavras dos entrevistados. De modo a reforçar o
estereótipo também de não moradores destas localidades quanto a sua vinculação com a
criminalidade. Nesta mesma linha de pensamento as falas dos entrevistados revelam o
isolamento tácito das favelas na cidade.

Com dito antes, a centralidade dos discursos do mundo do crime, do processos de


criminalização da pobreza e estigmatização e preconceito por parte da sociedade como
um todo figuraram nos discursos dos entrevistados.

Considerações finais

Tendo por base as narrativas de todos os jovens entrevistados fica claro a


constatação que todos estes viveram de diferentes formas a mesma experiência coletiva
dentro da favela e construíram sentidos e percepções a partir de um modelo específico
de socialização. Para alguns a vida na favela não é violenta, mas a ação da polícia, o
preconceito e a discriminação vivenciados nos espaços públicos por indivíduos que não
pertencem aquele espaço social sobre os moradores das favelas, constitui parte do seu
modelo de violência experienciada.

Na percepção de Jamile e Nescau a violência está em todas as partes, no entanto


no que concerne à favela e seus moradores, o preconceito e a estigmatização parecem
ser seus maiores aliados. O favelado na visão da jovem sofre continuamente com sua
condição social, e é condenado pelo modo como se veste, como fala. Atribuindo-lhes a
75

sociedade, toda sorte de insegurança e violência, que se traduz num pensamento


coletivo de grupo incorrigível, perigoso e motivo das pulsões de violência no espaço
social. A ação policial legitimada por esse modo de ver a favela, nivela em tratamentos
desrespeitosos moradores sejam jovens ou adultos de ambos os sexos. Em ambos os
entrevistados a queixa principal foi contra o preconceito: moradores de favela não
querem ser identificados com o crime. O sentido dado à violência na percepção destes
jovens, aponta sem vacilar para uma visão estigmatizante e não seletiva, excluindo e
fazendo destes alvo de ações repressivas e de desprezo.
A incerteza social juvenil e o dinheiro fácil referência a uma ética às avessas do
trabalho, a violência policial que se orienta pelo frágil determinismo do meio social
recai sobre determinadas parcelas da população, apontando para um contexto de
vulnerabilidade que se potencializa nos processos de estigmatização e criminalização.
Destarte, situações de impunidade estiveram presentes nos relatos dos jovens como
condições prévias e determinantes para o que os jovens identificassem estas práticas
como os modelos de violência percebidos.
É preciso atentar para um conjunto de mudanças sociais em curso nas últimas
décadas, que vêm mobilizando um conjunto de tensões, inclusive para as novas
gerações. Alterações que dizem respeito a processos sociais mais amplos (com
repercussões locais), como flexibilização e precarização do mercado de trabalho,
urbanização intensa, processos de globalização econômica, bem como aquelas
referentes ao crescimento da criminalidade violenta. Segundo Feltran (2010), nas
últimas décadas é cada vez mais emblemático nas periferias do município um menor
alheamento (alienação) da população no que concerne a esse “mundo”. Isso acaba por
influenciar a sociabilidade dos jovens, independentemente de sua adesão e participação
em atividades ilícitas.

A imagem social construída em torno das populações moradoras de determinadas


localidades de baixa renda, fortemente conectada ao aumento da criminalidade,
relaciona-se diretamente com o tratamento diferencial adotado pelas instituições
estatais, inclusive a polícia que operam mecanismos diacríticos (diz-se de ou sinal
gráfico complementar que modifica o valor de algum símbolo) aumentando a vitimiza-
ção de grupos específicos. Constantes vítimas que por conta das deficiências num
projeto de gestão social deformado, perpetuam-se num movimento inerte. Vítimas de
enquadramentos, condenações e abandono. Dos processos de estigmatização da
76

sociedade, endossados pelas lentes míopes da mídia sensacionalista e pela opacidade


das miras policiais.

A banalização resultante destes processos de violência, demonstra que as pessoas


nas comunidades pobres já se acostumaram com eventos desta natureza, tornando-se
sobreviventes familiarizados, desamparados e descrentes nas possibilidades de
superação e melhora das ações de justiça social.

6. Referências bibliográficas

ABRAMO, Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no


Brasil. In: Número especial Juventude e contemporaneidade Angelina Teixeira Peralva
Marilia Pontes Sposito (Org.) Revista Brasileira de Educação, ANPED:1997

ABRAMOVAY, M., Castro, M. G., Pinheiro, L. C., Lima, F. S., & Martinelli, C. C.
(2002). Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: Desafios para
políticas públicas. Brasília, DF: Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura. Recuperado em unesdoc.unesco.org/
images/0012/001271/127138por.pdf

ABRAMOVAY, M; CASTRO, M.G. Jovens em Situação de pobreza, vulnerabilidades


sociais e violências. Cadernos de pesquisa, nº116, p.143-176, julho, 2006.

ANDRADE, Luciana Teixeira de. Estilos de vida nos condomínios residenciais


fechados. In: FRÚGOLI, H.; ANDRADE, L.; PEIXOTO, F. (Orgs.). A cidade e seus
agentes: práticas e representações. Belo Horizonte e São Paulo: PUC Minas e Edusp,
2006. p. 305-329.

BONAMIGO, Irme Salete. Violências e contemporaneidade. Rev. Katálysis.


v.11.n.2.Florianópolis jul./dez.2008.

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal. 2ª. ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1999.

BARROS, José D’Assunção. Tempo e narrativa em Paul Ricoeur :considerações sobre


o círculo hermenêutico. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Fênix – Revista
de História e Estudos Culturais Janeiro/ Fevereiro/ Março/ Abril de 2012 Vol. 9 Ano IX
nº 1 ISSN: 1807-6971 Disponível em: www.revistafenix.pro.br

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Editora


Zahar, Rio de Janeiro, 2003. 141pp.
BERGMANN, Peter e LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade:
tratado de Sociologia do Conhecimento. Porto Alegre: EdPUCRS, 1998.
77

BOMFIM, Leny. A. Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em


experiências com o uso da técnica em pesquisas de saúde. Physis Revista de Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, 19 [ 3 ]: 777-796, 2009.

BOURDIEU, Pierre. Efeitos de lugar. In: Bourdieu, Pierre (Org.). A miséria do mundo.
Petrópolis: Vozes, 2008. p. 159-166.

BOURDIEU, Pierre. 1983. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero. P. 112-
121
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em
São Paulo. São Paulo: Ed. 34/Edusp, 2000.

CARVALHO SOARES, Antonio Mateus de. Violência, crime e jovens empobrecidos.


p. 124-139. In.: ESPINHEIRA, Gey (Coord.). Sociabilidade e violência: criminalidade
no cotidiano de vida dos moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Convênio
Ministério Público do Estado da Bahia, Salvador, 2004.

CAPALBO, Creusa. Metodologia das ciências sociais: a fenomenologia de Alfred


Schutz. Rio de Janeiro: Antares, 1979.

CATÃO, Marconi do Ó. A exclusão social e as favelas na cidade do Rio de Janeiro.


Revista de Direito da Cidade, vol.07, nº 03. ISSN 2317-7721. pp.1002-1045.Rio de
Janeiro, 2015.
COLTRO, Alex. A fenomenologia: um enfoque metodológico para além da
modernidade. Cadernos de Pesquisa em administração. São Paulo, V.1, n.11,
Jan./Fev./Mar.2000.
DAYRELL, Juarez. O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação.
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação. Set /Out /Nov /Dez
2003, Nº 24. pp.40-52. Minas Gerais.

ESPINHEIRA, Gey (Coord.). Sociabilidade e violência: criminalidade no cotidiano de


vida dos moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Convênio Ministério Público
do Estado da Bahia, Salvador, 2004.

FELTRAN, G. de S. Trabalhadores e bandidos: categorias de nomeação, significados


políticos. Temáticas, Campinas, v. 15, n. 30, p. 11-50, 2007.

_________________. Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e violência nas


periferias de São Paulo. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008.

FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Enfoque Fenomenológico na Psicologia; fundamentos,


método e pesquisas.São Paulo, Pioneira, 1993.

GIDDENS, Anthony. Política, Sociologia e Teoria Social. Encontros com o pensamento


social clássico e contemporâneo. São Paulo: Editora UNESP, 1998.
78

GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio


de Janeiro: Guanabara, 1975.

GUIMARAES, Iracema. Dinâmica Urbana e contextos de periferização: Tendências e


cenários sociais e locais. In: GLEDHILL,J., HITA, M.G., PERELMAN. M. Disputas
em torno do Espaço Urbano: Processos de produção/Construção e apropriação das
cidades. Salvador, EDUFBA, 2016.

HUSSERL, Edmund. Investigações Lógicas: 6ª Investigação. São Paulo: Nova Cultural.


1996.

______________ Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia


fenomenológica: introdução geral à fenomenologia pura. Tradução de Márcio Suzuki.
Aparecida: Idéias & Letras, 2006.

_______________ Europa: crise e renovação. In.: A Crise da Humanidade Européia e a


Filosofia, Centro de Filosofia / Universitas Olisiponensis, Phainomenon / Clássicos de
Fenomenologia, Lisboa, 2006, pp. 119-152.

LOURENÇO, Luiz. Prisão e dinâmicas de criminalidade: notas e possíveis efeitos das


estratégias de Segurança Pública na Bahia (2005-2012). O público e o privado - Nº 26 -
Julho/Dezembro – 2015.

MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio (org.). Vida sob cerco: violência e rotina nas
favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008

MAHFOUD, Miguel; MASSINE, Marina. A pessoa como sujeito da experiência:


contribuições da fenomenologia. Memorandum, 14, 5261. 2008.
http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a14/mahfoudmassimi02.pdf

MARQUES, Adalton. Crime, proceder, convívio seguro: um experimento antropológico


a partir de relações entre ladrões. Dissertação de Mestrado apresentado ao programa de
antropologia social da USP. Orientadora: Prof.ª Dra. Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer.
São Paulo, 2009.

MINAYO, M. C. de S. A Violência Social sob a Perspectiva da Saúde Pública.


Cadernos de Saúde Pública. v. 10, n. 1, p. 07-18, 1994.

MACHADO, Eduardo Paes; Noronha, A. A polícia dos pobres: violência policial em


classes populares urbanas. Sociologias, Porto Alegre, ano 4, nº 7, jan/jun 2002, p. 188-
221.

MISSE, M. Malandros, marginais e vagabundos. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro:


IUPERJ, 1999.

__________. Sobre a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Civitas, Porto


Alegre, v. 8, n. 3, p. 371-385, 2008.
79

__________. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica


sobre a categoria bandido. Lua Nova, São Paulo, n. 79 p. 15-38, 2010.

MONTEIRO, Simone Rocha da Rocha Pires. O marco conceitual da vulnerabilidade


social . Sociedade em Debate, Pelotas, 17(2): 29-40, jul.-dez./2011

PAIS, José Machado. A construção sociológica da juventude: alguns contributos.


Análise Social, vol. XXV (105-106; 139- 165 ), 1990.

PETERS, Gabriel. Admirável senso comum? Agência e estrutura na sociologia


fenomenológica. Revista de Ciências Sociais da UNISINOS, vol. 47, nº 1, p.85-97,
Jan/abr 2011.

RIZZINI, Irene; LIMONGI, Natalia da Silva. Percepções sobre violência no cotidiano


dos jovens. Rev. katálysis [online]. 2016, vol.19, n.1, pp.33-42.

RUOTTI, et al. A vulnerabilidade dos jovens à morte violenta: um estudo de caso no


contexto dos “crimes de maio”. Rev. Saúde Soc. São Paulo.v.23.n.3.p.733-748,2014.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal: aspectos da política


criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Tolerância Zero. Revista Internacional de Direito e


cidadania, n. 5, p. 165-176, outubro/ 2009.

SOUZA, Luis Antonio Francisco. Sociologia da Violência e do Controle Social.


Curitiba: IESDE BRASIL S.A. 2010.

SONODA, Katerine da Cruz Leal. Violência urbana no Distrito Federal: histórias de


vida de vítimas indiretas e seus trabalhos de luto. Tese de doutorado em Psicologia
clínica e cultura, Universidade de Brasília. Orientadora Terezinha de Camargo Viana.
Brasília, 2016. 354p.

SCHWARTZMAN, Simon. As causas da pobreza. In: As causas da pobreza, capítulo 1.


Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.208p.

TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. Violências e conflitualidades. Porto Alegre:


Tomo Editorial, 2009.

VEIGA, Elba Guimarães, et al. O processo de delimitação dos bairros de Salvador:


relato de uma experiência. v.1 n.1 p.131-147 ISSN: 2317-2428, Jan /abr. 2012.

SHUTZ, Alfred. “Ação no mundo da vida” e “O mundo das relações sociais”.


WAGNER, Helmut R. (org. e Introdução). Fenomenologia e relações sociais. Textos
escolhidos de Alfred Schutz. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
80

SOARES, Gláucio Ary Dillon. Não Matarás: Desenvolvimento, Desigualdade e


Homicídios. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2008.

SOUZA, E. R.; MINAYO, M. C. S. (Org.). Impacto da violência na saúde dos


brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.

YOUNG, Jock. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na


modernidade recente. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002.

ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta. São Paulo, Brasiliense.1985.

ZALUAR, A. O condomínio do diabo. Rio de Janeiro: Revan: Ed. UFRJ, 1994. 280 p.

_______________. Crime, medo e política. In: ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos


(orgs.). Um século de favela. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

______________. Violência e criminalidade: saída para os excluídos ou desafio para a


democracia?”. In: Sérgio Miceli (org.). O que ler para conhecer o Brasil, vol. I, São
Paulo, Anpocs. 1999.

______________. A globalização do crime e os limites da explicação local. In L. Souza


& Z. A. Trindade (Eds.), Violência e exclusão: Convivendo com paradoxos (pp. 49-69).
São Paulo, SP: Casa do Psicólogo, 2000.

______________. Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro,


FGV. 2004.

ZALUAR, Alba, MONTEIRO, Mário F.G. Desigualdades regionais no risco de


mortalidade de jovens: raça, renda e/ou escolaridade da mãe. Dilemas: Revista de
Estudos de Conflito e Controle Social, 3 (5): 369-386, 2012.

ZILLI, Luís Felipe. O Bonde tá Formado: Gangues, Ambiente Urbano e Criminalidade


Violenta. Belo Horizonte, Departamento de Sociologia da Universidade Federal de
Minas Gerais, tese de doutorado em Sociologia.2011.

______________. “Grupos delinquentes”, em Renato Sérgio de Lima, José Luiz Ratton


e Rofrigo Ghiringhelli (orgs.), Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo, Editora
Contexto, 2014, pp. 117-127.

______________. O “mundo do crime” e a “lei da favela”: aspectos simbólicos da


violência de gangues na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Revista Etnográfica.
Outubro de 2015. nº 19 (3): 463-487.

WACQUANT, Loic. Os condenados da cidade. Tradução de João Roberto Martins


Filho..et.al. Rio de Janeiro:Revan; FASE, 2001.2ª edição setembro de 2005.

_________________. As duas faces do gueto. Tradução de Paulo César Castanheira.


São Paulo: Boitempo, 2008.
81

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2010: anatomia dos homicídios no


Brasil. Rio de Janeiro. FLACSO BRASIL.

____________. Mapa da violência 2014: os jovens do Brasil. Rio de Janeiro. FLACSO


BRASIL.

____________. Mapa da violência 2015: juventude viva, mortes matadas por arma de
fogo. Rio de Janeiro. FLACSO BRASIL.

____________. Mapa da violência 2016: homicídios por arma de fogo no Brasil. Rio de
Janeiro. FLACSO BRASIL.

ALMEIDA, Bruna Gisi Martins. Medo do crime e criminalização da juventude. USP


http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/464_634.pdf, acessado em
24/06/2017.

Você também pode gostar