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SEMEADORES DA PALAVRA e-books evangélicos


 
 
 
 
A Mensagem de 
Eclesiastes 
 
Derek Kidner 
 
 
 
A MENSAGEM DE ECLESIASTES 
©Inter‐Varsity Press, Leicester, Inglaterra 
 
A Mensagem de Eclesiastes, de Derek Kidner, foi publicado em inglês em 1976 pela Inter‐Varsity 
Press, Inglaterra, com o título A time to mourn, and a time to dance. 
A  tradução  em  português  e  a  publicação  e  distribuição  pela  ABU  Editora,  nos  países  de  fala 
portuguesa  é  um  projeto  de  David  C.  Cook  Foundation,  uma  organização  filantrópica 
constituída segundo as leis do Estado de Illinois, cuja finalidade é a divulgação do evangelho de 
Cristo. 
 
Direitos reservados pela 
ABU Editora SC 
Caixa postal 30505 
01051 – São Paulo – SP 
 
Tradução de Yolanda Mirdsa Krievin  
Revisão de estilo de Silêda Silva Steuernagel e Milton A. Andrade  
Revisão de provas de Solange Domingues da Silva 
 
O  texto  bíblico  utilizado  neste  livro  é  o  da  Edição  Revista  e  Atualizada  no  Brasil,  da  Sociedade 
Bíblia  do  Brasil,  exceto  quando  outra  versão  é  indicada.  Comentários  do  autor  quanto  às 
diferentes  versões  inglesas  foram,  sempre  que  possível,  adaptados  às  principais  versões  da 
Bíblia em português. 
 
1ª Edição – 1989 

 
2
 
 
 

Conteúdo 
Primeira Parte ..................................................................................................................................................................... 5 
O que este livro está fazendo na Bíblia? ‐  Uma visão geral ......................................................................... 5 
Segunda Parte ................................................................................................................................................................... 10 
O que o livro diz!  ‐ um breve comentário ........................................................................................................ 10 
Eclesiastes 1:1‐11 ‐  O autor, o tema e o reconhecimento do cenário ............................................. 10 
Eclesiastes 1:12‐2:26 ‐ Em busca de satisfação ........................................................................................ 13 
Eclesiastes 3:1‐15 ‐ A tirania do tempo ....................................................................................................... 18 
Eclesiastes 3:16‐4:3 ‐  A aspereza da vida .................................................................................................. 20 
Eclesiastes 4:4‐8 ‐  Corrida desenfreada ..................................................................................................... 22 
Primeiro Resumo:  Retrospectiva de Eclesiastes 1:1‐4:8 ..................................................................... 23 
Eclesiastes 4:9‐5:12 ‐  Interlúdio: Algumas reflexões, máximas e verdades ................................ 24 
Eclesiastes 5:13‐6:12 ‐  A amargura do desapontamento .................................................................... 28 
Segundo Resumo: Retrospectiva de Eclesiastes 4:9‐6:12 .................................................................... 32 
Eclesiastes 7:1‐22 ‐ Interlúdio: Mais reflexões, máximas e verdades ............................................. 32 
Eclesiastes 7:23‐29 ‐  A busca continua ....................................................................................................... 35 
Eclesiastes 8:1‐17 ‐  Frustração ...................................................................................................................... 37 
Eclesiastes 9:1‐18 ‐  Perigo ............................................................................................................................... 40 
Terceiro Resumo:  Retrospectiva de Eclesiastes 7:1‐9:18 ................................................................... 44 
Eclesiastes 10:1‐20 ‐  Interlúdio: Sê prudente! .......................................................................................... 44 
Eclesiastes 11:1‐12:8 ‐  Em direção do alvo ............................................................................................... 48 
Eclesiastes 12:9‐14 ‐  Conclusão ..................................................................................................................... 53 
Terceira Parte ................................................................................................................................................................... 56 
E nós, o que temos a dizer?  ‐ um epílogo ........................................................................................................ 56 
 
 
Prefácio Geral 
A  Bíblia  Fala  hoje  constitui  uma  série  de  exposições  tanto  do  Antigo  como  do  Novo 
Testamento,  que  se  caracterizam  por  um  triplo  objetivo:  expor  acuradamente  o  texto  bíblico, 
relacioná‐lo com a vida contemporânea e proporcionar uma leitura agradável. 
Esses  livros  não  são,  pois,  “comentários”,  já  que  um  comentário  busca  mais  elucidar  o 
texto do que aplicá‐lo, e tende a ser uma obra mais de referência do que literária. Por outro lado, 
esta  série  também  não  apresenta  aquele  tipo  de  “sermões”  que,  pretendendo  ser 
contemporâneos e de leitura acessível, deixam de abordar a Escritura com suficiente seriedade. 
As  pessoas  que  contribuíram  nesta  série  unem‐se  na  convicção  de  que  Deus  ainda  fala 
através do que já falou, e que nada é mais necessário para a vida, o crescimento e a saúde das 
igrejas ou dos cristãos do que ouvir e atentar ao que o Espírito lhes diz através da sua Palavra, 
tão antiga e, mesmo assim, sempre atual. 
 
J.A. Motyer 
J.R.W. Stott 
Editores da série 

 
3
 
Prefácio do Autor 
Qualquer pessoa que leia as Escrituras (até mesmo o menos eclesiástico dos homens) há 
de deparar‐se com o espírito altamente  independente e  muito fascinante. Isto me leva  a dizer 
duas coisas. 
Primeiro, desejo agradecer ao editor desta série por me dar uma desculpa para estudar o 
livro mais detalhadamente do que nunca. 
Segundo, quero sugerir que alguns leitores fariam bem em passar diretamente à Segunda 
Parte, um breve comentário, onde ouvirão o próprio Pregador, com interrupções minhas, é claro, 
sem  aguardar  o  exame  pretendido  na  Primeira  Parte.  Isso  depende  da  pessoa:  se  ela  prefere 
primeiro ter um mapa das coisas ou mergulhar diretamente, andando às apalpadelas. 
De qualquer maneira, que seja uma viagem rumo ao alvo. 
 
Derek Kidner 
Tyndale House 
Cambridge 
 
 
Principais Abreviaturas 
ANET  Ancient  Near  Eastern  Texts (Textos  Antigos  do  Oriente  Próximo)  de 
J.B. Pritchard (2ªed., OUP, 1955) 
AT  Antigo Testamento
Barton  Ecclesiastes  (Eclesiastes)  de  G.A.  Barton  (International  Critical 
Commentary, Comentário Crítico Internacional), (T.&T. Clark, 1908) 
BJ  Bíblia de Jerusalém, 1966
BLH  Bíblia na linguagem de Hoje (SBB)
BV  A Bíblia Viva (Ed Mundo Cristão)
Delitzsch  The  Song  of  Songs  and  Ecclesiastes (O  Cântico  dos  Cânticos  e 
Eclesiastes) de F. Delitzsch (T.&T. Clark, 1891) 
ERAB  Edição Revista e Atualizada no Brasil (SBB)
ERC  Edição Revista e Corrigida (IBB)
ER  Edição Revisada (seg. os Melhores Textos) (IBB) 
GR.  Grego 
Heb.  Hebraico 
Jones  Proverbs,  Ecclesiastes  (Provérbios  e  Eclesiastes)  de  E.  Jones  (Torch 
Bible commentaries, SCM Press, 1961) 
LXX  A Septuaginta (versão grega pré‐cristã do Antigo Testamento) 
McNeile  An  Introduction  to  Ecclesiastes  (Uma  Introdução  ao  Eclesiastes)  de 
A.H. McNeile (CUP, 1904) 
mg.  À margem 
MS(S)  Manuscrito(s)
NT  Novo Testamento
TM  Texto Massorético
Scott  Proverbs,  Ecclesiastes (Provérbios,  Eclesiastes)  de  R.B.Y.  Scott, 
Doubleday, 1965) 
 
 

 
4
 

Primeira Parte 
O que este livro está fazendo na Bíblia? ­  
Uma visão geral 
 
A  voz  do  Antigo  Testamento  tem  muitas  inflexões.  Temos  aí  quase  tudo,  desde  a 
apaixonada  pregação  dos  profetas  até  os  comentários  tranqüilos  e  prudentes  do  sábio, 
entremeados de um mundo de poesia, lei, histórias, salmos e visões. 
Nenhum  há,  porém,  que  se  assemelhe  ao  Coelet1  (ou  Qoheleth,  seu  intraduzível  título 
original). Não existe, em todo este grande volume, um único livro que tenha as mesmas ênfases. 
Seu habitat, por assim dizer, fica entre os sábios que nos ensinam a usar os olhos e ouvidos 
para descobrir os caminhos de Deus e os caminhos do homem. Alguns de seus ditados lembram 
o livro de Provérbios. E quando, vez por outra, essas incursões com ele nos levam às situações 
mais desconcertantes, ele tem um jeito de parar e, com a sua sabedoria simples e franca, fazer‐
nos  recobrar  o  ânimo  e  o  equilíbrio.  A  sabedoria,  muito  prática  e  ortodoxa,  é  o  seu    campo 
básico; mas ele é um explorador. Sua preocupação é com as fronteiras da vida, e especialmente 
com as questões que a maioria de nós hesitaria explorar muito profundamente. 
Suas investigações são tão implacáveis que ele pode facilmente  ser tomado por cético ou 
pessimista. Sua exclamação inicial,  vaidade de vaidades! Ou Total futilidade!, quase  que merece 
isso; mas para ele há algo mais do que poderia caber numa única frase, mesmo que fosse uma 
frase‐tema. Tanto assim que em certa ocasião alguns mestres quiseram sugerir que dois, ou três 
ou até mesmo nove2 diferentes cabeças haviam trabalhado no livro, tais as suas contra‐correntes 
e  rápidas  mudanças.  Todas  elas,  porém,  podem  ser  consideradas  frutos  de  uma  só  mente, 
abordando os fatos da vida e da morte sob vários ângulos. 
No fundo descobrimos o axioma de todos os sábios da Bíblia, que o temor do Senhor é o 
princípio  da  sabedoria.  Porém  a  intenção  de  Coelet  é  levar‐nos  a  esse  ponto  apenas  no  final, 
quando estivermos desesperados por uma resposta. Embora seja insinuada algumas vezes, o seu 
método principal é começar pelo fim: a determinação de ver até  onde alguém consegue ir sem 
essa base. Ele se coloca – e a nós – no lugar do humanista ou do secularista. Não do ateu, pois no 
seu tempo o ateísmo não era uma preocupação, mas da pessoa que começa a pensar a partir do 
homem e do mundo visível e que conhece Deus apenas à distância. 
Naturalmente  isto  traz  complicações.  Surgem  tensões  entre  o  eu  mais  profundo  do 
escritor, como homem  de convicção  com uma fé a compartilhar, e  o seu  eu temporário, de um 
homem  que  caminha  às  apalpadelas  à  luz  da  natureza.  Este  segundo  eu  tem  os  seus  próprios 
conflitos,  familiares  a  todos  nós,  entre  as  vozes  da  consciência,  dos  interesses  próprios  e  da 
experiência, e entre Deus como reconhecemos e Deus como o tratamos. 
Depois  que  captarmos  o  que  se  passa  no  livro  de  um  modo  geral,  não  nos  será  difícil 
encontrar o caminho através dele; e o comentário fornecerá um pouco mais de ajuda. Enquanto 
isso, convém juntar alguns dos ensinamentos que se encontram espalhados por suas páginas, e 
buscar o conteúdo geral do argumento. 
 
Fatos a encarar acerca de Deus 
Se uma pessoa crê realmente em Deus, as implicações disto devem ser seguidas à risca. E o 
que  Coelet  espera  que  façamos,  sem  imaginar  que  podemos  tomar  liberdades  com  o  nosso 
                                                             
1 A palavra tem a ver com o termo hebraico usado para “reunir” ou “juntar”, e a sua forma sugere algum 

tipo de cargo público. Era possivelmente um  status eclesiástico (como um convocador da assembléia ou 
aquele  que  a  ela  fala),  uma  vez  que  a  palavra‐padrão  para  congregação  ou  igreja  tem  a  mesma  raiz.  As 
muitas  tentativas  de  traduzir  este  título  incluem  as  seguintes:  Eclesiastes,  O  Pregador,  O  Orador,  O 
Presidente, O Porta­voz, O Filósofo. Poderíamos talvez acrescentar O Professor! 
2 Como diz D.C Siegfried, “Prediger und Hohelied”, em W. Nowack, Handkommentar zum Alten Testament 

(Gottingen, 1898) 

 
5
criador  ou  manipulá‐lo  segundo  nossos  interesses.  Somos  confrontados  com  Deus  na  sua 
condição mais temível: como alguém que não se impressiona com a nossa tagarelice, nem com 
nossas  ofertas  rituais  ou  com  nossas  promessas  vazias.  Os  primeiros  parágrafos  co  capítulo  5 
destacam estes pontos de maneira vigorosa: “...Deus está nos céus, e tu na terra; portanto sejam 
poucas as tuas palavras... porque não se agrada de todos.” 
Deus  se  revela  a  nós  neste  livro  sob  três  aspectos  principais:  como  Criador,  como 
Soberano  e  como  a  Sabedoria  Inescrutável.  Não  que  estes  termos  sejam  exatamente  assim 
aplicados  a  ele,  com  exceção  do  primeiro;  mas  podem  servir  com  um  conveniente  ponto  de 
convergência. 
Como  Criador,  ele  arma  todo  o  cenário.  Somos  lembrados  de  que  o  seu  mundo  tem  uma 
forma própria definida, que não pode ser mudada a nosso gosto (e este, convenhamos, tem uma 
certa  resistência  inata  que  é  bastante  complacente  para  conosco,  como  planejadores  e 
padronizadores);3  pois  “quem  poderá  endireitar  o  que  ele  torceu?”  (7:13).  Esse  mundo  tem 
também  o  seu  próprio  ritmo  inexorável  ao  qual  nos  encontramos  presos:  tempo  para  isso  e 
tempo  para  aquilo,  sem  nos  deixar  muita  escolha,  como  o  capítulo  3  destaca.  Mesmo  como 
procriadores, nada mais fazemos  do que ativar o  misterioso processo pelo qual Deus cria uma 
nova vida. “Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no 
ventre  da  mulher  grávida,  assim  também  não  sabes  as  obras  de  Deus,  que  faz  todas  as  cousas” 
(11:5). 
No  entanto,  não  podemos  nos  dar  ao  luxo  de  acusar  o  Criador  pelas  nossas  confusões  e 
nossas maldades, com a Teodicéia Babilônica acusa os deuses,4 pois “Deus fez o homem reto”. A 
responsabilidade fica onde merece, nas conseqüências desta observação: “mas ele [o homem] se 
meteu em muitas astúcias” (7:29). 
Como  Soberano,  entretanto,  Deus  determina  as  frustrações  que  encontramos  na  vida.  A 
rotina da existência que é apresentada logo no início do livro (a propósito, Coelet teria feito uma 
carranca  diante  do  título  espetacular:  “Parem  o  mundo,  eu  quero  descer!”)  –  essa  rotina  é 
decreto  de  Deus.  “...  Este  enfadonho  trabalho  impôs  Deus  aos  filhos  dos  homens,  para  nele  os 
afligir... e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento” (1:13, 14). É verdade que existe nas 
palavras  de  7:29,  que  acabamos  de  ler,  uma  insinuação  de  que  foia  queda  do  homem  que  deu 
lugar  a  esse  decreto.  Também  é  verdade  que,  em  Romanos  8:18‐25,  Paulo  pega  essa  figura  da 
“criação... sujeita à vaidade” para o forte impulso que esta gera. A ênfase de Eclesiastes, contudo, 
está nas coisas que parecem nunca mudar, e sobre os desapontamentos com os quais temos de 
conviver aqui e agora. 
Tudo isto vem de Deus: a trama geral da vida e seus mínimos detalhes, estejam ou não de 
acordo  como  nosso  gosto  e  o  nosso  senso  de  propriedade.  Algumas  vezes  eles  fazem  sentido 
para nós, pois via de regra o pecador recebe uma dose extra de frustração ao ver que Deus cuida 
dos  seus  (2:26);  mas  o  fato  é  que  nada  nos  pertence  e  não  podemos  contar  com  nada.  Se  o 
pecador é atormentado, ele não é o único. A tragédia pode abater‐se sobre qualquer um, e Deus 
está por trás de tudo. O capítulo 6:1‐6 é uma das passagens onde isto é considerado: apresenta o 
fato de que, quanto mais a gente se acha com o direito e quanto mais coisas se tem, mais difícil se 
torna quando Deus o retira, o que pode acontecer a qualquer momento (6:2ss) e ele certamente 
o fará. Pois “não vão todos para o mesmo lugar?” (v. 6b) – isto é, para a sepultura. 
Assim  somos  impulsionados  a  enfrentar  os  mistérios  dos  caminhos  de  Deus  nos  termos 
desses três títulos, ele vem agora ao nosso encontro como  Sabedoria Inescrutável, reduzindo os 
nossos mais brilhantes pensamentos a pouco mais que conjecturas. 
A passagem onde isto aparece de forma mais promissora e cheia de graça é 3:11, um dos 
inesperados pontos culminantes do livro. “Tudo fez formoso no seu devido tempo; também pôs a 
eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o 
princípio  até  o  fim.”  Esta  simples  sentença  capta  a  beleza  deslumbrante  e  assustadora  de  um 
mundo tão mutante que o seu padrão total fica além do nosso entendimento. Mas é um padrão. 
Nós,  ao  contrário  dos  animais,  podemos  captar  o  suficiente  para  termos  a  certeza  disso,  ainda 
que nunca o suficiente para percebermos o todo. 
Uma das conseqüências é que não podemos extrapolar o presente. Se as coisas vão bem ou 
                                                             
3 Cf. 11:1‐6 
4 Veja o comentário sobre 7:29 

 
6
mal,  temos  de  aceitá‐las  como  são,  sabendo  que  o  quadro  completo  mudará  e  continuará 
mudando. “Deus fez assim este como aquele” – os bons e os maus tempos – “para que o homem 
nada descubra do que há de vir depois dele” (7:14). 
Obviamente  o  futuro  está  assim  oculto.  O  que  não  é  tão  óbvio  é  que  o  presente,  que 
permanece  aberto  à  nossa  inspeção,  também  nos  engana.  Assim  como  o  futuro,  ele  pertence  a 
Deus. “Então contemplei toda a obra de Deus, e vi que o homem não pode compreender a obra 
que  se  faz  debaixo  do  sol”  (8:17)  –  não  pode,  em  outras  palavras,  compreender  as  atividades 
comuns que o cercam. “por mais que trabalhe o homem para descobrir”, Coelet prossegue, “não 
a entenderá”. Filosofias são criadas, mas cada uma delas acabará sendo insuficiente: “ainda que o 
sábio diga que virá a conhecer, bem por isso a poderá achar”. Isto está enfaticamente expresso 
em  7:23,24:  “(Eu) disse:  Tornar‐me‐ei sábio,  mas  a sabedoria  estava longe de mim. O  que  está 
longe e mui profundo, quem o achará?” 
Esta  obscuridade  é  intelectualmente  provocante;  apesar  disso,  podemos  desfrutrar  um 
grande  problema  como  exercício  mental.  “A  questão  é  totalmente  outra  se  nos  pomos  a 
conjeturar se o universo, ou até mesmo Deus, é ou não é hostil. Mas é exatamente isto que não 
podemos descobrir sozinhos, e nada há que possamos fazer para assumir o controle. Este parece 
ser o significado de 9:1, ao falar das coisas que “estão nas mãos de Deus”. Mas que tipo de Deus? 
Para  o  homem  que  conhece  o  Deus  de  Israel,  nada  poderia  parecer  mais  tranqüilizador;  mas 
para quem esteja tateando em busca do significado da vida é uma idéia paralisante. “Se é amor 
ou se é ódio que  está à sua espera, não o sabe o homem”. Ele deve orientar pelos prazeres da 
natureza  ou  por  sua  crueldade?  Pelos  sorrisos  da  sorte  ou  por  suas  carrancas  –  e  esta 
certamente  não  pode  ser  controlada,  seja  através  de  um  bom  comportamento  ou  de  uma  boa 
gerência. 
Isto nos leva ao outro aspecto da vida que somos convidados a examinar. 
 
Fatos a enfrentar a partir da experiência 
Uma  das  passagens  mais  fascinantes  do  livro  é  uma  viagem  de  exploração  através  das 
recompensas e satisfações da experiência.5 Com Coelet, vestimos o manto de um Salomão, o mais 
brilhante  e  menos  limitado  dos  homens,  para  iniciar  essa  pesquisa.  Tendo  todos  os  dons  e 
poderes à nossa disposição, seria estranho se voltássemos de mãos vazias. 
Começamos com a sabedoria – a mais promissora das buscas. Neste mundo desordenado, 
porém,  “na  muita  sabedoria  há  muito  enfado”  (1:18)  e  isso  decorre  da  própria  percepção 
adquirida. E, em última análise, seja o que for que a sabedoria possa fazer por alguém, ela nada 
pode fazer quanto ao final da vida. Nesta crise o sábio fica tão desarmado quanto o estulto (2:15‐
17),  e se sua sabedoria não vale nada neste aspecto, não passa de um fracasso pretensioso. 
Então  passamos  para  a  “loucura”  e  a  “estultícia”  (1:17;  2:3b).  e  isto  parece  bem  atual, 
fazendo  coro  com  algumas  de  nossas  tentativas  de  desviar‐nos  do  que  é  racional,  passando  a 
explorar  o  absurdo  e  o  mundo  das  alucinações.  O  prazer,  naturalmente,  é  um  outro  reino:  um 
reino de muitos aspectos que apena  para os apetites sensuais numa das pontas da escala (2:3, 
8c) e para as alegrias da estética do especialista e o trabalho criativo na outra. 
Mesmo na melhor das hipóteses, esta busca só vai nos satisfazer de passagem. Então vem 
o reconhecimento: “Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos” (2:11) e, pensando 
na  morte, o  cômputo  final resulta  em nada. O que torna tudo ainda mais doloroso é  saber que 
este resultado nulo é uma obliteração, um desfazimento. Os valores existem, sim: “a sabedoria é 
mais proveitosa do que a estultícia quanto a luz traz mais proveito do que as trevas” (2:13); mas 
nenhum valor permanecerá quando não estivermos mais aqui, ou se não houver ninguém para 
lhes dar valor. 
O  segundo  fato  é  a  existência  do  mal.  Este  é  tão  tirano  quanto  a  própria  morte,  e  ainda 
mais trágico. A transitoriedade da vida é muito triste, mas os seus males podem ser suportáveis. 
Coelet  observa  tanto  os  pecados  banais  quanto  os  grandes:  a  inveja  que  inspira  ou  até 
mesmo resulta em sucesso (4:4); a fixação no dinheiro que transforma o  magnata solitário em 
uma figura patética e sem sentido (4:7,8); e a vaidade que mantém por muito tempo um tolo no 
seu  posto  (4:13),  considerando  apenas  alguns  deles.  Mas  ele  lamenta  principalmente  “as 
opressões que se fazem debaixo do sol” (4:1). “No lugar do juízo reinava a maldade” (3:16). “A 
                                                             
5 Veja os comentários mais completos sobre esta passagem (1:16‐2:26). 

 
7
violência  na  mão  dos  opressores”  (4:1).  A  própria  estrutura  da  sociedade  contribui  para  essas 
coisas  (5:8);  no  entanto,  estas  não  são  enfermidades  apenas  dos  governantes,  mas  da 
humanidade. “Não há homem justo sobre a terra” (7:20); realmente, “o coração dos homens está 
cheio  de  maldade,  neles  há  desvarios  enquanto  vivem”  (9:3).  O  leitor  pode  refletir  sobre  a 
insanidade coletiva que visivelmente toma conta de uma sociedade de tempos em tempos, mas 
não pode ignorar também a loucura que permanece invisível porque participa dela como o clima 
do seu século. 
Ainda  por  cima,  como  se  a  morte  e  o  mal  não  bastassem,  há  ainda  o  fator  menor,  mas 
igualmente incontrolável, “do tempo e do acaso”, que é preciso reconhecer (9:11). O homem bem 
organizado  pode  regalar‐se  na  sua  auto‐suficiência,  porém  Coelet  vê  através  dela,  é  pura 
decepção. Até mesmo os prêmios mais específicos e mais previsíveis da vida (para não se falar 
da busca de algo definitivo) podem se perder, e o homem acaba sem nada. “Não é dos ligeiros o 
prêmio, nem dos valentes a vitória” – pelo menos, não e assim tão garantido. “Pois o homem não 
sabe  a  sua  hora”  (9:12).  Ele  pode  até  fingir  que  sabe,  mas  o  faz‐de‐conta  não  serve  como  base 
para  a  sua  vida.  Basta  lembrarmos  o  comentário  final  acerca  do  homem  que  pensou  em  tudo 
menos nisso: “Deus lhe disse: Louco!...” 
 
De volta ao alicerce 
Se pouca coisa restou depois desta análise, é exatamente isto que o escrito pretende, mas 
apenas como trabalho preliminar. Ele está demolindo para reconstruir. Se prestarmos atenção, 
veremos  que  as  perguntas  penetrantes  que  ele  levanta  são  aquelas  que  a  própria  vida  nos  faz. 
Ele pode fazê‐las porque nos capítulos finais tem boas novas para nós, contanto que paremos de 
fazer de conta que as coisas mortais no bastam, a nós que temos a capacidade de receber o que é 
eterno. 
São novas, paradoxalmente, de juízo. 
Para  tornar  esse  paradoxo  mais  inteligível,  seria  bom  divagarmos  por  algum  tempo 
examinando  um  velho  exemplo  de  secularismo  radical,  sem  o  abrandamento  de  nossas 
modernas  fantasias  utópicas  e  sem  a  formalidade  de  algum  sentimento  transcendente:  apenas 
pela  sua  própria  espirituosidade  e  fria  imparcialidade.  A  passagem,  muito  livremente 
parafraseada e apresentada aqui, é o diálogo entre um senhor e seu servo, ambos mesopotâmios, 
escrito  talvez antes do tempo de Moisés.6 
– Servo, obedeça‐me 
– Sim, senhor, sim. 
– A carruagem... Prepare‐a. Vou ao palácio. 
– Vá, meu senhor, vá!... O rei há de ser benevolente. 
– Não, servo, não vou ao palácio. 
– Não vá, meu senhor, não vá. O rei pode enviá‐lo a algum lugar longínquo. O senhor não 
terá mais um momento de paz. 
Então  ele  resolve  jantar,  o  que  o  servo  acha  muito  conveniente.  Não  há  nada  mais 
agradável  e  confortador,  não  é  mesmo?  Mas  o  capricho  passa:  ele  resolve  não  jantar  mais.  O 
servo acha isto muito adequado: existe algo mais vulgar do que comer? 
E  assim  o  diálogo  prossegue.  Ele  vai  caçar...  Mas  resolve  não  ir  mais.  Ou,  quem  sabe  vai 
liderar uma  rebelião... ou não. Guardará um silencia esmagador  quando encontrar o seu rival... 
Ou  melhor  ainda,  vai  falar  com  ele.  Cada  idéia  é  rematada  pelo  servo  com  alguma  observação 
bajuladora, e cada idéia oposta com uma observação ainda mais profunda. 
Então ele sente desejo de amar (“Oh, sim! Não há nada melhor do que isso, senhor, para 
espairecer.”),  mas  logo  muda  de  idéia  (“Que  sabedoria!  As  mulheres  são  uma  armadilha,  uma 
faca  na  garganta.”).  Isso!  Ele  será  um  filantropo.  Mas,  por  outro  lado...  (“Certo,  senhor;  de  que 
adiantaria? Pergunte aos esqueletos no cemitério!”). 
Neste espírito ilusório e fútil, idéia após idéia, valor após valor são apanhados, desejados e 
abandonados.  No  final,  o  cavalheiro  brinca  com    uma  questão  séria:  “O  que  seria  bom?”  Sua 
própria resposta nos apanha de surpresa: “Quebrar o pescoço, o meu e o teu, jogar os dois no rio, 
isto seria bom.” É claro que ele muda de idéia: ele vai quebrar apenas o pescoço do seu servo e 
mandá‐lo na frente. 
                                                             
6 Traduzido, por exemplo em ANET, pág 438 

 
8
Como já era de se esperar, o servo tem a última palavra: como poderia o senhor sobreviver 
por três dias que fossem, sem ninguém para tomar conta dele? 
Talvez  apreciemos  esta  conversa  de  acabar  com  tudo  em  um  pacto  de  morte.  É  um  final 
interessante para a comédia. Mas a verdade é mais real do que parece, pois quando aprendemos 
a  rir  de  tudo,  logo  descobrimos  que  não  temos  mais  nada  que  valha  a  pena  uma  risada.  A 
trivialidade é mais asfixiante do que a tragédia, e a indiferença é o comentário mais desesperado 
de todos. 
A função de Eclesiastes é levar‐nos ao ponto de começarmos a temer que esse comentário 
seja o mais honesto. É o que acontece, quando tudo morre. Enfrentamos a espantosa conclusão 
de que nada tem significado, nada vale a pena debaixo do sol. É então que podemos ouvir a boa 
nova de que tudo vale a pena, “porque Deus há de trazer a juízo todas as obras até as que estão 
escondidas, quer sejam boas, quer sejam más”. 
É  assim  que  o  livro  termina.  Sobre  esta  rocha  podemos  até  ser  destruídos:  mas  é  uma 
rocha, e não areia movediça. Pode ser que também possamos edificar. 
 
 
 

 
9
 

Segunda Parte 
O que o livro diz!  
­ um breve comentário 
 

Eclesiastes 1:1­11 ­  
O autor, o tema e o reconhecimento do cenário 
 
Apresentando o autor 
1:1  Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém: 
 
Existe  na  forma  Omo  este  escritor  se  anuncia  um  quê  de  mistério  –  e  este  toque  curioso 
não parece ser involuntário. Primeiro, ele chega quase ao ponto de se chamar Salomão, mas não 
o faz. Este nome mão aparece no livro, ao passo que tanto Provérbios quanto Cantares declaram 
abertamente a sua autoria. Depois vem a curiosidade do título duplo, eclesiástico e real,  7 quase 
como  se  alguém  falasse  de  “O  Vigário,  Rei  da  Inglaterra!”  Veremos  uma  outra  observação 
enigmática no versículo 16, com a reivindicação de uma sabedoria que sobrepujava “a todos os 
que antes de mim existiram Jerusalém”. Isto exclui qualquer sucessor do incomparável Salomão, 
mas quase exclui também o próprio Salomão, que teve apenas um predecessor israelita. 8 
Se acrescermos a isto o fato de que todos os sinais de realeza desaparece depois dos dois 
primeiros  capítulos,9  torna‐se  evidente  que  devemos  considerar  o  título  que  não  é  real  como 
sendo o título do autor, e o real como um simples meio de dramatizar a busca por ele descrita 
nos capítulos ume dois.  Ele nos descreve um super‐Salomão (como dá  a entender como termo 
“sobrepujei” em 1:16) para demonstrar que o homem mais dotado que posssamos imaginar, que 
ultrapasse  qualquer  outro  rei  que  já  tenha  ocupado  o  trono  de  Davi,  ainda  retornaria  com  as 
mãos vazias na busca da auto‐satisfação.10 
Da  descrição  mais  completa  do  autor  em  12:9ss.  temos  o  retrato  de  um  mestre  cuja 
vocação  é  ensinar,  pesquisar,  editar  e  escrever.  O  que  o  seu  livro  como  um  todo  nos  ensina 
indiretamente é que ele é tão sensível quanto corajoso, eu m mestre do estilo. 
 
O tema 
1: 2  Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade. 
Um  pouquinho  de  fumaça,  uma  rajada  de  vento,  um  simples  sopro  –  nada  que  se  possa 
pegar com as mãos, a coisa mais próxima do zero. Isto é a vaidade que se trata este livro. 
O  que  nos  perturba  esta  leitura  sobre  a  vida  é  que  tal  nulidade  não  é  considerada  como 
uma  simples  chamuscada  sobre  a  superfície  das  coisas,  ainda  que  tenha  um  certo  charme.  É  a 
soma total das coisas. 
Se  este  é  o  caso,  como  argumenta  no  resto  do  livro,  vaidade  acaba  tornando‐se  uma 

                                                             
7 Veja a nota de rodapé à pág 1, quanto ao significado de Coelet (“O Pregador”). 
8 Também o sentido e um longo retrospecto nesta frase parece ter surgido devido à forma aparentemente 

avançado do hebraico neste livro, o qual parece ser um estágio no meio do caminho entre o hebraico 
clássico e o rabínico. Contudo, isto não é conclusivo, uma vez que se pode argumentar que muitos dos seus 
aspectos são do dialeto fenício, não indicando data. Sobre isto, veja os comentários feitos pod M.J. Dahood 
em Biblica 33 (1952), pg 32‐52 e 191‐221; também em Bibliba 39 (1958), pg 302‐318; e por G.L. Archer 
em Bulletin of the Evangelical Theological Society 12 (1969) pg 167‐181. Este último argumenta em favor 
da autoria de Salomão, chamando a atenção para os seus laços íntimos com os fenícios. 
9 Apenas o título Coelet (“O Pregador) será usado daqui em diante (7:27; 12:8‐10), e a postura do escritor 

se tornará a de um simples observador, não a de um governante.Veja, por exemplo, 3:16; 4:1‐3 5:8ss. 
10 Veja também o comentário e anota de rodapé sobre 1:12 

 
10
palavra desesperadora. Ela deixa de significa simplesmente o que é banal e passageiro e passa a 
descrever, desastrosamente, aquilo que não tem sentido. O autor dobra e redobra esta palavra 
amarga,  usando‐a  duas  vezes  na  mesma  frase,  como  se  fosse  uma  paródia  do  conhecido 
superlativo “santo dos santos”. A nulidade completa apresenta‐se aqui em mudo contraste com a 
santidade  completa,  aquela  realidade  poderosa  que  deu  forma  e  característica  à  tradicional 
piedade  de  Israel.  Finalmente  ele  conclui  de  maneira  sucinta:  “Tudo  é  vaidade.”  Em  termos 
atuais a conclusão poderia ser: 
“Futilidade total... futilidade total. Tudo isso não passa de futilidade” 
Porém o que é “tudo isso” será que inclui a divindade – ou mesmo o próprio Deus? Ou será 
que todas as coisas estão desprovidas disso? 
O  autor  não  tem  pressa  de  responder.  Antes  de  dar  alguns  toques  sobre  o  seu  próprio 
ponto de vista, ele quer que examinemos muito de perto o mundo que vemos e as respostas que 
este parece nos dar. A primeira destas leves indicações vem logo a seguir na frase debaixo do sol 
(1:3),  que  vai  se  transformar  em  uma  espécie  de  tônica  do  livro,  repetindo‐se  cerca  de  trinta 
vezes em seus doze pequenos capítulos. A menos que isto não passe de um hábito (se bem que 
este autor não é de desperdiçar palavras) , fica bem claro que o quadro que ele tem em mente é 
exclusivamente o mundo que podemos ver, e que o nosso ponto de vista está ao nível do chão. 
Neste caso não só a exclamação “Vaidade de vaidades!”, mas todos os comentários sobre a 
vida que se lhe acrescentam já têm seus limites,  seu sistema  de coordenadas, esboçados nessa 
frase. No final do livro serão traçadas linhas muito firmes, e Coelet se revelará um homem de fé. 
Até  lá,  elas  são  introduzidas  co  o  mais  leve  dos  toques,  e  suas  implicações  serão  descobertas 
posteriormente.  Podemos  tradicionalmente  chamar  este  homem  de  “o  Pregador”;  mas  ele 
coloca‐se tão perto de seus ouvintes que suas palavras poderiam lhes parecer a personificação 
de  seus  pensamentos  mais  radicais.  A  diferença  é  que  ele  segue  essas  trilhas  de  pensamento 
para  muito  além  do  que  eles  se  disporiam  a  ir.  Caminho  após  caminho,  todos  são 
incansavelmente explorados até chegar ao ponto do nada. No final, apenas um caminho ficará. 
O processo foi tão admiravelmente descrito por G.S. Hendry que seria uma pena não citá‐lo 
neste ponto: 
“Coelet escreve a partir de premissas ocultas,e o seu livro é na realidade uma grande obra 
de apologética... Seu aparente mundanismo é ditado pelo seu alvo: Coelet dirige‐se ao público em 
geral, cuja visão é limitada pelos horizontes deste mundo; ele  vai ao encontro desse público no 
seu próprio espaço, e prossegue convencendo‐o de sua inerente vaidade. Isto se confirma ainda 
mais CPOR sua expressão característica ‘debaixo do sol’, com a qual ele descreve o que o Novo 
Testamento  chama  de  ‘o  mundo’...  Seu  livro  é  de  fato  uma  crítica  ao  secularismo  e  à  religião 
secularizada.”11 
 
A rotina 
1: 3  Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol? 
4  Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. 
5  Levanta­se o sol, e põe­se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. 
6  O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve­se, e revolve­se, na sua carreira, e 
retorna aos seus circuitos. 
7  Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, 
para lá tornam eles a correr. 
8  Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam 
de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir. 
9  O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo 
debaixo do sol. 
10  Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram 
antes de nós. 
11  Já não há lembrança das coisas que precederam; e das coisas posteriores também não 
haverá memória entre os que hão de vir depois delas. 
 
                                                             
11 G.S. Hendry, Introdução ao artigo “Eclesiastes”, em The New Bible Commentary Revised (IVP, 1970) pg 

570 

 
11
Já  demos  uma  olhada  nesta  passagem  para  observar  a  frase  debaixo  do  sol,  que  arma  o 
cenário para o livro como um todo de acordo com esta introdução, a seqüencia considera a vida 
dentro dos limites mundanos que são iguais para todos os homens. 
Que  proveito  tem  o  homem...?  é  uma  pergunta  prática  e  característica.  A  palavra  aqui 
traduzida  como  “proveito”  extraída  do  mundo  dos  negócios,  só  se  encontra  neste  livro  nas 
Escrituras.12  Mas  antes  de  a  excluirmos  como  cínica  ou  mercenária,  lembremo‐nos  de  uma 
pergunta parecida no Evangelho: “Que aproveita ao homem... ?”13 Esta não  é a única passagem 
em  que  Cristo  e  Coelet  falam  a  mesma  linguagem.  É  uma  pergunta  justa.  Qualquer  idéia 
romântica que pudéssemos ter, enfrentado uma situação desesperadora, ela logo se evaporaria 
se não houvesse um outro tipo de situação. Mas quem nos  garante que um dia a situação será 
outra?  “A  gente  gasta  a  vida  trabalhando,  se  esforçando,  e  a  final  que  vantagem  leva  em  tudo 
isso?”14 – esta poderia ser uma tradução livre deste versículo. 
Ah!  Mas  existe  quem  ache  que  pode  transformar  o  mundo  em  um  lugar  melhor,  ou  pelo 
menos deixar alguma coisa para aqueles que virão depois. Como se já esperasse esta resposta, 
Coelet  aponta  para  o  constante  fazer  e  desfazer  na  história  da  humanidade:  gerações  após 
gerações  se  levantam  e  caem,  homens  vêm  e  logo  são  esquecidos;  tudo  isto  tendo  como 
impassível cenário a terra, que vê todas as gerações passarem e continua existindo. Sem dúvida 
ela verá o último de nós que ficar em cena – e o que homem lucrará com isso? 
Além  disso,  por  mais  que  a  terra  continue  existindo,  o  próprio  padrão  do  mundo  é  tão 
intranqüilo  e  repetitivo  quanto  o  nosso.  Tantas  coisas  que  começam  bem  voltam  atrás.  Tantas 
jornadas  acabam  onde  começaram.  Coelet  destaca  três  exemplos  desta  rotina  infinita  da 
natureza, começando como mais óbvio de todos, o sol, que percorre a sua grande curva no céu 
até o seu declínio; e, tendo concluído, apressa‐se15 em repetir o que fez dia após dia. Os outros 
dois  exemplos  parecem  a  princípio  oferecer  uma  válvula  de  escape  do  círculo  vicioso  –  pois  o 
que seria mais livre do que o vento ou menos reversível do que uma torrente? Mas acompanhe o 
processo até o fim e você retornará ao começo. O vento “volve‐se e revolve‐se”; e as águas, como 
é  dito  em  Jó  36:27ss,  são  recolhidas  para  regar  a  terra  novamente.  Assim  as  coisas  mais 
regulares do mundo, que nos falam em nome de Deus e de suas misericórdias que “se renovam a 
cada  manhã”,  dar‐nos‐ão  uma  resposta  muito  diferente  se  buscarmos  algum  significado  nelas 
mesmas. O versículo 8 resume esse infindável ciclo taxando‐o de indizível canseira.16 
Tudo  isto  apresenta  um  espelho  para  o  cenário  humano.  Como  o  oceano,  os  nossos 
sentidos  são  alimentados  mais  e  mais,  mas  nunca  se  satisfazem.  Como  o  ciclo  da  natureza,a 
nossa  história  está  sempre  retornando,  deixando  de  cumprir  a  sua  promessa.  E  a  jornada 
continua,  sem  nunca  chegarmos  ao  destino.  Debaixo  do  sol  não  existe  um  lugar  para  onde  ir, 
nada que satisfaça completamente ou que seja realmente novo. Quanto a colocarmos as nossas 
esperanças  na  posteridade,  no  final  a  posteridade  terá  perdido  qualquer  lembrança  dos  que 
ficaram no passado (v.11). 
A  esta  altura,  temos  que  fazer  uma  pausa  para  esclarecer  duas  coisas.  Primeiro,  o  que 
vamos  fazer  com  o  famoso  ditado:  Não  há  nada  novo  debaixo  do  sol?  Até  que  ponto  ele  é 
verdadeiro?  Talvez  a  própria  forma  como  costumamos  usá‐lo  nos  dê  a  melhor  resposta.  Nós  o 
enunciamos  como  um  comentário  geral  sobre  o  cenário  da  humanidade,  e  não  como  um 
pronunciamento sobre as invenções. Ninguém – muito menos Coelet – há de negar a capacidade 
inventiva  do  homem.  Mas  plus  ça  change,  plus  c’est  La  même  chose:  quanto  mais  as  coisas 
mudam, mais se revelam as mesmas. As coisas antigas prosseguem em seu novo disfarce. Como 
raça, jamais aprendemos. 
                                                             
12 A BLH força um pouco a tradução do v.12 dizendo: “Será que um rei pode fazer alguma coisa que seja 

nova? Não. Só pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele” 
13 Mc 8:36 
14 1:3 (BLH) 
15 A palavra aqui traduzida como volta (v.5) é literalmente o verbo “ofegar”, se de avidez ou de cansaço o 

autor não diz. Em outras passagens o termo tem quase uma conotação de avidez (p.e. Jó 5:5; 7:2; Sl 
119:131), mas o contexto é sombrio (cf. v.8) e a palavra pode indicar também desespero (Is 42:14) 
16 Uma outra tradução do versículo 8a, favorecida por alguns comentaristas seria: “Todas as palavras são 

frágeis”, isto é, “a cena está além da descrição”. Mas o adjetivo em outras passagens significa “cansado” (Dt 
25:18; 2Sm 17:2) e a passagem como um todo não está enfatizando a complexidade, mas o ciclo incessante 
da natureza. 

 
12
A  segunda  pergunta  é  sobre  quanto  abrange  o  tema  do  círculo  vicioso.  Para  alguns 
escritores esta idéia lembra os estóicos e sua visão totalmente circular do tempo, através da qual 
toda  a  trama  da  existência  deve  tecer  o  seu  próprio  padrão  repetidas  vezes,  até  os  mínimos 
detalhes,  a  intervalos  predeterminados,  infinitamente.  Desta  forma  todo  o  futuro  estaria 
destinado a  voltar à  mesma situação  na qual você, leitor, encontra‐se agora; e isto  não uma só 
vez, mas vezes incontáveis. 
Por si mesmos, os versículos 9 e 10 (O que foi, é o que há de ser...) significariam exatamente 
isso.  Mas  eles  se  encontram  em  um  livro  que  apresenta  escolhas  morais  genuínas  usando 
palavras tais como “justo” e “perverso”, e que aponta para um julgamento futuro que não teria 
sentido caso fôssemos apanhados em um processo que não nos desse alternativas. O que vemos 
aqui é a fadiga de se lutar e não conseguir nada; e, embora seja muito diferente do fatalismo que 
estivemos  considerando,  também  está  muito  longe  do  sentido  de  peregrinação  que  domina  o 
Antigo Testamento. 
Seria isto um sinal de falta de convicção? Gerhard vol Rad comenta que com este autor “a 
literatura  da  Sabedoria  perdeu  o  último  contato  coma  antiga  maneira  de  pensar  de  Israel  em 
termos  de  história  conservadora  e,  muito  consistentemente,  retrocedeu  ao  modo  cíclico  de 
pensar  comum  no  Oriente...  apenas...  de  uma  forma  total  secular”.17  Este  é  um  comentário 
correto,  se  “o  modo  cíclico  de  pensar”  significa  apenas  uma  preocupação  com  a  sucessão  das 
estações e com os ritmos da vida.18 Mas é fácil esquecer que, se Coelet está assumindo a posição 
do  homem  do  mundo  para  mostrar  no  que  isto  implica,  é  justamente  o  ponto  de  vista  que  ele 
tem que expor. E se assim o faz para denunciar tal posição e despertar o desejo de alguma coisa 
melhor,  como  os  últimos  capítulos  vão  mostrar,  então  não  deve  ser  identificado  com  ela  a  não 
ser por causa de sua solidariedade e de sua profunda visão interior. 
 

Eclesiastes 1:12­2:26 ­ 
Em busca de satisfação 
 
O investigador 
1: 12  Eu, o Pregador, venho sendo rei de Israel, em Jerusalém. 
13  Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar­me com sabedoria de tudo quanto sucede 
debaixo do céu; este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir. 
 
O poema que acabamos de considerar estabelece a tônica do livro através do seu tema e do 
quadro que apresenta de um mundo infinitamente ocupado e desesperadamente inconclusivo. 
Agora  o  foco  se  define.  Voltamo‐nos  de  analogias  e  impressões  para  o  que  podemos 
conhecer diretamente através da experiência. Vamos esquadrinhar uma vastidão de ocupações 
humanas,  indagando  se  existe  na  terra  alguma  coisa  que  tenha  valor  duradouro.  O  autor  nos 
impressiona  coma  urgência  da  investigação:  acabamos  fazendo  parte  dela.  Mas  a  sua  curiosa 
mescla  de  títulos,  “Coelet”  e  “Rei”,  alerta‐nos  para  o  caráter  duplo  com  que  ele  se  apresenta, 
como já vimos no início.19 Nesta passagem, o pregador torna‐se um segundo Salomão, para que 
em nossa imaginação possamos fazer o mesmo. Armados de tais vantagens, nossa pesquisa irá 
muito além de uma experiência simples e limitada: será algo grandioso, explorando tudo o que o 
mundo  possa  oferecer  a  um  homem  de  gênio  e  de  riqueza  ilimitados.  Nesta  área  de 
conhecimento,  podemos  aceitar  suas  descobertas  como  definitivas.  Cotando  suas  palavras 
(2:12): “Que fará o homem que seguir ao rei?” 
                                                             
17 G. Von Rad, Old Testsament Theology (trad. Inglesa Oliver e Boyd, 1962), I, Pg 455 
18 O. Loretz, Qohelet und der Alte Orient (Herder, 1964), pg 247ss, critica von Rad e outros por 

descreverem o pensamento do antigo Oriente ou de Coelet como cíclico. Mas com cíclico quer dizer o firme 
determinismo do sistema estóico (Lonretz, pg 251), que Von Rad não está discutindo neste ponto. 
19 Veja os comentários acerca de 1:1. Compare a expressão: “Eu venho sendo rei” (ou “me tornei rei”, que 

seria a tradução mais natural), no versículo 12, com Zc 11:7ss: “Apascentei as ovelhas (ou, tornei‐me 
pastor)... Dei cabo de três pastores...”, etc.... que usam igualmente uma linguagem autobiográfica, que não 
deve ser tomada literalmente, ou com a intenção de enganar, mas que visa apresentar‐nos uma sequência 
iluminadora dos acontecimentos com muita vivacidade. 

 
13
Talvez  possamos,  de  passagem,  comparar  este  reconhecimento  superficial  com  outra 
passagem escrita na primeira pessoa: o exame do coração humano que Paulo descreve no final 
de  Romanos  7.  Cada  uma  destas  duas  confissões  tem  uma  referência  mais  ampla  do  que  o 
homem  que  está  falando.  Entre  elas,  Coelet  e  Paulo  exploram  para  nós  o  mundo  exterior  e  o 
interior do homem, sua busca por um significado e sua luta por uma vitória moral. 
Com  sua  habitual  franqueza,  Coelet  logo  nos  declara  o  pior:  sua  pesquisa  resultou  em 
nada. Para nos poupar do desapontamento de nossas esperanças, ele nos adverte do resultado 
(1:13b‐15)  antes  de  nos  levar  consigo  em  sua  jornada  (1:16‐2:11);  e  finalmente  compartilha 
conosco as conclusões a que chegou (2:12‐26). 
 
O Resumo 
1: 13  Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar­me com sabedoria de tudo quanto 
sucede debaixo do céu; este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os 
afligir. 
14  Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e 
correr atrás do vento. 
15  Aquilo que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se pode calcular. 
 
Discreta, mas significativamente, Coelet resume suas descobertas em termos que por um 
breve  momento  saem  do  campo  de  visão  do  secularista.  Ele  vê  a  inquietação  da  vida  que 
qualquer  observador  poderia  perceber;  no  entanto,  relaciona‐a  coma  vontade  divina:  foi  Deus 
que a impôs aos filhos dos homens. Isto talvez pareça mais amargura do que fé, mas é na verdade 
uma  indicação  de  algo  positivo  que  será  retomado  nos  capítulos  finais.  Na  pior  das  hipóteses, 
implicaria que, por detrás da nossa situação, existe sempre algum sentido (e não o contra‐senso 
do acaso), mesmo que este nos pareça totalmente desanimador. Mas bem que poderia também 
fazer parte da justa disciplina que Deus nos impôs como seqüela da Queda. Foi assim que Paulo 
(com  uma  evidente  perspectiva  de  Eclesiastes)  interpretou  o  sofrimento  do  mundo:  “Pois  a 
criação está sujeita à vaidade... por causa daquele que a sujeitou, na esperança...”20 
Essa  esperança,  contudo,  fica  totalmente  além  do  nosso  próprio  alcance,  como  veremos 
adiante. E o versículo 15 traz mais dois lembretes das nossas limitações, coma concisão de um 
provérbio. A ER capta bem o sentido: “O que é torto não se pode endireitar; o que falta não se 
pode enumerar.” Se esta tortuosidade e esta falta significam as nossas próprias falhas de caráter 
ou as circunstâncias que não podemos alterar,21 deparamo‐nos novamente com o que podemos 
fazer. Com esta advertência, juntemo‐nos agora a Coelet em suas diversas experiências. 
 
Experimentando a vida 
1: 16  Disse comigo: eis que me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que antes de 
mim existiram em Jerusalém; com efeito, o meu coração tem tido larga experiência da sabedoria e 
do conhecimento. 
17  Apliquei o coração a conhecer a sabedoria e a saber o que é loucura e o que é estultícia; e 
vim a saber que também isto é correr atrás do vento. 
18  Porque na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência aumenta tristeza. 
2: 1  Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade; mas também 
isso era vaidade. 
2  Do riso disse: é loucura; e da alegria: de que serve? 
3  Resolvi no meu coração dar­me ao vinho, regendo­me, contudo, pela sabedoria, e entregar­
me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do céu, durante 
os poucos dias da sua vida. 
4  Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. 
5  Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. 
6  Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores. 

                                                             
20 Rm 8:20 
21 A segunda alternativa parece ser a mais provável, à vista de 7:13 com 7:29, que falam de Deus como 

sendo o autor das coisas “tortas” no sentido de fatos estranhos e irreversíveis, mas não moralmente maus. 

 
14
7  Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais 
do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém. 
8  Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi­me de 
cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres. 
9  Engrandeci­me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém; 
perseverou também comigo a minha sabedoria. 
10  Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria 
alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas. 
11  Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, 
com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito 
havia debaixo do sol. 
 
Para  um  pensador  tão  famoso,  a  investigação  tinha  naturalmente  de  começar  com  a 
sabedoria, a qualidade mais louvada em seus círculos. Contudo, ele nada diz sobre seu primeiro 
princípio, o temor do Senhor, e podemos presumir que a sabedoria da qual ele fala é (segundo o 
seu  método)  o  melhor  pensamento  que  o  homem  pode  ter  por  si  mesmo.  A  sabedoria  é 
esplêndida em toda a sua extensão: nada se pode comparar a ela  (2:13); mesmo assim, ela não 
dá respostas às nossas dúvidas acerca da vida. Apenas as aguça ainda mais com sua perspicácia. 
Assim Coelet considera  a sabedoria  com a devida seriedade,  como uma disciplina que se 
ocupa de questões máximas, e não simplesmente como um instrumento para realizar as coisas. 
Se  isto  fosse  tudo,  nada  poderíamos  esperar  dela  além  do  sucesso  material.  Mas  a  sabedoria 
preocupa‐se coma verdade,e a verdade nos compele a admitir que  o sucesso nos faz mal e que 
nada no mundo permanece. Ele ainda vai dizer algo mais sobre isto; por enquanto, seu primeiro 
ponto sobre o descanso foi apresentado. 
Então  ele  mergulha  na  frivolidade.  Mas  uma  parte  dele  se  retrai  –  regendo­me,  contudo, 
pela sabedoria – para ver a que a frivolidade como estilo de vida conduz, e o que faz ao homem. 
Imediatamente ele percebe o “paradoxo do hedonismo”: quanto mais se busca o prazer, menos 
ele é encontrado. De qualquer forma, a pessoa está buscando algo além do prazer e através dele, 
pois  isto  é  mais  que  uma  simples  indulgência.  É  uma  fuga  deliberada  da  racionalidade,  para 
chegar a um segredo da vida AL qual a razão talvez tenha bloqueado o caminho. Nisto reside a 
força do versículo 3b: “entregar‐me à loucura até ver o que melhor seria que fizessem os filhos 
dos homens...” 
Neste ponto  nos aproximamos  muito  do nosso próprio tempo com o  seu culto irracional 
em suas variadas formas, desde o romantismo até a ânsia que manifestam os diferentes estados 
de consciência, e daí ao niilismo, que cultiva o feio, o obsceno e o absurdo, não por divertimento, 
mas como um ataque aos valores racionais. Embora nada disso apareça em Coelet, sua avaliação 
das experiências com a loucura prova que ele está perturbado e igualmente desapontado com o 
veredito ainda mais forte acerca do riso (É loucura); e nas Escrituras tanto a “loucura” como a 
“estultícia” pressupõem mais perversidade moral do que desarranjo mental.22 Para merecer tal 
observação, o riso que acompanha este tipo de vida tem de ser cínico e destrutivo. Neste caso, 
não estamos muito longe de nossas comédias trágicas e do humor negro. 
Como  que  reagindo  fortemente  aos  prazeres  fúteis,  agora  se  entrega  às  alegrias  da 
criatividade. Dedica suas energias a um projeto digno de seus talentos estéticos, de seu domínio 
das artes e das ciências, e de sua habilidade para comandar um grande empreendimento. Ele cria 
um  pequeno  mundo  dentro  do  mundo:  multiforme,  harmonioso  e  exótico,  um  Jardim  do  Éden 
secular,  cheio  de  deleites  civilizados  e  deliciosamente  não  civilizados  (v.8),23  sem  frutos 
                                                             
22 Por exemplo, em 9:3, “maldade” está associada a “mal” e, em 10:13, a palavra usada para “estultícia” é 

considerada como um passo na direção da “loucura perversa”. Da mesma forma, agir estultamente 
(usando uma palavra relacionada com “estultícia”) geralmente implica em uma atitude fatalmente 
voluntariosa; cf 1Sm 13:13; 26:21; 2Sm 24:10). 
23 A palavra sidda, que aparece apenas aqui, tem sido aceita como significando “instrumento musical” 

(ERC). Mas em uma carta de Faraó Amenofis III ao príncile Milkilu de Gezer, em que são exigidas quarenta 
concubinas, a palavra egípcia para concubina está acompanhada de uma palavra cananita explicatória de 
sidda. “Concubina” é usada então corretamente na ER. A BJ traz a palavra “cofres” (isto é, “arcas de 
tesouro”), mas sugere em suas anotações “princesas” ou “concubinas” e a ERAB, não erra, então, com a 
tradução “mulheres”. 

 
15
proibidos – ou algo que ele assim considere (v.10). para tanto, ele resolve fugir do tédio dos ricos 
através  de  uma  atividade  constante,  desfrutada  e  valorizada  por  seu  próprio  bem  (v.10);  e 
mantém  um  olho  crítico  sobre  os  seus  projetos,  mesmo  enquanto  os  executa.  “Perseverou 
também comigo a minha sabedoria”, ele nos diz (v.9). não perde de vista busca, a investigação do 
significado da vida, que constituía o motivo principal de tudo. 
No final qual foi o resultado? Um espírito menos exigente do que Coelet teria encontrado 
muita coisa  positiva para contar. As realizações foram brilhantes. No nível material, a ambição 
perene do lavrador de fazer (com nossas palavras) “duas folhas de capim crescerem onde antes 
só havia uma” foi indiscutivelmente atingida; esteticamente falando, ele criou um paraíso único. 
Se “a beleza produz alegria”, ele não buscou em vão pelo que é infinito e absoluto. 
Assim pensamos nós. 
Coelet não pensa assim.  Chamar tais  coisas de eternas não passa de retórica, e nada  que 
seja  perecível  vai  satisfazê‐lo.  Nos  termos  coloquiais  da  BLH,  ele  diz:  “Compreendi  que  tudo 
aquilo era ilusão, não tinha nenhum proveito. Era como se eu estivesse correndo atrás do vento”. 
 
A avaliação 
2: 12  Então, passei a considerar a sabedoria, e a loucura, e a estultícia. Que fará o homem 
que seguir ao rei? O mesmo que outros já fizeram. 
13  Então, vi que a sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia, quanto a luz traz mais 
proveito do que as trevas. 
14  Os olhos do sábio estão na sua cabeça, mas o estulto anda em trevas; contudo, entendi 
que o mesmo lhes sucede a ambos. 
15  Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto, assim me sucede a mim; por que, 
pois, busquei eu mais a sabedoria? Então, disse a mim mesmo que também isso era vaidade. 
16  Pois, tanto do sábio como do estulto, a memória não durará para sempre; pois, passados 
alguns dias, tudo cai no esquecimento. Ah! Morre o sábio, e da mesma sorte, o estulto! 
17  Pelo que aborreci a vida, pois me foi penosa a obra que se faz debaixo do sol; sim, tudo é 
vaidade e correr atrás do vento. 
18  Também aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol, visto que o 
seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim. 
19  E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho 
das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade. 
20  Então, me empenhei por que o coração se desesperasse de todo trabalho com que me 
afadigara debaixo do sol. 
21  Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria, ciência e destreza; contudo, 
deixará o seu ganho como porção a quem por ele não se esforçou; também isto é vaidade e grande 
mal. 
22  Pois que tem o homem de todo o seu trabalho e da fadiga do seu coração, em que ele anda 
trabalhando debaixo do sol? 
23  Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de noite não descansa 
o seu coração; também isto é vaidade. 
24  Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem 
do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus, 
25  pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar­se? 
26  Porque Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao 
pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus. 
Também isto é vaidade e correr atrás do vento. 
 
O rápido e brusco veredito do versículo 11 precisava ser explicado detalhadamente, pois 
ao  se  aprofundar  nas  possibilidades  da  vida,  Coelet  não  estava  agindo  puramente  por  conta 
própria. Se ele, dentro todas as outras pessoas, regressou de mãos vazias, mesmo no manto de 
Salomão, que esperança resta para os demais (v.12)?24 Então ele retorna às grandes alternativas, 
a  sabedoria  e  a  loucura,  comparando‐as  e  avaliando‐as  radicalmente.  Teria  alguma  delas  uma 
                                                             
24 A BLH força um pouco a tradução do v.12 dizendo: “Será que um rei pode fazer alguma coisa que seja 

nova? Não. Só pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele.” 

 
16
resposta  para  esta  busca  de  alguma  coisa  final?  Eram  estes  os  dois  modos  de  vida  que  ele 
estivera testando nas suas experiências dos versículos 1:17‐2:10, pois ele inclui na “loucura” não 
apenas  a  “insensatez”  da  auto‐indulgência  e  do  cinismo,  mas  também  a  busca  do  prazer  em 
qualquer nível, mesmo no mais elevado, como uma fuga dos pensamentos dolorosos que se deve 
enfrentar.  Isto  estava  bastante  claro  na  sequência  de  1:18,  onde  aparece  o  comentário:  “quem 
aumenta ciência, aumenta tristeza”, o que leva à firma resolução: “Vamos! eu te provarei com a 
alegria; goza, pois, a felicidade.” 
A simples comparação entre sabedoria e a loucura é despretensiosa, mas a avaliação final 
é avassaladora. Nada poderia ser mais óbvio do que as duas serem comparadas com a luz e as 
trevas (vs 13, 14a); mas Coelet tem a sagacidade de lembrar que estas não passam de abstrações 
e que nós somos homens. De nada adiantaria nos recomendar o valor máximo da sabedoria, se 
no fim nenhum de nós é capaz de exercê‐la, e muito menos de avaliá‐la. É por isso, naturalmente, 
que as realizações puramente humanas que nós chamamos de duradouras não são nada disso. 
Como  humanos  nós  podemos  reverenciá‐las  deste  modo,  mas  isto  apenas  porque  nos  falta  a 
honestidade de Coelet em ver que passados alguns dias, tudo cai no esquecimento (v.16). ele não 
tem  ilusões,  sem  bem  que  nós  é  que  não  deveríamos  tê‐las,  nós  que  ouvimos  dos  próprios 
secularistas que o nosso planeta está morrendo. 
Assim, pela primeira vez no livro (mas não a última, naturalmente), o fato da morte leva a 
pesquisa a uma súbita pausa. Se o mesmo (destino) lhes sucede a ambos (v.14b), e o destino é a 
extinção, todo o homem fica privado, de sua dignidade e todo projeto, de sua finalidade. Vemos 
estes dois resultados nos versículos 14‐17 e 18‐23. 
Quanto  à  dignidade  do  homem,  o  que  é  mais  mortificante  (que  palavra  apropriada!) 
quanto ao fato de que todos os homens, tanto sábios tanto tolos (ao que poderíamos acrescentar 
“bons e maus”, ” santos e sádicos” Ou quaisquer outros antônimos) hão de finalmente se igualar 
na morte, é que, se isto é verdade, a última palavra acaba ficando com um fato brutal que arrasa 
qualquer juízo de valores que possamos fazer. Tudo pode nos dizer que a sabedoria não está no 
mesmo nível que a loucura, nem o bem com o mal. Mas tanto faz: se a morte é o fim da linha, a 
alegação  de  que  não  existe  escolha  alguma  entre  elas  terá  a  sua  última  palavra.  No  final,  as 
escolhas que positivamente sabemos ser significativas serão postas de lado como irrelevantes. 
Pelo que aborreci a vida. Se há uma mentira no centro da existência, e falta de sentido  no 
final da mesma, quem tem a coragem de fazer alguma coisa? Se, como poderíamos dizer, todas as 
cartas  em  nossa  mão  estão  trunfadas,  que  importa  como  jogamos?  Por  que  tratar  um  rei  com 
maior respeito do que um velhaco? 
A propósito, esta amarga reação é um testemunho de nossa capacidade de avaliar a nossa 
condição desobrigando‐nos dela. Sentir‐se ultrajado diante do que é universal e inevitável dá a 
idéia  de  um  descontentamento  divino,  uma  indicação  do  que  3:11  vai  sabiamente  chamar  de 
“eternidade” na mente do homem. De fato, o versículo 16 usa esta palavra a fim de lamentar a 
falta de qualquer lembrança duradoura do sábio. 
Os versículos 18‐23 consideram um mal menor, mas um mal que pode solapar o espírito 
do  seu  jeito:  a  frustrante  incerteza  de  todos  os  nossos  empreendimentos  quando  escapam  ao 
nosso  controle,  como  acontece  mais  cedo  ou  mais  tarde.  O  homem  do  mundo  dificilmente 
objetaria isto, com base em seus próprios princípios, contanto que eles durem toda a vida; mas 
ainda assim ele se importa, pois compartilha do nosso anseio íntimo pelas coisas permanentes. 
Quanto mais ele lutar durante a sua vida (e os versículos 22ss. mostram como essa luta pode ser 
obsessiva), mais incômoda será a idéia de seus frutos irem parar nas mãos de outras pessoas e, 
muito provavelmente em mãos  erradas. Este é  um outro golpe, já  percebido antes  no capítulo, 
contra a esperança de encontrar realização no trabalho duro e nos grandes empreendimentos. O 
próprio sucesso acentua o anticlímax. 
Finalmente uma nota mais alegre se faz ouvir. Talvez nos tenhamos esforçado demais. O 
trabalhador  compulsivo  dos  versículos  22ss.,  sobrecarregando  os  seus  dias  com  trabalho  e  as 
suas  noites  com  preocupações,  esqueceu‐se  das  alegrias  simples  que  Deus  colocou  à  sua 
disposição. A questão principal para ele não era decidir entre o trabalho e o repouso mas, se ele 
soubesse,  entre  as  atividades  sem  sentido  e  as  significativas.  Como  o  versículo  24  destaca,  o 
próprio trabalho que o tiraniza seria um presente potencialmente cheio de prazer vindo de Deus 

 
17
(e a própria alegria é um outro presente, v.25),25 bastando apenas que ele se dispusesse a aceitá‐
los como tal. 
Eis  aí  outro  lado  deste  “enfadonho  trabalho  [que]  impôs  Deus  aos  filhos  dos  homens” 
(1:13), pois em si mesmas e corretamente usadas, as coisas básicas da vida são doces e boas. O 
alimento, a bebida e o trabalho são exemplos delas, e Coelet nos faz lembrar ainda de outras.26 O 
que as estraga é  a nossa ânsia de extrair delas mais do que podem dar; um sintoma do anseio 
que nos diferencia dos animais, mas cujo uso deturpado é um tema subjacente deste livro. 
Assim  por  um  momento,  no  versículo  26  o  véu  é  levantado  para  nos  mostrar  uma  outra 
coisa além da futilidade. O livro vai terminar com forte ênfase sobre esta nota positiva; mas, até 
lá, nesses vislumbres vemos o suficiente para ter a certeza de que há uma resposta, e que o autor 
não é um derrotista. Ele nos desilude para nos chamar à realidade. 
O que ele está dizendo neste versículo final poderia ser lido descuidadamente como uma 
cláusula de revogação para os favoritos de Deus, poupando‐os dos riscos materiais que acabam 
de  ser  descritos.  A  BLH  esforça‐se  para  não  dar  esta  impressão,  retirando  a  palavra  “pecador” 
(sem  motivo),  substituindo‐a  por  “os  maus”  e  descrevendo  aqueles  que  agradam  a  Deus  como 
simplesmente  aqueles  “de  quem  ele  gosta”  ou  “de  quem  ele  gosta  mais”.  Mas  mesmo  sem  esta 
distorção  gratuita  seria  fácil  passar  por  cima  do  vital  contraste  neste  versículo,  de  um  lado  os 
dons  espirituais  de  Deus  que  trazem  satisfação  (sabedoria,  conhecimento,  alegria)  e  que  só 
aqueles que lhe agradam podem desejar ou receber, e do outro a frustração27 de acumular o que 
não  se  pode  guardar,  que  é  a  porção  escolhida  por  aqueles  que  o  rejeitam.  O  fato  de  que  o 
estoque  do  pecador  vai  parar  finalmente  nas  mãos  do  justo  é  apenas  uma  ironia  final  daquilo 
que não passava de vaidade e correr atrás do vento. E para o justo é uma reivindicação final, nada 
mais  que  isso.  Tal  como  acontece  com  os  mansos,  que  têm  a  promessa  de  herdar  a  terra,  o 
tesouro deles está em outra parte e é de outro tipo. 
 

Eclesiastes 3:1­15 ­ 
A tirania do tempo 
3: 1  Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: 
2  há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se 
plantou; 
3  tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar; 
4  tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria; 
5  tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de 
afastar­se de abraçar; 
6  tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora; 
7  tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; 
8  tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz. 
9  Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga? 
10  Vi o trabalho que Deus impôs aos filhos dos homens, para com ele os afligir. 
11  Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do 
homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim. 
12  Sei que nada há melhor para o homem do que regozijar­se e levar vida regalada; 
13  e também que é dom de Deus que possa o homem comer, beber e desfrutar o bem de todo 
o seu trabalho. 
14  Sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe pode acrescentar e nada 
lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante dele. 
15  O que é já foi, e o que há de ser também já foi; Deus fará renovar­se o que se passou. 
 
                                                             
25 As palavras, separado deste (v.25) são um acréscimo apoiado pela LXX. O TM diz “separado de mi”, que 

daria um bom sentido apenas se Deus estivesse falando na primeira pessoa. A tradução da ER e da ERC, 
“melhor do que eu”, é inteligível, mas dificilmente uma tradução aceitável. 
26 Cf 9:7‐10; 11:7‐10 
27 Trabalho, neste versículo é a mesma palavra que aparece na frase de 1:13, “este enfadonho trabalho 

impões Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir”. 

 
18
Talvez  “tirania”  seja  uma  palavra  forte  demais  para  o  moderado  fluxo  e  refluxo  descrito 
com essas palavras o qual nos leva durante a vida inteira de uma atividade para outra oposta, e 
de  volta  novamente  àquela.  A  descrição  é  agradável,  com  uma  variedade  de  humor  e  de  ação 
revelando  diferentes  ritmos  em  nossas  ocupações.  Agrada‐nos  o  ritmo,  pois  quem  gostaria  de 
uma primavera perpétua (“tempo de plantar”, mas nunca colher),  ou quem invejaria o homem 
de negócios que não dorme, que nós ficamos conhecendo no capítulo anterior? 
No contexto de uma busca de finalidade, no entanto, este movimento de cá para lá e de lá 
para  cá  não  é  nada  melhor  do  que  o  círculo  vicioso  do  capítulo  primeiro;  e,  além  disso,  traz 
consigo suas próprias conseqüências perturbadoras. Uma delas é que nós dançamos ao som de 
uma música, ou de muitas delas, que não foram compostas por nós; a segunda é que nada do que 
buscamos  tem  alguma  permanência.  Atiramo‐nos  a  uma  atividade  qualquer  que  nos  dê 
satisfação,  mas  com  que  liberdade  a  escolhemos?  Dentro  de  quanto  tempo  estaremos  fazendo 
exatamente o oposto? Talvez as nossas escolhas nem sejam mais livres do que as nossas reações 
diante do inverno e do verão, ou da infância e da velhice, ditadas pela marcha do tempo e por 
mudanças espontâneas. 
Vista desta forma, a repetição “tempo... e tempo” começa a tornar‐se opressiva. Seja qual 
for a nossa capacidade e iniciativa, o nosso verdadeiro senhor parece ser a inexorável mudança 
das  estações:  não  apenas  as  que  se  encontram  no  calendário  como  também  aquela  maré  de 
acontecimentos que ora leva a um determinado tipo de ação que nos parece adequado, ora a um 
outro que coloca tudo de maneira inversa. Obviamente, pouco temos a dizer das situações que 
nos levam a chorar, a rir, a prantear e a saltar de alegria; mas os nossos atos mais deliberados 
também podem ser condicionados pelo tempo, mãos do que supomos. “Quem diria”, falamos às 
vezes, “que  chegaria o dia em que eu acabaria  fazendo tal ou tal coisa, e achando que é o meu 
dever!”  Assim,  a  nação  pacifista  prepara‐se  para  a  guerra;  ou  o  pastor  de  ovelhas  pega  a  faca 
para matar a criatura que ele antes cuidou para que não morresse. O colecionador distribui o seu 
tesouro; amigos têm desavenças amargas; a necessidade de falar vem depois da necessidade de 
guardar silêncio. Nada do que fazemos parece, fica livre desta relatividade e desta pressão, quase 
uma imposição, vinda de fora. 
Nossa  reação  natural  seria  buscar  a  realidade  em  algo  além  das  mudanças,  tratando  a 
esfera das experiências cotidianas como um mero passatempo. Para nossa surpresa, no versículo 
11 Coelet nos faz ver que essas perpétuas mudanças não são algo desordenado, mas um padrão 
deslumbrante e revelador, uma dádiva de Deus. O problema não  é  que a vida se recuse a ficar 
parada,  mas  sim  que  nós  só  percebemos  uma  fração  do  seu  movimento  e  do  seu  plano  sutil  e 
intricado.  Em  vez  da  ausência  de  mudanças,  temos  ma  coisa  melhor:  um  propósito  dinâmico  e 
divino,  com  um  princípio  e  um  fim.  Em  vez  de  uma  perfeição  congelada  temos  o  movimento 
caleidoscópico de inúmeros processos, cada um com seu próprio caráter e com seu período de 
florescer e amadurecer, formoso no seu devido tempo, contribuindo para a obra‐prima total que á 
obra do Criador. Nós captamos estes momentos brilhantes, mas mesmo à parte das trevas com 
que  se  entremeiam,  eles  deixam‐nos  insatisfeitos  devido  à  falta  de  um  significado  total  que 
possamos  entender.  Diferentemente  dos  animais,  absorvidos  pelo  tempo,  nós  queremos  vê‐los 
em seu contexto pleno, pois conhecemos um pouco da eternidade: o suficiente pelo menos para 
comparar  o  efêmero  com  o  “eterno”.28  Parecemos  alguém  desesperadamente  míope, 
percorrendo  centímetro  por  centímetro  uma  grande  tapeçaria  ou  pintura  na  tentativa  de 
entender o todo. Vemos o suficiente para reconhecer um pouco de sua qualidade mas o grande 
desenho se nos escapa, pois nunca podemos nos afastar o suficiente para vê‐lo como o Criador o 
vê, completo e por inteiro, desde o princípio até o fim. 
Esta  incompreensibilidade  é  desanimadora  para  o  secularista  pensante,  mas  não  para  o 
crente. Ambos podem refugiar‐se na vida aproveitando‐a ao máximo, mas o homem que não têm 
fé age no vazio. O versículo 12 não é tão frívolo como talvez pareça em algumas versões,l como 
na  ER  a  frase  final,  enquanto  viverem,  lança  uma  sombra  sobre  qualquer  empreendimento.  Se 
                                                             
28 Eternidade (v.11) é a mesma palavra traduzida por “eternamente” no v.14, mas usada aqui como 

substantivo. A LXX a traduz aqui e em outras passagens por aion, o substantivo que dá lugar ao adjetivo 
“eterno” no NT. Embora possa ser usada simplesmente em relação ao tempo passado ou futuro (cf a BLH), 
ou em relação a uma época, o contraste com a palavra tempo (isto é, estação) no v.11a  aponta para um 
sentido mais forte do que fraco neste versículo. A ERC menciona aqui “o mundo”, usado no sentido arcaico 
de uma dispensação (cf. a frase “mundo sem fim”). 

 
19
nada é permanente, muito embora grande parte do nosso trabalho vá sobreviver a nós, estamos 
apenas enchendo o tempo; e disso vamos nos dar conta mais cedo ou mais tarde. 
O  crente,  por  outro  lado,  pode  aceitar  o  mesmo  tipo  de  programa  despretensioso,  não 
como um tapa‐buraco mas como uma tarefa. É um dom de Deus (v.13), uma porção distribuída 
em nossa vida cujo propósito é conhecido pelo Doador e é parte  de sua obra eterna; pois Deus 
não faz nada em vão. Como o versículo 14 destaca, os planos divinos são diferentes dos nossos e 
em  nada  precisam  ser  corrigidos  ou  acrescidos:  eles  perduram.  O  eternamente  deste  versículo 
combina com a eternidade colocada no coração do homem (v.11). Participar um pouco disto, por 
mais modestamente que seja, é um escape da “vaidade de vaidades”. 
Assim  todo  o  parágrafo  fala  coma  “bondade”  e  a  “severidade”  simultâneas  que 
encontramos na conhecida frase de Romanos 11:22: “... para com os que caíram, severidade; mas 
para contigo, a bondade de Deus...” O homem ligado às coisas da terra, à luz dos versículos 14 e 
15 e de toda essa seção é prisioneiro de um sistema que ele não consegue quebrar nem sequer 
vergar;  e  por  trás  disso  está  Deus  na  meio  de  fuga,  e  nenhum  jeito  de  alijar‐se  da  carga  que  o 
estorva  ou incrimina. Mas o homem de Deus  ouve estes versículos sem  tais receios.  Para  ele o 
versículo  14  descreve  a  fidelidade  divina  que  transforma  o  temor  de  Deus  em  um 
relacionamento filial e frutífero;29 e o versículo 15 lhe assegura que Deus conhece todas as coisas 
de  antemão,  e  nada  fica  esquecido.30  Deus  não  tem  empreendimentos  abortivos,  nem  homens 
que  ele  tenha  esquecido.  Novamente  Coelet  demonstra,  de  passagem,  que  o  desespero  que  ele 
descreve não é o seu próprio, e nem precisa ser o nosso. 
Mas há muitos outros fatos acerca do mundo que ele precisa destacar. Agora ele volta‐se 
para o cenário da sociedade humana e a maneira de como nós exercemos o poder. 
 

Eclesiastes 3:16­4:3 ­  
A aspereza da vida 
3: 16  Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça, 
maldade ainda. 
17  Então, disse comigo: Deus julgará o justo e o perverso; pois há tempo para todo propósito 
e para toda obra. 
18  Disse ainda comigo: é por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles 
vejam que são em si mesmos como os animais. 
19  Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: 
como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem 
o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. 
20  Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão. 
21  Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais 
para baixo, para a terra? 
22  Pelo que vi não haver coisa melhor do que alegrar­se o homem nas suas obras, porque 
essa é a sua recompensa; quem o fará voltar para ver o que será depois dele? 
4: 1  Vi ainda todas as opressões que se fazem debaixo do sol: vi as lágrimas dos que foram 
oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém 
consolasse os oprimidos. 
2  Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem; 
3  porém mais que uns e outros tenho por feliz aquele que ainda não nasceu e não viu as más 
obras que se fazem debaixo do sol. 
 
Não  temos  aqui  propriamente  uma  mudança  de  assunto,  pois  a  idéia  de  tempos 
                                                             
29 Conf Sl 130:4, onde repousa sobre o perdão divino. 
30 O que se passou considero uma referência ao passado. O “renovar‐se” implica na ação de Deus para 

julgar ou para restaurar, dependendo da natureza do que é renovado. Outras interpretações consideram o 
que se passou  como uma referência àquele que foi perseguido, tradução esta possível em muitos casos, 
mas que dificilmente seria apropriada aqui; ou consideram toda a frase como uma expressão da 
incansável busca de Deus dos acontecimentos no passado e, novamente, no futuro. A ERC diz: “Deus pede 
conta do que passou”. 

 
20
estabelecidos e do seu poder sobre nós continua presente no versículo 17. Mas o problema da 
injustiça  é  demasiadamente  comovente  para  ser  tratado  como  simples  ilustração  desse  tema. 
Transforma‐se num assunto à parte por um breve espaço de tempo no capítulo 4, e vai retornar 
de vez em quando em passagens posteriores.31 
Primeiramente,  entretanto,  podemos  vê‐lo  na  apresentação  das  inversões  e  súbitas 
mudanças  de  direção  da  vida,  que  são  predominantes  no  capítulo  3.  Pois  se  já  uma  coisa  que 
clama  por  uma  reviravolta  é  a  injustiça.  Eis  aí  finalmente  alguma  coisa  obviamente  proveitosa 
nas voltas e viravoltas de nossos negócios. O fato de que tudo na terra obedece à periodicidade 
promete um fim ao longo inverno do mal e do desgoverno. Reforça convicção puramente moral 
de que Deus julgará (v.17), sabendo que para este acontecimento, como para tudo o mais, ele já 
designou uma época adequada. 
Isso é muito bom, achamos nós; mas por que a demora? Por que agora ainda não é o tempo 
adequado para a justiça universal? A essa pergunta não enunciada, os versículos 18ss. dão uma 
resposta tipicamente dura, considerando que a nossa primeira necessidade não é ensinar a Deus 
o que ele deve fazer, mas aprender a verdade acerca de nós mesmos, uma lição que nós somos 
muito lentos em aceitar. (Mesmo o século vinte nos encontra ainda muito inclinados a negar a 
nossa maldade inata.) Portanto, quando o versículo 18 diz para que Deus os prove (ou melhor, os 
desmascare)32  e  eles  vejam  que  são  em  si  mesmos  como  animais,  ficamos  profundamente 
chocados. É verdade que o “como os animais” da ERAB é questionável.33 Mas temos de admitir 
que totalmente à parte de nossas tendências par a crueldade e para a sordidez, que nos colocam 
em uma categoria ainda mais inferior, há pelo menos dois  fatores que dão respaldo à acusação: 
a  inclinação  para  a  ganância  e  para  a  esperteza  em  nossos  negócios  (que  é  o  assunto  em 
discussão,  versículo  16),  e  a  mortalidade  que  os  homens  partilham  com  todas  as  criaturas  da 
terra. O primeiro destes tristes fatos reaparece no próximo capítulo; o segundo ocupa o restante 
deste  e  recebe  influências  de  outras  partes  do  Antigo  Testamento.  o  versículo  20,  que  nos 
apresenta o  homem em  sua caminhada do pó para o pó, como em Gênesis 3:19, confronta‐nos 
com  a  Queda  e  coma    ironia  de  que  morremos  como  os  animais  porque  nos  imaginávamos 
deuses. 
Mas existe em nós alguma coisa que sobreviva a morte? Do seu ponto de vista privilegiado, 
Eclesiastes só pode responder: Quem sabe?34 O fôlego de vida, ou o espírito,35 nestes versículos é 
a vida que Deus dá tanto aos animais quanto aos homens, e cuja retirada resulta na morte, como 
diz o Salmo 104:29ss. Está claro que pelo menos isso temos em comum com os animais; mas se 
“espírito”  implica  em  alguma  coisa  eterna  para  nós,  ninguém  pode  chegar  a  uma  conclusão 
apenas pela observação do texto aqui.36 
Mas o eco do Salmo49, aquele que faz a mesma comparação entre os homens e os animais, 
nos  faz  lembrar  que  há  uma  resposta.  O  homem  de  fé  pode  dizer:  “Mas  Deus  remirá  a  minha 
                                                             
31 Veja 5:8ss; 8:10‐15; 9:13‐16; 10:5‐7; 10:36ss 
32 A palavra para “provar” já parece ter o seu sentido posterior de “trazer à luz” (conf McNeile pg 64) 
33 O texto não precisa dizer nada mais além disso, que os homens agem como os animais, ou que são 

animais em certos sentidos indicados pelo contexto. Este versículo, um tanto difícil diz: “... para que Deus 
os prove (ou os exponha, veja nota anterior), e eles vejam que são em si mesmos como os animais.” No Sl 
14:2 quem vê a situação dos homens é Deus; aqui, ao contrário, o sujeito são as pessoas envolvidas (“e eles 
vejam”); mas uma mudança de vogal daria “mostrar” (como diz a BJ e a maioria das traduções modernas 
seguindo a LXX ET AL.). As palavra “em si mesmos” foram interpretadas como erro de copista, uma vez 
que “animais” e “eles “ são palavras semelhantes; ou significando “entre si” (“denunciá‐los e mostrar que 
são animais uns para os outros”, BJ); ou, “de sua parte”; ou “em si mesmos” (Delitzsch). Eu me inclino a 
aceitar Delitzsch ou a BJ. 
34 Há versões, como a ERAB, que traduzem o versículo 21 como sendo uma afirmação implícita: “Quem 

sabe que o fôlego de vida (ou o espírito) dos filhos dos homens se dirige para cima”, etc. A vogal hebraica 
no começo de “se dirige” favorece esta versão (embora não de maneira exclusiva: veja o hebraico de, por 
exemplo, Nm 16:22; Lv 10:19), mas o hi que vem a seguir comprova o contrário. O ponto de vista 
geralmente defendido por Coelet, e o presente contexto em particular, apóiam a tradução da ER: “Quem 
sabe se... ?” 
35 Ambas são traduções de ruah aqui (19, 21). Em Gn 2:7 foi usada uma palavra diferente para o hálito da 

vida que foi soprado nas narinas do homem no ato da criação. 
36 À primeira vista, Ec 12:7 responde a esta pergunta. Mas não é preciso dizer mais do que foi dito em Sl 

104:29ss., que Deus dá e retira o hálito da vida de suas criaturas quando quer. 

 
21
alma do poder da morte, pois ele me tomará para si” (Sl 49:15). É o homem “em sua ostentação”, 
o homem sem entendimento, que é “como os animais, que perecem”; 37 e este é o homem com o 
qual Eclesiastes se preocupa. 
Para tal pessoa o versículo 22 oferece o melhor que pode dar: a satisfação temporária de 
executar  bem  o  seu  trabalho.  Não  é  coisa  de  se  desprezar.  A  possibilidade  é  um  legado  de  um 
mundo bem criado, como esclarece o versículo 13. Tudo o que está faltando (mas é virtualmente 
tudo) será a satisfação de aceitar esse trabalho como um dom do Criador (veja acima, versículo 
13), e oferecê‐lo a ele. 
Com  o  capítulo  4:1‐3  retornamos  às  opressões  que  se  fazem  debaixo  do  sol,  assunto 
abordado em 3:16. A passagem é tão curta quanto dolorosa, pois  se não há um meio de acabar 
com estas coisas (como na verdade ao existe, no tempo presente), pouco se pode acrescentar aos 
amargos  fatos  do  versículo  1  além  do  lamento  dos  versículos  2  e  3.  Talvez  achemos  que  esta 
atitude seja derrotista, pois sempre há muita coisa que pode ser feita pelos que sofrem, quando 
queremos  fazê‐lo.  Mas  esta  objeção  dificilmente  seria  honesta.  Coelet  está  observando  a  cena 
como  um  todo,  e  ele  pode  muito  bem  retrucar  que  após  cada  intervenção  concebível  ainda 
restariam  inumeráveis  bolsões  de  opressão  nas  “moradas  de  crueldade”38  –  o  suficiente  para 
fazer  os  anjos  chorarem,  se  não  os  homens.  Ele  poderia  acrescentar  que  não  há  coincidência 
alguma no fato de o poder se encontrar do lado do opressor, uma  vez que é o poder  que mais 
rapidamente  desenvolve  o  hábito  da  opressão.  Paradoxalmente,  ele  limita  a  possibilidade  de 
uma reforma, porque quanto mais controle o reformador tiver, maior a tendência para a tirania. 
Assim um outro aspecto da vida terrena foi apresentado; e nada há mais triste em todo o 
livro do que a melancólica alusão, nos versículos 2 e 3, aos mortos e aos que ainda não nasceram, 
que são poupados da visão de tanta angústia. Isto é apropriado, pois embora de um modo geral 
Eclesiastes esteja preocupado com a frustração, aqui ele se ocupa como reino do mal, e como mal 
em sua chocante forma de crueldade. Se a melancolia de Coelet nos choca excessivamente neste 
ponto, talvez devamos nos perguntar se a nossa visão mais otimista brota da esperança e não da 
complacência. Se nós, os cristãos, vemos mais além do que ele se permitiu, não há motivos para 
nos pouparmos das realidades do presente. 
 

Eclesiastes 4:4­8 ­  
Corrida desenfreada 
4: 4  Então, vi que todo trabalho e toda destreza em obras provêm da inveja do homem 
contra o seu próximo. Também isto é vaidade e correr atrás do vento. 
5  O tolo cruza os braços e come a própria carne, dizendo: 
6  Melhor é um punhado de descanso do que ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás 
do vento. 
7  Então, considerei outra vaidade debaixo do sol, 
8  isto é, um homem sem ninguém, não tem filho nem irmã; contudo, não cessa de trabalhar, 
e seus olhos não se fartam de riquezas; e não diz: Para quem trabalho eu, se nego à minha alma os 
bens da vida? Também isto é vaidade e enfadonho trabalho. 
 
Nesta  pequena  amostra  de  atitudes  para  com  o  trabalho  somos  lembrados  de  alguns 
extremos, estranhos mas familiares. Primeiro, a ânsia competitiva. O versículo 4 não deve sofrer 
tanta  pressão,  pois  este  escritor,  como  qualquer  outro,  deve  ter  a  liberdade  de  apresentar  os 
seus  pontos  com  vigor.  Poderemos  tergiversar,  se  quisermos,  lembrando‐nos  de  pessoas  tais 
como  os  párias  solitários  ou  os  lavradores  necessitados,  que  lutam  simplesmente  pela 
sobrevivência,  ou  aqueles  artistas  que  realmente  amam  a  perfeição  por  amor  a  ela;  mas 
permanece o fato de que grande parte de nosso trabalho árduo e  de nosso grande esforço está 
misturada à ânsia de eclipsar os outros ou de não ser eclipsado. Até mesmo na rivalidade entre 
amigos  isto  exerce  um  papel  maior  do  que  possamos  imaginar,  pois  podemos  até  agüentar  se 
                                                             
37 Veja Sl 49:12,14,15 e 20. A ER e a BLH roubam do salmo o seu clímax, fazendo o versículo 20 

simplesmente repetir o v.12, quando no texto hebraico (e também na ERAB) há a frase: “O homem... sem 
entendimento”. 
38 Cf. Sl 74:20 (ERC) 

 
22
ultrapassados  por  algum  tempo  e  por  determinadas  pessoas,  mas  não  com  tanta  regularidade 
nem tão profundamente. Sentir‐se um fracasso é descobrir na alma a inveja que Coelet detecta 
aqui, em sua patética forma de ressentimentos acalentados e queixumes autopiedosos.39 
O segundo retrato (v.5) é pequeno e apresenta o extremo oposto: o indolente. Ele despreza 
essas rivalidades frenéticas. Mas recebe o seu verdadeiro nome, tolo, pois a sua inércia é igual e 
oposta ao erro dos outros. Ele é o quadro da complacência e da autodestruição inconsciente, pois 
este  comentário  sobre  ele  destaca  um  prejuízo  mais  profundo  do  que  o  desperdício  do  seu 
capital. Sua preguiça, além de acabar com o que ele tem, acaba também com o que ele é: destrói o 
seu  autocontrole,  o  seu  senso  de  realidade,  a  sua  capacidade  de  se  cuidar  e,  finalmente,  o  seu 
auto‐respeito. 
A estas duas formas infelizes de viver o versículo 6 apresenta uma alternativa sadia. A bela 
expressão um punhado de descanso consegue transmitir a dupla idéia de desejos modestos e paz 
interior: uma atitude tão distante da indolência egoísta do tolo quanto da luta desordenada do 
diligente em busca da preeminência. 
“Dá­me a minha concha de quietude, 
Meu cajado de fé para me apoiar, 
Minha dieta imortal de alegria, 
Meu cântaro de salvação, 
Minha veste de glória, real penhor da esperança, 
E assim vou iniciar 
A minha peregrinação”40 
Mas  se  é  que  existe  algo  mais  opressor  do  que  a  inveja,  é  o  hábito,  quando  este  se 
transforma  em  fixação.  Os  versículos  7e  8  descrevem  o  maníaco  ganhador  de  dinheiro  como 
alguém  completamente  desumanizado,  que  se  entregou  à  mera  ganância  e  ao  processo 
infindável de alimentá‐la. Subitamente o escritor identifica‐se com tal homem, e nos leva a fazer 
o  mesmo,  através  da  pergunta:  Para  quem  trabalho  eu...?  estas  palavras  aparecem  sem  serem 
anunciadas, como se expressassem o que a vida toda desse homem está dizendo. Embora, a bem 
da clareza, estejamos examinando aqui a vida de um homem sem família, podemos imaginar que 
a sua solidão não seja acidental e que, além disse, ele não tenha amigos, vivendo como vive na 
sua  rotina.  Mesmo  que  tenha  esposa  e  filhos,  ele  tem  pouquíssimo  tempo  para  lhes  dedicar, 
convencido de que está lutando em benefício deles, embora o seu coração esteja em outro lugar, 
dedicado e enredado em seus projetos. 
À semelhança da rivalidade invejosa descrita no versículo 4, este quadro de uma vida de 
negócios solitária e sem  sentido põe  em cheque qualquer  argumentação quanto  às bênçãos do 
trabalho duro. Não é aqui que jaz a resposta para a frustração,e muito menos na indolência do 
versículo 8. Neste ponto Coelet parece fazer uma pausa em sua busca das coisas duradouras da 
vida,  o  que  nos  dá  oportunidade  de  olhar  para  trás  e  tornar  a  examinar  o  caminho  que  já 
percorremos com ele. 
 

Primeiro Resumo:  
Retrospectiva de Eclesiastes 1:1­4:8 
Até  agora,  em  nossa  perspectiva  o  cenário  terreno,  examinamos  o  que  o  mundo  pode 
oferecer  em  quatro  ou  cinco  diferentes  níveis.  Começamos  com  uma  impressão  de  sua  total 
inquietude,  as  repetições  infinitas  e  inconclusivas  que  se  acham  na  natureza  e  no  cenário 
humano (1:1‐11). Depois consideramos as satisfações dos diferentes estilos de vida, racionais e 
irracionais,  frívolos  e  austeros:  os  prazeres  da  arte  e  do  trabalho,  da  construção  para  o  futuro 
(1:12‐2:26). Se alguns deles têm alguma coisa para dar, nenhum  sobrevive ao teste decisivo da 
morte. Para encontrar alguma coisa que o tempo não desfaça, temos de procurar em outro lugar. 
                                                             
39 McNeile destaca que o Heb. Deste versículo simplesmente faz da inveja o predicado do trabalho e da 

destreza, isto é: “Então vi que... correspondia à inveja, etc”. Sendo incitado por ela e sendo um resultado 
dela. Muitas traduções modernas (tais como a ERAB, a ER e a BLH) fazem da inveja o incentivo para o 
sucesso; e outras (como a ERC) fazem dela o efeito das realizações sobre os outros; o Heb. Deixa em aberto 
essas duas possibilidades. 
40 Sir Walter Raleigh, “His Pilgrimage” (Sua Peregrinação) 

 
23
Mas o tempo, como foi apresentado no capítulo 3, além de ser inexorável, também nos faz flutuar 
ao  sabor  de  marés  e  correntezas  que  são  mais  fortes  do  que  nós.  Não  somos  donos  de  nossas 
circunstâncias: nem sequer podemos nos orientar dentro delas. 
Uma nota mais sinistra insinua‐se em 3:16 com o tema da tirania humana e sua crueldade. 
É o fato amargo que faz da morte, mesmo no momento de maior desespero, não mais o último 
inimigo, como a vimos no capítulo 2, mas o último amigo que nos resta. 
Finalmente  vimos,  em  4:4‐8,  não  os  perdedores  nesta  luta  humana,  mas  os  aparentes 
ganhadores e sobreviventes: aqueles que conseguiram ser por ela ou em si mesmos totalmente 
absorvidos. Ao que parece, estes entraram em um acordo com a vida. Mas será que receberam 
um prêmio duradouro? E será que a sua maneira de obtê‐lo poderia enfrentar uma inspeção? A 
expressão  “corrida  desenfreada”  resume  a  idéia  principal  destes  versículos:  uma  rivalidade 
frenética  em  um  dos  extremos,  uma  desastrosa  escolha  no  outro;  e  para  os  poucos  que  obtêm 
sucesso, uma vida dedicada à consecução de prêmios e mais prêmios sem significado algum. 
Após  esta  avaliação  inclemente,  será  um  alívio  voltarmo‐nos  um  pouco  de  nossa  busca 
desesperada  por  algo  duradouro,  para  assuntos  mais  corriqueiros,  pois  a  vida  continua 
enquanto  buscamos,  e  há  maneiras  melhores  e  piores  de  vivê‐la.  Pelo  menos  neste  ponto 
podemos ser sábios! 
Para começar, podemos ser mais sensíveis do que os solitários e obsessivos ganhadores de 
dinheiro que acabamos de considerar; e um padrão mais sábio do  que o deles será o primeiro 
assunto dos comentários que se seguem acerca da vida. 
 

Eclesiastes 4:9­5:12 ­  
Interlúdio: Algumas reflexões, máximas e verdades 
 
Companheirismo 
4: 9  Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. 
10  Porque se caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois, caindo, 
não haverá quem o levante. 
11  Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará? 
12  Se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; o cordão de três dobras não 
se rebenta com facilidade. 
 
Tendo  examinado  a  pobreza  do  “solitário”,  por  maior  que  seja  o  seu  sucesso  exterior, 
agora vamos refletir sobre algo melhor; e melhor aqui será uma palavra‐chave (4:9,13; 5:1,5), o 
que acontece com muita freqüência na avaliação de valores pelos escritores da Sabedoria. 
As idéias são simples e diretas; aplicam‐se a muitas formas de companheirismo, inclusive 
(embora  não  explicitamente)  ao  casamento.  Com  uma  brevidade  graciosa  elas  descrevem  o 
proveito, a elasticidade, o conforto41 e a força que existem em uma verdadeira aliança; e por isso 
vale  a  pena  aceitar  suas  exigências.  Embora  tais  exigências  não  estejam  explícitas  aqui, 
dificilmente teríamos de expor os benefícios do companheirismo  se este não envolvesse algum 
custo.  Um  preço  óbvio  é  a  independência  da  pessoa:  uma  vez  comprometida,  ela  tem  de 
consultar os interesses e a conveniência da outra, ouvir‐lhe as idéias, ajustar‐se ao seu modo de 
andar e estilo de vida, e cumprir com as promessas. Quanto às recompensas, são todas benefícios 
conjuntos: um parceiro nunca haverá de explorar o outro. 
O cordão de três dobras talvez seja um lembrete de que o verdadeiro companheirismo tem 
mais de uma forma. Embora os números, quando erradamente entendidos, possam ser divisivos 
e  desastrosos  (veja  o  versículo  11),  na  sua  forma  certa,  além  de  acrescentarem  algo  aos 
benefícios  da  união,  também  se  multiplicam.  Um  exemplo  óbvio  deste  enriquecimento,  e  o 
predileto dos pregadores, é a  força  de um casamento, ou de qualquer aliança humana, quando 
Deus  é o fio  mestre  que faz com  eles  o cordão  triplo. Mas talvez o escritor estivesse pensando 
mais nesta metáfora em termos puramente humanos, de modo que, se aplicada ao casamento, o 
                                                             
41 O versículo 11 poderia aplicar‐se ao casamento, mas possivelmente aplica‐se mais aos viajantes que 

dormem ao relento. Barton observa que “as noites na Palestina são frias..., e o viajante solitário dorme às 
vezes unto de sua montaria para se aquecer na falta de outra companhia.” 

 
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terceiro fio seria mais apropriadamente os filhos, com tudo o que eles acrescentam á qualidade e 
à força do laço original. Mesmo assim provavelmente estejamos sendo mais específicos do que 
ele pretendia que fôssemos. 
 
Aplausos populares 
4: 13  Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato, que já não se deixa 
admoestar, 
14  ainda que aquele saia do cárcere para reinar ou nasça pobre no reino deste. 
15  Vi todos os viventes que andam debaixo do sol com o jovem sucessor, que ficará em lugar 
do rei. 
16  Era sem conta todo o povo que ele dominava; tampouco os que virão depois se hão de 
regozijar nele. Na verdade, que também isto é vaidade e correr atrás do vento. 
 
Este  parágrafo  tem  pontos  obscuros,  mas  descreve  uma  coisa  bastante  familiar  na  vida 
pública: a popularidade efêmera dos grandes. Apresenta as faltas de ambos os lados, começando 
com a teimosia do homem há muito tempo montado na sela, que ao se deixa tocar e que já não 
tem mais a simpatia da nova geração, esquecido de como é ser jovem, fogoso e impaciente, como 
ele  mesmo  já  foi.42  Há  muita  semelhança  com  Davi  no  começo  e  no  final  de  sua  vida,  para  que 
reflitamos no fato de que os melhores homens podem acabar assim sem que o percebam. MS o 
retrato não tema intenção de ser histórico. 
Pode  acontecer  que  um  homem  melhor  o  suplante  e  venha  a  ser  melhor  se  tiver  as 
qualidades  certas,  ainda  que  lhe  falte  idade  ou  posição,  como  o  versículo  13a  destaca.  Coelet, 
com  o  seu  jeito  de  nos  presentear  uma  cena  vivamente  colorida,  descreve  a  enorme  massa  de 
homens, e a vê do lado43 do recém‐chegado, que é jovem, sendo ela em quantidade incontável. 
Ele mesmo acaba seguindo o caminho do velho rei, não necessariamente pelas faltas que 
comete,  mas  simplesmente  porque  o  tempo  e  a  familiaridade,  assim  como  a  inquietude  dos 
homens, acabam por fazê‐lo perder o interesse. Ele atingiu o pináculo da glória humana apenas 
para  ser  abandonado  ali.  Este  é  contudo  mais  um  processo  de  degradação  humana,  das 
realizações que finalmente se revelam vazias. 
 
Conversa piedosa 
5: 1  Guarda o pé, quando entrares na Casa de Deus; chegar­se para ouvir é melhor do que 
oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que fazem mal. 
2  Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra 
alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas 
palavras. 
3  Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias. 
4  Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri­lo; porque não se agrada de 
tolos. Cumpre o voto que fazes. 
5  Melhor é que não votes do que votes e não cumpras. 
6  Não consintas que a tua boca te faça culpado, nem digas diante do mensageiro de Deus 
que foi inadvertência; por que razão se iraria Deus por causa da tua palavra, a ponto de destruir as 
obras das tuas mãos? 
7  Porque, como na multidão dos sonhos há vaidade, assim também, nas muitas palavras; tu, 
porém, teme a Deus. 
 
Prosseguindo com um interlúdio de retratos, Coelet volta  aos  olhos observadores para  o 
                                                             
42 As opiniões diferem quanto àquele que conheceu a prisão e a pobreza (v.140: se é o rei velho (como eu 

penso) ou se é o jovem nobre e sábio que o suplanta. Se é este último, então o versículo 15 apresenta‐o 
espoliado por sua vez, já que o jovem é literalmente “o segundo jovem”; ou “o jovem sucessor”, (como 
traduzido na ERAB) isto é, o jovem rival do velho rei. 
43 A expressão literal é “com o jovem”. “Com” pode significar tanto “assim como” ou “junto com”. Este 

último sentido nos prepara melhor para a preeminência que o jovem desfruta no versículo seguinte. Já a 
BLH desperta um interesse maior, parafraseando: “Eu pensei em todas as pessoas que vivem neste mundo 
e imaginei que existe, entre elas, em algum lugar, um moço que tomara o lugar do rei”; mas é ir longe 
demais. 

 
25
homem  como  adorador.  Tal  fomo  os  profetas,  ele  insiste  na  sinceridade  nesta  área;  mas  o  seu 
tom é calmo, embora suas palavras sejam afiadas com a navalha. Enquanto os profetas proferem 
com veemência suas invectivas contra os maus e os hipócritas, o alvo do escritor é a pessoa bem 
intencionada que gosta de cantar e de ir à igreja, mas que ouve com um ouvido só e nunca faz o 
que se propõe fazer para Deus. 
Esse  homem  esqueceu‐se  de  onde  está  e  de  quem  ele  é;  acima  de  todas  as  coisas, 
esqueceu‐se  de  quem  Deu  sé.  A  palavra  tolo(s),  várias  vezes  repetida  é  denunciadora,  pois  ser 
negligente com Deus é um mal (v.1), uma culpa (v.6) e uma provocação que não ficará impune 
(v.6b). se nós nos sentirmos tentados a deixar isto de lado por ser parte da severidade do Antigo 
Testamento,  o  Novo  Testamento  vai  nos  deixar  desconcertados  com  suas  advertências  contra 
palavras piedosas sem significado, ou para com a  nossa maneira  de lidar levianamente com as 
coisas  sagradas  (Mt  7:21ss.;  23:16ss.;  1Co  11;27ss.).  nenhuma  ênfase  na  graça  pode  justificar 
qualquer tomada de liberdades com Deus, pois no próprio conceito da graça existe gratidão; e a 
gratidão não pode ser negligente. 
Ao  repassarmos  estes  versículos  com  mais  cuidado,  somos  advertidos  nas  primeiras 
palavras  (com  o  equivalente  à  nossa  expressão  “Cuidado!”),  de  como  Deus  se  esmerou  em 
guardar  o  limiar  de  sua  porta  aqui  na  terra  nos  tempos  antigos,  até  mesmo  com  a  ameaça  de 
morte (“para que não morram nelas, ao contaminar o meu tabernáculo”, Lv 15:31). Num certo 
nível,  isto  nos  torna  claro  o  preço  de  nossa  admissão  no  “santuário  celestial”  e  a  pureza  que  é 
exigida  de  nós  (“pelo  sangue  de  Jesus...  purificados...  e  lavado  o  corpo  com  água  pura”,  Hb 
10:19ss), enquanto em um outro nível nos faz entender a consideração que deveríamos ter para 
com a igreja de Deus, o templo vivo.44 
Ouvir (v.1b) tem uma força dupla no hebraico: prestar atenção e obedecer. Portanto esta 
advertência  nos  lembra  as  famosas  palavras  de  Samuel:  “Eis  que  o  obedecer  é  melhor  do  que 
sacrificar”  (1Sm  15:22).  Aqui,  entretanto,  o  culto  inexpressivo  não  é  premeditado;  o  pecado  é 
mais  do  tolo45  do  que  do  velhaco,  se  é  que  isso  melhora  a  situação!  Coelet  dificilmente  nos 
encorajaria  a  pensar  assim:  o  seu  lembrete  de  que  Deus  não  se  agrada  de  tolos  (v.4)  é  uma 
observação tão calmamente esmagadora quanto qualquer outra do livro. 
Dois  provérbios  destacam  a  questão  ligando  a  conversa  dos  tolos  coma  irrealidade  dos 
sonhos.  O  elo  é  um  tanto  impalpável  no  versículo  3,  e  menos  ainda  no  versículo  7,  onde  os 
sonhos parecem ser divagações que reduzem o culto a um ato puramente mecânico. O versículo 
3 parece significar que,  pela sua própria quantidade, o excesso de palavras acaba  em asneiras, 
exatamente  como  o  excesso  de  trabalho  acaba  em  pesadelos. 46  Tais  palavras  nos  confrontam 
com  o  fato  de  que  os  tolos  não  são  um  determinado  tipo  de  pessoas,  mas  sim  pessoas  que  se 
comportam de um determinado jeito. No contexto do culto, é como despejar uma avalanche de 
frases  piedosas  que  zombam  de  nosso  Soberano  (v.2)  e  ultrapassam  nossos  verdadeiros 
pensamentos  e  intenções.  Se  formos  eventualmente  interrogados  sobre  o  que  dissemos  na 
igreja, nossas justificativas soarão tão defeituosas quanto as palavras de um gozador ou de um 
mentiroso.47 
Predadores oficiais 
5: 8  Se vires em alguma província opressão de pobres e o roubo em lugar do direito e da 
justiça, não te maravilhes de semelhante caso; porque o que está alto tem acima de si outro mais 
alto que o explora, e sobre estes há ainda outros mais elevados que também exploram. 
9  O proveito da terra é para todos; até o rei se serve do campo. 
 
                                                             
44 Cf 1Co 3:16ss.; Ef 2:19ss.; 1Pe 2:5 
45 Sacrificio de tolos dá o sentido exato, mas a frase é mais exatamente “é melhor do que os sacrifícios que 

os tolos poderiam oferecer” (McNeile) 
46 Uma alternativa sugerida é que um sonho consiste de (“vem na forma de”) muitos trabalhos (isto é, uma 

torrente de acontecimentos e imagens), e a voz de um tolo consiste de uma torrente de palavras. Barton 
inclina‐se para esta sugestão de T. Tyler, mas duvida que trabalho possa ter este significado. 
47 O mensageiro do versículo 6 tem sido interpretado de diversas maneiras: como “o anjo” (cf. a ERC e a 

ER) pois a língua Heb. Não distingue entre os mensageiros terrestres e celestes; como sacerdote (BLH; cf. 
Ml 2:27); como um funcionário do templo enviado para cobrar dívidas e impostos; e como o próprio Deus 
(cf a expressão “o anjo do Senhor”, usada neste sentido). Seja qual for o sentido, o ponto em questão é o 
pecado que a sua chegada denuncia. 

 
26
Assim  continuam  as  reflexões  sobre  como  enfrentar  as  condições  da  vida  de  maneira 
realista.  Agora,  Coelet  passa  a  fazer  uma  avaliação  da  burocracia.  O  quadro,  senão  é  de  todo 
universal,  não  deixa  de  ser  bastante  familiar.  O  vislumbre  desse  panorama  de  autoridades 
sugere possibilidades de subterfúgios kafkanianos, para desconcertar o cidadão que insiste em 
seus direitos: ele pode acabar sendo obstruído e derrotado. Quanto à responsabilidade mora, ela 
pode  ser  deixada  de  lado  com  a  mesma  facilidade.  Cada  funcionário  pode  acusar  o  sistema, 
enquanto as autoridades máximas governam a uma distância infinita das vidas que afetam. Mas 
Coelet destaca outro aspecto da burocracia: sua autoconcentração predatória, cada funcionário 
mantendo  um  olho  malicioso  sobre  aquele  que  o  segue  na  lista.48  Delitzsch  descreve  este 
processo  no  antigo  império  persa!  “O  sátrapa  ficava  na  liderança  dos  governadores  de  estado. 
Em  muitos  casos,  ele  espoliava  a  província  em  seu  próprio  proveito.  Mas  acima  do  sátrapa 
ficavam  os  inspetores,  que  freqüentemente  faziam  a  sua  própria  fortuna  através  de  denúncias 
fatais;  e  acima  de  todos  ficava  o  rei,  ou  melhor,  a  corte,  com  rivalidades  intrigantes  entre  os 
cortesãos e as mulheres reais.”49 Não é de admirar que o cidadão da base de uma tal estrutura 
achasse que a justiça era um luxo que ele não podia almejar. 
De acordo com o ponto  de vista do livro, o comentário sobre o assunto é seco e realista. 
Afinal,  se  estamos  considerando  o  mundo  em  seus  próprios  termos  de  completo  secularismo, 
não  podemos  esperar  ser  a  moral  muito  elevada  quer  do  sistema  que  encontramos  no  poder, 
quer  de  qualquer  outra  parte.  Com  todo  este  ódio  contra  a    injustiça,  Coelet  não  coloca 
esperanças  em  algum  esquema  utópico  ou  em  uma  revolução.  Ele  sabe  o  que  existe  dentro  do 
homem. 
Por  isso  o  seu  primeiro  comentário  é  não  te  maravilhes  de  semelhante  caso,  e  acaba 
concluindo  que  até  mesmo  a  tirania  é  melhor  do  que  a    anarquia.  O  destaque  do  versículo  950 
parece ser que nada se ganharia caso se retornasse à estrutura simples dos velhos dias nômades. 
Um  país  desenvolvido  precisa  da  força  de  um  governo  central,  mesmo  envolvendo  o  fardo  do 
funcionalismo. 
 
Dinheiro 
5: 10  Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da 
renda; também isto é vaidade. 
11  Onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os que deles comem; que mais 
proveito, pois, têm os seus donos do que os verem com seus olhos? 
12  Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco, quer muito; mas a fartura do rico não o 
deixa dormir. 
 
O  assunto  destas  reflexões  é  um  dos  mais  constrangedores  para  nós,  como  Jesus  deu  a 
entender ao advertir‐nos contra o fazer de mamom um segundo Deus. Os três ditados expressam 
o fato como ele realmente é, destacando a ânsia que ele gera, os parasitas que atrai e a dispepsia 
que é a sua típica recompensa. 
O versículo 10 é um clássico sobre o amor ao dinheiro, um bom companheiro de 1 Timóteo 
6:9ss.  com  suas  famosas  palavras  acerca  das  conseqüências  morais  e  espirituais  desse  amor. 
Aqui o interesse é psicológico, embora a observação final, também isto é vaidade, nos dê a lição 
máxima  que  devemos  aprender.  A  gana  implacável  que  desperta  é  muito  óbvia  no  jogador,  no 
magnata e no bem‐pago materialista que nunca tem o suficiente, pois o amor ao dinheiro cresce 
na proporção com que é alimentado. Mas essa gana pode apresentar‐se de maneira mais sutil, na 
                                                             
48 A ERC torna o V.8b um tanto ameno (“porque o que mais alto é do que os altos para isso atenta”), mas a 

ER acha‐se mais próxima do hebraico literal (“Pois quem está altamente colocado tem superior que o 
vigia; e há mais altos ainda sobre eles”). O plural “mais altos” poderia ser um plural de majestade e referir‐
se ao rei ou a Deus; mas neste caso, deveria ser expresso com maior clareza. Quanto ao verbo, “vigia” 
implica em proteção; mas também pode ter um sentido hostil (“explora”) como na ERAB (cf 1Sm 19:11) 
49 Delitzsch, ad loc. 
50 Nenhuma traduçãod este versículo recebeu aprovação geral. Alguns comentaristas encontram nele o 

louvor a um rei que, tal como Uzias, gostava da lavoura; outros vêem que até mesmo um déspota depende 
do solo (cf. ERAB, ER, ERC, BLH). Algumas destas variações surgem com a possibilidade de se anexar a 
palavra “servir” tanto ao “rei” como (no sentido de “cultivado”) ao “campo”. A pontuação massorética 
indica este último caso. 

 
27
forma de um descontentamento geral: um desejo não necessariamente de mais dinheiro, mas de 
satisfação interior. Se existe coisa pior do que o vício gerado pelo dinheiro é o vazio que ele deixa 
na vida das pessoas. O homem, com a eternidade no coração, precisa de um alimento melhor do 
que esse. 
O  segundo  dos  três  ditados  (versículo  11)  parece  referir‐se  não  apenas  à  complexa 
instituição  que  de  certa  forma  cresce  com  o  aumento  da  riqueza,  mas  também  ao  enxame  de 
parasitas.  Sobre  estes  há  uma  profecia  tragicômica  em  Isaías  22:23ss.,  que  promete  um  alto 
cargo  a  um  certo  cortesão,  mas  adverte‐o  de  que  vai  se  ver  desastrosamente  sobrecarregado: 
“Nele pendurarão toda responsabilidade da casa de seu pai”, aqueles que buscam numa posição; 
e o profeta,  entusiasmando‐se com  o assunto, descreve tal homem como  um cabide  em que se 
pendurou quase a metade dos utensílios da cozinha, até que o cabide e tudo o que contém vem 
abaixo. Nesse versículo, porém, não temos tal clímax; apenas a  ironia de ter de viver o próprio 
prestígio e um pouquinho mais. 
O terceiro ditado sobre o dinheiro (v.12) tem como exemplo qualquer situação em que a 
riqueza  e  a  indulgência  dão‐se  as  mãos.  Aqui  o  rico  não  consegue  dormi,não  por  causa  do 
excesso de trabalho, como em 2:23, ou devido à preocupação, como dá a entender a BLH (“o rico 
se preocupa tanto com as coisas que possui, que nem consegue dormir”). Não, simplesmente é 
porque come demais, como bem coloca a ER (“a saciedade do rico...”). 
Sejam quais forem os desconfortos do trabalhador, este ele não terá. E sejam quais forem 
os  fardos  que  Adão  recebeu  na  Queda,  havia  na  sentença  uma  dura  misericórdia:  “No  suor  do 
rosto  comerás  o  pão”.  Quanto  a  isto,  há  um  comentário  inconsciente  nos  nossos  modernos 
aparelhos de fazer exercícios e nas academias de saúde, pois eles são um dos nossos absurdos 
humanos:  jogamos  fora  dinheiro  e  esforço  apenas  para  desfazer  os  estragos  causados  pelo 
dinheiro e pelo conforto. 
 

Eclesiastes 5:13­6:12 ­  
A amargura do desapontamento 
 
No capítulo quarto, e na metade deste capítulo quintão de Eclesiastes, ocupamo‐nos mais 
com o viver de maneira sensata no mundo como o encontramos (inclusive no mundo de nossas 
obrigações religiosas) do que com a preocupação quanto a se estamos conseguindo alguma coisa 
ou não. O problema ainda continua, refletido duas vezes no comentário “também isto é vaidade” 
(4:16; 5:10); agora ele torna‐se novamente o centro das atenções enquanto Coelet cita algumas 
das amargas anomalias da vida. Ele conclui o capítulo6 – e com isso a primeira metade do livro – 
enfatizando a pergunta que aparentemente já havia respondido antes: “Pois quem sabe o que  é 
bom para o homem... debaixo do sol?” 
 
O choque 
5: 13  Grave mal vi debaixo do sol: as riquezas que seus donos guardam para o próprio dano. 
14  E, se tais riquezas se perdem por qualquer má aventura, ao filho que gerou nada lhe fica 
na mão. 
15  Como saiu do ventre de sua mãe, assim nu voltará, indo­se como veio; e do seu trabalho 
nada poderá levar consigo. 
16  Também isto é grave mal: precisamente como veio, assim ele vai; e que proveito lhe vem 
de haver trabalhado para o vento? 
17  Nas trevas, comeu em todos os seus dias, com muito enfado, com enfermidades e 
indignação. 
 
Um  exemplo  em  miniatura  coloca‐nos  agora  face  a  face  com  a  frustração;  este  autor 
prefere  nos  apresentar  exemplos  da  própria  vida  e  não  apenas  abstrações.  Aqui,  então,  temos 
um homem que perde todo o seu dinheiro de um só golpe, deixando a família desamparada. Isto 
até teria sentido se fosse um castigo para negócios ilícitos (“os bens que facilmente se ganham” e 

 
28
que merecem desaparecer, Pv 13:11), ou se fosse a fortuna ganha em jogos de azar51 em vez das 
economias de um pai de família; ou, então, se fosse dinheiro perdido no jogo e não um fracasso 
nos negócios.52 Mas, na verdade, trata‐se de dinheiro ganho com trabalho e preocupações. A vida 
dele  foi  duplamente  desperdiçada,  primeiro  ganhando,  depois  perdendo.  E,  se  este  é  um  caso 
extremo,  também  nós  enfrentamos  algo  parecido:  todos  nós  partiremos  tão  nus  quanto 
chegamos.  “Mas  isto  não  é  justo!”,  poderíamos  dizer.  A  reação  do  próprio  Coelet  não  é  tão 
impetuosa,  pois  ele  está  principalmente  destacando  o  que  acontece,  e  não  o  que  deveria 
acontecer,  em  u  mundo  no  qual  não  podemos  ditar  ordens  nem  criar  raízes.  “Um  mal  fatal”53 
talvez  seja  a  tradução  mais  aproximada  de  sua  expressão.  Foi  assim  que  ele  apresentou  o 
assunto  (v.13);  e  agora  ele  repete:  “é  grave  mal...  e  que  proveito  lhe  vem  de  haver  trabalhado 
para o vento?” (v.16). 
Neste ponto convém lembrar que esse homem talvez quisesse da vida mais do que ela lhe 
podia dar. Se os seus planos eram feitos apenas com base no que estava ao seu alcance e no que 
lhe prometia alguma segurança, então ele estava olhando na direção errada. Assim o parágrafo 
final vai nos acalmar, falando agora da vida em termos muito diferentes. 
 
Um caminho mais excelente 
5: 18  Eis o que eu vi: boa e bela coisa é comer e beber e gozar cada um do bem de todo o seu 
trabalho, com que se afadigou debaixo do sol, durante os poucos dias da vida que Deus lhe deu; 
porque esta é a sua porção. 
19  Quanto ao homem a quem Deus conferiu riquezas e bens e lhe deu poder para deles 
comer, e receber a sua porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus. 
20  Porque não se lembrará muito dos dias da sua vida, porquanto Deus lhe enche o coração 
de alegria. 
 
À primeira vista isto talvez pareça um mero elogio à simplicidade e à moderação. Mas, de 
fato, a palavra‐chave é Deus, e o segredo da vida que nos é apresentado é a abertura para com 
ele: uma disposição de aceitar tudo como vindo do céu, quer seja trabalho ou riqueza, ou ambos. 
Isto  é  mais  do  que  boa  e  bela  cousa  (v.18):  mais  literalmente,  é  “uma  coisa  boa  que  é  bela”. 
Novamente, uma nota positiva aparece, e no final do capítulo captamos um vislumbre do homem 
por  quem  a  vida  passa  rapidamente,  não  porque  ela  é  curta  e  sem  sentido,  mas  porque,  pela 
graça  de  Deus,  ele  a  acha  completamente  arrebatadora.  Este  será  o  tema  dos  capítulos  finais; 
antes,  porém  ainda  há  algo  mais  a  ser  explorado  na  experiência  humana  e  em  suas  duras 
realidades. 
 
Tantalização 
6: 1  Há um mal que vi debaixo do sol e que pesa sobre os homens: 
2  o homem a quem Deus conferiu riquezas, bens e honra, e nada lhe falta de tudo quanto a 
sua alma deseja, mas Deus não lhe concede que disso coma; antes, o estranho o come; também isto 
é vaidade e grave aflição. 
3  Se alguém gerar cem filhos e viver muitos anos, até avançada idade, e se a sua alma não se 
fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é mais feliz do que ele; 
4  pois debalde vem o aborto e em trevas se vai, e de trevas se cobre o seu nome; 
5  não viu o sol, nada conhece. Todavia, tem mais descanso do que o outro, 
6  ainda que aquele vivesse duas vezes mil anos, mas não gozasse o bem. Porventura, não vão 
todos para o mesmo lugar? 
 
Imediatamente deparamo‐nos com o fato de que o “poder” de desfrutar os dons de Deus, 
que nos foi apresentado em 5:19, é em si mesmo um dom que pode  ou não nos ser concedido. 
Podemos  ser  privados  dele  de  diversas  maneiras.  Em  5:13ss.,  temos  o  fracasso  nos  negócios: 
aqui tudo foi sacrificado por um futuro que nunca se concretizou. Para este homem nunca houve 

                                                             
51 Cf Pv 11:24‐26 sobre a infeliz influência disso; e 28:22 sobre sua transitoriedade. 
52 Aventura (v.14) não implica necessariamente em risco; é a palavra traduzida por “trabalho” em 1:13; 

3:10; 5:3 (Heb 2), etc. 
53 Lit. “doença”. Implica em problema que é perturbador e esta profundamente enraizado. 

 
29
uma manha. Mas a vida pode ter longos períodos de brilho e de alegria, e ainda assim sucumbir 
em trevas, que parecerão ainda mais profundas por causa da luz  que desfizeram. O homem do 
versículo  2,  exatamente  por  ser  notável,  tem  mais  a  perder  do  que  o  lerdo  que  nunca  chega  a 
nada. E ele pode muito bem perder tudo sem ter culpa alguma: é só vir a guerra, a enfermidade 
ou a injustiça e lançar tudo no colo de outra pessoa. Se ele é atormentado, também o são aqueles 
que  têm  riqueza  material  e  pobreza  interior,  pois  o  problema  não  é  simplesmente  que  alguns 
bens são menos satisfatórios que outros, o que sem dúvida acontece, ou que estes nos são dados 
escassamente. Uma pessoa pode ter tudo que os homens sonham (o  que nos termos do Antigo 
Testamento significava filhos às dezenas e anos de vida aos milhares) e ainda assim partir sem 
ser percebido ou lamentado54 e sem ter satisfação. 
A esta altura podemos protestar dizendo que afinal de contas a fida não é tão negra assim 
para  a  maioria  das  pessoas.  Normalmente,  podemos  aceitar  as  dificuldades  junto  com  as 
alegrias, achando que a vida decididamente vale a pena ser vivida. É claro que isto é verdade e 
está muito bem fundamentado, se somos homens de fé como aqueles que conhecemos no final 
do  capítulo  cinco.  Mesmo  que  não  o  sejamos,  ainda  assim  podemos  viver  satisfeitos,  como 
milhares de pessoas vivem, sem nos preocupar com o significado final das coisas. 
A isto Coelet poderia responder, primeiramente, que ele está falando de algumas pessoas e 
não  de  todas;  e,  em  segundo  lugar,  que  se  nós  não  estamos  interessados  em  significados  e 
valores,  outras  pessoas  estão  –  e  quem  somos  nós  para  descartar  essa  responsabilidade?  Mais 
uma vez ele nos convida a pensar, e particularmente a pensar através da posição do secularista. 
Se esta vida é tudo, oferecendo a algumas pessoas mais frustração do que satisfação e nada lhes 
deixando  para  dar  àqueles  que  delas  dependem;  se,  além  disso,  todos  igualmente  aguardam  a 
sua  vez  de  ser  esquecidos  (v.6c)  então  alguns  realmente  podem  invejar  os  natimortos,  que 
tiveram  mais  proveito.  Em  certas  horas,  Jó  e  Jeremias  teriam  concordado  com  isso 
fervorosamente (Jó 3; Jr 20:14ss.); e se nós discordamos coma disposição de espírito desses dois 
homens é porque julgamos suas vidas pelos valores que transcendem a morte e que ultrapassam 
os sofrimentos e os prazeres desta vida, um critério que o secularista não pode logicamente usar. 
Tudo isto estraga qualquer quadro cor‐de‐rosa que se tenha do mundo; a BLH destaca isso 
dizendo “tenho visto outra coisa muito triste que acontece neste mundo...” (6:1), e faz 6:2 dizer: 
“e  não  está  certo”.55  Coelet  está  muito  longe  de  afirmar  que  o  homem  tem  direitos  que  Deus 
ignora; antes, o homem tem necessidades que Deus denuncia. Algumas delas, como já vimos, são 
de um tipo que o mundo temporal não pode nem começar a usufruir, uma vez que Deus “pôs a 
eternidade no coração do homem” (3:11); outras, mais limitadas, são de um tipo que o mundo 
pode  satisfazer  um  pouco  e  por  algum  tempo;  nenhuma  delas,  porém,  com  certeza  e  em 
profundidade.  Se  isto  é  sofrimento  e  pesa  sobre  os  homens  (v.1),  também  é  uma  coisa  muito 
salutar. O próprio mundo no‐lo diz com a única linguagem que geralmente entendemos: “não é 
lugar aqui de descanso”.56 
Mas,  por  enquanto,  não  somos  incentivados  a  colher  disso  qualquer  sabedoria,  pois  a 
“corrida desenfreada” por si mesma não faz nenhum sentido. Assim o capítulo conclui com uma 
nota depressiva e incerta, bem adequada ao estado do homem abandonado a si mesmo. 
 
Perguntas sem resposta 
6: 7  Todo trabalho do homem é para a sua boca; e, contudo, nunca se satisfaz o seu apetite. 
8  Pois que vantagem tem o sábio sobre o tolo? Ou o pobre que sabe andar perante os vivos? 
9  Melhor é a vista dos olhos do que o andar ocioso da cobiça; também isto é vaidade e correr 
atrás do vento. 
10  A tudo quanto há de vir já se lhe deu o nome, e sabe­se o que é o homem, e que não pode 
contender com quem é mais forte do que ele. 

                                                             
54 Esta é a força de não tiver sepultura (6:3); veja Jr 22:18ss 
55 O AT pode usar a palavra mal (6:1) em um sentido neutro, para indicar dificuldade ou desastre; cf., por 

exemplo, Is 45:7 (“o mal”); Am 3:6 (“Sucederá algum mal à cidade...”). semelhantemente, bem nesta 
passagem é traduzido por “gozar do bem” e “fartar do bem” (5:18; 6:3). A última frase do versículo 2, tão 
distante do significado de “não está certo” (BLH), é lit. “é uma grave enfermidade” (como na ERC “má 
envermidade”) ou com o sentido próximo de grande aflição (ERAB). 
56 Mq 2:10 

 
30
11  É certo que há muitas coisas que só aumentam a vaidade, mas que aproveita isto ao 
homem? 
12  Pois quem sabe o que é bom para o homem durante os poucos dias da sua vida de 
vaidade, os quais gasta como sombra? Quem pode declarar ao homem o que será depois dele 
debaixo do sol? 
 
As idéias e as perguntas do parágrafo final do capítulo voltam a tocar em alguns assuntos 
que já vimos antes, para consubstanciar o lema do livro, “vaidade de vaidades!”. 
A primeira delas (v.7) insiste em um ponto que é tão real para o homem moderno em sua 
rotina industrial quanto o era para o lavrador primitivo que mal tirava da terra o seu sustento: 
que se trabalha para comer, a fim de ter forças para continuar trabalhando e continuar comendo. 
Mesmo quando se gosta do que faz – e do que se come – a compulsão continua existindo. Quem 
governa, parece, é a boca e não a mente. 
Quando  objetamos  que  os  homens  tema  algo  mais  do  que  isso,  e  coisas  melhores  pelas 
quais viver, o versículo 8 não permite que tal argumentação fique sem resposta. A sabedoria, por 
exemplo, pode ser infinitamente melhor que a loucura, como já vimos numa passagem anterior 
(2:13);  mas  será  que  o  sábio  vive  em  melhores  condições  do  que  o  tolo?  Materialmente,  tanto 
pode  ser  que  sim  como  não,  embora  ele  certamente  o  mereça;  e  nós  já  vimos  que  a  morte  vai 
nivelar os dois com total indiferença.57 Quanto à felicidade, a clareza de visão do homem sábio 
não  se  constitui  só  de  alegria:  “Porque  na  muita  sabedoria”,  como  vimos  em  1:18,  “há  muito 
enfado; e quem aumenta ciência, aumenta tristeza.” 
Como que sentindo que nós ainda não estamos muito convencidos, uma vez que avaliamos 
a qualidade da vida de um homem acima do seu conforto, Coelet faz a prática pergunta de 8b: o 
que um pobre, por mais respeitado que seja,58 realmente recebe em troca do seu sofrimento? É 
uma pergunta honesta. Invertendo um dos conhecidos ditados de R.L Stevenson, para a maioria 
de nós é melhor chegar do que viajar cheio de esperanças. Esta é a ênfase do versículo 9a, e o seu 
senso prático não dá lugar a fantasias. O problema é que “chegar”, em qualquer sentido final e 
realizador, está alem do nosso poder. Qualquer coisa que nós consigamos vai se desfazer como 
vaidade e correr atrás do vento, quer seja o espírito de iniciativa do pobre, quer seja o sucesso do 
rico. 
Será  isto  derrotismo  ou  realismo?  Em  termos  da  vida  “debaixo  do  sol”  é  realismo  total, 
como  a  argumentação  do  livro  já  no‐lo  provou.  Por  mais  palavras  magníficas  que 
multipliquemos  acerca  do  homem  ou  contra  o  seu  Criador,  os  versículos  10  e  11  nos  fazem 
lembrar  que  não  podemos  alterar  a  maneira  como  nós  e  o  nosso  mundo  foram  feitos.  Estas 
coisas  já  receberam  um  nome  e  sabe­se  (v.10)  o  que  são,  o  que  é  uma  outra  maneira  de  dizer, 
como o restante das Escrituras, que devem a sua existência à ordem de Deus; e esta ordem inclui 
agora a sentença passada a Adão na Queda. É claro que achamos tal sentença dura e queremos 
protestar. A idéia de discutir com o Todo‐poderoso (VS. 10b,11) fascinava Jó, que a abandonou 
apenas depois de muito sondar o seu coração;59 a mesma idéia recebeu uma repreensão clássica 
em  Isaías  45:9ss.,  com  o  exemplo  do  barro  dando  ao  oleiro  um  conselho  intrometido.  Mas  nós 
continuamos achando mais fácil exagerar a maneira como achamos que as coisas deveriam ser 
do que enfrentar a verdade do que elas são. 
Mas esta verdade, para que seja a verdade total, deve incluir o que elas estão se tornando e 
o  que  vai  ser  de  nós.  Uma  parte  disto,  que  vamos  morrer,  já  sabemos  muito  bem;  do  restante, 
apenas um pouquinho. Assim o capítulo, no meio do livro, acaba com uma enfiada de perguntas 
sem resposta. O homem secular, que caminha para a morte e precipita‐se ao léu das mudanças, 
só pode fazer‐lhes eco: “Pois quem sabe o que é bom...? Quem pode declarar ao homem o que será 
depois dele... ?” 
É um duplo  espanto.  Ele  fica sem  valores absolutos pelos  quais  viver (“o  que  é  bom?”) e 
sem nenhuma certeza prática (“o que será?”) para fazer planos. 

                                                             
57 Ec 2:14ss. 
58 A expressão “que sabe andar...” pode dar a entender uma vida moral ou socialmente bem conduzida. A 

palavra aqui usado como pobre é aquela que em outras passagens tende a distinguir o oprimido que busca 
ajuda de Deus. 
59 Veja, por exemplo, Jó, capítulos 9,13 e 23; também 31:35‐37; 42:1‐6 

 
31
 

Segundo Resumo: 
Retrospectiva de Eclesiastes 4:9­6:12 
Em  nosso  primeiro  resumo,  fomos  lembrados  de  quão  amplamente  se  estenderam  os 
primeiros  capítulos  em  busca  de  um  fim  satisfatório  para  a  vida.  Então,  por  um  pouco,  a 
investigação parece que ficou suspensa. De 4:9 até mais ou menos 5:12 conseguimos fazer uma 
pausa  para  olhar  à  nossa  volta  e  estudar  o  cenário  humano  com  certa  neutralidade.  Os 
comentários foram penetrantes como sempre, mas o tom foi tranqüilo, quase condescendente.  
Mas  foi  a  ironia,  não  aceitação.  De  5:13  em  diante  já  não  fomos  mais  poupados  à 
inquietação  que  as  anomalias  e  tragédias  do  mundo  deveriam  despertar  em  nós.  Nós 
experimentamos  seus  causticantes  desapontamentos:  a  súbita  ruína  do  trabalho  de  toda  uma 
vida  (5:13‐17)  e  também  as  realizações  deslumbrantes  que  não  trouxeram  felicidade  alguma 
(6:1‐6). Houve m vislumbre de coisas melhores no final do capítulo 5, um sinal de que Coelet nos 
levaria a uma reposta no final; mas o alívio teve curta duração. O capítulo 6, que começou com a 
denúncia  de  algumas  vidas  vazias,  continuou  desmascarando  a  atividade  constante  e  sem 
sentido  (6:7‐9)  do  nosso  formigueiro  humano,  e  concluiu  repudiando  nossos  belos  discursos 
sobre  o  progresso  (6:10‐12).  Pois,  apesar  de  todo  esse  falatório,  o  homem  por  si  não  tem  a 
capacidade de mudar‐se a si mesmo; não tem nenhuma permanência nem sequer um lugar para 
onde ir. 
 

Eclesiastes 7:1­22 ­ 
Interlúdio: Mais reflexões, máximas e verdades 
Com  um  toque  seguro,  o  autor  introduz  agora  uma  mudança  estimulante  no  seu  estilo  e 
método. Em vez de refletir e argumentar, ele vai nos bombardear com o forte impacto e variados 
ângulos  de  ataque  dos  provérbios.  Os  primeiros  são  provocativamente  melancólicos;  os 
restantes (na sua maioria) são provocativamente tranqüilos e sagazes. 
 
Você pode também enfrentar os fatos! 
7: 1  Melhor é a boa fama do que o ungüento precioso, e o dia da morte, melhor do que o dia 
do nascimento. 
2  Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim 
de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração. 
3  Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração. 
4  O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria. 
5  Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir a canção do insensato. 
6  Pois, qual o crepitar dos espinhos debaixo de uma panela, tal é a risada do insensato; 
também isto é vaidade. 
 

Nada  na  primeira  metade  do  versículo  1  nos  prepara  para  o  golpe  da  segunda  metade. 
Houve algo parecido no capítulo anterior (6:1‐6), mas falava de casos especiais. Estas palavras 
são  tão  arrasadoras  e  tão  contrárias  à  opinião  normal  que  temos  de  dar  um  pulo  até  o  Novo 
Testamento,  onde  “partir  e  estar  com  Cristo”  é  considerado  “muito  melhor”  do  que  ficar  aqui 
(em  3:21,  contudo,  Eclesiastes  já  se  recusou  a  pressupor  a  existência  de  uma  vida  futura);  ou, 
então, temos de continuar lendo, na esperança de que haja esclarecimento a seguir. 
Isto  não  vamos  encontrar,  com  certeza;  e  fica  enunciado  mais  explicitamente  no  final  do 
versículo seguinte, em especial na expressão e os vivos que o tomem em consideração. Em outras 
palavras,  o dia da morte tem mais a nos ensinar do que o dia do nascimento; suas lições são mais 
concretas e, paradoxalmente, mais vitais. No nascimento (e, como falam os versículos seguintes, 
em todas as ocasiões alegres e festivas) o ambiente é de excitação e expansividade. Não é hora 
de se pensar na brevidade da vida ou nas limitações humanas: deixamos que nossas fantasias e 
esperanças subam alto na casa onde há luto, por outro lado, o ambiente é sério e a realidade é 
evidente.  Se  não  pensamos  nela,  a  culpa  é  nossa:  não  teremos  outra  oportunidade  melhor  de 

 
32
encará‐la.  O  grande  salmo  sobre  a  mortalidade  humana,  o  Salmo90,  expõe  o  assunto  com 
majestosa simplicidade: 
“Ensina­nos a contar os nossos dias, 
para que alcancemos coração sábio.” 
Assim  como  o  salmo,  esta  passagem  tem  em  vista  um  resultado  positivo,  o  que  fica 
explícito  com  a  insistência  na  palavra  melhor,  e  especialmente  na  última  parte  do  versículo  3 
conforme a ER:  a tristeza do rosto torna melhor o coração. A idéia de que a tristeza, além de ser 
substituída pela alegria, também é em si mesma uma preparação para uma forma mais perfeita 
de gozo (ao contrário da jovialidade confusa e vazia dos tolos, rápida em se acender e rápida em 
se apagar60) é mais claramente exposta em João 16:20ss., onde se usa a analogia do parto, cujas 
dores  preparam  o  caminho  para  uma  alegria  especial.  Em  outros  termos,  veja‐se  2Coríntios 
4:17ss. e, no Antigo Testamento, Jó 33:19‐30. 
Já a BLH toma “coração” como o sentido de “mente”: “a tristeza  faz o rosto ficar abatido, 
mas  torna  o  coração  compreensivo.”  Apesar  de  ocorrer  com  freqüência  este  sentido  no  AT,  a 
expressão encontrada aqui é um padrão para o sentimento de alegria (cf., por ex., Rt 3:7) 
 
Você também pode ser racional! 
7: 7  Verdadeiramente, a opressão faz endoidecer até o sábio, e o suborno corrompe o 
coração. 
8  Melhor é o fim das coisas do que o seu princípio; melhor é o paciente do que o arrogante. 
9  Não te apresses em irar­te, porque a ira se abriga no íntimo dos insensatos. 
10  Jamais digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Pois não é sábio 
perguntar assim. 
11  Boa é a sabedoria, havendo herança, e de proveito, para os que vêem o sol. 
12  A sabedoria protege como protege o dinheiro; mas o proveito da sabedoria é que ela dá 
vida ao seu possuidor. 
13  Atenta para as obras de Deus, pois quem poderá endireitar o que ele torceu? 
14  No dia da prosperidade, goza do bem; mas, no dia da adversidade, considera em que Deus 
fez tanto este como aquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele. 
15  Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há perverso 
que prolonga os seus dias na sua perversidade. 
16  Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti 
mesmo? 
17  Não sejas demasiadamente perverso, nem sejas louco; por que morrerias fora do teu 
tempo? 
18  Bom é que retenhas isto e também daquilo não retires a mão; pois quem teme a Deus de 
tudo isto sai ileso. 
19  A sabedoria fortalece ao sábio, mais do que dez poderosos que haja na cidade. 
20  Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque. 
21  Não apliques o coração a todas as palavras que se dizem, para que não venhas a ouvir o 
teu servo a amaldiçoar­te, 
22  pois tu sabes que muitas vezes tu mesmo tens amaldiçoado a outros. 
 
Há aqui quase tantas opiniões e pontos de vista quantas afirmações; uma certa melancolia 
para com o assunto, porém, destaca‐se na maioria delas. Encarando o homem do mundo no seu 
próprio  ambiente  não  muito  elevado,  Coelet  destaca  que  há  vantagens  auto‐evidentes  em  se 
tentar dar sentido à vida, em vez de cair no cinismo e no desespero. 
No versículo 7 podemos reconhecer a essência de uma lei que, nos tempos modernos, Lord 
Acton  formulou  da  seguinte  maneira:  “Todo  poder  tende  a  corromper...”.  É  interessante  que  a 
exortação  implícita  aqui  é  para  com  o  auto‐respeito,  pois  ninguém  gosta  de  se  fazer  de  tolo,  o 
que  o  funcionário  cruel  ou  corrupto  faz  por  definição,  uma  vez  que  age  sem  referência  aos 
méritos de um caso. Sua mente foi adulterada: em vez de servir  à verdade, transformou‐se em 
ferramenta da avareza e da malevolência. 
Reunindo os versículos 8 e 9, vemos de novo o lado puramente louco das atitudes que o 
                                                             
60 O versículo 6 faz um trocadilho com os dois sentidos de sir no heb., “espinho” e “panela”. 

 
33
moralista condenaria sob fundamentos mais graves, mas que são fundamentos que pouco dizem 
ao  homem  mundano.  Considerando  ou  não  a  paciência  uma  virtude  e  a  disputa  um  vício, 
podemos  finalmente  ver  o  bom  senso  prático  do  autocontrole:  examinar  uma  questão  por 
completo, em vez de abandoná‐la diante da primeira afronta contra a nossa dignidade. Este não 
é o único setor em que a atitude errada também pode ser acertadamente descrita como infantil. 
O versículo 10 é ainda mais esmagador, pois condiz com uma reação nostálgica, que é um 
estado de ânimo enervante e auto‐indulgente. Suspirar pelos “bons dias do passado” é uma coisa 
(podemos  refletir)  duplamente  irreal:  um  substituto  não  somente  para  a  ação  como  também 
para  um  raciocínio  adequado,  uma  vez  que  invariavelmente  são  esquecidos  os  males  que 
tiveram  uma  forma  diferente  ou  que  prejudicaram  uma  outra  seção  da  sociedade  em  outros 
tempos. O esclarecido Coelet é a última pessoa a se impressionar com esta neblina dourada do 
passado;  ele  já  declarou  que  uma  época  é  muito  parecida  com  outra.  “O  que  foi,  é  o  que  há  de 
ser...  nada  há,  pois,  novo  debaixo  do  sol”  (1:9).  Tudo  isto,  ele  agora  dá  a  entender,  é  bastante 
óbvio  para  que  valha  a  pena  argumentar:  ele  só  precisa  nos  pedir  que  falemos  com  mais 
sensatez. 
Nos  versículos  11  e  12  surge  uma  estimativa  invulgarmente  mundana  de  sabedoria. 
Embora  haja  algumas  dúvidas  sobre  a  tradução  correta,  é  certo  que  a  sabedoria  está  sendo 
tratada,  no  momento,  em  pé  de  igualdade  com  o  dinheiro,  pois  é  um  valor  vantajoso:  uma 
garantia  comparável  ou  superior  contra  os  riscos  da  vida. 61  Neste  caso,  dificilmente  seria  uma 
comparação  lisonjeira  para  alguma  coisa  cujo  verdadeiro  valor  é  incalculável,  de  acordo  com 
Provérbios  8:11  e  muitas  outras  passagens.  O  versículo  12b  talvez  esteja  dizendo  que  a 
sabedoria,  ao  contrário  do  dinheiro,  dá  vida;62  mas  para  estarmos  dentro  dos  modestos  alvos 
desta passagem temos que considerar apenas o valor prático e protetor do dinheiro. A frase em 
11b, de proveito para os que vêem o sol, talvez seja uma observação ambígua, um lembrete de que 
há  um  limite  de  tempo  para  o  benefício  que  até  mesmo  a  sabedoria,  neste  nível  de  bom  senso 
geral, pode oferecer. Não produz dividendo algum na sepultura. 
O  restante  dessas  variadas  afirmações,  que  seguem  até  o  versículo  22,  mostra  como  é 
inconstante o conselho do bom senso quando não tem um princípio unificante. Vai da resignação 
piedosa até o cinismo moral (vs 13‐18); e observa as imperfeições da natureza humana, embora 
muitíssimo interessada em tentar conviver com elas (vs. 20‐22). 
Examinando  essas  afirmações  um  pouco  mais  detalhadamente:  o  versículo  13  não  está 
falando  de  defeitos  morais,  mas  da  forma  das  coisas  e  dos  acontecimentos  que  nós  achamos 
estranhos,  mas  temos  de  aceitar  como  vindos  de  Deus.  Isto  inclui  os  seus  juízos  –  pois  ele 
”transtorna”  o  caminho  dos  ímpios”,  como  o  Salmo  146:9  declara  literalmente  (ou  “torce”, 
usando um outro verbo) – mas também presumivelmente muitas das  provações da vida, como 
sugere  o  versículo  seguinte  (v.14).  este  versículo  é  um  clássico  sobre  a  maneira  correta  de  se 
comportar  quando  tudo  vai  bem  ou  quando  tudo  vai  mal,  ou  seja,  aceitar  ambas  as  situações 
como vindas de Deus: nem com a impassividade do estóico nem com a inquietação daqueles que 
não  conseguem  aceitar  um  prêmio  com  deleite,  ou  um  golpe  da  sorte  com  espírito  aberto  e 
refletivo. 
“Aceite o que Ele dá, 
E louve‐o, igual: 
No bem e na doença 
Ele é Deus eternal.”63 
Mas,  de  acordo  com  este  tema,  Coelet  deve  destacar  o  mistério  daquilo  que  Deus  dá,  e 
especialmente a sua imprevisibilidade, o que apara as asas da nossa auto‐suficiência. Esse ponto 
já foi destacado em 3:11, onde o tempo e a eternidade, assim como a obscuridade e a clareza, nos 
tantalizam  e  nos  alertam,  no  caso  de  imaginarmos  sermos  nada  mais  do  que  animais  ou  nada 
                                                             
61 O versículo 11 pode significar que ter as duas coisas, riqueza e sabedoria, é uma dupla vantagem (como 

na ERAB); mas provavelmente, o sentido seja o de comparar uma com outra (ER, BLH, ERC): “boa é 
sabedoria como a herança” (ER); cf. o heb. De, por exemplo, 2:16b; Jó 38:18, onde “da mesma sorte” é lit. 
“com”. 
62 A simples expressão traduzida por dá a vida também pode significar “preserva a vida” (ER) ou 

“conserva” (BLH) – cf., por exemplo, 1Sm 2:6; Sl 85:6 (Heb. 7). E “vida” no AT, como no NT, geralmente 
significa vitalidade espiritual e não simplesmente existência física. 
63 Richard Baxter, “Ye holy angels bright”. 

 
34
menos do que deuses. 
Agora surge o cinismo, nos versículos 15‐18: o lado desgastado e egoísta do senso prático. 
Para nos mostrar a lógica da posição secular, Coelet abandona por uns instantes qualquer indício 
de  uma  fé  genuína,  e  introduz  a  religião  no  final  apenas  em  uma  forma  de  superstição,  o  que 
reduziria Deus ao status de uma cláusula de compensação. 
De  maneira  bastante  esclarecedora  (embora  o  versículo  15  possa  ser  comparado  e  até 
ultrapassado  pelas  meditações  de  Jó,  que  pinta  quadros  evocativos  do  pecador  tranqüilo  e  do 
santo  atormentado,  como  nos  capítulos  21  e  30‐31),  Jó  nunca  chega  à  conclusão  mesquinha 
apresentada nos versículos 16ss. ele preferiria morrer a renunciar suas reivindicações de justiça, 
ainda que para sustentá‐las tivesse de desafiar o próprio céu. “Eis que me matará, já não tenho 
esperança; contudo defenderei o meu procedimento.” 64 
Ao lado dessa resolução vigorosa, o lema “não sejas demasiadamente” jamais pareceu tão 
vulgar como nestes versículos, que recomendam covardia moral com uma atitude tão séria que 
sentimo‐nos  forçados  a  aceitá‐la  com  seriedade  no  momento.  Ao  fazê‐lo,  percebemos  que  na 
verdade se trata da moralidade, reconhecida ou não do homem mundano, se ele é fiel aos seus 
princípios.  Poderíamos  acrescentar  que  isso  está  se  tornando  cada  vez  mais  normal  em  nossa 
atual  sociedade.  O  versículo  18  sonda  as  profundidades,  advogando,  um  tanto 
misteriosamente,65  não  apenas  a  falta  de  sinceridade  no  bem  ou  no  mal,  mas  uma  generosa 
mistura  ambos,  uma  vez  que  a  religião  vai  resolver  tudo  e  a  pessoa  vai,  portanto,  desfrutar 
ambos os estilos de vida. 
Depois  disso,  a  declaração  irrepreensível  do  versículo  19  restaura  um  pouco  a  nossa 
confiança no valor do bom senso (embora não, talvez, no valor dos políticos). Mesmo tratando da 
sabedoria,  um  versículo  posterior  (9:16)  vai  nos  lembrar  que  não  devemos  esperar  muito 
reconhecimento por uma qualidade tão intangível. 
Isolado  do  cinismo  dos  versículos  16‐18,  o  versículo  20  pode  ser  aceito  ao  pé  da  letra, 
como uma confissão e  não uma justificativa. Não se trata de  uma postura indiferente, como  os 
versículos anteriores dariam a entender; em continuação, Coelet parece suavizar um pouco essa 
verdade.  Os  versículos  21ss.  são  em  si  mesmos,  um  excelente  conselho,  uma  vez  que,  quando 
encaramos  com  muita  seriedade  o  que  as  pessoas  dizem  de  nós  ficamos  magoados;  e  de 
qualquer forma todos nós já dissemos coisas ferinas algum dia. Mas talvez os três versículos (20‐
22)  juntos  considerem  nossas  falhas  com  um  pouco  mais  de  negligência  do  que  as  Escrituras 
costumam  fazê‐lo,  e  quem  sabe  ainda  estejamos  dando  ouvidos  aqui  ao  Sr  Sensato  (tomando 
emprestado o nome de C.S. Lewis),66 em vez de ouvir a voz autêntica da sabedoria. Certamente 
Coelet não encontra um ponto de apoio em nenhuma dessas máximas: ele está profundamente 
insatisfeito com sua superficialidade, conforme veremos em suas próximas palavras. 
 

Eclesiastes 7:23­29 ­  
A busca continua 
7: 23  Tudo isto experimentei pela sabedoria; e disse: tornar­me­ei sábio, mas a sabedoria 
estava longe de mim. 
24  O que está longe e mui profundo, quem o achará? 
25  Apliquei­me a conhecer, e a investigar, e a buscar a sabedoria e meu juízo de tudo, e a 
conhecer que a perversidade é insensatez e a insensatez, loucura. 
26  Achei coisa mais amarga do que a morte: a mulher cujo coração são redes e laços e cujas 
mãos são grilhões; quem for bom diante de Deus fugirá dela, mas o pecador virá a ser seu 
prisioneiro. 
27  Eis o que achei, diz o Pregador, conferindo uma coisa com outra, para a respeito delas 
formar o meu juízo, 
28  juízo que ainda procuro e não o achei: entre mil homens achei um como esperava, mas 
entre tantas mulheres não achei nem sequer uma. 
                                                             
64 Jó 13:15; cf., por exemplo, 27:1‐6 
65 Isto e daquilo referem‐se ao que acaba de ser citado no v.15, isto é, a justiça e a perversidade. A linha 

final ficou bem parafraseada pela BLH: “Se você temer a Deus, terá sucesso em tudo”. 
66 C.S. Lewis, The Pilgrim’s Regress (2ªed., Bles, 1943) pg 82ss 

 
35
29  Eis o que tão­somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas 
astúcias. 
 
A admissão honesta de fracasso na busca da sabedoria (na verdade, quando a observamos, 
recuamos a  cada passo,  ao percebermos que nenhuma de  nossas sondagens chega  até o  fundo 
das  coisas)  é,  se  não  co  começo  da  sabedoria,  pelo  menos  um  passo  na  direção  do  começo. 
Depois  da  ambiciosa  busca  do  capítulo  2,  a  investigação  passa  agora  a  áreas  menos  exóticas, 
mergulhando na experiência comum e fazendo pausas de vez em quando para ver o que se pode 
fazer  da  vida  no  dia‐a‐dia,  sejam  quais  forem  finalmente  os  seus  segredos.  Neste  nível,  as 
descobertas  talvez  tenham  sido  bastante  sagazes,  até  sagazes  demais.  Mas  tendo  dito  tudo  isto 
experimentei­o  (v.23),  em  busca  de  uma  resposta  à  pergunta  “o  que  é  a  vida?”,  elas  não  deram 
nem sobra de resposta. 
Portanto  a  confissão  de  7:23  tem  uma  finalidade  devastadora.  Poderia  ser  o  epitáfio  de 
qualquer filósofo, e nós poderíamos dispô‐la nesta forma, adequada para qualquer sepultura: 
“Eu disse: 
tornar‐me‐ei sábio, 
mas a sabedoria estava longe de mim. 
O que está longe e mui profundo, 
quem o achará?” 
Como qualquer pergunta sem resposta, este quebra‐cabeças acerca da vida tinha sido um 
estímulo  no  princípio.  A  série  de  verbos,  conhecer...  investigar...  buscar  (v.25),  transmite  a 
sinceridade  da  busca,  como  Edgar  Jones  destaca.67  Mas  faz  parte  da  condição  do  homem  que, 
embora  ele  possa  formular  a  sua  tarefa  em  termos  de  pesquisa  imparcial  e  com  filosofias 
(buscando um resumo total das coisas,68 consciente do mal como estultícia e loucura)69, ele tem 
também  de  se  voltar  para  a  esfera  dos  relacionamentos  humanos  em  sua  busca  de  significado 
para  o  mundo,  ainda  que  os  vendo  necessariamente  através  das  lentes  distorcidas  do  pecado. 
Assim  o  nosso  autor  nos  deixa  perplexos  com  o  seu  amargo  veredito:  entre  mil  homens  ele 
encontrou  apenas  um  que  não  fosse  um  desapontamento,  mas  mulher  nenhuma.  Como  vamos 
encarar isso? 
Para  começar,  devemos  observar  que  ele  não  está  dogmatizando,  mas  informando.  É  a 
experiência  de  um  homem  e  ele  não  a  universaliza. 70  Mas  o  mais  pertinente  é  que  ele  nos 
apresenta o papel que o pecado pode desempenhar em ambos os lados de um encontro entre os 
sexos. Um caso profundamente desenganador como o descrito no versículo 26 pode distorcer ou 
até  mesmo  destruir  qualquer  tentativa  subseqüente  de  relacionamento.  Sem  dúvida  Coelet 
conseguiu  escapar,  como  ele  dá  a  entender  no  versículo  26b  –  mas  não  sem  ferimentos.  Sua 
busca infrutífera de uma mulher em que pudesse confiar pode nos dizer muita coisa sobre ele e 
sobre a sua maneira de pensar, como também sobre as suas amizades. Sentimo‐nos tentados a 
acrescentar  (e  isto  poderia  ser  concebivelmente  relevante)  que,  tal  como  Salomão,  cujo  manto 
ele assumira anteriormente,71 Coelet teria feito melhor se tivesse lançado a sua rede sobre  um 
número  menor,  e  não  sobre  “mil”!  ele  quase  diz  o  mesmo  em  9:9,  com  um  elogio  à  simples 
fidelidade conjugal. 
No último versículo do capítulo 7 sua conclusão sobre a natureza humana é mais firme do 
que ele poderia ter adquirido por sua simples experiência. Ele  se volta para o que foi revelado, 
baseando‐se  evidentemente  em  Gênesis  1‐3.  Para  apreciarmos  a  importância  deste  ponto  de 
vista  bíblico  acerca  de  Deus  e  o  homem,  só  precisamos  ouvir  a  narrativa  sobre  o  assunto  na 
Teodicéia  Babilônica,  onde  os  deuses  são  os  responsáveis  pela  malignidade  dos  homens:  “com 
mentiras,  e  não  verdade,  eles  os  dotaram  para  sempre.”72  Tal  perspectiva  é  paralisante,  pois  a 
                                                             
67 Jones, pg 321 
68 O juízo (vs 25,27) poderia ser traduzido por “o balanço” com os dois sentidos que esse termo possui; 

isto é, a “totalidade” e a “exposição” das coisas (cf. McNeile). 
69 O versículo 25b está bem traduzido na ERAB: “...a perversidade é insensatez, e a insensatez é loucura”; 

melhor do que “a maldade e a falta de juízo são loucura” (BLH). 
70 Por outro lado, o v.20 mostra que ele não deixará de universalizar, quando for o caso. 
71 Veja os comentários iniciais da sessão 1:12‐2:26 
72 “The Babylonian Theodicy”, linha 280 em Babylonian Wisdom Literature de W. G. Lambert (Claredon, 

Oxford, 1960) pg89 

 
36
virtude já é bastante difícil sem o acréscimo da suspeita de que não existe verdade do seu lado, e 
de  que  de  fato  ela  vai  contra  tudo  o  que  há  de  mais  humano.  A  propósito,  esta  idéia  não  se 
restringe  aos  antigos  babilônios.  Na  prática  ela  é  a  opinião  (sem  a  teologia)  de  todos  os  que 
crêem ser reto (v.29) é ser ingênuo e um tanto infantil. 
Essa  suspeita  e  esse  ponto  de  vista,  somos  advertidos,  levam‐nos  de  volta  à  Queda,  mas 
não  às  nossas  origens.  Depois  das  apalpadelas  deste  capítulo,  o  versículo  29  nos  dá  a  certeza 
restauradora de que nossas muitas astúcias (nosso obscurecimento moral, nossa recusa a andar 
corretamente) são nossa culpa, não nosso destino. Já é  muito mau termos estragado o que era 
perfeito;  isso  é  culpa.  Mas  simplesmente  fazer  parte  do  que  não  tem  sentido  levaria  ao 
desespero. As palavras, Deus fez o homem reto, muito embora tenham seus efeitos trágicos, já são 
suficientes para levantar uma questão sobre o refrão “vaidade de vaidades”. Considerando que 
“futilidade” não foi a primeira palavra enunciada sobre o nosso mundo, também não tem de ser a 
última. 
 

Eclesiastes 8:1­17 ­  
Frustração 
8: 1  Quem é como o sábio? E quem sabe a interpretação das coisas? A sabedoria do homem 
faz reluzir o seu rosto, e muda­se a dureza da sua face. 
2  Eu te digo: observa o mandamento do rei, e isso por causa do teu juramento feito a Deus. 
3  Não te apresses em deixar a presença dele, nem te obstines em coisa má, porque ele faz o 
que bem entende. 
4  Porque a palavra do rei tem autoridade suprema; e quem lhe dirá: Que fazes? 
5  Quem guarda o mandamento não experimenta nenhum mal; e o coração do sábio conhece 
o tempo e o modo. 
6  Porque para todo propósito há tempo e modo; porquanto é grande o mal que pesa sobre o 
homem. 
7  Porque este não sabe o que há de suceder; e, como há de ser, ninguém há que lho declare. 
8  Não há nenhum homem que tenha domínio sobre o vento para o reter; nem tampouco tem 
ele poder sobre o dia da morte; nem há tréguas nesta peleja; nem tampouco a perversidade livrará 
aquele que a ela se entrega. 
9  Tudo isto vi quando me apliquei a toda obra que se faz debaixo do sol; há tempo em que 
um homem tem domínio sobre outro homem, para arruiná­lo. 
 
Talvez, como muitos pensam, Coelet tenha tomado emprestado uma citação familiar para 
o versículo de abertura em que elogia a sabedoria e o sábio. Mas com os perigosos caprichos de 
um rei a levar em conta, a sabedoria tem de recolher suas  asas  e  assumir uma forma  discreta, 
contentando‐se em poder manter longe de problemas o seu possuidor. Esta é apenas a primeira 
de suas frustrações, e a menor delas; pelo menos há uma coisa útil que ela pode realizar nesta 
situação, ao passo que mais adiante, no capítulo ela terá de enfrentar problemas delicados, tais 
como a morte, a perversidade moral e o mistério do governo divino. 
A  discrição  é,  então,  o  aspecto  principal  da  sabedoria  nesta  situação,  embora  o  versículo 
1a,  com  um  lembrete  acerca  de  José  e  Daniel,  Aitofel  e  Husai, 73  enfatize  a  parte  que  o  talento 
mais positivo do sábio, a interpretação das cousas, desempenha na corte do rei. A não ser aqui, a 
sabedoria  é  uma  figura  decorosa  e  modesta  neste  parágrafo,  onde  podemos  refletir  sobre  a 
loucura de um rei (ou de qualquer líder) cujo desprezo ou temor da verdade reduz a sabedoria 
ao silêncio, mediante o expediente de fazer calar as mentes pensantes. 
Cauteloso como deve ser o homem sábio, ele não está aqui sendo pressionado a abandonar 
a  sua  integridade.  Sua  disposição  em  agradar  não  precisa  ser  servil.  A  expressão  alegre  e 
agradável  de  sua  fisionomia,  que  o  versículo  1b  destaca,  não  é  fingimento:  realmente  é  a  sua 
expressão,  a  pessoa  que  ele  é  e  a  disposição  de  sua  mente.  Há  em  sua  obediência,  não 
oportunismo, mas também princípios, fato este revelado pela correta tradução do versículo 2: “... 

                                                             
73 2Sm 16:20‐17:14 

 
37
Observa o mandamento do rei, e isso por causa do teu juramento  feito a Deus.”74 Dentro dessa 
estrutura, ele usa também, como todo sábio,75 sua capacidade de discernimento para avaliar uma 
situação perigosa (v.3)76 e o senso de oportunidade de suas ações (vv 5b, 6ª). Muitas passagens 
no  Antigo  Testamento  dão  testemunho  dos  limites  que  a  lealdade  a  Deus  deve  estabelecer 
quando  é  necessário  agir  com  tato,  submissão  e  dignidade;  basta  lembrar  a  franqueza  dos 
profetas  e,  entre  os  sábios,  do  indômito  Daniel  e  seus  companheiros.  Se  tais  exemplos  nos 
enchem  de  vergonha  e  nos  arrancam  do  conformismo,  estes  versículos  mantêm  o  equilíbrio 
ideal,  ensinando‐nos  o  devido  respeito  para  com  o  governo.  Da  mesma  forma,  o  Novo 
Testamento as vezes enfatiza um lado da questão, às vezes outro.77 
A menção do tempo e do modo78 (vv 5,6) que o sábio aprende a reconhecer (a verdade e o 
momento da verdade que pode ser aproveitado ou deixado de lado) lembra o tema do capítulo 3, 
os traços de um mundo condicionado pelo tempo, sempre mutante. Lá, estávamos tateando em 
busca  de  alguma  coisa  permanente;  aqui,  buscamos  algo  previsível  (v.7).  É  um  consolo 
desanimador  descobrir  que  apenas  a  morte  se  encaixa  neta  categoria;  e  um  pouco  melhor 
quando  a  pessoa  se  recupera  da  perspectiva  para  ser  confrontada  com  um  presente  cheio  de 
sofrimento,  em  que  um  homem  tem  domínio  sobre  outro  homem,  para  arruiná­lo  (v.9).  há  uma 
ironia toda especial nesta última observação, onde a expressão que mais choca ao falar do abuso 
do  poder  humano  (tem  domínio)  relembra  claramente  o  que  acaba  de  ser  dito  sobre  a 
impotência humana em outras áreas: sua incapacidade de dominar  os eu próprio espírito,79 ou 
de  dominar  a  morte,  visto  que  uma  só  família  de  palavras  soberbas  dão  colorido  a  todas  estas 
declarações.  O  restante  do  versículo  8  apresenta  o  último  encontro  em  termos  bem  vivos,  que 
permitiriam uma paráfrase: “Há uma batalha à qual não podemos fugir; não podemos trapacear.” 
 
Perversidade moral 
8: 10  Assim também vi os perversos receberem sepultura e entrarem no repouso, ao passo 
que os que freqüentavam o lugar santo foram esquecidos na cidade onde fizeram o bem; também 
isto é vaidade. 
11  Visto como se não executa logo a sentença sobre a má obra, o coração dos filhos dos 
homens está inteiramente disposto a praticar o mal. 
12  Ainda que o pecador faça o mal cem vezes, e os dias se lhe prolonguem, eu sei com certeza 
que bem sucede aos que temem a Deus. 
13  Mas o perverso não irá bem, nem prolongará os seus dias; será como a sombra, visto que 
não teme diante de Deus. 
 
Se existe  algo que mais nos revolte  é ver os perversos progredindo e cheios de si. Mas a 
perversidade  respeitada  e  recebendo  a  bênção  da  religião  (v.10a)80  é  ainda  mais  enojante.  No 
                                                             
74 No TM o versículo refere‐se ao “juramento de Deus”; quer seja a legitimação do rei feita por Deus, quer 

seja o juramento de lealdade do indivíduo (os dois casos são possíveis); a questão fica de qualquer forma 
colocada numa situação religiosa. O fato de a obediência compensar (v.5) é um incentivo adicional, que o 
NT também considera digno de menção (Rm 13:3‐5) 
75 Cf., por exemplo, Pv 14:15ss.; 22:3 
76 O v.3 que começa com a frase “Não te apresses”, é difícil. De início pode ser um conselho contra a 

ocupação de altos cargos, ou contra uma renúncia impulsiva (Barton, Jones). Sua sintaxe é ambígua. A 
cláusula seguinte pode significar “não insista em fazer uma coisa errada” (como na BLH) ou ainda como na 
BJ, “Nem te coloques em má situação”. 
77 Por exemplo, Mt 23:2, 3a, em contrapartida com o restante deste capítulo, Cf. 1Pe 2:13ss. com Atos 5:29 
78 Alternativamente, talvez, seja correto entender modo (v.5ss) e mal (v.6) em seus sentidos primários, 

como “juízo” e “mal” ou “misericórdia” (como na ER). Neste caso (como Delitzsch destaca) a passagem 
logra o seu intento ao dizer que o homem sábio aguardará o tempo de Deus para o juízo (ou julgamento) e 
não tomará a situação em suas próprias mãos com rebeldia. 
79  A palavra heb. Para “vento” (ERAB) serve também para “espírito” (ER). O “vento” é proverbialmente 

incontrolável (cf Pv 27:16), mas “espírito” é mais diretamente relevante neste ponto. A BV registra: 
“Ninguém pode se manter vivo para sempre, ninguém pode evitar o dia de sua morte!”  
80 O versículo 10 está longe de ser claro. Temos apoio esmagador em ativas versões (e muitos MSS) para 

ler “louvados” (Vsbh) no lugar de “esquecidos” (Vskh). A BLH segue esta interpretação: “Eu vi o enterro de 
pessoas más. Na volta do cemitério notei que eram elogiadas, e isso na mesma cidade onde haviam feito o 
mal”. 

 
38
espetáculo  aqui  descrito,  os  parasitas  não  têm  sequer  a  justificativa  da  ignorância.  Os  vilões 
estão  sendo  honrados  no  próprio  cenário  de  suas  maldades,  e  já  não  estão  mais  vivos  para 
conquistar o temor ou o favor de alguém. Assim, por mais incrível que pareça, a admiração tem 
de  ser  genuína,  tornando  bem  claro  que  o  julgamento  moral  popular  pode  estar  totalmente 
desviado, dominado pela evidência do sucesso ou do fracasso e recebendo a paciência dos céus 
como  aprovação.  O  ditador  ou  o  magnata  corrupto  pode  ter  contornado  as  regras,  dizem;  mas 
afinal eles fizeram alguma coisa, eles tinham talento, viviam com estilo. 
Isso é demais para Coelet. Ele acaba fazendo uma de suas raras declarações de fé, deixando 
cair  a  máscara  do  secularismo  que  normalmente  usa  a  bem  da  exposição.  Isso  já  acontecera 
antes  (veja  2:26;  3:17;  5:18‐20;  7:14),  e  nos  capítulos  finais  já  não  será  mais  exceção,  mas  a 
regra. 
O  que  ele  certamente  afirma  aqui  é  o  julgamento.  No  final,  a  coisa  certa  será  feita,  de 
qualquer  jeito:  ...  bem  sucede  aos  que  temem  a  Deus.  Mas  o  perverso  não  irá  bem...  o  que  ele 
também talvez esteja tenuemente despertando em nossas mentes é  a idéia de uma vida após a 
morte para os piedosos. Neste caso, ele o faz através de um paradoxo não solucionado acerca dos 
perversos, pois na mesma tirada ele fala do vilão cuja vida é prolongada (v.12) e daquele que não 
prolongará  os  seus  dias  (v.13).  isto  talvez  signifique  que,  enquanto  o  homem  piedoso  tem 
esperanças além da sepultura, o ímpio não a tem; por mais adiada que seja, a morte será o seu 
fim. Esta é a maneira como alguns dos salmos apresentam o assunto.81 
Mas a recusa de Coelet  de pronunciar‐se mais sobre isto, contentando‐se coma pergunta 
“Quem  sabe?”  (3:21),  indica  mais  provavelmente  que  ele  está  generalizando  o  assunto.  A 
perversidade, declara, não produz benefícios reais (v.13a); e, como regra, por mais notáveis que 
sejam  as  exceções  (vs  12,  14),  ela  criva  de  incertezas.  A  carreira  do  homem  perverso  é  toda 
aparência, não tem substância.82 
 
Pequenas expectativas 
8: 14  Ainda há outra vaidade sobre a terra: justos a quem sucede segundo as obras dos 
perversos, e perversos a quem sucede segundo as obras dos justos. Digo que também isto é vaidade. 
15  Então, exaltei eu a alegria, porquanto para o homem nenhuma coisa há melhor debaixo 
do sol do que comer, beber e alegrar­se; pois isso o acompanhará no seu trabalho nos dias da vida 
que Deus lhe dá debaixo do sol. 
 
Há um momento fomos lembrados da regra geral de que a perversidade cava a sua própria 
sepultura e a justiça, por assim dizer, o seu próprio jardim. Mas com muita freqüência o padrão é 
invertido,  confundindo  tudo;83  não  há  maneira  certa  de  saber  quando  (ou  por  quê)  a  vida  vai 
desferir  sobre  nós  o  seu  próximo  golpe  OUA  sua  próxima  bênção.  Esforços  morais  talvez  não 
paguem  dividendos,  e  embora  isso  torne  tudo  ainda  mais  nobre,  é  natural  buscar  algum  tipo 
mais seguro de investimento. Naqueles termos – que no versículo 15 são duas vezes acentuados 
com as palavras debaixo do sol – os prazeres simples da vida são os mais sadios. Não é a primeira 
vez  que  somos  trazidos  de  volta  a  eles,  nem  será  a  última;  mas  Coelet  jamais  os  valoriza 
demasiadamente. Coloca‐os sempre lado a lado com algum lembrete do lado duro da vida (aqui, 
o seu trabalho), que eles só podem mitigar. 
 
O enigma permanece 
8: 16  Aplicando­me a conhecer a sabedoria e a ver o trabalho que há sobre a terra—pois 
nem de dia nem de noite vê o homem sono nos seus olhos—, 

                                                             
81 Por exemplo, Sl 49:14ss.; 73:18ss 
82 A frase acerca da sombra no v.13 deveria provavelmente ser entendida como “os seus dias, que são 

como uma sombra”; cf. por exemplo 6:12, Sl 102:11; 109:23, etc. Com menos probabilidade, poderia 
descrever o prolongamento das sombras ao entardecer; mas esse prolongamento anuncia, e não adia, a 
aproximação da noite. 
83 A BLH, contudo, aplica a frase “isso não tem sentido” às declarações dos versículos 12ss., depois de 

mudar a afirmação “eu sei....” para “eu sei que dizem...”. isto é muito engenhoso, mas não faz parte do 
texto.. 

 
39
17  então, contemplei toda a obra de Deus e vi que o homem não pode compreender a obra 
que se faz debaixo do sol; por mais que trabalhe o homem para a descobrir, não a entenderá; e, 
ainda que diga o sábio que a virá a conhecer, nem por isso a poderá achar. 
 
Se  precisávamos  ser  lembrados  de  que  o  trabalho  árduo  e  a  vida  simples  só  podem 
protelar nossas perguntas mais importantes, mas nunca respondê‐las, bastaria esta continuação 
do conselho suave do versículo 15. Os próprios negócios 84 da vida nos levam a perguntar para 
onde  estão  nos  levando,  e  o  que  significam,  se  é  que  significam  alguma  coisa.  Nem  é  preciso 
Coelet  nos  indicar  que  esta  é  exatamente  a  questão  que  nos  derrota.  A  longa  história  das 
filosofias  do  mundo,  cada  uma  por  sua  vez  denunciando  as  omissões  de  suas  predecessoras, 
torna isso mais o que claro. 
Coelet o destaca, entretanto, dando‐nos um raio de esperança através da maneira como o 
faz. É a obra de Deus que nos desconcerta (v.17); não é “uma história contada por um idiota”. 
Mas, e se ela for contada a um idiota? Parece que o capítulo termina assim, sem deixar aos 
nossos homens mais sábios qualquer perspectiva de sucesso. Não obstante, captaremos melhor 
o seu significado se considerarmos a alusão do versículo 17ª concernente à grande declaração de 
3:11.  Ali  também  encaramos  nossa  incapacidade  de  conhecimento,  mas  vimos  que  tanto  a 
eternidade quanto o tempo tem acesso às nossas mentes. Embora os, como habitantes do tempo, 
vejamos a obra de Deus em lampejos tantalizantes, o próprio fato de podermos indagar acerca 
de todo o plano e de desejarmos vê‐lo é uma evidência de que não somos prisioneiros totais do 
nosso mundo. 
Em palavras promissoras, esta é uma evidência não só de como fomos feitos, mas também 
de por quem fomos criados. 
 
 

Eclesiastes 9:1­18 ­  
Perigo 
Antes  que  a  ênfase  positiva  dos  três  capítulos  finais  possa  vir  à  tona,  temos  de  nos 
certificar  de  que  estaremos  edificando  sobre  algo  que  não  está  desprovido  da  realidade  nua  e 
crua.  E,  caso  acariciemos  alguma  ilusão  confortadora,  o  capítulo  9  nos  coloca  diante  do  pouco 
que sabemos e a seguir com a vastidão daquilo que não podemos controlar: particularmente, a 
morte,  os  altos  e  baixos  da  sorte  e  os  possíveis  favores  caprichosos  da  multidão.  Em  primeiro 
lugar, porém, ele faz uma pergunta crucial: estamos nas mãos de um amigo ou de um inimigo? 
 
Será amor ou ódio? 
9: 1  Deveras me apliquei a todas estas coisas para claramente entender tudo isto: que os 
justos, e os sábios, e os seus feitos estão nas mãos de Deus; e, se é amor ou se é ódio que está à sua 
espera, não o sabe o homem. Tudo lhe está oculto no futuro. 
Só  precisamos  usar  os  olhos  sem  preconceito,  de  acordo  com  o  Salmo  19  e  Romanos 
1:19ss., para ver que há um Criador poderoso e glorioso. Mas é preciso mais do que uma simples 
observação para descobrir qual a disposição dele para conosco. Quer tomemos aqui as palavras 
amor e ódio como uma forma bíblica de dizer "aceitação ou rejeição", ou simplesmente em seu 
sentido primário, teremos, de qualquer maneira, apenas uma vaga resposta acerca do caráter do 
Criador  se  considerarmos  o  mundo  em  que  vivemos,  com  sua  mistura  de  deleite  e  terror,  de 
beleza e repugnância.85 
Se a questão fosse colocada no lugar exato, ainda seria desconcertante; e quanto menos à 
vontade  nos  sentíssemos,  tanto  mais  nos  sentiríamos  entregues  nas  mãos  de  Deus  (v.  1a).  Mas 
                                                             
84 O insone do v. 16b é considerado pela BLH como o pensador com o problema. Mas seria mais honesto 

traduzir aplicando a referência às pessoas que ele observa. Cf. a BV: “observei tudo o que acontecia em 
toda a terra – uma atividade contínua, dia e noite sem parar.” 
85 Podemos imaginar, entretanto, que o versículo 1b fala de atitudes humanas e não divinas; cf. BJ: "O homem não conhece o amor 
nem o ódio". Delitzsch e alguns outros, inclusive a BLH, concluem a partir de 1a que o homem não é suficientemente dono de si 
mesmo para saber se vai amar ou odiar numa determinada situação (embora não negando ser responsável por aceitar ou rejeitar o 
sentimento que experimenta). Para mim, a ênfase na inescrutabilidade de Deus em 8:17, imediatamente antes deste versículo, torna 
mais provável (e mais relevante ao argumento) que aqui se trata da atitude de Deus e não do homem. 

 
40
agora Coelet torna a questão ainda mais difícil para nós, destacando um fato que parece colocar a 
balança decisivamente contra nós (sempre supondo que estamos raciocinando apenas baseados no 
que podemos ver). Então, ainda por cima, antes de concluir o capítulo, ele nos faz enfrentar dois 
fatos associados ao anterior. O primeiro dos três é a morte. 
 
A morte 
9: 1  Deveras me apliquei a todas estas coisas para claramente entender tudo isto: que os 
justos, e os sábios, e os seus feitos estão nas mãos de Deus; e, se é amor ou se é ódio que está à sua 
espera, não o sabe o homem. Tudo lhe está oculto no futuro. 
2  Tudo sucede igualmente a todos: o mesmo sucede ao justo e ao perverso; ao bom, ao puro e 
ao impuro; tanto ao que sacrifica como ao que não sacrifica; ao bom como ao pecador; ao que jura 
como ao que teme o juramento. 
3  Este é o mal que há em tudo quanto se faz debaixo do sol: a todos sucede o mesmo; 
também o coração dos homens está cheio de maldade, nele há desvarios enquanto vivem; depois, 
rumo aos mortos. 
4  Para aquele que está entre os vivos há esperança; porque mais vale um cão vivo do que um 
leão morto. 
5  Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem 
tampouco terão eles recompensa, porque a sua memória jaz no esquecimento. 
6  Amor, ódio e inveja para eles já pereceram; para sempre não têm eles parte em coisa 
alguma do que se faz debaixo do sol. 
7  Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho, pois Deus já de 
antemão se agrada das tuas obras. 
8  Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e jamais falte o óleo sobre a tua cabeça. 
9  Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu 
debaixo do sol; porque esta é a tua porção nesta vida pelo trabalho com que te afadigaste debaixo 
do sol. 
10  Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze­o conforme as tuas forças, porque no além, 
para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma. 
Se estamos certos em iniciar o versículo 2 com as palavras "Tudo lhe está oculto no futuro (v. 
1c), o fato é que, embora as coisas que nos cercam não nos dêem qualquer indicação do que Deus 
pensa  de  nós,  nossas  esperanças  tornam  tudo  muito  claro.  A  julgar  pelas  aparências,  Deus 
simplesmente não se importa. As coisas que supostamente deveriam lhe interessar mais acabam não 
fazendo diferença alguma (pelo menos, nenhuma que se perceba) na forma como somos descartados 
no final. Moral ou imoral, religioso ou profano, somos todos ceifados da mesma maneira. Daqui a cem 
anos, como dizemos, continuará sendo a mesma coisa. 
Mas,  embora  a  morte  pareça  dizer  isso  ‐  e  ela  sempre  dá  um  jeito  de  ficar  com  a  última 
palavra  ‐  nós  imediatamente  apresentamos  um  protesto.  Coelet  fala  por  nós  todos  ao  exclamar: 
"isso  é  o  pior  de  tudo  o  que  acontece  neste  mundo"  (v.  3b  ‐  BLH).  O  que  talvez  não  tenhamos 
notado, pois ele não chama a nossa atenção para isso neste ponto, é que este sentimento de ultraje é 
um fato tão certo a nosso respeito quanto a nossa mortalidade. O que torna este livro tão fascinante 
são principalmente estas colisões entre os fatos obstinados da observação e as intuições igualmente 
obstinadas.  Assim  ele  nos  impulsiona  rumo  a  uma  síntese  que  fica  muito  além  de  suas  páginas  ‐ 
neste caso, a perspectiva da recompensa e do castigo no mundo futuro. 
Enquanto  isso,  examinamos  o  mundo  como  ele  se  nos  apresenta,  tendo  a  morte  como 
obliteradora  universal  e  o  mal  aumentando  em  profusão.  As  duas  coisas  têm  uma  certa  relação. 
Viver em um mundo aparentemente sem significado é profundamente frustrante, e a desilusão dá 
lugar à aniquilação e ao desespero, à loucura dos violentos ou ao desespero dos solitários. 
Será  que  o  desespero  é  tudo  que  nos  resta?  Para  nossa  surpresa,  o  homem  de  um  modo 
geral pensa que não, ou, então, a raça humana já teria acabado há muito tempo. E Coelet concorda 
com isso. A vida decididamente vale a pena ser vivida. Afinal, na pior das hipóteses, ou quase isso, 
a vida é melhor do que o nada, que é o que a morte parece ser. O forte senso prático do versículo 
4,86  com  o  popular  provérbio  ilustrando  o  seu  ponto  de  vista,  abre  caminho  para  uma  recusa 

                                                             
86 O TM diz "aquele que é escolhido" (Vbhr), que dá pouco sentido e parece ser um erro de copista na palavra "junto" (com os 

vivos) (Vhbr), que tem o apoio da LXX et al. 

 
41
vigorosa nos próximos dois versículos em deixar que a morte intimide os vivos antes da hora. Antes, 
que a vida meta a morte no chinelo! Será que o homem vivo sabe tanto para se sentir consolado? 
Mas  de  que  valeria  ser  um  cadáver  sem  saber  nada,87  sem  esperar  nada,  sem  nenhum  valor  no 
mundo? 
Sob a própria sombra da morte, este espírito positivo ilumina o restante da passagem (vs. 7‐10) 
tanto  quanto  o  faria  uma coisa  temporal,  pois,  embora  não  seja  a  resposta  completa,  desfruta  da 
aprovação de Deus. Não é à toa que ele é a fonte de todos os dons da vida terrena: o pão e o vinho, 
as festas e o trabalho, o casamento e o amor. 
Há  notáveis  semelhanças  entre  esta  passagem  (9:7‐10)  e  algumas  linhas  da  Epopéia  de 
Gilgamesh, um poema acadiano que data do tempo de Abraão ou antes e que era muito conhecido 
no mundo antigo. Neste ponto da história o herói, impelido pela morte de seu grande amigo a ir em 
busca da imortalidade, chega ao jardim dos deuses. Ali a jovem Siduri, a fabricante de vinhos, lhe 
fala: 
"Gilgamesh, por onde você está vagueando? 
A vida que está procurando, você nunca encontrará, 
pois os deuses, quando criaram o homem, deram‐lhe 
a morte como quinhão, e a vida 
ficou retida nas mãos deles. 
Gilgamesh, encha o estômago! 
Alegre‐se dia e noite, 
encha os seus dias de alegria, 
dance e faça música de dia e de noite. 
Use roupas limpas, 
tome banho e lave a cabeça. 
Olhe para o filho que lhe segura a mão, 
e que sua esposa se deleite com o seu abraço. 
Apenas essas coisas dizem respeito ao homem."88 
Este não é o único lugar onde se encontram sentimentos deste tipo. A canção de um banquete 
fúnebre egípcio, talvez mais ou  menos contemporâneo de Gilgamesh, contém o seguinte conselho, 
após advertir os vivos acerca do que terão de enfrentar: 
"Realiza  os  teus  desejos enquanto  estiveres  vivo. Unge  a  tua  cabeça  com  mirra,  veste‐te  de 
linho fino, e unge‐te..., e não aborreças o teu coração, até que chegue o dia da lamentação."89 
Um escritor moderno, no entanto, destaca acertadamente a nota diferente tocada por Coelet 
ainda que ele escreva nesse mesmo tom. "Os seus conselhos recomendando aceitar e gozar o que é 
possível  em  cada  caso  contêm  um  lembrete  da  existência  de  Deus",  na  verdade  de  "uma  vontade 
positiva  de  Deus".90  Isto  está  particularmente  claro  na  convicção  do  versículo  7b,  de  que  Deus  já 
aceitou o gesto de gratidão. Esse gesto é considerado não apenas de gratidão, mas de humildade e 
avidez, na máxima faze­o conforme as tuas forças (v. 10). E, neste ponto, a brevidade da vida tornou‐
se  um  impulso,  como  o  foi  para  o  nosso  Senhor  quando  falou  da  chegada  da  "noite  ...  quando 
ninguém  pode  trabalhar"  (Jo  9:4).  Mas  uma  característica  deste  livro  é  que,  até  mesmo  nesta 
conexão, a morte não é apresentada com uma visão passageira, mas com um olhar fixo para os seus 
aspectos desoladores. A morte, porém, não é o único perigo. 
 
Mudanças e oportunidades 
9: 11  Vi ainda debaixo do sol que não é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes, a vitória, 
nem tampouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes, a riqueza, nem dos inteligentes, o favor; 
porém tudo depende do tempo e do acaso. 

                                                             
87 Fora do contexto, os mortos não sabem cousa nenhuma (v. 5) tem às vezes sido tratado como uma declaração doutrinária 

direta. Mas, mesmo à parte do método do autor, tanto esta declaração como a seguinte (nem tão pouco terão eles recompensa) 
entrariam em choque com outras passagens bíblicas se fossem assim interpretadas. Cf., por exemplo, Lc 16:23ss.; 2 Co 
5:10. 
88 A Epopéia de Gilgamesh, parte da placa X, traduzida por H. Frankfort et al., em Before Philosophy (Pelican, 1949), pág. 

226. 
89 Traduzido para o inglês por A. Erman, em The Literature of the Ancient Egyptians (Methuen, 1927), pág. 133. 
90 G. von Rad. Old Testament Theology (Tradução inglesa, Oliver and Boyd, 1962), I, pág. 457.  

 
42
12  Pois o homem não sabe a sua hora. Como os peixes que se apanham com a rede traiçoeira 
e como os passarinhos que se prendem com o laço, assim se enredam também os filhos dos homens 
no tempo da calamidade, quando cai de repente sobre eles. 
O tempo e  o  acaso  estão lado  a lado, sem dúvida porque  ambos têm  um jeito de  arrancar 
subitamente as coisas de nossas mãos. Isto é bastante óbvio no que se refere às oportunidades, pois 
a providência opera em segredo, e na perspectiva do homem a vida é feita principalmente de passos 
rumo ao desconhecido e de acontecimentos que surgem do nada, que podem mudar totalmente o 
padrão da nossa existência num dado momento. Quanto ao tempo, o capítulo 3, com o "tempo de 
nascer ... tempo de morrer", e assim por diante, já provou quão inexoravelmente nossas vidas são 
jogadas de um extremo para o outro pela força das vagas da maré que não podemos controlar. Tu‐
do isso vem contrabalançar a impressão que podemos adquirir das máximas acerca do trabalho duro, 
de  que  o  sucesso  é  nosso  quando  queremos.  No  mar  da  vida  somos  mais  como  os  peixes  que  se 
apanham  com  a  rede  traiçoeira,  ou  os  que  são  inexplicavelmente  poupados,  e  não  os  donos  de 
nosso destino nem os capitães de nossas almas. 
A  terceira  coisa  que  perturba  os  nossos  cálculos  apresenta‐se‐nos  de  forma  um  tanto 
enternecedora na pequena parábola dos versículos 13‐16, e nas reflexões que perpassam o resto 
do capítulo. 
 
A inconstância dos homens 
9: 13  Também vi este exemplo de sabedoria debaixo do sol, que foi para mim grande. 
14  Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens; veio contra ela um grande rei, 
sitiou­a e levantou contra ela grandes baluartes. 
15  Encontrou­se nela um homem pobre, porém sábio, que a livrou pela sua sabedoria; 
contudo, ninguém se lembrou mais daquele pobre. 
16  Então, disse eu: melhor é a sabedoria do que a força, ainda que a sabedoria do pobre é 
desprezada, e as suas palavras não são ouvidas. 
17  As palavras dos sábios, ouvidas em silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa 
entre tolos. 
18  Melhor é a sabedoria do que as armas de guerra, mas um só pecador destrói muitas 
coisas boas. 
 
Podemos identificar‐nos imediatamente com o povo da pequena cidade sitiada, e sentimos o seu 
alívio quando o estrategista amador (ou seria um diplomata?) dá o seu golpe de mestre. Se formos 
honestos, poderemos ver‐nos ainda na última cena, quando todos se esqueceram totalmente dele. 
Mas a parábola não é uma fábula que visa mostrar o que as pessoas deveriam fazer: é uma história 
de advertência para mostrar como elas são. Se formos nos identificar com alguém, será com o homem 
pobre, porém sábio. Não que devamos nos imaginar como consultores universais, mas simplesmente 
que,  é  triste  dizer,  deveríamos  aprender  a  não  contar  com  nada  tão  transitório  como  a  gratidão 
pública. 
"O frio, por mais intenso,  
Não machuca tanto quanto 
Um benefício não lembrado,  
E, embora as águas congele,  
Não traz sofrer mais agudo 
Que o de um amigo olvidado.91" 
No  padrão  do  capítulo  este  é  mais  um  exemplo  do  que  é  imprevisível  e  cruel  na  vida,  para 
solapar  a  nossa  confiança  naquilo  que  poderíamos  fazer  com  nossas  próprias  forças.  Os  dois 
últimos  versículos  (vs.  17ss.)  constituem  um  arremate  à  parábola,  mostrando,  primeiro,  como  a 
sabedoria é preciosa e, então, como ela é vulnerável. Somos abandonados com a suspeita de que, na 
política humana, a última palavra fica geralmente com os gritos do versículo 17 ou com o aço frio do 
versículo 18. Raramente com a verdade, raramente com o mérito. 
 

                                                             
91 Shakespeare, As You Like It, Ato II, Cena 7. 

 
43
Terceiro Resumo:  
Retrospectiva de Eclesiastes 7:1­9:18 
As palavras do nosso autor, como as de Jeremias, poderiam ser assim resumidas: 
"para arrancares e derribares, 
para destruíres e arruinares," 
mas, então, e apenas então, 
"para edificares e para plantares".92 
Ao  chegar  ao  final  do  capítulo  9  ele  já  apresentou  os  argumentos  contra  a  nossa  auto‐
suficiência. A primeira metade do livro, cujo andamento resumimos rapidamente às páginas 36 e 51, 
deixou‐nos  poucas  desculpas  para  a  complacência,  e  os  três  últimos  capítulos  têm  insistido  ainda 
mais no assunto. 
Ao contrário dos textos anteriores, os provérbios e as reflexões de 7:1‐22 não nos aliviaram de 
nossa  preocupação  principal,  embora  os  intitulássemos  de  interlúdio.  Com  poucas  exceções,  as 
afirmações são todas severas (por exemplo, 7:1‐4) e até mesmo, sob certo aspecto, cínicas (7:15‐18), 
impelindo duramente o secularista contra o fato e as implicações da morte (para ele). E quando o 
argumento foi retomado em 7:23, levantou novas dúvidas quanto à sabedoria humana. O capítulo 2 
já apresentara o fato de que o sábio é tão mortal quanto o estulto. Agora, porém, surge a questão 
premente:  se,  afinal  de  contas,  a  sabedoria  na  verdade  pode  ser  alcançada.  Por  mais  sábio  que 
alguém possa ser em muitos detalhes da vida (8:1‐6; 9:13‐18), tornou‐se claro que ele nunca chegará 
ao âmago das coisas ou sequer à certeza de que a verdade, caso a descubra, poderá ser enfrentada. 
"Quem o achará?" (7:24); "como há de ser" (8:7); "se é amor ou se é ódio ... não o sabe o homem" 
(9:1). 
Sob outros aspectos também o quadro se obscureceu. Agora temos relances de torpeza moral, 
de  injustiça  não  apenas  desenfreada  mas  também  admirada  (8:10ss.),  e  do  homem  que,  além  de 
fraco, também "está inteiramente disposto a praticar o mal", seguindo o seu caminho "cheio de 
maldade" (8:11; 9:3). E, ao longo da destruição que a morte traz e que já foi enfatizada por todo 
o livro, surgem agora os perigos do tempo e da casualidade (9:11ss.), para tornar ainda mais inúteis 
os planos do homem. 
Apesar de tudo isto, houve alguns lampejos de coisas melhores, mantendo dentro de nós um 
pouco  de  esperança,  a  ser  acalentada  e  justificada  nos  capítulos  restantes,  pois  finalmente  Coelet 
acabou sua obra de demolição. O local foi desobstruído: ele pode começar a edificar e a plantar. Quer 
consideremos  o  próximo  capítulo  como  um  modesto  começo  deste  processo,  quer  como  um 
interlúdio para aliviar a tensão (comparável a 4:9 ‐ 5:12 e 7:1‐22), ele vai permitir que retomemos o 
fôlego antes de voltarmos à veemente questão do livro: se a vida tem  algum  significado  e, se tem, 
qual é. 
No  início,  então,  há  questões  de  senso  prático  que  convém  notarmos,  pois  fazem  parte  da 
sabedoria e de uma vida sã tanto quanto as perguntas que temos de responder, dentro dos limites 
do nosso conhecimento. Após sermos estabilizados com os lembretes para sermos sensatos (capítulo 
10), podemos nos atirar com mais segurança ao convite para sermos corajosos (11:1‐6), alegres (11:7‐
10) e tementes a Deus (capítulo 12). 
 

Eclesiastes 10:1­20 ­  
Interlúdio: Sê prudente! 
Este  capítulo  apresenta  uma  visão  calma  da  vida,  escolhendo  os  exemplos a esmo a fim de 
ajudar‐nos a manter elevados os nossos próprios padrões, sem nos surpreendermos demais com as 
esquisitices das outras pessoas nem ficarmos indefesos ao nos depararmos com os poderosos. 
 
Loucura 
10:1  Qual a mosca morta faz o ungüento do perfumador exalar mau cheiro, assim é para a 
sabedoria e a honra um pouco de estultícia. 
2  O coração do sábio se inclina para o lado direito, mas o do estulto, para o da esquerda. 

                                                             
92 Jr 1:10. 

 
44
3  Quando o tolo vai pelo caminho, falta­lhe o entendimento; e, assim, a todos mostra que é 
estulto. 
O versículo 1 coloca de forma pitorescamente desagradável o princípio com o qual se concluiu 
o capítulo anterior: que é preciso muito menos para arruinar uma coisa do que para criá‐la. Isto, a 
propósito, faz parte das vantagens do mal e do apelo que este exerce sobre a nossa parte má, pois 
dizendo‐o  da  maneira  rude  como  Coelet  o  faz,  é  mais  fácil  criar  fedor  do  que  perfume.  Mas  neste 
versículo  o  que  cria  o  problema  é  a  súbita  falta  ou  o  impulso  tolo;  e  há  infinitos  exemplos  de 
prêmios  que  foram  perdidos  e  de  bons  começos  que  foram  estragados  em  um  só  momento  de 
imprudência,  não  apenas  pelos  irresponsáveis,  como  Esaú,  mas  também  pelos  que  estavam  sendo 
dolorosamente provados, como Moisés e Arão. 
No  versículo  2  algumas  versões  modernas  foram  infelizes  ao  usar  uma  anatomia  duvidosa, 
tipo "o coração do sábio está à sua mão direita... "(ERC). Talvez a BJ seja a melhor tradução, ainda 
que livre: "O sábio se orienta bem, o insensato se desvia". A mão direita e a mão esquerda sempre 
foram  generalizadamente  consideradas  como  sendo  respectivamente  de  boa  sorte  e  de  má  sorte; 
coisa  boa  e  má  (cf.  o  sentido  da  palavra  latina  sinistro,  que  significa  "esquerda").  Na  figura  que  o 
nosso Senhor usou para com as ovelhas e os bodes, os dois lados correspondem a dois vereditos 
contrários.  Mas,  de  maneira  menos decisiva, também há bênçãos provenientes da mão direita e da 
mão esquerda, diferindo apenas em grau.93 O estulto, portanto, inclina‐se para o que tem menos 
valor, o menos bom e, além disso, para o que é positivamente errado. A preferência apresenta‐se 
de  muitas  maneiras,  não  apenas  moral  e  espiritualmente.  Por  outro  lado,  as  predileções  do 
homem sábio são enunciadas na grande lista dos "tudo o que é" de Filipenses 4:8. 
No versículo 3 surge a comédia, como acontece freqüentemente em Provérbios ao tratar deste 
tema. No parecer prático de Coelet, o estulto não tem como disfarçar o que é,94 a não ser talvez com 
o  silêncio  total  (cf.  Pv  17:28).  Mesmo  assim  o  seu  comportamento  de  algum  modo  o  acabará 
denunciando. Mas de fato ele é convencido demais para se abster de expor seus pontos de vista a 
todos que venha a conhecer. Julgando a partir de Provérbios, suas frases elaboradas são incongruentes 
(Pv 17:7) e suas observações sem tato, impertinentes (Pv 18:6); e quando se fala com ele, não presta 
atenção (Pv 18:2). Se tem uma mensagem para alguém transmite‐a com erros, e se de repente faz uma 
observação  sábia,  é  por  acaso  (Pv  26:6ss.).  Felizmente  pode‐se  sentir  a  sua  aproximação  pelos 
esforços que todos fazem para desaparecer (Pv 17:12). 
 
A corda bamba social 
10:4  Levantando‐se contra ti  a indignação do  governador,  não  deixes  o teu lugar, porque o 
ânimo sereno acalma grandes ofensores. 5 Ainda há um mal que vi debaixo do sol, erro que procede 
do governador:  6 O tolo posto em grandes alturas, mas os ricos assentados em lugar baixo.  7 Vi os 
servos a cavalo, e os príncipes andando a pé como servos sobre a terra. 
Por trás do suave conselho do versículo 4, percebe‐se um agudo senso de observação, pois o 
que  ele  nos  convida  a  notar  é  o  mais  absurdo  fenômeno  humano:  o  acesso  de  raiva.  Se  a  pessoa 
consegue reconhecer os seus sintomas, pode livrar‐se de prejuízos provocados por ela mesma, pois, 
embora possa sentir‐se sublime "demitindo‐se do seu posto" (ostensivamente por princípio, mas na 
realidade em um acesso de  orgulho), na  verdade isto  é  menos  impressionante  e  mais imaturo do 
que parece. Submeter‐se às autoridades, além de ser dever do crente (como o Novo Testamento nos 
ensina, 1 Pe 2:18ss.), também é sábio, uma vez que a ira que pode ser acalmada pelo ânimo sereno 
(v. 4b) tem ela mesma os sintomas de um acesso de raiva; e uma pessoa nessa condição é melhor 
do que duas. 
Pior ainda, talvez, do que o autocrata é o covarde. Com ele no poder tudo pode acontecer. As 
transformações sociais do versículo 6 e 7 acontecem por causa do governador do versículo 5 e nos 
fazem  pensar  em  quão  frágeis  são  as  nossas  pequenas  hierarquias.  Mas  qualquer  época  pode  ser 
tomada  de  surpresa.  Do  antigo  Egito,  muitos  séculos  antes  destas  palavras  terem  sido  escritas, 
recebemos as desoladas observações que nos parecem tão oportunas quanto as de Coelet: 
"Ora, imaginem, os nobres estão se lamentando, enquanto os pobres se alegram..." 
"Imaginem  só,  todas  as  servas  soltaram  a  língua.  Quando  as  senhoras  falam,  as  servas  se 

                                                             
93 Cf. Efraim e Manasses, Gn 48:13ss.; veja também Pv 3:16. 
94 Um sentido alternativo para 3b seria gramaticalmente possível: "chama a todos de estultos". Os comentaristas se dividem 

a esse respeito, mas a maioria das traduções portuguesas concordam com a ERAB. 

 
45
aborrecem...  Eis  que  as  senhoras  da  nobreza  são  agora  respigadeiras,  e  os  nobres  estão  na 
oficina."95 
Se há quem se sinta inclinado a aplaudir, Coelet não vai exatamente discutir com eles, pois o 
seu alvo, do começo ao fim, é sacudir a nossa fé patética na permanência de nossas ações; e, de forma 
alguma, ele tem ilusões quanto aos homens que estão por cima.96 Mas ele tampouco considera tais 
deposições como triunfos da justiça social. Os exemplos que ele testemunhou foram tanto giros da 
roda  da  fortuna  (v.  7),  como  também,  nomeações  de  pessoas  erradas  (o  tolo  posto  em  grandes 
alturas, v. 6). Podemos nós mesmos imaginar as intrigas, as ameaças, as  bajulações e os subornos 
que lhes abriram o caminho. 
 
Fatos concretos da vida 
10:8  Quem abre uma cova nela cairá, e quem rompe um muro, mordê­lo­á uma cobra. 
9  Quem arranca pedras será maltratado por elas, e o que racha lenha expõe­se ao perigo. 
10  Se o ferro está embotado, e não se lhe afia o corte, é preciso redobrar a força; mas a 
sabedoria resolve com bom êxito. 
11  Se a cobra morder antes de estar encantada, não há vantagem no encantador. 
O  ponto  de  vista  em  que  se  baseiam  estas  observações  não  é  o  fatalismo,  como  se  poderia 
deduzir dos versículos 8 e 9 por si mesmos,97  mas um realismo elementar. O lampejo ofuscante do 
óbvio  no  versículo  10,  apoiado  pelo  humor  sarcástico  do  versículo  seguinte,  acaba  com  qualquer 
dúvida.  Somos  instados  a  usar  a  cabeça,  olhando  um  pouco  mais  adiante,  pois  qualquer  ação 
vigorosa envolve riscos, e a pessoa que nós chamamos de desastrada geralmente deve culpar‐se a si 
mesma  e  não  à  sua  sorte.  Ela  deveria  saber,  deveria  tomar  cuidado.  Mas  Coelet  faz‐nos  entrever 
uma parábola falando em cova e serpente, pois a cova que serve de arapuca para quem a fez era uma 
figura  proverbial  da  justiça  poética,98  e  a  serpente  que  não  se  percebe  era  a  própria  imagem  da 
retribuição que nos pega de emboscada. Era assim que o profeta Amós entendia, como também as 
testemunhas do encontro de Paulo com a víbora.99 
Assim, talvez o versículo 8 esteja apresentando um aspecto diferente do versículo 9, dirigido 
mais aos inescrupulosos do que aos irresponsáveis. Quanto a estes últimos, eles (ou nós?) são muito 
bem atingidos nos versículos 10 e 11, primeiro com a esmerada paciência que se deve ter para com 
os  ignorantes  e,  então,  com  um  lampejo  de  bom  senso  e  um  toque  de  farsa.  Depois  do 
surpreendente  começo,  onde  a  cobra  é  rápida  demais,  quase  podemos  perceber  a  indiferença  que 
acompanha  a  última  linha,  como  a  dizer:  "o  encantador  perde  a  sua  remuneração".  Quanto  à 
vítima... para que perguntar? 
 
Bom senso e falta de senso 
10: 12  Nas palavras do sábio há favor, mas ao tolo os seus lábios devoram. 
13  As primeiras palavras da boca do tolo são estultícia, e as últimas, loucura perversa. 
14  O estulto multiplica as palavras, ainda que o homem não sabe o que sucederá; e quem lhe 
manifestará o que será depois dele? 
15  O trabalho do tolo o fatiga, pois nem sabe ir à cidade. 
As  palavras  são  naturalmente  um  assunto  preferido  pelos  escritores  da  Sabedoria,  pois 
desempenham um papel óbvio na arte de viver; e é a arte, e não o objetivo da vida, que predomina 
neste capítulo. 
Mas  depois  de  examinarmos  rapidamente  o  uso  correto  das  palavras,  enfrentaremos 
demoradamente o seu mal uso. Quem sabe a proporção desses enfoques seja justa. 
Dizer, como muitas versões modernas, que nas palavras de um homem sábio há favor (v. 12) é 
apenas meia verdade, embora isto faça um perfeito contraste com a segunda linha. O que realmente 
está  sendo  dito  é  que  suas  palavras  são  "cheias  de  graça"  (ER).  Mais  do  que  outra  coisa,  é 
                                                             
95 "As Advertências de Ipu‐wer", traduzidas para o inglês por John A. Wilson em ANET, págs. 441s. Provavelmente 

escritas antes de 2000 a.C. 
96 Cf. 3:16; 4:lss., 13ss.; 5:8s. 
97 As afirmações dos versículos 8ss. são generalizações, deixando de fora as exceções e meras probabilidades por causa do 

resumo bem definido. A BV os traduz: "pode acabar caindo nele... pode ser mordido", etc. sacrificando um pouco a sua 
potência. 
98 Por exemplo, Sl 7:15; 9:15; 35:7ss.; 57:6. 
99 Am 5:18‐20; 9:3; Atos 28:4. 

 
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certamente isto que abrange igualmente encanto e delicadeza, que obtém o favor. Acima de tudo, 
porém, ela é desinteressada e brota da humildade básica que é o princípio da sabedoria. 
Da mesma forma, o pequeno retrato do tolo indica as atitudes interiores que jazem por trás 
de  suas  palavras.  Se  rimos  dele  no  versículo  3,  vemos  agora  o  seu  lado  trágico  e  perigoso.  Nas 
Escrituras ele é considerado mais teimoso do que obtuso: as suas idéias (e, portanto, suas palavras) 
recusam‐se a aceitar a existência de Deus. É o que se diz claramente no versículo 13, desdobrando‐se 
todo o processo, desde o seu tolo início até o seu fim desastroso. Esse fim, a loucura perversa, talvez 
pareça chocante demais para ser verdade; mas os seus dois elementos,  o  moral  e  o  mental,  são  os 
frutos finais da recusa em aceitar a vontade e a existência de Deus. Se há incontáveis incrédulos cujo 
fim  terreno  dificilmente  poderia  ser  descrito  como  perversidade  ou  loucura,  é  apenas  porque  a 
lógica de sua incredulidade não foi levada  aos extremos, devido à  graça  misericordiosa  de Deus. 
Mas, quando toda uma sociedade se torna secular, o processo é muito mais evidente e completo. 
Os versículos seguintes examinam dois aspectos da conversa de um tolo. Ela é imprudente, não 
lhe fazendo bem algum (v. 12); e indecorosa, não demonstrando qualquer acanhamento diante do 
desconhecido  (v.  14).  Embora  este  seja  o  caso  com  todos  nós,  em  nossos  próprios  momentos  de 
tolice,  é  verdade  em  um  nível  mais  sério  na  vida  do  verdadeiro  tolo,  do  homem  sem  Deus,  cuja 
maneira de falar trai em tudo os seus pontos de vista (cf. Mt 12:34‐37) e cujas opiniões confiantes 
jovialmente ignoram a nossa necessidade humana de revelação. 
O versículo 15 é um apêndice do próprio tolo, mas apenas um sábio saberia exatamente o que 
significa!  A  segunda  linha  é  evidentemente  um  arremate  proverbial  sobre  o  tipo  de  pessoa  que 
consegue errar nas coisas mais simples (cf. Is 35:8); ele se perderia, como diríamos hoje, até mesmo 
se  o  colocássemos  numa  escada  rolante.  Esta  linha  ficaria  mais  simplesmente  traduzida  sem  o 
"pois" com que inicia: (alguém) que "nem sabe ir à cidade!" Assim começa a surgir o quadro de um 
homem que, por causa de sua estupidez, torna as coisas desnecessariamente difíceis para si próprio. 
Muito possivelmente há uma conexão com o tolo loquaz do versículo anterior, que faz tempestade 
em  um  copo  de  água  em  assuntos  que  estão  totalmente  além  de  sua  alçada;  mas  muito 
provavelmente  estamos  sendo  apresentados  a  apenas  mais  um  lado  da  estrutura  de  uma  pessoa 
tola. Neste caso,  isto  também se encaixa no tema do livro, com  a sua ênfase sobre a inutilidade de 
qualquer  trabalho  que  não  tenha  objetivo  (cf.,  por  exemplo,  1:8;  2:18‐23);  e  quem  sabe  devemos 
lembrar  que,  em  última  análise,  é  isto  que  pode  fazer‐nos  de  tolos.  O  livro  termina  com  uma 
advertência ao tolo culto, cujo "muito estudo" apenas o desgasta e o afasta do que é mais importante 
(a suma, 12:12ss.), que é o temor de Deus. Estar sempre aprendendo, nunca alcançando nada, como 2 
Timóteo 3:7 descreve algumas pessoas, é ser uma pessoa frívola que consegue se perder até mesmo 
no  caminho  mais  direto  para  a  cidade.  Isto  é  loucura  que  não  tem  sequer  a  justificativa  da 
ignorância. 
 
Principalmente acerca dos governantes 
10:16  Ai de ti, ó terra cujo rei é criança e cujos príncipes se banqueteiam já de manhã. 
17  Ditosa, tu, ó terra cujo rei é filho de nobres e cujos príncipes se sentam à mesa a seu 
tempo para refazerem as forças e não para bebedice. 
18  Pela muita preguiça desaba o teto, e pela frouxidão das mãos goteja a casa. 
19  O festim faz­se para rir, o vinho alegra a vida, e o dinheiro atende a tudo. 
20  Nem no teu pensamento amaldiçoes o rei, nem tampouco no mais interior do teu quarto, 
o rico; porque as aves dos céus poderiam levar a tua voz, e o que tem asas daria notícia das tuas 
palavras. 
O capítulo termina, assim como começou, com observações sagazes sobre procedimentos na 
vida prática, como que para tornar a enfatizar que o interesse do sábio nas questões importantes não 
afeta o seu interesse pelo presente. O homem sábio importa‐se muito com a forma como o seu país é 
governado, e como deve se comportar e dirigir os seus negócios em um mundo que é ao mesmo 
tempo exigente (v. 18), gostoso (v. 19) e perigoso (v. 20). 
Os versículos 16 e 17 fazem‐nos lembrar da influência que emana dos homens que estão lá em 
cima,  para  estabelecer  o  ambiente  de  toda  uma  comunidade.  Aplica‐se  tanto  às  comunidades 
menores  quanto  às  maiores.  O  primeiro  quadro  é  o  de  um  governante  sem  dignidade  ou  sem 
sabedoria,  rodeado  de  homens  responsáveis.  Caso  queiramos  considerar  criança  ou  nobres  nestes 
versículos em um sentido muito limitado, uma passagem anterior  já nos fez ver que idade e status 
não  significam  nada,  mesmo  para  o  rei,  e  já  falou  do  jovem  joão‐ninguém  que  chega  com  nada 

 
47
mais a seu favor além dos seus dotes naturais (4:13). A  criança, ou "rapaz", do versículo 16, bem 
pode ser que seja um homem feito que nunca amadureceu  (cf. Is 3:12), em contraste, por assim 
dizer,  com  o  jovem  Josias  que  "sendo  ainda  moço,  começou  a  buscar  o  Deus  de  Davi",100  para 
bênção  do  seu  país.  E  a  menção  de  nobres,  ou  "príncipes",  não  é  um  toque  de  esnobismo,  mas 
apenas de estabilidade política. Eles não são descritos nas Escrituras como exemplos de virtude,101 
nem homens como Davi ou Jeroboão são desqualificados por não terem saído desse círculo. A ênfase 
de ambos os versículos é dada pela profecia da derrocada social em Isaías 3:1‐5, onde os homens de 
peso na comunidade seriam desapossados: 
"Dar‐lhes‐ei meninos por príncipes, 
crianças governarão sobre eles... 
o menino se atreverá contra o ancião 
e o vil contra o nobre." 
Quanto  aos  cortesãos  decadentes  (v.  16),  Israel  os  conhecia  muito  bem.  Os  profetas  pintam 
quadros  fiéis  de  suas  farras  diárias  (Is  5:11,22),  sua  ociosidade  acalentada  (Am  6:4ss.)  e  seu 
aviltamento  até  o  estupor  e  a  obscenidade  (Is  28:7ss.).  Em  tais  situações,  a  justiça  e  a  verdade 
transformam‐se nos principais desastres nacionais, "tropeçando pelas praças" (Is 59:14). 
Parece  que os provérbios dos  versículos  18  e  19  foram  colocados aí especialmente por sua 
aplicação à vida dos poderosos, seus mandos e desmandos, seu uso e abuso dos dons de Deus, como 
já  vimos  nos  versículos  anteriores.  Então  o  versículo  20  volta‐se  mais  explicitamente  para  essa 
gente. 
Certamente  a  preguiça  (v.  18),  que  silenciosamente  destrói  uma  casa  negligenciada  ou  um 
espírito indolente, é tão fatal para um reino quanto para um prédio ou uma pessoa. Nada mais é 
preciso para que desabe, e nada é mais devastador. Sejam quais forem os prejuízos que possam ser 
considerados,  o  apodrecimento  não  está  entre  eles,  pois  o  tempo  está  a  seu  favor.  Quanto  às 
autoridades  indolentes  castigadas  pelos  profetas  nas  passagens  que  consideramos,  sua  própria 
decadência iria espalhar a sua podridão à estrutura que os abrigava, até que esta desmoronasse 
sobre suas cabeças. 
No  provérbio  do  versículo  19,  as  duas  primeiras  linhas  podem  empatar  com  as  cenas  dos 
festins,  boas  e  más,  que  dão  início  ao  parágrafo  (16ss.);  mas  em  qualquer  outro  contexto  nós  as 
veríamos relacionadas  à  questão do dinheiro. Não é preciso ser  cínico: a  questão não é  que  todo 
homem tem o seu preço, mas que cada bem tem o seu uso; e a prata, na forma de dinheiro, é o mais 
versátil  de  todos.  Nosso  Senhor  fez  o  mesmo  tipo  de  observação  em  Lucas  16:9,  e 
caracteristicamente  descortinou uma  nova visão  ao  fazê‐lo.  No contexto  atual,  entretanto, as duas 
primeiras  linhas  dos  provérbios  talvez  destaquem  que  comer  para  refazer  as  forças,  e  não  para 
bebedice (v. 17), é uma coisa boa, ao passo que os excessos não têm sentido. Os dons de Deus são 
todos eles bons, e o seu uso adequado e agradável é perfeitamente suficiente. 
Com  o  versículo  20  retornamos  explicitamente  aos  homens  do  poder,  inclusive  do  poder 
financeiro  (a  que  o  versículo  19c  vai  se  referir  especificamente).  Eles  não  são  uma  companhia 
agradável. Para o leitor do século vinte, há algo de familiar em sua hipersensibilidade em relação aos 
diz‐que‐diz,  mas  eles  não  precisam  de  espionagem  eletrônica.  Eles  não  teriam  atingido  alturas 
vertiginosas, nem permanecido lá, sem um sexto sentido para com os dissidentes. 
Prático  como  sempre,  o  escritor  vê  isso  como  um  fato  da  vida,  e  conclui  o  capítulo  com  o 
conselho de que se aprenda a conviver com isso. Sobreviver é o primeiro passo, embora não seja de 
forma alguma o último. Agora ele já pode nos conduzir adiante até o clímax do livro. 
 

Eclesiastes 11:1­12:8 ­  
Em direção do alvo 
Agora  o  passo  torna‐se  mais  acelerado.  O  cenário  permanece  inalterado:  tem  as  mesmas 
sombras profundas e ocasionais fachos de luz, mas agora o consideramos com resolução e não com 
ansiedade. Conhecemos o pior ‐ melhor ainda: podemos partir na direção certa. 
Três  diferentes  investidas  nos  colocam  no  caminho  dos  "finalmentes".  Podemos  resumi‐las 
                                                             
100 2 Cr 34:3. 
101 São covardes em 1 Rs 21:8,11; excessivamente transigentes em Ne 6:17ss.; 13:17; e parte de um regime desastroso em 

Jr 39:6. 

 
48
nos títulos que escolhemos aqui para as três partes que abrangem estes dois últimos capítulos: Sê 
corajoso! Alegra‐te! Teme a Deus! 
 
Sê corajoso! 
11:1  Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás. 
2  Reparte com sete e ainda com oito, porque não sabes que mal sobrevirá à terra. 
3  Estando as nuvens cheias, derramam aguaceiro sobre a terra; caindo a árvore para o sul 
ou para o norte, no lugar em que cair, aí ficará. 
4  Quem somente observa o vento nunca semeará, e o que olha para as nuvens nunca segará. 
5  Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre 
da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas. 
6  Semeia pela manhã a tua semente e à tarde não repouses a mão, porque não sabes qual 
prosperará; se esta, se aquela ou se ambas igualmente serão boas. 
Isto nos leva diretamente ao sábio conselho do capítulo 10, que nós resumimos na expressão: 
"Sê prudente!" A cautela teve então o seu devido lugar; agora, tem de ceder o caminho ao 
empreendimento. 
Uma  das  coisas  frustrantes  da  vida  observadas  em  9:11  ss.  foi  o  fato  de  que  o  tempo  e  as 
oportunidades  podem  inverter  os  nossos  melhores  planos.  Se  isso  é  um  pensamento  paralisante, 
também pode ser um incentivo  à  ação,  pois,  se  há  riscos  por  toda  parte,  é  melhor  falhar  sendo 
arrojado  do  que  agarrando  os  recursos  e  guardando‐os  para  nós  mesmos.  Até  parece  que 
sentimos  o  Novo  Testamento  soprando  através  dos  dois  primeiros  versículos,  um  reflexo  do 
paradoxo predileto de nosso Senhor, que disse: "Quem ama a sua vida, perde‐a" e "com a medida 
com que tiverdes medido vos medirão também". 102 Isto é verdade, numa certa proporção, quer 
Coelet  esteja  falando  aqui  de  ousadia  nos  negócios  ou  de  simples  generosidade,  pois  é  difícil 
discernir ao certo do que ele está realmente falando,103 ou se ele fala primeiro de um e depois do 
outro. 
O pensamento dos versículos 3  e  4 trazem  novamente à tona  coisas sobre as quais  nada 
podemos  fazer  e  aquelas  que  exigem  uma  firme  decisão  e  ação.  Os  dois  exemplos  dados  (as 
nuvens que seguem suas próprias leis e tempos, não os nossos, e a árvore caída que não consul‐
tou  a  conveniência  de  ninguém)  podem  nos  levar  a  pensar  no  que  pode  acontecer  e  no  que 
poderia ter acontecido; a nós, porém, cabe apenas agarrar o que realmente existe e o que está ao 
nosso alcance. São poucos os grandes empreendimentos que aguardaram condições ideais; nós 
também  não  podemos  esperar.  Então  o  versículo  5  relaciona  o  reino  do  desconhecido  e  do 
desconhecível  com  Deus,  que  faz  todas  as  cousas.  O  exemplo  que  ele  escolheu  é  o  das  mais 
notáveis  obras  divinas,  do  qual  dependem  todos  os  nossos  questionamentos  e  pensamentos:  a 
maravilha do corpo humano e o espírito humano. Será que nosso Senhor tinha este versículo em 
mente  ao  falar  a  Nicodemos  sobre  o  segundo  nascimento?  Tal  como  Coelet,  ele  usou 
apropriadamente o fato de que uma mesma palavra serve na linguagem bíblica para vento (v. 4) 
e  para  espírito  como  algumas  versões  traduzem  no  versículo  5,104  e  captou  os  mesmos  pontos: 
sua  invisibilidade  e  sua  liberdade  em  relação  ao  nosso  controle,  mas  também  a  sua  poderosa 
realidade. 
O versículo 6, arrematando a passagem, tem uma leveza de espírito que novamente nos faz 
lembrar o Novo Testamento. A verdadeira reação para com a incerteza é um esforço redobrado, 
"aproveitando o tempo", "quer seja oportuno, quer não", expressa por Coelet em termos de um 
fazendeiro  e  o  seu  trabalho,  e  por  Paulo  em  termos  de  colheita  espiritual  da  boa  semente  do 
evangelho e das obras de misericórdia.105 
É  um  conselho  estimulante,  sem  idéias  de  vacilação,  mas  sem  traços  de  bravata  ou 
irresponsabilidade.  A  própria  pequenez  de  nosso  conhecimento  e  de  nossa  capacidade  de 
                                                             
102 Jo 12:25; Mt 7:2. 
103 "Envia" (não lança, que pode ser enganoso) dá idéia de comércio, caso pão represente cereais ou a subsistência de alguém. 

Da mesma forma, o versículo 2 com a sua referência a um futuro incerto já foi muitas vezes comparado ao ditado: "Não 
colocar todos os ovos num único cesto". Por outro lado, pão é o presente apropriado para o faminto (embora geralmente 
este se encontre na localidade, não além do mar), e a possibilidade de vir a enfrentar maus dias (2b) pode muito bem ser um 
argumento para dar com liberalidade enquanto se pode. Cf. Atos 11:27‐30; 2 Co 9:6ss.; Gl 6:7ss. 
104 Cf. Jo 3:8. 
105 Cf. Ef 5:16; 2 Tm 4:2ss.; 2 Co 8:2; 9:6. 

 
49
controle,  e  a  própria  probabilidade  de  tempos  difíceis  (v.  2b),  tão  freqüentemente  enfatizados 
para  nós  em  todo  o  livro,  transformam‐se  em  motivos  para  nos  reanimar  e  levar  à  atividade. 
Neste  estado  de  espírito,  podemos  agora  voltar‐nos  para  os  prazeres  da  vida,  assunto  dos 
próximos  versículos,  não  como  se  fossem  ópio  para  nos  tranqüilizar,  mas  como  revigorantes 
dons de Deus. 
 
Alegra­te! 
11:7  Doce é a luz, e agradável aos olhos, ver o sol. 
8  Ainda que o homem viva muitos anos, regozije­se em todos eles; contudo, deve lembrar­se 
de que há dias de trevas, porque serão muitos. Tudo quanto sucede é vaidade. 
9  Alegra­te, jovem, na tua juventude, e recreie­se o teu coração nos dias da tua mocidade; 
anda pelos caminhos que satisfazem ao teu coração e agradam aos teus olhos; sabe, porém, que de 
todas estas coisas Deus te pedirá contas. 
10  Afasta, pois, do teu coração o desgosto e remove da tua carne a dor, porque a juventude e 
a primavera da vida são vaidade. 
Com  a  sinceridade  de  sempre,  estes  versículos  combinam  o  deleite  de  viver  com  a 
seriedade da vida. Cada alegria aqui é confrontada com o seu oposto, ou o seu complemento; não 
há  nenhuma  tinta  cor‐de‐rosa.  A  bem‐aventurança  de  estar  vivo  é  captada  pela  beleza  da  sen‐
tença  que  inicia  a  passagem:  Doce  é  a  luz  ...  (v.  7).  E  esta  jovial  radiância  pode  durar,  como 
destaca  o  versículo  8a,  até  o  final.  Mas  não  além.  O  autor  não  se  retrata  de  sua  insistência  em 
dizer que, por si mesmos, o tempo e todas as coisas temporais vão nos desapontar, pois temos a 
eternidade  em  nossos  corações  (cf.  3:11).  Essa  luz  tem  de  dar  lugar  aos  dias  de  trevas  e  à 
destruição  de  tudo  que  há  debaixo  do  sol;  e  temos  de  enfrentar  o  fato,  ou  então  seremos 
destruídos  por  ele.  A  alegria  não  precisa  de  pretextos  para  se  intensificar.  Mas  como  ela  pode 
sobreviver  diante  da  morte  e  das  frustrações  do  mundo  é  um  segredo  que  apenas  o  próximo 
capítulo vai começar a desvendar. 
Enquanto isso o versículo 9 nos  faz lembrar de um outro  aspecto da alegria: sua relação 
com  aquilo  que  é  certo.  À  primeira  vista  este  lembrete  do  julgamento  parece  uma  espada  de 
Damocles  pendurada  sobre  a  nossa  cabeça,  para  roubar  à  festa  todo  o  seu  sabor.  Talvez  seja 
verdade,  mas  apenas  se  a  nossa  alegria  for  uma  paródia  da  verdadeira  alegria.  Os  caminhos  que 
satisfazem ao teu coração e agradam aos teus olhos, ou, em outras palavras, a verdadeira liberdade, 
devem  ter  um  alvo  que  valha  a  pena  alcançar,  um  "muito  bem!"  que  desejamos  ouvir  para  ter 
satisfação. Caso contrário, a trivialidade ou, o que é pior ainda, o vício assume a direção. Seja qual 
for  a  conotação  que  a  palavra  "playboy"  tenha  para  nós,  sabemos  que  é  uma  pessoa  que  não  re‐
laciona a sua vida com coisa alguma que seja exigente, e muito menos com os valores eternos; é uma 
pessoa  miserável.  Assim  este  versículo,  ao  insistir  que  nossos  caminhos  interessam  a  Deus  e  são, 
portanto, significativos em toda a sua extensão, não rouba alegria alguma, mas apenas acaba com o 
vazio. 
A meu ver, o versículo 10 acompanha esta linha de pensamento. À primeira vista talvez não 
pareça  mais  que  um  simples  escapismo,  uma  tentativa  desesperada  de  extrair  o  prazer  de  uma 
situação  sem  sentido.  Mas  ele  adquire  mais  sentido106  se  for  uma  extensão  do  convite  feito  ao 
"jovem"  do  versículo  9  para  regozijar‐se  na  sua  juventude,  porém  de  maneira  responsável. 
Idolatrar  a  condição  de  jovem  e  temer  perdê‐la  é  desastroso:  prejudica  o  dom,  mesmo  enquanto 
ainda o desfrutamos. Considerá‐lo, por outro lado, como uma fase passageira, "bela no seu tempo" 
mas não além dele, é libertar‐se de suas frustrações. O desgosto do qual se fala neste versículo vem a 
nosso encontro mais de uma vez no livro como a amargura provocada por um mundo duro e frus‐
trante.107 Ele tem o seu lugar para tornar‐nos realistas, como destaca 7:3; não é motivo, contudo, 
para nos tornarmos pessimistas. Desde o seu início, este versículo afasta a depressão; e a segunda 
linha, remove da tua carne a dor, pode muito bem ser um eco a reforçar a primeira, segundo o estilo da 
poesia hebraica. Mas também pode estar levando o pensamento um passo além, ao reino moral, uma 
vez que a palavra aqui traduzida por dor significa basicamente "mal"108. Neste caso, ela sincroniza 
                                                             
106 Observe a relação existente entre as duas frases: a segunda dá razão à primeira. 
107 Veja 1:18; 2:23; 7:3 (heb.). 
108 Isto não é mais que uma possibilidade, pois em geral é moralmente neutro (cf. 12:1). Contudo o conselho "remove da tua 

carne o mal" (ER, ERC) dá uma introdução mais adequada para a linha final: porque a juventude e a primavera da vida são 
vaidade. 

 
50
com o lembrete que diz que todos os nossos caminhos interessam a Deus, que é o nosso juiz (v. 9c). 
A alegria foi criada para dançar junto com a bondade e não sozinha. 
Mas  essa  maneira  positiva  de  encarar  a  vida,  que  perpassou  todo  este  capítulo,  deve 
repousar  sobre  alguma  coisa  mais  substancial  do  que  jovialidade,  coragem,  ou  até  mesmo 
moralidade perfeita. O capítulo final dedica‐se ao que é básico e insta conosco a que não percamos 
tempo ocupando‐nos também com isso. 
 
Teme a Deus! 
12:1  Lembra­te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e 
cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer; 
2  antes que se escureçam o sol, a lua e as estrelas do esplendor da tua vida, e tornem a vir as 
nuvens depois do aguaceiro; 
3  no dia em que tremerem os guardas da casa, os teus braços, e se curvarem os homens 
outrora fortes, as tuas pernas, e cessarem os teus moedores da boca, por já serem poucos, e se 
escurecerem os teus olhos nas janelas; 
4  e os teus lábios, quais portas da rua, se fecharem; no dia em que não puderes falar em alta 
voz, te levantares à voz das aves, e todas as harmonias, filhas da música, te diminuírem; 
5  como também quando temeres o que é alto, e te espantares no caminho, e te 
embranqueceres, como floresce a amendoeira, e o gafanhoto te for um peso, e te perecer o apetite; 
porque vais à casa eterna, e os pranteadores andem rodeando pela praça; 
6  antes que se rompa o fio de prata, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro 
junto à fonte, e se desfaça a roda junto ao poço, 
7  e o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu. 
8  Vaidade de vaidade, diz o Pregador, tudo é vaidade. 
Finalmente estamos prontos, se a nossa intenção tem sido essa, para olhar além das vaidades 
terrenas para Deus, que nos fez para si. O título Criador109 foi bem escolhido, fazendo‐nos lembrar 
a  partir  de  passagens  anteriores  no  livro,  que  só  Deus  vê  o  padrão  da  existência  como  um  todo 
(3:11),  que  nós  estragamos  a  obra  de  suas  mãos  com  as  nossas  "astúcias"  (7:29)  e  que  a  sua 
criatividade é contínua e inescrutável (11:5). A nossa parte, lembra­te dele, não é um ato perfunctório 
ou puramente mental: é deixar de lado a nossa pretensão à auto‐suficiência, entregando‐nos a ele. 
Isto é o mínimo que as Escrituras exigem do homem em seu orgulho ou em situações extremas.110 No 
seu sentido melhor e mais forte, a lembrança pode ser uma questão de fidelidade apaixonada, uma 
lealdade tão intensa quanto a do salmista para com a sua terra natal: 
"Apegue‐se‐me a língua ao paladar, 
se me não lembrar de  
ti, se não preferir eu Jerusalém 
à minha maior alegria."111 
Quando a lembrança significa tudo isto, não pode haver meias medidas ou contemporização. A 
juventude e o todo da vida não são suficientes para extravasá‐la. É neste espírito que de novo somos 
instados a enfrentar o fato de nossa mortalidade. Desta última vez o trecho é mais demorado. Ao 
mesmo tempo é uma das mais belas seqüências de figuras de palavras deste mestre da linguagem, 
uma  realização  suprema  de  sua  dupla  ambição:  achar  "palavras  agradáveis"  e  "palavras  de 
verdade" (v. 10). 
No  começo  e  no  final  desta  passagem  ele  escreve  diretamente,  sem  metáforas.  Ouvimos  a 
cadência da própria idade avançada nas palavras de saudade:  Não tenho neles prazer" (v. 1), e no 
versículo  7  somos  lembrados  da  sentença  de  Deus  a  Adão:  "ao  pó  tornarás".  Mas  entre  estes 
pontos  há  uma  profusão  de  imagens,  algumas  das  quais  vão  evocar  com  a  máxima  vividez  alguns 
aspectos do envelhecimento ou da  morte,  enquanto outras  nos provocam  com  alusões  que  a  esta 
distância mal podemos captar, despertando em nós o poeta ou o pedante. 
Deveria ser o poeta, ou pelo menos o apreciador da poesia. Se algumas obscuridades nestas 
linhas  podem  ser  esclarecidas,  tanto  melhor  para  acender  a  nossa  imaginação;  tanto  pior,  no 
                                                             
109 A versão inglesa (Today's English Version) sugere a possibilidade de haver um trocadilho entre "Criador" e "sepultura", já 

que em heb. essas duas palavras têm o mesmo som, mas grafia diferente. Contudo "sepultura" nunca vem acompanhada de 
um possessivo (tua, etc), exceto quando usada em sentido primário de "poço" ou "cisterna". 
110 Dt 8:17,18; Jn 2:7. 
111 Sl 137:6. 

 
51
entanto, se elas nos levam a tratar este gracioso poema como se fosse um elaborado criptograma, 
forçando cada detalhe em um simples e rígido esquema. 
No  versículo  2  percebemos  no  ar  o  frio  do  inverno,  enquanto  a  chuva  persiste  e  as  nuvens 
transformam a luz do dia em penumbra, e, então, a noite em trevas de breu. É uma cena bastante 
sombria para fazer‐nos pensar não apenas nos nossos poderes físicos e mentais que se desvanecem, 
mas  nas  desolações  mais  generalizadas  da  idade  avançada.  São  muitas  as  luzes  que  ficam  então 
sujeitas  a  serem  apagadas,  além  dos  sentidos  e  das  faculdades,  quando  os  velhos  amigos  vão 
partindo um a um, os costumes familiares vão mudando e esperanças há muito acalentadas têm de 
ser abandonadas. Tudo isto chegará num estágio da vida quando já não haverá mais a capacidade 
de  recuperação  da  juventude  ou  a  perspectiva  de  uma  compensação.  No  começo  da  vida  e  na 
maior  parte dela  os  problemas  e  as  enfermidades são  geralmente  apenas  contratempos,  mas  não 
desastres.  Esperamos  que  o  céu  finalmente  clareie  de  novo.  É  difícil  ajustar‐se  à  conclusão  deste 
longo  capítulo,  e  saber  que  agora,  no  trecho  final,  não  haverá  mais  possibilidade  de  melhora:  as 
nuvens vão sempre se ajuntar de novo e o tempo já não vai mais curar, mas sim matar. 
Assim,  estes  fatos  inexoráveis  são  melhor  enfrentados,  não  na  idade  avançada,  mas  na 
mocidade,  quando  ainda  podem  nos  levar  à  ação,  aquela  reação  total  para  com  Deus  que  foi  o 
assunto do versículo 1, sem desespero e arrependimentos vãos. 
Nos versículos 3 e 4a o quadro muda.112 Já não é mais a noite que cai, nem a tempestade ou o 
inverno,  mas  uma  grande  casa  em  declínio.  Suas  antigas  glórias  de  poder,  estilo,  vivacidade  e 
hospitalidade podem agora ser percebidas apenas através do contraste com suas poucas e patéticas 
relíquias. Na corajosa luta pela sobrevivência há um lembrete da decadência quase mais perceptível do 
que a ruína total. Ainda faz parte do nosso próprio cenário; o  futuro nos aguarda e não podemos 
fugir ao envolvimento com esse seu aperitivo. 
Este  quadro,  na  minha  mente,  fica  mais  visível  na  sua  inteireza  e  não  quando  é 
laboriosamente  quebrado  nas  metáforas  que  o  constituem  (braços,  pernas,  dentes  humanos  e 
assim por diante) e que sem dúvida se encontram aí como se o poeta se houvesse expressado inade‐
quadamente. A casa que está em decadência revela‐nos a nós mesmos como nenhum catálogo ou 
inventário poderia fazê‐lo. 
Com a segunda metade do versículo 4, entretanto, o método muda, embora não a disposição. 
Já não há mais um simples esquema, mas metáforas separadas, particulares, que exigem, portanto, 
um estudo individual. 
No versículo 4b, a ER fala "no dia em que... nos levantarmos à voz das aves, e todas as filhas 
da música ficarem abatidas"; esta versão parece estar bem de acordo com o heb., com o sentido de 
abordar o despertar de um velho de madrugada.113 "Harmonias" (ERAB) pode, entretanto, significar 
as  filhas  da  música,  como  diz  o  hebraico;  de  qualquer  forma,  quer  o  entendamos  deste  modo  ou 
significando canções ou notas musicais, pouca diferença faz para o sentido do texto. 
Com a idade avançada, estas alegres evidências de um mundo vivo ao nosso redor tornam‐se 
distantes e frágeis; a pessoa já não se sente mais parte integrante de tudo isso. 
O versículo 5 acrescenta um toque novo ao quadro; primeiro através da observação de um 
homem idoso com medo de cair ou de ser empurrado, agora que já  não tem mais firmeza e anda 
devagar;  depois,  com  o  pequeno  conjunto  de  metáforas  que  nos  levam  a  meditar;  e,  finalmente, 
pelo  vislumbre  de  um  funeral  em  andamento.  Quanto  às  metáforas,  o  cabelo  branco  da  idade 
avançada é vivamente sugerido pela amendoeira que troca as negras cores do inverno por sua coroa 
de  flores  brancas.  A  falta  de  naturalidade  da  marcha  lenta  e  dura  do  velho,  uma  paródia  da 
flexibilidade e leveza da juventude, apresenta‐se através da visão incongruente de um gafanhoto, a 
personificação da leveza e a agilidade, arrastando‐se pesadamente em virtude de algum acidente ou 
do frio.114 A terceira metáfora é convenientemente interpretada para nós nas palavras e te perecer o 
                                                             
112 Alguns, entretanto, veriam uma simples estrutura de referências por todo o poema; por exemplo, uma alegoria anatômica 

do começo ao fim; ou uma impressão do inverno, da tempestade ou do anoitecer no que eles afetam o mundo da natureza e as 
atividades dos homens; ou a narrativa de uma família a caminho do velório na morte do seu patriarca. Quanto a discussões 
dessas teorias, veja os grandes comentários. 
113 Com a surdez, dificilmente ele será despertado ou assustado pelas aves; mas talvez a frase seja simplesmente uma 

observação de horário, como "ele acorda com as galinhas" para nós (cf. a BLH: "levantará cedo, quando os pássaros 
começam a cantar"). O heb. também daria lugar, apenas como uma possibilidade, à tradução: "Ele (isto é, a sua voz) tem o 
timbre da voz das aves"; mas seria uma maneira estranha de falar. 
114 A ERAB segue a interpretação de um verbo que significa "sobrecarregar‐se" ou "tornar‐se um peso", ao dizer: e o 

gafanhoto te for um peso. Neste caso, o significado é que, por menor que seja o fardo, é pesado para o idoso (Cf. a BV: 

 
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apetite  ou,  melhor  traduzidas,  "e  falhar  o  desejo"  (ER),  que  é  o  verdadeiro  sentido  da  expressão 
hebraica "e o fruto da alcaparra falhar". Esse fruto era altamente apreciado como estimulante do 
apetite e como afrodisíaco. A resposta do idoso Barzilai à oferta de Davi, que queria lhe dar um lu‐
gar na corte, tem sido citada freqüentemente por sua semelhança com todo este contexto: "Oitenta 
anos tenho hoje; poderia eu discernir entre o bom e o mau? Poderia o teu servo ter gosto no que 
come e no que bebe? Poderia eu mais ouvir a voz dos cantores e cantoras?"115 
Assim, no final deste versículo 5, o fluxo das metáforas é interrompido pela conversa explícita 
sobre o final da jornada do homem e sobre o funeral, a última cerimônia (aliás, sem efeito algum) que 
os  amigos  vão  realizar.  A  expressão  casa  eterna  refere‐se  aqui  apenas  ao  final  de  tudo,  e  não  da 
perspectiva cristã de uma "casa não feita por mãos, eterna, nos céus" (2 Co 5:1). 
É impressionante como as figuras do versículo 6 captam a beleza e a fragilidade da estrutura 
humana:  uma  obra‐prima  de  delicadeza  trabalhada  como  qualquer  obra  de  arte,  mas  tão  frágil 
quanto uma  peça de cerâmica e tão inútil no final quanto uma roda quebrada. A primeira metade 
deste  versículo  parece  descrever  um  candelabro  de  ouro  suspenso  por  uma  corrente  de  prata; 
bastará apenas que se quebre repentinamente um elo para que caia e se quebre. E se isto parece um 
quadro  sutil  demais  para  descrever  nosso  ser  tão  familiar,  temos  o  equilíbrio  da  cena  do  poço 
abandonado:  quadro  eloqüente  da  transitoriedade  das  coisas  mais  simples  e  mais  básicas  que 
fazemos.  Haverá  uma  última  vez  para  cada  caminhada  familiar,  para  cada  tarefa  rotineira.  No 
versículo  7  há  um  lembrete  da  tragédia  por  trás  desta  seqüência,  a  escolha  fatal  que  conduz  à 
sentença: 
"Porque tu és pó e ao pó tomaras."116 
Esta não é a única alusão que o escritor faz à queda do homem: já antes, em 7:29, ele havia 
colocado a culpa de nossa condição em seu devido lugar: "Deus fez o homem reto, mas ele se meteu 
em muitas astúcias." E se, aos nossos ouvidos, há uma nota de esperança no final do versículo 7, e o 
espírito volte a Deus, que o deu, certamente estamos querendo ouvir mais do que ele pretendia. Ele já 
levantou  antes  a  questão  de  uma  vida  após  a  morte,  e  recusou‐se  a  dizer  uma  coisa  dessas.117  O 
significado destas últimas palavras não precisam ir além do que diz o Salmo 104:29 a respeito dos 
homens  e  dos  animais:  "Se  ocultas  o  teu  rosto,  eles  se  perturbam;  se  lhes  cortas  a  respiração,118 
morrem, e voltam ao seu pó." Em outras palavras, a vida não nos pertence. O corpo reverterá ao seu 
próprio elemento; e o hálito da vida sempre pertenceu a Deus e a Deus cabe tomá‐lo. 
No versículo 8, portanto, tendo atrás de nós a experiência de todo o livro e à nossa frente o 
reforço  trazido  pelas  incisivas  figuras  deste  capítulo  acerca  da  mortalidade,  retornamos  à 
exclamação inicial, Vaidade de vaidade!, concluindo que ela tem razão de ser. Nada em nossa busca 
nos levou ao alvo; nada que nos seja oferecido debaixo do sol nos pertence de fato. 
Mas estamos esquecendo o contexto. Esta passagem mesma indica‐nos uma coisa além daquilo 
que está "debaixo do sol", nas palavras teu Criador, e nos convida a responder. Também nos aponta 
o presente como o  momento da oportunidade.  A morte ainda  não nos  alcançou: que  ela sacoleje 
suas correntes diante de nós e nos desperte para a ação! 

Eclesiastes 12:9­14 ­  
Conclusão 
 
O pensador como ensinador 
12:9  O Pregador, além de sábio, ainda ensinou ao povo o conhecimento; e, atentando e 
esquadrinhando, compôs muitos provérbios. 
10  Procurou o Pregador achar palavras agradáveis e escrever com retidão palavras de 
verdade. 
Afastamo‐nos  um  pouco  para  ver  a  pessoa  e  o  processo  que  se  escondem  por  trás  deste 
notável livro. As observações iniciais apontam para a parceria entre as idéias e a expressão, a busca e 
os  ensinamentos,  que  o  próprio  livro  ilustrou.  Vimos  como  os  capítulos  de  conselhos  práticos 
                                                                                                                                                                                              
"...anda se arrastando"). 
115 2 Sm 19:35. 
116 Veja Gn 3. 
117 3:21. 
118 Lit. "o espírito". É a mesma palavra que foi usada em nosso versículo. 

 
53
equilibraram  e  suplementaram  as  profundas  reflexões  por  eles  interrompidas.  O  que  surge  no 
restante destes dois versículos é a grande importância que o autor dá ao seu papel de ensinador. Ele 
não é o orgulhoso pensador que não tem tempo para as mentes menos privilegiadas; antes, aceita o 
ideal  desafiador  da  perfeita  lucidez.  Como  destaca  o  versículo  10,  é  preciso  ter  a  habilidade  e  a 
integridade, o encanto e a coragem de um artista e de um mestre para fazer justiça à tarefa. Na força 
deste único versículo, este homem poderia ser o santo patrono dos escritores. 
 
Ensinamentos penetrantes 
12:11  As palavras dos sábios são como aguilhões, e como pregos bem fixados as sentenças 
coligidas, dadas pelo único Pastor. 
12  Demais, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da 
carne. 
Eis  aí  mais  duas  qualidades  que  caracterizam  os  oportunos  ensinamentos  do  sábio:  eles 
despertam  a  vontade  e  se  fixam  na  memória.  Com  isto,  Coelet,  mestre  como  é,  paga  um  tributo 
involuntário ao maior de todos os mestres da sabedoria: nosso Senhor, cujas palavras apresentam 
estas duas marcas de maneira suprema, da mesma forma como ultrapassam o critério do versículo 
10,  de  "palavras  agradáveis"  e  "palavras  de  verdade".  Elas  casam  a  justeza  com  a  intrepidez, 
parceiras que não devem ser separadas. 
O que importa acima de tudo é que são palavras de autoridade. Com toda  a  sua  variedade  e 
evidente humanidade, elas são dadas aos sábios. Constituem uma unidade, e provêm de Deus. Este 
segundo termo aplicado a Deus, o único Pastor, é um complemento apropriado ao majestoso título 
do  versículo  1,  "teu  Criador".  O  Deus  "distante",  cuja  ordem  alcança  a  todos,  também  é  o  Deus 
"próximo",119 que conhece e pode ser conhecido, que nos fala com voz humana mas decisiva. 
O  curioso  é  que,  como  percebemos  no  versículo  12,  isto  não  nos  agrada. Nós nos tornamos 
viciados  na  pesquisa  propriamente  dita,  apaixonados  pelas  nossas  perguntas  mais  difíceis.  Uma 
resposta estragaria tudo. C. S. Lewis, em uma de suas confrontações no livro The Great Divorce (O 
Grande Divórcio), capta o tom e a qualidade desta atitude, à altura em que ela finalmente se apossa 
do  homem.  Nessa  cena,  na  fronteira  do  céu,  um  "pesquisador"  vitalício  é  convidado  a  entrar. 
Dizem‐lhe: 
"Não posso lhe prometer... qualquer campo de ação para os seus  talentos: apenas o perdão 
por havê‐los pervertido. Nenhuma atmosfera de pesquisa, pois vou introduzi‐lo na terra onde não 
há perguntas, apenas respostas, e você verá a face de Deus." 
"Ah! mas nós devemos interpretar essas belas palavras à nossa própria maneira! Para mim não 
existe resposta final. O vento livre da pesquisa  deve  continuar  sempre  soprando  através  de  nossa 
mente, não deve?"... 
...  "Ouça!",  disse  o  Espírito  Branco.  "Você  já  foi  criança.  Você  aprendeu  para  que  servia  a 
pesquisa. Houve um tempo em que você fazia perguntas porque queria respostas, e ficava satisfeito 
quando as encontrava. Torne‐se essa criança novamente, agora mesmo." 
"Ah! mas quando eu me tornei um homem eu deixei de lado as coisas infantis!120 
Nenhum  argumento,  nenhum  apelo  valerá  contra  esta  infinita  elasticidade.  O  encontro,  já 
infrutífero, acaba com o gentil sofista lembrando‐se de que tem um encontro; desculpa‐se, então, e 
corre para o seu grupo de debates no inferno. 
 
O ponto de chegada 
12:13  De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; 
porque isto é o dever de todo homem. 
14  Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam 
boas, quer sejam más. 
Até  agora,  nenhum  dos  nossos  caminhos  nos  levou  a  parte  alguma.  Eles  acabaram  muito 
antes  de  alcançarmos  qualquer  coisa  eterna  e  absoluta.  Mas  o  caminho  a  que  nos  trouxe  este 
capítulo aponta para Deus, o Eterno, para quem "a eternidade no coração do homem" (cf. 3:11) foi 
criada para ali habitar e gravitar: 
Se esta maneira de colocar as coisas destaca mais a necessidade do homem do que a exigência 
                                                             
119 Cf. Jr 23:23ss. 
120 C. S. Lewis, The Great Divorce (Bles, 1945), págs. 40ss. 

 
54
de Deus, estes dois versículos logo vão restabelecer o equilíbrio. Mas eles prazerosamente concedem 
ao elemento humano o seu devido direito, através das palavras porque isto é o todo do homem. É 
verdade que, entre outras cousas, é o seu dever; mas o heb. não diz isso; deixa esse todo indefinido. 
"Isto", como poderíamos traduzir, "é tudo o que o homem tem"; mas é um "tudo" que fica em total 
contraste com a "vaidade" com que nos tem confrontado o livro.  Aqui finalmente encontraremos 
realidade e nos encontraremos a nós mesmos. 
Não,  entretanto  (e  com  isto  o  equilíbrio  é  restaurado),  como  perfeccionistas  que  buscam 
para si o que é melhor, mas como servos apresentando‐se ao seu legítimo senhor. Teme a Deus é uma 
convocação  que  nos  coloca  no  nosso  devido  lugar,  e  a  todos  os  demais  temores,  esperanças  e 
perplexidades nos seus devidos lugares. 
O derradeiro versículo destaca o ponto que acabamos de apresentar, com um golpe final que 
é bastante forte para machucar, mas bastante inteligente para nos fazer sair da apatia. Acaba com a 
complacência, avisando‐nos de que nada passa despercebido e sem avaliação, nem mesmo as coisas 
que nós escondemos de nós mesmos. Mas ao mesmo tempo transforma a  vida. Se Deus  se importa 
tanto assim, então nada pode ser sem sentido. 
Esta é a verdade que já nos foi apresentada em 11:9; e, além do mais, ela dá colorido a todos 
os ensinamentos de Cristo, para quem nenhum detalhe aqui na terra poderia ser pequeno demais 
para  ser  importante  no  céu:  uma  palavra  fútil,  a  morte  de  um  pássaro,  um  copo  de  água  fria,  o 
arrependimento de um pecador. Foi isto também que incitou Paulo a ser insistente "a tempo e fora 
de tempo" e a concluir a sua carreira com alegria. Para qualquer outro senhor, ou para nenhum. 
"As nações labutam ‐ apenas para o fogo, e os povos se fatigam ‐ tudo para nada."121 
É  uma  coisa  totalmente  diferente  ficar  sob  as  ordens  de  um  senhor  que  se  importa 
profundamente tanto com o trabalhador como com o trabalho e cujo julgamento é infalível. 
Não  compete  ao  nosso  autor  pesquisar  mais  sobre  este  julgamento,  como  e  quando  será 
realizado. Há um lugar para isso. Mas há um lugar também, e é aqui, para o silêncio que chama a 
atenção para o simples fato da aprovação ou da desaprovação de Deus. Quando todos os detalhes 
tiverem sido concluídos, este continuará sendo o ponto crucial. Em torno disto e nada mais gira a 
questão:  se  "tudo  é  vosso"  (como  Paulo  o  colocou,  especificando  ainda:  "o  mundo  ...  a  vida  ...  a 
morte ... as cousas presentes ... as futuras")122 ou se, irremediavelmente, "tudo é vaidade". 
 
 
 
 
 
 
 
 

                                                             
121 Hc 2:13, conforme traduzido para o inglês por J. H. Eaton (Torch Bible Commentaries, SCM Press, 1961). 
122 1 Co 3:21ss. 

 
55
 

Terceira Parte 
E nós, o que temos a dizer?  
­ um epílogo 
 
O cristão pode acrescentar o seu amém a esta voz do Antigo Testamento. Nosso autor foi 
breve: podemos seguir o seu exemplo. Uma confissão, um poema, uma oração e uma das grandes 
perorações de Paulo serão suficientes para concluir este livro. 

A confissão é de Agostinho. Bastante conhecida para ser repetida, contudo poderia ter sido 
escrita como uma coda para este livro, em vez de um prelúdio à sua própria história: 

Tu nos fizestes para ti mesmo, 
e nosso coração não tem descanso até que repouse em ti 

O  poema  é  de  George  Herbert,  e  a  sua  adequabilidade  torna‐se  mais  e  mais  aparente,  à 
medida que se aproxima da sua perfeita conclusão. 

No começo, quando Deus fez o homem, 
tomando um cálice cheio de bênçãos, disse: 
Vamos derramar sobre ele o máximo possível 
para que as riquezas do mundo, que são dispersas 
contraiam‐se em um pequeno espaço. 
 
Assim a força foi a primeira a cair; 
então fluiu a beleza, a sabedoria, a honra e o prazer. 
Quando quase tudo já havia sido derramado, Deus fez uma pausa, 
percebendo que apenas um de todos os seus tesouros, 
bem no fundo, tinha restado. 
 
Se eu, disse ele, 
concedesse esta jóia também à minha criatura, 
ela adoraria os meus dons e não a mim, 
e confiaria na natureza, não no Deus da natureza: 
e ambos seriam perdedores assim. 
 
Deixemos‐lhe, contudo, o restante, 
mas com uma inquietação aflitiva: 
Que seja rico e exausto, para que ao menos, 
se a bondade não o orientar,  
a fadiga o impulsione ao meu seio, enfim. 
 

Esta oração foi escrita por William Laud: 

Permite, ó Senhor, que possamos viver no teu amor, 
morrer no teu favor, repousar na tua paz, 
ressuscitar no teu poder e reinar na tua glória; 
por amor do teu próprio Filho amado, 
Jesus Cristo, nosso Senhor. 
 

 
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A peroração é de 1Coróintios 15:54,58, aquela resposta final ao grito: “Vaidade!” 

E, quando este corpo corruptível se revestir de  
incorruptibilidade, e o que é mortal se revestir de  
imortalidade, então, se cumprirá a palavra que está escrita:  
Tragada foi a morte pela vitória. 
 
Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis  
e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que,  
no Senhor, o vosso trabalho não é vão. 
 
 

 
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A MENSAGEM DE ECLESIASTES 
Será que a vida é um absurdo, um caos, totalmente sem sentido?  
A função de Eclesiastes é levar‐nos ao ponto de 
ver que a vida parece ser sem sentido. "E realmente 
o é, se de fato tudo está morrendo. Defrontamo‐nos com 
a espantosa conclusão de que nada tem significado, 
nada vale a pena debaixo do sol. É então 
que podemos ouvir, como uma boa nova, que 
tudo vale a pena, que tudo tem sentido..." 
Com grande discernimento e clareza Derek Kidner leva o 
leitor a conhecer este livro do Antigo Testamento que 
fala de maneira tão poderosa à nossa geração. 
 
 
 
 
Derek Kidner foi deão da Tyndale House, em Cambridge. 
É autor de comentários bíblicos sobre Gênesis, 
Esdras e Neemias, Salmos e Provérbios,
e do livro A Mensagem de Oséias.
 
 
 
 

 
ABU EDITORA — LIVROS PARA GENTE QUE PENSA 

 
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