o Problema - Turato

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TURATO, Egberto Ribeiro.

Tratado da metodologia da pesquisa clínico-


qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada
e aplicação nas áreas da saúde e humanas. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
2003. 685p. Pag. 127-128.

1.2. Justificativas para a habilitação do proponente e para a institucionalização de


sua proposta de pesquisa

Recomendo a um pesquisador principiante, como aquele que deseja ser candidato


a uma pós-graduação, que, uma vez escolhido o Assunto, procure afunilá-Io
optando por realizar uma tese realmente monográfica, concordando assim com
um sábio princípio: mais se restringe o campo, melhor se trabalha e mais se
caminha num lugar seguro, como nos pontua Eco (1997: 23). Realmente, muitos
candidatos a um mestrado ou a um doutorado trazem em seus (ante)projetos
uma tal proposta de pesquisa que parece que estão mais desejosos de escrever
um tratado sobre o assunto escolhido do que um trabalho de tese. Creio que esta
postura inicial seja normal, pois as ideias vêm soltas na cabeça do pesquisador,
que faz associações livres com tantas outras, que a primeira proposta é de partir
para uma pesquisa extensa. Com o passar do tempo, porém, espera-se que haja
uma sedimentação dos ânimos e o candidato vá afunilando suas déias até chegar
a um assunto/tema convenientemente restrito.

Executar as tarefas que compõem um trabalho científico pode ser mais fácil do
que imagina um pesquisador principiante, desde que ele seja hábil em seguir o
que os cursos de metodologia dão como roteiro de pesquisa, verdadeiras receitas.
Aliás, o termo receita advém do latim recepta, "coisas recebidas", ou, mais
especificamente, fórmula ou indicação especial para se alcançar um resultado
(Ferreira, dicionário eletrônico). A receita mais usada pelos mestrandos e
doutorandos para a realização de seu trabalho científico costuma ser a
formulação metodológica e a organização de partes apresentadas em outras
teses: aquelas por eles "descobertas" e que empregam um modo de organização
que lhes parece interessante por vários motivos. Deste modo, não são apenas os
assuntos investigados, os métodos empregados e a literatura levantada que
passam a ser muito semelhantes, mas é, sobretudo, algo muito mais sutil: é o
modelo paradigmático que é mantido e que pode impedir a criatividade desejada
para um empreendimento em ciência. Passam a ser meros praticantes da
chamada ciência normal, segundo a concepção Kuhniana, questão que, devido à
sua extrema importância, merecerá comentários em parte própria deste tratado
(cap. 11, seção 3).

O indispensável mesmo parece ser articular com precisão os problemas, que não
precisam ser necessariamente novos, mas que devem ser enxergados sob novos
primas, como bem escreveu o grance cientista: Galileu formulou o problema
de determinar a velocidade da luz, mas não o resolveu. A formulação de
um problema é frequentemente mais essencial que sua solução, a qual
pode ser meramente uma questão de habilidade matemática ou
experimental. Suscitar questões novas, novas possibilidades, para
considerar problemas veIhos, de um novo ângulo, requer imaginação
criativa e marca o avanço real na ciência (Einstein & Infeld, 1966: 92). Na
mesma linha, lembro o epistemólogo Bachelard reforçando que, em primeiro lu-
gar, precisamos saber formular problemas para caracterizar o verdadeiro espírito
científico, o que não ocorre de modo espontâneo. Sendo todo conhecimento
científico uma resposta, dizia o filósofo francês em seu trabalho A formação do
espírito científico, publicado pela primeira vez em 1938: se não há
pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente.
Nada é gratuito. Tudo é construido (Bachelard, 1996: 18).

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