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DOI: 10.1590/1413-812320182412.

25092019 4473

Erosão orçamentário-financeira dos direitos sociais

Artigo Article
na Constituição de 1988

Budgetary-financial erosion of social rights


in the Constitution of 1988

Élida Graziane Pinto (https://orcid.org/0000-0003-0773-7446) 1

Abstract Throughout the three decades of the Fe- Resumo Ao longo das três décadas de vigência
deral Constitution, normative and fiscal redesigns da Constituição Federal, redesenhos normativos e
were introduced by the Union in the guarantees of fiscais foram introduzidos pela União nas garan-
solidary federative organization and of social ri- tias de organização federativa solidária e de cus-
ghts costing, under the pretext of safeguarding the teio dos direitos sociais, a pretexto de resguardar a
intertemporal sustainability of the Brazilian pu- sustentabilidade intertemporal da dívida pública
blic debt. In order to equalize the tension between brasileira. Para equalizar a tensão entre estabili-
economic stability and the effectiveness of social dade econômica e efetividade dos direitos sociais e
rights and their repercussion for the indebtedness sua repercussão para o processo de endividamen-
process, the health and education minimum spen- to, foram mitigados paulatinamente os pisos de
ding and the social security budget were gradually custeio da saúde e educação e o orçamento da se-
mitigated, which operated both in the symbolic guridade social, os quais operavam, tanto no cam-
field and in the pragmatic, as a kind of fiscal ba- po simbólico, quanto no pragmático, como uma
lance to the need for allegedly unlimited cost for espécie de contrapeso fiscal à necessidade de custo
monetary and cambial policies. Unlink taxes, alegadamente ilimitado para as políticas mone-
reduce the scope of minimum spending regimes tária e cambial. Desvincular receitas, reduzir o
and restrict the interpretative scope of intergover- escopo dos regimes de gasto mínimo e restringir
nmental equalization transfers of federative dis- o alcance interpretativo de transferências intergo-
tortions has become a strategy, assumed – directly vernamentais equalizadoras das distorções fede-
or indirectly – by the Union since the early 1990s, rativas tornou-se estratégia, assumida – direta ou
of macroeconomic stabilization policy, above all, indiretamente – pela União desde o início da dé-
monetary. Thus, a long and still ongoing process cada de 1990, de estabilização macroeconômica,
of budgetary and financial deconstruction of so- sobretudo, monetária. Assim tem sido empreendi-
cial rights has been undertaken, which restricts do um longo e ainda atual processo de desconstru-
the structural identity of the FC/1988, under the ção orçamentário-financeira dos direitos sociais,
pretext of increasingly demanding fiscal consoli- que restringe a identidade estrutural da CF/1988,
1
Procuradora do dation of the reduction of the size of the state. a pretexto de consolidação fiscal cada vez mais
Ministério Público de
Contas do Estado de São Key words Social rights, Financing, Constitu- exigente da redução do tamanho do Estado.
Paulo. Av. Rangel Pestana tion, Fiscal austerity. Palavras-chave Direitos sociais, Financiamento,
315, Centro. 01017-906 São Constituição, Austeridade fiscal.
Paulo SP Brasil.
egraziane@tce.sp.gov.br
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A despeito de não haver redução formal no rol de Desvincular receitas, reduzir o escopo dos
direitos sociais inscritos no art. 6º da Constituição regimes de gasto mínimo e restringir o alcance
de 1988, seus instrumentos de defesa, também co- interpretativo de transferências intergoverna-
nhecidos como garantias fundamentais, têm sido mentais equalizadoras das distorções federativas
submetidos a contínuo processo de esvaziamento tornou-se estratégia, assumida implicitamente
ao longo das três décadas de sua vigência. pela União desde o início da década de 1990, de
Tais garantias revelam-se como “imperativos estabilização macroeconômica, sobretudo, mo-
de tutela” aos direitos fundamentais e operam netária.
como deveres estatais de “proteção mediante a Interessante notar a trajetória da desvincula-
organização e o procedimento”1. Desse modo, ção de receitas da União (DRU) no Ato das Dis-
sua mitigação, direta ou indiretamente, tende a posições Constitucionais Transitórias (ADCT),
reduzir, pois, o arranjo operacional responsável cuja maior repercussão é a redução do saldo de
pela eficácia dos direitos sociais. contribuições sociais destinadas ao Orçamen-
A pretexto de recorrentes ajustes fiscais no to da Seguridade Social. A instituição da DRU
Brasil, redesenhos normativos sucessivos incidi- se deu por meio da Emenda Constitucional de
ram sobre dois pilares (a saber, vinculação orça- Revisão nº 1/1994, a pretexto de ser medida ale-
mentária e organização federativa solidária) que gadamente transitória e excepcional, mas, desde
deveriam garantir – em reforço recíproco – a di- então, foi sucessivamente prorrogada por meio
mensão objetiva dos direitos à saúde e à educação de 7 (sete) emendas ao ADCT para estender a sua
e o sistema da seguridade social. vigência até 31/12/2023 (Emendas n.º 10/1996;
Desde 1988, a tese primordialmente adotada 17/1997; 27/2000; 42/2003; 56/2007, 68/2011 e
pelos poderes políticos seria a de que as finanças 93/2016).
públicas tenderiam a um suposto desequilíbrio Por outro lado, cabe rememorar o esvazia-
intertemporal por força do comportamento das mento da responsabilidade de equalização fiscal
despesas primárias, sem que se avaliasse conco- da União em face dos entes subnacionais nas po-
mitantemente o fluxo das despesas financeiras2 líticas públicas de educação e saúde, cujo arranjo
e a trajetória regressiva das receitas tributárias3 e orgânico constitucionalmente pressupõe rateio
das renúncias fiscais. federativo de recursos na forma tanto do Fun-
Assim, desenrolaram-se dezenas de emendas do de Desenvolvimento da Educação Básica e de
constitucionais que tiveram – direta ou indireta- Valorização dos Profissionais da Educação (Fun-
mente – escopo de reduzir o arcabouço normati- deb), quanto do Sistema Único de Saúde (SUS).
vo que rege o custeio dos direitos fundamentais A omissão federal quanto ao dever de com-
na Constituição Federal. A justificação de tais plementação equitativa na educação básica obri-
iniciativas sustentava que seriam mutuamente gatória afronta o art. 211, §1º da Constituição, o
excludentes as políticas de estabilização mone- art. 60 do ADCT e as estratégias 7.21, 20.6 e 20.7
tária, câmbio flutuante e resultado primário te- do Plano Nacional de Educação (Lei federal nº
oricamente capaz de estabilizar a trajetória da 13.005/2014). Tal omissão já foi diagnosticada,
dívida pública (que perfazem o assim chamado embora não totalmente sanada, pelas instâncias
tripé macroeconômico), de um lado, e a garantia de controle, como se depreende das Ações Cíveis
de direitos sociais no Estado de Bem-Estar alme- Originárias nº 648, 660, 669 e 700 – julgadas con-
jado constitucionalmente para o país, de outro. juntamente procedentes pelo Supremo Tribunal
Assim como se fossem antípodas em dispu- Federal (STF) – e dos Acórdãos nº 618/2014,
ta no orçamento geral da União, a tensão entre 906/2015, 1897/2017, 717/2019 e 1656/2019, pro-
estabilidade econômica e efetividade dos direitos feridos pelo Plenário do Tribunal de Contas da
sociais se situava sobre frágil equilíbrio jurídico União (TCU).
-institucional, com repercussão direta ou indire- Na saúde, a falta de consolidação das pactu-
tamente para o processo de endividamento. ações federativas celebradas na Comissão Inter-
Dada a existência mal equacionada de inú- gestores Triparte para aprovação do Conselho
meros conflitos distributivos incidentes sobre Nacional de Saúde e publicação pelo Ministério
as contas públicas, os pisos de custeio da saúde da Saúde restringe nuclearmente o alcance do
e educação e o orçamento da seguridade social art. 198, §3º, II da Constituição, tal como consig-
operavam, tanto no campo simbólico, quanto no nado pelo Acórdão 2888/2015, também do TCU.
pragmático, como uma espécie de contrapeso fis- Some-se a isso o fato de que o piso federal em
cal à necessidade de custo alegadamente ilimita- ações e serviços públicos de saúde – fixado ini-
do para as políticas monetária e cambial. cialmente pelo art. 55 do ADCT em 30% (trinta
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por cento) do Orçamento da Seguridade Social de serviços de interesse geral. A melhor maneira
– foi redesenhado de forma reducionista pelas de o conseguir consiste na criação de instrumen-
Emendas 29/2000, 86/2015 e 95/2016, o que fez tos – de preferência, consagrados na constituição –,
com que a participação proporcional da União como o “travão ao endividamento”, que restringem
no custeio do SUS caísse em quase 25% (vinte a soberania dos eleitores e dos futuros governos
e cinco por cento) no volume global de recursos no que diz respeito às finanças públicas. [...] Em
públicos vertidos pelos três níveis da federação4,5. princípio, está em causa um problema central do
Por fim, mas não menos importante, vale o direito das insolvências, projetado para a política
registro da Arguição de Descumprimento de Pre- financeira estatal: que direitos têm prioridade em
ceito Fundamental nº 523, intentada pela maio- caso de falência?7
ria dos governos estaduais contra a ausência de O que está em disputa, estruturalmente, é a
repartição federativa, nos moldes do art. 159 da interpretação sobre o alcance das normas que
Constituição de 1988, da parcela de contribui- tanto distribuem responsabilidades federativas
ções sociais que deixaram de ser destinadas à se- em arranjos orgânicos para consecução de políti-
guridade social por força da DRU. cas públicas; quanto fixam vinculações de receita,
Eis o contexto em que é preciso reconhecer, deveres de gasto mínimo em saúde e educação e
como dois lados da mesma moeda, a regressivi- um orçamento especializado na seguridade so-
dade proporcional de custeio dos direitos fun- cial. A esse respeito, é preciso ter claro o diagnós-
damentais por parte da União, de um lado, e a tico de que:
fragilização da equitativa descentralização de res- [...] o serviço de juros constrange as políticas
ponsabilidades e repasses federativos que ampa- públicas do governo central, pois obriga a manter
ram políticas públicas definidas estruturalmente superavit primário compatível com a trajetória
no texto constitucional, de outro. sustentável dos indicadores da dívida pública elei-
Na série histórica dos seus trinta e um anos tos pelo mercado financeiro.
de vigência, depreende-se um implícito processo [...] Nesse quadro, a existência de vinculações
de desconstrução do constitucionalismo dirigen- dos gastos com programas sociais, saúde, educa-
te assumido na CF/1988, a pretexto de consolida- ção e previdência funciona como um mecanismo
ção fiscal cada vez mais exigente da redução do de contrapeso, que amortece a pressão da meta
tamanho do Estado. Eis o processo de inversão de de superavit primário e sua realização no proces-
prioridades alocativas definidas constitucional- so orçamentário da União. O conflito distributivo
mente, quiçá esteja-se diante de toda uma “cons- que se expressa no OGU é resolvido por meio de
tituição dirigente invertida”6. um efeito de deslocamento interno (crowding out)
Tal trajetória foi criticamente acentuada des- dos recursos no orçamento federal, que comprime
de a promulgação da Emenda 95, de 15 de de- outras despesas discricionárias e, especialmente, o
zembro de 2016. Isso porque o supostamente investimento público. As vinculações são sintoma
transitório e excepcional “Novo Regime Fiscal” do acirramento do conflito distributivo no processo
impôs vintenário teto global de despesas primá- orçamentário da União, na presença de um elevado
rias, no intuito de conter, sobretudo, a progres- custo fiscal da gestão da dívida pública.
sividade de custeio proporcional à arrecadação A aprovação da Emenda Constitucional (EC)
estatal nas ações e serviços públicos de saúde e nº 95/2016, que congela o crescimento real das des-
nas atividades de manutenção e desenvolvimen- pesas primárias por no mínimo dez anos, radica-
to do ensino (respectivamente arts. 198 e 212 da liza a centralidade do serviço de juros no processo
Constituição). orçamentário da União. O regime fiscal criado por
Trata-se de constitucionalizar a orientação essa EC prevê uma redução gradual e impositiva
finalística de a execução orçamentária dever da despesa primária do governo central no PIB em
produzir resultado primário positivo, por meio termos reais e, consequentemente, o aumento do
da contenção global das despesas primárias até superavit primário no período de sua vigência. A
2036, alegadamente em prol da sustentabilidade política fiscal brasileira fica condicionada ao teto
intertemporal da dívida pública brasileira. Como dos gastos primários impositivo e ao regime de me-
bem suscita Streeck7, tas do superavit primário8.
O objetivo principal dos credores dos Estados Enquanto isso, nenhum avanço efetivo houve
no conflito com os seus cidadãos consiste em garan- no regramento dos limites para a dívida mobiliá-
tir que, em caso de crise, é dada prioridade aos seus ria e consolidada da União (em omissão incons-
direitos sobre os direitos do povo do Estado – prio- titucional quanto aos arts. 48, XIV e 52, VI da
ridade do serviço da dívida em relação à prestação CF); na relação temerária entre Tesouro e Banco
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Central (cujos custos e riscos fiscais das políticas (3) a concessão ou a ampliação de incentivo
cambial e monetária são mal equalizados no ci- ou benefício de natureza tributária.
clo orçamentário); tampouco na contenção das Cabe rememorar, a esse propósito, que, diante
renúncias fiscais, a despeito do art. 14 da Lei de do risco que se antevia, desde 2018, de ruptura da
Responsabilidade Fiscal e do art. 113 do ADCT, “regra de ouro” inscrita no art. 167, III da Cons-
acrescido pela Emenda 95. tituição, é que os §§3º e 4º do art. 21, bem como
A bem da verdade, essa tensão não é privativa os artigos 116 e 139 da Lei de Diretrizes Orça-
da realidade brasileira, tampouco corresponde a mentárias da União para 2019 (Lei 13.707/2018)
um fenômeno recente. O questionamento do ar- dispuseram acerca da necessidade de regramento
cabouço protetivo do Estado de Bem-Estar Social detido sobre a redução das renúncias fiscais, ao
(tal como fora construído por inúmeras nações longo deste exercício financeiro, mediante:
democráticas em todo o mundo) tem ocorrido, (1) prazo de vigência para cada benefício (em
desde a década de 1970, a partir da agenda de regra, não superior a cinco anos);
austeridade fiscal que busca lhe reduzir escopo (2) cronograma para aludida redução “em
em prol da primazia de custeio das despesas fi- pelo menos dez por cento ao ano e que o respec-
nanceiras: tivo ato seja acompanhado dos objetivos, metas e
[...] enquanto se puder confiar na capacidade indicadores relativos à política pública fomenta-
de os Estados pagarem aos seus credores, o finan- da, bem como da indicação do órgão responsável
ciamento parcial permanente da atividade dos Es- pela supervisão, acompanhamento e avaliação”,
tados através do endividamento é mesmo do inte- visando à meta global de redução à metade do
resse dos proprietários dos recursos monetários. O estoque de renúncias fiscais no nível federal, para
triunfo dos vencedores na luta pela distribuição no que
mercado e na luta com a repartição de Finanças só (3) “a renúncia total da receita, no prazo de 10
será total quando puderem investir de forma segu- (dez) anos, não ultrapa[ssa]sse 2% (dois por cen-
ra e lucrativa o capital que ganharam ao Estado to) do produto interno bruto”, já que, em 2017,
e à sociedade. Por isso, eles têm interesse num Es- chegara ao patamar de 4% (quatro por cento) do
tado que não só deixe o seu dinheiro na sua posse PIB, tal como diagnosticado nas contas anuais da
[mediante redução geral da carga tributária ou por Presidência da República pelo TCU.
meio de renúncias fiscais], mas também o absorva, Em igual medida, a LDO federal/2019 pre-
depois, na forma de crédito, que o guarde de forma viu, em seus artigos 147 e 148, a necessidade de
segura, que, ainda por cima, lhes pague juros pelo o Banco Central elucidar, de forma mais detida
dinheiro emprestado (em vez de confiscado [pela e abrangente, não só a análise e justificativa da
via tributária]), e que, por fim, lhes proporcione a evolução das operações compromissadas no pe-
possibilidade de transferir este dinheiro para a pró- ríodo, como também o impacto e os custos da (1)
xima geração da sua família – pagando um impos- remuneração das disponibilidades do Tesouro
to sucessório que há muito se tornou insignificante. Nacional; (2) manutenção das reservas cambiais,
Deste modo, o Estado, enquanto Estado endivida- demonstrando a composição das reservas inter-
do, contribui significativamente para a perpetua- nacionais com metodologia de cálculo de sua
ção da estratificação social e da desigualdade social rentabilidade e do custo de captação; bem como
daí decorrente, ao mesmo tempo que se submete, a (3) rentabilidade de sua carteira de títulos, des-
bem como à sua atividade, ao controle por parte tacando os de emissão da União.
dos seus credores, que aparecem sob a forma de Em esforço de refinamento dos deveres já
“mercados”7. inscritos no artigo 7º, §2º e no artigo 9º, §5º,
Caso houvesse equidade no debate brasileiro ambos da LRF, a LDO federal de 2019 apontou
sobre ajuste intertemporal nas contas públicas contundentemente para a centralidade dos cus-
para torná-lo consonante com o ordenamento tos das operações compromissadas e das reservas
constitucional vigente e enquanto não forem fi- internacionais para os resultados das políticas
xados os limites de endividamento federal a que cambial, monetária e creditícia conduzidas pelo
se referem o art. 48, XIV e art. 52, VI da Consti- Banco Central.
tuição Federal, deveriam ser vedadas: Nada disso, porém, avançou – de fato e de
(1) a criação ou expansão de programas e li- direito – no ordenamento das finanças públicas
nhas de financiamento, brasileiras. Houve tão somente fugacidade no
(2) a remissão, renegociação ou refinancia- diagnóstico de que era preciso ampliar as rotas
mento de dívidas que impliquem ampliação das de ajuste fiscal, mas, infelizmente, tais medidas de
despesas com subsídios e subvenções e resolução no controle das renúncias fiscais e das
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despesas financeiras ainda estão por serem pre- cional e normativa para a gestão da dívida pú-
vistas conjuntamente com um plano amplo de blica:
equalização da “regra de ouro” e, portanto, não O efeito da inércia do arranjo institucional de
saíram do papel das meras “diretrizes orçamen- gestão da dívida pública e das suas complementa-
tárias”. ridades é o elevado custo fiscal do serviço de juros
Embora seja inegável a necessidade de apri- suportado pelo Estado brasileiro. Esse custo com-
moramento da qualidade do gasto primário para prime o gasto social e o investimento público das
sua maior aderência ao respectivo planejamento três esferas de governo, além de reduzir o espaço
setorial, em termos de metas físicas e financeiras, de formulação e execução das políticas públicas e,
bem como seja imperativa a busca por controle portanto, do próprio espaço público de discussão
de produtividade mínima dos servidores públi- democrática da aplicação dos recursos dos tributos
cos na despesa de pessoal, “a fragilidade fiscal carreados da sociedade8.
estrutural do Estado brasileiro não se esgota no Sem se ampliar o enfoque do ajuste fiscal para
problema do crescimento das despesas primárias, que ele passe a compreender também os impas-
especialmente aquelas classificadas como gasto ses na gestão das receitas e das despesas financei-
social”8. ras, somente se empreenderá – de forma ainda
A raiz do impasse fiscal brasileiro reside na mais veloz e evidente – a erosão orçamentário-
falta de coordenação entre as políticas fiscal, mo- financeira dos direitos sociais, em desconstrução
netária e cambial, com severa fragilidade institu- do eixo de identidade da Constituição de 1988.
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Artigo apresentado em 01/04/2019


Aprovado em 12/07/2019
Versão final apresentada em 27/08/2019

CC BY Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons

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