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Coordenação Editorial
José Carlos Junior & Luciene Franco
Editoração Eletrônica
Rejane Megale Figueiredo
Revisão
Lara Alves
Capa
Rejane Megale Figueiredo
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Notas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
Introdução
Crença na Superioridade
Religião
Os habitantes dos EUA no século XIX não tinham grau elevado de estu-
dos e escolaridade, sua base de conhecimentos era limitada. Se havia alguns
escrevendo, baseado em textos bíblicos, com interpretações adaptadas para
certas circunstâncias, falando em púlpitos sobre uma realidade, mostrando
erros de um grupo e acertos do outro, e que Deus estaria por trás disso tudo,
claro que haveria uma tendência de os habitantes do país ao norte aceitarem
que estavam no caminho correto e não o outro lado da fronteira. E, para
completar essa crença, o norte do continente estava ficando mais rico e prós-
pero que o sul, e também havia menos problemas ou infortúnios naturais. Se
assim acontecia, é porque havia um Deus que assim fazia, premiava um povo
que estava no caminho correto e não o outro. Também a errada religião na
América Latina levava a governos ineptos e se tinha um povo politicamente
passivo. (3) Teve gente dali propondo que qualquer tratado de comércio
que se estabelecesse entre os EUA e uma república latino-americana tivesse
artigo para garantir a liberdade religiosa. Com isso os protestantes poderiam
evangelizar ou ajudar no crescimento dos povos da região, acreditavam que
as nações católicas no mundo estavam atrás das que professavam o protes-
tantismo. (4) Acreditavam ainda que possuíam uma cultura superior. (5)
Com tudo isso, o norte-americano teria mais respeito e atitude positiva
para o trabalho, a frugalidade, a educação, o mérito, o trabalho comuni-
tário e o senso de justiça, influência do protestantismo anglo-saxônico. A
América Latina, influenciada pela igreja católica, não dá prioridade àqueles
valores, e ainda a região é filha da Espanha e de Portugal. A Espanha, desde
a expulsão dos mouros da Península Ibérica, se colocou como a defensora da
fé católica. O mundo caminhava em outra direção com as reformas protes-
tantes, e a Espanha se volta mais ainda para o catolicismo. A igreja católica,
em reação aos avanços do protestantismo na Europa, quer o retorno à época
de ouro do catolicismo, que ficara lá atrás, e são essa postura e vontade que
virão para a América Latina. Parte da igreja católica na Europa vai se adap-
tar aos novos tempos no confronto com os protestantes. Para as colônias,
no entanto, vieram as ideias de uma igreja que já estava sendo mudada até
mesmo na Europa.
Foi até criado um paralelo para tentar explicar os motivos por que a
América do Norte protestante se desenvolveu e a América Latina não. (6)
A sociedade norte-americana, filha do protestantismo, é considerada pro-
gressista e a católica tradicional. A primeira acredita no futuro, a outra dá
mais valor ao presente e ao passado. Na de lá o trabalho é uma arma que
levaria ao autorrespeito e à satisfação pessoal. Na outra o trabalho é um mal
necessário e a satisfação pessoal se daria fora do trabalho. O paralelo procura
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 13
tina atuava errada no aspecto político e econômico por causa de sua crença
religiosa, não teria o suporte no verdadeiro Deus. Não haveria na região base
para o desenvolvimento dos princípios democráticos e econômicos.
A diferença entre as religiões foi também trabalhada por Max Weber
em The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, de 1904. (7) Ele mostra
que a ética protestante enfatiza o trabalho, a honestidade, a racionalidade e
a austeridade, principalmente a corrente calvinista que acreditava que Deus
abençoava ou estava ao lado daqueles que têm ganhos materiais nesta vida.
Por outro lado o catolicismo acredita mais na outra vida e não estaria muito
preocupado com as questões éticas. Os católicos podem pecar quantas vezes
quiserem e o perdão viria com a confissão. Fato inconcebível para os protes-
tantes, deveriam se aperfeiçoar nesta vida e não somente esperar a outra.
Condenava a crença católica de acreditar que a vida na Terra era uma passa-
gem de sofrimento na espera de se ir para outra e que ser pobre seria um dos
meios para a salvação eterna. Nada mais anticapitalista. Se a pessoa nesta
vida não consegue crescer materialmente é porque Deus não quis, e se não
quis é que há alguma coisa errada com ela. Se, por outro lado, alguém cresce
materialmente, é porque Deus assim quis, e se quis seria lógico admitir que
Ele a levaria para a outra vida, mais até do que aquele que não adquiriu nada
nesta vida porque Deus não lhe dera suporte. Max Weber (8) liga a questão
da racionalidade e da ética aos protestantes calvinistas com o capitalismo e a
prosperidade econômica e que o catolicismo (e outras religiões) ficaram para
trás por sua crença fatalista em outra vida.
A crença religiosa de outra vida na América Latina, numa região em
que não havia classe média, talvez tenha sido para colocar a maioria da po-
pulação numa posição de resignada contemplação e aceite desta vida como
ela é. (9) Até mesmo se glorifica a pobreza, uma criação divina às avessas do
pensamento norte-americano. No período colonial na América Latina ou
até mesmo depois da independência a crença regional era de que tudo o que
se ganha é porque Deus quis, nem adianta se esforçar ou trabalhar muito.
E se havia união íntima entre Estado e igreja, a elite não ia contrariar ensi-
namentos religiosos para se criar riqueza, tendem a se acomodar com o que
têm. A elite torna-se subserviente e ligada aos políticos, (10) acaba havendo
uma troca de favores nesse arranjo, e quem está no governo tira também a
sua parte na rapina aos cofres públicos. O patrimonialismo entra nessa his-
tória, onde grupos entendem que têm direito de tirar nacos econômicos do
poder público.
Os contatos das pessoas nos EUA com os latino-americanos se davam
no momento de mudanças naquele país. Crescimento econômico, associado
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 15
não seria possível florescer bases sólidas tanto na política como na econo-
mia. Se o catolicismo adora ídolos chegavam a associá-lo aos ritos pagãos de
religiões do passado ou os colocava ao lado do paganismo dos índios que o
norte-americano estava conquistando na América do Norte. (16)
Os protestantes do período fazem também ataques ferozes sobre a atu-
ação dos padres na América Latina. Os pastores protestantes tinham força
nas comunidades do norte, mas não na proporção que tinham os padres mais
ao sul. Só a instituição do confessionário já seria uma demonstração dessa
diferença, ficavam sabendo o que acontecia no cotidiano e no íntimo das
pessoas e famílias. Com esse tipo de informação, associado a outros aspectos
de conhecimento da vivência de uma comunidade, o poder do padre era
catapultado para o alto. Os protestantes, mais uma vez, não concordam que
um ser humano possa perdoar outro de seus pecados, e que o perdoado pode
voltar a pecar novamente. Tudo, depois de confessado, estaria perdoado.
Cria-se uma sociedade quase sem obrigações, mais tolerante com erros e ví-
cios, que era só errar, ajoelhar frente a um padre, penitenciar-se, que estava
limpo outra vez. Missionários e homens de negócios que viajavam pela região
também mostravam a licenciosidade dos padres, tendo alguns deles amantes
e filhos. Num clima de desconfiança criado desde a Europa na luta entre
protestantes e católicos, até mesmo os padres virtuosos ou que cumpriam
suas obrigações religiosas com zelo desapareciam no meio dos erros dos ou-
tros. (17) A força do padre na América Latina levaria as pessoas da região a
vê-los, pelo menos lá atrás em sua história, como gente de alto calibre moral,
virtudes e sabedoria. Associado à sua força sobre as ações espirituais ter-se-ia
alguém com uma presença desproporcional perante os outros de uma comu-
nidade. E se uma figura assim estava ligada ao Papa e a Roma a coisa seria
complicada para um país. E, para piorar, essa ligação era forte também com
a coroa espanhola ou portuguesa, uma situação nada boa para os habitantes
da América Latina. Aceites e crenças que vão se firmando no imaginário das
pessoas nos EUA.
Nos seus ataques à fé católica os protestantes condenavam também a
quantidade de entidades de caridade que a igreja mantinha. Diziam que o
excesso com essas ações acaba amolecendo o espírito de competição que
o indivíduo deve possuir, cada um deve buscar na competição o que lhe é
de direito. Uma crença como essa sugere que o sentido capitalista já esta-
va na base daquela sociedade. O protestante norte-americano não aceitava
também a quantidade de festas religiosas, procissões e dias santos que havia
na América Latina. Seria quase barbarismo adorar santos em procissões e
cânticos pelas ruas de uma cidade. Achavam que os gastos com as festas
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 17
eram exagerados. Afirmam, com algum exagero, que isso seria um dos mo-
tivos para o não acúmulo de capital na região, as festas drenavam os poucos
recursos da área. Pagavam os ricos e também os menos ricos, e no final um
dinheiro que poderia ser aplicado em coisas mais produtivas para o progresso
da comunidade desaparecia nas festas aos santos. Para pessoas do protestan-
tismo, seja da Europa ou dos EUA, era um absurdo povo na rua em procissão
ao lado da estátua de um santo numa festa religiosa que durava dias e ainda
com abuso de bebidas. Coisa de um mundo pagão, quase selvagem, agindo
assim a região seria contra o progresso material. (18)
O norte-americano defendia ainda que povo desenvolvido conquistava
o meio ambiente, derrubava florestas e construía riquezas. Não podiam acei-
tar um povo de religião que acreditava em forças da natureza, e, que se co-
locava perante ela com veneração. Essa atitude, levada por crença religiosa,
criaria um povo contemplativo, esperando que as coisas acontecessem. Não
se vai à luta para buscar na natureza, com suporte num Deus verdadeiro,
o que fosse necessário para o crescimento humano. (19) Dominar o meio
ambiente seria uma exigência de Deus; conquistar terras, matar animais,
tentar civilizar índios e, se não der certo, tirá-los do caminho da civilização.
A conquista da natureza a qualquer custo, que hoje seria condenada, esta-
va estribada em arraigada crença religiosa. Essa maneira de encarar a vida
era aceita pela elite, e muito mais ainda pelo homem comum. Dominar o
meio ambiente seria uma espécie de renascer para a vida, característica do
protestantismo; que no catolicismo o batismo da pessoa já resolve isso, ela
renascia ali, não precisava mais de outro renascer. Os protestantes veem de
forma diferente, acham que renascer (born again) é um retorno às origens e
que, nessa conquista interior, o indivíduo pode caminhar para a perfeição, e
dominar o meio ambiente seria um dos instrumentos nessa busca. O latino-
americano, por sua incapacidade de conquistar e dominar terras, não teria a
chance de renascer outra vez. (20) Espichavam essa interpretação além da
conquista da terra: esse fato inculcaria no indivíduo deveres morais e senso
de propriedade. Sem esses valores não se chegaria à civilização.
Há ainda a ligação entre religião e avanço tecnológico. (21) Os protes-
tantes, livres de ritos, santos, magias religiosas, aceitariam o progresso tecno-
lógico. Seria, outra vez, desejo de Deus, e com esses instrumentos se podia
conquistar a natureza, o que daria acúmulo de riquezas e avanços na vida.
Deus queria que as pessoas vencessem nesta vida, não ficassem esperando
pela outra. Imagine um pastor protestante pregando que na Bíblia, nessa ou
naquela passagem, Deus estava dizendo que o que eles estavam fazendo seria
o correto. Quem não fizesse assim não estaria se fazendo merecedor de Deus
18 Alfredo da Mota Menezes
nesta Terra e, como consequência, teria dificuldades para a outra vida. Era
um incentivo monumental ao avanço sobre novas terras.
Há, no caso, uma diferença entre o que pensava a gente da América
Latina e a dos EUA. A religião teria dado base para o que as duas partes
da América sejam até hoje. A colocação ou interpretação é dura e direta: a
religião na América Latina atrapalhava o progresso, o avanço tecnológico,
a conquista da natureza, o acúmulo de riqueza e propriedade. Não era uma
região que se desenvolveria economicamente. Daí muitos protestantes acre-
ditarem que seria quase uma missão divina ajudar o povo deste pedaço do
mundo. Não fizeram nada disso, mas alguns alimentaram essa ideia de que
a igreja católica fracassara em ajudar o ser humano nesta vida, e que a saída
seria abraçar o protestantismo e suas supostas virtudes.
Continuam as diferentes análises sobre as religiões nas duas Américas.
Alexis de Tocqueville que, com seu livro, Democracia na América, virou
uma espécie de sumo sacerdote da interpretação dos EUA do século XIX,
(22) diz que a América do Norte foi povoada por pessoas que sacudiram an-
tes a autoridade do Papa, e levou para aquele lugar uma forma nova de cris-
tianismo que trazia bases de democracia. Essa forma nova contribui para se
criar a República e a democracia. Thomas Jefferson dizia (23) que a América
Latina tinha sido dominada pelo catolicismo, e que isso faz o latino-america-
no não estar preparado para governos representativos. Em 1817, momento
em que a América Latina se emancipava da Espanha e de Portugal, escreveu
que a região não estava preparada para a independência, eram incapazes de
se autogovernar e que os países cairiam nas mãos de militares déspotas.
Simon Bolívar tinha quase igual pensamento pelo que escreveu em 1830,
ano de sua morte. Achava que a região não estava preparada para governar-
se e que cairia em mãos de pequenos tiranos. Bolívar também acreditava nas
virtudes da cultura anglo-protestante e nos graves problemas da herança
ibero-católica. (24) Autores latino-americanos, como Domingo Faustino
Sarmiento, Francisco Miranda e Salvador Mandieta, ajudam na montagem
de uma América Latina complicada porque sua base cultural era católica,
não estaria preparada para ter bons governos se não mudasse seus costumes
e atitudes. Falavam que, quando na Inglaterra nascia a liberdade religiosa,
renovando as coisas do espírito, a Espanha estava fazendo o contrário, com
mais intolerância, inquisição e a forte presença dos jesuítas, e tudo em ínti-
ma relação com poderes seculares despóticos. Esses comentários eram lidos
e ouvidos nos EUA. Se muitos intelectuais da América Latina criticavam a
região, aumenta a percepção nos EUA de que se estava diante de um fato
verdadeiro, um caso quase perdido.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 19
Raça
O índio na história dos EUA tem lugar de destaque, já estava ali quan-
do chegaram os brancos colonizadores. Foram deixados de lado por muitos
anos, depois houve a expansão para o oeste e veio o choque, uma civilização
conquistou a outra. Houve, por algum tempo, uma discussão nos EUA sobre
esse contato entre povos diferentes, uns achando que a cultura indígena,
sem malícia e ganância, era pura e mais perto do que queria Deus. A maio-
ria, ao contrário, os vendo como barreira ao progresso. Os índios deviam ser
civilizados ou dizimados. Prevalece a ideia da conquista e afastamento deles
do caminho do desenvolvimento. Eram considerados pagãos e não prepara-
dos para crescerem economicamente, seres humanos de segunda categoria.
(29) Também os índios não gostam de trabalhar e as tarefas mais duras do
dia a dia seriam feitas pelas mulheres. O índio não acumulava riqueza e
isso estava em suas crenças religiosas. (30) São pobres mesmo vivendo em
lugares que poderiam fazê-los ricos por terem minérios ou terras boas para
plantios. Isso, na visão do norte-americano do período que acreditava no
princípio do homem dominar a natureza e se enriquecer dela, não era aceito.
Mas, para se chegar ao que ficou depois, houve antes choques e guerras, e
em algumas delas os índios levaram vantagens. Era até pior para eles quando
isso acontecia.
Os norte-americanos acham ainda que tiveram sorte em não encontrar
em seu território civilizações indígenas mais avançadas ou sedentárias, seus
índios eram nômades. Não se teve no norte que se conquistar um povo com
uma cultura maior e mais sedimentada, o que é mais complicado. Nos EUA
havia menos índio que no sul do continente, até isso é debitado como bên-
ção divina. Em parte da América Latina ocorreu o contrário e os coloniza-
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 21
tema. Havia lugares nos EUA que proibiam em lei que houvesse união entre
raças diferentes. O pouco que houve ali foi na longínqua fronteira entre al-
guns brancos e índios, fato considerado anormal. Talvez possa ser dito que o
mestiço tenha sido mais vitimizado pelos EUA que o índio. Ao redor deste,
depois de sua quase dizimação, ainda se levantam alguns pontos positivos.
Sobre o mestiço o ataque é constante. Teses “científicas” (37) diziam que
crianças que nasciam de pais mestiços herdavam as piores qualidades deles
e sepultavam suas virtudes. Pessoas nos EUA, mais tarde, se recusavam a
ver como igual gente que eles classificam como resultado de mistura de raça
(38). Apareciam livros que pregavam verdades absolutas sobre a questão da
raça e que influenciavam o governo dos EUA e a maioria da nação. Falam da
mistura de raça na América Latina como gente de classe inferior e dominada
por uma igreja católica corrupta. (39)
A imigração nos EUA estava crescendo e como uma reação a esses no-
vos habitantes o assunto racial se mostrou ainda mais agudo. Alguns arguiam
que os EUA estavam recebendo gente nada melhor do que os mexicanos,
ou que o norte-americano estaria perdendo sua pureza, degenerando-se por
causa do grande número de imigrantes inferiores. Como não estavam gostan-
do da qualidade dos imigrantes que chegavam ali, colocavam-nos na escala
dos mexicanos, que para muitos estava no pé da pirâmide racial. (40) Gente
dali não acreditava que Brasil e Argentina, que estavam recebendo grande
número de imigrantes, pudessem melhorar a situação social desses países. E,
para piorar, esses imigrantes seriam de qualidade europeia inferior, (41) por-
tugueses e espanhóis não poderiam ser comparados com os anglo-saxônicos,
não tinham a energia e a força de vontade do outro. Na união desse povo de
qualidade inferior da Europa com índios e negros tem-se a fotografia como
os EUA viam os povos abaixo do Rio Grande, foi cristalizando na mente das
pessoas dali como verdade. Em certos círculos nos EUA a mistura de raça
foi vista de forma pior que o índio puro ou mesmo o negro sem mistura. O
futuro do México estaria mais na pureza do sangue índio do que na mistura
racial, pois pessoa de sangue misturado não tinha condições nem mesmo de
governar a si mesmo. (42)
A Revolução Mexicana (1911) engolfou o país em longa luta. Havia
também em países da América Central e do Caribe acontecimentos revo-
lucionários paralelos, em tamanhos e calibres diferentes. Fatos que levam
os norte-americanos a acreditarem que gente com mistura de sangue não
conseguia se autogovernar. Ao descrever a Revolução Mexicana para uma
revista dos EUA, alguém dizia que o mexicano era descendente de aventu-
reiros espanhóis e índios, onde pontua a falta de coragem de um, a traição
24 Alfredo da Mota Menezes
fim da guerra contra a Espanha, até o final da década de 1920, pouco antes
da Depressão Econômica por que passou o país. (55) Antes, na conquista do
oeste e do território mexicano, a base tinha sido o Destino Manifesto. Mais
tarde, estribados em teorias raciais do período, marcharão para a América
Latina de negros, índios e mestiços.
Outros fatores ainda ajudam na discriminação contra os latino-america-
nos nos EUA. A Lenda Negra, que nasceu na Inglaterra e foi exportada para
sua colônia no Novo Mundo, é um deles. Essa criação foi destinada na Europa
à Espanha católica, havia uma disputa entre as duas nações e a Lenda Negra
servia aos interesses britânicos. A atuação dos espanhóis na América Latina
com os índios foi mostrada como ato de um povo cruel. As cartas do jesuíta
Bartolomeu de las Casas denunciando a ação dos encomenderos ou grandes
proprietários rurais contra os índios ajudaram na montagem da equação de
que os espanhóis eram bárbaros. Foi fácil transferir essa concepção para os
EUA colonial e até pós-colonial no seu relacionamento com a Espanha e suas
possessões na América. E, mais tarde, na guerra contra a Espanha pela inde-
pendência de Cuba, o aspecto negativo levantado lá na Europa foi aumenta-
do e passado para as colônias espanholas. Não atacava só os descendentes de
índios, a Lenda Negra atacava também a elite espanhola na região.
Como mais um resultado da Lenda Negra, os norte-americanos dizem,
com ou sem razão, que o povo e até mesmo a elite da área não tem firmeza
ideológica. (56) Muda de opinião perante fatos políticos muito rapidamente,
não haveria uma definição clara na região sobre qual é a forma de governo
correta e definitiva, fica-se pulando de um sistema para outro. E que também
não haveria firmeza na escolha do modelo econômico a seguir. Essa indefi-
nição sobre modelo ou sistema político e econômico gasta tempo e energia
da nação, um dos motivos dos tantos desacertos da América Latina. Tudo
isso fazia parte do caráter espanhol que emigrou para a América Latina. A
Lenda Negra (57) dizia ainda que se tratava de um povo sem responsabili-
dade, contra o progresso, aceitava governos autoritários e taxas e impostos
criados de cima para baixo. Que deveria haver sempre alguém com mão
forte para governar, e los de abajo aceitavam e algumas vezes se revoltavam,
provocando desassossego político constante. A elite para tirar proveito do
Estado aceita governos fortes, com suporte nas forças armadas e ataques
às liberdades individuais. Que os espanhóis nunca acreditaram no trabalho
árduo, outros fariam os serviços para eles. A Lenda Negra ia, portanto, além
da crueldade do povo espanhol.
O latino-americano tem ainda a mania de transferir para amanhã suas
obrigações. É um dos estereótipos que mais ficou sobre o povo da região,
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 27
Clima
não incentivaria o trabalho duro, poder-se-ia ter colheita quase o ano todo
e até mesmo se poderia encontrar alimento que cresce naturalmente sem
plantar. Um fato que ajudaria a aumentar a indolência e esse tipo de meio
ambiente ainda facilita no aparecimento de doenças. Mas e os países que
possuem clima temperado como o Chile, a Argentina e o Uruguai? Esses não
passaram para um patamar maior de crescimento econômico porque, além
do clima, outros motivos, como a cultura de cada povo, os puxariam para o
subdesenvolvimento. (64)
O clima teria sido mais favorável aos imigrantes do norte, (65) que
chegavam numa terra que tinha um clima mais parecido àquele a que es-
tavam acostumados na Europa, diferente dos portugueses e dos espanhóis
que encontram um clima tropical e diverso do que viviam na mãe pátria.
A produção econômica também ajudaria mais aos que foram para os EUA,
iriam produzir bens no campo mais parecidos com o que haviam produzido
antes na Europa. Os portugueses e os espanhóis tiveram que se adaptar a
uma região com clima diferente e, no caso, tinham que produzir aquilo que
era possível em tal situação climática. A comida dos dois lados também se
mostrava mais favorável aos que chegavam aos EUA, ali se produzia e consu-
mia o que era comum na Europa. Na América Latina a adaptação alimentar
foi mais acentuada com a aceitação do que se poderia produzir numa região
climaticamente diferente da Europa.
James William Park cita inúmeros estudos e relatos de viajantes sobre
a questão do clima na América Latina. Argúem que a maioria dos latino-
americanos vive nos trópicos, e por causa disso não tinha condições para o
progresso. Aparece sempre o argumento de que o clima ajuda na estagnação
da América Latina, e que a vida era tão fácil que pouco esforço seria sufi-
ciente para se viver em tal região. O autor cita viajantes que escrevem que as
casas não tinham conforto, usava-se pouca roupa, não se precisava de fogo
para aquecer, e com a facilidade de conseguir alimentos dava para entender
por que o povo da área não se preocupava tanto em trabalhar. Se colocado
diante da ética protestante do trabalho, necessário para crescer nesta vida,
mesmo querendo dizer que a América Latina seria quase um paraíso, o que
depreende dessas colocações é o inverso, a região criaria indolentes. O clima
também influenciaria no modo de fazer política. O clima quente e úmido da
América Latina criava um povo incapaz de se autogovernar. Clima, beleza
natural e falta de vontade de trabalhar produzem, portanto, um povo inefi-
ciente, se comparado com aqueles de climas temperados. O clima também
levava a população local para uma espécie de degeneração moral, afirmavam
que havia evidências de que o organismo humano era afetado nos trópicos e
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 31
que isso influía nos aspectos morais de uma sociedade. Que a busca por sexo
por parte dos homens quase desde a adolescência é porque o clima tropical
leva a isso. Afirmam que o homem branco seria bastante afetado pelo clima
dos trópicos. Quando na região, por mais que quisesse manter seu estilo do
exterior, passa a beber mais e trabalhar menos.
Em 1915, um professor de Yale, Ellsworth Huntington, publicou um li-
vro, Civilization and Climate, (66) onde defende bases “científicas” de que
quem vive nos trópicos não tem jeito de crescer na vida. Ele argúi que cli-
ma não é o único fator para o atraso, mas é um dos mais essenciais para se
entender essa situação. Ele pontua que o clima uniforme através do ano é
enervante, não tem meio-termo em dizer que a raça branca era superior
às outras e que as raças nativas dos trópicos são lentas para pensar e agir.
Assevera que o homem branco, quando vive nos trópicos, tende a ser mais
irascível, desejar mais sexo e trabalhar menos. Se o homem branco quisesse
trabalhar duramente como faz em sua terra acabaria tendo problemas graves
de saúde. Escrito por alguém de uma universidade de respeito, passa a ser
visto como verdade.
A análise do clima como um dos motivos para o atraso da região e não
propício para o crescimento da raça humana tem colocações estranhas. Há
na América Latina áreas temperadas nos Andes, por exemplo. Mas a alta
altitude traria outros problemas para o homem, principalmente o branco.
O ar rarefeito em cidade como a Cidade do México levaria à preguiça, à
não vontade de trabalhar. Também lá, por causa do clima diferente, ter-se-
ira uma população fraca que aceitava governos opressivos e sem os valores
cívicos. (67) Nesse país, como também na Colômbia, no Chile, no Equador,
no Peru, na Bolívia, na época do verão, a transformação das pessoas seria tão
grande que nada que fizessem de extravagante era julgado errado. Tudo por
causa do clima e, no caso, de uma região não tropical, mas temperada. Mas
a altitude também levava as pessoas a uma situação humana pior que em
outros lugares. Não havia escapatória para a região nesse tipo de análise: se
tropical ou se temperada.
Continuam as interpretações sobre a região e o clima. O ar rarefeito das
cidades em alta altitude ataca quem trabalha mais de quatro horas por dia,
sintomas aparecem como falta de apetite, insônia, inexplicável nervosismo,
podendo chegar até à loucura. (68) A crença que fica com tantos entendidos
falando sobre o assunto é que o clima na América Latina não ajuda em nada
no crescimento do ser humano. O clima, nessas interpretações, traz tudo
o que não presta ou, em outras palavras, tudo o que era contrário à ética
protestante que dominava a cena norte-americana. É impressionante como
32 Alfredo da Mota Menezes
São variadas as causas encontradas nos EUA para justificar as diferenças entre
os dois povos da América; pouca coisa prestava na América Latina. Nessas
circunstâncias não é difícil criar uma imagem distorcida do povo e da região.
Primeiro os mexicanos, depois todos latino-americanos. Um autor mostra com
mais detalhes (1) o que o país do norte pensava a respeito do tabaco, do álcool,
do sexo, das emoções, da classe média e outros ingredientes que, na visão da-
quele povo, os diferenciava do outro mais ao sul do continente. Quando se fala
no “outro” sempre se tem como base a tese de Edward Said sobre esse assunto.
Uma das diferenças entre os dois povos, no século XIX e início do se-
guinte, é que os EUA eram o que eram porque tinham uma classe média.
Acreditavam que o homem de sucesso nasce numa classe média, o problema
da América Latina é que não havia essa classe. Tinha gente nos EUA achan-
do que um dia a América Latina mudaria, quando crescesse sua classe média.
(2) Livros naquele país mostravam que um dos graves problemas da América
Latina estava na inexistência dessa classe ou aquele ingrediente crucial para
a democracia. (3) Na América Latina, de acordo com essa teoria, havia os
ricos e a massa pobre. Não havia praticamente nada no meio, e que esse
meio é que dava o tempero social a um país. Também o norte-americano, di-
ferente dos europeus, não teve que lutar contra algum tipo de aristocracia ou
temer as pessoas mais pobres, ficou mais fácil a mobilidade social no país. Os
norte-americanos daquele período, muitos escolados com os acontecimentos
sociais na Europa, se colocavam contra atitudes aristocráticas, característica
de parte da elite da América Latina. Também olhavam enviesados para a
classe mais baixa com receio de que houvesse, como houve na Europa, le-
vantamentos que lhes tirassem bens e propriedades. Essa indisposição se en-
caixa no modelo que estavam mentalmente criando para a América Latina:
uma pequena elite controlando uma enorme massa de despossuídos.
34 Alfredo da Mota Menezes
xicanas, por serem mais corpulentos, foi motivo de críticas, a obesidade seria
característica da mulher dali e de toda a América Latina quando chegavam
à meia idade. Criam estereótipos e põem quase sempre que Deus protegia as
pessoas do norte por causa de suas crenças, comportamentos e atitudes.
Para os puritanos da época, fumar, ser possuído pela nicotina, não seria
correto. Associavam nicotina com sexo: uma mulher fumar seria o mesmo
que se oferecer como prostituta. Chocolate, pimenta, cafeína, outros produ-
tos da América Latina, os também seriam coisas ruins, ajudavam na degrada-
ção da população regional. Visto pelo prisma atual, mesmo norte-americano,
parece até um deboche. Tomando a questão da cocaína como exemplo, outra
produção da área, o norte americano passou a ser o maior consumidor do
mundo. Se nicotina e cafeína ajudavam na depravação de povos e os torna-
vam mais lascivos sexualmente, imagine o uso hoje pelos jovens do país do
norte da quantidade de cocaína e também de cafeína ou chocolates.
Outro ataque no comportamento latino-americano foi sobre o consumo
de álcool. Apesar de nos EUA ter muita gente que o usava, eram considera-
dos de categoria humana inferior. Os puritanos de lá achavam que tinham
o controle sobre esse mal, quem não o controlasse não demonstraria ter a
força necessária para controlar outras coisas da vida, não estaria em con-
dições de sobrepor-se à natureza, ganhar dinheiro e merecimento perante
Deus por essas conquistas. Na visão das pessoas daquela época o consumo de
álcool pelos mexicanos, seja homem ou mulher, seria quase um fato natural.
Associam esse consumo aos costumes dos indígenas nos EUA, e traçam um
perfil negativo da região. Álcool leva ao sexo em demasia, ao jogo, às bri-
gas e querelas e a comportamentos inadequados em público. A pessoa tem
que ser recatada, ter ojeriza a exibições públicas, não pode extrapolar seus
sentimentos na frente dos outros. O álcool levaria a perder esse pudor. Os
escritos da época também condenavam os norte-americanos que jogavam e
bebiam. Deixavam, porém, uma porta aberta em favor deles ao dizerem que
com o tempo e pela influência das pessoas de maior estatura moral até aquele
norte-americano mais atrasado cresceria. Diziam que a maior parte desses
norte-americanos estava nas fronteiras, e agiam assim por falta de estudos,
ignorância e também pelo contato com índios e mexicanos.
Além de controlar sexo e álcool a classe média deveria ter controle sobre
suas emoções. Explosões de raiva, gente sem controle emocional, os que se
comportam assim são pessoas de classe inferior. Quanto maior controle de si
mesmo mais cresceria alguém no seio de uma comunidade. Alguém que não
domina a emoção é quase um selvagem, está associado à natureza bruta, não
dominada ainda. Achavam também que os latino-americanos são imprevisí-
36 Alfredo da Mota Menezes
veis, é ruim para o relacionamento se não se sabe o rumo correto que aquela
pessoa ou grupo pode tomar. Essa imprevisibilidade não seria recomendável
em gente superior, e os latino-americanos são pessoas impulsivas, mudam
facilmente de direção. Os habitantes da região se alteram emocionalmente
com facilidade e gostam de brigas, jogos e festas. Não acreditavam que os
latino-americanos estavam prontos para progredir materialmente porque não
dominavam suas paixões, não possuíam disciplina. Só com isso se poderia
crescer na vida. Que a região era dominada por gente que fazia as coisas quase
de forma impensada, levada pelo impulso, não seria como o norte-americano
com autocontrole e, racionalidade nos seus atos, a América Latina seria uma
região movida por paixão e emoção. O norte-americano, com seu princípio
de moralidade um tanto quanto calvinista, com seu autocontrole e trabalho
duro, teria sucesso econômico com absoluta certeza. Seria quase que auto-
mático, e que até mesmo a virtude e a pureza da pessoa viriam se ela seguisse
essas normas não escritas nas quais se baseava a cultura local. Fazendo um
resumo dessas diferenças criam até um paralelo entre Simon Bolívar, o herói
da independência em algumas repúblicas nos Andes, e George Washington, o
homem que conduziu a independência dos EUA. O resultado é desfavorável
a Bolívar. Ele é elogiado no campo de batalha, mas no comportamento como
pessoa a diferença chega a ser abissal. Um bebia, outro não. Um gostava de-
mais de mulheres e sexo, o outro tinha controle sobre isso.
Os norte-americanos criticavam também a falta de desejo pela maior
parte da população da região por propriedade ou bens. Não entendiam a
falta de respeito à propriedade privada, da não obediência à lei, do não pa-
gamento de impostos e da atuação venal das autoridades. Seria difícil para o
homem do norte entender e manter um relacionamento adequado com povo
que atuava dessa maneira. Escreve-se muito naquele país sobre a não obedi-
ência às leis na América Latina. Gostam de citar o caso dos encomenderos
ou grandes proprietários de terra nas colônias espanholas que, ao receberem
ordens da coroa, para, como exemplo, tratar de forma diferente os índios,
criam a famosa frase: obedezco pero no cumplo. Obedece mas não cumpre
seria a maneira que a maior parte da população da área atuaria perante as
leis. Não obedecer as leis seria sinal de caos, de algo sem controle, de atraso
de um povo. Associam ainda a falta de vontade de acumular bens ao não
respeito pelo conceito de tempo. O homem trabalhador tem o tempo em
grande consideração, não seria o caso dos latino-americanos, sem esse fator
o capitalismo e suas regras não entrariam na região. Como não obedecem ao
conceito de tempo, uma marcante característica de gente da América Lati-
na é jogar tudo o que se tem que fazer hoje para um remoto amanhã ou, a
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 37
uuu
que ser uma busca constante, ninguém estava amarrado ao que determinava
o nascimento de alguém. Se em certo lugar existem dificuldades para se cres-
cer na vida o caminho é procurar outra localidade e ali, com esforço próprio,
procurar se fazer merecedor de Deus nesta vida e não ser aqui contemplativo
na espera da outra.
O latifúndio é visto também como um modelo de economia atrasada,
impede a mobilidade social. É um fato que também ocorreu no sul agrário
dos EUA, é aceito que a luta civil entre o norte e o sul daquele país na guerra
civil (1861-65) foi também de conquista do norte urbano, mais desenvolvi-
do, industrial e capitalista, sobre o sul agrário, escravocrata, latifundiário e
de produção monocultural. Para a crença local isso não ajudaria no cresci-
mento de um país. O latifúndio na América Latina ajudou no atraso econô-
mico, ou se poderia dizer que a “herança colonial mais significativa deixada
pelo colonialismo ibérico foi a tradição da grande propriedade”. (7) No Brasil
os engenhos, na Argentina a produção de couro e carne, no México também
carne, couro e milho. Tudo dirigido por um núcleo familiar no qual gravi-
tava uma massa de dependentes, essa dependência se estenderá para o lado
político. No latifúndio a mobilidade social é diminuta, as distâncias entre as
propriedades de terra gigantescas, pessoas de uma mesma região tinham pou-
co contato entre si. A elite latino-americana criou o domínio político local
dominando o acesso à terra, fato que não diminuiu depois da independência.
Quanto mais terra, mais prestígio, mais poder político e controle da maioria
despossuída: possuir terras seria o caminho para riqueza e do poder. Essa foi
a luta no período colonial, também depois da independência, e durou ainda
em muitos países da região. Mas havia terra em abundância nos dois lados
do Atlântico. Tocqueville (8) dizia que o espanhol na América do Sul não
poderia reclamar da quantidade de terras que tinha, mas mesmo assim não
havia “na face da Terra” nações mais miseráveis que aquelas da América do
Sul, e concluía, que os habitantes da região parecem obstinados em destruir
um ao outro. Terra para plantar havia aqui e lá mas que, outra vez, o legado
ibero-católico não ajudou a população regional a crescer economicamente.
O latifúndio na América Latina é um fato da vida regional extrema-
mente mal visto pelos norte-americanos. Ele gerou acomodação na elite que,
com pequeno ganho frente a uma sociedade quase miserável, tem poder e
ascendência sobre a maioria da população. Vive da exploração do trabalho
braçal de outros e estes, quase como uma sina divina e reforçada por uma
igreja determinista, se acomoda na posição social que está, pouco lutaria
para sair dela. Essa acomodação das massas até mesmo com a miséria chega a
ser quase incompreensível não só para os norte-americanos, mas para tantos
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 39
quezas. Como a crença nos EUA era que Deus estaria por trás disso tudo, dá
para perceber a distância em que eles colocavam uma América da outra.
Outro aspecto negativo da região na visão dos norte-americanos são as
instituições políticas. (19) Eles acreditam em democracia, seria o caminho
para um melhor governo, que isso não ocorre na América Latina, não have-
ria uma aceitação normal da população da área aos princípios democráticos.
Ao longo do tempo até houve mudança nessa direção, mas o comum seria
países da região tenderem para lados diferentes e não previstos nos cânones
democráticos. Ditaduras, populismos e comunismo fariam parte do arsenal
político regional. Na visão deles não haveria firmeza ou convicção de que
a democracia seria o modelo maior de governos, chegavam até a querer a
americanização da América Latina nesse aspecto. (20) Na época do chama-
do imperialismo cultural do governo Woodrow Wilson (1913-1921) falavam
que os EUA eram o guardião da decência e da justiça na região, poderiam
ensinar modos e democracia. Essa suposta americanização começaria pelo
México, depois pelas nações do Caribe e poderia chegar até a América do
Sul. A América Latina só tinha uma saída, seguir o modelo vitorioso, (21) o
centro de tudo estava nos EUA. Recentemente o governo George Bush, na
derrubada do regime de Saddam Hussein no Iraque, chegou a acreditar que
a partir dali os EUA influenciariam toda aquela região, bases democráticas
e do capitalismo liberal espalhariam para o Oriente Médio. Continua no
âmago daquele povo a ideia de uma missão civilizatória, não se sabe se divina
ou na busca de ganhos materiais, ou se ambas as coisas. Lá atrás os norte-
americanos achavam que se poderiam espalhar pela América Latina as boas
coisas da suposta superior civilização anglo-saxônica.
Existem muitas diferenças entre as duas Américas, mas se percebe nas
interpretações e colocações que a herança ou legado colonial seria a base
maior dos acertos de um lado e de erros do outro. As instituições e as po-
líticas formuladas na América Latina não eram consistentes, por exemplo.
Os EUA escolheram melhores rumos políticos e por isso deram certo. A
América Latina, outra vez por causa de suas raízes, não as escolheu e sofre
as consequências até hoje. (22) A evolução dos EUA e da América Latina
difere desde o início por causa das instituições trazidas ou adotadas da mãe-
pátria, onde os modelos coloniais foram concebidos. Os colonizadores ingle-
ses saíram de uma Inglaterra mais moderna, com mais tolerância à censura,
mais ênfase à educação, aceitava a busca pelo conhecimento, mais liberdade
econômica, e que a poupança e o investimento visando o futuro ajudavam a
transformar qualquer sociedade. A América Latina, sob influência da Penín-
sula Ibérica, por tradição local, e a ligação com os princípios católicos, via o
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 45
mum aceitar que um dos motivos para surgir o populismo na América Latina
foi a migração dos camponeses para os centros urbanos em momento de in-
dustrialização. Ali as massas não encontravam o antigo patrón ou chefe polí-
tico, apegam-se às figuras populistas que prometem resolver seus problemas,
transferem do campo para a cidade aquela mesma ligação que havia antes.
Continuam os ataques ao modelo colonizador ibérico na América La-
tina. Falam ainda que a cultura espanhola passou para sua colonização as-
pectos básicos da vivência dali como fatalismo, ou que a vida está além do
controle humano; hierarquia, a sociedade é naturalmente hierárquica, as po-
sições dependem de nascimento; dignidade, que não tem nada que ver com
direitos, iniciativa ou igualdade de oportunidades e, por fim, a superioridade
do homem do qual originaria o autoritarismo, o paternalismo e o conhecido
machismo regional. Faltava, ainda, como já dito, o espírito comunitário, o
que levou Ortega y Gasset a dizer que essa falta leva os espanhóis a odiarem
novidades e inovações, aceitar qualquer coisa nova que chegue de fora hu-
milha o espanhol. (26)
Um autor (27) tem uma pergunta instigante: por que os políticos, bu-
rocratas e intelectuais da América Latina, mesmo sabendo que os países da
região não estavam se desenvolvendo, não encontraram respostas adequadas
para mudar de direção? Por que esses líderes, até recentemente, vieram com
respostas não apropriadas para problemas antigos e já detectados? Por que
a Espanha e Portugal continuaram no mesmo caminho já detectado como
errado até Diz que outros países, cita-se o caso do Japão, quando perceberam
que podiam sair do que eram e abraçaram novas e sadias alternativas assim
o fizeram. Que na América Latina o erro de interpretação e julgamento dos
rumos a seguir permaneceu sem encontrar a saída correta.
Continuemos na trilha da América Latina criada nos EUA. Ali a região
é vista de forma igual, fala-se em América Latina, não em países diferentes.
(28) Marta Cottam, (29) ao trabalhar com a imagem que os propositores da
política externa dos EUA têm da América Latina, também concorda que
ali se vê a América Latina como uma entidade única. Argúi ainda que os
norte-americanos, mesmo nos tempos atuais, não se preocupam em mudar a
imagem que têm da América Latina desde outros tempos. Entre os países da
América Latina há diferenças de costumes, comportamentos, clima, história,
em crescimento ou estabilidade econômica, mas na visão norte-americana
seria tudo igual. Ou como diz o antropologista George Foster, (30) que a
cultura ibérica moldou a América Latina de tal forma que as similaridades
entre as nações da América espanhola são mais importantes que as diferen-
ças, todos os países constituem uma área cultural única. E sempre se pontua
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 47
pular dali parecia até mais “simpática” que as anteriores. A mulher, no ponto
de vista norte-americano, devia ser sedutora para atrair o homem ou, em ou-
tras situações, seria virtuosa, meiga, sem defesas, fisicamente frágil, buscando
simpatia e benevolência, e precisando de proteção. (31) Essa foi a imagem
associada à América Latina da época: fraca, dependente, sem condições de
crescer sozinha sem o suporte de algum país forte e preparado como os EUA.
James Park (32) também escreve que a região passa a ser vista nos EUA
com um caráter essencialmente feminino que requeria orientação e suporte.
O caso do momento fora a separação do Panamá da Colômbia, e como tinha
sido fraca a resposta dos colombianos se comparada à forma como agiram
os norte-americanos. A força maior do outro, a decisão em fazer o Canal do
Panamá e enfrentar a resistência da Colômbia, separando a área daquele país
de forma fácil, aumenta a impressão de que a região era muito fraca, como
uma mulher que precisaria de suporte para crescer e enfrentar desafios. A
América Latina não estava, portanto, qualificada para ser parceira dos EUA
nesse hemisfério. São características como essas que, ao longo do tempo,
criam a imagem que se tem antes e agora da América Latina naquele país.
Até hoje, apesar de alguns interlúdios e palavras diferentes no discurso dali,
a região é vista como parceira não confiável, não estaria preparada e em con-
dições de ajudar os EUA em grandes empreendimentos na cena mundial.
No mesmo período em que a América Latina era caracterizada nos EUA
como um símbolo feminino, também o foi como uma criança (childlike) ou
imatura, e que os EUA, como um guardião, deveriam se preocupar e ajudar
a crescer o povo da região. (33) Quase tudo que se referia à América Latina
naquele país estava conectado a fatos acontecendo na vida interna daquele
povo. Houve a I Guerra, a forte imigração e a industrialização, e os EUA
passavam por transformações e, nesse mundo diferente, discutia-se muito ali
como criar uma criança, como deveria ser educada para o futuro. O aceite
maior era que ela deveria ser orientada sobre as influências negativas des-
se novo mundo, ser protegida para crescer física e emocionalmente. Sarah
Sharbach também dá destaque ao fato de a América Latina ser vista nos
EUA como criança. (34) Uma criança no início do seu crescimento político
deveria ser cuidada para se chegar mais à frente e tomar conta de si mesma.
As charges da época mostram como essa versão pegou nos EUA. Um era
o adulto com todas as qualidades, o outro seria inocente e politicamente
imaturo. A criança necessita de guia, uma babá, para sair daquela situação e
caminhar para a fase adulta e responsável. Um país visto como criança não
podia tomar conta de seus assuntos internos, criava-se a justificativa para a
intervenção até armada dos EUA.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 49
que precisa de apoio para crescer como um ser humano normal. Em outros
momentos essas crianças aparecem de forma dócil ou que já estão aprendendo
a se comportar. Mais à frente na história elas aparecem como crianças negras.
Como o negro nos EUA naquele momento estava em sua pior situação inter-
na a imagem de criança e negro que se fazia da América Latina era a pior que
podiam imaginar ali. Crianças eram inocentes e inexperientes, e deveriam ser
protegidas. Nesse caso, a criança deveria, era uma das perguntas da época,
(39) ser tratada com mais rigor na educação para aprender, ou não se poderia
ser tão drástico e deveria apelar para a racionalidade dela? Ou, em palavras
diferentes, puxar a orelha da criança quando ela errar ou o diálogo, a conversa
franca a ajudaria a achar o melhor caminho na vida? Sem muito esforço em
responder à pergunta, na interpretação dos EUA, a associação com a América
Latina daquele período é inevitável. John Johnson diz que o método de puni-
ção e humilhação era uma forma de criar as crianças ali. (40) Passam isso para
o plano internacional quando os EUA defendem paciência e premiações para
pequenas conquistas conseguidas por países latino-americanos. Como uma
criança que faz uma boa ação e é recompensada. A recompensa é o estímulo
para que outros fatos como aquele ocorram e desse modo a criança ou o país
vai crescer no caminho pressupostamente correto. Assim deveria ser com a
América Latina. Premiar e incentivar as pequenas conquistas para que a re-
gião seguisse o modelo adequado para crescer como nações.
Nas charges mostradas por John Johnson as crianças, como a América
Latina foi vista na época, eram divididas em duas vertentes. O desenho da
charge representava, no geral, um país frente a alguma situação interna ou
externa. Já o desenho em si dessa criança era um tanto quanto anormal
como figura humana. As crianças que os norte-americanos aprovavam como
boas eram mostradas arrumadinhas, socialmente aceitáveis e dóceis, claro
que desenhada numa forma depreciativa. As crianças ruins ou que preci-
savam de corretivos, retratadas como nações da área, foram pintadas com
barbas por fazer, intratáveis, impulsivas, indisciplinadas, contestadoras e na-
turalmente com pele escura própria dos mestiços e não estavam preparadas
para aprender e ter autocontrole.
Essa questão do autocontrole é citada à exaustão como característica
positiva da cultura anglo-saxônica. A pessoa, frisa-se uma vez mais, deve
se comportar em situações externas, nunca mostrar seus sentimentos ou ser
emotiva. Quem age assim, quem não controla seus sentimentos e emoções,
não seriam pessoas civilizadas. Um povo que tem isso como base de sua cultu-
ra e comportamento em contato com pessoas que agem diferentes já cria um
choque quase instransponível para se ter um maior entendimento. O tem-
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 51
o que vieram a ser mais tarde na região. Além disso, tinham seus próprios
problemas internos para resolver. Um deles, o maior daquele século, foi a
guerra civil que engolfou o país entre 1861-1865. Mais tarde, no entanto,
ela serviu de base para a expansão dos EUA, principalmente no Caribe e na
América Central. A Doutrina Monroe, mesmo sem passar pelo Congresso,
dava algum sentido legal à política externa do país. Porém, houve nos EUA
um fato que talvez tinha sido até maior que a Doutrina criada em 1823. Foi
o Destino Manifesto.
O Destino Manifesto é um movimento ou ideia para se conquistar no-
vas terras além até do horizonte nacional, deu base moral, cultural e até
ideológica para as conquistas. Cartas, panfletos, discursos falavam em ex-
pansão territorial, sempre houve nos EUA a crença de que ali estava um
povo superior ajudado por Deus e a religião, e que tinha o direito de ex-
pandir suas fronteiras e conquistar outros povos. A frase é atribuída a um
jornalista, John O’Sullivan, que a colocou em um artigo em 1845 de que era
um “destino manifesto” tomar conta do continente, uma missão dada pela
Providência. (9) Passa a ser ideologia dominante na década de 1840. (10)
Os EUA estavam conquistando as terras indígenas do país, mas já falavam
em ir além e tomar terras de gente de raça misturada. A raça anglo-saxônica
tinha o direito de dominar povos mais fracos. O inglês Rodyard Kipling, que
criou a mística da missão do homem branco, ou como ele chama, “fardo do
homem branco”, para ajudar povos inferiores e colocá-los sob o cristianismo,
dizia que essa seria também missão dos EUA e não só da Inglaterra. Ou como
dizia também o senador de Indiana, Albert Beveridge, que Deus fez da raça
branca os organizadores do mundo, colocar ordem onde existe caos. Deus
os fez aptos a governar para administrar povos “bárbaros e decadentes”, sem
o homem branco o mundo cairia na selvageria. E que “entre todas as raças
Deus designou o povo norte-americano como a nação de Sua eleição para
que conseguíssemos a regeneração do mundo”. (11) Ele defendia ainda que
os EUA assegurassem novas rotas de comércio e tivessem colônias para man-
dar seu excesso de produção. Atrás daquele discurso de missão divina talvez
seja esse o motivo principal.
O Destino Manifesto surge num momento de orgulho e nacionalismo
que viviam os EUA na metade do século XIX, uma visão idealista na busca
da perfeição social através de Deus e da Igreja. Deus dava suporte à expan-
são territorial, ir além da última fronteira no continente americano. A base
religiosa do movimento é forte, e quando se referia a raças inferiores, como
índios e mexicanos, ficava mais forte ainda. Mas não era somente Deus que
empurrava a nação para essa missão, o movimento seria uma consequência
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 57
União Soviética passou a ser o império do mal, deveria ser destruída aquela
ideia maligna, o bem estava com eles e não do outro lado do muro. Quando
o socialismo morreu a crença norte-americana nos valores do país, que vem
lá de trás, cresceu mais ainda. Qualquer conquista ou ação externa é justifi-
cada e vendida para o mundo como verdade política e econômica. Escolhem
quem está do lado do bem e carimbam quem não é, criam, como no passado,
as justificativas internas para atuarem externamente. Rotulam, como fize-
ram com os índios e mexicanos no século XIX, quem presta ou não. E que
os norte-americanos estão indo para ajudar aquele povo a encontrar a luz da
liberdade e do crescimento econômico. O Destino Manifesto é algo que não
sai da vida do país. É uma espécie de missão.
Nessa conquista e expansão territorial, o Destino Manifesto destruiu tri-
bos, culturas e o meio ambiente, nada poderia ficar contra o progresso, e isso
queria dizer trabalhar a terra, tirar riqueza dela. É difícil imaginar os EUA sem
o Destino Manifesto, é parte da alma nacional. A partir dele é que se pode
entender a presença dos EUA pelo mundo. Ele justifica e tira a questão mo-
ral da expansão territorial, militar ou econômica. O norte-americano acredi-
ta que está levando progresso e liberdade para outros povos. Até mesmo no
recente caso do Iraque, em que acham que levariam progresso econômico e
liberdade àquele povo, e que isso irradiaria pelo Oriente Médio. Não desa-
pareceu com o tempo a ideia de se conquistar lugares e povos, levar conhe-
cimento e progresso, é parte do ideal do país. Não colocam agora de forma
explícita que é uma missão divina como faziam antes, mas está implícito na
ação que eles têm esse dever, mesmo quando invadem terras alheias estariam
fazendo um bem para aquele país ao espalhar sementes de conhecimentos,
de liberdade e da maneira de viver de um povo supostamente superior. Des-
tino Manifesto é uma filosofia nacional sem tempo limitado para acabar. Foi
mais forte no passado, mas continua embutido na alma nacional.
O Destino Manifesto levou os EUA à guerra com o México (1846). A
guerra com o México ocorreu no governo do presidente James Polk (1845-
1849). Foi rápida, (15) em 1847 a Cidade do México já estava tomada; em
fevereiro de 1848 é assinado o Tratado de Guadalupe Hidalgo, (16) que deu
aos EUA 3,1 milhões de quilômetros quadrados de novas terras ou mais um
terço da nação. O México perdeu metade do seu território ou Califórnia, Te-
xas, Nevada, Utah, Arizona, Novo México, Colorado e Wyoming. O Tratado
também acertou a questão do Texas, que se arrastava desde 1836, quando se
separou do México. O México recebeu 15 milhões de dólares na conclusão
do tratado. O custo da guerra para os EUA ficou em torno de 100 milhões de
dólares, uma pechincha pelo que foi conseguido.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 59
Para que ter um povo desse incorporado aos EUA ou, como dizia o senador
John Clay em 1848, que aquela incorporação seria fatal para as instituições
dos EUA. Que havia algo de pestilento naquele povo e que era contagioso.
(23) Não seria possível absorver os sete milhões de mexicanos aos EUA pela
diferença em religião, hábitos e caráter, falava o senador John Calhoun no
momento da guerra entre os dois países. Os EUA deveriam ter internamente
somente a raça livre do homem branco, incorporar o México seria como in-
corporar os índios, mexicanos são índios, e a outra parte composta de gente
de sangue misturado. Os EUA deveriam ficar o máximo possível sem mexi-
canos. (24) Coloca-se parte do debate nos EUA para saber se incorporavam
todo o México àquele país para mostrar o tom que norteou o futuro relacio-
namento e a ação dos EUA com os latino-americanos.
É interessante pontuar que há autor (25) que coloca o expansionismo
norte-americano dentro da disputa política interna entre estados livres de
escravos ou não. A disputa que levou o país para a Guerra da Secessão mais
tarde. E o exemplo dessa discussão mais evidente foi a da anexação do Texas
como mais um estado norte-americano. A conquista de terras do México, no
momento por que passavam os EUA com a questão do escravo, era como se
fosse algo normal e natural. O que se queria saber era para que lado iria esse
ou aquele território no momentoso assunto da escravidão.
Depois que os norte-americanos se expandiram entre o Canadá e o Mé-
xico, e do Atlântico ao Pacífico, cumprida a expansão continental, o Destino
Manifesto olhou para o exterior. O primeiro passo foi a compra do Alasca
em 1867 da Rússia por 7,2 milhões de dólares. Era a internacionalização do
Destino Manifesto. Os EUA tinham, outra vez, o direito de expandir-se para
terras distantes por meios políticos, militares ou econômicos. Para se ver
como o ideário nacional influenciava a política do país o governo investiu
forte na construção de navios de guerra, acreditava que quem controlasse
o mar controlava seu próprio destino. Em 1890 um militar, Alfred Mahan,
publicou um livro, The Influence of Sea Power upon History, que teve influ-
ência concreta nas ações de governos dos EUA. (26) Dizia que os EUA não
podiam continuar isolados, à margem dos assuntos mundiais, e que comércio
e o poder militar eram inseparáveis.
Depois de se conquistar o continente, já recuperados da Guerra Civil,
com a economia crescendo e precisando de novos mercados, a nova missão
ou orientação foi para o exterior. O isolacionismo, por motivos de desassos-
sego interno ou pela fraqueza do comércio e da força naval, fora defendi-
do antes. Agora as forças nacionais olhavam para outros horizontes, numa
adaptação rápida, o discurso mudou. É uma característica dos EUA, é só
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 61
observar nos tempos mais recentes como mudou o ponto de vista do povo e
governo dali frente a certas situações mundiais. Em um dado momento esse
ou aquele país ou personagem no exterior é o inimigo a ser combatido, em
outras circunstâncias muda-se de alvo ou discurso e tenta-se atingir quem
antes parecia ser amigo daquela nação. Parecem, algumas vezes, como as
ações contadas por George Orwell em seu livro, 1984. O bem hoje pode ser o
mal amanhã ou vice-versa. Ou, repetindo a frase conhecida, de que os EUA
não têm amigos, têm interesses.
Em 1890 o setor que geria terras nos EUA declarou que havia terminado
a expansão da fronteira americana, não havia mais terras a serem conquis-
tadas. Um fato aparentemente natural provocou um dilema nacional. Os
norte-americanos haviam sido incentivados a ir para o oeste, ter sua terra,
começar vida nova num lugar novo, como se fosse um nascer outra vez para
a vida, e se falava que não havia mais espaço para ser conquistado no país.
A identidade do país foi formada em torno disso. Não havendo mais terra
a ser conquistada, o país deveria se voltar para uma política externa que
vislumbrasse novas conquistas para que aquele sonho ou maneira de ser do
povo norte-americano ainda encontrasse meios de se revigorar física e espi-
ritualmente. (27)
Em 1885 Josiah Strong publicou um livro, Our Country, que teve enor-
me influência na política externa nos EUA, vendeu mais de 167 mil cópias.
Ele mistura raça, religião, ciência e imperialismo na sua análise. Defende
que os anglo-saxões devem dominar o mundo, e que esse povo defendia
dois aspectos imbatíveis da humanidade: liberdade e cristianismo; o protes-
tantismo seria a raça missionária, deveria fazer a evangelização do mundo.
(28) Ele faz contas sobre a população da Europa, da Inglaterra, dos EUA,
compara tudo e chega à conclusão de que o futuro da humanidade estaria
nas mãos dos anglo-saxônicos. Vai ainda mais adiante, buscando explicações
“científicas” da época, diz que os brancos nos EUA eram superiores fisica-
mente aos ingleses, cita até Charles Darwin para dar suporte a sua versão.
Dizia que ele escreveu que o grande progresso dos EUA e o caráter daquele
povo seriam o resultado da seleção natural, que, com as melhores pessoas
da Europa, o resultado daquela seleção natural daria um povo especial. Di-
zia ainda que Deus estava treinando a raça anglo-saxônica para sua futura
missão (dominar o mundo), o catolicismo estava perdendo influência sobre
as pessoas educadas, o protestantismo era a religião do homem branco. (29)
Mas talvez o intelectual que mais influenciou a expansão externa dos EUA
tenha sido Frederick Jackson Turner. Em 1893 apareceu seu trabalho Fron-
tier in American History. O oeste já estava conquistado, era preciso descobrir
62 Alfredo da Mota Menezes
Houve gente nos EUA (35) que dizia que a ação dos norte-americanos na
região poderia reverberar ao contrário, mostravam que a tentativa de levar
civilização para os índios nos EUA e colocá-los ao lado do conquistador não
funcionara. Que o mesmo poderia acontecer na América Latina e, pior, po-
deria colocar o povo contra o norte-americano e forçar a região a se manter
mais arraigada em torno de suas crenças e modo de vida. A bronca regional
talvez tenha suas raízes lá atrás na tentativa norte-americana de “civilizar” a
região. Os que defendiam a expansão além-mar alegavam o contrário, que o
país poderia civilizar povos e colocá-los no caminho do crescimento econô-
mico. Arguiam que isso estava aos poucos ocorrendo com os imigrantes que
chegavam aos EUA com seus vícios e maneiras estranhas da Europa, e com o
tempo estavam sendo assimilados pela cultura e maneira norte-americana.
Naquele momento da criação das bases da expansão para o exterior
a indústria estava em crescimento no país, precisavam de mercados para
vender produtos e comprar matéria-prima. O fator econômico os empurra
para outras regiões, como estava acontecendo com países da Europa e com
o Japão na Ásia. O exemplo do caso norte-americano é até emblemático. O
país passava por grave crise na economia, debitam parte da culpa ao excesso
de produção local, seja agrícola ou industrial. (36) A saída seria encontrar
mercado fora, de preferência perto de casa. Não dava ainda para competir
com os europeus em outros lugares do mundo, o correto, na visão de líderes
políticos do momento, seria na América Latina. Nesse contexto nasceu a
proposta de uma conferência pan-americana a ser realizada em Washington
em 1889. O motivo da conferência seria para encontrar meios para uma
maior penetração comercial na América Latina retirando dali principalmen-
te os ingleses. O encontro começou em outubro de 1889 e terminou em abril
do ano seguinte. Os EUA promoveram uma excursão por lugares que im-
pressionassem os delegados com seu crescimento econômico. Falava-se em
estabelecer tratados de reciprocidades com países diferentes. Não era fácil
para os EUA fazer essas modificações porque o país era ainda protecionista,
tinha altas tarifas contra outros países. Mas no momento em que se sentem
um pouco mais fortes em seu parque industrial seria hora de buscar alterna-
tivas externas, e o lugar escolhido tinha sido a América Latina.
Num primeiro momento dessa reciprocidade o Brasil foi um dos poucos
países a aceitar participar de uma troca comercial. Estabeleceu, em 1891, um
acordo com os EUA para a entrada de café e açúcar no território daquele
país em troca de comprar bens manufaturados. Os outros países a participa-
rem desse novo acordo comercial foram os do Caribe e os da América Cen-
tral, que já compravam produtos dos norte-americanos. O Brasil se punha na
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 65
outra ponta dos interesses da Argentina. Esta tinha uma ligação mais íntima
com a Inglaterra, a economia mais forte do período. A decisão do governo
brasileiro foi aproximar-se da nova potência em ascensão, Rio Branco buscou
ligações maiores com os EUA, isso é bem descrito no livro de Bradford Burns.
(37) Mas não funcionou direito esse momento inicial de reciprocidade. Pri-
meiro, pela política interna dos EUA em que uma administração partidária
se contrapunha a outra nessa matéria. Os Democratas com Grover Cleve-
land ganham a eleição em 1892, cortaram as ações do governo Republicano
anterior. Outro motivo pela morte dessa iniciante ação de reciprocidade é
que não havia muitas linhas de barcos entre os países da região e os EUA,
não havia também casas bancárias e créditos para ajudar no crescimento des-
sa relação. A Europa ainda se mostrava mais atrativa para a América Latina
do que os EUA, mas este país continuou sua tentativa de dominar o mercado
regional. O crescimento de sua marinha era um sinal de que outros tempos
estavam para vir no relacionamento entre os lados do continente.
No Chile, em 1891, houve pequeno incidente em que os EUA mostra-
ram sua nova musculatura naval. Morreu um marinheiro de um navio norte-
americano e outros foram feridos numa disputa no porto de Valparaíso. O
presidente Benjamin Harrison (1889-1893) queria que o governo do Chile
se desculpasse pelo incidente. Este país, como se encontrava convulsionado,
concordou em pagar uma indenização pelo ocorrido. (38) Grover Clevelandd
(1893-1897) também teve a oportunidade de mostrar essa nova força do país
quando da revolta da marinha no Brasil de 1893-1894, no governo Floriano
Peixoto. Dois navios de guerra foram mandados pelos EUA para proteger os
interesses comerciais do país frente a esse movimento insurrecional, mais
tarde esse número cresceu para cinco navios. Não se precisou de nenhuma
intervenção, mas, para os EUA e a América Latina, havia algo novo no mar,
e não eram mais somente os navios e a marinha da Inglaterra. Mas para mos-
trar a diferença que havia entre os interesses comerciais uma fonte diz que
os EUA estavam protegendo cinco navios comerciais deles que estavam no
porto do Rio de Janeiro, enquanto da Inglaterra havia mais de cem. (39)
Mas seria num caso com a Venezuela que os EUA mostrariam essa nova
postura para com a região e o mundo. Havia uma disputa desse país sul-
americano com a Inglaterra sobre fronteira com a Guiana inglesa. A data
que marca esse novo posicionamento norte-americano é 1895. O Secretário
de Estado da administração Grover Cleveland, Richard Olney, mandou uma
nota para a Inglaterra que teve enorme significado para a relação entre os
EUA e a América Latina a partir dali. Um trecho da nota dizia que os EUA
eram soberanos neste continente e sua vontade era lei na região, (40) era
66 Alfredo da Mota Menezes
do Norte, a maioria das pessoas naquele país não queria absorver todo o Mé-
xico com receio de que a raça inferior contaminasse a outra. No caso do Haiti,
Porto Rico e Cuba a associação é a mesma. Se as teorias raciais determinavam
que negros, índios e mestiços eram inferiores, não havia como ter uma apro-
ximação com povos que tinham a maioria de sua população nessas condições.
Com outro agravante, além de serem católicos, os europeus da Península Ibé-
rica eram também inferiores ao povo anglo-saxônico. Não foi difícil, naquela
década expansionista, também associar o latino-americano com os índios e os
negros dos EUA, todos de raça inferior. Sharbach cita a quantidade de artigos
em jornais e magazines, além de livros nos EUA na década de 1920, que mos-
travam essa diferença de índios e negros em caráter, inteligência, aptidão para
o trabalho e governar a si próprio. Os jornalistas e acadêmicos escreviam sobre
a ligação entre raça e incompetência política, ponto de vista que justificava a
política externa do país. O que queria dizer intervenção militar, (61) os mari-
nes levavam civilização. O culpado por aquela situação, na teoria conhecida,
é o povo invadido. O outro está ali para ajudá-lo.
Havia, nesse caso e momento (como em outros), uma união entre o que
pensava a população do país e a política exterior. Na crença arraigada ali, que
vem desde lá de trás, de que o homem branco teria o dever de ajudar outros
povos a melhorarem suas vidas. A ideia prevalente nos círculos do governo em
Washington naquela época era que a América Latina era atrasada mesmo. O
Departamento de Estado tinha até dificuldade em recrutar gente para trabalhar
na área, quem fosse recrutado considerava o recrutamento como castigo ou
como fim de carreira. (62) Havia instruções internas do governo dos EUA para
o corpo diplomático de que estavam na região como missão, para ajudar com
sua experiência, investimentos, empréstimos e melhorar a qualidade de vida da
população regional. Falavam aos futuros diplomatas que eles ouviriam muito
que os EUA eram imperialistas, mas que não dessem ouvidos a isso, sua missão
seria de ajuda e não o contrário. Lá por 1925 os EUA investiam ou emprestaram
11 bilhões de dólares para o mundo, dessa quantia a América Latina recebera
4 bilhões. Era o principal lugar para onde ia o dinheiro deles, depois a Europa
e o Canadá. (63) Com tanto dinheiro na área a política externa tratava de
garanti-lo, defender os interesses dos investidores dos EUA na América Latina,
basicamente no Caribe e na América Central. Os norte-americanos alegavam
que, seja ali ou em outro lugar, os investimentos criavam empregos, geravam
impostos ou se construíam estradas, e que atos como esses é que ajudavam a
população local. Também o exemplo do trabalho duro e planejado acabava in-
fluenciando gente e nações. Concorde-se ou não, era o discurso que pregavam
para os países sob protetorado ou com presença econômica forte deles.
Capítulo IV
u
Boa Vizinhança
as coisas da região. (6) Não ficou apenas em Franz Boas essa mudança em
círculos intelectuais nos EUA. Na década de 1920 já havia, internamente,
um movimento em favor da cultura indígena, diferente de como ela era vista
antes, agora mostrada de outra forma, e que os índios por seu contato com
a natureza, sua simplicidade e vida comunitária, estavam acima do modo de
ser capitalista e individualista. Havia algum desapontamento também com o
sistema capitalista, a crise econômica era aguda e alguns achavam que a bus-
ca desenfreada pelo lucro trazia problemas diferentes. Frente a uma situação
interna complicada até se encontra características positivas em povos que
sempre mereceram desprezo. Historicamente os índios tinham sido associa-
dos com aos latino-americanos, principalmente aos mexicanos. Se os indíge-
nas passam a ser vistos de forma diferente por alguns intelectuais, o mesmo
ocorreu com os latino-americanos. Já se falava em maravilhas do México,
principalmente na arte indígena e na moderna. Falava-se em serenidade,
harmonia com a natureza, uma nova visão. (7)
Houve, ainda, naquele período diferente da história norte-americana,
uma aceitação, pelo menos em certos círculos, do negro e sua maneira de se
comportar. Como visto antes, o negro, o índio e a mulher eram sinônimos
de inocência, não preparados para o capitalismo. Teorias raciais diziam que
mulheres e negros seriam como crianças brancas, por causa de seus cérebros
menores. (8) A mulher seria passiva, não competitiva, diferente do homem
que, nessa análise, tinha todas as qualidades que pedia o mundo competitivo
do capitalismo, como racionalidade e lógica. A América Latina tinha sido
associada naquele país a criança, mulher, negro e índio, as charges do período
traduzem isso com clareza. Como havia uma nova interpretação, aquelas qua-
lidades negativas desapareceram e surgiram outras mais positivas. Passou-se a
aceitar até a mestiçagem, sempre pontuando que isso era aceito não em toda
a população daquele país, mas em segmentos intelectuais. Essas novas ten-
dências, na verdade, influenciaram mais a América Latina do que os EUA.
Sarah Sharbach diz que encontrou pouca evidência dessa inversão ou
mudança de comportamento nos EUA referente à América Latina na dé-
cada de 1920, (9) e que acabaria influenciando a política externa da Boa
Vizinhança. Discussão acadêmica à parte não se pode negar que havia ma-
nifestações diferentes já naquela década sobre os índios do país, e que isso
se estenderia aos mexicanos com sua ascendência índigena também. Co-
meça-se a descobrir a arte local, sua maneira de encarar a vida passa a ser
vista por alguns como algo diferente e até positivo. Aparecem autores como
Waldo Frank, Ernest Hemingway, Frank Tannenbaum escrevendo livros que
punham em outro patamar a cultura latino-americana. Waldo Frank talvez
78 Alfredo da Mota Menezes
antes aquele país concordara com isso. Agora, frente a uma nova realidade
comercial, econômica e de segurança, mudavam o rumo. Não acontecerá
essa consulta prévia como as nações latinas americanas imaginavam. Mais à
frente os EUA não consultaram ninguém para tomar medidas rumo à guerra
que engolfou a Europa. Mas naquele momento a ação funcionava como mais
uma liga para sedimentar a política da Boa Vizinhança. Se os governos lati-
no-americanos entendessem a história do relacionamento norte-americano
com a América Latina saberiam que é quase impossível os EUA aceitarem
algum acordo com a região em termos iguais, essa igualdade não existe na
cultura deles. Um governante de lá que assim agisse não teria apoio da maio-
ria da nação, perderia votos na próxima eleição.
Num encontro pan-americano em Buenos Aires em 1936 aparecem me-
didas de segurança hemisférica. Cria-se um pacto de consultas que deveria
ser acionado em caso de ameaça à paz regional, também se houvesse guerra
entre países da própria região e, o mais importante para os EUA, em caso de
guerra de fora da área que pudesse colocar em risco a paz dos países do conti-
nente. Defendia-se ainda que não seriam reconhecidos territórios adquiridos
à força. Reforça-se o princípio de não intervenção, aliás, de acordo com a
nova tese da diplomacia norte-americana com a política da Boa Vizinhança.
Aceitava-se ainda que não se poderia coletar débitos com intervenção, era
o que previa a Doutrina Drago, que nunca fora levada em conta antes pelos
EUA. E concordava ainda que se deveria resolver disputas internacionais
com diálogo e não com guerras. (23) Mudara, apesar de momentaneamente,
o tom das ações daquele país. É o primeiro documento regional que falava
em se defender de agressões de países de fora. A Doutrina Monroe tocava
no assunto, mas colocava só os EUA como o defensor contra essa invasão,
agora entravam no pacto todas as nações da área. Os EUA sabiam e sabem
das desavenças históricas entre países da América Latina. Algumas vezes,
na busca de seus interesses, até estimulam isso. Aparecer num documento
que se vai resolver disputa pelo diálogo e imaginar que os EUA estivessem
interessados nisso supõe muita ingenuidade. Os fatos sugerem que ele esta-
va interessado na parte não escrita de que a região não poderia sair de sua
tutela e influência para a de outro país da Europa, por exemplo. Esse foi o
escopo dos novos acordos, o restante entrava como discurso e retórica que os
norte-americanos acham que a América Latina gosta muito. Exploram tam-
bém outro comportamento latino-americano: a mania de se criar grupos de
trabalhos e arrumar cargos e funções para pessoas de outros países. Quanto
mais comissões e grupos diferentes em discussões entre países em que havia
acrimônia histórica seria melhor para os interesses dos EUA. Colocam nos
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 83
acordos o que lhes interessa e deixam o restante para o deleite de uma cul-
tura que preza o formalismo, a pompa, cargos, discursos e funções que têm
aparente força de mando.
O caso cubano é emblemático daquele novo momento entre os EUA e
a América Latina. Os EUA tinham Cuba como um protetorado, a Emenda
Platt estava na Constituição daquele país e permitia os EUA a agir militar-
mente quando houvesse problemas políticos ou sociais. Desde 1924 os EUA
apoiavam o complicado governo de Gerardo Machado, ele é expelido da pre-
sidência em agosto de 1933. FDR já estava no governo. A situação econômi-
ca de Cuba era dramática, o preço do açúcar caíra no mercado internacional,
fonte principal de divisa do país. A situação política estava imbricada com
a econômica. Frente à incômoda situação muita gente invocou a Emenda
para que os EUA colocassem tropas na ilha para acalmar os ânimos. Ora, o
novo governo dos EUA dissera que não haveria mais intervenções, não só
em Cuba, mas em toda a América Latina. Se interviesse em Cuba matava
a nascente política da Boa Vizinhança. Na América Latina, principalmente
no Caribe e na América Central, cresceu a opinião de que a nova política
dos EUA para a região não funcionaria. FDR deu um passo mais efetivo para
matar esses comentários: em junho de 1934 a Emenda Platt desaparece. Os
EUA manteriam, porém, a base militar em Guantânamo.
O problema social e político em Cuba tinha raízes no fator econômico,
sem resolver essa equação continuaria quase na mesma a complicada situa-
ção da ilha. O governo norte-americano precisava mandar uma mensagem
mais concreta à região sobre suas novas intenções. (24) Como a Depressão
era forte e precisavam de mercado comprador, aceitavam que o melhor ca-
minho para ter influência na América Latina não seria mais intervenção
armada e sim aumentar os laços comerciais. Tomam o caso cubano como
exemplo a ser seguido: estabelecem novo acordo com a ilha em que aumen-
tava a cota de venda do açúcar cubano para os EUA, também reduziu a taxa
de importação sobre o produto. Cuba, em reciprocidade, reduzia suas taxas
de importações em grande parte dos bens importados dos EUA. (25) Em 20
anos de acordo, Cuba comprava mais de 70% do que importava do exte-
rior dos EUA, e mandava para lá perto de 70% de sua produção doméstica,
exportava bens primários e recebia produtos industrializados. A indústria
norte-americana vai penetrar em Cuba e praticamente em toda a América
Latina, aos poucos substituindo a presença europeia nas trocas regionais. O
comércio estava na base da política da Boa Vizinhança.
O caso brasileiro também é sugestivo. Brasil foi o primeiro país da Amé-
rica do Sul a assinar o acordo de reciprocidade com os EUA, em fevereiro
84 Alfredo da Mota Menezes
de 1935. O venda do café brasileiro para os EUA ficava sem muita restrição
tarifária, o que ajudava a aumentar a produção no país. Mas, interessante-
mente, o comércio do Brasil com a Alemanha também cresceu no período.
Uma delegação alemã tinha vindo à América do Sul em 1934 para aumentar
as trocas com a região. Um fato que não passou despercebido pelos EUA,
e até dá para aceitar que sua atuação em tantas frentes regionais contra
a Alemanha tinha isso no horizonte: poderia perder parte do comércio da
região para os alemães. A Alemanha oferecia comprar do Brasil produtos
como café, borracha e cacau, e vender bens industrializados e também arma-
mentos. (26) Além disso, havia uma fatia da população brasileira que tinha
ascendência alemã, era interessante para aquele país manter uma ligação
saudável com o Brasil.
Seria interessante especular se essas movimentações externas com ale-
mães de um lado e EUA do outro competindo pelo mercado brasileiro aju-
dou a cimentar o regime de Getúlio Vargas. Os produtos agrícolas nacionais
tinham dois dos melhores mercados do mundo para serem exportados. Fazia
bem para o bolso do agricultor brasileiro, acomodava até o descontentamen-
to paulista pela forma como Getúlio chegou ao poder. Ali se tinha a maior
produção de café do país, e os mercados externos se ampliavam indepen-
dente de se ter um paulista ou um mineiro no governo. Quem sabe Vargas
e seu regime não teriam durado tanto se não fosse a abertura que o exterior
naquele momento fazia para os produtos do país. E, em parte, explica tam-
bém por que Vargas ficou numa aparente indecisão entre os EUA e a Alema-
nha. Os fatos sugerem que o empurrão final do empréstimo dos EUA para a
construção de Volta Redonda é que puxou Vargas para o lado dos aliados. A
indefinição dele era pragmatismo puro.
Os EUA, portanto, atuaram rapidamente para dissipar dúvidas sobre sua
nova política para a América Latina. Mandou logo recados e praticou ações
para dizer que não haveria mais intervenções armadas. Criou até um clima po-
sitivo nas relações, conquistou parte da população regional, apesar da diferen-
ça de ganhos entre os lados. No lugar dos marines foi criado o modelo econô-
mico da reciprocidade entre uma economia que produzia bens industrializados
e as outras mandavam matérias-primas, e que ainda por cima não competiam,
com as produzidas naquele país. Os EUA procuraram acabar com antigas in-
tervenções ainda existentes com o Haiti em 1933, apesar de ter alguém ainda
dos EUA no controle da alfândega do país, ato que só findou em 1941. A
República Dominicana entrou também nos acordos, a alfândega voltou para
o domínio do país. No Panamá, um novo tratado dizia que os EUA, apesar de
soberanos no Canal, não interfeririam nos assuntos internos do país.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 85
paração rápida e sem nem dizer até a volta. Outra vez se percebe como
faltam estudos na região sobre os EUA. Os acordos ou tapinhas nas costas
são mesuras para esse ou aquele momento. A crença histórica naquele país
sobre os latino-americanos não se muda do dia para a noite. Somente en-
tendendo-os se pode ter um relacionamento mais positivo. Eles fazem isso e
quem sabe país do tamanho dos interesses do Brasil pudesse abandonar esse
receio em estudá-los
Voltando ao trabalho do Office. Um dos primeiros atos da agência foi
criar uma lista negra de gente que tinha simpatia pelo nazismo, quem esti-
vesse nela teria problemas nos EUA e seria considerado como inimigo. O
trabalho da agência foi em consonância com a política externa do país. E
esta, naquele momento, visava o nazismo e não perder para a Alemanha
posição já adquirida na América Latina. Toda a atuação, em qualquer área,
era no caminho dos interesses da política externa daquele país. No setor de
transportes, por exemplo, o esforço foi para criar passagem de suprimentos
ou matérias-primas para os EUA ou aliados usando meios diversos nos pa-
íses, como as ferrovias no México ou Canal do Panamá. Ficavam de olho
também na questão econômica para que os países não tivessem grandes
problemas para não haver instabilidade política. Se houvesse seria mais fácil
a entrada de gente e ideias que os norte-americanos não queriam. As ajudas
nas áreas de saúde, alimentos e saneamento foram mais dirigidas para as ba-
ses militares norte-americanas na região. (33) Era muita inocência acreditar
que seria diferente.
No setor de propaganda já apresentavam as notícias em press release,
trazendo a mensagem pronta para ler que queria a política externa do país.
Havia rádio, artigos em jornais e revistas, fotografias, panfletos, o que fosse
necessário para atingir a população e mostrar como eram positivos a cultura
e o estilo de vida dos EUA e como estava equivocado o lado inimigo. Uma
propaganda eficiente e diuturna na cabeça do povo latino-americano. A
Divisão de Cinema, em cooperação com os grandes estúdios de Hollywood,
incluindo a Disney, (34) produzia comerciais e filmes de acordo com a po-
lítica da Boa Vizinhança. A propaganda não era somente de lá para cá,
passavam documentários sobre a América Latina nos EUA. Cerca de cinco
milhões de pessoas daquele país em 1944 assistiram essas informações sobre
a região. Os filmes, os documentários e as notícias foram destinados ao povo
de lá e ao de cá, cada caso com um tipo de informação para ajudar num
entendimento sobre os dois povos. A Divisão de Assuntos Culturais patro-
cinou tradução de livros de autores regionais, exibições de artes, concertos
e conferências. Os EUA sabiam que os intelectuais da América Latina e a
88 Alfredo da Mota Menezes
bem assim, os EUA agiram por conta própria mais tarde quando se jogaram
no caldeirão dos problemas que enfrentava o mundo e não ouviu a América
Latina sobre essas ações.
A declaração de Lima dizia que, se a paz ou a integridade de qualquer
nação do continente fosse ameaçada por um poder de fora, a resposta viria
em conjunto na defesa dos interesses de todas as repúblicas da área. A ata
final do encontro continha 110 resoluções, declarações e recomendações.
Num outro momento foi criado um corpo de sete juízes (43) encarregados
de estudar e recomendar atos para que as nações da área ficassem neutras
no conflito que avizinhava na Europa. Uma criação estranha e sem sentido
prático, própria do estilo latino-americano. Mais tarde o chamado comitê
pan-americano de neutralidade foi mudado para o comitê judicial que ficaria
encarregado dos problemas jurídicos nascidos da guerra e também para de-
cisões no pós-guerra. (44) São criações a que os norte-americanos não dão
nenhuma importância, atos mais para satisfazer a maneira peculiar latino-
americana. Cada país teria direito de indicar pessoas para cargos aparen-
temente importantes, o que acalmava os descontentes. O que interessava
aos EUA era o comprometimento de que não se permitiria invasões ou a
presença de um poder de fora, e que ameaçava a hegemonia dos EUA na
América Latina, fato que levara tempo para se concretizar. Com os novos
atos e encontros, mais acordos comerciais e demonstrações de boa vontade,
incluindo a aproximação cultural, quando veio a guerra com o nazismo, com
raras exceções, os EUA contaram com o apoio da maior parte dos países da
América Latina sem esforço adicional.
Quanto mais fatos aconteciam na Europa mais ocorriam encontros. Um
novo foi no Panamá em outubro de 1939, para reforçar a neutralidade dos pa-
íses da região no entrevero que crescia na Europa. Outro encontro de Minis-
tros das Relações Exteriores ocorreu em Havana em 1940, e decidiram que,
de forma coletiva ou individual, (45) não permitiriam que países de fora da
região tomassem alguma colônia da França ou da Holanda. A decisão, cons-
cientemente ou não, autorizou os EUA a tomarem medidas militares sozinhos.
Quem tinha condições de fazer algum enfrentamento militar era aquele país.
Vê-se nos encontros e suas diferentes decisões que os EUA permitem um bo-
cado de propostas como se estivessem consultando seus aliados, mas colocam
sempre o seu principal interesse. E a intenção maior naquele momento seria
não perder para outra potência a influência na região que o país tomara tem-
po para ter e estava ampliando com os novos tratados de comércio.
As decisões sobre neutralidade e também a de consulta prévia, como
era de se esperar, desaparecem com a presença dos EUA no conflito que
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 91
instrumento que substituiu outras formas de pressão externa dos EUA, como
a Emenda Platt ou o Corolário Roosevelt. Essa aproximação e união foi mais
útil e menos custosa em imagem do que as outras. Percebe-se uma linha
mestra na ação dos EUA na América Latina: unir-se a grupos internos. Um
momento é um lado político que quer continuar ou voltar ao poder e pede
o apoio dos norte-americanos para a empreitada. Outro momento se junta
a um segmento como o militar, que busca diferentes tipos de benefícios para
controlar, ter ou aumentar poder.
O Brasil, por se alinhar com os EUA, acabou se beneficiando um pou-
co com a II Guerra. Do dinheiro do lend lease destinado à América Latina
cerca de 450 milhões de dólares (1% do que foi destinado aos países aliados
na Europa), algo como 70% do total ficaram com o Brasil. (54) Recebeu-se
empréstimo para se construir a usina de Volta Redonda, em troca o país ce-
deu aos EUA uma base militar no Nordeste, lugar onde os norte-americanos
imaginavam que o nazismo poderia estabelecer um ponto de apoio para suas
ações na África. Outro receio dos EUA foi com a enorme costa nacional,
e que isso poderia facilitar a presença de forças do Eixo por aqui. Com o
alinhamento com os EUA, pelo jogo diplomático na América do Sul e por
ter mandado 25 mil soldados para lutar na Itália, o Brasil acabou se benefi-
ciando um pouco com a guerra. Uma guerra em que os EUA lutaram prati-
camente sem apoio da América Latina. Nem o Brasil e nem nenhuma na-
ção latino-americana participou em decisões militares maiores que os EUA
tenham tomado mesmo tendo sido criado, em 1942, o Comitê de Defesa
Inter-Americano. Aqueles acordos, reuniões e encontros de antes, tratados
de cooperação e apoios mútuos, de consultas prévias ou neutralidade, nada
foi levado em conta pelos EUA quando decidiu por essa ou aquela ação re-
ferente à guerra. Aquilo serviu apenas para aumentar a segurança dos EUA,
para manter abertas as rotas de suprimento desde que as potências do Eixo
não estivessem preparadas para invadir a América Latina. (55) Nunca hou-
ve nenhuma intenção de cooperação militar com a região (o caso brasileiro
na Itália foi a única exceção).
Para se ver como era desprezada a presença de latino-americano numa
operação de guerra talvez seja interessante mostrar o que escreveu Lars
Schoultz sobre observações feitas por norte-americanos nessa suposta par-
ticipação militar de gente da região junto com os EUA. (56) Um membro
do Departamento de Estado pediu aos militares numa reunião que eles acei-
tassem as ofertas de países da área para colaborar na guerra. Um almirante
falando por todos disse que os latino-americanos não tinham sido úteis em
nada, que ele tinha se esforçado muito para encontrar alguma coisa que eles
94 Alfredo da Mota Menezes
pudessem fazer, mas que ficasse claro que eles fariam somente sugestões, e
que os norte-americanos não tinham nem que prestar atenção nelas. Na
mesma reunião foi proposto que os cubanos tomassem conta das bases aéreas
dos EUA em Cuba; um general disse que o trabalho feito por cubanos seria
até pior do que se nada fosse feito. Continua o autor a levantar dados sobre o
que pensam os militares e não militares nos EUA sobre a atuação militar dos
latino-americanos. Em 1818 perguntaram a John Quincy Adams em que a
América do Sul poderia colaborar com os EUA, ele falou que a região pediria
dinheiro e armas e sua incompetência iria atrapalhar a ação militar deles.
Em 1950, depois da guerra, foi produzido um documento sobre a atuação da
América Latina no conflito, e foi dito que com uma única exceção (Brasil)
não houve nenhuma colaboração da América Latina na defesa do hemisfério
ocidental. Em 1940, durante a guerra, apareceu um memorando que dizia
que não havia nenhuma intenção daquele país em ter os latino-americanos
como aliados concretos na guerra. O que queriam eram bases militares, ma-
térias-primas e combate a agentes nazistas infiltrados na região em troca de
ajuda militar. Conta ainda o autor o que colocou num diário o Secretário de
Guerra, Henry Stimson, questionando a habilidade dos latino-americanos
em realizar qualquer tarefa pequena.
O autor conclui com o óbvio de que a política da Boa Vizinhança não
mudou a imagem que os latino-americanos têm nos EUA. Foi uma ação de
um momento e em benefício de uma situação interna e externa dos EUA.
Espicaça a região ao dizer que foram feitos encontros de alto nível entre as
partes, visitas de chefe de estado com alguma fanfarra e criação de novas
burocracias para institucionalizar ações de pan-americanismo. Sabem que os
latino-americanos gostam disso, e lhes deram o que queriam, mas não pas-
sava de ações de superfície, sem nenhuma profundidade e que influenciasse
o povo norte-americano ou até mesmo seus líderes. O que os EUA queriam
com a política da Boa Vizinhança era ganhar dinheiro para ajudar a melhorar
sua economia e depois segurança perante um mundo em efervescência.
O militar e historiador de Atenas, Tucídede, escreveu que as grandes
nações fazem o que querem e as menores têm que aceitar a situação. (57) Pa-
rece que ele escrevia sobre a distante América. Este é o princípio que existe
na relação dos EUA com a América Latina. E o caso ficava ainda pior, a força
descomunal dos EUA inibiam outros países, não queriam desafiá-lo na região
que se tem no mundo como área de influência daquele país com receio de
perder negócios com aquele mercado. O que é mais vantajoso, o mercado
latino-americano ou o do gigante ali do norte? Uma presença acachapante
dessas, até sem esforço adicional, isolava mais ainda a região.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 95
Ensinando democracia.
New York Times, 1963, in John Johnson
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 97
Na Guerra Fria
soviético e o apelo que tem o socialismo para resolver problemas dos mais
pobres. De um lado a contenção à expansão do comunismo criada nos EUA
por decisão bipartidária, do outro a realidade latino-americana. Poderia ser
juntada ainda a frustração dos intelectuais e de parte da classe empresarial
com o abrupto desfecho da política da Boa Vizinhança, em que tudo o que
houve antes desapareceu, com frustração geral. Segmentos sociais caminha-
ram para o lado soviético e encontraram a má vontade dos EUA.
Os EUA, no início de seu expansionismo externo, davam atenção política
e militar para a região, principalmente no Caribe e na América Central; foi a
época do aprendizado em terras alheias. Depois do domínio militar veio o eco-
nômico, meio mais eficaz de dominar. Mais tarde, com a II Guerra, jogam-se na
arena internacional, é o novo grande jogador no tabuleiro político que se abre
no mundo no pós-guerra. A América Latina, que já não gozava de prestígio
perante a política externa daquele país desde algum tempo, passa a ter menos
prestígio ainda. Os fatos novos mundiais empurram os EUA para um fogaréu
que se abriu no mundo. Os norte-americanos, desde a guerra, já estavam na
América Latina em ligações estreitas com os militares através de encontros,
conselhos de segurança, treino de pessoal, adidos militares. Como deveriam
dedicar mais atenção ao que acontecia na Europa e em outros lugares, pela
lei do menor esforço, juntam-se aos militares na América Latina na repressão
aos movimentos de esquerda. Usaram as pessoas daqui mesmo na busca de
seus objetivos de política externa. Ajudavam no combate com treinamentos,
dinheiro, serviço de inteligência e, se preciso, derrubavam governos.
Voltando aos passos iniciais da Guerra Fria. No outro lado, os soviéticos
também estendiam sua área de influência, espalhavam sua força e domínio
para o leste europeu na Polônia, Tchecoslováquia, Romênia, Albânia, Hun-
gria e Alemanha do leste. As duas maiores potências militares do pós-guerra,
EUA e União Soviética, se colocavam como líderes dessa disputa que trouxe
consequências dramáticas para a América Latina. Em 1947 os EUA criaram
o Plano Marshall para tentar estabilizar economias da Europa Ocidental,
receio de que, na confusão, algumas caíssem para o lado do socialismo. A
União Soviética não permitia que países do seu bloco participassem do Pla-
no Marshall, e criou um plano alternativo que vai desembocou em 1949
no Comecon ou Conselho para Assistência Econômica Mútua. Os atritos
começaram entre os lados: o bloqueio de Berlim em 1948-1949, a Guerra da
Coréia (1950-1953), o Vietnã (1959-1975|), Cuba indo para a esquerda e
a crise dos mísseis em 1962 e o Afeganistão em 1979-1989. Criaram-se no
lado militar a Nato e o Pacto de Varsóvia: é dentro dessa moldura mundial a
América Latina se viu envolvida, uma era dramática para a região.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 105
A relação dos EUA com a América Latina, como já dito, mudou depois
da Guerra Mundial. A crise econômica acabara nos EUA desde a entrada
do país na guerra em dezembro de 1941, com a produção voltada para o
esforço de guerra a economia embalou outra vez. Depois do grande conflito,
com os EUA passando a ser potência do momento mundial, a fala de aju-
da aos latino-americanos, trabalhar juntos na direção do desenvolvimento,
desaparece. A iniciativa privada e o jogo próprio do capitalismo deveriam
conduzir o processo e não ajuda dessa ou daquela forma. Até o argumento
da defesa do meio ambiente praticamente desaparece com a certeza de que a
tecnologia ajudaria a enfrentar o problema da natureza sem destruí-la. Essa
aceitação sobre tecnologia é mais forte depois da explosão da bomba atô-
mica, dominava-se essa se poderia ter outros avanços tecnológicos. O que
prevalece naquele país é a imagem antiga de uma América Latina atrasada, e
continuar assim, não havia classe média, aquela que dava base a tudo, havia
uns poucos ricos e a maioria miserável. Até as falas politicamente corretas
da época da Boa Vizinhança desaparecem. É uma característica interessante
dos EUA: quando está em alta na política e na economia o comportamento
do país é num sentido, quando se está em baixa muda a postura. Lá na fren-
te, se as coisas se ajeitam, volta-se ao que era antes.
Nos EUA, depois da luta contra o nazismo, em defesa da democracia e
da economia de mercado, acende-se no povo norte-americano a certeza de
que estavam ao lado da verdade, os princípios defendidos pela nação seriam
os corretos. Tudo o que havia se falado antes sobre aspectos negativos do ca-
pitalismo, de defesa da natureza, de que a América Latina tinha qualidades,
desaparece frente a um novo momento. Passam a acreditar que o crescimento
constante é possível, que o meio ambiente pode ser domado pela tecnologia
e mais ainda nas virtudes da classe média. Prosperidade, lucro, melhora de
qualidade de vida, estilo agressivo para se conseguir isso, passa a ser tônica
da vida nacional outra vez. E, nesse contexto, a intenção de se aproximar da
América Latina, de ajudar a região a crescer, de achar que aqui possuía quali-
dades interessantes, praticamente desaparece. Entrava-se, depois da II Guer-
ra, num outro patamar de relação com a América Latina. Mais capitalismo,
menos ecologia ou ajuda aos mais pobres, mais ganhos, mais mercados para
comércio, associação com a elite local na busca de negócios, compra de maté-
rias-primas mais baratas, transformá-las para vender bens industrializados na
área. A época da política da Boa Vizinhança desapareceu e afetou o humor
da nascente classe média regional, principalmente do mundo intelectual.
Os filmes de Hollywood voltaram a mostrar quase os mesmos estereó-
tipos, não tão claros como antes porque havia interesse em vender os filmes
106 Alfredo da Mota Menezes
verno Truman, dando suas impressões sobre a região e fazendo ainda reco-
mendações (8). Suas conclusões são aquelas conhecidas e tratadas ao longo
deste livro. Ele culpa a herança espanhola pela incompetência da região, re-
força com todas as letras a mesma crença que os norte-americanos têm sobre
a América Latina desde o início do contato entre os dois povos. Fala que a
geografia, o clima, a história e a raça não criaram um povo para a democracia
e a prosperidade, recomenda que os EUA continuem a tomar conta da área
para impedir que os comunistas tomassem países da região. Recomendava
ainda dar suporte a governos fortes por causa da tradição regional em aceitar
esse tipo de atuação política, e para impedir a expansão do comunismo. A
região, por sua tradição e história, continua Kennan, não havia nascido para
a democracia, e apoiar governos autoritários seria um caminho natural. O
erro estava aqui, não trazido de fora.
Impressiona a similitude de pensamento através dos tempos dos formu-
ladores da política externa dali, incluindo pessoas do porte de George Ken-
nan e Dean Acheson. A herança espanhola e indígena seria a culpada pelos
problemas regionais por séculos. Na época da política da Boa Vizinhança,
apesar de a maioria das pessoas dali continuarem a olhar para a América
Latina da mesma forma que antes, a linguagem sobre a região mudou um
pouco. Terminada a II Guerra, acabados a Depressão Econômica e aquele
receio de que o capitalismo podia não dar certo, muda-se o discurso nacional
outra vez. Na mesma linha de raciocínio e de acordo com um novo tempo,
já na década de 1950, o Secretário de Estado de Dwight Eisenhower (1953-
1961), John Foster Dulles, dizia que os latino-americanos não tinham capa-
cidade de se autogovernar, eram como crianças. (9) Ele aconselhava o irmão
de Eisenhwoer, Milton, antes de uma visita dele à América Latina, que, ao
tratar com o latino-americano, lhes desse palmadinhas nas costas, se mos-
trasse amigo para que pensasseem que ele gostava deles. (10) Chegam a ser
desrespeitosos. Talvez o conselho nem fosse necessário, é só observar como
se comportam alguns dirigentes daquele país hoje em contato com líderes
latino-americanos, continuam dando pequenos tapinhas nas costas ou na
barriga. Se caminhando juntos colocam a mão no ombro para mostrar uma
suposta camaradagem. Sabem que pessoas da região apreciam isso, mesmo
que não faça parte do comportamento deles. E a mídia regional dá espaço
para aqueles gestos ensaiados. Como também a mídia ressalta que o presi-
dente do país é amigo de tal presidente dos EUA, e que o outro presidente
fora mais amigo do que saiu. Eles não vem dessa maneira.
E assim vem através dos anos. Na hora de tirar uma fotografia nova da
região volta-se às antigas e já arraigadas no imaginário popular daquele povo.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 111
Fala ainda que na América Latina os heróis são colocados em estátuas mon-
tados em cavalos em praças públicas, e que o latino americano tem adoração
por isso. É “uma manifestação de imaturidade”, característica de adolescente
que adora o grande herói que destrói seus adversários e se coloca acima da
lei. (13) Uma análise de alguém que mal conhecia a América Latina e que
deu base para a atuação do governo norte-americano na Guatemala, e dali
para frente serviu de mote para outras ações na área. Ou seja, a América
Latina não estava preparada para a democracia, acreditava em governos for-
tes, e esse foi o caminho que os EUA tomaram com a região. Acabara a Boa
Vizinhança, volta-se ao que sempre fora. Apoio a ditaduras foi um fato nor-
mal, estavam fazendo o correto, a América Latina era filha do autoritarismo.
É impressionante como essas crenças sobre a América Latina se fixavam na
mente e no coração daquele povo. O que Halle escreveu nada mais era do
que o quadro histórico que eles tinham da região.
Alguém, Louis Halle, criou a justificativa intelectual para o que viria a
ocorrer na América Latina: para combater o comunismo, entregue os gover-
nos a homens com pulso forte em associação com a elite local. Mudanças ou
reformas sociais seriam coisas de comunistas e deveriam ser combatidas. A
imaturidade política da região poderia dar espaço à entrada do comunismo,
e por isso os EUA deveriam agir. Essa é a moldura de toda a Guerra Fria na
América Latina. Medo de que pela inocência política regional a União Sovi-
ética se aproveitasse, os EUA deveriam impedir essa suposta ação. Certo ou
errado é o que vai prevalecer na região com implicações históricas até hoje
na vida de cada nação desta parte do mundo. O campeão da democracia,
que ajudara na derrota do autoritarismo na Europa, apoia o inverso na Amé-
rica Latina. É antiga a tese de que o erro está sempre no outro. A culpa da
atuação dos EUA na América Latina seria das pessoas daqui e não de quem
vinha de fora. Este, ao contrário, estava ali para salvar e ajudar aquele povo,
isso justificava perante o povo norte-americano qualquer ação externa. Ali-
ás, ocorre até hoje. Ataque norte-americano no Oriente Médio seria para
impedir que tal governo fosse para um suposto lado errado e que os EUA
estavam levando democracia e desenvolvimento social. Vem lá de trás, faz
parte da história e da cultura do país.
O governo Dwight Eisenhower aceitou a tese de Halle, decidiu apoiar
qualquer ditador que fosse anticomunista e pudesse manter ordem interna.
(14) Uma decisão que trouxe choro e ranger de dentes para a história re-
gional. Já que a América Latina admira o herói forte, aquele que batia nos
seus oponentes e que estava acima da lei, foi esse o caminho escolhido como
modelo a ser seguido por outros governos mais tarde nos EUA. Como se fosse
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 113
para acalmar consciências aceita-se que a região é assim e eles nada pode-
riam fazer. A Europa, em reconstrução, seria o único lugar que a América
Latina teria para buscar algum tipo de suporte, pelo menos intelectual, para
enfrentar a força descomunal dos EUA naquele momento. Estava prostrada e
precisando da ajuda norte-americana, não seria lugar para se buscar apoio.
Houve, porém, alguns poucos nos EUA que viam que o caminho toma-
do pela política externa do país para a América Latina era equivocado. O
caminho seria atacar a pobreza regional, ali estava a base para uma suposta
entrada do comunismo. O modelo econômico e até mesmo político que a
região seguia deveria ser mudado. Para os EUA, naquele momento, qualquer
ação nesse sentido seria ato vindo de fora, ajudado por Moscou para desesta-
bilizar governos. E como eles acreditavam que a área vivia em sua adolescên-
cia política (com muita simpatia colocando desse modo) não podiam deixar
que agentes de fora agissem na América Latina. Entregaram a região para
governos autoritários ou “delatores amigos”. (15)
Voltando à Guatemala. A ação que ocorreu ali foi o modelo que se teria
na América Latina de maneira geral. Os EUA não invadiriam o país, mas
ajudaram interna e externamente um grupo de descontentes a derrubar o go-
verno que eles entendiam pró-comunista. Os norte-americanos armaram em
1954 Carlos Castillo Armas que, com alguns dissidentes e suporte massivo
dos EUA, derrubou o governo de Jacobo Arbenz. (16) A análise de Martha
Cottam (17) sobre os acontecimentos na Guatemala talvez seja a mais lúcida
sobre como agia a diplomacia dos EUA em cima dos estereótipos criados na
mente norte-americana através da história. A política externa do país traba-
lhava sempre nessa direção. Não foi somente lá atrás na diplomacia do dólar
ou no Destino Manifesto, aquilo estava arraigado na mente das pessoas dali,
e agia na política externa do país movidos por essa crença histórica. O caso
da Guatemala é emblemático. O país era considerado mesmo uma república
bananeira, ou que só vivia do que produzia no campo, e com a presença da
United Fruit Company a imagem se firmava mais ainda. A imagem nos EUA
era, portanto, de uma área dependente, não tinham condições de autogover-
nar, menor de idade em sua ação política.
A tática nova foi acusar de comunista todo mundo que queria algum
tipo de reforma. Arbenz tinha apoio da confusa coalizão de esquerda a seu
governo, mas não era comunista no sentido clássico da palavra. Como os
EUA viam comunistas até debaixo da mesa de jantar acusavam qualquer um
de ser agente de Moscou, e porque Arbenz advogava reformas, incluindo a
agrária, foi visto como inimigo. Deveria ser colocado para fora porque sendo
infantil em política seria facilmente manipulado pela União Soviética. (18)
114 Alfredo da Mota Menezes
elite junto com a igreja católica, e que não queria perder o antigo poder. Povo
quase analfabeto para entender o que estava acontecendo. Medo de que a
União Soviética dominasse a política local, porque o povo era despreparado
para se autogovernar. E, no final, funcionou a ação.
A partir da queda de Arbenz, governos autoritários tomaram conta da
Guatemala. Esse foi o detalhe histórico mais doído. A Guatemala teve um
pequeno suspiro de democracia com os governos Arévalo e Arbenz, e os
EUA ajudaram a destruir essa pequena abertura na política local. O governo
norte-americano sabia que Arbenz não era comunista e, com uma escusa
que a história prova o contrário, provoca um futuro banho de sangue naque-
le país. Em anos subsequentes morreram cerca de 30 mil guatemaltecos na
violenta repressão interna com participação até do Green Beret, uma força
norte-americana treinada em ações de guerrilha. Os EUA interromperam na
Guatemala os avanços criados nos governos Arévalo e Arbenz como liber-
dade de imprensa e sindical, voto universal, eleições livres e um princípio de
reforma agrária, ações que deram base ao processo democrático. Se os EUA
tivessem dado força às reformas em andamento, com pequeno investimento
na economia teriam influenciado toda uma região. A Guatemala sempre foi
líder naquele pedaço do mundo, se ela se transformasse, transformaria toda
a América Central. E hoje, quem sabe, ter-se-ia mais gente incorporada ao
mercado consumidor. Os EUA ganhariam mais dinheiro ainda.
Também, ao dar força a regime militar e não democrático na Guatema-
la, os EUA ajudaram a fortalecer os regimes ditatoriais em toda a área. Na
América Central e no Caribe, com exceção da Costa Rica, por muitos anos
nenhum governo professava os cânones democráticos, fato que até reverbe-
rou contra os interesses dos EUA mais tarde. Na Nicarágua, como exemplo,
o governo Reagan investiu tempo e dinheiro na tentativa de derrubar os
Sandinistas que assumiram o governo depois da luta contra a ditadura da
família Somoza.
Outro dado que chama a atenção naquele episódio é a crença que todos
na Guatemala tiveram de que o país estava mesmo sendo invadido. Tudo foi
montado pela CIA com mensagens falsas. O que encabula é que até as forças
armadas acreditaram. O Ministro das Relações Exteriores, Guillermo Toriello,
em mensagens para os EUA e para o corpo diplomático, denunciava a tal
massiva invasão. Até mesmo Jacobo Arbenz falou nisso no seu discurso de
despedida antes de se refugiar na embaixada do México. Chega a impressionar
como se ganhou uma “guerra” quase que somente com ações psicológicas.
Sarah Sherbach diz que, para aparecer um estereótipo e para que ele vi-
ceje, deve haver alguma coisa de concreto do que se fala ou cria. No caso da
116 Alfredo da Mota Menezes
Guatemala, que virou um modelo para toda a América Latina, fixou ainda
mais na mente das pessoas dos EUA que a América Latina era fraca mes-
mo. E na política externa daquele país também. Ou como dizia o Secretário
de Estado John Foster Dulles, quando surgia na América Latina governos
ditos populares, que a região tinha um povo que não tem o dom de se au-
togovernar, “são como crianças quando enfrentam um problema”. (21) A
imaturidade dos líderes latino-americanos em política era aceita como uma
verdade histórica pelos que faziam a política externa dos EUA. Ou como dis-
se Richard Nixon, vice-presidente de Eisenhower, que os espanhóis tinham
muitos talentos, mas governar não estava entre esses. (22) Colocam-se essas
afirmações em momentos diferentes para mostrar como o povo norte-ameri-
cano olha a América Latina e isso é também o ponto de vista dos dirigentes
do país. Seja lá atrás, seja em tempos mais recentes, vê-se sempre alguém
com as mesmas frases que estão no imaginário popular daquele país.
Ainda no governo Eisenhower começa uma discussão nos EUA sobre os
motivos reais dos problemas políticos na América Latina. Alguns arguiam,
entre eles o irmão do presidente, Milton, que nem tudo na região seria coisa
de comunista, que havia pobreza, desnutrição, faltavam reformas que aju-
dassem os mais pobres a melhorar de vida, precisava-se de capital e tecno-
logia. Sem isso e com as condições do povo piorando pela urbanização que
ocorria havia manifestações populares e até tomada de governos por gente
que queria algum tipo de mudança. A tumultuada visita do vice-presidente
Nixon à América Latina em maio de 1958 mostrou uma América Latina
diferente para os EUA. (23) Manifestações gigantes contra ele ocorreram no
Peru e na Venezuela, chegaram a cercar seu carro; ele teve que se refugiar
na embaixada norte-americana em Caracas. O governo dos EUA percebeu
que havia algo no ar, o país não era mais bem-vindo como antes. Começa
uma pequena mudança de ponto de vista no governo dali. Continuariam
a combater o comunismo por qualquer meio que fosse, principalmente na
associação com os militares e a elite regional, mas seria preciso fazer algu-
ma coisa para modificar a situação dos mais pobres. Era tempo, como disse
Eisenhower, de ganhar mentes e corações dos pobres da América Latina.
(24) Ajudou nisso o presidente Juscelino Kubitschek com a sugestão de se
criar um plano de desenvolvimento econômico para a região que ajudaria a
diminuir a fricção política e impediria que surgissem regimes de esquerda na
área. O caso cubano mostrava que algo diferente estava acontecendo, e que
os EUA deveriam usar outros meios para acalmar a região. E Cuba estava no
Caribe, perto dos EUA, e era lugar de influência direta do país desde o final
do século XIX.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 117
mal junto ao eleitorado nos EUA, a tática é ignorá-los e a tantos outros que
agiriam infantilmente.
Funciona numa democracia a busca pelo voto numa eleição, nenhum
partido no poder nos EUA gostaria de tomar alguma ação na América Latina
que mais tarde tirassem votos, seja nesse momento ou em outro qualquer.
Tem assuntos externos ali que levaram a isso, podem ser citados os casos do
Vietnã, os reféns do Irã ou a “perda” da China, que pesaram na hora de uma
eleição. Com referência à América Latina não tem sido bem assim. Mesmo
o caso cubano da Baía dos Porcos, no início do governo John Kennedy, ou a
crise dos mísseis, não afetaram a eleição de Lyndon Johnson do mesmo par-
tido do presidente assassinado em Dallas em 1963. Em 1988, George Bush,
vice-presidente de Ronald Reagan, apesar do caso Irã-Contras (ajuda aos
“contras” os Sandinistas em território de Honduras) ter explodido em 1986,
se elegeu presidente do país.
De volta ao caso cubano. Os EUA, no início de 1960, começam a pres-
sionar economicamente Cuba na questão de petróleo, e também diminuindo
a compra do seu açúcar na tentativa de enfraquecer o governo Fidel Castro.
Foi um erro, empurraram Cuba para o braço do adversário, a União Sovi-
ética assumiu a posição de supridor de petróleo e comprador de parte do
açúcar da ilha. Continuavam aceitando que Cuba, como outras nações da
América Latina, seria aprendiz em política, mas agora sob o domínio do mal
que chegou de fora. Acreditando que Cuba, como outros países da área, não
tinha condições de enfrentar um confronto armando maior, a administra-
ção Eisenhower bolou um plano, executado por seu sucessor John Kennedy,
outra vez com o suporte da CIA, para invadir Cuba com exilados cubanos.
Quase o mesmo tipo de ação contra o governo de Jacobo Arbenz da Gua-
temala, incluindo pequeno bombardeio aéreo sem presença de força militar
dos EUA. Cuba, em 1961, se defendeu e venceu essa tentativa ao derrotar a
despreparada força enviada contra ela na Baía dos Porcos.
O preparo e a ação militar foram um ato típico do pensamento norte ame-
ricano sobre a região, principalmente com os países do Caribe e da América
Central. Tinham na cabeça que, por infantilidade da área, repetir o que fize-
ram na Guatemala daria mais certo ainda num país supostamente menos pre-
parado. Foram surpreendidos, atribuíram esse novo fato à presença de agentes
de outros países que ajudaram Cuba a fazer o enfrentamento militar. Não fora
coisa de latino-americano. John Kennedy assumiu a culpa pelo fiasco da ope-
ração. Cuba se jogou nos braços da União Soviética, para este país era inte-
ressante ter um aliado perto da costa dos EUA. Mais tarde, em 1962, houve a
crise dos mísseis em Cuba, a União Soviética estava colocando mísseis na ilha
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 119
do Caribe voltados para os EUA, fato que quase levou as duas superpotências
a uma guerra nuclear. No último instante estabeleceu-se um acordo, acredita-
se que sem a aprovação de Fidel Castro, em que os soviéticos retirariam os
foguetes que estavam sendo montados, em contrapartida os EUA se compro-
metiam a não invadir Cuba, que caminhava mesmo para o socialismo.
Outra vez o momento histórico determinava o que o país iria fazer,
houve nova mudança de rumo nos EUA sobre seu relacionamento com a
América Latina. Os EUA estavam com problemas internos com a luta pe-
los direitos civis dos negros. Uma superpotência daquele porte, que pregava
democracia e liberdade, tinha parcela de sua população sem a tal liberdade
política e civil. Mandavam também um recado errado para o mundo de que
na região sob sua tutela, a América Latina, não havia liberdade, e a pobreza
crescia cada dia mais. Sua imagem e prestígio em outros lugares do mundo
poderiam ser atingidos. Em situação assim aquela nação mudava de direção.
Passado aquele específico momento retorna ao leito normal de sempre a po-
lítica externa dos EUA.
O movimento pelos direitos civis crescia nos EUA. Os negros, desde o
início dessa insatisfação, em dezembro de 1955, em Montgomery, Alabama,
quando Rosa Parks se rebelou contra a discriminação em ônibus, queriam
mudar a situação interna deles. Na década de 1960 o assunto entrou em
ebulição. Martin Luther King, com seu sonho de uma América em que a cor
da pele não medisse o caráter de uma pessoa, era a favor de mudanças usan-
do o pacifismo, do outro lado estava Malcolm X, que a queria nem que fosse
a força. Aparecem também no período os Panteras Negras, que apoiavam
mudanças radicais no relacionamento branco e negro naquele país. Foram
emblemáticas as fotos de atletas negros dos EUA nas Olimpíadas do México
de 1968 no pódio quando levantaram a mão com uma luva que representava
os Panteras Negras. A imagem dos EUA no exterior ficou arranhada, o país
que saíra da guerra como campeão em democracia, que pregava liberdade
contra governos autoritários ou totalitários, seja ou não comunista, tinha
uma parcela da população em situação vexatória. Nos governos Democratas
de Kennedy, e depois de Lyndon Johnson, virão mudanças nesse relaciona-
mento. Em 1965, um século depois do final da Guerra Civil (1861-65), em
que pressupostamente o negro seria emancipado, veio a decisão da Suprema
Corte dos EUA de one man, one vote. Também se derruba a barreira de negros
e brancos no setor educacional.
A América Latina também se mostrava indócil, passava por um tur-
bilhão político e intelectual. Além da vitória e do exemplo de Fidel Castro
em Cuba, a imagem externa da União Soviética estava crescendo na região,
120 Alfredo da Mota Menezes
Latina por um longo período. Certa ou errada, ela culpava o exterior pelos
problemas enfrentados pela região. Seja por esse ou aquele motivo, a verdade
é que a América Latina ficou para trás em crescimento econômico, se com-
parada com os EUA. Em 1800 a renda per capita dos EUA era o dobro da do
México e quase a mesma do Brasil. Lá por 1913, ela era quatro vezes maior
que a do México. e sete vezes maior que a do Brasil. (41)
Há uma tradição na América Latina de culpar o exterior pelos seus pro-
blemas, não parece que é o caminho correto. (42) Há um passado e um
presente para serem olhados e discutidos. Em 1989, como exemplo, caiu o
Muro de Berlim, há um novo mundo, desde então, a Ásia o abraçou e está
exportando, ficando rica e diminuindo a pobreza, lá é lugar onde as multi-
nacionais buscam mão-de-obra para produzir e vender, e hoje o Atlântico
foi substituído pelo Pacífico no comércio mundial. Na Ásia investiram na
educação de forma clara e com objetivos determinados. Na década de 1950
o Brasil deixava para trás a Coreia do Sul em educação e renda per capita, 20
anos depois a curva começou a mudar para o lado coreano, outros 20 anos e
a Coreia tem uma renda per capita maior que a do Brasil. Todos concordam
que foi o extraordinário investimento em educação a arma nacional para o
desenvolvimento. A Coreia do Sul hoje exporta bens de última tecnologia
para parte do mundo. Era antes um país pobre e, pela teoria da dependência,
nunca sairia daquela condição, os mais ricos a exploravam, como exploravam
a América Latina. O comércio mundial só seria benéfico aos países centrais.
Com alguns países asiáticos a teoria da dependência não se aplica.
Pode-se também fazer outras ressalvas com o caso latino-americano.
Estudos mostram, como um exemplo, que no Brasil (43) fatores locais leva-
ram a uma quase estagnação econômica entre 1822 e 1913. Transporte foi
um deles: o custo do frete era muito alto, tinha situações em que ficava em
até 50% do valor do bem vendido. O interior do país era pouco conectado
por estradas, ferrovias foram poucas também. Em 1884 o país possuía 6.240
quilômetros de ferrovias ou 0,7 km de trilhos por cada mil quilômetros de
território do país. Aumentou-se a construção de ferrovia entre 1890 e 1914,
mas, apenas como comparação, em 1900 os EUA tinham mais de 20 vezes
extensão de linhas férreas que o Brasil. O número que o Brasil atingiu em
1914 de ferrovia os EUA tinham em 1850. Capital de fora para investir era
escasso, e o risco muito grande, o governo deveria assumir esse espaço, fê-lo
devagar e com pouco recurso também. Também não havia facilidade no país
para rotas fluviais, a geografia, no caso, ajudou mais os EUA que o Brasil.
Rios havia, mas em posições geográficas não muito favoráveis, como os da
Região Amazônica.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 127
na Inglaterra e que, tendo a língua inglesa como base, facilita uma troca e
complementação nos trabalhos acadêmicos sobre a América Latina.
Retornando à Aliança para o Progresso. Problemas concretos aparece-
ram nessa nova ação do governo norte-americano para a América Latina.
O crescimento per capita anual desejado nunca foi atingido, também o PIB
de 5%, com exceções, tornou-se difícil de ser alcançado. O crescimento per
capita nos anos iniciais da Aliança ficou em 1,5%. (4) E, para atrapalhar
ainda mais, o pequeno crescimento era anulado pelo aumento populacional.
Inflação foi outro complicador do período. Inflação e população crescendo
anulavam qualquer ganho que os mais pobres pudessem ter. Nos EUA, em
novembro de 1963, John Kennedy foi assassinado em Dallas. Seu sucessor,
Lyndon Johnson, que não participara da montagem desse plano para a Amé-
rica Latina, nunca foi um entusiasta sobre a região. Além disso, tinha seus
próprios problemas, e dois deles de alta envergadura: a guerra do Vietnã e a
necessidade de resolver ou minorar a situação do negro no país cuja popu-
lação talvez fosse tão pobre quanto a da América Latina. O Congresso tam-
bém foi diminuindo seu entusiasmo frente aos números que apareciam sobre
a Aliança, e foi cortando recursos para o programa. O novo presidente não
tinha interesse em fazer enfretamento ali para buscar o que se faltava para
complementar o que se propôs lá atrás. Ele destinou recursos para tentar
contornar problemas internos nos EUA, como a pobreza do negro norte-
americano naquilo que recebeu o nome de war on poverty, até ajudou a di-
minuir as reclamações dos mais pobres do país. Ao invés de mandar recurso
da nação para outra gente e região decide-se que seria mais bem aplicado
internamente. Ajudava até nos aspectos político e eleitoral, ajudava ainda
em ganhar a opinião interna num momento em que o país aumentava a
escalada da guerra no Vietnã, uma guerra nunca bem vista pela maioria da
população dali.
Naquela mesma década começou a crescer o número de ditaduras na
América Latina, a Guerra Fria aumentou. O governo Johnson (1963-1969),
seguindo o modelo clássico nos EUA, aceitou governos autoritários amigos
para combater o comunismo. Como ali acreditava que a região tinha essa
tradição, o melhor seria não contrariar a história, não navegar contra. Era
melhor se adaptar à realidade do momento e não provocar mudanças sociais,
econômicas e políticas para um povo que, achavam, não estava preparado
para isso. A Aliança para o Progresso foi mais uma tentativa dos EUA em
momento que o país se encontrava tensionado por fatos internos e externos
que o colocavam numa posição um tanto quanto incômoda. Em situações
assim, mostra a história deles em seu relacionamento com a América Latina,
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 133
Os fatos mais uma vez sugerem que essa nova política de aproximação
de Carter tinha raiz no que acontecia internamente naquele país, um mo-
mento trepidante na vida daquela nação: os assassinatos de Robert Kennedy
e Martin Luther King, em 1968, a derrota no Vietnã em 1975, ou ainda o
desfecho do caso Watergate em 1974. Watergate abalou a política nos EUA,
a democracia dali criticava em governos autoritários as ações encobertas e
comandadas pelo governo Nixon. Teve gente que até achou que a instituição
democrática poderia ser atingida. A economia dos EUA também sofria aba-
los desde a crise do petróleo que, talvez pela primeira vez, teve filas de carros
em postos de gasolina. Na indústria o país sofria grande competição do Japão
e da Alemanha. Uma capa de uma revista semanal talvez seja o retrato do
momento porque passou o país. Aparecia a palavra the surrender (a rendição)
com o mesmo tipo de letra que escrevera anos antes na rendição do Japão no
fim da II Guerra. Agora quem estava quase se rendendo era quem ganhara
a guerra. A tentativa de mudança dos EUA em seu relacionamento com a
América Latina quando estava em situação interna ou externa complicada
era uma característica interessante, pontua-se mais uma vez. A política da
Boa Vizinhança nasceu num desses períodos, a Aliança para o Progresso
também. Agora Jimmy Carter seguia a cartilha do país em ser mais maneiro-
so naqueles momentos. Quando a situação se mostrou diferente voltou-se a
atuar como sempre, principalmente na relação com a América Latina.
Acreditava o governo norte-americano que a União Soviética resolvera
expandir-se por áreas do mundo enquanto os EUA estavam ainda atordo-
ados pelos diferentes acontecimentos internos e pela derrota no Vietnã. A
África seria um desses lugares, e Cuba estaria ajudando nessa empreitada.
Não se sabe até hoje se a ação de Castro ali foi uma iniciativa própria ou se
a União Soviética estava por trás. Há interpretações que dizem que até os
aliados soviéticos foram apanhados de surpresa com aquele ato cubano. O
que não se tem dúvidas é que o armamento foi soviético, ajudou a esquerda
a tomar o poder em Angola com Agostinho Neto, por exemplo. Castro, ali-
ás, foi o único dirigente internacional a ser convidado para a posse daquele
presidente. Frente a fatos como esses e outros na América Latina com apoio
dos cubanos, o governo Carter voltou atrás no seu iniciante relacionamento
com Cuba, tratou-se como um caso no auge da Guerra Fria.
O caso cubano serve de gancho para mais uma análise da relação dos
EUA com países latino-americanos. A Cuba de Fidel Castro foge do figurino
clássico criado nos EUA sobre a América Latina: dependente, criança em
política e fácil de ser manipulada. Essa quebra de paradigma é que talvez te-
nha feito com que os EUA, até hoje, tenham Cuba na alça de mira, ela fugiu
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 137
dos estereótipos de antes. Mas não escapa de outro: tudo aquilo aconteceu
porque os EUA cochilaram e a ilha caiu nos braços de um inimigo de fora da
área. Não foi cochilo, foi equívoco mesmo, acharam que iam fazer no caso
cubano o mesmo que fizeram com Arbenz da Guatemala. Se falhasse a ação
paramilitar a pressão econômica estrangularia o regime de Cuba. Ao jogar
Castro para o lado soviético aconteceu até o apoio econômico na venda de
petróleo e compra de açúcar. Depois, na crise dos mísseis, no acerto final,
é comum aceitar que uma das condicionantes para não se instalar mísseis
voltados para os EUA seria que este país não invadisse Cuba. Não invadisse
e nem patrocinasse, como em tantos outros casos, invasão do país. Talvez
sejam fatos assim, ainda não digeridos, que fazem com que os EUA tratem
Cuba até hoje como um caso no auge de uma Guerra Fria que morreu há
tanto tempo.
Os EUA hoje têm relação comercial com o Vietnã, lugar onde sofreram
uma derrota militar, onde morreram milhares de norte-americanos. Os EUA
têm ligação com a China que era acusada de tantas coisas antes de Richard
Nixon buscar entendimento diplomático e comercial. Os EUA se aproxima-
ram também de outros países que no passado tinham contrariado interesses
norte-americanos. Com Cuba, pequena ilha do Caribe perto dos EUA, com
base católica e espanhola, nada disso ocorre. É um caso curioso. Alega-se
que os norte-americanos não buscaram um entendimento com Cuba porque
os cubanos nos EUA não querem, mas não tem sido assim quando aquele
país precisa enfrentar pressões até maiores que as dos cubanos. No caso do
Oriente Médio os EUA já enfrentaram o lobby judeu, que é superior ao dos
cubanos nos EUA, tem mais dinheiro, força na mídia e votos que eles. Além
disso, os novos cubanos nos EUA, aquela geração depois dos primeiros exila-
dos, não pensam como os mais antigos, querem abertura para Cuba, e mes-
mo assim o governo norte-americano não faz gesto nessa direção. Pesquisa
de opinião pública nos EUA, da Zogby de 10 de agosto de 2007, mostrou que
58% dos norte-americanos concordam em modificar a relação com Cuba, e
56% que acabe o cerco comercial. Em 2 de outubro de 2008, em outra pes-
quisa do mesmo instituto, já mostrava uma tendência até maior: 60% para
rever a política para a ilha e 62% para abandonar o bloqueio comercial.
Mesmo com a opinião pública a favor de uma mudança, contrariando
a regra ali de seguir o rumo que a maioria do país quer, o governo norte-
americano não mostra vontade em mudar algo que tinha algum sentido nos
anos da Guerra Fria. O que gera desconfiança de que seja uma espécie de
punição porque um país da área se comportou de forma diferente da regra
criada naquele país para os povos da região. Se houver conversação entre os
138 Alfredo da Mota Menezes
dois interesses talvez o problema esteja em que o lado mais fraco da equação
seja tratado como igual. Quem sabe dá para conjeturar que esteja aí a dificul-
dade do Departamento de Estado em fazer essa mudança. Tem uma história
por trás, teria que modificar a tese antiga aceita ali sobre o que é e como se
comporta a América Latina, e se fizer algo diferente para um país teria que
modificar a maneira de tratar outros países da área também.
Fala-se ainda no governo norte-americano que o impedimento para essa
aproximação é porque em Cuba não há liberdade de imprensa ou pensamen-
to, só um partido e não tem eleições livres, que Cuba deveria primeiro fazer
essas mudanças para depois haver a aproximação. O Vietnã e a China hoje
têm partidos únicos, liberdade de imprensa vigiada e um controle político de
um grupo no poder. Os EUA não exigem mudanças para se ter entendimento
comercial e diplomático com eles. Num passado não distante os EUA ajuda-
ram a manter no poder na América Latina algumas das piores ditaduras do
mundo. Na Argentina, no Brasil e no Chile, como exemplo, os militares e seus
aliados internos e externos praticaram atos que os norte-americanos conde-
nam em Cuba. Augusto Pinochet ficou no poder por anos com suporte e apoio
dos EUA. Não se pediu a ele que libertasse prisioneiros ou tirasse a mordaça
da imprensa para que houvesse entendimentos entre os dois governos. Os
fatos sugerem que essa aproximação não vem, entre outros motivos, porque
alguém na região, agindo certo ou errado, contrariou a tese dominante nos
EUA de que os países da região são dependentes e imaturos politicamente.
Não se está fazendo defesa do regime cubano, já está na hora de se promo-
ver ali mudanças e aberturas num mundo diferente desde a queda do Muro de
Berlim. Mas é quase incompreensível os EUA fazerem de Cuba, uma pequena
ilha de 11 milhões de habitantes, ainda um lugar inimigo como se a Guerra Fria
não tivesse terminado. Esse episódio só pode ser entendido dentro do quadro
histórico da relação dos EUA com o Caribe e a América Central. Um aprendiz
em política, com apoio de fora da área, ousou desafiar o gigante perto de casa.
Não é que o caso cubano seja o caminho na relação entre os dois lados da Amé-
rica, não há mais espaço para isso num mundo cada dia mais aberto. Foi citado
como ilustração sobre o relacionamento dos EUA com países da região.
Outro acontecimento da era Carter foi a chegada ao poder dos Sandinis-
tas na Nicarágua em 1979. O governo norte americano, ainda indeciso quan-
to a sua política para a América Latina, deixou a coisa acontecer. Carter ten-
tou uma aproximação com o novo governo, até ofereceu ajuda econômica,
não queria repetir o erro que os EUA cometeram com Cuba ao antagonizar
Fidel Castro e esse ter se alojado nos braços de Moscou. Os Sandinistas prefe-
riam, no entanto, uma ligação maior com a União Soviética e com Cuba. Se
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 139
aceitassem, perdiam o discurso interno, a luta deles (14) fora contra a família
Somoza, que dominava o país desde que o patriarca da família, Anastácio,
assumira o comando da Guarda Nacional na década de 1930, força criada pe-
los EUA para tomar conta do país e usada por um grupo se manter no poder.
Os Sandinistas não tinham como dizer à população, da qual dependiam para
controlar o poder, que nada daquilo era verdade, e que os EUA seriam um
país amigo dos que agora chegavam ao governo. A administração Carter foi
considerada culpada nos EUA pela perda da Nicarágua para o lado soviético.
No xadrez da política mundial isso não poderia ocorrer, cada país que caía no
tabuleiro aumentava o poder do outro. Mesmo a pequena Nicarágua entrava
como peça nesse jogo que dominou o mundo por muito tempo.
Frente a um novo momento dos EUA a administração Carter em ênfase
à defesa dos direitos humanos em sua política para a América Latina. (15) A
decisão de política externa foi positiva por um lado e difícil de ser concretizada
por outro. Era momento das ditaduras na área e de defender os direitos huma-
nos quando tanta gente estava sendo torturada, presa, e sem poder político foi
até altruísta. Mas, com militares no poder em quase todos os países, haveria
um choque de interesses. Imagine os governos da Argentina, do Chile e do
Brasil se preocuparem com direitos civis ou com a defesa dos direitos do cida-
dão. Carter ameaçava cortar ajuda aos governos militares que não obedeces-
sem a suas propostas sobre direitos humanos. Governos como o do Brasil, da
Argentina e do Chile rompem os acordos militares que tinham com os EUA.
Criticam o governo Carter que os condenava, e diziam que ele não condenava
os governos comunistas que infringiam também os direitos humanos.
O candidato a presidente pelo partido Republicano, Ronald Reagan, já
criticava a política externa do governo Carter desde a campanha eleitoral de
1980. Achava que o presidente afrontava governos amigos na região, havia
sido leniente e deixado o grupo comunista tomar o poder na Nicarágua, e que
isso poderia estender para El Salvador, onde a Frente Farabundo Marti esta-
va ganhando terreno. (16) Criticava ainda a atuação do governo para com
Cuba e, mais tarde, aconteceu o momentoso fato em Teerã, quando foram
feitos reféns os norte-americanos que trabalhavam na embaixada dos EUA
no Irã. Um assunto que ajudou na derrota de Carter para Ronald Reagan.
Quem pautou a atuação futura da administração Reagan (1981-1989)
para a América Latina foi Jeane Kirkpatrick. Ela era professora de Ciência
Política da Universidade de Georgetown, Washington, e escreveu artigos em
que condenava o que fizera Carter, e dava aula de como se deveria tratar a
América Latina ou mais precisamente os assuntos em andamento da América
Central e do Caribe. O que ela proclamava e defendia era a essência do pen-
140 Alfredo da Mota Menezes
discursos contra tirania, e que se vai levar liberdade e democracia para esse
ou aquele povo. Tantos anos depois é a mesma tese do Destino Manifesto ou
de missão quase divina. Foi o que aconteceu no Panamá onde um presidente
foi deposto, mandado para uma prisão no país invasor, e a maior parte da
América Latina apoiou a medida sem perguntar se fora correta ou não ou
de que lado estava a razão. A razão ficou outra vez com o mais forte com
sua arma militar e de propaganda. A culpa pela invasão foi do invadido, os
EUA estavam ali para restaurar a liberdade a um povo oprimido. Derrubou
o mesmo Noriega que fora antes aliado dos EUA. Martha Cottam diz que o
caso Noriega foi, mais uma vez, aceito nos EUA porque o Panamá era visto
como um país dependente, com um governo cruel e autoritário, na tradição
latino-americana, sua saída seria uma coisa boa para o povo panamenho.
George Bush, presidente dos EUA entre 1989 e 2003, criou (24) a cha-
mada Iniciativa para as Américas, ou a tentativa de integração econômica
do Alaska à Terra do Fogo, todos os países das Américas numa integração
econômica. Essa iniciativa serviu para reavivar as integrações que estavam
adormecidas na região. O Mercado Comum Centro Americano e a CAN, ou
Comunidade Andina, tomaram fôlego novo. Reforça também a vontade de
integração existente entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai no
Mercosul. Todas as integrações criando musculatura para uma conversa maior
com os EUA numa suposta integração continental. (25) Depois de muito de-
bate e controvérsia ocorreu a integração econômica da América do Norte
ou EUA, Canadá e México no Nafta (North American Free Trade Agreement)
em 1992. (26) Uma economia menor em contato com duas outras maiores.
Uma das intenções desse acordo de livre comércio visava aumentar o número
de empregos no México, diminuiria a ida de tantos mexicanos para os EUA.
Mais tarde, o Chile foi admitido nessa integração. Funcionaria, em tese, como
um aprendizado para que à frente outros países da área pudessem também
participar de uma integração econômica maior, fato que não ocorreu.
Mais tarde, num encontro em Miami, em dezembro de 1994, já no gover-
no Bill Clinton (1993-2001), foi proposta a criação de uma integração econô-
mica entre todos os países na Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
(27) Encontros e mais encontros, debates no Congresso norte-americano para
aprovar medidas concretas para essa integração, mas não deslanchou. Outros
países da região, como o Brasil, apoiados nos parceiros do Mercosul, queriam
concessões especiais dos EUA, principalmente na abertura de mercado para
produtos agrícolas ou que os EUA acabassem ou diminuíssem subsídios ao
setor. Por seu lado, os EUA queriam que os países da integração abrissem as
portas para, por exemplo, o setor de serviço. Um lado não cedeu aos apelos
146 Alfredo da Mota Menezes
quando se discutir para valer algum acordo global sobre meio ambiente, país
como o Brasil, por causa da Amazônia, pode ser puxado para a agenda dos
EUA. Até mesmo com discussão econômica sobre comprar ou não comprar
bens não produzidos de forma ambientalmente saudável.
Outro assunto que hoje interessa os EUA em seu relacionamento com
a América Latina é a questão do narcotráfico. (29) Os EUA são o maior
consumidor de drogas do mundo e, como em tantos outros casos, procura-se
mostrar que o culpado pelo fato não é o lado consumidor de droga e sim o
produtor. É uma luta que não depende só do produtor, ou como disse um ex-
presidente da Colômbia no auge do embate do país com o narcotráfico, num
horário nobre da televisão nos EUA, que a culpa pelos problemas por que
passava a Colômbia era dos EUA como o maior mercado consumidor, que o
problema desapareceria se aquele país diminuísse o consumo de cocaína. Os
norte-americanos levaram um susto com aquela fala sincera.
Os EUA ajudam até a combater as Farcs ou Forças Armadas Revolucio-
nárias da Colômbia dando alguns bilhões de dólares para aquele país com o
intuito de, ao enfraquecê-la ou derrotá-la, diminuir a quantidade de drogas
para os EUA. É que se acredita que há uma ligação entre os traficantes e os
guerrilheiros das Farcs, que é no tráfico que aquele movimento se abastece
para seu enfrentamento político. Mas mesmo com ajuda como essa pesquisa
de opinião pública nos EUA pelo instituto Zogby, em 2 de outubro de 2008,
mostra que 76% dos norte-americanos acreditam que o país está perdendo
a guerra contra as drogas. (30) Esta droga, que atinge milhões de jovens nos
EUA, é como se fosse uma vingança contra a intrusão nas coisas da região,
uma vingança de Montezuma numa alusão à conquista do México pelos
espanhóis. O norte-americano enfraqueceu a cultura dos índios nos EUA
ao vender bebidas alcoólicas a eles, (31) o mesmo foi feito ao introduzirem o
rum entre os negros do país, como fez a Inglaterra com o ópio na China. Hoje
a cocaína é um problema numa sociedade afluente que busca prazeres novos.
O que aconteceu antes com índios e negros talvez esteja acontecendo agora
com uma parte da juventude daquele país.
O comércio dos EUA cresce na América Latina, é maior com o México
do que com todos os outros países da região juntos. O México absorve algo
como 9% das exportações norte-americanas para o mundo, o Canadá recebe
20%, a Ásia 37% e toda a América Latina 7%. (32) A América Latina, entre
1992-2003, foi a região do mundo onde mais cresceu o comércio, 154%,
com os EUA (a maior parte desse crescimento foi com o México), Ásia,
88%, 89% Europa e 78% África. Há um novo competidor na área que é
a China. O comércio da China com a região cresce a uma média anual de
148 Alfredo da Mota Menezes
40%, (33) já anda pelos 100 bilhões de dólares. A China compra cada dia
mais produtos primários da área, a soja brasileira é um exemplo: a China a
compra, os EUA não. O comércio entre Brasil e a China suplantou aquele
com os EUA. A China tem investimentos em minas e refinarias no Peru, na
Costa Rica, na Venezuela e na Argentina. Talvez esteja agora morrendo a
Doutrina Monroe, aquela que dizia que não poderia haver outra potência na
área, seria perigoso para os EUA. Há um novo ator: China. Um dos motivos
dessa aproximação está na negligência que os EUA relegaram à América
Latina desde o fim da Guerra Fria, e mais ainda no governo George Bush
depois do ataque terrorista naquele país. Também podem ser acrescentados
outros fatores próprios da região, (34) há mais independência econômica e
não há tanta crise, as economias estariam mais robustas que antes. O caso
brasileiro talvez ilustre um pouco o novo momento em que, com o comércio
com a China, houve crescimento econômico na venda de mais commodities,
a moeda se fortaleceu, havia menos inflação e os juros caíram.
Os fatos sugerem que a preocupação agora dos EUA na América Latina
seja com a China, e por comércio e não, como no passado, com a ex-União
Soviética, e por ideologia política. Dá até para especular se a China ajuda-
ria na melhoria da logística de transporte em trechos da América do Sul
para facilitar a exportação e a importação entre os dois interesses. Dos EUA,
através de agências de fomento, até saiu dinheiro para infraestrutura, não de
forma estratégica e planejada como essa imaginada aqui para levar e receber
produtos pelo Pacífico. A China precisa de comida, a área pode produzir. Ela
não pode ficar dependente de um só mercado, como os japoneses antes da
II Guerra com alguns itens exportados dos EUA. China precisa diversificar
o mercado comprador, a América do Sul poderia ser um deles. No caso uma
potência investiria na região e não se sabe como reagiriam os EUA, não
seria enfrentamento como nos tempos da Guerra Fria, mas por comércio.
Se houver disputa, quem sabe, surge algo novo num relacionamento antigo.
Seria a segunda vez que um país, desde o longínquo início do século XX, se
posicionaria na região num enfrentamento com os EUA por comércio. Antes
foram a Alemanha e a II Guerra, o desfecho dela eliminou aquela presença.
A falada atuação da ex-União Soviética, com exceção do caso cubano, talvez
tenha sido mais fanfarra do que um fato real. Agora se tem a China depois
daquela quase paranóia regional da Guerra Fria. É um novo momento, bom
para ser observado. Pesquisa de opinião pública da Zogby publicada nos EUA
em 10 de agosto de 2007 (35) mostra que 56% dos norte-americanos acham
que a presença da China na América Latina é uma ameaça para a influência
dos EUA na região. Só 10% entendem que não há ameaça nenhuma. Lá se
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 149
faz até pesquisa para analisar essa nova presença de um ator da política e
comércio internacional na área. Um dado que, se por levado em conta o que
houve antes, acaba influenciando a política externa do país.
Seria interessante perguntar como é que se vai posicionar o Brasil nesse
jogo na América do Sul, onde o país vende uma razoável porção de bens in-
dustrializados. Os dois gigantes da economia e comércio mundial se posicio-
nando na região, e seria bom que o Brasil mostrasse também suas armas para
fazer parte desse jogo. Agora é comércio, vender produtos, não tem mais o
viés ideológico que acabava atrapalhando ações mais concretas de atuação
comercial. O tempo mudou, personagem novo e situação nova aparecem,
e seria útil que o Brasil fosse um dos protagonistas também nesta parte do
mundo. Investir em transportes na área, facilitar as ligações do país com os
outros da região, talvez seja uma das saídas. Com meios de transporte mais
adequados, e pela proximidade geográfica, talvez dê para entrar nessa com-
petição entre aqueles dois gigantes da economia mundial.
Na questão da segurança, um fator que empurrava os EUA a se imiscuir
na região para não diminuir seu prestígio no mundo, depois da queda do
Muro de Berlim e das novas tecnologias, faz com que a América Latina te-
nha menos importância nos EUA. Não será abandonada pela política externa
norte-americana, a proximidade geográfica e os problemas regionais, como
imigração, acabam afetando aquele país. Por causa da imigração, o comércio
e a geografia eles tinham um olho voltado para a região. É, afinal, uma área
da influência deles, e não se abandona uma conquista que começou lá atrás
com a Doutrina Monroe, seguida pela nota de Richard Olney, que definia a
região como de interesse deles, passando ainda pelo Corolário Roosevelt à
Doutrina Monroe, a diplomacia do dólar ou do big stick, ou era intervencio-
nista. A rápida passagem pela Boa Vizinhança, novas invasões, Fidel Castro
e a ex-União Soviética, nova recaída ou a Aliança para o Progresso, a volta
às ações militares e paramilitares, derrubadas de governos, Carter e sua po-
lítica dos direitos humanos, Reagan não a aceitou e retornou a maneira de
antes ao promover invasões e derrubar governos ditos não amigos dos EUA.
Com a queda do Muro de Berlim desapareceu o receio com o comunismo, as
novas tecnologias fizeram a região ter menos importância na política externa
daquele país, hoje mais voltada para o Oriente Médio, a Europa e a Ásia.
Pesquisa de opinião pública nos EUA pela Zogby, publicada em 26 de
janeiro de 2008, mostra que somente 7% dos norte-americanos concordam
que a América Latina é importante para aquele país. O Oriente Médio apa-
rece com 43% de importância, a Ásia com 20% e a Europa e a Rússia com
12%. (36) Nem precisava de uma pesquisa desse tipo para comprovar um
150 Alfredo da Mota Menezes
estereótipos nos filmes, diz Berg, são parte do discurso dos EUA sobre quem
deveria dominar o continente americano, uma espécie de Doutrina Monroe
e Destino Manifesto agora ilustrado para cinema.
A mídia também ajudou a criar a imagem que o latino-americano tem
nos EUA, aliás, foi parte importante nessa história. O que pensa a nação está
na mídia, há uma sincronia entre o que diz a mídia nos EUA e o que pensa
o homem comum ou o que existe na formação da cultura e da mentalidade
daquele povo. Mercedes Lynn de Uriarte (21) mostra como a imprensa dos
EUA descreve os mexicanos. O mexicano é típico índio, diz um articulista
norte-americano (22) em 1914, analfabeto, a maioria filhos ilegítimos, ine-
ficiente e emotivo. O problema político do México seria por causa da sua
fraqueza de caráter ou que a causa real dos problemas dali eram o tempera-
mento e a raça. Essas mesmas palavras foram ditas por outros personagens
em outros momentos no relacionamento entre os dois povos. Como a Revo-
lução Mexicana para derrubar Porfírio Diaz estava no auge, para os norte-
americanos o que ocorria ali era próprio de um povo bárbaro e atrasado. E,
como escreve Dominik Lorenz, se está na mídia se transforma em verdade
na mente do homem comum. Ele já tem os estereótipos de um povo e fica
muito mais fácil aceitar o que a notícia traz da América Latina. Ele não tem
tempo, num mundo apressado, para refletir sobre o que é correto ou errado,
aceita as colocações como lhe são repassadas. Latino-americanos e negros
são mostrados como não obedientes às leis, os brancos sempre como vítimas.
Se ocorrer um crime o mais fácil e cômodo é atribuí-lo ao outro, reflete o que
o povo pensa do negro e do latino. Se hoje um chicano comete um delito,
todo o grupo é caracterizado como igual. (23) Não é somente aquele indiví-
duo como indivíduo, que cometeu um delito, é toda a gente parecida com
ele que age sempre desse modo. É porque, mais uma vez, isso está na mente
e no coração das pessoas dali por mais de 150 anos de história de um relacio-
namento complicado entre povos, ideias e comportamentos.
Na busca de como os mexicanos são vistos na mídia dos EUA a mesma
autora diz que uma pesquisa descobriu que em 34 fontes norte- americanas e
74 mexicanas que trabalhavam com a mídia dos EUA sobre os assuntos do Mé-
xico somente 18 matérias foram positivas, 134 eram negativas. (24) Não é so-
mente lá atrás na época da guerra de 1848, em que o México perdeu um naco
grande do seu território, não é somente na confusa situação política no México
no momento da Revolução Mexicana, isso ocorre em toda ligação histórica
entre aqueles dois países. O mexicano é descrito até hoje quase sem nenhuma
mudança, é a mesma que ele tinha tantos anos atrás. E, pela economia de es-
forço, é fácil associar toda a América Latina com o que veem nos mexicanos.
160 Alfredo da Mota Menezes
E isso influencia a feitura das ações de política externa daquele país. E, para
piorar a situação, a mídia dos EUA não tem a América Latina como lugar para
mandar bons correspondentes, preocupa-se mais com outros lugares.
Uriarte comenta uma fala em 1986 de dirigente dos EUA no Senado
daquele país que esclarece um pouco como a mídia dali trata os assuntos
da América Latina. A imprensa parte do princípio que os norte-americanos
são superiores e civilizados, e que latino-americanos ou mexicanos são cor-
ruptos, traficantes de drogas e não obedecem às leis. Conclui dizendo que,
se os norte-americanos vissem os latino-americanos como eles realmente
são, e não de maneira distorcida, seria impossível para o governo dos EUA
conduzir uma honesta política externa para a região. (25) Ele quis dizer que a
política externa do país é prisioneira dos estereótipos que grassam ali desde o
período colonial. Que se fosse alterado esse rumo, se vissem a região de outra
forma, levaria problemas para quem faz a política externa para a área: teriam
dificuldades para fazer uma nova. No manual do Departamento de Estado
para a América Latina já existem regras históricas claras e praticamente imu-
táveis sobre a região. Seria enfadonho repeti-las.
O caso da Seleções do Reader’s Digest no Brasil é sugestivo. Mary Jun-
queira (26) mostra como a Revista Seleções via o Brasil e a América Lati-
na. A revista foi fundada nos EUA em 1922, entrou no México em 1940 e
no Brasil em 1942. Pedido por quem? Nelson Rockffeler outra vez, aquele
mesmo encarregado de ganhar a região para o lado dos EUA no esforço de
guerra contra as potências do Eixo. A revista mostra os EUA como a terra da
promissão, com ordem, progresso, povo trabalhador, todas as qualidades do
homem branco e protestante. Ela atingia nos EUA principalmente a classe
média, como era ainda incipiente essa classe na América Latina imaginava-
se que a revista não prosperaria, mas pelo esforço de guerra valia até o risco.
E deu certo. Impressiona como a descrição de Seleções sobre a América Lati-
na se encaixa no princípio norte-americano de conquista de terras selvagens,
de vazios que precisavam ser povoados e levados à civilização. Uma região de
territórios vazios, sem leis, sem ordem. (27) Os EUA seriam o contraponto,
deveriam ser imitado. Em quase tudo o que se lê sobre esse relacionamento,
seja na literatura, revistas, descrições de viajantes, jornais, charges, roman-
ces, o caminho é idêntico.
O trabalho de Junqueira com a Revista Seleções e o livro de Fredrick
Pike se complementam quando falam da conquista da natureza pelos norte-
americanos. Lá como terra de progresso porque conquistam territórios selva-
gens para produzir de forma ordeira, em obediência às leis, com democracia
e sob a égide da melhor religião, o protestantismo. Quem não se encaixasse
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 161
nesse figurino seria selvagem, caótico, violento e não tinham princípios de-
mocráticos. Essa era também a opinião de uma revista de grande circulação
nos EUA e que teria importância no Brasil. Para Seleções a saída para a Amé-
rica Latina seria seguir o modelo norte-americano, deu certo lá daria aqui
também. (28) É interessante perceber que Seleções cria estereótipos sobre o
mundo hispano-americano da região, em que o Brasil aparecia como um país
mais ordeiro e progressista que seus vizinhos. O “outro”, no caso, eram os
vizinhos. Dito por revista norte-americana deve ter agradado a classe média
brasileira que crescia aos poucos.
A revista ataca também os governos autoritários da Alemanha, da Itália
e do Japão. Põe os outros aliados do lado do bem. Mais tarde colocou a União
Soviética na alça de mira, como exportadora de ideias que não coadunavam
com os princípios democráticos. Não importa que a Rússia, aliada na guerra,
fosse antes descrita com palavras simpáticas. Quando virou adversária na
arena internacional, a revista a colocou em tons negativos. A revista atingiu
a classe média urbana que começava a surgir no Brasil, impressionou tam-
bém o sistema de distribuição dessa revista, chegava longe no país. Em Mato
Grosso, por exemplo, num pequeno lugar de garimpo chamado Poxoréo, lá
pela década de 1950, meu pai nunca a deixou de receber uma vez sequer.
Capítulo final
novas e quase diárias, uma pessoa dos EUA iria criar imagens ou fotografias
diferentes da América Latina? Antes se falou e criou ali a crença de povos
imaturos, pobres, sem condições de autogovernos, atuando como aprendizes
na arena política, disputas territoriais intermináveis, governos autoritários
como consequência de uma herança europeia equivocada. Tudo isso está na
mente do povo dali, é fácil aceitar essas crenças históricas. A teoria criada
por Lippmann se encaixa como uma luva na visão que os norte-americanos
têm da América Latina.
Até hoje ainda é difícil mostrar para um americano comum que a Amé-
rica Latina não tem mais inflação, ou que há eleições normais na maioria dos
países. Basta aparecer algum governante falando o que lhe vier à cabeça, pro-
pondo alternativas consideradas equivocadas, que logo esse ato é associado
com toda a região. Não adianta dizer que aquele pronunciamento ou derru-
bada de governo foi feito naquele país e não no Brasil. É tudo igual, porque,
como mostra Lippmann, já há uma fotografia da região na mente das pessoas
que vêm desde lá de trás. E mesmo nos tempos atuais, pela economia de es-
forço, as crenças sobre a América Latina continuam nos EUA. E, para ajudar
nessa confusão mental, de tempos em tempos aparece algum dirigente regio-
nal mostrando um estilo autoritário ou populista em sua ação de governo, e
isso reforça os estereótipos criados a respeito da América Latina nos EUA.
Não se cria estereótipos do nada, tem que ter base em algum fato ou realida-
de, (5) tem que ter alguma amarração. Se não tiver um gancho a invenção
logo fenece. E há casos na América Latina que confirmariam parte da realida-
de, dando suporte ao estereótipo criado. Se não houvesse não duraria. E se é
esse ou aquele país não interessa, é a América Latina. E a imagem que está na
cabeça do norte-americano médio é aquela de uma região confusa, complexa
e com tradições contrárias àquilo que eles acreditam que seja correto.
Algumas tradições ou ações latino-americanas são estranhas ou até ab-
surdas para o norte-americano. No governo Jorge Ubico, em 1935, na Gua-
temala, como exemplo, fez-se uma votação para modificação constitucional
com a qual ele poderia continuar como presidente, em que se exigia que se
colocasse na cédula de votação o nome de quem votou. A proposta favorável
a ele teve mais de 800 mil votos e 1.227 contra. (6) Um fato desses contado
para o público norte-americano leva aquele povo a criar mais generalizações
sobre a região. E como há a aceitação de que tudo é igual por causa da mes-
ma história, um fato daquele seria comum para toda a área.
Exemplos mais atuais também existem e que ajudam a manter a imagem
antiga da América Latina no imaginário norte-americano. Tem análise do
momento que fala que o comportamento latino-americano é cultural, al-
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 165
guém do mundo acadêmico dos EUA escreveu pequeno artigo em que traz
de volta esse assunto. (7) Conta alguns casos recentes para dar base à sua
hipótese. Escreveu que a Argentina teve problemas de gás para suprir o mer-
cado interno, e que o fato fora provocado pelo governo argentino em não
permitir aumentos no preço do produto para a população. Os investidores
recuaram nos investimentos. Chegou a tal ponto a falta de gás que o governo
argentino quis usar parte do que o Brasil comprava da Bolívia para suprir a
demanda interna. O governo não sabia que isso ia acontecer? Se a conse-
quência era previsível, como entender que a ação do governo fosse tomada?
A Bolívia, outro exemplo citado, desapropriou investimentos da Petrobras
no país. Não tinha recursos para investir em energia e se mostrou surpresa
quando foi ao mercado financeiro buscar empréstimos e os investidores ex-
ternos se recusaram a colocar dinheiro ali. Se já havia precedente perigoso
com outro investimento era natural que ficasse mais difícil conseguir investi-
dores de outros lugares, seria temeridade investir no país. Se o fato era natu-
ralmente previsível, como é que se toma uma decisão daquela da Petrobras
sem maiores análises? E o mais interessante é que a maioria da população
aceita a decisão do governo. Por que, continua a articulista, ainda hoje, com
a democracia sendo aceita no mundo todo, a região glorifica o caudilho ou o
herói autoritário ao invés do líder democrático? Conclui que há um compo-
nente cultural nessas estranhas ações que são seguidas por diferentes países
e povos da região. Não é uma tese de fácil aceitação, mas há algo no ar que
incomoda. Imagine fatos desses, como o de Jorge Ubico da Guatemala antes,
mostrados para o público norte-americano, só pode fortalecer a imagem que
eles têm da região e que vêm lá de longe na história.
As generalizações se espalharam mais ainda nos tempos modernos com
a televisão confirmando fatos considerados comuns no imaginário daquele
povo. Casos como o de Hugo Chávez na Assembleia Geral da ONU quando
discursou depois de George Bush e fez uma teatralização de que satã acabara
de sair dali mostrada para o público norte-americano faz com que as genera-
lizações sobre a área se fortaleçam. Ou na estranha deposição do presidente
Manuel Zelaya de Honduras, em que os EUA praticamente entregaram a
solução do caso aos dirigentes da América Latina. Dirigentes latino-ameri-
canos, incluindo os considerados de esquerda, pediam pressão e apoio maior
dos EUA para o retorno de Manuel Zelaya. Um fato que levou o presidente
dos EUA, Barack Obama, a dizer que os latino-americanos pediam sempre
menos ingerência dos EUA nos assuntos da área e naquele caso estavam
pedindo que aquele país mostrasse sua musculatura. Nem mesmo a OEA,
aquele órgão político regional de faz-de-conta, se mostrou operante. Um
166 Alfredo da Mota Menezes
está em jogo. Para reforçar o ponto de vista de que eles não podem mais dar
aulas à América Latina sobre uma suposta superioridade histórica tem-se hoje
nos EUA, basicamente, nos círculos acadêmicos, a suposição de que estão
surgindo no país fatos que o fazem parecido com a América Latina. Não esta-
riam em condições de dar lições para a região, têm problemas internos a resol-
verem. Acreditavam numa superioridade cultural que lhes dava condições de
até usar meios não tão éticos para se impor em dada situação. Os problemas
que surgem e crescem ali já não deixam tão clara essa superioridade. Falam
hoje em (10) latim- americanização dos EUA ou, com algum exagero, que o
país estaria se transformando numa grande América Latina. Problemas como
os da América Latina, criticados pela maioria do povo dali, estariam acon-
tecendo nos EUA. Uma interpretação dessas não é entre o homem comum,
é mais aceita e falada no meio acadêmico ou intelectual daquele país. Esses
problemas são levantados pelos próprios norte-americanos, e estão aqui elen-
cados como amostra de um mundo globalizado que cada dia se parece mais.
A análise começa pela religião. Falava-se sempre que os padres católicos
são corruptos e de baixa moralidade sobre sexo. Fazem um paralelo com o
que está acontecendo nos EUA com os pastores protestantes no aspecto de
corrupção e sexo, e chegam à conclusão de que ali a coisa é até pior do que
na América Latina. Referem-se, claro, aos muitos escândalos envolvendo
nomes da igreja local com desonestidade e ações sexuais constrangedoras
e publicadas à exaustão na mídia local. E que, interessantemente, a mídia
latino-americana dá pouca atenção. Na economia a nova interpretação é
também crítica com o que acontece naquele país, setor em que os norte-
americanos davam antes lições para a região. As dívidas interna e externa
dos EUA preocupam e drenam recurso do país, os japoneses estavam le-
vando parte desses recursos com o empréstimo que fazem ao tesouro norte-
americano. Os norte-americanos reclamam da situação como reclamavam
os latino-americanos com os empréstimos e a presença dos EUA na econo-
mia regional. Os EUA sempre criticam o povo latino-americano pela falta de
disciplina para o trabalho, eles, pela ética protestante, estavam preparados
para enfrentar desafios. Os japoneses estão dando aulas sobre como ter mais
disciplina para produzir no trabalho, ganhar e poupar dinheiro. Os japoneses
fazem hoje o mesmo tipo de comentário que o norte-americano fazia sobre a
incapacidade latina americana para o trabalho duro e disciplinado.
Os norte-americanos também criticavam a questão sexual na América
Latina, uma região de lassidão moral. O que está acontecendo nos EUA faz os
acontecimento da América Latina parecerem coisa pequena. Quantidades de
adolescentes como mães solteiras, casamentos desfeitos, adultérios e divórcios
168 Alfredo da Mota Menezes
Capítulo I
1. Fredrick B. Pike. The United States and Latin America – Myths and Stereotypes of Civiliza-
tion and Nature. Austin: University of Texas Press, 1992, p. 75.
2. John J. Johnson. Latin America in Caricature. Austin: University of Texas Press, 1997, pp.
12-13. Além do texto o livro traz 131 charges ou caricaturas sobre a América Latina na
imprensa norte-americana entre 1880 e 1973.
3. Pike, pp. 76-77.
4. Ibid. p. 84.
5. Johnson, p. 13, e Lawrence E. Harrison. The Pan-American Dream – Do Latin America’s
Cultural Values Discourage True Partnership with United States and Canada. Boulder: Wes-
tview Press, 1997, p. 4.
6. Harrison, pp. 32-39. Robin Greir. “The Effect of Religion on Economic Development: a
Cross National Study of 63 Former Colonies”, Kyklos, vol. 50, Fasc. 1, pp. 47-62, 1997.
Esse aspecto religioso recebe hoje outras defesas, agora com análises mais sofisticadas.
Estudos mostram que há uma relação negativa entre catolicismo e progresso econômi-
co. Greir, usando estatísticas, números e gráficos, assegura que as colônias espanholas
tiveram desempenho econômico pior que as inglesas. Analisou 63 colônias entre 1961-
1990, as espanholas e as francesas, com base católica, tiveram desempenhos “significa-
tivamente piores” que as inglesas em renda per capita e PIB. Os números apresentados
mostram realmente uma superioridade nas ex-colônias inglesas. Não se pode atribuir a
um só fator essa diferença, há outros componentes, como as instituições políticas e até
mesmo a atuação de governos, como assevera Carlos Benito, “The Causes of Poverty in
Latin America and the Caribbean – The Role of Political Institutions”, paper apresenta-
do em evento na Guatemala em maio de 2000. Mas, para o norte-americano médio, seja
no passado ou agora, a religião protestante era superior à católica. E foi essa visão que
permaneceu no país, independente de novas e sofisticadas análises e interpretações. Mas
é preciso ressaltar também que a França tem base católica e chegou ao patamar de país
desenvolvido, e que a Renascença nasceu numa Itália católica.
7. Lawrence E. Harrison. Underdevelopment is a State of Mind – The Latin American Case.
Boston: The Center for International Affairs, Harvard University and Madison Books,
pp. 22-23.
174 Alfredo da Mota Menezes
Capítulo II
18. Stephen Haber How Latin America Fell Behind – Essays on the Economic Histories of Brazil
and Mexico, 1800-1914, principalmente o capítulo 4, pp. 93-117.
19. John Johnson, pp. 20-21.
20. Park, p. 97.
21. Ibid. p. 99.
22. Harrison. Pan-American Dream, pp. 21-22.
23. Park, p. 93.
24. Harrison. Pan-American Dream, pp. 22-23.
25. Harrison, Underdvelopment is a State of Mind, pp. 30-32.
26. Ibid. pp. 142-143.
27. Harrison. The Pan-American Dream, p. 23.
28. Johnson, pp. 29-31.
29. Martha L. Cottam. Images & Intervention – U.S. Policies in Latin America. Pittsburgh:
University of Pittsburgh Press, 1994, pp. 14-35.
30. Citado por Harrison. Pan American Dream, p. 26.
31. Johnson, p. 73.
32. Park, pp. 90-91.
33. Johnson, pp. 116-119.
34. Sharbach, pp. 23-35.
35. Ibid. p. 31.
36. Cottam, pp. 22-23.
37. Ibid. p. 25.
38. Park, p. 90.
39. Johnson, p. 116.
40. Ibid. p. 118.
41. Sharbach, p. 40.
42. Ibid. p. 43.
43. Ibid. p. 35.
44. Ibid. pp. 37-39.
45. Ibid. p. 43.
Capítulo III
1. Lars Schoultz, p. 1.
2. Federico G. Gil. Latin American-United States Relations. New York: Harcout Brace Jova-
novich, 1971, pp. 57-59; Lars Scholutz, p. 3. Michael LaRosa e Frank O. Mora. Readings
in Neighborly – U.S.- Latin American Adversaries Relations. Boulder: Rowan & Littlefield
Publishers, 1999, p. 65.
3. Gil, 61. Joseph Smith. The United States and Latin America – A History of American Diplo-
macy, 1776-2000. New York: Routledge Group, 2005, pp. 15-16. LaRosa e Mora, pp. 63-64.
4. LaRosa e Mora, p. 73 e Gil, p. 63.
5. Smith, pp. 17-18 e Gil, pp. 62-63.
6. LaRosa e Mora, pp. 85-89. O livro de Gaston Nerval se chama Autopsy of the Monroe
Doctrine: The Strange Story of Inter-American Relations.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 177
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
1. Federico G. Gil, pp. 238-250; Joseph Smith, pp. 123-126; Alan McPherson, pp. 51-54;
James William Park, pp. 204-229.
2. Lars Schoultz, p. 383.
3. Gil, p. 245.
4. Ibid. pp. 245-246.
5. Cole Blasier, pp. 241-258.
6. Schoultz, p. 360.
7. John Johnson, p. 19.
8. Schoultz, pp. 361-362; Blasier, pp. 262-270; McPherson, pp. 74-79.
9. Martha Cottam, p. 56.
10. Schoultz, p. 361.
11. Smith, pp. 141-149.
12. Walter LaFeber, The Panama Canal, principalmente o capítulo 6, pp. 160-216.
13. Wayne S. Smith. The Closest of Enemies – A Personal and Diplomatic Account of U.S.-
Cuban Relations since 1957. New York: W.W.Norton & Company, 1987, principalmente
os capítulos 4, 5, 6, 7 e 8, pp. 101-237.
14. LaFeber, Inevitable Revolutions, capítulos 3 e 4, pp. 145-270 e John A. Booth. The End and
the Beginning – The Nicaraguan Revolution. Boulder: Westview Press, 1982, capítulos 7, 8
e 9, pp. 127-214.
15. Schoultz, pp. 362-363; Cottam, pp. 71-116; McPherson, pp. 79-82
16. Schoultz, pp. 364-366; Smith, pp. 149-156; Cottam, pp. 117-131; McPherosn, pp. 89-105.
17. Schoultz, p. 378.
18. Smith, pp. 146-149.
19. McPherson, pp. 106-107.
20. Smith, p. 159.
182 Alfredo da Mota Menezes
Capítulo VII
1. Carlos E. Cortés. “The Convenient Arena: Mexico in U.S Motion Pictures”. In: Imagens
Recíprocas – La Educación en las Relaciones Mexico-Estados Unidos de América, Colegio de
México, México, 1991, p. 236.
2. Allen L. Woll. The Latin Image in American Film. Los Angeles: UCLA Latin American
Center Publications, 1980, p. 9.
3. Carlos Cortés, p. 237.
4. Mercedes Lynn de Uriarte. “Crossed Wires: The U.S. Press and Mexico”. In: Imagens
Recíprocas – La Educación en las Relaciones México-Estados Unidos de América, Colegio de
México, México, 1991, p. 252.
5. Woll, pp. 15-16.
6. Ibid. p. 35.
7. Schoultz, p. 380.
8. Woll, p. 23.
9. Cortez, pp. 236-237.
10. Woll, p. 39.
11. Ibid. p. 65.
12. Tânia da Costa Garcia. “Carmen Miranda e os Good Neighbors”, 5 (internet). É um
resumo do livro It Verde Amarelo de Carmen Miranda. São Paulo: Annablum, 2004.
Ingênuos, Pobres e Católicos: A História da Relação dos EUA com a América Latina 183
13. Bianca Freire Medeiros. “Hollywood Musicals and the Invention of Rio de Janeiro, 1933-
1953”. Cinema Journal 41, número 4, pp. 52-67, 2002. Há um resumo com o título “O
Rio de Janeiro de Hollywood em Quatro Takes”, 5 (internet).
14. Ibid. p. 7.
15. Woll, p. 87.
16. Ibid. p. 108.
17. DeeDee Loleck. “The Gringo in Mañanaland”, DVD, Box 89, Wilow NY 12495
18. Domenik Lorenz. “Stereotypes of Chicanos in US”. Druck und Bindung, Nordertedt Ger-
many , Books on Demand: 2008, p. 7, (internet). Jane Hill. “Mock Spanish: a site for
the indexal reproduction of racism in American English”, Language and Culture Sympo-
sium, 2008 (internet).
19. Ibid.
20. Charles Ramirez Berg. Latin Images in Film – Stereotypes, Subversion, Resistance. Austin:
University of Texas Press, 2002.
21. Mercedes Lynn de Uriarte. Crossed Wires: The U.S. Press and Mexico.
22. Uriarte, p. 254.
23. Lorenz, p. 6.
24. Uriarte, p. 259.
25. Ibid. p. 263.
26. Mary Junqueira. “Representações Políticas do Território Latino-Americano na Revista
Seleções”, Revista Brasileira de História, vol. 21, número 42, pp. 323-342.
27. Junqueira, p. 323.
28. Ibid. p. 338.
Capítulo Final
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