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Superior Tribunal de Justiça

AgRg no HABEAS CORPUS Nº 510.214 - PR (2019/0137558-3)

RELATOR : MINISTRO LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO


(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE)
AGRAVANTE : EDUARDO COSENTINO DA CUNHA
ADVOGADOS : TICIANO FIGUEIREDO DE OLIVEIRA - DF023870
PEDRO IVO RODRIGUES VELLOSO CORDEIRO -
DF023944
DIEGO BARBOSA CAMPOS - DF027185
CÉLIO JÚNIO RABELO DE OLIVEIRA - DF054934
OBERDAN FERREIRA COSTA DA SILVA - DF054168
THIAGO SILVEIRA QUADROS - DF056251
JULIANO GOMES AVEIRO - DF057727
JULIA ESTEVES LIMA WERBERICH - DF058042
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIÃO

DECISÃO

Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão de minha


relatoria, a qual não conheceu do habeas corpus impetrado em favor de EDUARDO
COSENTINO DA CUNHA.

Ressai das alegações aventadas pelo agravante a pretensão de que seja


efetivado o juízo de retratação, insistindo nas teses já defendidas no mandamus.

Sustenta, em síntese, que o habeas corpus é instrumento jurídico


destinado a resguardar, célere e eficazmente, a liberdade de locomoção, de modo
que a existência de recurso especial (REsp n. 1.822.182/PR) interposto em face do
mesmo acórdão impugnado na impetração, com a mesma causa de pedir e pedido,
não constituiria óbice ao seu conhecimento.

Argumenta que como a Constituição Federal não estabelece a


pendência ou não de recurso especial como pressuposto de admissibilidade da ação
constitucional, o não conhecimento do writ resulta em afronta direta aos princípios
do devido processo legal, da ampla defesa e da inafastabilidade da jurisdição.

Obtempera que o c. Supremo Tribunal Federal, na mesma esteira, tem


rechaçado a tese, citando o HC 120.361/MG, de relatoria da e. Min.ª Rosa Weber, e

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o HC 110.935, de relatoria do e. Min. Roberto Barroso.

Defende que os precedentes citados na decisão agravada não se


aplicam à espécie, porquanto um cuidaria de hipótese em que a pretensão veiculada
no habeas corpus já fora analisada em outra impetração anterior, ao passo que o
segundo trataria de recurso ordinário articulado com pretensão também já reduzida
em recurso ordinário interposto anteriormente.

Propõe que, mesmo quando não se admita a tese exposta, o habeas


corpus deve ser conhecido, visto que a ilegalidade na prestação jurisdicional das
instâncias ordinárias seria manifesta.

Nessa linha, afirma que o art. 609 do Código de Processo Penal prevê
que o recurso de embargos infringentes pode ser empregado quando houver
divergência, inclusive, em tópicos específicos da sentença, conquanto a pena final
aplicada tenha sido, em termos absolutos, idêntica à dos votos majoritários.

Pontua, neste particular, que:

"[...] a norma processual não exige que a divergência seja sobre o


todo da decisão objurgada, mas requer, apenas, que haja ponto de discordância no
qual prevaleça o entendimento desfavorável à defesa. [...] Havendo um ponto, em
específico, que demandaria nova definição jurídica dos fatos em favor da defesa, a
via recursal eleita já seria pertinente" (fls. 954-955).

Desse modo, pondera que, com relação ao crime de evasão de divisas,


não houve mera divergência de fundamentação, mas, de fato, divergência de
decisão, visto que, por um lado, os e. Desembargadores Federais Leandro Paulsen e
Victor Luiz dos Santos Laus reconheceram a existência de dois crimes, mas, por
outro, o e. Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto reconheceu a existência
de um único crime, mesmo que, ao fim, a pena arbitrada por todos tenha sido a
mesma - 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Aduz, ainda, que houve divergência entre o voto proferido pelo e.


Desembargador Victor Luiz dos Santos Laus e os proferidos pelos Desembargadores
João Pedro Gebran Neto e Leandro Paulsen, quanto aos limites de valoração das

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provas produzidas nos autos e à possibilidade de reconhecer a responsabilidade
criminal do agente com base em prova tarifada, expediente que, propõe, teria sido
adotado por estes Desembargadores. Defende que a rediscussão da matéria poderia
resultar em modificação do próprio dispositivo da sentença, de forma que seria
necessária a reforma do acórdão recorrido a fim de conhecer dos embargos
infringentes.

Requer, ao final, a reconsideração da decisão agravada ou o


provimento do agravo regimental, para determinar que o e. Tribunal Regional
Federal da 4ª Região conheça dos embargos infringentes da defesa e julgue a
controvérsia.

É o relatório. Decido.

2. Sustenta o recorrente, inicialmente, que a coexistência de recurso


especial e de habeas corpus nesta Corte, com identidade de partes, causa de pedir e
pedido, não constitui óbice ao conhecimento deste último, tendo em vista a sua
celeridade e o fato de a Constituição da República não estatuir a pendência ou não
de recurso especial como pressuposto de admissibilidade do writ constitucional.

Adiante, reiterando os argumentos declinados na impetração, defende a


ilegalidade do acórdão impugnado, que não conheceu dos embargos infringentes,
argumentando, em resumo, que a divergência em tópicos específicos da matéria
julgada na apelação admite a oposição dos infringentes, conquanto o voto
prevalecente, ao final, tenha sido aquele que atribuiu ao agravante pena idêntica à
dos demais votos.

Pois bem. A farta jurisprudência desta Corte Superior, com efeito,


orienta-se no sentido de não conhecer do habeas corpus quando este veicula
pretensão idêntica à de recurso especial ou de agravo em recurso especial julgado
em momento anterior ao exame da impetração, com fundamento na
inadmissibilidade da reiteração de pedido e na aplicação do princípio da
unirrecorribilidade da decisão judicial.

Verifica-se, nessas hipóteses, que esta Corte não tem conhecido do

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mandamus não com base apenas na pendência de recurso especial ou de agravo em
recurso especial, mas, sim, com base no julgamento anterior da mesma matéria da
impetração no recurso próprio, o que traduz, em termos processuais, o exaurimento
da competência desta Corte para apreciá-la, dada a prévia e efetiva prestação
jurisdicional. In casu, registro, o recurso especial ainda não foi julgado.

Confira-se:

"PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO


NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. IDÊNTICA
MATÉRIA JÁ ANALISADA E DECIDIDA EM ARESP ANTERIOR.
REITERAÇÃO DE PEDIDOS. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. É inviável o conhecimento de habeas corpus quando a
pretensão já foi objeto de análise por esta Corte Superior em sede de
Agravo em Recurso Especial, julgado anteriormente. Precedentes.
2. Diante do não conhecimento do habeas corpus, é
também inviável a apreciação das idênticas razões levantadas por
meio do agravo regimental.
3. Embargos de declaração rejeitados." (EDcl no AgRg
no HC 532.973/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe
15/10/2019, grifei).

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.


TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PLEITO DE APLICAÇÃO DA
MINORANTE DO § 4º DO ART. 33 DA LEI ANTIDROGAS. PEDIDO
FORMULADO NO WRIT JÁ ANALISADO EM RECURSO ESPECIAL
JÁ DECIDIDO. VIA ADEQUADA PARA A IMPUGNAÇÃO DA
APELAÇÃO. DESPROVIMENTO DO RECURSO POR INCIDÊNCIA
DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ.
MERA REITERAÇÃO DE PEDIDO JÁ ANALISADO NESTA CORTE
SUPERIOR. INADMISSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA PELOS
PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. O pedido formulado no habeas corpus é idêntico ao
manejado nos autos do REsp n. 1.702.208/ES, já decidido nesta
Corte Superior, e se volta contra o mesmo acórdão proferido no
julgamento da apelação que, analisando os elementos
fático-probatórios dos autos, não aplicou a minorante do art. 33, § 4º,
da Lei de Drogas. Nesse contexto, é certa a inadmissibilidade do
conhecimento do mandamus, tendo em vista a impossibilidade de
reiteração de pedidos, conforme a jurisprudência pacífica deste
Tribunal.

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2. Ademais, o habeas corpus é remédio constitucional que
pressupõe prova pré-constituída em razão da sua celeridade
processual, dessa forma não há como incursionar em matéria
fático-probatória, como pretendido na hipótese em estudo, devendo o
direito alegado estar devidamente comprovado, sob pena de não
conhecimento da impetração.
3. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC
521.518/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe
12/9/2019, grifei).

"AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS.


INDEFERIMENTO LIMINAR. WRIT IMPETRADO EM
SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. OFENSA AO PRINCÍPIO
DA COLEGIALIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. POSSIBILIDADE DE
O RELATOR INDEFERIR LIMINARMENTE HABEAS CORPUS
MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. INTELIGÊNCIA DOS
ARTIGOS 34, XX, E 210 DO REGIMENTO INTERNO DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REITERAÇÃO DE PEDIDO REALIZADO
EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA
DESPROVIDA.
1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência
contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê
recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal
conhecimento. Precedentes.
2. O Regimento Interno deste Superior Tribunal de
Justiça autoriza o relator a decidir o habeas corpus quando o pedido
for manifestamente incabível ou improcedente, como ocorre na
hipótese dos autos, inexistindo prejuízo à parte, já que dispõe do
respectivo regimental, razão pela qual não se configura ofensa ao
princípio da colegialidade.
3. "É inadmissível a análise de impetração cujo objeto é
idêntico ao contido em Agravo em Recurso Especial, que, inclusive,
já foi julgado, tendo em vista a impossibilidade de reiteração de
pedidos nesta Corte Superior." (AgRg no HC 381.729/SP, Rel.
Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
23/05/2017, DJe 06/06/2017)
4. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC
491.369/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 8/3/2019,
grifei).

Por outro lado, o c. Supremo Tribunal Federal tem decidido que a


prévia interposição de recurso especial com a mesma pretensão declinada na
impetração não impede o seu conhecimento:

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"Recurso ordinário constitucional. Habeas corpus.
Negativa de seguimento pelo relator do writ no Superior Tribunal de
Justiça confirmada pelo colegiado. Fundamento: agravo em recurso
especial pendente de julgamento. Descabimento. Pressuposto de
admissibilidade não previsto na Constituição Federal. Precedentes.
Recurso provido para determinar o exame de mérito do habeas corpus.
1. É incabível, para restringir-se o conhecimento do
habeas corpus, estabelecer-se pressuposto de admissibilidade não
previsto na Constituição Federal.
2. É pacífico o entendimento da Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal de que a interposição de recurso especial
contra acórdão de tribunal local não constitui óbice processual ao
manejo concomitante do habeas corpus. Precedentes.
3. Recurso provido." (RHC 123.456/SP, Primeira
Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 7/10/2014, grifei).

"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS.


TRÁFICO INTERNACIONAL DE COCAÍNA. HC NÃO CONHECIDO
PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PORQUE PENDENTE
DE ANÁLISE RECURSO ESPECIAL. ENTENDIMENTO CONTRÁRIO
À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Esta Primeira Turma já decidiu que a “interposição
de recurso especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal não constitui pressuposto
ou requisito de admissibilidade à impetração, bem assim ao
conhecimento de habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça,
sendo insubsistente o argumento de haver sido utilizada, de modo
inadequado, a via do writ em substituição aos recursos previstos nas
leis processuais” (RHC 110.710/DF, Rel. Min .Luiz Fux). Precedentes.
2. Agravo regimental provido para determinar que a
Quinta Turma do STJ examine, como entender de direito, o mérito do
HC 271.480/SP." (AgR no HC 110.935/SP, Primeira Turma, Rel.
Min. Roberto Barroso, DJe 12/5/2014, grifei).

"HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO


CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO
CONHECIMENTO DA IMPETRAÇÃO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. QUESTÕES DE MÉRITO NÃO APRECIADAS. AMEAÇA
DE PRISÃO ILEGAL OU ABUSIVA.
1. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal
Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o
recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição
da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter
substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta
burla ao preceito constitucional.
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2. A Corte Superior não conheceu da impetração dada a
pendência de análise de agravo em recurso especial manejado contra
o mesmo ato do Tribunal de Justiça, em flagrante violação do
instituto da ação constitucional do habeas corpus (art. 5º, LXVIII, da
Constituição da República).
3. Inexistente, na hipótese, vínculo de dependência
entre a análise do agravo em recurso especial e o conhecimento da
ação constitucional do habeas corpus impetrado na Corte Superior.
4. Habeas corpus extinto sem resolução de mérito, mas
com a concessão de ofício da ordem para determinar que o Superior
Tribunal de Justiça prossiga no exame das questões de mérito
suscitadas pela Defesa nos autos do HC 202.548/MG." (HC
120.361/MG, Primeira Turma, Rel.ª Min. ª Rosa Weber, DJe
19/3/2014, grifei).

O habeas corpus, como ação jurídico-constitucional, destina-se a


tutelar, de modo específico e direto, a liberdade de locomoção, o direito de ir, vir e
permanecer de que é titular todo o cidadão. Pressupõe, portanto, a existência de
cerceamento ou ameaça concreta de cerceamento ilegal do seu direito de locomoção,
de efetiva restrição ilegítima do seu status libertatis.

Dado o caráter de urgência do mandamus, que decorre da gravidade


dos danos que podem ser causados por ilegalidade ou abuso de poder, reveste-se ele
de uma natural celeridade, seja para impedir a concretização da ameaça à liberdade
de locomoção - habeas corpus preventivo -, seja para cessar o constrangimento
ilegal já existente - habeas corpus repressivo ou corretivo.

Considerando a elevada importância que a Constituição Federal


confere à tutela do direito de ir e vir do cidadão jurisdicionado e na esteira do
entendimento do c. Supremo Tribunal Federal, tem-se que não se pode deixar de
examinar o mérito da impetração, a fim de verificar a existência de alguma
ilegalidade ou abuso de poder que resulte em violência ou coação na liberdade de
locomoção, ainda que haja recurso especial com identidade de partes, causa de pedir
e pedidos pendente de apreciação nesta Corte.

Assim sendo, revejo o meu entendimento anterior e passo ao exame


do mérito da impetração.

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A Defesa, como relatado, pretende ver admitidos os embargos
infringentes opostos na origem com base em duas possíveis divergências que se
teriam manifestado no acórdão que julgou os recursos de apelação:

a) quanto ao crime de evasão de divisas, a maioria reconheceu a


prática de dois delitos em continuidade delitiva, ao passo que a minoria,
representada no voto do e. Des. Fed. João Pedro Gebran Neto, concluiu ter havido
crime único, embora ambas as posições tenham atribuído a mesma pena final de 3
(três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, considerando divergência manifestada na
fixação da pena-base;

b) sobre os critérios de valoração da prova, o e. Des. Fed. Victor


Luiz dos Santos Laus teria firmado entendimento diverso dos demais
Desembargadores no que diz respeito aos limites de valoração das provas coligidas
nos autos e à possibilidade de reconhecer a responsabilidade penal do agente com
base em prova tarifada.

Para o exame da sugerida ausência de unanimidade no julgamento


deste último ponto, colaciono o seguinte excerto do voto proferido pelo Des. Fed.
Victor Laus, cujo entendimento se pretende minoritário (fls. 566-567 e 582-584):

"1 Ressalvas de fundamentação.


Apresento ressalvas quanto à transposição ou incorporação, ao
processo penal brasileiro, dos chamados 'standards probatórios', do critério de
valoração da prova segundo o qual essa deve apresentar-se 'acima de qualquer
dúvida razoável', e quanto aos demais pontos a seguir trabalhados:
1.1 Standards probatórios e prova acima de qualquer dúvida razoável
Com a devida vênia, não vejo como se possa transpor ou incorporar
tais lições estrangeiras, próprias de ordenamentos que prestigiam o commom law
ao direito nacional, de matriz nitidamente mais próxima ao civil law.
Essa realidade não se altera pelo só fato de o Tribunal Penal
Internacional ter adotado tais construtos hermenêuticos para o seu funcionamento
(artigo 66, item 3, do Estatuto de Roma), pois disso não decorre a conclusão, que
seria arbitrária, que aqueles critérios de valoração de prova seriam de observância
compulsória pelos países aderentes ao referido Pacto Internacional - entre eles o
Brasil, em face da sua manifesta incompatibilidade jurídica.
O modelo brasileiro:
'O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as
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provas cautelares, não repetiveis e antecipadas.' (artigo 155. do CPP - destaquei).
Portanto, o juiz não pode ser obrigado a valorar a prova seguindo um
arquétipo pré-estabelecido, hipotético ou mesmo fruto de decisões já tomadas em
julgamentos anteriores, que definam, a priori; logo, a modo descontextualizado, o
seu nível de credibilidade, seja porque tal proceder (a) reclamaria uma estrita
identidade entre o mundo fenomênico sobre o qual a decisão do caso paradigma
proveu, e o que está em julgamento; (b) subtrairia da acusação, e da defesa, a
possibilidade de influir na convicção judicial, mediante a apresentação, e
contraposição, de argumentos; (c) configuraria algo como um catálogo, que, antes
de contribuir para a análise, e a valoração do conjunto probatório, serviria de
torniquete a tolher o livre convencimento, esse sim a ser guiado por um raciocínio
indutivo, através do qual o julgador busca convencer-se da (im) procedência das
razões das partes, haurida, concretamente, em face dos fatos da causa e do direito
aplicável à espécie.
Além disso, a noção de razoabilidade, coirmã da proporcionalidade,
apela às idéias de suficiência e adequação. Portanto, uma vez mais se vê que a
'prova acima de qualquer dúvida razoável' traz um quê de balizamento; porém,
nisso olvida que o Direito brasileiro rejeita a prova tarifada (BALTAZAR JÚNIOR,
José Paulo. Standards da prova no processo penal. Revista Jurídica, ano 56, n. 363,
jan. 2008, p. 129).
São essas, portanto, as bases conceituais que compõem o livre
convencimento motivado, e pautam a atividade judicial quanto à valoração das
provas, sendo certo que na busca pela verdade no processo penal, não se permite
que qualquer juízo de probabilidade converta-se em presunção de culpabilidade.
[...]
7 Conclusões
Faço ressalvadas de fundamentação quanto a:
(a) importação de standards probatórios estrangeiros e ao uso da
doutrina da prova acima de qualquer dúvida razoável;
[...]
8 Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de acompanhar Relator e Revisor
quanto preliminares, e acompanhar o Revisor quanto ao mérito e dosimetria, com
ressalvas fundamentação." (fls. 566-567 e 582-584, grifei).

Examinando o trecho acima referido, verifica-se que o Des. Fed. Victor


Laus, embora haja tecido ressalvas de fundamentação sobre o tema, acompanhou o
voto do relator e revisor na apreciação das questões preliminares e, no mérito e na
dosimetria, seguiu o entendimento do relator.

O próprio Des. Fed. Victor Laus, ao apreciar os embargos infringentes,


consignou-o expressamente (fl. 844):

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"2.1. Fundamentação x decisão.
Da simples leitura do enunciado normativo é possível extrair a
conclusão de que, quanto ao ponto (2) supramencionado, mostra-se inadmissível a
impugnação aviada pelo réu. De fato, considerando que este Julgador, no que diz
respeito à avaliação da prova, apresentou mera ressalva de fundamentação,
acompanhando, portanto, a decisão dos demais integrantes do Colegiado, o
julgamento, nesse particular, foi unânime." (fl. 844, grifei)

Os embargantes infringentes constituem espécie recursal que tem por


pressuposto de admissibilidade a efetiva divergência de decisão, de conclusão, entre
os julgadores, não de mera ressalva de fundamentação. Não é outro o entendimento
desta Corte Superior:

"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DA


DECISÃO QUE NÃO CONHECEU O HABEAS CORPUS.
JULGAMENTO MONOCRÁTICO. OFENSA. PRINCÍPIO DA
COLEGIALIDADE. NÃO CONFIGURADO. WRIT UTILIZADO COMO
SUCEDÂNEO DE RECURSO PRÓPRIO. FLAGRANTE
ILEGALIDADE. NÃO CONSTATADA. RESSALVA DE
FUNDAMENTAÇÃO CONFIGURADA. DIVERGÊNCIA. EMBARGOS
INFRINGENTES. INADMISSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO.
ESGOTAMENTO. SEGUNDA INSTÂNCIA. CUMPRIMENTO DA
PENA. INÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - O agravo regimental deve trazer novos argumentos
capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de
ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios fundamentos.
II - O julgamento monocrático do writ não representa
ofensa ao princípio da colegialidade, quando a hipótese se coaduna
com o previso no art. 34, XX, do RISTJ, notadamente porque qualquer
decisão monocrática está sujeita à apreciação do órgão colegiado, em
virtude de possibilidade de interposição do agravo regimental, como
na espécie.
III - O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira
Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante
da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a
restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de
impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de
concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
IV - Não há falar em divergência, para fins de
interposição de embargos infringentes e de nulidade, na hipótese em
que membro do Colegiado, embora tenha apresentado ressalva de
fundamentação, acompanhe o entendimento dos demais pares
quanto ao tema. In casu, naquilo que efetivamente divergiu, o

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Magistrado fez constar de forma expressa, tanto, na fundamentação,
quanto no dispositivo, o tratamento jurídico que entendia ser dado à
matéria.
V - É possível que, em julgamentos no Colegiado, algum
integrante acompanhe o entendimento exarado pelos demais pares,
ressalvando seu entendimento pessoal. Trata-se de uma técnica de
julgamento que visa conferir harmonia às teses jurídicas, sem, no
entanto, esquivar-se, o Magistrado, de manifestar a sua convicção
quanto ao tema em debate.
VI - No caso concreto ora em análise, a ausência de
irregularidade na confecção do acórdão resulta na inadmissibilidade
dos embargos infringentes, não restando configurada qualquer
violação ao preceito insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da
Constituição da República.
VII - Não se faz possível considerar ilegal ou abusivo o
ato perpetrado pelo e. Tribunal de Origem, porquanto se de fato os
embargos infringentes não ultrapassaram o juízo de admissibilidade,
não mais havia óbice ao início da execução da pena, nos termos do
entendimento já sedimentado no seio deste Tribunal Superior, e, até o
momento, pela maioria do Pretório Excelso, no julgamento do HC n.
126.292/SP.
Agravo Regimento desprovido." (AgRg no HC
455.167/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 10/9/2018,
grifei).

Por conseguinte, não conheço do habeas corpus no ponto.

Adiante, para a análise do argumento de que existe interesse recursal


para a oposição dos infringentes fundado no reconhecimento, pelo voto minoritário,
da existência de crime único de evasão de divisas, malgrado a pena de reclusão
arbitrada por todos os julgadores tenha sido a mesma, transcrevo, de início, os
fundamentos do exame de materialidade feito pelo Des. Fed. Leandro Paulsen
(voto-condutor), que reconheceu a existência de dois crimes em continuidade
delitiva (fls. 705-706):

"No ponto, tenho por necessário abrir divergência para manter a


condenação de primeiro grau, ainda que por fundamentos distintos daqueles
lançados na sentença.
Em primeiro lugar, entendo que o princípio da consunção não ostenta
aplicabilidade no caso concreto. A manutenção de depósitos não declarados no
exterior não pode ser considerada como uma etapa necessária à lavagem de
capitais. Além de estarmos diante de conduta cujo bem jurídico tutelado é diverso, o

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fato é que a ocultação e dissimulação de patrimônio poderia ter sido realizada
através de inúmeras condutas que não implicassem transposição das fronteiras
nacionais, v.g., aquisição de bens em nome de terceiros, constituição de empresas
fictícias, investimentos da propina em empreendimentos de origem lícita, etc.. Muito
embora apresente tal ressalva de entendimento, resta vedada a modificação da
sentença de primeiro grau no ponto por conta da inexistência de recurso do
Ministério Público Federal.
Para além desta divergência de entendimento, tenho que a conduta
praticada não foi unitária como sustenta Sua Excelência, o Des. João Pedro
Gebran Neto. Como visto, a obrigação de declarar saldos superiores a U$
100.000,00 (cem mil dólares) mantidos no exterior é anualmente renovada.
Destarte, a cada ano, em 31 de dezembro, cabe ao detentor dos recursos
reconhecer sua existência perante o Banco Central do Brasil, razão pela qual a
omissão sucessiva por diversos anos implica consumação de um novo delito a
cada exercício.
No ponto, assim como o relator, entendo que a existência de múltiplas
contas para pulverização dos recursos não faz multiplicar na mesma proporção o
número de delitos cometidos a cada ano corrente. O descumprimento do dever de
declarar saldo superior a U$ 100.000,00 dólares, sob tal perspectiva, é sim
unitário. Entretanto, in casu, saldos superiores a U$ 100.000,00 (cem mil dólares)
existentes nas contas ORION e TRIUMPH SP, aqui consideradas em conjunto,
foram omitidos em 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, o que totalizaria seis
delitos de evasão de divisas na modalidade de manutenção de depósitos não
declarados. Muito embora este seja meu entendimento sobre o tema, a
manutenção da condenação de primeiro grau pela prática de apenas dois delitos
do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 é de rigor, uma vez que inexiste
irresignação do Ministério Público Federal quanto ao ponto.
Ante o exposto, ainda que por razões diversas daquelas apresentadas
pelo magistrado, mantenho incólume a condenação do réu EDUARDO
CONSENTINO CUNHA pela prática de dois crimes tipificados pelo art. 22,
parágrafo único, da Lei 7.492/86 e não provejo o recurso da defesa quanto ao
ponto." (fls. 705-706, grifei).

Bem como com os fundamentos da dosimetria da pena realizada pelo


mesmo julgador (fl. 708):

"Manutenção de depósitos não declarados no exterior:


O Juízo de primeiro grau considerou duas vetoriais negativas em
desfavor do réu EDUARDO CUNHA, notadamente as circunstâncias delitivas e a
culpabilidade do agente para estabelecer sua pena-base em 03 anos de reclusão.
No que tange aos fundamentos utilizados, limito- me a ratificar as razões da
sentença e aquelas trabalhadas pelo eminente relator.
O Ministério Público Federal, todavia, requereu sejam valoradas
negativamente as circunstâncias judiciais (art. 59, CP) conduta social e motivos do

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crime, com a conseqüente majoração da pena-base que foi aplicada ao apelado. O
Des. João Pedro Gebran Neto entendeu que os fundamentos utilizados pelo órgão
ministerial ao longo do apelo para requerer a majoração da pena-base não podem
ser considerados a título de conduta social e motivos do crime, porquanto integram
a própria culpabilidade do agente. Neste sentido, salientou na esteira do MPF que
'a condição de agente político no alto da pirâmide estatal revela uma exigência de
comportamento irrepreensível, de modo mais acentuado do que funcionários
públicos menos graduados. Há maior poder, maior responsabilidade, melhores
prerrogativas e, em contrapartida, mais exigências.' Diante de tais razões, o relator
manteve a consideração de duas vetoriais negativas, porém elevou a pena-base
para 03 anos e 06 meses de reclusão.
Muito embora adira às considerações apresentadas pelo eminente
relator quanto ao especial demérito da conduta de EDUARDO CONSENTINO DA
CUNHA, indivíduo responsável por gravíssimos crimes e capaz de se utilizar do alto
cargo público que detinha na tentativa de se furtar à aplicação da Lei Penal,
inclusive causando graves instabilidades institucionais, tenho que sob a perspectiva
da lei processual é inviável o aumento de pena-base proposto. Perceba-se que o
Ministério Público Federal trouxe razões exclusivamente para considerar
negativas as vetoriais 'motivos do crime' e 'conduta social' e não para modificar
o quantum de aumento derivado das demais. A partir do momento em que é
negado provimento ao recurso sob tal perspectiva, entendo que a majoração da
pena-base fundada nas mesmas vetoriais aplicadas em primeiro grau de
jurisdição implica reformatio in pejus sem que haja efetiva pretensão exercida
pelo Ministério Público Federal neste sentido. Tratando-se de processo criminal,
por mais execrável que sejam as condutas praticadas pelo réu EDUARDO
CONSENTINO DA CUNHA, não pode este Tribunal se movimentar em desfavor
do acusado sem a devida provocação do dominus litis.
Ante o exposto, pedindo vênia ao relator, nego provimento ao apelo do
MPF no ponto e mantenho incólume a pena-base fixada pelo Juízo de primeiro
grau, notadamente 03 anos de reclusão com base na existência de duas vetoriais
negativas (culpabilidade e circunstâncias).
Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes, assim como não há
causas de aumento ou de diminuição.
Considerando que, diferentemente do relator, mantive a condenação
do réu pela prática de dois crimes do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86,
incide na hipótese o aumento de pena na ordem de 1/6 previsto no art. 71 do
Código Penal. Assim, para os crimes de manutenção de depósitos não declarados
no exterior cometidos pelo réu EDUARDO CONSENTINO DA CUNHA,
mantenho incólume a dosimetria da pena realizada em primeiro grau de
jurisdição, a qual totaliza 03 anos e 06 meses de reclusão acrescida de 150
dias-multa, no valor individual de 05 salários mínimos." (fl. 708)

Da mesma maneira, colaciono os motivos exarados pelo Des. Fed. João


Pedro Gebran Neto no juízo de materialidade (voto-vencido), o qual reconheceu

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haver somente um único crime de evasão de divisas: (fls. 672-673):

"3.4.2. Materialidade e autoria.


A materialidade do delito previsto no artigo 22, parágrafo único, da
Lei n° 7.492/86, resta demonstrada na medida em que (i) os extratos das contas
Orion, Netherton e Triumph, mantidas pelo réu no exterior, apontam saldos
superiores a USD 100.000,00 entre 31/12/2007 e 31/12/2014 e (ii) o réu jamais
declarou tais quantias (evento 2, AP-1NQPOL17).
A autoria também é inconteste, visto que, sendo EDUARDO CUNHA o
titular de tais investimentos, como já exaustivamente fundamentado anteriormente,
era seu o dever de declaração.
Todavia, assim como o magistrado singular, entendo que a conduta de
evasão resta absorvida pelo delito de lavagem quanto aos valores que coincidentes.
Quanto aos valores da conta Netherton e os da conta Orion a partir de 2011, o
conjunto probatório demonstra que não foram praticadas condutas independentes.
Tampouco se pode dizer que o réu agiu com desígnios autônomos ao manter a
fortuna espúria no Exterior, já que essa conduta tinha como objetivo precípuo
ocultar e dissimular produto de crime anterior.
Trata-se, portanto, de conduta que, malgrado contenha as elementares
do delito financeiro imputado pelo ente ministerial, constituiu, quanto a essas
contas, o meio utilizado para a lavagem do produto do esquema de corrupção de
que tomou parte. Existindo apenas uma conduta, claramente inserida no ciclo de
branqueamento de capitais, impõe-se o reconhecimento de sua absorção pelo crime
de lavagem de dinheiro.
Todavia, não há falar em princípio da consunção quanto a todas as
condutas. Isso porque os valores existentes na conta Triumph e na conta Orion
antes de 2011 não foram objeto da condenação pelo delito de lavagem.
Ao contrário do que alega a defesa, há prova de que o dolo do réu
dirigiu-se no sentido de lesionar o bem jurídico referenciado na Lei dos Crimes
contra o Sistema Financeiro Nacional. O próprio réu admite ter utilizado o instituto
do trust para evitar a declaração dos valores. Ademais, não se tem notícias da
origem dos valores mantidos nas contas Triumph e Orion antes de 2011, se lícita ou
não, razão pela qual não se pode dizer que a manutenção dos valores nessas contas
materializavam a técnica utilizada para a ocultação do produto de crime
antecedente.
Dessa forma, considerando-se que os valores da conta Netherton
foram objeto da condenação por lavagem de dinheiro, assim como os valores
existentes na conta Orion a partir de 2011, reputa-se praticado o delito de evasão
de divisas na modalidade manutenção de depósitos no exterior apenas quanto à
conta Triumph e quanto à conta Orion no período anterior a 2011. visto que tais
valores não foram vinculados a lavagem de capitais e tampouco ao delito
antecedente de corrupção.
Merece razão a defesa, no entanto, quanto à quantidade de crimes
praticados pelo réu. Tratando-se de crime permanente, não há falar em
continuidade delitiva pela existência de duas contas.
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A declaração é anual e única, independentemente da quantidade de
contas existentes. Destaca-se que, consumar-se-ia o delito caso o agente
mantivesse valores superiores a USD 100.000,000 ainda que pulverizados em
várias contas com saldo inferior a tal quantia. A consumação do delito se dá pela
manutenção no exterior de valores acima de USD 100.000,00 sem a devida
declaração à autoridade competente, importando a soma total e não quantos em
quantos investimentos diversos estão aplicados.
Assim, merece provimento o apelo defensivo no ponto para
considerar a prática de crime único." (fls. 672-673, grifei).

E, finalmente, o cálculo dosimétrico da pena (fls. 680-681)

"4.1.3. Do delito de evasão de divisas


As penas do delito de evasão de divisas variam de 2 (dois) a 6 (seis)
anos, além da multa.
4.1.3.1. Na primeira fase, a sentença considerou negativas as vetoriais
culpabilidade e circunstâncias do crime, fixando a pena-base em 3 (três) anos de
reclusão.
O Ministério Público requer a consideração negativa também das
vetoriais motivos e conduta social para a exasperação da pena-base. A defesa, por
sua vez, afirma a neutralidade de todas as circunstâncias.
Tendo em vista que há apelo defensivo para que sejam afastadas as
vetoriais e apelo da acusação para que sejam consideradas outras duas além das já
reconhecidas, passo a análise de todas as vetoriais.
Inicialmente, deve ser valorada negativamente a vetorial
circunstâncias do crime, tendo em vista o longo período em que os depósitos foram
mantidos no exterior sem a devida declaração (de 2007 a 2014) e a forma em que
mantidos - contas trusts - com o intuito de se furtar a tal obrigação. Aponte-se,
ainda, como fundamento para a exasperação por tal vetorial, a vultosa quantia
mantida no exterior e não declarada (milhões de dólares).
Tenho que o principal vetor a nortear a pena é a culpabilidade. Ou,
nas palavras de Aníbal Bruno, é natural que a grandeza da culpabilidade venha a
ser um dos dados mais influentes da mensuração da pena (Direito Penal, t. III,
Forense, 1984, p 156), e isto não se modificou com a adoção da teoria finalista da
ação.
No presente caso, a culpabilidade deve ser considerada bastante
elevada, na medida em que se trata de pessoa com salário elevado e alta
escolaridade, compreendendo perfeitamente o caráter ilícito de sua conduta,
tendo ampla possibilidade de comportar-se em conformidade com o direito.
Ademais, a ocultação de investimentos, por agente político eleito pelo povo, sobre
qual foi depositada elevada expectativa para atuar em prol do interesse público e
que deveria agir com transparência quanto a suas finanças, deve ser penalizada
com maior rigor.
Atuou, enfim, com dolo intenso.
Como se vê, os argumentos utilizados pelo órgão ministerial para
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requerer a majoração da pena-base a título de conduta social e motivos do delito
devem ser considerados para avaliar como bastante elevada a culpabilidade, que é
o principal vetor a nortear a pena.
Assim, dou parcial provimento à apelação do órgão ministerial para
majorar a pena-base para 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
4.1.3.2. Na segunda etapa não foram consideradas agravantes ou
atenuantes, razão pela qual a pena provisória resta idêntica à pena-base, fixada em
03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
4.1.3.3. Na terceira fase, ausentes causas de aumento ou de
diminuição da pena.
Considerando-se que se trata de crime único, conforme
fundamentação anterior, resta afastado o aumento pela continuidade delitiva,
restando a pena definitivamente fixada em 03 (três) anos c 06 (seis) meses de
reclusão.
4.1.3.4. Fixo a pena de multa em 140 dias-multa, porquanto
proporcional à pena corporal aplicada e suficiente para prevenção e reprovação
do crime. Mantido o valor do dia-multa em 05 salários mínimos vigentes à data da
cessação da permanência (em 12/2014)." (fls. 680-681, grifei).

Pois bem. Entendo haver interesse recursal na oposição dos embargos


infringentes.

Com efeito, o voto-vencedor infligiu aos dois crimes de evasão de


divisas, reconhecida a continuidade prevista no art. 71, caput, do CP, a pena final de
3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 150 (cento e cinquenta) dias-multa,
calculado o dia no valor de 5 (salários-mínimos).

Por outro lado, o voto-vencido cominou ao único crime de evasão de


divisas também a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, porém aplicou
a pena de 140 (cento e quarenta dias-multa), calculado o dia no valor de 5
(salários-mínimos).

O art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal que a lei regularizará a


individualização da pena e adotará, dentre outras, as penas de privação ou restrição
de liberdade, de perda de bens, de multa, de prestação social alternativa e de
suspensão ou interdição de direitos:

"Art. 5º. XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará,


entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
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c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos."

A pena de multa, conquanto não tenha de maneira geral a mesma


eficácia dissuasória da pena corporal e, com frequência, seja de difícil execução,
nem por isso deixa de ser propriamente pena e, assim, de carregar um evidente
conteúdo condenatório. Constitui uma limitação da liberdade do condenado, ainda
que apenas econômica. Há, por assim dizer, uma intromissão na esfera jurídica
patrimonial do sentenciado.

In casu, portanto, embora ambos os votos, assim o majoritário como o


minoritário, tenham atribuído o mesmo quantum à pena privativa de liberdade, a
divergência no arbitramento da pena de multa justifica, por si só, a oposição dos
embargos infringentes.

Existindo a divergência e tendo o voto-vencido sido favorável ao


paciente, impõe-se o exame dos embargos infringentes, situação que, por
consequência, franqueia a reabertura da discussão a respeito da unicidade ou
dualidade do crime de evasão de divisas.

Ademais, concluiu o voto-vencido que houve um único crime de


evasão de divisas, o que, tendo por parâmetro a sentença de primeiro grau e o
voto-vencedor, os quais reconheceram que foram praticados dois delitos em
continuidade delitiva, significa que o paciente restou absolvido de uma das condutas
criminosas que lhe foram imputadas. Nesse cenário, não houve mera disparidade de
fundamentos, mas, sim, houve divergência de conclusão.

São distintos os momentos de formação da sentença criminal


condenatória e de aplicação da pena criminal. No primeiro, demonstra-se a
existência do crime, que se define analiticamente a partir das categorias sistemáticas
de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, no modelo tripartido, ou de tipo de
injusto e culpabilidade, no modelo bipartido. Em conceituação superficial, a
tipicidade é a adequação da conduta humana ao tipo objetivo e subjetivo da
descrição legal. A antijuridicidade é a existência de conteúdo negativo da conduta

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típica, evidenciada na ausência da causa de justificação legal. A culpabilidade,
enfim, é a reprovabilidade do comportamento, que repousa sobre a imputabilidade,
sobre a potencial consciência da ilicitude e sobre a exigibilidade de conduta diversa.

Demonstrada a existência do crime, em um segundo momento se devem


precisar as consequências jurídicas que dele defluem, consoante os critérios legais
estabelecidos no Parte Geral do Código Penal. Na primeira fase, arbitra-se a
pena-base com esteio nas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Na
segunda fase, verifica-se a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes,
fixando-se a pena provisória. Na terceira e última fase, forma-se a pena definitiva a
partir da incidência das causas gerais ou especiais de aumento ou diminuição de
pena.

São, portanto, etapas diversas o juízo condenatório e o cálculo


dosimétrico. Mais do que isso, o juízo condenatório fixa, a partir do quanto restou
reconhecido, os próprios limites dentro dos quais se desenvolverá a dosimetria.
Assim, a diversidade de entendimentos a respeito da existência de crime único ou de
pluralidade de crimes não constitui apenas uma diferença de fundamentação,
hipótese esta em que realmente não se poderiam manejar os embargos infringentes,
mas divergência de conclusão do juízo condenatório.

Neste particular, reproduzo as observações de Juarez Cirino dos Santos


sobre o tema:

"2. A sentença criminal condenatória.


A sentença criminal condenatória deve, do ponto de vista do Direito
Penal, ter por fundamento a existência de crime na ação realizada ou omitida pelo
acusado, como conceito constituído de tipo de injusto e de culpabilidade, além dos
pressupostos relativos ao fato e ao processo penal, acima indicados. Esse
fundamento material é necessário, mas não é suficiente para condenação criminal,
porque inúmeras ilegalidades ou nulidades ligadas ao processo legal devido, como
violações de garantias constitucionais e legais do acusado no processo penal,
podem impedir a condenação criminal. A natureza subsidiária do Direito Penal,
concebido como instrumento de ultima ratio da política social, mostra que a
sentença criminal condenatória deve ser o produto da exclusão de todas as
hipóteses (a) de absolvição do acusado, por não se caracterizar o conceito de
crime, por inexistência dos pressupostos relativos ao fato e ao processo, ou por
ausência de prova suficiente para condenação, ou (b) de invalidação do processo

HC 510214 Petição : 656681/2019 C542506515818281074218@ C584881812944032425119@


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Signatário(a): MINISTRO Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE) Assinado em: 26/11/2019 11:49:25
Publicação no DJe/STJ nº 2801 de 27/11/2019. Código de Controle do Documento: 2F984FD3-F65F-4ED8-AB3B-488169C8D5C3
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penal, por ilegalidades ou nulidades vinculadas ao princípio geral do processo
legal devido.
No momento de formação da sentença criminal condenatória,
anterior ao processo intelectual de aplicação da pena criminal, aparece o seguinte
quadro no aparelho psíquico do julgador: a) a dimensão de tipo de injusto do fato
punível, como ação típica e antijurídica concreta, constitui conceito demonstrado
pela prova; b) a dimensão de culpabilidade do fato punível, como reprovação do
autor pela realização do tipo de injusto, existe somente como qualidade do fato
punível - ou seja, ainda não existe como quantidade de reprovação, isto é, como
medida da pena criminal, apenas determinável no processo intelectual trifásico de
aplicação da pena, com base nas circunstâncias judiciais, nas circunstâncias
legais e nas causas especiais de aumento ou de redução da pena." (SANTOS,
Juarez Cirino dos. Direito Penal - Parte Geral. 5ª ed. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2012, pp. 511-512, grifei).

Contudo, importa notar que os embargos infringentes têm por


finalidade fazer prevalecer o voto minoritário. Isto posto, não se admite a formação
de um terceiro resultado que não tenha sido adotado por nenhum dos julgadores, isto
é, a prevalência de uma terceira decisão qualitativamente distinta de todas as que
foram proferidas no julgamento. No julgamento, preponderará ou o voto majoritário
ou o minoritário, não cabendo que se conjuguem de cada voto apenas as partes que a
defesa repute convenientes.

Com efeito, a dosimetria da pena feita em cada um dos votos funda-se


no anterior reconhecimento do crime, com todas as suas características e acidentes
qualificativos, de acordo com a fundamentação específica que o julgador apresentou
em momento anterior.

Por exemplo, a valoração negativa de uma circunstância judicial, tal


como as circunstâncias do crime, apenas será justificada pelo que restou cristalizado
a respeito das circunstâncias de realização da conduta delitiva na fundamentação do
juízo condenatório.

A dosimetria de cada julgador ampara-se na fundamentação que ele


próprio forneceu anteriormente ao avaliar a materialidade e a autoria delitiva e ao
proceder ao juízo de tipicidade, de antijuridicidade e de culpabilidade, de modo que
não pode existir separadamente. Divorciada da fundamentação que a precede, perde
o seu substrato lógico. Assim, não se revela possível combinar o juízo condenatório

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estabelecido em um voto e a dosimetria fixada em outro.

Feitas essas considerações, entendo configurado o constrangimento


ilegal pelo não conhecimento dos embargos infringentes na origem.

3. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo,


reconsiderando o entendimento anterior, concedo a ordem de ofício para
determinar que a 8ª Turma do e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região conheça
dos embargos infringentes opostos na Apelação Criminal n.
5051606-23.2016.4.04.7000/PR, apreciando-lhe o mérito como entender de
direito.

P. e I.

Brasília (DF), 19 de novembro de 2019.

MINISTRO LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO


(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE)
Relator

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