Você está na página 1de 7

“Aquele que luta com demônios deve acautelar-se para não tornar-se um também.

Quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você.”​ - Friedrich
Nietzsche

Meu nome é Peter Klein e esse é um pequeno resumo da mediocridade do meu


mundo e de como fiquei conhecido como Condor.
Reis alteram as leis dos homens como eles querem. O que faz você pensar que
as leis da natureza são diferentes?
Capítulo 1

A infância

Nasci em 1994, no dia em que o Brasil foi campeão mundial. A verdade é que nunca
liguei para futebol, mas gosto de enfatizar esse momento pois sempre foi um orgulho para
meu pai.
Meus pais, Ricardo e Marisa Klein, foram nascidos e criados na Tijuca, bairro
localizado na capital do RJ. Vieram de famílias com boa situação e sempre tiveram conforto.
Meu pai era professor universitário e minha mãe advogada. Com meu nascimento, se
mudaram para um apartamento novo, começando uma nova fase em suas vidas.
Lembro que vivi e cresci alguns bons anos como uma criança normal. Fiz diversos amigos
na escola e cursos que fazia. Estava longe também de ser um aluno exemplar.
Meus avós moravam numa casa distante do centro, em Visconde de Mauá. Uma
casa grande, próxima à umas vilas. Uma vez por ano nós íamos até lá. Era sempre nas
férias de final e início de ano. Lembro que amava o lugar. Brincava com meus primos e com
amigos que fizemos nas vilas próximas. Pulava nas cachoeiras e, à noite, fazíamos
fogueiras e contávamos histórias e lendas. Lembro-me que mal conseguia dormir de medo.
Era uma vida pacata, porém agradável. Hoje dou muito mais valor a isso.
Na casa tinham centenas de livros. Meu avô era escritor e eu ficava horas lendo
aqueles livros fantasiosos. Lá não tinha televisão ou vídeo-game, que na época eu adorava
e, conforme fui crescendo, as brincadeiras foram se tornando mais chatas.

Com o tempo, meus amigos e eu fomos crescendo. Foram anos de amizade. Acabei
me apaixonando por uma das amigas e começamos a namorar. Íamos todos para as
cachoeiras, usávamos drogas e bebíamos. Uma fase adolescente bem divertida. Eu tinha
por volta dos 15 a 16 anos. Uma das melhores fases da minha vida. Até que uma noite, um
dos meus amigos pegou o carro do pai e falou para irmos para o morro do Jurerê. Queria
ver se tínhamos medo e queria fazer algo novo, ver o céu e ver se as lendas eram
verdadeiras.
Lembro que tinham muitas histórias do local, de casos fantasiosos e alienígenas que
apareciam à noite, coisas de cidade de interior. Eu tinha muito medo mas, vendo todos irem
e a garota que eu era apaixonado indo junto, acabei indo também. Fomos assim todos
escondidos, à noite, para a trilha desse tal morro misterioso.
Chegamos no limite da estrada, onde deixamos o carro e seguimos andando pelas
trilhas, usando nossas lanternas para iluminar. Era uma noite linda, de lua cheia, sem
nuvem alguma no céu. Parecia que as estrelas iriam encostar na gente.
Depois de um tempo, o medo começou a diminuir, até que chegamos no final da
trilha e armamos nossas barracas. Fizemos fogueira, começamos a beber e fumar. Uma
noite normal por lá. Até que um brilho extremamente intenso apareceu no céu. Uma luz roxa
foi ficando cada vez maior e maior, até que vimos caindo no meio da mata. Fez um grande
barulho com a queda.
Ficamos em estado de choque. Não sabíamos se estávamos loucos ou se
aconteceu mesmo. Não podíamos ficar ali depois disso, todos estavam apavorados.
Começaram a arrumar as coisas e nisso, estranhamente, me deu vontade olhar o que era.
No meio do desespero e pressa do pessoal, fui andando em direção à luz. Conforme fui
andando, consegui ver ao longe uma emanação, que fazia toda a floresta brilhar. Eu estava
morrendo de medo, mas meu corpo estava andando quase que automaticamente.
Chegando perto, vi uma cratera no chão e dentro uma pedra, do tamanho de uma
bola de futebol. Totalmente esférica. Não havia sofrido qualquer arranhão. Dela saia luzes
de todas as cores, que iam se misturando e mudando o tempo todo. Algo realmente belo.
Entrei na cratera e me aproximei ainda mais. Lembro que estava hipnotizado. Fui me
aproximando até ficar agachado, com o rosto de frente pra bola, tentando achar alguma
forma dentro dela. Até que, em milésimos de segundos, vejo olhos dentro dela, de diversas
cores e formatos. Ao mesmo tempo, gritaram meu nome, eram meus amigos me
procurando. Foi tudo junto e repentino e, com isso, tomei um susto e acabei encostando na
esfera. Ao tocar, vi apenas um clarão. Logo depois, levanto da minha cama em casa,
assustado. Pelo visto tinha sido apenas um pesadelo.

Capítulo 2

O contato

Já haviam se passado dias desde o ocorrido, vindo o final das férias e a volta para a
rotina. Porém estava difícil de esquecer. Todos os dias eu tinha o mesmo pesadelo. Que,
com o tempo, fui encontrando cada vez encontrando mais detalhes. Era extremamente
vívido. As sensações, os detalhes, o ambiente. Eu ficava o dia inteiro pensando nisso. Já
não sentia mais tanta vontade de fazer minhas atividades. Na escola, no curso, nas
atividades físicas. O tempo inteiro eu estava parado e pensando no sonho. Até que coisas
estranhas começaram a acontecer.
Às vezes, acordava no meio da noite com coisas caindo no meu quarto. Às vezes,
ouvia barulhos de objetos se mexendo, ou até uma respiração próximo a mim. Eu falava
com meus pais, apavorado, no meio da noite, porém eles nada haviam visto ou ouvido.
Eu nunca tinha sido uma criança medrosa, porém, depois dos pesadelos e desses
acontecimentos repetitivos, eu passei a ter medo de tudo. Não conseguia nem ao menos
ficar sozinho em casa. Porém, uma noite minha avó havia passado mal e meus pais tiveram
que socorrê-la.
Eu estava sozinho e apavorado, tentando ao máximo dar atenção para a tv, com
medo de olhar para os lados e ver algo. Até que eu ouvi uma voz chamando meu nome.
Uma voz calma, num baixo tom, que parecia que estava sussurrando no canto do meu
ouvido. Entrei em crise e comecei a chorar, não sabia o que fazer. E essa voz começou a
falar mais.
A voz dizia que era minha amiga, que era para eu me acalmar. Dizia que eu havia
libertado eles e que estávamos ligados pela alma. No início eu não estava ouvindo muito,
apenas chorava, até que a voz comentou sobre a esfera. Disse que naquele momento, eu
havia libertado eles. E assim outra voz se manifestou. Essa um pouco mais rouca e com
menos frieza na fala.
Foram me explicando o que de fato estava acontecendo e assim fui me acalmando.
Eles são antigas entidades cósmicas que, devido a alguns problemas no passado, foram
aprisionados, e assim permaneceram por milhares de anos, até que, de alguma forma que
nem eles sabem explicar, ao tocar na esfera mágica, eles se conectaram à mim, ficando
aprisionado em minha alma.
Foi uma noite difícil, porém ficamos horas conversando. Eles me explicaram coisas
inimagináveis para mim e eu contei sobre o mundo em que vivo. Disseram que seus nomes
eram impossíveis de serem pronunciados por mim e que eu poderia chamá-los como eu
bem entendesse. Cosmos e Babel foram os nomes que escolhi na época. Após uma longa
conversa, consegui dormir. Depois dessa noite, nunca mais tive um pesadelo sobre a esfera
de novo.
Semanas foram se passando e fui aumentando minha intimidade com eles. Enquanto
Cosmos me inclinava a ir para as aulas, estudar, fazer tudo certinhos, Babel era o oposto,
tentava me instigar a jogar bola e deixar meus afazeres, a beber com meus amigos. Lembro
que foi nessa época que comecei a fumar.
Conforme essa intimidade ia aumentando, fui sentindo diferenças físicas. Eu me
sentia mais resistente, mais inteligente. Lembro que tinha dificuldades em matemática, mas
depois dessa evolução, eu havia lido o livro inteiro e feito tudo nele em apenas dois dias.
Comecei assim a estudar matérias muito mais avançadas, assim como outros idiomas.

Capítulo 3

Os poderes e a Magia

Os anos foram se passando, até que entrei para a universidade. Passei no vestibular
em primeiro lugar, em todas as provas que fiz. As matérias necessárias para tais provas já
haviam se tornado ridiculamente fáceis para mim. Eu já estudava coisas muito mais
avançadas sozinho, já falava três idiomas e cada vez mais não via sentido em precisar
gastar anos da minha vida numa faculdade, com pessoas que eu via como inferiores, para
provar que eu sabia algo.
Essa inteligência que adquiri começou a me deixar soberbo e fui me distanciando
das pessoas. Quanto mais conhecimento eu obtinha, menos eu entendia como os seres
humanos se submetiam à certas circunstâncias, me deixando, de certa forma, desgostoso
de contato humano. Quando eu parava para conversar, eram apenas assuntos fúteis,
idiotas, pessoas que achavam que sabiam de tudo e que não sabiam de nada. Hoje tenho
inveja dessas pessoas. Talvez, caso eu não tivesse essa inteligência, estaria hoje correndo
contra o tempo, com um emprego fixo, ganhando um dinheiro por mês, me matando para
pagar por um pouco de diversão e falsa ilusão de liberdade, porém seria feliz.

Comecei cursando Medicina, com minha nota, meus pais me incentivaram e diziam
que sempre sonharam com isso. Contavam a todos familiares, deixando-os com inveja, o
que na época já não ligava para isso.
Na faculdade era praticamente a mesma coisa. Eu demorava uma semana e já
entendia a matéria do período inteiro. Lembro como foi chato esse período da minha vida.
Em casa, comecei a me aprofundar em leituras filosóficas e música, que era o que aliviava
um pouco minha sede por conhecimento diversos. Comecei a tocar diversos instrumentos
nessa época e a ler a história da civilização e de todos os países.
Apesar de não fazer questão alguma de me aproximar das pessoas, eu era de longe
o melhor aluno da turma. E ainda era o melhor jogador de futebol da faculdade, outra
atividade que me alegrava nas horas vagas. O que acabou me deixando popular. Tive
diversos relacionamentos superficiais e, nos primeiros períodos foi divertido, principalmente
as viagens e festas, onde enchia a cara e me drogava, despertando sensações únicas.
Logo fui convidado por professores a ser monitor e depois consegui estágios. Eu era
considerado um gênio devido minhas notas, sendo aceito em todos os hospitais que decidi
estagiar. Fui assim guardando uma grande parte do dinheiro que ia ganhando até conseguir
juntar uma boa quantia, junto com o carro que vendi, que ganhei no meu aniversário de 18
anos.
Era o terceiro ano do curso quando peguei todo o dinheiro que havia juntado e decidi
viajar. Meus pais ficaram malucos, mas eu estava decidido. Tranquei minha matrícula
naquele ano e comecei a visitar diversos países. Fui conhecendo diversos locais da história
que havia lido nos livros, desde México, com os templos incas, até templos em Camboja.
Roma, Grécia, China, Turquia, Tunísia, Alemanha, Palestina, entre muitos outros. Virei
mochileiro e fui conhecendo muitas culturas, ficava semanas e cada um desses países,
conhecendo seus costumes, religiões, histórias. Mas foi no Egito que conheci um artefato
que mudou completamente minha vida.
Eu estava viajando faziam 3 meses quando fui para o Egito. Fiquei maravilhado com
tudo do lugar. Havia lido muito sobre a história e cultura do local e era o meu preferido.
Conheci todos os museus e pontos turísticos. E, em uma dessas visitas, vi o famoso livro
dos mortos, um dos livros mais antigos da humanidade. Uma coletânea de orações e hinos.
Foi escrito em rolos de papiro. Em egípcio antigo chamava-se “Livro de Sair Para a Luz”. E
foi quando Cosmos me chamou a atenção.
Ao ver as escrituras do livro, ele me disse que via um grande poder nesse objeto.
Símbolos e desenhos complexos, conhecidos até por essas entidades. Símbolos mágicos.
No início fiquei sem entender, achei que fosse algum engano ou apenas coincidência. Foi
então que esses mesmos símbolos se repetiam em vários outros papiros presentes. E em
outro objetos. Cosmos começou a me explicar da existência desses poderes e que, talvez,
eu fosse capaz de aprender, já que sua essência estava em minha alma.
Fui então para uma antiga biblioteca e comecei a procurar livros desse tipo. Com a
ajuda de Cosmos, fui selecionando e aprendendo. Ele foi me ensinando e explicando tudo
sobre formas, símbolos, rituais, gestos, palavras e até energia. Fiquei 2 semanas no Egito,
totalmente focado nisso. Até que após muitas tentativas frustradas, perto de desistir,
consegui fazer meu primeiro ritual, minha primeira magia. Novamente havia me despertado
o interesse em estudar de uma forma tão obstinada. Algo totalmente novo e inimaginável,
que nem nos meus mais profundos sonhos conseguiria imaginar. A partir de então,
continuei minhas viagens, porém sem tirar em momento algum essas magias da cabeça.

Capítulo 4

O Oculto

Anos se passaram desde que conheci as artes da magia. Terminei minhas viagens e
desisti da medicina de vez. Havia focado todo o meu esforço intelectual para o estudo de
rituais e magias. E ganhava um trocado aos finais de semana tocando piano em um
restaurante gourmet perto de minha casa. A essa altura, já havia aprendido diversas magias
novas, mas tinha muito cuidado para usá-las. Nunca fui burro e imprudente para usar de
qualquer jeito ou na frente das pessoas.
Com esses estudos, comecei a aprender coisas muito além. Descobri a existência
de espíritos, demônios e muitos outros mitos e entidades. Como também aprendi a lidar
com os mesmos. A cada dia, minha mente se expandia mais. Fui percebendo que a magia
está muito mais presente no dia a dia das pessoas sem que ninguém perceba. Símbolos
mágicos usados erroneamente. E, com certeza, muitas pessoas que tinha fama e dinheiro
haviam usufruído de rituais.

Com o falecimento dos meus avós, minha família parou de ir para a casa de
Visconde. Mas, de vez em quando, eu ia até lá. Um local silencioso e tranquilo. Ficava
sozinho nos meus estudos, lendo e compondo algumas canções. Aproveitava e encontrava
antigos amigos de infância. Foi numa dessas idas que tive meu primeiro contato direto com
um demônio.
A esposa de um desses antigos amigos estava doente, não saia da cama. Como ele
soube que fiz alguns anos de Medicina, foi pedir ajuda, para vê-la, já que os hospitais são
longe e o caso dela estava dificultando para levar, pois ela estava agressiva. Quando
cheguei, ela estava amarrada. Ele disse que ela se debatia muito e se feria, assim como
tentava ferir os outros. Após alguns testes e observações sutís, percebi que estava
possuída por algum demônio. Falei que conseguiria tratar dela e pedi para que ficasse
sozinho no quarto. Usei rituais de expulsão e, depois de um tempo de conturbações e
dificuldades, consegui exorcisar.
Comecei a procurar mais incidentes como esse, em notícias e jornais. Reparei que
haviam muitos casos de possessão. Situações onde do nada: um pai estupra filhas e mata;
esposa mata marido com 30 facadas por uma simples discussão; homem se joga do décimo
andar com seu filho no colo. Muitas reportagens e crimes, onde ficava evidente o trabalho
de demônios e espíritos ruins. Resolvi procurar e acabar com eles.

Fiquei anos então ajudando pessoas enfermas e expulsando esses seres. Quando
saía alguma notícia do tipo, ia até a delegacia ou local verificava se era algo. Muitas das
vezes era apenas a simples e pura maldade humana. Conheci outras pessoas que também
sabiam dessas situações. Ocultistas de diversos grupos, inclusive da Igreja Católica.
Sempre trocamos informações e nos ajudávamos. Eles ficaram impressionados com meus
conhecimentos e, aos poucos, fui ganhando fama entre eles.
Muitos casos que eles não conseguiam resolver, me chamavam. Ajudei grupos e a
igreja diversas vezes, usando métodos que eles nem sonhavam e fazer. Começaram a me
chamar de Condor, que por metáfora significa “indivíduo que sobressai muito”, como acabei
ficando conhecido entre eles.

Atualmente moro sozinho, no centro do Rio de Janeiro. Às vezes toco piano em


alguns bares da Lapa, apenas por prazer. Não ligo para dinheiro ou coisas fúteis, como a
maioria das pessoas. Cada dia que passa fico mais desacreditado com a humanidade e
vejo o quão podre nós somos. Os piores demônios que encontrei até hoje eram apenas
humanos.

Você também pode gostar