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Ana Longoni - Entrevista
Ana Longoni - Entrevista
v9i1p10-23
Entrevista
Ana Longoni
Investigadora, membro da Red Conceptualismos
del Sur e atual diretora do departamento de
atividades públicas do museu Reina Sofía.
Doutora em Artes pela Universidade de Buenos
Aires, é especialista nos cruzamentos entre arte e
política na Argentina e América Latina. Entre suas
publicações se destacam: Roberto Jacoby.
El deseo nace del derrumbe (2011),
Leandro Katz (2013) y Vanguardia
y revolución (2014).
ANA LONGONI – Bem, vou contar um pouco sobre como comecei a pes-
quisar. Comecei no início dos anos 1990, quando ainda era estudante de
literatura na Universidade de Buenos Aires. Eu estava muito interessada
em pesquisar as vanguardas e minha primeira orientadora foi a chilena Ana
Pizarro, com quem comecei a trabalhar na história das vanguardas em al-
guns livros. Mas ela voltou para o Chile após o fim da ditadura e fiquei órfã
na orientação da pesquisa; eu estava começando a pesquisar. Sempre me
interessei muito pelos anos 1960 e queria muito trabalhar na intersecção
entre arte e política. Quando eu era estudante de literatura, ouvi Maria Teresa
Gramuglio falar sobre “Tucumán arde” em uma aula sobre a literatura ar-
gentina do século XX, e ela mencionou a experiência da qual fizera parte.
Ela era a esposa de Juan Pablo Renzi e foi ela quem escreveu o manifesto
de “Tucumán arde”. Bom, eu ouvi sobre essa experiência pela primeira vez,
que era uma espécie de mito sobre o qual não havia nada escrito, não havia
documentos, não havia arquivo, não havia memória. Decidi então começar a
investigar sobre “Tucumán arde”, especialmente o processo de radicalização
artística e política da vanguarda argentina dos anos 1960. E então, em uma
das minhas primeiras entrevistas, conheci Mariano Mestman, um pesqui-
sador da minha idade, que também estava começando a pesquisar sobre
cinema e teatro nos anos 1960 em sua intersecção com a política, sobre a
experiência do teatro de Norman Briski, a experiência do Cine Liberación
etc. Então decidimos começar a trabalhar juntos e essa colaboração foi muito
importante. Eu sempre entendi a pesquisa como um trabalho necessaria-
mente coletivo e sempre achei muito importante formar uma equipe, pensar
em conjunto, compartilhar o que se encontra. Um pouco na contramão da
lógica institucional, já que o mundo acadêmico tende a ser muito competi-
tivo, muito solipsista e muito isolado e onde cada um se sente dono de seu
próprio tema, seu enredo. Bem, então eu sempre tentei contribuir a partir
de outra lógica, contra essa tendência. Então com Mariano e com o meu
orientador na época, Enrico Teisa, formamos um grupo de pesquisa que foi o
primeiro desse tipo em 1993/1994, chamado de “Arte, Cultura e Política nos
anos 60”. Nós pegamos um primeiro livro, fizemos um primeiro arquivo. E é
daí que vem o nosso livro sobre “Tucumán Arde”, que foi o primeiro livro sobre
minha pesquisa com Mariano, publicado em 2000. E a partir desse momento
mais por uma questão afetiva, pois eram suas memórias da juventude ou suas
principais experiências de vida. Mas nenhum desses materiais estava em ins-
tituições ou em arquivos, digamos, formais. Foi debaixo da cama, em cima do
armário, no álbum da família. Um pedaço de papel nos levou para outro. De al-
guns episódios chave não havia nada, não havia um único documento. Então
tivemos que inventar estratégias para mostrá-los sem documentos. O caso de
Cucaño, por exemplo. A ação chave deste grupo de Rosario foi uma ação de
perturbação de uma missa, na igreja mais importante de Rosario, frequentada
por toda a cúpula militar durante a ditadura. E o que eles fizeram foi incorporar
diferentes personagens que alteraram totalmente a cerimônia da missa. Uma
pessoa ficava ao fundo da sala de confissão e gritava textos de Maldoror ou
outros textos do conde de Lautrémont sobre masturbação. Outra chorava com
uma boneca nos braços dizendo que era seu filho morto. Outro subiu atrás do
padre que conduzia a missa e espiava sob a tanga de Cristo. E todas aquelas
situações que pareciam não ter nada a ver uma com a outra, desequilibraram
a missa. Dois deles foram presos, mas os outros se misturaram entre os fiéis
e escaparam. Eles conseguiram parar a missa naquele momento. E dessa
ação que todos ouviram falar em Rosário não há um único documento, por-
que não havia espectadores, não havia vontade de se registrar. O que lhes
interessava era produzir essa perturbação radical, esse deslocamento, que
mudaria da normalidade vigente para um lugar de estranhamento. Então o
que fizemos foi contatar Guillermo Giampietro, que é um dos membros do
Cucaño e que agora mora em Trieste, e que foi para lá participar das ações
de desmanicomialização. E pedimos a ele que fizesse um relato em vídeo de
como foi essa experiência. Foi uma experiência de como contar uma história
sem documentos.
eles fossem socializados, que eles pudessem estar disponíveis para consulta
pública. Portanto, temos basicamente quatro pontos, um é manter a unidade
dessas coleções, impedi-las de se dispersar e que sejam vendidas em partes,
para tentar mantê-las em seus locais de origem, no lugar onde essas práticas
ocorreram. Porque muitas vezes as instituições do Norte garantem as melho-
res condições de conservação, mas também extrapolam, isto é, tiram esses
documentos e dificultam o acesso dos pesquisadores latino-americanos, e
também os descontextualiza. Então queremos que eles fiquem no lugar deles
o máximo possível. E por outro lado, acessibilidade, socialização desses ma-
teriais e preservação. Esses seriam os quatro pontos do que chamamos de
acordo ético na política de arquivos. Bem, e com essa política de arquivos,
trabalhamos em muitos arquivos específicos, como o arquivo de Clemente
Padín em Montevidéu; o arquivo de memórias da resistência em Santiago do
Chile, que trata das práticas gráficas durante a ditadura militar de Pinochet;
o arquivo de Graciela Carnevale em Rosário, que trata do processo de 1968
da vanguarda e de “Tucumán arde”; o arquivo de Juan Carlos Romero em
Buenos Aires, e muitos outros arquivos com os quais estamos trabalhando no
Paraguai, Uruguai, Argentina, Brasil, Peru e outros países.
corpo de uma multidão, para se arriscar e dar corpo ao ausente neste ritual
coletivo, é o que forma o caráter do Siluetazo. Mas eles nunca falaram de arte,
falaram sobre uma ação visual e sobre fazer com que a mídia de massa ecoas-
se a denúncia. Era o que importava para eles, não entrar na história da arte. E
por muitos anos se esqueceu completamente a origem artística da iniciativa,
ninguém estava interessado em quem tinha sido o autor, não era relevante. Eu
acho que foi em 2007 ou 2008 que fizemos o livro sobre Siluetazo, um livro
coletivo que saiu na Argentina, e rapidamente começou a ter um interesse por
parte das instituições em colecionar o Siluetazo, o que era uma contradição
total. O que pode ser colecionado de um evento político? Algumas fotos, regis-
tros, depoimentos... E isso também gerou, creio eu, uma estranha distorção,
porque havia um material que começou a ser vendido no mundo da arte e que
começou a se repetir como uma imagem estereotipada do Siluetazo, também
trazendo esse tema. Há o vetor institucional e o vetor do mercado, vetores que,
a essa altura, são impossíveis de se esquivar, mas que produzem efeitos em
relação a como podemos recuperar essas experiências. E eles nos colocam o
tempo todo diante de dilemas sobre os efeitos de uma pesquisa crítica.