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João Filhojoao.filho@theintercept.com@jornalismowando
7-10 minutos

Foto: Carolina Antunes/PR

Bolsonaro segue cometendo atentados em série contra a


saúde pública. Pela segunda semana consecutiva, usou o
pronunciamento oficial em rádio e TV para impulsionar as
mentiras fabricadas pelo “gabinete do ódio” — comandado
pelo seu filho Carlos Bolsonaro — e fornecer munição para
suas milícias virtuais atacarem adversários políticos e os
setores do governo que ousam combater a pandemia se
fiando em pesquisas científicas.

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No pronunciamento da semana passada, o presidente


distorceu uma fala de um diretor da OMS, insinuando que ele
aprovaria o afrouxamento do distanciamento social em alguns
países. Era mentira, claro. A OMS, com base num consenso
científico, continua recomendando fortemente o isolamento
total. Antes do pronunciamento, o vídeo descontextualizado
da fala do diretor da OMS já havia sido devidamente
legendado e disseminado pelo Gabinete do Ódio. A fake news
que o presidente contou à noite o meu pai já tinha me
encaminhado no WhatsApp pela manhã. Assim como ele,
muitos dos que viram o vídeo acreditaram que a OMS estava
oficialmente defendendo o relaxamento das medidas de
isolamento social.

Nesse mesmo pronunciamento, Bolsonaro voltou a defender o


uso da cloroquina, o remédio que virou a boia de salvação do
Titanic bolsonarista. As dúvidas da ciência quanto ao uso da
cloroquina contrastam com as certezas fabricadas pelo
gabinete do ódio que norteiam as ações do presidente. Ainda
em fase de testes, o remédio tem efeitos colaterais fortes e
pode matar. A sua eficácia é ainda apenas uma possibilidade
em estudo e até aqui não há nenhuma evidência científica
robusta de que o remédio ajudou a salvar pacientes com a
covid-19.

Pesquisas preliminares feitas pela Fiocruz, por exemplo,


apontam que o número de mortes com pacientes que usaram
cloroquina é o mesmo dos que não usaram. Outros estudos
internacionais apontam na mesma direção. Portanto, a
especulação do presidente sobre a eficácia de um
medicamento cujos efeitos colaterais podem até levar a morte

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configura um crime contra a saúde pública.

Nos EUA, um homem de 68 anos decidiu tomar cloroquina


após propaganda de Trump sobre a eficácia do remédio.
Comprou uma versão não medicamentosa da cloroquina e
morreu. O alarde de Trump fez com que a procura do
medicamento aumentasse, elevando os preços e
prejudicando pacientes com artrite, malária e lúpus, que
realmente precisam da cloroquina. É essa loucura que
Bolsonaro quer importar.

No início da semana, após o presidente dar sinais de que


demitiria Mandetta, os militares decidiram agir nos bastidores.
Ao ver o único fio de sensatez do governo sendo ameaçado
em plena pandemia, os militares decidiram tomar as rédeas e
impedir a demissão do ministro. Um acordo costurado pelos
militares fez com que Bolsonaro o mantivesse no cargo em
troca do relaxamento das diretrizes para o distanciamento
social no país. Para se manter no cargo, Mandetta teve que
afrouxar medidas recomendadas pela OMS em algumas
cidades e, assim, atender a narrativa de Bolsonaro. O
ministério então divulgou as novas diretrizes, que propõem
três níveis de isolamento e permitem que pessoas que estão
fora dos grupos de risco possam circular normalmente. Ou
seja, o acordo contraria as recomendações da OMS e, na
prática, fará com que morram mais brasileiros do que se o
isolamento total fosse mantido em todas as cidades.

Se Bolsonaro demitisse Mandetta, um novo ministro olavista


anticiência que prega o fim do isolamento total seria
escolhido, o que provavelmente seria pior. De qualquer
maneira, é preciso que fique registrado qual é o custo:

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milhares de vidas perdidas. Não se trata de um palpite, mas


de matemática. Basta olhar para o mundo e ver como os
países que não tomaram as medidas de isolamento total se
arrependeram ao ver o número de mortos disparar. É assim
que agem os adeptos da necropolítica: negociando em cima
do número de cadáveres para sustentar uma narrativa política
fabricada ao arrepio da ciência.

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PARTEFortaleça o jornalismo em que você acredita

O coordenador do comitê de controle do coronavírus do


governo de São Paulo, David Uip, passou a ser vítima de
ataques dos bolsonaristas nas redes sociais. Segundo eles,
Uip, que é médico infectologista, estaria escondendo que se
curou de covid-19 após o uso de cloroquina. O próprio
presidente da República passou a constrangê-lo
publicamente, perguntando se ele havia usado o remédio. Até
uma receita dele prescrevendo o medicamento foi
criminosamente vazada e impulsionada pelas milícias virtuais
bolsonaristas. David Uip admitiu a autenticidade da receita,
mas preferiu não dizer se fez o uso do medicamento.

É provável que Uip tenha tomado a cloroquina de forma


controlada, avaliando a dose correta e os efeitos colaterais, o

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que não significa que isso tenha sido responsável pela cura. É
claro que um médico responsável jamais sairia alardeando
aos quatro cantos que usou um remédio sem eficácia
comprovada e com fortes efeitos colaterais que podem levar à
morte. Mimetizando Trump, Bolsonaro se apresenta como o
salvador da pátria que tem lutado pela cura da doença contra
tudo e contra todos. Um mito que briga contra o “sistema” pela
saúde do povo, apesar da ação dos seus inimigos, que por
algum motivo oculto a boicotam.

Outros efeitos do acordo costurado pelos militares ficaram


claros na coletiva seguinte de Mandetta. Ele passou a exaltar
a liderança de Bolsonaro e a contribuir para a guerra de
narrativas promovida pelo gabinete do ódio, ainda que de
maneira tímida. Durante a coletiva de quarta-feira, 8 de
março, o ministro criticou David Uip e o governador Doria por
politizarem o uso da cloroquina. Pouco antes, Doria havia
declarado que David Uip orientou o Ministério da Saúde a
distribuir de cloroquina na rede pública.

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Reprodução: YouTube

Apesar de ter ajustado o tom, Mandetta segue afirmando não


haver embasamento científico para o uso amplo da
medicação, como defende Bolsonaro. A verdade é que essa é
mais uma falsa polêmica alimentada pelo bolsonarismo para
disfarçar a flagrante incompetência do presidente em liderar o
país no enfrentamento da epidemia. O protocolo do Ministério
da Saúde já prevê que a cloroquina seja testada em casos
considerados graves e críticos. Segundo o próprio ministro,
esse entendimento se deu após a reunião com especialistas,
entre eles David Uip. Os dois médicos sempre estiverem de
acordo quanto ao uso controlado do medicamento. A intriga
foi instalada apenas para fortalecer a narrativa bolsonarista de
salvador da pátria.

Leia nossa
cobertura completaA crise do coronavírus

As intenções de Bolsonaro por trás dessa obsessão pela


cloroquina e pelo afrouxamento do distanciamento social
estão claras. O presidente é previsível. Qualquer que seja o
resultado ao fim da pandemia, Bolsonaro já terá as narrativas
preparadas para justificá-lo. Se o resultado for trágico, com
muitas mortes, o presidente vai culpar as forças ocultas que

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promoveram o boicote à cloroquina e dirá que o isolamento


total não funcionou. Se houver menos mortes do que se
espera, vai dizer que o isolamento total era desnecessário e
que a economia foi prejudicada por causa dele. Dirá ainda
que tinha as soluções, mas foi impedido pelo “sistema”. Como
não tem compromisso com a realidade dos fatos nem
vergonha na cara, Bolsonaro sairá de peito estufado qualquer
que seja o resultado dessa tragédia.

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