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CAPÍTULO 1

Metacognição e Afectividade: Aspectos teóricos

1.1 Dimensão metacognitiva: algumas definições

1.1.1 Componentes da Metacognição

1.1.2 Conhecimentos Metacognitivos

1.1.3 Gestão da Actividade Mental

1.1.4 Tomada da Consciência da Actividade Mental

1.2. DIMENSÃO AFECTIVA, ALGUMAS DEFINIÇÕES

Segundo Martin e Briggs (1986), os conceptores de modelos de ensino reflectiram


pouco sobre o desenvolvimento de teorias ou de modelos, fazendo intervir comportamentos
afectivos. Eles explicam este estado de facto pela dificuldade de conceptualizar e avaliar os
comportamentos afectivos, pela convicção de alguns professores na impossibilidade de
atingir objectivos afectivos numa sala de aulas ou ainda pelo receio que as discussões
relacionadas com o domínio afecctivo sejam vistas como um doutrinamento. Apesar destas
limitações, eles desenvolveram uma terminologia do domínio afectivo.

1.2.2 Domínio Afectivo

Estes autores consideram a expressão «domínio afectivo» como uma categoria


geral, cujas componentes servem para compreender e definir o domínio. As componentes
são: as atitudes e os valores, o comportamento moral e ético, o desenvolvimento pessoal, as
emoções (entre as quais, a ansiedade) e os sentimentos, o desenvolvimento social, a
motivação e, finalmente, a atribuição. Entre estas componentes e subcomponentes,
destacamos os termos atitude, emoção, ansiedade, motivação e atribuição. Acrescentamos o
de confiança em si mesmo, que desempenha um papel de primeiro plano na aprendizagem.
Uma atitude é um «estado de espírito [ ... ] uma disposição interior adquirida relativamente
a si mesmo ou a todo o elemento do ambiente circundante [ ... ] que incita a uma maneira
de estar ou de agir favorável ou desfavorável» (Legendre, 1993). Uma emoção é uma
reação afectiva, feliz ou penosa, manifestando-se de diversas formas (Sillamy, 1980). A
ansiedade é uma emoção. A motivação é uma «soma de desejo e de vontade, que incita uma
pessoa a realizar uma tarefa ou a visar um objectivo que corresponde a uma necessidade»
(Legendre, 1993: 881-882). Ela determina, muitas vezes, a conduta de um indivíduo. Uma
atribuição é um processo pelo qual um indivíduo imputa o seu comportamento ou o de uma
outra pessoa a causas internas e ou externas (Martin e Briggs, 1986). Finalmente, a
confiança em si mesmo é um sentimento pelo qual um indivíduo dará provas de audácia e
de segurança, quanto ao sucesso de uma experiência (Sillàmy, 1980).

As actividades didácticas que desenvolvemos e validamos incidem sobre estes


aspectos afectivos. O quadro seguinte apresenta-os de UIllO forma mais concisa.

QUADRO II
Aspectos afectivos

1. Atitudes
2. Emoções ansiedade
3. Motivação
4. Atribuição
5. Confiança em si mesmo

Vejamos mais em pormenor cada uma destas componentes e as suas manifestações


na aprendizagem ou no ensino, assinaladas nos trabalhos de diversos autores (Blouin, 1985,
1987; Gattuso e Lacasse, 1986; Lafortune, 1990, 1992).
1.2.2 Atitude

Uma atitude é um «estado de espírito (sensação, percepção, ideia, convicção,


sentimento, preconceito ... ), uma disposição interior adquirida relativamente a si mesmo ou
a todo o elemento do ambiente circundante (pessoa, coisa, situação, acontecimento,
ideologia, modo de' expressão ... ) que incita a uma maneira de estar ou de agir favorável ou
desfavorável» (Legendre, 1993: 112). Por exemplo, determinadas atitudes dizem respeito à
percepção que se tem da natureza ou do valor do trabalho intelectual, às ideias quanto ao
erro em matemática ou as convicções relativamente ao papel social da escola.

No ensino, um professor que acredita na capacidade dos seus alunos para


terminarem o curso com sucesso procura meios para os ajudar a exprimir as suas
dificuldades; ele está atento aos diferentes processos de resolução de problemas, a fim de
identificar os erros de raciocínio; ele interroga-se sobre as razões pelas quais os alunos
falham, sobretudo se estes parecem ter feito um esforço adequado (Lafortune, 1992).

Por exemplo, na aprendizagem da matemática, se um aluno pensa que a matemática


é pouco «humana» e tem pouca relação com os sentimentos, ele terá tendência para evitar
os programas que contam com diversos cursos de matemática, por muito pouco valor que
ele atribua aos contactos humanos. Se ele tiver mesmo, contudo, de seguir um curso desses,
terá pouco interesse nele e ser-lhe-á difícil ser perseverante diante da dificuldade de
determinadas tarefas. Em contrapartida, se ele tiver uma atitude mais positiva relativamente
a esta disciplina, ser-lhe-á mais fácil alimentar a sua motivação (Lafortune,1992).

1.2.3. Emoção

Uma emoção é uma reacção afectiva, feliz ou penosa, manifestando-se de diversas


formas (Sillamy, 1980). Foram identifica das diversas emoções básicas, como o medo, a
cólera, a alegria, a tristeza, a surpresa, o desgosto e a angústia (Martin e Briggs, 1986).
Constatam-se regularmente emoções de prazer ou de ansiedade durante certas actividades
de aprendizagem.

No ensino, um professor pode manifestar alegria, decepção ou cólera, consoante a


sua percepção do esforço dispendido pelos alunos, em relação com os resultados escolares
obtidos.

Na aprendizagem, os alunos experimentam prazer quando conseguem realizar um


exercício difícil. Eles podem experimentar cólera ou desgosto, se tiverem a sensação de que
os seus esforços não conduzem a nada. E não é raro experimentarem inquietação antes de
um teste ou um mal-estar, que pode ir até ao medo (Lafortune, 1992). Como a ansiedade é a
emoção mais frequentemente associada às dificuldades experimentadas na aprendizagem,
vamos igualmente defini-la.

1.2.3.1 ANSIEDADE

A ansiedade é um estado afectivo caracterizado por um sentimento de inquietação,


de insegurança e de perturbações físicas difusas, relativamente a um perigo indeterminado,
perante o qual nos sentimos impotentes (Sillamy, 1980). A ansiedade relativamente à
aprendizagem pode impedir o aluno de adaptar um método de trabalho adequado: à simples
evocação de ter de passar num teste, a pessoa ansiosa entra em pânico, pensa de imediato
em abandonar se for provável um insucesso, não consegue integrar bem as noções e,
sobretudo, não tem verdadeiramente prazer em estudar (Lafortune, 1992).

Tobias (1987) descreve bastante bem o que se passa na cabeça de uma pessoa
quando se manifesta a ansiedade relativamente à matemática. A descrição que fornece
adapta-se bastante facilmente a outras situações de aprendizagem. Durante o estudo
preparatório para um teste ou durante a realização de um trabalho ou de um dever pode
descrever-se da seguinte forma o que se passa na cabeça de uma pessoa. Podemos repartir o
funcionamento do cérebro entre a memória, a compreensão e a relação que se estabelece
entre as duas. Se o sistema funciona bem, o aluno preparar-se-á para um teste recorrendo à
sua memória, mas também ao seu processo de compreensão, a fim de achar relações entre
as diferentes noções. A memorização e a compreensão são, assim, cúmplices e permitem ao
aluno organizar correctamente as suas ideias, convencer-se de que integrou bem as noções
e, assim, sentir-se preparado para fazer um teste e entregar um trabalho de que será
orgulhoso, sem sentir demasiada inquietação na expectativa dos resultados. Se a memória e
a compreensão estão bem desenvolvidas mas, ao examinar as noções a estudar ou o
trabalho a realizar, algumas emoções, particularmente a ansiedade, se manifestam, a tensão
sobe a confiança baixa.

As relações entre as diferentes noções estabelecem-se com dificuldade, não é tão


fácil «pensar» e pode-se mesmo chegar a duvidar das suas capacidades. A pessoa acredita,
então, que já não consegue trabalhar, porque já não consegue pensar. Na realidade, é o
inverso, ela já não consegue pensar, porque deixou de reflectir, de estudar e, sobretudo, de
recorrer ao seu processo lógico (Lafortune, 1992).

A ansiedade relativamente à aprendizagem e as suas manifestações (pânico,


paralisia, desorganização mental) surgem quando uma pessoa tem de realizar uma tarefa de
aprendizagem (Hendel, 1981), Law (1981) indica três formas de ansiedade e descreve as
suas consequências. Primeiro, existe em alguns uma ansiedade relativamente à organização
do curso, em que as intervenções diante do conjunto do grupo perturbam aqueles que têm
medo de se exprimir em grupo e ou que receiam ser julgados inaptos. Os intercâmbios em
classe são, então, mais raros. A ansiedade causada pelo receio de fazer figura de idiota
influencia os alunos, levando-os a colocar questões vagas e, assim, diminuir as interacções
em classe e a partilha das experiências. A ansiedade relativamente ao teste é o resultado das
outras formas de ansiedade, porque, quando o aluno não obteve resposta a todas as suas
questões, ele não se sente preparado e entra em pânico diante da ideia de ter de fazer um
teste. Este pânico é tanto maior num contexto onde a avaliação é sobretudo considerada
como a finalidade da aprendizagem.
A ansiedade relativamente à aprendizagem manifesta-se de diversas formas e
apresenta diversos níveis de intensidade. Discutindo manifestações como a inquietação, o
mal-estar e o medo, tratamos das diferentes formas de ansiedade relativamente à
aprendizagem (Lafortune, 1992). Sendo a inquietação uma perturbação, o estudante que
experimenta inquietação relativamente a determinadas disciplinas está particularmente
preocupado com o desenrolar do curso em que se acaba de inscrever. O professor que
manifesta inquietação relativamente à utilização de actividades incidindo sobre a dimensão
afectiva no seu curso receia principalmente as reacções negativas que poderão ter os alunos
(Lafortune, 1992).

O mal-estar é um sentimento de embaraço, de incómodo, contra o qual é difícil


defender-se; ele pode ser penoso e irracional (Sillamy, 1980). O aluno que experimenta um
mal-estar relativamente a uma matéria particular pode conseguir seguir um curso, evitando
simultaneamente empenhar-se nele, porque essa disciplina o faz viver tensões dificilmente
suportáveis. O professor que experimenta mal-estar relativamente à utilização de
actividades, incidindo sobre a dimensão afectiva no seu curso, utiliza as actividades com
prudência, sem grande convicção; ele é facilmente tentado a modificar alguns dos seus
elementos (Lafortune, 1992).

O medo é uma emoção provocada pela tomada de consciência de um perigo real ou


imaginado, de uma ameaça. Ele conduz ao desejo de evitar uma coisa considerada como
desagradável (Sillamy, 1980). O receio de uma disciplina particular (matemática, química,
física, etc.) conduz frequentemente o aluno a evitar essa disciplina, ou mesmo a pôr em
causa a escolha de um programa ou de uma orientação. O professor que tem receio de
utilizar actividades incidindo sobre a dimensão afectiva no seu curso, evita-as tanto quanto
possível (Lafortune, 1992).

1.2.4. MOTIVAÇÃO
A motivação é, precisamente, uma componente da dimensão afecctiva. A motivação
é uma soma de desejo e de vontade, que impele uma pessoa a realizar uma tarefa ou a visar
um objectivo que corresponde a uma necessidade (Legendre, 1993). Ela determina,
frequentemente, a conduta de um indivíduo. Distinguem-se dois tipos de motivação: a
motivação extrínseca e a motivação intrínseca. Segundo Kolesnick (1978, citado por
Dufresne-Tassé, 1981), um indivíduo é motivado extrinsecamente quando:

1) Executa o que uma outra pessoa lhe pede;

2) É recompensado por ter feito qualquer coisa;

3) Quer impressionar alguém e agradar-lhe.

A motivação é intrínseca quando o indivíduo:

1) Faz alguma coisa porque o quer realmente;

2) Retira prazer da realização daquilo que faz;

3) Considera a actividade em que trabalha como um fim em si;

4) Está suficientemente interessado para que sejam inúteis pressões


exteriores, no sentido da conclusão da sua acção (Dufresne-Tassé,1981).

Estes dois tipos de motivação completam-se, uma vez que a motivação extrínseca
produz resultados imediatos mais impressionantes do que a motivação intrínseca, enquanto
esta última provoca, a longo prazo, resultados mais profundos e mais duradouros
(Kolesnick, 1978, citado por Dufresne-Tassé, 1981). Na prática, Kolesnick (1978, citado
por Dufresne-Tassé, 1981) propõe agir primeiro para suscitar ou man. ter t1 motivação
intrínseca, depois recorrer à motivação extrínseca utilizando a aprovação e os elogios,
depois as notas e, finalmente, outro. tipos de reforço extrínseco (recompensas, etc.).
Wlodkowski (1985) elaborou um modelo em que diversos factores intervêm sobre a
motivação. Antes de mais, é preciso trabalhar as atitudes, é preciso ter em conta
necessidades dos alunos, é preciso estimular a persistência através de experiências
encorajadoras, ter em conta emoções, desenvolver a competência e utilizar o reforço. Para
agir de acordo Com este modelo e intervir positivamente sobre a motivação (mantê-la ou
aumentá-la), o professor deve possuir uma certa competência, sentir empatia, ser claro nos
objectivos prosseguidos e manifestar o seu entusiasmo pela matéria ensinada.

Um professor motivado tem o entusiasmo e a energia necessários para encontrar


instrumentos pedagógicos que estimulem os seus alunos, os ajudem a vencer as suas
dificuldades e neles desenvolvam atitudes mais positivas relativamente à escola (Lafortune,
1992).

Para os alunos, a motivação significa que eles entendem a aprendizagem em causa


como possível, que eles desejam atingir um objectivo e que fazem tudo para o concluir com
sucesso (Dufresne-Tassé, 1984). A motivação para se empenhar num curso particular
permitiria, assim, ao aluno libertar-se em parte das emoções negativas que pode
experimentar relativamente a essa disciplina. Ser-lhe-ia, então, mais fácil empreender esse
curso. A falta de motivação implicaria uma certa indiferença, um desinteresse em
empenhar-se nesse curso ou em prossegui-lo. Uma vez inscrito no curso, o aluno motivado
procura adquirir conhecimentos para além do conteúdo teórico prescrito pelo curso; ele
escuta atentamente as explicações do professor, envolve-se activamente nas actividades de
grupo sem perguntar se essas noções são para reter ou para estudar para o teste (Lafortune,
1992).

1.2.5. ATRIBUIÇÃO

Quando se produz um acontecimento, a pessoa interpreta-o em relação com causas.


Por exemplo, um estudante pode pensar que conseguiu ter sucesso num teste, graças à
quantidade de estudo feito ou ao esforço dispendido, enquanto o seu professor pode
considerar que é sobretudo graças à qualidade do estudo feito ou à eficácia das estratégias
de aprendizagem utilizadas. Esta interpretação, que se denomina como atribuição,
desempenha um papel importante relativamente às reacções face a este tipo de
acontecimento. Uma atribuição é interna se depender da pessoa envolvida e externa se não
depender da pessoa. Este aspecto foi introduzido por Rotter (1966), antes da teoria da
atribuição: ele falava, então, da «origem do poder de acção». Depois, os autores
acrescentaram duas outras dimensões à atribuição. Weiner e os seus colaboradores (1971)
consideravam que entre as causas internas e externas algumas podem modificar-se,
enquanto outras são relativamente estáveis. Mais tarde, Weiner (1979, 1985) enriqueceu o
seu modelo com o aspecto da «possibilidade de controlo». A última versão do modelo de
Weiner compreende, agora, três dimensões: a origem do poder de acção, a estabilidade e a
possibilidade de controlo. Bernardette Noel (1991) indica, assim, a atribuição segundo
Weiner.

Possibilidade de controlo x Origem do pode de acção

Estabilidade Interna Externa


Estável Instável Estável Instável
Incontrolável Aptidão Fadiga Dificuldade Oportunidade
da tarefa
Controlável Esforço Esforço Intermédio Ajuda não
típico imediato do professor habitual dos
outros

FIGURA 3
As atribuições causais (segundo Weiner, citado por Noel, 1991: 43).

No ensino, o professor que atribui o sucesso à posse de um talento especial não


estará inclinado a fazer intervenções sobre os aspectos afectivos. Com efeito, ele
considerará antes que o talento dos seus alunos não depende dele (a causa é externa), que
ele não pode ser alterado (a causa é estável) e que ninguém tem controlo sobre isso (a causa
é incontrolável).

Blouin (1985, 1987) mostrou que os alunos que experimentam dificuldades em


matemática não atribuem os seus insucessos e sucessos às mesmas causas do que aqueles
que têm êxito nesta disciplina. Os primeiros acreditam, sobretudo, que o sucesso é uma
questão de talento, por exemplo. Alguns investigadores (Lemoyne, 1989; Murn, 1984;
Tobias, 1978) mostraram que existem diferenças entre os sexos em relação à atribuição em
matemática. De uma forma geral, as raparigas atribuem o sucesso ao seu esforço e o
insucesso à sua falta de talento, enquanto os rapazes atribuem o sucesso ao seu talento e o
insucesso à falta de esforço. Em ambos os casos, o professor teria razão para intervir para
que os alunos atribuíssem tanto os seus sucessos como os insucessos à quantidade de
esforço que despenderam na realização de uma tarefa para a qual possuem todos, aliás, as
aptidões necessárias para ter êxito. Revela-se que as pessoas estão mais inclinadas a
persistir nas suas posições se acreditarem que a causa do sucesso é interna, instável e
incontrolável.

1.2.6 A Confiança em Si Mesmo

A confiança em si mesmo nasce da representação que o indivíduo tem de si mesmo


em relação à sua capacidade para realizar a tarefa. É uma noção ligada à estima por si
mesmo, a qual resulta do conceito de si mesmo. Vários autores consideram que estas duas
últimas expressões se referem à mesma realidade. Legendre (1993: 234) distingue-as: ele
define o conceito de si mesmo como «o conjunto das percepções e das convicções que uma
pessoa tem dela própria, bem como as atitudes daí decorrentes» e a estima por si mesmo
como «o valor que um indivíduo se atribui na globalidade» (p. 560). Segundo Ruel (1987),
o conceito de si mesmo constrói-se através das experiências quotidianas e das comparações
que fazemos entre nós e os outros. As experiências são entendidas de uma certa forma,
interpretadas como sucesso ou insucesso, confrontadas com as características que nos
atribuímos, influenciadas pelas percepções dos outros (ou melhor, pela ideia que fazemos
das percepções dos outros) e comparadas com o que percebemos das experiências dos
outros. Chega-se, assim, a uma espécie de síntese, uma imagem de si mesmo num campo
de experiência determinado. Consoante o juízo mais ou menos positivo que se faz sobre
essa imagem, «emerge um sentimento geral, que traduz a maior ou menor estima,
apreciação afectiva, que o indivíduo manifesta relativamente a si mesmo. É a estima por si
mesmo». (Ruel, 1987: 560). De acordo com Legendre, Branden (1969, 1971) propõe a
seguinte relação causal:

1. Confiança nas suas


capacidades

4. Orgulho 2. Estima por si mesmo

3. Realização

FIGURA 4

Desenvolvimento da estima por si mesmo


(segundo Branden, citado por Legendre, 1993: 560).

«A estima por si mesmo faz apelo à confiança fundamental do ser humano na sua
eficácia e no seu valor» (Legendre, 1993: 560). Ela precede as realizações, enquanto o
orgulho vem depois. No entanto, ela vem transformar o conceito de si mesmo e aumenta a
confiança nas suas capacidades.

O conceito de si mesmo pode ser positivo ou negativo, realista ou irrealista.


Consoante o tipo de conceito de si mesmo, a intervenção pedagógica será diferente. Assim,
por exemplo, «no caso de crianças com dificuldade de aprendizagem, possuindo um
conceito de si mesmas negativo-realista, uma intervenção ao nível da dificuldade de
aprendizagem bastaria para produzir uma valorização do conceito de si mesmo» (Herry,
1987: 227).
No ensino, o professor que se julga muito eficaz em exposições magistrais terá
tendência para utilizar este método de ensino, em detrimento de outros métodos que poderá
valorizar mas para os qual!! não tem confiança na sua aptidão.

Na aprendizagem, o aluno que tem confiança nas suas capacidades prosseguirá a


pesquisa de uma solução para um problema, mesmo que uma primeira tentativa se tenha
revelado infrutífera, enquanto a falta de confiança tem por efeito desencorajar mais
depressa o indivíduo, face às dificuldades (Lafortune, 1992).

Blouin (1987), citado por Lafortune (1988), explica que a confiança em si mesmo se
adquire a um primeiro nível pela experiência do sucesso. Os alunos devem ser capazes de
ter êxito nas primeiras tarefas que se lhes apresentam, aquando de uma nova aprendizagem.
Seguidamente, é muitas vezes necessário chamar a atenção dos alunos para os seus
sucessos, sobretudo naqueles que têm uma percepção negativa de si mesmos. Eles têm
tendência para notar apenas os insucessos. A um segundo nível, Blouin (1987) refere que o
aluno deve aprender a atribuir-se o sucesso da experiência.

O sucesso deve ser associado a aptidões da pessoa (eu sou capaz de o fazer) e ao
esforço dispendido (se me esforçar bastante), e não à facilidade da tarefa ou à ajuda do
professor.

Várias experiências sobre um mesmo assunto, coroadas pelo sucesso, são


necessárias para que se solidifique a confiança em si mesmo. E neste caso, segundo
Bandura (1977), uma experiência ocasional de insucesso não diminuirá essa confiança em
si mesmo. Pelo contrário, um insucesso isolado, ultrapassado pelo esforço determinado,
pode aumentar a motivação para perseverar, porque se acredita, então, que mesmo as
maiores dificuldades podem ser contornadas. Os efeitos do Insucesso sobre a confiança em
si mesmo dependem, pois, do momento em que se produz esse insucesso e também do
conjunto das experiências vividas nesse domínio.
As componentes do domínio afectivo apresentadas nas páginas precedentes, isto é,
as emoções, a motivação, as atitudes, a atribuição e a confiança em si mesmo,
desempenham todas um papel muito importante, tanto na aprendizagem como no ensino.
Mas a dimensão afectiva não é o único fator a considerar nas dificuldades de aprendizagem;
vimos que certos aspectos metacognitivos parecem estar, igualmente, em causa.
Salientamos, também, que existem determinadas relações entre a afectividade e a
metacognição. A secção seguinte apresenta essas relações.

1.3. Relações entre Afectividade e Metacognição

Os aspectos foca dos nesta obra pertencem aos domínios afectivo e metacognitivo.
Por um lado, não se pode verdadeiramente separá-las. Por outro, eles são complementares:
para que o ensino de uma estratégia, seja ela cognitiva ou afectiva, seja eficaz, é preciso
igualmente mostrar como geri-la, isto é, quando, como e porquê utilizá-la, como já o
demonstraram algumas pesquisas sobre o ensino das estratégias de aprendizagem
(Langevin, 1991).

Diversos autores classificam as estratégias de aprendizagem em categorias


cognitiva, afectiva, metacognitiva e de gestão de recursos (McKeachie, 1986; Weinstein &
Mayer, 1986; St-Pierre, 1991). Apesar desta categorização, na realidade «não há
estanquicidade entre os domínios cognitivo, metacognitivo ou afectivo. O indivíduo em
situação de aprendizagem passa continuamente de um domínio a outro, de forma
inconsciente na maior parte do tempo. É pela utilização apropriada de estratégias
metacognitivas que o indivíduo controla estas interacções. Conforme o demonstrou
Taurisson (1988), podemos notar que parecem coexistir duas personagens na pessoa que
aprende. Primeiro, há um ser que age: ele resume, recompensa-se, solicita a ajuda dos
outros, sublinha, etc. É o executante: ele executa as estratégias cognitivas ou afectivas. E,
depois, há um ser que se vê agir: ele planifica, controla, reorganiza, etc. É o organizador: é
esta personagem que efectua as estratégias ditas metacognitivas» (St-Pierre, 1991: 34).
Como as duas personagens agem em concordância e de forma interactiva durante a
aprendizagem, é difícil separar o que releva do domínio cognitivo ou do domínio afectivo e
o que releva do domínio metacognitivo. Se eu me recompenso por ter feito um bom
esforço, eu aumento a minha motivação (domínio afectivo), mas tenho, primeiro, de me ter
dado conta desse esforço, tê-lo controlado (domínio metacognitivo) e atribuir o sucesso à
qualidade e à quantidade do meu trabalho (domínio afectivo segundo Martin e Briggs,
1986, e domínio metacognitivo segundo Schoenfeld, 1987).

Paris e Winograd (1990) propõem limitar o conceito de metacognição aos


conhecimentos relativos aos processos cognitivos e às capacidades de gestão mental que
podem ser estabelecidos entre as pessoas: a tomada de consciência e a possibilidade de
comunicar essas capacidades e esses conhecimentos tornam-se primordiais. Mostrá-mos,
igualmente, a importância destes elementos para o desenvolvi· mento da metacognição.

Eles sugerem, em segundo lugar, alargar o conceito de metacognição para nele


incluir características afectivas. Os primeiros trabalhos sobre o assunto procuraram separar
o que é da competência da metacognição, da cognição e da afectividade na actividade
mental. Os investigadores depararam-se, então, com problemas sem solução à vista. A este
propósito, Paris e Winograd (1990) mostram que é frequentemente impossível separar a
expressão das emoções da actividade metacognitiva. Eles relatam, a título de exemplo, as
reflexões de um aluno ansioso perante uma tarefa escolar. Na mesma ordem de ideias, a
consulta de taxionomias das estratégias de aprendizagem cognitivas e metacognitivas faz
ressaltar a confusão que existe neste plano: assim, colocar-se uma questão pode ser tanto
uma estratégia metacognitiva como cognitiva, consoante a colocarmos para verificar a sua
compreensão ou para ajudar à memorização. Esta dificuldade em separar a afectividade, a
cognição e a metacognição conduz os investigadores a colocar mais estreitamente em
relação o aspecto metacognitivo com os outros aspectos da aprendizagem.

Tardif (1992), resume o pensamento de autores que tentam incluir simultaneamente


os aspectos afectivos e cognitivos na metacognição, Segundo eles, escreve este, uma vez
que a metacognição se «refere à avaliação e à gestão de si mesmo, ela relaciona
necessariamente os conhecimentos (skill) e a vontade (will), os factores cognitivos e os
factores afectivos». E prossegue, escrevendo: «Paris e Winograd afirmam mesmo que
diversos problemas educativos não puderam ser resolvidos no passado, em razão da
discussão constante que as abordagens pedagógicas, bem como as pesquisas, mantinham
entre os aspectos cognitivos, metacognitivos e afectivos da aprendizagem» (Tardif, 1992:
58-59).

Os aspectos cognitivos, afectivos e metacognitivos da aprendizagem estão, portanto,


estreitamente interligados e, na prática, é muitas vezes difícil distingui-los. No entanto,
como se mencionou atrás, procuraremos concentrar a nossa atenção unicamente nas
dimensões afetiva e metacognitiva. Não que queiramos negligenciar o aspecto cognitivo,
mas optámos por procurar as inter-relações entre os aspectos afetivo e metacognitivo, tendo
em conta que elas influenciam os processos cognitivos. Uma investigação posterior poderia
permitir aprofundar as inter-relações entre os três tipos de processos: cognitivo, afetivo e
metacognitivo.

Ainda que falte material pedagógico para intervir sobre as dimensões afectiva e
metacognitiva da aprendizagem, pensamos que vários professores conseguiram integrar
harmoniosamente estas dimensões na sua prática quotidiana. Infelizmente, estas iniciativas
têm pouco eco e não são conhecidas. Com o nosso trabalho quisemos dar a conhecer o
trabalho destes professores e colmatar a falta de material pedagógico e didáctico para
intervir sobre a metacognição e a afectividade.

LAFORTUNE, Louise; SAINT-PIERRE, Lise. A afectividade e a metacognição na sala


de aula. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.

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