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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FALE - FACULDADE DE LETRAS

Estágio Supervisionado no Ensino Fundamental LP/LE (120h)

O PRECONCEITO NO ESPAÇO INSTITUCIONAL

Luis Thiago do Nascimento Charme

Porto Alegre

2010
O presente ensaio irá abordar a importância das relações étnico-raciais na
sala de aula. Por que ainda existem estereótipos marcantes na escola? Como ela
age para impedir as atitudes preconceituosas em seus estudantes? Não podemos
negar que tais atitudes levam os estudantes ao fracasso escolar. Como a escola
poderia trabalhar para evitar este final?

O Brasil é um país dotado de uma pluralidade étnica bem característica. Um


processo histórico fez a sociedade brasileira receber portugueses, índios e negros
de origem africana. Essa miscigenação fez crescer o contato cultural que estes
povos possuem. No entanto, essas diferenças tomaram outros rumos e índios e,
principalmente negros, foram submetidos a situações de desigualdade, que resultou
na marginalidade e na exclusão social.

Segundo os PCNs, a ideia de um “Brasil sem diferenças, formado


originalmente pelas três raças – o índio, o branco e o negro – que se dissolveram
dando origem ao brasileiro” (PCNs, Pluralidade Cultural, p.25) diminuiu as diferenças
culturais que havia no país tornando possível a construção de uma cultura brasileira
mais homogênea.

Ao evidenciarmos as relações raciais dentro do espaço escolar, fazemos a


pergunta sobre até que ponto ele está envolvido com a sua função social que se
objetiva um espaço que preserva a diversidade, promovendo a equidade.

Por ser o primeiro ambiente de vivência das crianças, a escola tem o papel
principal no processo de socialização infantil no qual são estabelecidas relações
com crianças de diferentes famílias. O contato entre crianças brancas e negras no
ambiente escolar pode causar segregação, exclusão, possibilitando que a criança
adote um modo de convivência diferente a fim de não ser rejeitada pelo seu grupo
social. No caso de uma criança negra, o trauma pode iniciar da fala opressora que o
ignora e o estereotipa, fazendo com essa criança crie nela um processo de
desvalorização. Palavras como “feia, preta, macaca, cabelo duro, beiço” são alguns
dos vocábulos que inferiorizam e interferem na construção da sua identidade de
criança.
É no cotidiano escolar que as primeiras manifestações de racismo aparecem.
A linguagem é o primeiro meio que poderá disseminar este agravante através de
termos pejorativos que normalmente desvalorizam a imagem do negro.

O material didático é outro agravante muito discutido, visto que é tido como o
modelo dominante do ensino. Muitos desses materiais apresentam a falta de
visibilidade e reconhecimento dos conteúdos que envolvem a questão negra. Neste
impasse, temos a, talvez, maior das preocupações, a criança. Esta que está em alto
processo cognitivo, emocional e social. Portanto, ela é o alvo de toda discussão que
permeia este ensaio que, por isso, sofre com a suposta inferioridade de
determinados grupos. Todavia, entendemos que a escola tanto pode ser o espaço
onde existe a prática de disseminação quanto o principal meio para diminuir e
prevenir o preconceito.

Dentro dessa perspectiva do material didático, vale ressaltar que


recentemente houve um impasse sobre o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro
Lobato, em ser proibido nas escolas por se tratar de um livro em que a abordagem
em algumas interpretações cita conteúdos raciais negativos. Ora, suponhamos que
o livro não seja excluído das bibliotecas escolares, o papel da escola e do professor
é fundamental na contextualização deste registro, a não ser que não seja mais este
o papel dos membros deste meio, tampouco seja esta uma forma de valorização do
trabalho docente. Isso faz-nos pensar que o próprio criador desta polêmica – o
Ministério da Educação – não acredite nem dê devido reconhecimento a eles. Nessa
abordagem, se Monteiro Lobato tivesse intenção de discriminar e, com suas sábias
palavras, quisesse depreciar a figura da negra Tia Nastácia, com certeza ele não a
teria postado como personagem de tamanha importância dentro de suas histórias do
Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Para Kreutz (1999), o étnico constrói-se nas práticas sociais, num processo
de relação. Por isso é fundamental estar atento para as relações de poder entre os
diferentes grupos sociais e culturais. Este é o papel do professor ao deparar com tal
situação. No entanto, é percebível que muitos dos profissionais da área não se
atentam para esta preocupação, pois na maioria das vezes aborda, por exemplo, o
tema escravidão como sendo o início da história do negro, quando na verdade há
muito que se contar sobre as causas e consequências da dispersão dos africanos
pelo mundo e abordar a história da África antes da escravidão. Também, enfocar as
contribuições dos africanos para o desenvolvimento da humanidade e as figuras
ilustres que se destacaram nas lutas em favor do povo negro.

Quando atitudes como ofensas de grupos escolares para determinados


colegas não é percebida e/ou ignorada pelos membros responsáveis pelo ensino
e/ou pela sociedade, essa atitude não afeta somente o exterior da vítima afetada
com nítidos (pré) conceitos, mas também sua própria consciência. Muitas vítimas
são levadas a acreditar que seu fracasso é decorrente de seu estereótipo,
assumindo a discriminação exercida pelo grupo ofensor.

Segundo Ferreira (2000), o preconceito cumpre o seu papel, mobilizando nas


suas vítimas, sentimentos de fracasso e impotência, impedindo-as de desenvolver
autoconfiança e autoestima, quando há um distanciamento, por parte dos negros,
das matrizes culturais africanas, chegando eles, em alguns momentos, a tratar com
menos valor seus atributos negros, podendo, inclusive, não questionar os
estereótipos e situações preconceituosas, com medo de não ser aceitos pelo seu
grupo social, preferindo permanecer submissos. Com isso, a vítima inicia um
processo de autoexclusão.

Numa ocasião no ambiente escolar, um aluno negro retorna do intervalo com


o rosto completamente maquiado e seus colegas rindo da situação. Quando
questionado pelo professor sobre o ocorrido, a vítima responde que foi ele mesmo
quem deixou e que era uma brincadeira. O professor imediatamente reuniu o grupo
e discutiu sobre a situação e abriu um debate no qual pudessem refletir sobre os
limites e a valorização racial. Via-se no semblante do garoto que tal resposta não era
a mais plausível e que na verdade ele não estava gostando daquilo. O caso foi
aprofundado pelo professor com as pessoas envolvidas. Na hora parecia ter
resolvido, mas será que a atitude do professor foi a melhor para a ocasião? Estaria a
escola preparada para abordar este assunto? Afinal, existe um modelo para a escola
trabalhar as diferenças na sala de aula?

Trabalhar as diferenças de forma homogênea está longe de ser uma tarefa


fácil para o professor, porque para lidar com elas é necessário compreender como a
diversidade se manifesta e em que contexto. Portanto, educar para integrar as
questões étnico-raciais resulta na progressão da discussão a respeito das
desigualdades sociais, das diferenças raciais e qualquer outro tipo de diferenças,
com o intuito de ampliar as propostas curriculares, a fim de criar uma educação mais
democrática.

Estamos muito longe de ter uma escola igual para todos, pois as diferenças
são grandes. No entanto, repensar o currículo escolar seria a melhor maneira de
proporcionarmos o conhecimento das diferenças, principalmente raciais. Outro fator
que é importante ressaltar é que a exclusão social não está ligada ao fator
econômico, isto é, um aluno por ser pobre não afeta somente essa posição, mas
também pela sua origem étnico-racial.

Para Vigotsky (1984), o psiquismo humano existe por uma apropriação dos
modos e códigos sociais. Com a internalização, a criança vai tornando sua o que é
compartilhado pela cultura; o discurso social passa a ter um sentido individual.

Considerações finais

O espaço escolar poderá proporcionar debates com a intenção de visualizar


as diferenças existentes, favorecendo para o reconhecimento da contribuição
africana, dando visibilidade aos seus conceitos até então rejeitados pela cultura
dominante. Isso irá promover o conhecimento da própria figura e do outro
objetivando a reconstrução das relações raciais desgastadas pelas diferenças
étnicas. A escola, portanto, deve trabalhar visando a homogeneidade dessas
diferenças.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Parâmetros Curriculares Nacionais: Pluralidade cultural.


COSTA, J. F. "Da cor ao corpo a violência do racismo" In: Violência e
Psicanálise. Rio de Janeiro: Graal
FARIA, A L. Ideologia no livro didático, São Paulo: Cortez, 2000.
FERREIRA, R.F. Afro-descendente, identidade em construção, São Paulo:
EDUC Rio de Janeiro: Pallas, 2000.
GUSMÃO, N.M. "Linguagem, cultura e alteridade: imagens do
outro". In:Cadernos de pesquisa, Fundação Carlos Chagas n.107, julho, 1999.
___________. HELER, A. "Sobre os preconceitos" In: Cotidiano e a
História. São Paulo: Paz e terra, 1988.
KREUTZ, L. "Identidade étnica e processo escolar" In: Cadernos de pesquisa,
Fundação Carlos Chagas n.107, julho, 1999.
________. "Multiculturalidade e educação de negros".In: Caderno CEDE.
Educação e diferenciação cultural negros e índios. n32 São Paulo: Papirus.
MUNANGA, Kabengele. O preconceito racial no sistema educativo brasileiro e
seu impacto no processo de aprendizagem do “alunado negro”. IN: Utopia e
democracia na Escola Cidadã. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal
de RGS, 2000.

SOUZA, E.F. "Repercussões do discurso pedagógico sobre relações raciais


nos PCNs" In: Cavlleiro(org) Racismo e anti-racismo na educação. São Paulo:
Summus, 2001.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente, São Paulo, Martins Fontes,
1984.

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