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Poderíamos fazer o uso público da razão ao ensinar Filosofia?

Gabriel Panisson dos Santos1


Silvestre Francisco G. C. Savino Jr.2

1. Introdução
Este papper tem como finalidade questionar se poderíamos fazer a
utilização, tanto como instigar nossos futuros alunos a utilizarem, o uso público
da razão, tanto no ensino médio quanto no superior, tendo como base o que é
este uso, como está disposto no texto “Resposta à pergunta: O que é
esclarecimento?”, do filósofo alemão Immanuel Kant, onde ele tenta não só
falar sobre período histórico, mas demonstrar o que era esta ilustração, ou
clarificação, tendo como base a saída da menoridade com o uso público da
razão.
Após levantarmos o que o autor entende como uso público e privado da
razão, com o auxílio de outro texto iremos tentar responder a questão que é
título deste, pois se não pudermos fazer uso público da razão ao ministramos
nossas aulas, como poderemos instigar os nossos alunos a filosofar?

2. O uso público e privado da razão


Antes de definirmos o que é o uso público ou privado da razão, temos
que definir o que é Ilustração, que nada mais é que a saída da menoridade, da
qual, segundo o autor, o homem é o próprio culpado, pela covardia e preguiça
e por conta da comodidade que há em ser menor, neste sentido. Ele define o
Iluminismo como:

Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele


próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do
entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por
culpa própria, se a sua causa não residir na carência de
entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de
si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te
servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do
Iluminismo. (KANT, p. 1).

1
Graduando do curso de Filosofia do departamento de Filosofia (DEFIL) da Universidade Estadual do
Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO).
2
Graduando do curso de Filosofia do departamento de Filosofia (DEFIL) da Universidade Estadual do
Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO).
Ele ainda critica, neste texto, o método de ensino desta época, que era
exercido por tutores, que ensinavam de literatura a música clássica, porém não
faziam mais que repetir o quê a escolástica determinava, e não deixavam seus
pupilos usarem da própria razão, pois eles mesmos ainda se encontravam em
estado de menoridade.
Porém, para a saída desta menoridade não basta ter coragem, e sim
liberdade, e é aqui que entra o caso do uso público da razão, que nada mais é
que poder expor, de forma pública, o que cada um pensa, sem nenhum
impedimento, conforme descreve o autor: “para esta ilustração, nada mais se
exige do que a liberdade; e, claro está, a mais inofensiva entre tudo o que se
pode chamar liberdade, a saber, a de fazer um uso público da sua razão em
todos os elementos” (KANT, p. 2).
Quanto ao uso público da razão, o autor define como: “Por uso público
da própria razão entendo aquele que qualquer um, enquanto erudito, dela faz
perante o grande público do mundo letrado” (KANT, p. 3). E quanto ao uso
privado da razão: “Chamo uso privado àquele que alguém pode fazer da sua
razão num certo cargo público ou função a ele confiado.” (KANT, p. 3).
E neste trecho vemos o primeiro “porém” na tese do autor, quanto ao
uso público razão, pois só seria possível usá-la perante a certos grupos de
pessoas, que primeiramente ele determina como letrados, mas, logo próximo
ao final do texto, ele retorna a levantar quem seriam o seu público alvo, e neste
caso ele o estende a todos os súditos do reino:

[...] Mas o modo de pensar de um chefe de Estado, que favorece a


primeira, vai ainda mais além e discerne que mesmo no tocante à sua
legislação não há perigo em permitir aos seus súbditos fazer uso
público da sua própria razão e expor publicamente ao mundo as suas
ideias sobre a sua melhor formulação, inclusive por meio de uma
ousada crítica da legislação que já existe (KANT, p. 7).

Quanto ao uso privado, que é um ponto chave deste papper, ele discorre
sobre o caso de um clérigo, que por força de seu contrato com a instituição, ao
qual irá ministrar suas aulas, neste caso perante a igreja, este só poderia fazer
este tipo de uso da razão. Isso não o impediria de ilustrar-se, porém o uso
público da razão não poderia ser feito em suas aulas, conforme discorre o
autor:
Por conseguinte, o uso que um professor contratado faz da sua razão
perante a sua comunidade é apenas um uso privado, porque ela, por
maior que seja, é sempre apenas uma assembleia doméstica; e no
tocante a tal uso, ele como sacerdote não é livre e também o não
pode ser, porque exerce uma incumbência alheia. Em contrapartida,
como erudito que, mediante escritos, fala a um público genuíno, a
saber, ao mundo, por conseguinte, o clérigo, no uso público da sua
razão, goza de uma liberdade ilimitada de se servir da própria razão e
de falar em seu nome próprio. É, de facto, um absurdo, que leva à
perpetuação dos absurdos, que os tutores do povo (em coisas
espirituais) tenham de ser, por sua vez, menores (KANT, p. 5).

Neste momento entra a questão: Poderíamos, como professores de


filosofia, usar publicamente nossa razão, ou ficaríamos presos por um contrato
ao uso privado da razão? É o que tentaremos resolver no próximo tópico.

3. Podemos fazer o uso público da razão ao ensinar filosofia?


Neste tópico iremos retomar a questão que fecha o último, mas somente
com este texto de Kant não possível responde-la, pois o autor não define, de
forma clara se seria possível este uso dentro de uma instituição de ensino,
porém, utilizando-se da frase de Étienne Gilson, que escreve: “Quem começa
com Platão, com Platão tem que terminar” 3; Quem começa com Kant, com Kant
tem que terminar, porém iremos utilizar dos comentários e interpretação de
Jaques Derrida, sobre o livro O Conflito das Faculdades, em conferência
proferida em inglês, em 17 de abril de 1980, na Universidade de Colúmbia
(Nova Iorque).
Neste texto, segundo comentários de Derrida, Kant tenta não somente
falar dos eventuais conflitos das Universidades, principalmente entre as
Superiores (Direito, Medicina e Teologia) e a Inferior (Filosofia), como também
define o que ela é, e como as forças externas desta interferem na produção de
conhecimento.
A Universidade é, segundo sua interpretação de Kant, uma instituição
artificial, assim como o Estado, e é análoga a sociedade, ao sistema social que
ela representa. Quanto à autonomia da faculdade, ele destaca o axioma que
somente sábios poderiam julgar sábios, porém às forças externas, que neste
caso seria o Estado, interferem de forma decisiva na produção de pesquisas:

3
GILSON, Étienne. O espírito da filosofia medieval. Tradução: Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. Página 309.
[...] Entretanto, se se trata de criar títulos públicos de competência, se
se trata de legitimar saberes, se se trata de produzir efeitos públicos
dessa autonomia ideal, então, nisso, a Universidade não se autoriza
mais por si própria. Ela é autorizada (berechtigt) por uma instância
não-universitária, neste caso pelo Estado (DERRIDA, 1999, p. 86-87).

Mas por que utilizar este texto? Esperamos fazer uma analogia com a
faculdade inferior de que trata o texto, pois tanto nosso ensino médio quanto
superior são controlados pelo Estado, que determina os objetivos de cada
disciplina. Segundo o autor, sobre sua interpretação kantiana, a faculdade de
filosofia deveria ser livre, para exercer, segundo nosso entendimento, o uso
público da razão:

[...] A faculdade inferior (ou filosófica) deve poder livremente, de


acordo com Kant, ensinar o que quiser, sem se referir a quem quer
que seja e deixando-se guiar unicamente por seu interesse pela
verdade. E o governo deve conter seu próprio poder, como diria
Montesquieu, perante essa liberdade, deve até mesmo garanti-Ia. E
deve ter interesse nisso, pois, como diz Kant com o otimismo
fundamental que caracteriza esse discurso, sem liberdade a verdade
não pode manifestar-se, e todo governo deveria ter interesse em que
a verdade se manifestasse. A liberdade da faculdade inferior é
absoluta, mas é uma liberdade de juízo, e de palavra
intrauniversitária, a liberdade de pronunciar-se sobre o que é, através
de juízos essencialmente teóricos. Somente à palavra
intrauniversitária (teórica, judicativa, predicativa, constatativa) se
reconhece essa liberdade absoluta. (DERRIDA, 1999, p. 110-111).

Diante de tal autonomia e liberdade da faculdade inferior, concluímos


que poderíamos ensinar filosofia da melhor forma possível, que segundo Dr.
Desidério seria ensinando nossos alunos a filosofar, com a utilização do uso
público da razão.

4. Referencias
DERRIDA, Jaques. O olho da universidade. Tradução: Ricardo Iuri Canko;
Ignácio Antonio Neis. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.

KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: “O que é o Iluminismo”. Tradução:


Artur Morão. Disponível em:
<www.lusosofia.net/textos/kant_o_iluminismo_1784.pdf>. Acesso em: 29 de
jun. 2018.

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